EDUCAÇÃO, TRABALHO E INCLUSÃO SOCIAL: INTERFACES ENTRE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL A
PARTIR DE 1990
Odair Antonio Fernandes1
Amélia Kimiko Noma
Introdução
Nosso objeto de estudo é a educação para o trabalho concebida para pessoas com
deficiência mental, materializada na política nacional destinada a pessoas com
necessidades educacionais especiais, a partir de 1990. Trata-se de temática relacionada
à educação profissional de pessoas com deficiência mental em nosso país a qual, no
período delimitado, está tecida numa articulação estabelecida entre educação, trabalho e
inclusão social.
A educação, compreendida como um direito de todos, norteia a política nacional de
inclusão educacional que almeja a efetivação da igualdade constitucional. O
entendimento é que a promoção da inclusão de grupos notoriamente discriminados,
visando superar o processo de exclusão histórica imposto, às pessoas com deficiência,
deve ser realizada por intermédio de políticas de ações afirmativas e pela
conscientização da sociedade acerca das potencialidades desses indivíduos.
O foco da política nacional dirige-se à integração e à inclusão educacional das pessoas
com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino alinhando-se à
tendência mundial que preconiza a oferta de educação básica para todos. Propala-se a
luta pela democratização, sobretudo da educação básica, incluindo a exigência de
qualidade dos serviços, de acesso, de permanência dos alunos e de conclusão da
escolaridade como um direito social.
Os anos 1990 foram pródigos na consignação de instrumentos internacionais,
constituídos com valor jurídico ou como compromissos políticos, em que os países
chamados “em desenvolvimento” tornaram-se signatários e, em conseqüência,
comprometeram-se a elaborar e implementar políticas educacionais promovendo o
acesso dos excluídos do sistema educacional, entre eles as pessoas com deficiência
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mental.
Reconhecendo o direito dos sujeitos com deficiências, esforços são encetados para
desalojar a relação entre educação especial e educação profissional da periferia dos
sistemas de ensino, de acordo com o discurso oficial.
Objetivo
Nosso objetivo é analisar a política brasileira voltada para a formação profissional da
pessoa com deficiência mental com vistas à sua inserção no mercado de trabalho a partir
de 1990. Buscamos evidenciar que esse discurso da formação para o trabalho,
aparentemente consensual, é contraditório e historicamente negado ao ser confrontado
com as transformações na produção e no processo do trabalho no contexto da sociedade
capitalista.
Metodologia
Tendo como premissa a não possibilidade de compreender e explicar o objeto em
investigação de forma particular ou isoladamente, optamos pela abordagem materialista
da história, o que requisita a adoção do procedimento metodológico de estabelecimento
da relação do objeto em estudo com o contexto histórico em que o mesmo se constituiu.
Com o propósito de explicar a determinação social do objeto em condições históricas
específicas, apreendem-se as relações entre o educacional, o econômico e o político,
mediante a contextualização das questões analisadas nessa pesquisa no movimento
correspondente à fase da mundialização do capital. A discussão aqui desenvolvida está
articulada com o processo de reorganização capitalista decorrente da resposta à sua crise
estrutural, que se tornou mais evidente a partir da década de 1970, bem como com as
transformações da sociedade brasileira nesse contexto.
Nosso trabalho se fundamenta em análise de conteúdo de documentos normativos e
orientadores concernentes à interface entre educação profissional e educação especial.
As questões em presença são problematizadas à luz da literatura pertinente que fornece
subsídios para a atribuição de significados históricos à política pública nacional e às
ações planejadas para a promoção da educação profissional de pessoas com deficiência
mental.
1
Professor de Educação Especial - SEED-PR. Fone: (41) 8861 9969 E-mail: [email protected]
3
Resultados
O contexto de referência no qual se insere o nosso objeto de estudo é caracterizado por
transformações no modo de produção social que decorreram da resposta do capitalismo
mundial às crises de rentabilidade e valorização do capital, tornadas mais evidentes a
partir da década de 1970. A busca da superação da crise mundial ocorreu com uma nova
configuração e uma nova dinâmica da produção e da acumulação do capital.
