TÍTULO: Núcleo de Assessoria Jurídica Popular
AUTOR: Agenor de Souza Santos Sampaio Neto
E-MAIL: [email protected]
INSTITUIÇÃO: FABAC – Faculdade Baiana de Ciências
ÁREA TEMÁTICA: Direitos Humanos
1. UMA BREVE E NECESSÁRIA INTRODUÇÃO
A FABAC – Faculdade Baiana de Ciências, Instituição de Ensino Superior
Privada, insere-se no aumento verificado no número de universidades em nosso país na
última década, onde verificado um índice de crescimento no percentual de 66%. Apesar
disso, o Brasil continua a ser um país com índices de participação de sua juventude no
ensino superior abaixo dos índices da Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai. Isso demonstra
a demanda ainda a ser atendida para possibilitar uma inserção brasileira mais autônoma no
mundo atual, onde o conhecimento e a informação são essenciais.
Entretanto essa maior “competitividade” do país, e de nosso Estado, a Bahia,
através do conhecimento e da informação, não será possível apenas pelo aspecto
quantitativo, pelo aumento do número de vagas, mas principalmente também pelo enfoque
qualitativo. Uma educação de qualidade significa aquela que permita uma postura reflexiva
do aluno, em que este possa se dar conta dos processos de socialização aos quais ele está
exposto na Escola (a educação formal), e no qual ele possa ser sujeito do processo de
aprendizagem.
A educação do século XXI não será aquela restrita à repetição de fórmulas, ou
preparadora de técnicos, formadora de mão de obra adestrada, mas aquela em que os
indivíduos possam aprender a fazer, com habilidades e competências para se colocar no
mundo do trabalho e na sociedade; aprender a aprender, ser capazes de se reinserir no
mundo de forma criativa, adaptativa e autônoma; e aprender a conviver, para
democraticamente aceitar o diferente e valorizar a diversidade.
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Essa educação de qualidade no patamar superior se concretizará pela existência do
tripé do ensino, pesquisa e extensão. Até a Reforma Universitária de 1968, a Universidade
Brasileira padeceu de uma marca muito profissionalizante, sem prioridade para a pesquisa,
sem um corpo docente em tempo integral que pudesse se dedicar à pesquisa, a produção de
novos conhecimentos. A referida Reforma, além de eliminar a duplicidade de meios para os
mesmos fins, racionalizando a administração de recursos e integrando áreas de
conhecimento básico e profissionalizante (com evidentemente variações de uma
universidade para outra), também estabeleceu a pesquisa e a pós-graduação como
prioritárias para a formação de professores do magistério superior. O parecer do
Conselheiro Newton Sucupira, do Conselho Federal de Educação, deu início à pósgraduação no País, já há muito reivindicada pela comunidade científica.
A extensão também é anunciada na Reforma Universitária de 1968, mas desde
antes ela já existia. A extensão começa na área das ciências agrárias, na agronomia e na
veterinária, que pela sua natureza desde cedo precisavam e eram solicitadas pelas
atividades agropecuárias a estender seus conhecimentos ao campo, assim como a fazer
pesquisas para resolver problemas nesse setor. O movimento dos estudantes, através do
CPC da UNE debate, formula e procura colocar em prática sua concepção de extensão
universitária, vinculada à melhoria das condições de vida da população, ao contato da
cultura popular e acadêmica, com a valorização da popular, e à busca de soluções dos
problemas sociais de então. Os CPC – Centros Populares de Cultura abriram espaços para
muitos artistas consagrados nos anos posteriores e até mesmo hoje, como também
procuraram estabelecer um contato entre a Universidade e a Sociedade. Atualmente, há o
Fórum de Pró-Reitores de Extensão no Brasil, que realiza encontros nacionais e já tem um
acúmulo na discussão, teorização e prática dessa atividade essencial nas universidades do
Brasil hoje.
Na sociedade norte-americana, a atividade extensionista é extremamente forte, em
suas várias vertentes, inclusive pela grande presença do ensino superior naquele país e pelo
caráter comunitário que as universidades lá têm. As universidades têm uma relação muito
próxima de suas comunidades, prestam muitos serviços, como os de saúde.
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A Universidade na contemporaneidade de forma inequívoca agrega então esses
dois valores: a necessidade da qualidade acadêmica pelo ensino, pesquisa e extensão e a
ligação com a sua comunidade, na solução de problemas e interlocução constante.
Nos cursos jurídicos, o quadro que se apresenta é das ações totalmente voltadas
para o ensino, relegando a um segundo plano a pesquisa e principalmente a extensão. Nesse
sentido, já apontava RODRIGUES (1993) à inexistência de pesquisa e extensão nos cursos
jurídicos. Alerta o citado autor sobre “a necessidade de tomar-se consciência da
indissociabilidade desses elementos” e que “sem extensão não há o cumprimento da função
social do conhecimento produzido”.
