Formadora: Elisa de Castro Carvalho
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Evolução histórica da Educação Especial
Introdução
Autores como Kauffman, que se têm dedicado ao estudo da história da Educação
Especial (EE), consideram de grande importância para a sua análise ter em conta o
sistema de ideias no qual ela se desenvolve e a estrutura social em que aquele está
inserida. Afirma ainda aquele autor que “para um completo estudo aprofundado do
perfil da evolução da Educação Especial é necessário ter em conta a história da
Educação em geral, da psicologia, da medicina, das leis da assistência – asilos e da
política (do tempo), da sociologia, da antropologia, etc.
Um campo conceptual tão vasto e a grande heterogeneidade de população a que
a EE se dirige têm no entanto dificultado o avanço científico neste ramo como um todo.
Ao longo da história, a humanidade não tem equacionado sempre da mesma
forma a problemática da deficiência. Segundo Lowenfeld ela tem sido perspectivada de
quatro formas distintas, que correspondem a períodos diferenciados na história:
Separação, Protecção, Emancipação e Integração.
Falar-se-á um pouco de cada uma destas fases relacionando-se com o tipo de
educação existente na respectiva época, embora se saiba que até ao século XIX poucas
tentativas foram feitas para educar deficientes.
1. Separação
Esta era geralmente praticada por duas vias: Aniquilação e Veneração.
Apesar das condições de vida serem más e de não haver higiene e defesas
capazes contra a doença, existiam nas sociedades primitivas poucos deficientes, dado
que estes, como todos os indivíduos sem condições de subsistência autónoma, eram
suprimidos.
Existia ainda um outro factor, que a maioria dos autores reputam como de maior
peso, que contribuía para o seu extermínio – o pensamento mágico – religioso, que
subordinava na altura o conhecimento, uma vez que aquele considerava o deficiente
como um perigo.
Pensava-se, por exemplo, em relação ao cego, que ele era possuído por um
espírito maligno, tornando-se assim em objecto de temor religioso; acreditava-se que
quem lhe fizesse mal seria alvo de uma vingança dos deuses.
Havia ainda sociedades em que o cego era divinizado. Acreditava-se que possuía
uma visão sobrenatural baseada numa capacidade de comunicação com os deuses.
Na China, e noutras sociedades orientais, eles eram muitas vezes exorcistas,
adivinhos e diziam a sina. Exerciam também estas profissões nas sociedades ocidentais
onde o extermínio de crianças deficientes à nascença era proibido pela lei, como por
exemplo em Tebas.
Nas restantes cidades gregas, em Roma e na Índia, a sua condenação à morte era
aceite legal e teoricamente pelos indivíduos.
Filósofos como Platão, Aristóteles e Séneca eram apologistas dessa prática.
Tem-se, no entanto, conhecimento de alguns casos de deficientes venerados
como Homero, Tiresias e Phineus entre outros. Eram considerados pessoas cheias de
dignidade e de saber, que falavam dos mistérios da vida e da morte, dos deuses, que
contavam histórias e cantavam. Este último costume permaneceu por longos anos,
dando origem mais tarde à figura do bobo da corte.
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2. Protecção
Com a evolução social o infanticídio vai saindo aos poucos da legislação, mas
essa evolução não se traduz na maioria das sociedades num progresso real, uma vez que
não eram reconhecidos aos deficientes nenhuns direitos, como por exemplo o de herdar
ou exercer qualquer cargo.
Na Pérsia uma das formas de impedir que o indivíduo subisse ao trono consistia
em cegá-lo.
A concepção de protecção apareceu com o desenvolvimento das religiões
monoteístas. O velho testamento e as primeiras sociedades cristãs consideravam as
crianças órfãs, os idosos e os cegos como protegidos especiais da Igreja,
correspondendo estes a categorias especiais na legislação, ainda hoje, em muitos países.
A cegueira era, nessa altura, considerada uma forma de alcançar o céu.
Fundaram-se então asilos e hospitais, tais como o de S. Basílio no século IV,
onde os cegos eram admitidos. A primeira tentativa esporádica de educação de um
deficiente foi a da Didymus da Alexandria, um teólogo e professor cego que viveu nesse
mesmo século.
Simultaneamente, nessa altura, era prática comum o flagelo físico; mutilava-se
ou cegava-se indivíduos que cometiam delitos comuns, que tinham desobedecido ao
“Rei”, que eram prisioneiros de guerra, etc.
Mais tarde, já em plena Idade Média, foram criados vários hospícios para
deficientes, sendo o primeiro fundado por S. Luís, em França, no ano de 1260, ao qual
se seguiram outras iniciativas de apoio sistemático aos deficientes através de ordens
religiosas na Suíça, Alemanha, Itália e Espanha. A maioria destes hospícios tinha no
entanto características puramente assistenciais. Os deficientes eram alimentados,
vestidos e pouco mais nessas instituições. Acreditava-se ainda que eles eram advogados
todo-poderosos junto do céu, sendo por isso necessário tratá-los para se poder obter as
graças desejadas de Deus.