Chesnais (1997a, p.46) utiliza-se do termo mundialização do capital para designar esse
processo concebendo-o como “[...] um modo de funcionamento específico do
capitalismo predominantemente financeiro e rentista, situado no quadro ou no
prolongamento direto do estágio do imperialismo”. Para o autor, essa fase expressa "[...]
o fato de estarmos dentro de um novo contexto de liberdade quase total do capital para
se desenvolver e valorizar-se, deixando de submeter-se aos entraves e limitações que
fora obrigado a aceitar no período pós-1945, principalmente na Europa" (CHESNAIS,
1997b, p.8).
O mesmo autor alerta que isto não significa em absoluto um processo de integração
mundial portador de uma repartição menos desigual das riquezas e, portanto, menos
excludente. Ao contrário disso, a mundialização, nascida da liberalização e da
desregulamentação, "[...] liberou todas as tendências à polarização e à desigualdade que
haviam sido contidas, com dificuldades, no decorrer da fase precedente" (CHESNAIS,
2001, p.12). O resultado foi – e ainda é – "[...] a polarização da riqueza em um pólo
social (que é também espacial), e no outro pólo, a polarização da pobreza e da miséria
mais desumana” (CHESNAIS, 2001, p.13).
Neste ponto, merece destaque o fato de que quanto mais polarizado e desigual se torna o
universo social do capital mundializado mais contundente se torna o discurso da
integração, da eqüidade, da tolerância e do respeito às diferenças. Quanto mais países
“em desenvolvimento” e mais contingentes populacionais são excluídos dos circuitos de
valorização e de acumulação do capital e do enriquecimento, mais força adquire a
retórica da promoção de oportunidades educativas a todos e do respeito à diversidade,
consoante com os princípios de inclusão escolar e de exercício da cidadania.
Outra questão a ser ressaltada é que nesse período, caracterizado pelo desemprego
crônico, exatamente por ser estrutural, no qual se intensifica a confrontação entre a
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força de trabalho e o capital, é atribuído à educação o papel de qualificação para o
mercado de trabalho, colocando-se a certificação de escolarização como promessa de
mudança situacional do indivíduo isolado. Esta focalização da educação como
“remédio” para o desemprego resulta por ocultar a realidade histórico-social do
capitalismo ao atribuir a responsabilização individual, pois aqueles que não conseguem
se inserir no mercado de trabalho são considerados os próprios culpados pelo seu
infortúnio. Assim, confere o desemprego para quem o sofre, dissimulando a relação
existente entre as “[...] agrupações oligopólicas que instrumentalizam as grandes
mutações tecnológicas, econômicas e sociológicas em escala mundial” (CASTRO,
2004, p. 4-5).
Contribuindo para esse debate, Mészáros (2002, p. 1004) explica que o padrão
emergente de desemprego é um indicador da crise estrutural do capitalismo, que, na
atualidade, tem-se aprofundado, pois os trabalhadores mais qualificados estão
somando-se ao contingente existente de desempregados. As conseqüências dessa
situação se fazem sentir em todas as categorias de trabalhadores, sejam qualificados e
ou não-qualificados, abrangendo a totalidade da força de trabalho da sociedade
(MÉSZÁROS, 2002, p. 1005).
O capital articula suas bases materiais para enfrentar a referida crise, promovendo uma
reestruturação do processo produtivo, o qual passa a se fundamentar em formas de
produção flexíveis com base na inovação tecnológica e em novas formas de gestão da
produção e do trabalho. Ocorrem transformações “[...] no regime de acumulação e no
modo de regulamentação social e política a ele associado” (HARVEY, 1999, p.117).
Na era em que há a emergência de um regime de acumulação predominantemente
financeiro, a doutrina do capitalismo é denominada de neoliberalismo. Trata-se da “[...]
ideologia do capitalismo na era da máxima financeirização da riqueza, a era da riqueza
mais líquida, a era do capital volátil” (MORAES, 2001, p.10). A doutrina neoliberal
atribui à interferência estatal o ocasionamento das crises econômicas. Nesta perspectiva,
são considerados determinantes para o agravamento das crises do capital, a oferta estatal
de serviços sociais, as garantias trabalhistas, às quais são associados a falta de
capacidade administrativa do Estado. Uma de suas principais bandeiras neoliberais
consiste na desregulamentação estatal com vistas a viabilizar novas possibilidades
promissoras de acumulação de capital. Destarte, realiza-se uma reforma para
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consubstanciar "[...] a diminuição da participação financeira do Estado no fornecimento
de serviços sociais (incluindo educação, saúde, pensões e aposentadorias, transporte
público e habitação populares) e sua subseqüente transferência ao setor privado"
(TORRES, 1997, p.115).