Por outro turno, ainda no que tange a extensão nos cursos jurídicos, na maioria das
vezes reduz-se ao estágio, de caráter basicamente assistencialista, apenas para cumprir os
requisitos formais da legislação. Portanto, urge que a extensão na área jurídica rompa com
esse ciclo, mediante projetos que busquem uma interlocução com a sociedade, respeitando
as pecualiaridades locais.
Então nosso projeto é definido pelas seguintes características:
1. É um projeto de interlocução com a comunidade, e não de assistência, pois
compreendemos que o saber universitário não é superior ao saber das
comunidades. A referência para esse enfoque está na obra de Paulo Freire,
“Comunicação ou Extensão?”. A Universidade não deve ser vista como a
iluminadora da ignorância social, como a instância salvadora do caos
social. A Universidade está inserido no social, na sua cultura social, sofre
os efeitos das políticas públicas gerais, debate os mesmos temas, é mais
uma instância, com especificidade, mas nosso enfoque não é o da
superioridade. A concepção da modernidade de que deveria haver um pólo
civilizador, colonizador, detentor dos caminhos da razão superior deve
ceder lugar à outra concepção, da multiplicidade de valores e da aceitação
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do diferente, inclusive para que a Universidade tenha sua postura de
reprodutora dos valores sociais dominantes colocada em suspenso, o que
pode resultar num grande benefício acadêmico que será colocado abaixo;
2. A Universidade já está em contato com as diversas demandas sociais e ela
reproduz no seu interior a correlação de forças que existe na sociedade, nos
seus interesses de pesquisa, na formação profissional, na composição de
seu alunado, nas posturas de seus integrantes. Logo, a situação desses
elementos universitários não é estática, é dinâmica na medida em que as
forças sociais, culturais, econômicas se movimentam dentro e fora na
Universidade.
3. Assim, a extensão universitária não é para mudar a sociedade, mas para
mudar a própria universidade, a formação dos alunos. Isso se coaduna com
a concepção de que a aprendizagem hoje não deve ser apenas aquela da
sala de aula, sempre com a dependência do professor-expositor do assunto
pronto e acabado, mas pode ser multireferencializada, pode se dar de
diversas formas. A internet, a arte, a literatura e as atividades de extensão
podem ser outras formas de aprendizagem.
4. A extensão pode servir para enriquecer a cultura interna de um curso
superior. Mais do que uma aprendizagem racional, a universidade tem uma
aprendizagem pelos códigos não ditos, pela sua cultura crítica, pela cultura
acadêmica, pela cultura institucional, pela cultura social e a cultura
experiencial, segundo Pérez Gomes, em sue livro A Cultura Escolar na
Sociedade Neoliberal (2001). Gomes nos informa que a escola (educação
formal) não deve ser compreendida apenas como reflexo das estruturas
sócio-econômicas, mas é um espaço de mediação dessas diversas culturas
citadas acima, numa constante constituição e reconstituição da tessitura
cultural, com suas limitações e potenciais. As diversas culturas que se
entrelaçam na escola são das disciplinas e conteúdos (cultura crítica); o
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currículo e sua organização (cultura acadêmica), a organização interna,
hierarquias, relações de poder (cultura institucional), os condicionantes
sociais, econômicos e políticos externos (cultura social) e as vivências de
cada aluno, dentro de uma trajetória própria e única (cultura experiencial).
2. O PROJETO DO NÚCELO DE ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR:
OBJETIVO, METODOLOGIA, RESULTADOS
O curso de Direito da FABAC, além da formação geral, possui ênfase em Direito
Econômico e Direito Ambiental. Nesse contexto, o Núcleo centra as suas ações
extensionistas nessas duas frentes: Direito do Consumidor (Econômico) e o Direito Urbano
Fundiário (Ambiental).
Assim, compromissos dessa ordem, buscam o reconhecimento recíproco entre os
atores, e sobretudo, da sua ligação a valores que expressem a dinâmica de uma sociedade
redesenhada. Em que pese a Constituição Federal dizer que “todos são iguais perante a lei”,
na prática não é assim, de modo que a Assessoria Jurídica Popular, ao menos no seu locus
de atuação procura corrigir tal distorção.
No que tange ao Direito Consumerista, o Código de Defesa do Consumidor (Art. 4º,
IV) define como Política Nacional de Relações de Consumo a “educação e informação de
fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do
mercado de consumo”, de modo que tais princípios propiciam a transparência e harmonia
nas relações de consumo, contribuindo sobremodo para a dignidade da pessoa humana,
um dos princípios fundamentais da República gizado no Art. 1º. Da Constituição Federal.
