UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
KÉRCIA PRISCILLA FIGUEIREDO PEIXOTO
O COMÉRCIO JUSTO E O TURISMO COMUNITÁRIO NA
AMAZÔNIA: Ideais, práticas e nós do mercado
BELÉM
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
KÉRCIA PRISCILLA FIGUEIREDO PEIXOTO
O COMÉRCIO JUSTO E O TURISMO COMUNITÁRIO NA
AMAZÔNIA: Ideais, práticas e nós do mercado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Pará para obtenção do título de
mestre em Serviço Social, sob orientação da
Profª Drª Maria José de Souza Barbosa.
BELÉM
2009
O COMÉRCIO JUSTO E O TURISMO COMUNITÁRIO NA
AMAZÔNIA: Ideais, práticas e nós do mercado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Pará para obtenção do título de
mestre em Serviço Social, sob orientação da
Profª Drª Maria José de Souza Barbosa.
Aprovado em: _____________________
Banca Examinadora:
_________________________________
Profª Drª Maria José de Souza Barbosa
Orientadora – PPGSS/UFPA
_________________________________
Profª Drª Helena Dóris de A. B. Quaresma
Examinadora Interna – Faculdade de Turismo/ ICSA/ UFPA
_________________________________
Profº Dr. Farid Eid
Examinador Externo – PPGEP/UFSCar
Resultado: _________________________
Ao pequeno Gabriel, fonte de amor de todos aqueles que amo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que embalaram, cuidaram, ninaram e brincaram com o Gabriel, bebê
que nasceu durante o mestrado, enquanto precisava me dedicar às atividades acadêmicas e à
elaboração desta dissertação. Agradeço ao meu amor Rodrigo que, muitas vezes, deixou seus
próprios assuntos para discutir meu tema e que me deu força para concluir esta etapa quando
pensei em desistir. Agradeço à minha mãe, amiga e companheira que me dá suporte e amor
em todos os momentos. Agradeço à minha família e amigos, por existirem e fazerem parte da
minha vida. Agradeço à prof. Zezé, orientadora que acreditou em mim e no meu assunto antes
mesmo de eu embarcar nessa aventura. Agradeço a todos os produtores que com tanta boa
vontade contribuíram para a realização deste trabalho. Agradeço aos amigos de ontem e de
hoje, de Icoaraci e de Abaetetuba, que dividiram comigo suas experiências de vida e de
trabalho. Agradeço ao Davide Pompermaier pelas inúmeras conversas, por dividir todo o seu
conhecimento acerca do Comércio Justo e do Turismo Comunitário, e pela oportunidade de
compor a equipe do Projeto do Ajuri, essencial para a realização deste trabalho. Agradeço ao
Maurizio Fraboni, pelas conversas, disponibilidade e paciência em responder aos incontáveis
questionamentos sobre o projeto Guaraná dos Sateré- Mawé. Agradeço ao Vicente Neves e a
todos de Silves que me receberam com tanta gentileza na pousada Aldeia dos Lagos.
Agradeço às meninas mulheres da Avive, que encontrei por acaso e que não hesitaram em me
receber e me informar sobre o trabalho e vida delas, especialmente à Conceição, Bárbara,
Franciane e Joyce. Enfim, agradeço a todos os professores, colegas e colaboradores do
mestrado que enriqueceram a minha vida.
A luta pela justiça é uma luta contra o poder e não contra as injustiças da justiça.
Foucault (1999)
RESUMO
FIGUEIREDO, Kércia. 2009. Comércio Justo: ideais, práticas e nós do mercado. A
relação com o Turismo Comunitário na Amazônia. Universidade Federal do Pará: Pará.
Dissertação do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – PPGSS.
A dissertação estuda o comércio justo a partir dos ideais contidos em seu discurso
político ideológico. Analisa as práticas que implicam as suas contradições, e apresenta as
dificuldades da inserção de grupos de produtores e de suas mercadorias nesse campo do
mercado. Inicialmente a dissertação situa o comércio justo no contexto do mundo atual,
neoliberal e globalizado, e percorre sua história tanto internacional como nacionalmente.
Baseada nas novas dinâmicas existentes no comércio justo, que contemplam relações de
parceiros que compõem todo o circuito comercial, tanto no hemisfério Sul como no Norte,
superando a inicial relação exclusiva Norte-Sul, percebe-se claramente a necessidade de uma
redefinição para o comércio justo. Além do mais, a dissertação lança foco sobre o Brasil e a
América Latina, onde os movimentos do comércio justo e da economia solidária estão cada
vez mais ligados e complementares. Partindo da análise do comércio justo no Brasil, constatase o quão distante a Amazônia brasileira está em relação às práticas do seu próprio país. No
âmbito do comércio justo, a região está mais próxima dos centros estrangeiros. Logo após, a
dissertação pormenoriza os sujeitos, contextualizando-os no circuito do comércio justo,
observando seus comportamentos ideais e suas práticas efetivas, baseada em fatos empíricos
colhidos em bibliografias e em observação pessoal realizadas no trabalho de campo. No
decorrer do trabalho é possível perceber que o comércio justo balança entre um movimento
social com escopo prioritariamente político, com um discurso ideológico bem definido, e uma
categoria comercial, que o faz ganhar, cada vez mais, moldes de um nicho de mercado. Nesse
embate, ocorre uma divisão no posicionamento de diversos atores. Na sequência, serão
tratados os pontos cruciais referentes aos nós do mercado, ou seja, às suas principais
dificuldades. É fato que o comércio justo propõe uma verdadeira superação do famoso
fetichismo da mercadoria de Marx? O comércio justo propõe uma real superação da
separação entre mercadoria e produtor? E o que é o chamado preço justo? Este é um conceito
inteligível? Finalmente, a dissertação discute a potencialidade dos produtos Amazônicos e os
meios de valorizá-los. Aborda, entre outros aspectos, a possibilidade de formação de uma rede
de comércio justo na Amazônia. Não obstante às dificuldades apresentadas e aos poucos
projetos de comércio justo desenvolvidos na região, a Amazônia contempla casos de sucesso.
Dentro desses casos é nítida a relação entre comércio justo e um tipo de turismo gerido pelas
comunidades locais, o chamado turismo responsável. A partir de alguns estudos de caso,
como o do projeto da Pousada Aldeia dos Lagos de Silves e o do projeto do Guaraná dos
Sateré-Mawé, ambos no estado do Amazonas, demonstra-se como na região o comércio justo
fortalece o turismo responsável e vice-versa.
Palavras-chave: Comércio Justo. Economia Solidária. Mercado. Turismo Comunitário.
ABSTRACT
FIGUEIREDO, Kércia. 2009. Fair Trade: ideals, practices and trade’s difficulties. An
approach in Amazonia. 2009. Universidade Federal do Pará: Pará. Master dissertation of
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – PPGSS.
The dissertation studies the fair trade from the ideals of its political and ideological
discourse. It analyses the practices which imply its contradictions, and presents the
dificulties of the insertion of producers groups and their goods in this specific field of the
market. At the beginning the dissertation places the fair trade in the context of the present
neoliberal and globalyzed world, and traces its national and international history. Based on
the new dynamics of the fair trade, which now involve partnerships in the whole commercial
circuit, both in the North and the South hemispheres, overcoming the initial and exclusive
relation North-South, it becomes clear the necessity of a redefinition for the fair trade.
Moreover, the dissertation focuses on Brazil and Latin America, where the movements of fair
trade and solidary economy become more and more tied and complementary. In addition,
from the analyses of the fair trade in Brazil, it can be verified how farway the Brazilian
Amazonia is from the practices in its own country. Regarding the fair trade, the region is
closer to the foreign centers. Then, following these analysis, the dissertation brings to the
scene the actors, contextualizing them in the circuit of the fair trade, confronting their ideals
and their effective practices, taking into account empirical facts collected in bibliographical
references and personal observation done in field work. Along the dissertation it is possible to
see that the fair trade balances between a social movement, with a political scope and a well
defined ideological discourse, and a commercial category, which makes it similar to a market
niche. Between these two distincts stands – social movement and market niche - occurs a
division and a confront among several actors. Following this approach, the dissertation treats
the crucial points that refer to the so-called “nós do mercado”, that is, the market difficulties.