Com a reestruturação do capital, medidas neoliberais passam a ser impostas pelos países
centrais, por intermédio dos órgãos internacionais, aos países periféricos. Com base em
um discurso que apregoa a necessidade de reformas para o crescimento econômico,
agências multilaterais, com anuência dos Estados, implementam políticas de ajustes
alinhadas ao ideário neoliberal. Estas, de fato, preconizam a retirada da responsabilidade
do Estado na garantia do bem-estar social. Entretanto, o Estado permanece muito forte
em relação à regulação das medidas que dão sustentação ao capital, direcionando o alvo
das políticas públicas e ajustando os critérios que perfazem os interesses das imposições
do capital internacional.
Nos anos 1990, houve uma onda de acordos internacionais que acompanhou o
redescobrimento da educação como um campo fértil de investimentos. Nesse contexto,
disseminou-se, em âmbitos internacional e nacional, um consenso sobre a necessidade
de reformas nos sistemas educacionais nacionais, com a justificativa de que se tratava
de medida que propiciaria à população um mínimo de conhecimentos para a sua
inserção na sociedade da era da globalização.
Na perspectiva de Krawczyk (2000, p. 2), tratou-se de um movimento internacional de
reforma da educação “[...] que alegadamente daria condições aos sistemas educacionais
de cada um dos países para enfrentar os desafios de uma nova ordem econômica
mundial”. Nos países da América Latina, segundo a mesma autora (2000, p. 2) alegavase “[...] a necessidade de conciliar os desafios da modernidade sem aumentar a
exclusão, como reação aos problemas estruturais que apresenta o desenvolvimento
capitalista”.
O marco principal do conjunto de medidas que determina o foco das agendas
internacionais sobre educação tem origem na Conferência Mundial sobre Educação para
Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990. Nesta ocasião, países, incluindo o
Brasil, tornaram-se signatários da Declaração sobre Educação para Todos cujas metas
preconizam a luta pela “satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para
todos” (UNESCO, 1990, p.4). O referido documento prevê a destinação de tais medidas
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a todos os grupos considerados minoritários, dentre estes, as pessoas com deficiência.
“As necessidades básicas das pessoas com deficiência requerem atenção especial. É
preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso aos portadores de todo e
qualquer tipo de deficiência como parte integrante do sistema educativo” (UNESCO,
1990, p.5).
Acrescente-se que o compromisso firmado pelo Brasil na Declaração de Salamanca, em
1994, reforça os propósitos da oferta educacional destinada a todos, com “[...] o
compromisso de viabilização de uma educação de qualidade, como direito da
população, que impõe aos sistemas escolares a organização de uma diversidade de
recursos educacionais” (SOUSA, PRIETO, 2002, p.124-125).
A elaboração da Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) expressa
oficialmente a conformação do país aos compromissos assumidos internacionalmente,
em prol de uma educação básica, universal e eqüitativa. No conjunto de suas diretrizes,
afirma-se buscar a consolidação dos princípios integradores firmados na Declaração de
Educação para Todos.
Esses princípios integradores foram incorporados também na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional n.9.394/96, que resguarda o capítulo V para as disposições
concernentes ao âmbito da Educação Especial. No seu artigo 58, Educação Especial é
definida como “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL,
1996). Diferentemente das décadas anteriores em que a Educação Especial configuravase como um sistema ou subsistema à parte do ensino regular, a partir da LDB tem-se a
educação situada “[...] como integrante no sistema educacional, não sendo tratada em
oposição à educação comum” (SOUSA; PRIETO, 2002, p.130).
A educação especial, por conta do processo de inclusão, passa a ser vista como
modalidade de educação, sendo definida oficialmente no Parecer CNB/CEB n. 17/2001
do seguinte modo:
Modalidade da educação escolar; processo educacional definido em uma
proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços
educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar,
complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços
educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o
desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam
necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da
educação básica (BRASIL, 2001, p. 39).