Portanto, conforme já pontificou FILOMENO (1997) cartilha, material informativo
e outros instrumentos constituem útilíssimo instrumental para os consumidores
inteirarem-se de seis direitos e prerrogativas.
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Efetivar-se-ä portanto um trabalho jurídico onde após reuniões com associações de
moradores, valorizando a participação direta na discussão, será enfocado, em forma de
desenho em quadrinhos, o Código de Defesa do Consumidor, de forma que o membro da
comunidade conheça os seus direitos de forma didática. Daí a escolha dos quadrinhos,
enquanto meio para melhor aproximar o assessor do assessorando, evitando ruído no canal.
Por outro turno, não será trabalhado somente com o consumidor (assessorado),
assim também será equiparado o fornecedor como assessorado, no caso local: pequenas
mercearias, açougues, padarias, ou seja, microcomerciantes, que não dispõe de assessoria
jurídica, todavia, necessitam conhecer os deveres, uma vez que são emissores de consumo e
estão tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor. Portanto, aqui o viés é duplo consumidor-fornecedor: conhecer para exigir, conhecer para cumprir.
Através da Lei 10.527/2001, Estatuto da Cidade, ocorreu a regulamentação dos
Arts. 182 e 183 da Constituição, lei que tem por escopo melhorar a vida na cidade através
de instrumentos de regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda.
O referido Estatuto possibilita o enfrentamento de questões urbanas e que afetam
diretamente a qualidade de vida dos cidadãos (moradia), após identificar os problemas da
comunidade, far-se-ä a regulação fundiária mediante os instrumentos postos pelo novel
diploma, de modo a legalizar a moradia, contribuindo sobremodo para a dignidade da
pessoa humana.
Um desses instrumentos é o usucapião especial urbano onde será concedido ao
homem ou à mulher, ou a ambos, para a sua moradia ou de sua família, o título de domínio
do imóvel de até 250 m, ocupado, sem oposição do proprietário, há mais de cinco anos.
Outro instrumento é o usucapião especial coletivo, onde em áreas superiores a 250 m, onde
não for possível identificar terrenos ocupados por possuidor, poderá ser proposta ação de
usucapião coletiva, pelos interessados ou pela associação de moradores legalmente
constituída e autorizada pelos representados.
Todavia, tal regulamentação não pode ficar na letra fria da lei, necessário ações
para identificar e postular a materialização desse direito, daí porque o projeto propõe-se a
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interagir com a comunidade carente no entorno do campus no sentido de fazer de
regularizar a tão sonhada moradia.
Portanto, trata-se de um projeto de interlocução com o local, extrapassando o
campo do assistencialismo, aqui a extensão interage com o local, vai além do campus,
todavia, tem como diferencial mudar o fazer universitário, assim
a extensão
universitária não é para mudar a sociedade, mas para mudar a própria universidade,
a formação da comunidade acadêmica, especialmente dos alunos.
A Metodologia do projeto Núcleo de Assessoria Jurídica Popular tem estrutura
modular, com dois grupos, um cuidando da Defesa do Consumidor e outro tratando da
Regulamentação Fundiária. Cada grupo tem 05 professores e cinquenta alunos, sendo que
um professor monitora 10 (dez) alunos (subgrupo), possibilitando a inserção em até 05
(cinco) bairros da comunidade, uma vez que diante da diferenciação bairro a bairro cada
subgrupo trabalha em um bairro diferente, possibilitando nos seminários o relato e troca de
experiência. Assim, em cada bairro atuará dois subgrupos, um para o enfoque do Código de
Defesa do Consumidor e o outro para a questão da regulamentação fundiária.
O projeto foi apresentado através de Seminário com apresentação e discussão dos
objetivos e metodologia, tendo ocorrido a formação de grupos de alunos para interação nos
bairros com vistas a implementação dos projetos.
3. Bibliografia
FALCÃO, Joaquim de Arruda. Os advogados: ensino jurídico e mercado de
trabalho. Recife, 1984.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5.
ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1997.
MARTINS, José de Souza.. Discutindo a assessoria popular-II. COLEÇÃO
Seminário, n. 17. Rio de Janeiro, 1992.
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RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. 1.ed., São
Paulo: Acadêmica, 1993.
MANUAL. Estatuto da Cidade – O jogo tem novas regras. CREA-MG. Belo
Horizonte, 2.002.
MANUAL. Conhecendo o Estatuto da Cidade. FASE. Rio de Janeiro, 2.002.
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