Is it a fact that the fair trade proposes a real overcoming of the famous Marx’s fetishism of
commodities? Does the fair trade overcome in fact the split between the commodities and the
producers? And what is the so-called fair price? Is it an intelligible concept? Finally the
dissertation debates the potencialities of the Amazonia’s products and the ways to valorize
them. It debates the possibilities of the formation of a fair trade network in Amazonia.
Notwithstanding the difficulties and the few fair trade projects developed, there are some well
succeed cases in the region. And, among these successful cases, it is clear the relationship
between the fair trade and the kind of tourism managed by local communities, the so-called
responsible tourism. From some case studies, as the project Pousada Aldeia dos Lagos,
situated in Silves, and the project Guaraná, managed by the Sateré-Mawé, both the State of
Amazonas, the dissertation shows as in Amazonia the fair trade strengthens the responsible
tourism, and vice-versa.
Key-words: Fair Trade. Solidary Economy. Market. Community tourism.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
11
CAPÍTULO I
O Comércio Justo: um sistema de solidariedade concreta
17
Comércio Justo: necessidade de uma redefinição
Da caridade à promoção de oportunidades: uma história de sucesso
Princípios norteadores
América Latina: berço do movimento, escassos investimentos
e a conquista do mercado interno
1.5- Comércio Justo e Economia Solidária no Brasil: a complementaridade dos
movimentos
1.6- O Comércio Justo na Amazônia: raras experiências, rio-mar de possibilidades
19
24
36
39
1.11.21.31.4-
46
52
CAPÍTULO II
A definição dos sujeitos e suas práticas: dificuldades e desafios
2.12.22.32.42.5
2.62.7-
Produtores: o coração do sistema e também o elo fraco
Centrais de Importação: o poder no Comércio Justo
Lojas de Comércio Justo: uma ponte para o mercado
Distribuição em Supermercados: a faca de dois gumes
As Certificadoras: da criação do primeiro selo à dominação
O Consumidor do Comércio Justo
Organizações internacionais formam a rede do Comércio Justo
57
60
65
74
81
88
92
CAPÍTULO III
Os nós do mercado e a realização da mercadoria
A mercadoria no Comércio Justo: uma alternativa ao fetichismo?
Destrinchando o Preço Justo?
O papel do Estado: Conectando o consumo à produção familiar
O Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário: A institucionalização do
movimento no país
3.5- Os produtos amazônicos- dificuldades e possibilidades
3.6- Uma rede de Comércio Justo na Amazônia?
3.13.23.33.4-
108
116
123
131
140
151
CAPÍTULO IV
Experiências na Amazônia – A relação entre Turismo Comunitário e Comércio Justo
4.14.24.34.4-
O Turismo Responsável e o Comércio Justo: de onde vem essa relação?
A rede Turisol: articulando o turismo comunitário no Brasil
O turismo na Amazônia: a necessidade de uma inversão de prioridades
Dois casos que envolvem quatro experiências na Amazônia
156
161
163
166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
202
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
206
APÊNDICES
214
ANEXOS
222
11
APRESENTAÇÃO
Ao longo do tempo a Amazônia vem sofrendo com um modelo de desenvolvimento
que a destrói e que ignora o homem que ali vive. Com a pressão internacional para a proteção
da floresta, o Governo Federal implanta novas políticas para, através delas periodicamente,
buscar números de redução do desmatamento. Apesar de tudo, o tipo de desenvolvimento que
prevalece na região é ainda aquele economicista, que não abrange aspectos sócio-culturais e
ambientais. Assim, não tão lentamente, a floresta se esvai e com ela toda a riqueza dos
conhecimentos tradicionais das populações locais.
No entanto, com baixo rumor, novas possibilidades de crescimento surgem nos mais
longínquos rincões da floresta. E não se trata da estigmatização do sentido da palavra
crescimento, que a reduziu simplesmente ao aspecto econômico, mas de um crescimento que
prima pela valorização tanto da capacidade biológica, que, segundo Pinzón (apud
POMPERMAIER, 2007), é a garantia das condições para a plenitude da vida na sua
diversidade, quanto da capacidade social, que busca a justiça e equidade em detrimento à
pobreza, desigualdade e injustiças. Dentre as novas possibilidades, o que será estudado aqui é
o movimento do Comércio Justo.
O interesse pelo tema nasceu entre os anos de 2003 e 2005, quando tive a
oportunidade de cursar o Mestrado de Arte e Cultura Européia: conservação e preservação de
bens culturais, na Universidade de Nápoles Suor Orsola Benincasa. Vivendo na Itália, conheci
lojas que propunham um modo alternativo de fazer comércio: eram as Botteghe del Mondo, da
rede internacional de Comércio Justo, conhecido também como Fair Trade. Expostos nas
prateleiras encontravam-se produtos de altíssima qualidade, produzidos por pequenos
produtores de países subdesenvolvidos do Sul do mundo. Havia desde a erva-mate produzida
pelo Movimento dos Sem Terra (MST) no Paraná e diversos produtos oriundos do guaraná
dos índios Sateré Mawé da Amazônia, até artesanatos africanos entre temperos e tecidos
indianos. O que mais me surpreendeu foi perceber nas etiquetas como eram compostos os
preços, que fazia valer um dos principais slogans do Comércio Justo “trade not aid”
(comércio e não ajuda), pagando ao produtor um preço justo, acima das variações do
mercado.
12
O Comércio Justo se constrói por meio de um corpo discursivo que o coloca como
uma atividade especial em um campo maior que é o próprio comércio internacional. Assim, a
noção de campo, conforme empregada por Bourdieu (1989), é útil para a análise do que
propõe o discurso do Comércio Justo, na medida que permite considerar como esta atividade
específica se situa discursivamente em relação ao todo. Ao construir o objeto da pesquisa de
forma relacional, acaba-se por se definir um “modelo”, composto por um sistema coerente de
relações internas e externas. Conforme Bourdieu (idem), o campo - no nosso caso, o comércio
internacional - apresenta propriedades gerais, e o caso particular, o próprio Comércio Justo,
nosso objeto de estudo, se insere, com suas relações típicas, naquele corpo maior.
O trabalho de pesquisa consiste em articular formulações teóricas a realidades práticas,
procurando assim construir objetos científicos. Essa não é uma tarefa fácil por se tratar de um
tema novo, ainda pouco estudado, com uma escassa bibliografia nacional. Foi necessário um
grande esforço para conseguir inúmeras publicações disponíveis somente em língua
estrangeira para dominar melhor o tema. Para a apresentação do movimento do Comércio
Justo, serve seguir uma seqüência de tópicos que explicitarão, a partir de uma análise crítica,
cada fator que o compõe. Esse trabalho analítico é diverso da mera descrição de conteúdos e
atores que normalmente fazem os relatórios disponíveis.
As entrevistas realizadas ao longo da pesquisa mostraram evidências para o argumento
dessa dissertação, que se apóia muito no livro “La Crisi di Crescita – Le prospettive del
commercio equo e solidale”, de Lorenzo Guadagnucci e Fabio Gavelli (2004). Baseia-se
também na tese de doutorado intitulada “O Movimento do Comércio Justo e Solidário no
Brasil: entre a Solidariedade e o Mercado” de Gilberto Mascarenhas (2007). Na dissertação de
mestrado “Comércio Justo e o Caso do Algodão: a Cadeia Produtiva Têxtil Brasileira” de Ana
Asti (2007). E, em inúmeros artigos, revistas, relatórios, documentos, além de incontáveis
sites de organizações do Comércio Justo.
A princípio, pensou-se em pesquisar apenas o universo do Comércio Justo,
caracterizando-o, procurando meios para a inserção dos produtos regionais na rede, desatando
os nós do mercado. Porém no decorrer da pesquisa, em muito apoiada pelo trabalho realizado
dentro do “Projeto Especial de Qualificação – Comércio Justo e Turismo Responsável:
oportunidades solidárias e sustentáveis para a Amazônia”1, percebeu-se que, na maioria das
1
Projeto realizado pelo Instituto Ajuri, durante o ano de 2007, dentro do Plano Nacional de Qualificação,
financiado com recursos do FAT/MTE.