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Isto posto, torna-se pertinente apresentarmos como é tratada, a educação profissional do
aluno com necessidades educacionais especiais, no item 9 do mesmo documento:
A educação profissional é um direito do aluno com necessidades
educacionais especiais e visa à sua integração produtiva e cidadã na vida em
sociedade. Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regulares de
ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meio de
adequações e apoios em relação aos programas de educação profissional e
preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acesso das
pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos de nível básico,
técnico e tecnológico, bem como a transição para o mercado de trabalho
(BRASIL, 2001, p. 60).
No documento “Educação profissional: indicações para ação: a interface educação
profissional/educação especial”, publicado pela Secretaria de Educação Especial do
MEC, afirma-se que a educação inclusiva aparece de forma universalizada e que “[...]
esta é uma tendência mundial, já não há como centralizar a educação especial – no
amplo campo das demandas sociais – fora do circuito da educação inclusiva como
política pública essencial” (BRASIL, 2003, p. 7).
Identificamos no referido documento direcionamentos políticos emanados do Relatório
Delors (1998), nas seguintes prescrições:
“[...] deve-se elaborar uma Proposta Pedagógica que desenvolva
competências.” As quais “[...] envolve o domínio dos quatro pilares que
fundamentam a educação, quais sejam:
Aprender a Conhecer – desenvolvimento de competência para construir
conhecimento, exercitar pensamentos, atenção, percepção; para
contextualizar informações e para saber se comunicar;
Aprender a Fazer – pôr em prática os conhecimentos significativos aos
trabalhos futuros, enfatizar a educação profissional, descobrindo o valor
construtivo do trabalho, sua importância, transformando o progresso do
conhecimento em novos empreendimentos e em novos empregos;
Aprender a Ser – a educação deve preparar o aluno de forma íntegro-física,
intelectual e moral, para que ele saiba agir em diferentes condições e
situações, por si mesmo; e,
Aprender a Conviver – é saber conviver com os outros, respeitar as
diferenças, conviver com a diversidade, aprender a viver junto para
desenvolver projetos solidários e cooperativos, em busca de objetivos
comuns, por meio de solidariedade e compreensão.
A referida proposta do MEC, como pode ser observada, está baseada na pedagogia das
competências e, como afirma Duarte (2003, p. 11), “[...] trata-se de um lema que
sintetiza uma concepção educacional voltada à formação, nos indivíduos, da disposição
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para uma constante e infatigável adaptação à sociedade regida pelo capital”. A
pedagogia das competências admite como mais importante aquilo que os indivíduos
aprendem por si mesmos que a troca de conhecimentos e experiências realizadas pelas
relações sociais. Do mesmo modo, tem-se como foco a atenção aos processos de
aprendizagem, em detrimento dos produtos (conteúdos); isto é, o mais importante é o
“como” e não “o quê” se aprende.
Ressaltamos que, embora os referidos textos demonstrem uma clara tendência inclusiva
em que pessoas com deficiência gozam dos mesmos direitos que as demais, inserindo-se
nos programas de formação regular, na prática estas estão sendo “preparadas” de
maneira segregada em escolas especializadas.
De acordo com Goyos (2001) e Tanaka (2001), a maior parte da formação para o
trabalho destinada ao indivíduo com deficiência mental se realiza em escolas
especializadas oferecidas em oficinas, que têm como objetivo principal a sua preparação
para desempenhar trabalho produtivo – “prontidão” para o trabalho – em ambiente
protegido ou competitivo. Propala realizar a preparação do aluno com deficiência para
ter condições de acesso e sucesso no mercado competitivo de trabalho.
Nessa linha de análise, podemos verificar que as escolas especiais, analisadas sob a
ótica segregadora de “separar para preparar”, acabam por reproduzir a proposta
neoliberal, uma vez que em seu interior as trocas de conhecimentos e experiências se
tornam limitadas apenas aos seus espaços. Soma-se a isso o fato que as práticas
pedagógicas voltadas ao ensino profissionalizante realizam trabalhos manuais que
requerem operações muito simples.