Com o aparecimento do movimento reformista da Igreja, volta a haver uma nova
visão dos deficientes. Martinho Lutero, no início do século XVI, considerava-os pessoas
sem Deus, pensamento este que, durante algum tempo, dominou sobretudo nos países
que aderiram à religião protestante.
Desta forma os primeiros serviços de educação de deficientes que se conhecem
são geralmente resultantes de iniciativas da igreja Católica (os irmãos de S. Vicente de
Paula desenvolvem uma grande actividade nesse sentido em França – hospital de
Bicetre).
Mais tarde, aqueles serviços gozaram não só da influência que os iluminados
tiveram no pensamento de então, mas também do valor que se começava a dar ao
trabalho produtivo. Em 1601, uma lei da Rainha Isabel I – “Elizabethian, - Poor Law”,
dava um grande relevo à necessidade de que as crianças deficientes, os coxos, os velhos
e os cegos deviam ser colocados como aprendizes, à excepção daqueles que de maneira
nenhuma pudessem trabalhar.
3. Emancipação
Os iluminados (Diderot e Rousseau), a industrialização da sociedade e o
aparecimento de deficientes ilustres, nomeadamente cegos, criaram as pré-condições
para a descoberta das facilidades que tornaram possíveis a organização da EE e a
conquista legislativa de cidadãos de pleno direito para os deficientes.
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De facto, sob o estatuto de protegidos da sociedade, alguns indivíduos cegos
tornaram-se conhecidos como cantores, músicos e poetas. No séc. XVIII aparece na
civilização ocidental um grande número de deficientes ilustres tais como os cegos
Nicholas Sanderson (1682-1739), professor de matemática na Universidade de
Cambridge, e Maria Teresa Von Paradis (1759-1824), cantora e pianista famosa.
(…)
O novo interesse criado pelo Renascimento em estudar o homem, levou ao
interesse pelo estudo e educação dos não-normais. É nesta conjuntura que apareceram
homens como:
a) Jacob Rodrigues Pereira, que em 1749 demonstra na Academia das Ciências
de Paris como se podia ensinar os surdos-mudos a falar e a ler, sendo este
método mais tarde melhorado pelo Abée de L’Épèe.
b) Valentin Hauy (1745-1822), inspirado nos esforços do Abée de L’Épèe na
educação de um surdo, e no exemplo de Maria Teresa Von Paradis, dedicouse ao ensino dos cegos fundando em Paris a primeira escola para cegos –
Institut National des Jeunes Aveugles (1784).
c) Itard, em 1801, faz a primeira tentativa científica para educar um deficiente
treinando Victor, o selvagem de Averyon. Este trabalho é geralmente
apontado como o início da Educação Especial propriamente dita.
Inicia-se, assim, um trabalho educativo mais sistematizado, virado
essencialmente para as deficiências evidentes: a cegueira, a surdez e a debilidade
profunda.
Este primeiro período da história da EE é caracterizado como sendo uma fase de
grande optimismo e euforia. É a época em que se abrem as primeiras escolas
residenciais de cegos, surdos e débeis mentais. Acreditava-se que se conseguiria, através
da EE, resolver a maioria dos males provenientes da deficiência. Assim, a EE seria
capaz de curar o seu defeito de comportamento e torná-los-ia cidadãos úteis e
produtivos.
(…)
É interessante notar também que é nesta primeira fase da Educação Especial
propriamente dita que:
a) A grande maioria dos seus pioneiros, como Seguin e Howe, definiam como
objectivo principal da EE que o deficiente pudesse tomar o seu lugar na
sociedade como membro activo, uma vez que isso libertava as despesas
públicas;
b) Na sua maioria, os fundadores das escolas especiais eram religiosos ou
homens de negócios.
(…)
Contudo, nesta primeira fase, a Educação Pública não dava atenção aos
problemas dos deficientes. Deste modo, a Igreja, a pouco e pouco, foi admitindo a
entrada de deficientes nas suas escolas, desde que estes não apresentassem problemas
profundos.
De qualquer forma, o início da Educação Pública, e mais tarde da escolaridade
obrigatória, possibilitaram o desenvolvimento de interesses no sentido dos cegos e
surdos se tornarem auto-suficientes, acentuando-se assim as suas possibilidades de
emprego.
No entanto, foram fundamentalmente os empresários que se interessaram pela
educação dos deficientes, uma vez que nessa altura havia uma grande necessidade de se
tornar todos os cidadãos o mais produtivos possível, dada a carência explosiva de mãode-obra, ao tempo.