13
experiências investigadas, uma atividade atrai a outra, ou seja, as comunidades que estão
inseridas em roteiros de turismo responsável acabam desenvolvendo produtos segundo
critérios do Comércio Justo, e vice-versa. Optou-se então por abordar no último capítulo da
dissertação a relação entre o Turismo Comunitário e o Comércio Justo com ênfase em dois
casos, cada um envolvendo duas experiências. Procurar-se-á demonstrar como esses
movimentos estão paulatinamente transformando a realidade de alguns povos amazônicos
Como resultado da pesquisa pôde-se perceber que nas experiências na Amazônia, o
Turismo Comunitário alavanca o Comércio Justo, e ao mesmo tempo o Comércio Justo
alavanca o Turismo Comunitário. Ambos ocorrem sob princípios responsáveis e solidários.
Ambos com critérios que priorizam os direitos humanos em contraposição ao que ocorre no
livre comércio e no turismo convencional. Critérios esses que resguardam as culturas locais,
que pretendem o respeito e a preocupação pelas pessoas e pelo ambiente acima do lucro, que
procuram estabelecer um preço justo para os produtos e serviços, que valorizam o trabalho
feminino estabelecendo a igualdade de oportunidades, que impõem regras adequadas para a
comercialização, como as crianças freqüentando a escola e a utilização de matérias primas
ambientalmente corretas, entre outros. Cabe enfatizar que no Brasil ambos têm interface com
o movimento da Economia Solidária. Ambos quase desconhecidos pelos administradores
públicos e pelas organizações sociais.
Assim, a dissertação estuda os ideais impregnados nos discursos do movimento do
Comércio Justo, as suas práticas e as suas principais dificuldades representadas pelos nós do
mercado. Adotar-se-á uma atitude questionadora sobre aquilo que se encontra teórico ou
“naturalmente” e popularmente estabelecido, conforme o método de Bourdieu (1989). Por
isso, sentiu-se a necessidade de historializar e contextualizar as práticas, desconfiar das
certezas amplamente aceitas, e, com paciência, fôlego e atenção aos procedimentos da
pesquisa, penetrar no campo de estudo, preenchendo os discursos com fatos empíricos e
extraindo assim uma nova realidade.
Na construção do objeto científico, a postura principal é a de romper com o senso
comum, com pontos de vista aceitos como verdades estabelecidas, que é justamente o
conceito pré-construído a ser demitido. E vale observar, “o pré-construído está em toda a
parte”, nos rótulos que se atribuem a agentes sociais e nos nomes que se empregam para
conceituar atividades. Assim, de acordo com Pinto (2000, p.13), “não há conhecimento sem
que se questione um fundo preexistente de crenças: ao contrário das certezas banais, sem
14
contraste e sem história, o que um texto rigoroso ensina é sobretudo a desconfiança acerca
daquilo em que se pôde acreditar”.
Desse modo, a dissertação avalia a coerência entre as proposições discursivas e as
práticas efetivas. De fato, alguns dos princípios do Comércio Justo dificilmente vigoram no
modo de produção capitalista. Segundo Fairclough (2001), o discurso constitui ou constrói a
sociedade em várias dimensões: constitui os objetos de conhecimento, os sujeitos, as relações
sociais e as estruturas conceituais. Diante do abundante material bibliográfico e sites de
diversas instituições que praticam e/ou defendem o Comércio Justo, é preciso lançar mão de
instrumentos que possibilitem discernir proposição e realidade, considerando que esta,
conforme Bourdieu (1989), é também representação que depende do conhecimento e do
reconhecimento.
Estudar o Comércio Justo e, ainda, pensar em experiências amazônicas atreladas ao
Turismo Comunitário como alternativa de desenvolvimento regional, requer mais que uma
aproximação superficial do problema. Foi preciso uma atitude de relativização no que diz
respeito às possibilidades da atividade específica, que ocorre dentro de um campo maior, ou
seja, o comércio internacional. É necessário discernir entre o que é proposto e o que
efetivamente se pratica e como superar as dificuldades. A intenção não é propriamente
desconstruir o ideal como se ele fosse falso, porque a atividade que o discurso enuncia é
essencialmente consistente, já que o número de atores associados à rede do Comércio Justo é
crescente, assim como os valores movimentados. Mas será que este próprio crescimento e os
interesses relacionados não tenderão a desvirtuar os ideais originários? O que dizem os
produtores acerca da atividade, e o que dizem aqueles que não lograram participar dela? Neste
trabalho a intenção não é de modo algum desqualificar o movimento do Comércio Justo, mas
sim ponderar entre idealização, realidade e destrinchar os nós referentes à sua ampliação.
Com esse escopo a dissertação está dividida em quatro capítulos, explicados
sumariamente a seguir:
O primeiro capítulo, intitulado “O Comércio Justo: um sistema de solidariedade
concreta”, apresenta ao leitor o movimento do Comércio Justo. Inicialmente o situa no mundo
onde o desequilíbrio entre os hemisférios Norte e Sul é evidente. A partir da análise da relação
existente na América Latina entre Economia Solidária e Comércio Justo, onde este passa a ser
reconhecido como o canal ideal de comercialização dos produtos dos Empreendimentos
Econômicos Solidários (EES), pretende-se demonstrar a necessidade de redefinição do que foi
15
estabelecido internacionalmente como Comércio Justo. Logo após faz-se uma viagem na
história do Comércio Justo, a fim de esclarecer as etapas que o movimento superou. Em
seguida, situa-se o movimento no Brasil e na América Latina, apresentado suas influências
ideológicas, seus princípios norteadores e a forte relação entre Economia Solidária e
Comércio Justo no Brasil. Finalmente aportamos na Amazônia, contextualizando-a e
procurando entender como, apesar das minguadas experiências, ela pode se inserir melhor
nesse cenário.
No segundo capítulo, cujo título é “A definição dos sujeitos e suas práticas:
dificuldades e desafios”, os sujeitos são abordados a partir do que no Comércio Justo
pretendem ser e, por outro lado, do que de fato são. Dentro de cada tópico surgem polêmicas
que são discutidas e analisadas para extrair o verdadeiro papel de cada ator. A descrição de
produtores, centrais de importação, lojas de comércio justo, certificadoras e consumidores é
permeada de experiências práticas que legitimam tais sujeitos. Além do mais, aborda-se a
delicada questão da distribuição dos produtos “justos” nos supermercados.
Já no terceiro capítulo, “Os produtos: como desatar os nós do mercado?”, busca-se
fazer uma ligação entre a realização da mercadoria e entender se de fato ocorre uma
contraposição ao fetichismo, como categoria estudada por Marx (2001), no livro I do Capital.
A dissertação considera as abordagens teóricas sobre mercado na perspectiva de Polanyi
(2000), Granovetter (1992), Abramovay (2004) e Lisboa (2000), a fim de situar a nova
tipologia de mercado e a perspectiva de produto dentro do Comércio Justo. Além disso,
procurar-se-á debater sobre o Preço Justo para entender se é possível destrinchá-lo.
Alguns itens abordam problemas, outros tentam apontar soluções. É o caso das
Compras Públicas e da implantação do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário, que
podem ser excelentes alternativas para a valorização e o escoamento de produtos da Economia
Solidária. Logo após, será abordada a especificidade dos produtos amazônicos, suas
dificuldades, possibilidades e de que forma estão inseridos no mercado internacional. Isso
levou a considerações, apesar de levemente perscritivas, sobre a importância da formação de
uma rede de Comércio Justo na Amazônia.
Finalmente, o último capítulo, intitulado “Experiências na Amazônia – A relação entre
Turismo Comunitário e Comércio Justo”, lança foco sobre a Amazônia. Parte-se da percepção
de como o movimento de Turismo Comunitário nasce no coração dos projetos de Comércio
16
Justo e como a partir disso se estruturou uma rede internacional. Trazendo o assunto para a
realidade nacional, constata-se o descaso das Políticas Públicas em relação ao Turismo
Comunitário. Tal descaso ocorre também na Amazônia. Seria necessário uma inversão de
prioridades das Políticas Públicas de Turismo com a valorização das comunidades locais,
como protagonistas na promoção de um turismo mais voltado aos interesses das próprias
comunidades. A dissertação se conclui com a apresentação de dois casos concretos de
interligação entre Comércio Justo e Turismo Comunitário, envolvendo quatro experiências na
Amazônia: A Pousada Aldeia dos Lagos e a Avive, ambas em Silves (AM), o Projeto
Guaraná Sateré Mawé e o nascimento da Pousada 20 quilos.