Outro aspecto relevante a ser destacado relacionada a educação profissional de pessoas
com deficiência mental, é a parceria efetivada em 1997 entre a Federação Nacional das
APAEs (FENAPAEs), e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio do Plano
Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR) e financiado pelo Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT). Essa parceria evidência o alinhamento do terceiro setor
com as recomendações dos órgãos internacionais, pois as ações do PLANFOR “[...] se
realizam em sintonia com as orientações dos organismos multilaterais – principalmente
o Banco Mundial e a OIT – para as economias interessadas na melhoria da
competitividade e do seu posicionamento no quadro da divisão internacional do trabalho
[...]” (CÊA, 2003, p. 89).
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No ano seguinte, 1998, a FENAPAEs e o MTE passam a implementar o Curso de
Formação de Formadores, o qual teve como amplitude atingir todos os estados do
Brasil. A proposta era de formar multiplicadores para “[...] lidar com os novos
paradigmas da educação profissional e trabalho de pessoas com deficiências intelectual
e múltipla” (OLIVEIRA et al., 2007, p.99). De acordo com informação de Oliveira et al.
(2007, p. 100), “[...] direta e indiretamente, foram qualificados 28 mil profissionais”.
Ficamos a indagar se esse conjunto de alternativas de formação profissional poderia ser
enquadrado naquilo que Kuenzer (2002, p. 93) denomina de “certificação vazia”,
estratégias de escolarização constituídas em “[...] modalidades aparentes de inclusão
que fornecerão a justificativa, pela incompetência, para a exclusão do mundo do
trabalho, dos direitos e das formas dignas de existência”.
O termo empregabilidade ganhou espaço e centralidade a partir dos nos 1990 nos
documentos oficiais e em recomendações das agências internacionais, tornando-se o
eixo fundamental de um conjunto de políticas destinadas a acabar com o desemprego. A
esse debate, Noronha (2002, p. 80) acrescenta a noção de eqüidade social que se
materializaria “[...] na medida em que o indivíduo fosse capaz de associar as
competências para operar os códigos com o mérito (reconhecimento de sua competência
pelo mercado)”.
Concordamos com a análise de Noronha (2002, 70-74) de que conceitos como eqüidade
e empregabilidade são complementares, significam que o mérito e a recompensa são
definidos pelo modo como o indivíduo se coloca no mercado, havendo a associação do
êxito ou do fracasso com as características individuais. Deste modo, a busca pela
eqüidade e pela empregabilidade torna-se uma responsabilidade de cada indivíduo. A
explicação pela não-inserção no mercado de trabalho é remetida à ausência de requisitos
exigidos do indivíduo singular pelos novos padrões de gerenciamento e das exigências
da chamada sociedade do conhecimento.
O debate sobre a questão das políticas públicas de inclusão requer uma reflexão mais
ampla sobre a realidade que se pretende analisar, aquela que expropria os direitos de
inserção social das pessoas com deficiência, entre outros sujeitos. As mudanças que vêm
ocorrendo tanto no conjunto do modo de produção quanto nas relações sociais dele
decorrentes, trazem conseqüências para a práxis envolvida na formação humana, na
produção do conhecimento e na educação. A relação entre educação e trabalho no
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capitalismo assume características específicas relacionadas às formas de produção
materiais, uma vez que o sistema educacional neste regime está constituído de modo a
formar uma população de acordo com as exigências sociais, isto é, reproduzir as
relações de produção vigentes que, em última análise, reforçam a divisão técnica do
trabalho entre o intelectual e o manual (SILVA, 1996).
Ao analisar a educação nacional, Neves (1999) enfatiza a manutenção do dualismo
histórico que sempre marcou o sistema educacional brasileiro, a saber, a diferenciação
de escolarização para as massas trabalhadoras e para os trabalhadores qualificados,
esses últimos provenientes das camadas médias e parcelas da burguesia. Na perspectiva
da autora citada, para aqueles que venham a realizar o trabalho simples, o sistema
educacional oferece somente o básico. Para os que irão desempenhar funções de maior
complexidade são destinadas atividades curriculares e estrutura organizacional de nível
superior com o objetivo de que esses trabalhadores utilizem os conhecimentos de
ciência e tecnologia incorporados pelos grandes grupos transnacionais de forma
adaptada a nossa realidade (NEVES, 1999, p. 135).