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(…)
Com o aparecimento das teorias que demonstraram que a influência genética e
ambiental dos indivíduos são muitas vezes difíceis de combater (mudança), na parte
final do século XIX, deixou-se de acreditar na cura através da EE, o que levou a que se
investisse muito menos no estudo dos métodos de ensino. Inicia-se, assim, um período
de forte influência médica que se traduziu:
a) Pela aplicação das teorias de Darwin que levaram Down, em 1866, a explicar
o mongoloidismo como um estado equivalente ao desenvolvimento
fisiológico da raça mongol;
b) No começo da utilização das classificações dos vários tipos de deficiência
(influência da biologia);
c) No conhecimento de que a deficiência mental era provavelmente de origem
hereditária, o que levou a opinião pública a procurar defender-se dos “males”
que daí advinham.
Desenvolveram-se assim os movimentos eugénicos com o fim de segregar e
esterilizar os deficiente.
(…)
Em síntese, poder-se-á dizer que no século XIX e início do século XX, a
educação especial se caracterizava por um ensino ministrado em escolas especiais em
regime de internato, específicas de cada área de deficiência, embora já existissem
defensores do sistema de ensino integrado e que, a pouco e pouco, fossem aparecendo
outras formas de atendimento com o semi-internato e a classe especial.
É também nesta fase que se começa a fazer a formação de professores,
geralmente nas instituições, e que se criam as primeiras Associações Profissionais, tais
como a Associação Americana de Instrutores de Cegos (1871), Associação Americana
de Deficiência Mental (1876), etc. e que a psicologia se estabeleceu como um campo
profissional.
4. Integração
A Declaração dos Direitos da Criança, em 1921, e dos Direitos Humanos, em
1948, a Segunda Grande Guerra e as opiniões crescentes de que a segregação nos planos
educativo e social era anti-natural e indesejável, ajudaram à mudança de filosofia de
Educação Especial e Reabilitação.
No entanto, a polémica da educação em escolas de ensino especial, educação
integrada, continua aberta coexistindo duas perspectivas na forma de entendimento em
Educação Especial: a integração de crianças deficientes no sistema normal de ensino,
frequentando classes regulares, e outra, em que a preparação das crianças deficientes se
faz independentemente nas escolas de ensino especial, mas como participação activa na
vida social.
Os defensores da integração escolar, consideram que existe uma necessidade de
tirar ênfase do impacto do isolamento, reduzindo em grande parte os custos dos serviços
de atendimento; promover a individualização do ensino em todas as fases de educação;
dar maior atenção ao desenvolvimento da criança na sua totalidade, incluindo as áreas
de socialização e emocional. Criticam, sobretudo, o criar o envolvimento isolado para a
criança deficiente, e afirmam que a permanência constante em ambientes protegidos não
favorece a aceitação de si própria e a integração social.
Os defensores da perspectiva segregada de ensino, argumentam que a aceitação e
compreensão de deficientes não acontecem só porque existe uma oportunidade de
interacção com os normais, que a integração escolar parte do princípio que existe
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individualização de ensino e que são respeitadas as interacções individuais, mas que é
sabido que, na prática, o grande número de alunos por grupo e a sua heterogeneidade,
obriga o melhor professor a não obedecer a estes princípios quando é confrontado com o
problema. De respeitar as necessidades individuais a nível cognitivo, afectivo e
psicomotor. Argumentam ainda que, em muitos casos, o nível de expectativa criado é
demasiado elevado, conduzindo por isso a um elevado índice de insucesso escolar,
acabando por prejudicar essas crianças ou que, pelo contrário, o reconhecimento da
situação de desvantagem do deficiente na situação de ensino leva a que muitas vezes
estes sejam beneficiados na sua avaliação final baixando consideravelmente a sua
preparação e encontrando-se assim em piores condições para entrar no mundo do
trabalho.
(…)
Assim, a segunda metade do século XX é caracterizada por um enorme
desenvolvimento de EE, não só em quantidade (número de professores, de deficientes, e
de orçamentos envolvidos), como também em qualidade (grande diversidade e
complexidade de serviços). Os direitos dos deficientes tornam-se uma preocupação
fundamental dos professores de educação especial dos anos “70”, sendo este período
aquele em que sai uma grande quantidade de legislação sobre esta matéria de que são
exemplos ilustrativos:
A) A publicação do relatório da comissão de inquérito sobre educação das
crianças deficientes, o já famoso “Warnock Report” (1978). (…)
B) Public Law 94-142, que chama a atenção para a necessidade de um plano
individual de ensino para todas as crianças deficientes que pressupõe o
direito de todos à escolaridade (considerando que existe desta forma acesso
igual à educação), com a utilização diferenciada de recursos para atingir fins
semelhantes. (…)
Tenta-se que vivam com as suas famílias e sejam membros activos de uma
sociedade. Apareceu assim o conceito de normalização, o que não significa tornar o
deficiente “normal”, mas sim o de criar-lhe condições de vida de forma a que, tanto
quanto possível, estas sejam semelhantes às condições dos outros elementos da
sociedade onde aquele está inserido (Mikkelsen, 1978), utilizando, para o conseguir,
uma grande variedade de serviços existentes nessa mesma sociedade.
Leonor Moniz Pereira (Professora Auxiliar do ISEF)
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