17
CAPÍTULO I
O Comércio Justo: um sistema de solidariedade concreta
O atual momento de crise acentua o caráter excludente do capitalismo. As “medidas
sem medidas”, o lema “custe o que custar” e os trilhões usados pelos governos mais ricos para
salvar o “mundo” de uma crise, revelam o quanto a preocupação está centrada num
determinado recorte do mundo. Uma pequena fração dos dólares que têm fluido aos bancos já
seria suficiente para acabar com a fome e as guerras dela resultantes. Contudo, as populações
que sofrem a fome e as guerras estão fora do mercado, e é esse ente abstrato, mas onipotente,
que interessa aos governos.
No universo inumano que é o capitalismo, interessa de fato o capital e o capitalista,
mero predicado do homem, não o homem mesmo, homem-sujeito cuja existência não cabe no
mundo das mercadorias (FAUSTO, 1983). É certo que uma discussão sobre o modo
capitalista de produção e seu momento de crise não é o escopo desse trabalho, mas como
ignorar esse pano de fundo para contextualizar o nascimento, a consolidação e o atual
momento de um movimento social como o Comércio Justo?
Com a crise, subitamente o Estado, que pela norma clássica liberal deveria ser o
último a fazê-lo, intervém, naturalmente não pela sobrevivência da humanidade, como
mostram os números abaixo, mas em função do capital, que precisa sempre se reproduzir para
evitar o desmoronamento do sistema.
Quadro I: A Pobreza globalizada
As bolsas dominam as manchetes. Os governos dos EUA e da Europa distribuem 5 trilhões de dólares dos
contribuintes para um punhado de banqueiros trapalhões e torcem para que eles pensem em consertar os
estragos resultantes de suas travessuras, emprestar a seus clientes e reativar a economia depois de embolsar
seus bônus e gratificações milionárias.
Mas o aspecto mais desagradável dessa história é que ela jogou no esquecimento a crise mais grave que afeta
os desprivilegiados pela economia globalizada. Segundo o Banco Mundial, a elevação dos preços dos
alimentos e dos combustíveis aumentou o número de desnutridos em todo o mundo de 923 milhões em 2007
para 967 milhões neste ano.
Segundo o senegalês Jacques Diouf, diretor da FAO, 30 bilhões de dólares anuais – menos de 1% do valor
despejado nos bancos – bastariam para recuperar a agricultura nos países pobres e evitar a fome e os
conflitos que dela resultarão.
18
Por 40 bilhões, pode-se também comprar 250 quilos de grãos para cada uma dessas pessoas, o suficiente para
alimentá-las por um ano.
Ao mesmo tempo, o relatório da Organização Internacional do Trabalho informa que, entre 1990 e 2000, em
dois terços dos países estudados a participação dos salários na renda caiu e a desigualdade aumentou. Entre
os de maior disparidade estão os EUA, a China e a Índia e continua o Brasil – embora este último também
esteja na minoria dos que tiveram alguma redução de desigualdade. Em geral, a tendência continuou nos
anos seguintes: em 2003, os diretores corporativos dos EUA ganhavam 360 vezes mais que o trabalhador
médio; em 2007, 500 vezes mais.
Em agosto, antes mesmo que o mundo começasse a se assustar com a crise, o índice global de desemprego
atingiu 5,7%, o mais alto em oito anos. Se isso aconteceu enquanto a economia global crescia 5% ao ano,
como será na recessão?
Fonte: Publicado na revista Carta Capital, de 22/10/2008.
Diante desse quadro a sociedade, particularmente daqueles que fazem a crítica ao
mercado capitalista, tem buscado encontrar soluções como a proposta do Comércio Justo,
uma nova modalidade de prática comercial apoiada por um forte discurso ideológico que
busca influenciar instituições que regem as normas do mercado internacional, sensibilizar o
consumidor e o poder público, aliando assim ações políticas às práticas comerciais.
Em 2007, o Comércio Justo teve um faturamento de mais de €2,3 bilhões de euros,
quase 70 vezes mais que há 10 anos. No mesmo ano, alcançou mais de 1,5 milhão de
agricultores e trabalhadores de 58 países e estima-se que beneficiou diretamente 7,5 milhões
de pessoas2. Segundo Ana Asti (2007), o movimento se consolida pelo tripé: a) lojas
especializadas; b) distribuição e; c) sensibilização e ação política fortalecendo a dinâmica
comercial, a qual se torna um meio de legitimação do projeto político. Para Fretel (2003,
p.31):
o Comércio Justo surge não só como uma alternativa de cooperação
comercial para os produtores excluídos dos países do Sul, mas também como
um conjunto de práticas que se inserem em uma concepção dos
intercâmbios, rompendo com o paradigma econômico e com a visão
neoliberal.
Na mesma linha ativista de mudança do mundo, Asti; Ferrari (2003, p.39) argumentam
que “os países ricos querem dominar os mercados” (...) “o comércio ético e solidário tem a
pretensão de botar ordem na casa, afinal de contas alguém tem que zelar pelos interesses dos
2
Esses são dados do Relatório Anual da FLO (Fairtrade Labbeling Organization), 2007.
19
mais pobres”. Aqui, se atribui um excesso de potência ao comércio justo, como atividade
capaz de promover uma revolução na ordem internacional. Exageros e hipérboles discursivas
desse tipo permeiam os textos relativos ao comércio justo.
No entanto, críticos do comércio justo tendem a apontar o fato de suas práticas
priorizarem aspectos comerciais e econômicos, situando suas atividades apenas como um
nicho de mercado. Isto porque a realização das mercadorias no mercado, mesmo que
vinculadas a uma ideologia política, não é tarefa simples. Por mais que se procure estabelecer
um modo de comércio alternativo, o mercado não deixa de ser prioritariamente competitivo,
onde o que vigora é a lei do mais forte. A busca de alcançar um número sempre maior de
consumidores leva a se adotar estratégias usuais do mercado, como por exemplo, o marketing,
mesmo que esse esforço esteja envolto de argumentos sócio-políticos, além da tradicional
busca de se consolidar um padrão de qualidade ao gosto do consumidor com certo poder
aquisitivo.
De acordo com Fretel; Simoncelli-Bourque (2003, p.9), “no mercado interno e muito
mais no mercado externo, enfrentamos a competição, que nos obriga, com frequência, a
baixar os preços e ainda ter que investir para melhorar na qualidade”. Outro aspecto que se
observa é em relação à crescente demanda de inserção dos produtos das organizações de
produtores do sul e o movimento do Comércio Justo, apesar de crescer a saltos galopantes, se
vê limitado e em algumas situações acaba buscando soluções nada alternativas que acabam
por gerar tensões internas.
1.1- Comércio Justo: necessidade de uma redefinição.
O Comércio Justo, também conhecido como Fair Trade3, é um sistema de distribuição
comercial criado para fazer chegar aos consumidores, principalmente europeus e norteamericanos, produtos provenientes de países da África, Ásia e América Latina, de acordo com
critérios que valorizam os direitos dos trabalhadores e a capacidade associativa dos
produtores. Esse sistema é concebido de modo a eliminar intermediações especulativas, na
realização de aquisições diretamente dos produtores e as vendas também diretas aos
consumidores dos produtos, prevalentemente agro-alimentares e artesanatos de vários tipos.
3
Termo em inglês para comércio justo.
20
O escopo do sistema é eliminar as desvantagens dos produtores e consumidores em
face dos mecanismos tradicionais que vigoram no comércio internacional. As bases do
comércio justo e solidário estão fundadas em uma visão política das relações Norte-Sul e da
cooperação internacional, a qual, por um lado, privilegia processos de melhoria da capacidade
produtiva com autonomia, existentes no Sul do mundo e, por outro, favorece a dimensão ética
e política do consumo no Norte.
O movimento do Comércio Justo faz uma crítica ao pressuposto de que a exportação
mundial dos produtos típicos dos países do Sul do mundo constitui, em princípio, uma
oportunidade econômica para os produtores. O comércio internacional, na forma tradicional,
monopolística e/ou cartelizada, como é organizado, faz com que: (i) haja uma grande
diferença entre o preço pago ao produtor e o preço pago pelo consumidor final, diferença esta
que pode chegar a 10 ou 20 vezes, em razão da posição dominante dos grandes
intermediários, tanto nos países de origem como nos países de destino; (ii) os produtores não
tenham suficiente autonomia para decidir sobre a própria produção; e (iii) os consumidores
finais não tenham conhecimento acerca da proveniência, técnicas, processos de trabalho e
modos de elaboração dos produtos.