Como esse processo é reproduzido em todo o sistema educacional, as políticas públicas
desenvolvidas no âmbito da Educação Especial combinam, de forma aparentemente
contraditória, o discurso da inclusão social e práticas de reprodução do padrão do
trabalho manual e do trabalho simples nas atividades terapêuticas nas oficinas de
profissionalização. Argumenta-se que, na realidade, isto significa a manutenção e a
expressão do dualismo histórico que sempre marcou o sistema educacional brasileiro,
conforme indicado anteriormente. Ampliando nossa análise, entendemos que o referido
dualismo, na realidade, é expressão do caráter desigual da sociedade capitalista.
Concomitantemente, faz se necessário repensar criticamente, as políticas educacionais
voltadas para a formação profissional da pessoa com deficiência mental com vistas à
sua inserção no processo de trabalho. De acordo com Silva (2006, p.254), a questão
paradoxal é “[...] que o deficiente mental é um trabalhador que, apesar de possuir
limitações e especificidades próprias, precisa, como qualquer sujeito social, ser produtor
de sua própria existência por meio de sua ação – o trabalho”.
A divisão educacional estabelecida evidencia a polarização dos postos de trabalho na
cadeia produtiva e, conseqüentemente, a precarização do trabalho. Na medida em que se
avança em direção aos postos de trabalho reestruturados, verifica-se a necessidade de
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mão de obra mais qualificada, maior grau de escolarização e qualificação profissional,
enquanto que, contrariamente, se tem os postos de trabalho mais precarizados
(KUENZER, 2006). De acordo com as pesquisas da autora,
[...] do ponto de vista do mercado, ocorre um processo de exclusão da força
de trabalho dos postos reestruturados, para incluí-la de forma precarizada em
outros pontos da cadeia produtiva. Já do ponto de vista da educação, se
estabelece um movimento contrário, dialeticamente integrado ao primeiro:
por força de políticas públicas 'professadas' na direção da democratização,
aumenta a inclusão em todos os pontos da cadeia, mas precarizam-se os
processos educativos, que resultam em mera oportunidade de certificação, os
quais não asseguram nem inclusão, nem permanência (KUENZER, 2006,
p.2-3).
Contudo diante de uma divisão educacional, dada pelos interesses do capital, “[...]
verifica-se a maior exigência de escolaridade e/ou educação profissional à medida que a
cadeia se complexifica tecnologicamente e administrativamente” (KUENZER, 2006, p.
10). Del Pino (2000, p. 203) corrobora com tal afirmação quando expõe que:
[...] o mérito acadêmico ao privilegiar, para poucos/as, a qualificação
científico-tecnológica e sociocultural para o exercício das funções vinculadas
à gestão, à criação, à direção e aos serviços especializados. Para a grande
maioria, privilegia-se a escolaridade apenas suficiente para permitir o
domínio dos instrumentos necessários à existência em uma sociedade que
combina o perfil científico-tecnológico com a economia informal. Essa
escolaridade é complementada por uma formação profissional de curta
duração, que capacita para exercer ocupações precarizadas em um mercado
cada vez mais restrito, direcionado para permitir a continuidade da
acumulação capitalista.
Assim, as pessoas com deficiência mental, devido à baixa escolaridade e com um ensino
profissionalizante questionável, dificilmente conseguem atingir o patamar mais
complexificado da cadeia produtiva. Poderíamos dizer, em tese, que seriam excluídas da
parte mais elitizada da cadeia, onde se encontram os trabalhadores mais qualificados.
Desta forma, pessoas com deficiência mental, segundo a lógica do mercado de trabalho,
tenderiam a buscar trabalho nas partes inferiores da cadeia, ou seja, avança-se em
sentido à precarização mais evidente e brutal. Kuenzer (2006, p.10) afirma que:
Este processo de redução da classe trabalhadora a uma identidade que lhe
permita incluir-se no processo de trabalho através de formas predatórias, se
dá através dos processos de flexibilização e conta com a contribuição de
processos pedagógicos, que ocorrem no âmbito das relações sociais e
produtivas e através da escola e da formação profissional, quando estas
oportunidades estão disponíveis.