Ao contrário disso, as linhas-guia das organizações do comércio justo pretendem: (i)
relações diretas entre importadores e produtores de modo a evitar intermediações parasitárias
e especulativas; (ii) definição de um preço de aquisição dos produtos livre das oscilações do
mercado, capaz de remunerar adequadamente o trabalho e decidido por importadores em
conjunto com os produtores; (iii) contratos de longa duração, proporcionando segurança e
estabilidade, assim como possibilidades de prazos e pré-financiamento de compras,
permitindo aos produtores absterem-se de recorrer a financiamentos e tomar empréstimos em
sistema de usura; (iv) incentivos voltados ao melhoramento das produções e da qualidade de
vida das comunidades locais (serviços sociais e sanitários, escolas, formação e ambiente); e
(v) reconhecimento da identidade dos produtos quanto a sua proveniência territorial e
produtiva, discriminando de forma transparente os componentes do preço de venda dos
produtos (IOVENE, 2004).
A especificidade proposta pelo comércio justo consiste em perseguir estes objetivos
mediante o estabelecimento de um canal alternativo e tão direto quanto possível entre os
produtores do Sul e os consumidores do Norte, de modo que, valorizando fatores éticos e não
21
apenas econômicos como critérios de escolha por parte dos consumidores, o resultado deste
comércio seja a melhoria das condições de trabalho e vida dos produtores.
A relação menos intermedializada entre consumidores e produtores, ao passo que lhes
permitiria um preço mais remunerativo, negociado e definido, proporcionaria a eles um outro
aspecto igualmente importante, qual seja o adiantamento de até 50% do valor de compra do
produto, antes mesmo da aquisição, a título de pré-financiamento. Evidentemente tudo isso
tendo em conta as condições do mercado, quando da apresentação da proposta de preço dos
produtores às centrais que realizam a importação e a comercialização dos produtos. Assim,
depois do longo processo de definição do preço do produto e da efetuação do pedido, se
necessário o sistema adianta metade do valor de compra, a fim de financiar a produção.
Além disso, o comércio justo propõe se caracterizar também pela manutenção do
preço independentemente de flutuações no mercado e/ou estabelece um preço mínimo à
mercadoria, abaixo do qual, mesmo que haja uma queda abrupta dos preços internacionais, o
preço justo (prezzo equo) não pode cair. Finalmente, a relação entre as cooperativas
importadoras/comercializadoras e os produtores prevê um planejamento das atividades
econômicas que pode incluir assistências à produção e à comercialização, o micro crédito para
financiar novas atividades, o reforço aos órgãos coletivos e associações de produtores, cursos
de formação e visitas de intercâmbio.
Até o ano de 2001, não existia uma base conceitual sólida para a definição de
comércio justo. Disso derivava inúmeros conceitos, que por mais que tivessem como pano de
fundo a mesma definição, geravam ambigüidades e confusões. Foi na Conferência Anual do
IFAT (Internacional Federation of Alternative Trade) que as principais entidades
internacionais (FINE4) uniformizaram seus conceitos. O termo comércio justo foi assim
definido:
O Comércio Justo é uma parceria comercial baseada em diálogo,
transparência e respeito, que busca maior igualdade no comércio
internacional. Ele contribui para o desenvolvimento sustentável ao oferecer
melhores condições comerciais e assegurar os direitos de produtores e
trabalhadores marginalizados – especialmente no Hemisfério Sul. [foi
acrescentado]. As organizações de Comércio Justo (apoiadas pelos
consumidores) estão engajadas ativamente no apoio aos produtores, na
conscientização e informação, e em campanhas para promover mudanças nas
regras e práticas do comércio internacional (FINE, 2001).
4
Plataforma que reúne os principais atores internacionais do Comércio Justo.
22
De acordo com o IFAT, o Comércio Justo é uma estratégia mundial para a diminuição
da pobreza e para o fortalecimento do desenvolvimento sustentável, que vem conseguindo
gerar oportunidades para produtores que, até então, estavam sendo explorados
economicamente ou se encontravam à margem do chamado comércio convencional. Sem
discordar dessa afirmação, o sociólogo e professor da Universidad de la Republica (Uruguay)
Pablo Guerra (2009), acrescenta que, ademais de o Comércio Justo ser uma dessas
experiências que no mundo se incluem dentro da busca por construir um mundo diferente
apostando não em meras elocubrações, mas em práticas concretas, é um movimento que situa
a economia em um contexto social retomando valores, como a ética, no discurso econômico.
O que Polanyi, no seu livro “A Grande Transformação”, denomina (2000) de economia
imbricada. Por isso o professor Pablo Guerra (2009, s/p) afirma:
que o comercio justo es la fase de comercialización de toda economia
solidária. Conviene precisar aqui que el comercio es connatural a qualquier
modelo economico, en tanto actividad encaminada a intercambiar bienes.
Más dificultoso es definir la justicia en el plano comercial. (...) A los efectos
de estas líneas digamos que el comercio justo se distingue del comercio
mercantil por establecer los valores (precios) conforme motivaciones y
bilateralidad guiadas por uma racionalidad solidaria.
De fato, esta é uma definição muito mais ampla e ao mesmo tempo mais objetiva, que
a reconhecida definição estabelecida pela FINE, cuja ênfase está no comércio internacional e
na cooperação Norte-Sul. Na prática ocorre que, os produtores do sul desenvolvem novas
formas de fazer comércio apoiados nos princípios do comércio justo, mas não inteiramente
dentro do script, dando ao movimento um novo perfil. Na verdade, os produtores buscam um
maior protagonismo no movimento e com o passar do tempo eles superaram a relação
exclusiva Norte-Sul, desenvolvendo mercados internos justos e solidários e estabelecendo
novas relações comerciais Sul-Sul. Exemplar dessa nova dimensão do movimento é a
experiência da América Latina, onde a maioria dos atores do movimento são os produtores
que se reconhecem no movimento da Economia Solidária. Não obstante, os movimentos de
Economia Solidária na América Latina se apropriaram do termo comércio justo e procuram
articular os dois conceitos, adequando princípios e práticas aos valores do comércio justo5.
Particularmente no Brasil, o movimento do Comércio Justo adotou o adjetivo
solidário6, sendo reconhecido como Comércio Justo e Solidário, cujo conceito foi formulado
5
Já são comuns os encontros Latino Americanos de Economia Solidária e Comércio Justo.
Na Itália o nome do movimento também inclui a palavra Solidário, sendo reconhecido como Commercio Equo
e Solidale.
6
23
na longa construção de uma proposta para um Sistema Nacional de Comércio Justo e
Solidário (SNCJS)7. Considerando que o movimento do Comércio Justo brasileiro tem
grandes afinidades com o movimento da Economia Solidária, por também priorizar o mercado
nacional e o desenvolvimento local, chegou-se ao seguinte conceito:
Entende-se por Comércio Justo e Solidário ‘o fluxo comercial diferenciado,
baseado no cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações
comerciais, que resulte no protagonismo dos Empreendimentos Econômicos
Solidários (EES) por meio da participação ativa e do reconhecimento da sua
autonomia’ (FACES DO BRASIL, S/D, p. 4).
No conceito brasileiro observa-se claramente a relevância dada aos grupos de
produtores. Isso ocorre porque tais organizações conquistaram espaço junto às entidades que
discutiam a consolidação de uma proposta de um comércio justo brasileiro. Portanto, essa é
uma definição mais abrangente que sintetiza as aspirações das diversas faces do movimento
espalhadas no hemisfério Sul, onde o protagonismo, a participação ativa e a autonomia dos
grupos passam a ser incentivadas e reconhecidas.
Portanto, o movimento do Comércio Justo deve reconhecer o movimento da Economia
Solidária como potencial de articulação entre inúmeras iniciativas econômicas associativas e
cooperativas, redes sócio-produtivas de comércio comunitário, economia familiar e comércio
solidário (GOMES, 2007). Deste modo, a definição de Comércio Justo estabelecida pela
FINE carece urgentemente de uma atualização. Para isso é preciso permitir e incentivar um
maior protagonismo dos atores do Sul, reconhecendo que o Comércio Justo fomenta uma
Economia Solidária. Ou seja, é preciso superar a idéia de que o Comércio Justo só se realiza
considerando a lógica geopolítica Norte – Sul (compra e venda) e assumir que existem
consumidores conscientes e produtores em desvantagem tanto no Norte como no Sul, o que
permite a relação tanto Sul – Sul, quanto Norte – Norte. Assim, vem a ser extremamente
válida uma redefinição do Comércio Justo, considerando o que defende o professor Pablo
Guerra (2009, s/p):
En lo particular creo que entender al comercio justo como toda
comercialización operada en el marco de um paradigma de economia
solidária contribuirá a avanzar en el desafio de entender esto fenomeno no
tanto desde una perspectiva de altruismo, como desde una perspectiva de la
reciprocidad y de la ayuda mutua. Contribuirá además a entendermos como
parte de um mismo sector econômico, y parte de um mismo movimiento que
a nivel mundial impulsa uma economia alternativa, reconociendo que en
7
O Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário será explicado no terceiro capítulo.
24
todas las partes podemos producir, consumir, ahorrar, invertir, distribuir y
comercializar de manera justa e responsable.
O movimento do Comércio Justo precisa urgentemente entender as novas dinâmicas e
estratégias desenvolvidas pelas organizações de produtores e pelas redes de atores dos países
do Sul. Isso ajudaria a alcançar uma visão global das orientações e potencialidades possíveis
(GOMES; TORRES, 2008). É preciso entender que nos países do Sul a aliança com o
movimento da Economia Solidária induz os atores, sejam eles ONGs ou organizações de
produtores a uma vocação muito mais ampla, que considera em primeiro lugar o esforço das
organizações sociais em promover uma sociedade mais justa e sustentável.
Esse entendimento possibilita ampliar um conceito que transcenda o foco comercial. A
opção dos sujeitos do Sul, de deixar para um segundo plano o aumento do volume de vendas e
a busca por novos mercados, características principais dos atores do Norte, requer
consideração. Logo, assumir uma nova definição do Comércio Justo significa incluir e
possibilitar uma maior paridade entre os atores do movimento, deixando para trás a lógica
Norte-Sul, ou seja, a ordem de “cima para baixo”, de onde as regras são continuamente
ditadas.
1.2- Da caridade à promoção de oportunidades: uma história de sucesso
O principal mote do discurso do Comércio Justo e Solidário é ainda oferecer aos
produtores um preço justo8. Foi com esse princípio que nasceu, a partir da metade do século
XX, uma nova forma de fazer comércio, com a finalidade de diminuir as disparidades entre o
Norte e o Sul do planeta. Um dado importante é que a globalização pressionou os preços dos
produtos agrícolas para baixo. Essa situação piorou as condições de produção e de vida dos
pequenos produtores da América Latina, Ásia e África. Essas novas circunstâncias do
mercado global criam o contexto para o desenvolvimento do discurso e das práticas do
Comércio Justo. Um retorno aos últimos cinqüenta anos, período em que a desigualdade entre
os países cresceu significativamente, faz-se necessário para melhor entender o processo de
consolidação desse movimento.
8
Segundo a FLO – Fairtrade Labelling Organizations International (2006), o “preço justo”, dado aos produtos
dentro desse sistema de comércio alternativo deve, além de refletir os custos de produção da mercadoria,
proporcionar uma renda que seja, no mínimo, suficiente para suprir as necessidades básicas dos produtores. O
que os permitirá gozar de uma vida digna, como determinado tanto pela Declaração Internacional dos Direitos
Humanos quanto pelas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
25
Por volta de 1945, a relação entre a renda global dos países desenvolvidos e a dos
países mais pobres era de 35 a 1. Em 1973, a diferença havia crescido para 44 a 1 e já em
2004 a renda dos países mais ricos era 74 vezes maior que a dos mais pobres (Guadagnucci;
Gavelli, 2004). Na mesma linha de argumentação, Castells (2000, p.106), afirma que o avanço
da pobreza “e principalmente da pobreza extrema” é um fenômeno global. Ou seja, o
desequilíbrio entre nações ricas e pobres é crescente.
Apesar do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001, do Banco
Mundial, intitulado “Luta contra a pobreza”, constatar que as condições humanas melhoraram
nos últimos 100 anos mais do que em todo o resto da história, a distribuição dos ganhos
globais é crescentemente desigual9. A renda média nos 20 países mais ricos equivale a 37
vezes a média dos 20 mais pobres, uma diferença que duplicou nos últimos 40 anos10. Dos
então 6 bilhões de habitantes do planeta, 2,8 bilhões viviam com menos de 2 dólares por dia e
1,2 bilhão de pessoas (um quinto da população mundial), com menos de 1 dólar por dia.
Este contexto de desigualdade e a sua superação é o substrato do discurso do comércio
justo. Foi viajando e trabalhando nos países pobres que os fundadores do movimento
constataram a dramática desigualdade existente no mundo, com um Norte que se enriquecia
sempre mais, indiferentemente às tragédias do Sul. Foram os Norte-Americanos que, por volta
dos anos 1950, instituíram os Ten Thousand Villages, grupos que começaram as primeiras
experiências do comércio justo comprando bordados de Porto Rico.
Em 1956 foi inaugurada a primeira loja formal de “comércio justo”, nos Estados
Unidos, vendendo estes e outros produtos. Logo em seguida, a Europa começou a ter seus
primeiros envolvimentos com o tema, que logo se consolidou como uma alternativa de
comércio. A literatura reporta que a primeira experiência na Europa do comércio justo foi
uma iniciativa da OXFAM, uma das mais importantes e antigas ONGs do mundo, que teve a
idéia de vender nas suas lojas almofadinhas porta-alfinetes, produzidas por chineses
refugiados em Hong Kong.
Entretanto, foi no fim dos anos de 1960 que o Comércio Justo se estabeleceu como um
movimento, quando as ATOs (organizações de comércio alternativo) foram formadas (Kunz
9
www.bancomundial.org.br
Somente no leste da Ásia houve um melhoramento, entre 1987 e 1998, diminuindo de cerca de 420 milhões
para cerca de 280 milhões o número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, então delimitada no valor
de 1 dólar por dia.
10
26
apud Mascarenhas, 2007). A partir de então as organizações que trabalhavam no comércio
solidário Norte-Sul, antes desarticuladas, formaram um conjunto com identidade própria e
unido por objetivos comuns. Ao mesmo tempo, acontecia em Delhi, 1964, a segunda
conferência da UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development) onde os
países em desenvolvimento difundiam a famosa frase “trade not aid”11 (EFTA, 2006), slogan
que acompanha as atividades do comércio justo, desde o início. Com esse lema os
governantes dos países do Sul demandavam um sistema comercial internacional mais
inclusivo e igualitário, onde o Norte não continuasse se apropriando dos benefícios,
remetendo apenas uma pequena parcela destes como forma de ajuda humanitária às nações do
Sul.
Em 1967, nos Países Baixos, foi fundada a primeira central de exportação na lógica de
produtos justos e solidários, a SOS Wereldhandel, transformada depois em Fair Trade
Organizatie. Dois anos depois, foi inaugurada a primeira loja exclusivamente de comércio
justo no mundo, na cidadezinha holandesa de Breukelen. Os holandeses alternativos
introduziram nos relacionamentos comerciais o lema da necessidade de justiça. Ficaram
conhecidos lançando mensagens como “comprando açúcar de cana você dá um lugar ao sol
aos produtores dos países pobres”. Germinava daí uma alternativa de comércio.
A Fair Trade Organizatie foi responsável pela primeira importação de “café justo”,
hoje um símbolo do próprio movimento, sendo ainda o produto de maior comercialização.
Hoje o café justo gera entre 25% a 50% das receitas das organizações de Comércio Justo do
Norte, com crescimento significativo de consumidores na Europa. Foi no ano de 1973 que a
FTO importou café “Índio Solidaritätskaffe” de cooperativas de pequenos agricultores de
Guatemala e as vendas logo superaram a dos artigos artesanais (BUCOLO, 2004).
Nos países do Sul, o artesanato sempre foi produzido pelas mulheres, que
historicamente tiveram poucas oportunidades de emprego formal. Através das mulheres, as
habilidades manuais foram passadas de geração em geração, se tornando um importante
complemento da renda familiar nesse hemisfério. Entretanto, ainda que o comércio justo
tenha iniciado com a importação de artesanatos, foram os produtos alimentares que, ao longo
de décadas, conheceram um verdadeiro crescimento comercial. Ou seja, as produtoras de
artesanatos continuaram relativamente à margem do mercado.
11
Comércio em vez de ajuda.