Diante dessa necessidade de adequação do trabalhador, é que se apregoa a exigência de
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um novo profissional, o qual deve dominar competências cognitivas superiores e de
relacionamento, a fim de que possa criar soluções inovadoras, respostas rápidas,
comunicação clara e precisa pelo uso de diferentes formas de linguagem, além de outras
capacidades que o habilitariam à nova demanda social (KUENZER, 1998).
Apesar das novas exigências impostas aos trabalhadores(as), a educação especial segue
caminho contrário, como afirma Tomasini (1998, 9 127):
[...] a educação especial tem dado privilégio, em sua práxis pedagógica, ao
trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual, ao submeter os
indivíduos inseridos nas instituições a formas mecânicas de produção,
visando exclusivamente à aquisição de competências manuais para execução
de tarefas simplificadas. Reduzindo este indivíduo ao “fazer”, tão-somente,
deixam de ser mobilizados mecanismos de apropriação da riqueza do mundo
social, cultural, e do desenvolvimento da competência política.
Assim, quando Kuenzer coloca que a escola e a formação profissional permitem a
inclusão do trabalhador, mesmo que de forma a reduzir sua identidade, percebe-se que,
a pessoa com deficiência mental, por geralmente receber formação profissional no
interior das escolas especiais, as quais consideramos ambientes segregadores, não
participam de forma efetiva das relações sociais e produtivas. Desta forma, as pessoas
com deficiência mental encontram-se a margem até mesmo de uma dita inclusão
excludente, tornando-se difícil o acesso até mesmo aos trabalhos mais precarizados, que
reduzem a identidade do trabalhador.
Diante do exposto, podemos atentar para o fato de que as pessoas com deficiência
também estão inseridas nesse processo de redução da classe trabalhadora.
Historicamente, pessoas com deficiência mental, encontram-se alijadas das relações de
produção, portanto, estariam excluídas até mesmo das formas predatórias de trabalho.
Referente à educação, normalmente encontram-se inseridas em escolas especiais, não
participando dos processos pedagógicos que ocorrem no âmbito das relações sociais e
produtivas.
CONCLUSÃO
Existe uma variada e complexa teia na qual estão entrelaçados os elementos e os
processos que se fazem presentes na constituição do nosso objeto de investigação.
Embora a Educação Especial tenha assumido o princípio de que toda pessoa para estar
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integrada à sociedade, deve exercer uma atividade que a leve a satisfazer suas
necessidades como ser humano, embora se veicule amplamente o discurso da inclusão
escolar para as pessoas com deficiência, em especial na área da deficiência mental,
observa-se a continuidade de uma situação de exclusão social que é acentuada pelas
políticas neoliberais em execução. Neste sentido, conclui-se que uma proposta tida
como inclusiva pode reforçar os mecanismos sociais de exclusão, já que não há
correspondência concreta entre a preparação/’prontidão’ desenvolvida no interior das
oficinas e as reais demandas do mundo do trabalho.
Evidenciamos que qualquer proposta voltada à educação profissional de pessoas com
deficiência que não considere o contexto social em que as relações de produção se dão,
representará um anacronismo histórico. Por isto, tratamos de explicar as razões pelas
quais as políticas públicas implantadas pelo Estado, por intermédio de programas
voltados à profissionalização de pessoas com deficiência nas escolas especiais, não vêm
atendendo de forma efetiva à formação/qualificação dos alunos.
Procuramos desarmar as armadilhas do ideário neoliberal ao explicitar que se trata de
processos necessariamente subordinados à lógica do capital e do mercado, portanto,
sujeitos à diferenciação, segmentação e exclusão social. Concluímos que apesar de, as
diretrizes políticas atuais, ser apregoada a necessidade de o sistema educacional operar a
conexão entre educação, trabalho e inclusão social, essa tendência não se comprova nas
práticas desenvolvidas no contexto da Educação Especial, justamente porque estas são
constituídas em relações sociais que plasmam as assimetrias, a exclusão e as
desigualdades que se configuram na sociedade capitalista.
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educação, trabalho e inclusão social