27
A partir da primeira experiência com o café vieram outras, com a importação de
açúcar, banana, cacau, chá, castanhas, arroz e mais recentemente cresce o mercado das frutas
frescas tropicais, como a manga e o abacaxi, além de sucos de fruta, geléias, mel, vinho e
temperos. Com o crescimento da importação desses produtos, a comercialização supera as
vendas nas lojas do mundo exclusivamente dedicadas à venda dos produtos do comércio
justo, conhecidas como worldshops. Essa comercialização “excedente” passa então a ocorrer
também em lojas especializadas de orgânicos e sistemas tradicionais de comércio, como
supermercados, causando um impasse entre os ativistas do movimento, sendo uma das
principais tensões por que passa o movimento.
Um fato que significou um grande passo de transição entre um movimento que se
prestava somente à solidariedade, com motivações altruísticas, a um movimento cujo pano de
fundo era ainda a solidariedade, mas agora com escopos acentuadamente mercadológicos, foi
o advento do selo certificador. Ainda nos anos de 1980, o padre holandês Franz Vanderhoof e
um colaborador, trabalhando com pequenos cafeicultores do México, tiveram a idéia de criar
um selo para caracterizar os produtos do comércio justo. Portanto, aqueles produtos que
respeitassem os critérios do movimento ganhariam essa certificação e dessa forma poderiam
ser distribuídos em canais comerciais convencionais (atacadistas e varejistas), podendo atingir
o público em grande escala. O primeiro produto certificado foi o café produzido na
cooperativa UCIRI, no Estado de Oaxaca, sul do México (Jaffe, Monroy & Kloppenburg,
2004, apud ASTI, 2007). Este primeiro selo, lançado na Holanda em 1988, foi chamado “Max
Havelaar”12 e a idéia foi tão bem sucedida que, no período de um ano, o café justo certificado
alcançou uma fatia de 3% no mercado.
Figura 1: Os primeiros selos de Comércio Justo:
Fonte: Comércio Justo Módulo 1: O que é o Comércio Justo? FLO e. V 2006
12
Max Havelaar foi um personagem de um romance que lutou contra a exploração de cafeicultores nas colônias
holandesas.
28
A partir dessa primeira experiência surgiram novas estruturas empenhadas na
certificação dos produtos. Foi o caso da Transfair International e da Fair Trade Foundation.
Um momento importante para a estruturação do comércio justo foi dado em 1997, com a
criação da Fairtrade Labelling Organizations (FLO)13, “que representou o início de um
sistema internacional unificado, reagrupando as diversas organizações nacionais, (...) que
geram selo certificador do comércio justo” (Ferreira, 2003, p.82).
A criação de um selo comum a todos os países significou um grande avanço de
conquista de mercado para o comércio justo. A FLO, além de estar presente em 14 países
europeus, encontra-se também nos Estados Unidos, no Canadá e no Japão. Até 2006, 17 dos
20 membros da FLO já haviam introduzido a nova marca de certificação da FLO14.
Atualmente existem três federações na rede do comércio justo: a Network of European
World Shops (NEWS), que agrupa federações nacionais de lojas do Comércio Justo, com
2.400 lojas em 13 países europeus; a European Fair Trade Organization (EFTA), que reúne
11 centrais de importação dos produtos do comércio justo, em 9 países europeus; e, maior que
as duas federações acima citadas, a antiga International Federation for Alternative Trade
(IFAT), agora WFTO - World Fair Trade Organization, que conta com organizações de
produtores, importadores e empresas do Sul e do Norte, que trabalham na lógica do comércio
justo. Finalmente, existe o FINE, um fórum (cujo nome integra as letras iniciais das
organizações-membro) que reúne a FLO, a IFAT, a NEWS e a EFTA, possibilitando a
circulação de informação entre as diversas organizações européias do comércio justo. Para
Clec’h(2003, p.136), “todo o sistema visa ao reagrupamento dos atores para a prática de
lobbying15, de sensibilização e de promoção do comércio justo”.
Atualmente, com quase quarenta anos de existência efetiva, o comércio justo já está
bastante consolidado, com todos os seus atores definidos: produtores, agências e cooperativas
importadoras, distribuidores, voluntários e obviamente consumidores. Estima-se que hoje o
setor represente 0,01% do comércio mundial, alcançando em 2005, apenas na União
13
Cabe esclarecer que existe uma corrente do movimento do Comércio Justo, que é contrária aos critérios
estabelecidos pelo selo. São representantes de lojas dedicadas que não exigem a certificação dos produtos e
estabelecem critérios diferenciados em relação à produção e aos produtos provenientes do Sul, como é o caso do
conjunto de lojas agrupadas no Espacio Comercio Justo. www.espaciocomerciojusto.org
14 Comércio Justo Módulo 1: O que é o Comércio Justo? FLO e. V 2006
15
“Em campanhas de pressão junto aos organismos internacionais aos governos e às grandes empresas
multinacionais” Clec’h (2003, p.136).
29
Européia, o faturamento de 660 milhões de Euros, essa cifra significando 2,5 vezes o
faturamento de 2001(http//it.wikipedia.org).
Embora haja certa discrepância de dados, já que, segundo Pistelli e Zerbini (2003), no
continente europeu, estima-se existir mais de 3.500 worldshops, como são chamadas as lojas
do comércio justo, e mais de 70 mil pontos de venda, comercializando produtos dessa
natureza, entre lojas e supermercados, enquanto, de acordo com a pesquisa realizada pela
Universidade Cattolica e Bicocca de Milão, seriam 2.800 as worldshops e 79 mil os pontos de
venda (http//it.wikipedia.org), a grandeza dos números, qualquer que sejam as fontes,
expressa a pujança do setor.
O documento intitulado “Sessenta anos do Comércio Justo”
16
EFTA (2006) informa
que hoje o Comércio Justo é um movimento mundial com mais de um milhão de pequenos
produtores e trabalhadores organizados em cerca de 3.000 organizações, em 50 países do Sul.
Os produtos são vendidos nas centenas de worldshops17, supermercados e em muitos outros
pontos de venda no hemisfério Norte, contando com um crescimento de vendas também no
Sul. Ainda conforme o documento, o movimento está engajado em debates com os dirigentes
de instituições européias e internacionais para que realizem um mercado justo, além de
realizar negócios com responsabilidade social e ambiental. Enfim, o documento resume que o
Comércio Justo está se tornando um crescente sucesso.
16
17
Disponível no site www.european-fair-trade-association.org
Lojas do mundo, como são chamadas as lojas exclusivas do Comércio Justo.
30
Tabela 1: O Histórico do Comércio Justo
FONTE: Folder FACES 2004.
1.2.1- O Comércio Justo e Solidário no Brasil: a voz e a vez dos produtores
Uma das principais características dos países do Sul é a acentuada desigualdade social.
No Brasil não é diferente. Apesar de estudos indicarem uma diminuição da desigualdade, o
país ainda apresenta enorme diferença na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza.
Portanto, o Brasil continua um país muito desigual, fadado ao desafio histórico de enfrentar
uma herança de injustiça social, que excluiu grande parte de sua população do acesso a
condições mínimas de dignidade e cidadania (BARROS et al, 2001). È nesse contexto que
várias expressões da sociedade civil, como movimentos sociais e ONGs, e até mesmo
governos, trabalham a fim de amenizar esse cenário.
31
Em torno do lema “uma outra economia é possível”, difundido nas várias edições do
Fórum Social Mundial (FSM), se formou uma sinergia entre vários movimentos e
organizações que buscavam soluções de integração do maior número de excluídos e
marginalizados pelo sistema capitalista. Assim, movimentos de resistência, como o Comércio
Justo e a Economia Solidária, cresceram e ganharam força consolidados em experiências
locais e/ou inspiradas em iniciativas internacionais contextualizadas à realidade nacional.
Paralelamente, governos com propostas mais sociais fomentaram diversas políticas públicas
de inclusão, como o programa de combate à fome, o fortalecimento da agricultura familiar e
várias concepções de desenvolvimento territorial.
Nasce nesse contexto, o Faces do Brasil18 - Fórum de Articulação do Comércio Ético e
Solidário no Brasil, em 2001. Um grupo formado por ONGs, representantes governamentais,
empresas, representações de trabalhadores e prestadoras de serviços, para debater os diversos
temas relacionados ao Comércio Justo. Isso marcou os primeiros passos para a consolidação
do movimento no Brasil. O fórum surge com o objetivo de “fomentar a criação de um
ambiente favorável à construção e implementação de um sistema brasileiro de comércio ético
e solidário, promovendo a equidade e a inclusão social” (França, 2003, p.2). A constituição do
Faces significou a articulação nacional de várias iniciativas de Comércio Justo existentes no
Brasil, desde a década de 1980, que até então trabalhavam de forma isolada e pontual.
Tabela 2: Lista dos 13 membros do Faces do Brasil em 2002:
SIGLA
ORGANIZAÇÃO
BS&D
BS&D
(Business
PRINCIPAL ATUAÇÃO
and
Development)
FASE
FES/ILDES
Sustainable Representante
FLO
(Fairtrade
labeling Organization) no Brasil
Federação de Órgãos para Assistência Capacitação
para
pequenos
Social e Educacional
produtores/ Economia Solidária
Fundação Friedrich Ebert
Direitos humanos, relações públicoprivadas
FLS
Fundação Lyndolfo Silva
Promoção do comércio norte-sul para
os pequenos produtores
IMAFLORA
Instituto de Manejo e Certificação Florestal Certificação florestal
e Agrícola
18
A idéia de constituir o Faces surgiu em uma reunião no Rio de Janeiro, organizada pela Fundação Friedrich
Ebert e o Instituto Sere, em julho de 2001. Participou dessa reunião, além dos proponentes, a FASE, que é uma
entidade ligada à Economia Solidária.
32
Instituto SERE
Serviços, Estudos e Realizações para o Desenvolvimento local e sustentável
Desenvolvimento Sustentável
KAIRÓS
Instituto
Kairós
–
Ética
e
Responsável
MDA/SAF
Atuação Educação
para
responsável
familiar
REDE
Agroecologia
ECOVIDA
participativa
e
certificação
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Capacitação e apoio às micro e
Pequena Empresas
SEMAB
consumo
Ministério do Desenvolvimento Agrário – Políticas públicas para a agricultura
Secretaria de Agricultura Familiar
SEBRAE
o
pequenas empresas
Banco de Alimentos da Cidade de São Segurança alimentar e abastecimento
Paulo
VISÃO
Visão Mundial
MUNDIAL
VIVA RIO
Inclusão
social
e
promoção
comercial de pequenos produtores
Movimento Viva Rio
Inclusão
social
de
comunidades
carentes
FONTE: Mascarenhas (2007)
O que motivou inicialmente esse grupo foi a percepção de que o Comércio Justo
Internacional apresentava uma prática que serviria como resposta à demanda de mercado dos
produtores rurais e urbanos brasileiros. Portanto, a criação de canais alternativos de
comercialização, tanto em termos nacionais quanto internacionais, significava uma
possibilidade concreta para a colocação dos produtos no mercado dos grupos marginalizados
pelo sistema convencional de comércio. Assim, a partir dessa inclusão seria possível garantir
a sustentabilidade financeira e a melhoria da capacidade organizacional desses
empreendimentos.
Logo nos seus primórdios o Faces do Brasil definiu o comércio ético e solidário como
uma “forma de empoderamento dos trabalhadores assalariados, produtores e agricultores
familiares, que estão em desvantagem ou marginalizados pelo sistema convencional de
comércio” (FACES, 2002, p.5). Percebe-se claramente a preocupação de garantir o
protagonismo aos desfavorecidos pelo comércio tradicional. No entanto, segundo
Mascarenhas (2007, p.154):
Pode-se afirmar que, apesar da relevância dessas propostas e da sua
importância para a configuração do movimento num contexto nacional, elas
não dialogaram com a realidade mais imediata dos produtores, comerciantes
33
e consumidores, havendo pouco ou quase nenhum protagonismo desses
atores, o que evidenciou um caráter mais regulador e cívico das mesmas.
É o que confirma os inúmeros eventos19 realizados pelo Faces nos seus primórdios,
sendo mínima a participação de organizações direcionadas à produção, consumo e
comercialização. Tais atores, na maioria das vezes, participavam apenas como ouvintes ou
convidados “visando referendar os modelos ideais que estavam sendo apresentados” (idem).
Isso demonstra que na prática, apesar de bem intencionados, o Faces em princípio não
proporcionou ou incentivou nem mesmo um diálogo mais inclusivo, quanto mais um real
fortalecimento ou um “empoderamento” dos trabalhadores excluídos; o que acabou por repetir
critérios desenvolvimentistas onde a formulação de modelos e teorias é construída sem a
participação dos prováveis beneficiários.
Entretanto, os grupos de produtores, já envolvidos em iniciativas de comércio justo
Norte-Sul, não se conformaram com a passividade de seus parceiros, inclusive com o Faces, e
instituíram em 2004 a Articulação das Organizações de Produtores Familiares no Comércio
Justo e Solidário (OPFCJS), transformada em ECOJUS Brasil (Associação Brasileira de
Empreendimentos do Comércio Justo e Solidário) em 2007. A formação desse grupo nasceu
de uma proposta de produtores, no I Simpósio Nacional sobre experiência de Organizações de
Produtores nos Mercados de Exportação, realizado no final de 2004, em Brasília
(MASCARENHAS, 2007), a proposta de uma articulação nacional dos grupos que se
relacionavam com o Comércio Justo, tendo como principal objetivo a construção de uma
frente em defesa dos seus próprios interesses perante a força inerente de outros atores da
cadeia produtiva do Comércio Justo.
Em princípio 15 organizações de produtores compuseram o núcleo da atual ECOJUS
Brasil. Ao longo do tempo, essas organizações têm sido reconhecidas e apoiadas por
instituições governamentais, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES), tendo, esta última, inserido a plataforma no Grupo de Trabalho de
Produção, Comercialização e Consumo Solidário20 (GT-PCCS), que foi formado para discutir
um Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SNCJS), conforme será apresentado no
terceiro capítulo.
19
Os eventos eram organizados a fim de discutir princípios e critérios do movimento do Comércio Justo,
adequando-os ao contexto brasileiro.
20
O Faces também compõe o GT-PCCS.
34
Os membros da ECOJUS estabeleceram alguns elementos para a constituição de sua
identidade e definiram o seu público-alvo, conforme o que segue: (i) foco em organizações
autogestionárias de agricultores familiares nas quais pelo menos 80% dos membros sejam
agricultores familiares assentados de Reforma Agrária, extrativistas e pequenos artesãos ou
façam parte de pequenas empresas ligadas ao movimento de Economia Solidária; (ii) tenham
atividades coletivas na comercialização, procurando melhorar a sua própria autonomia, sob
uma perspectiva de desenvolvimento sustentável; (iii) é permitida a participação de
organizações formais ou informais. Além do mais, foram definidos os seguintes objetivos:
•
Estimular o fluxo de informações entre os membros e as pessoas interessadas;
•
Trocar experiências e habilidades entre as organizações no nível regional ou em cada
cadeia produtiva;
•
Promover o consumo responsável e o mercado solidário no Brasil;
•
Promover a articulação nacional e internacional para o Comércio Justo e Solidário;
•
Ampliar a participação e o acesso aos mercados nacionais e internacionais de
Comércio Justo, congregando forças e elevando a escala de ofertas.
A característica convergente da ECOJUS em relação a outras organizações da
Economia Solidária e do Comércio Justo, na América Latina, está em ser contrária à
participação de médias e grandes empresas agrícolas, salvo exceção quando houver
necessidade de uma eventual prestação de serviços a fim de viabilizar vendas de produtores
familiares e empreendimentos solidários. O cafeicultor Fábio Gonçalves dos Anjos,
presidente da COASOL21, na Reunião Sul de Produtores no Comércio Justo e Solidário,
demonstra o crescimento e fortalecimento dos produtores:
Já ofertamos para o mercado interno e externo um elenco expressivo de
produtos como café, sucos e polpas de frutas, conservas, açúcar mascavo,
soja, cacau, castanhas e artesanato, em diversas escalas de faturamento,
fornecendo para compras governamentais. Participamos também diretamente
de fóruns e conselhos de desenvolvimento. (http://www.emater.pr.gov.br)
Atualmente a ECOJUS Brasil22 é uma articulação de mais de 100 empreendimentos de
produtores e consumidores, entre cooperativas, associações e grupos informais, centrais e
redes, com mais de 15.000 famílias, rurais e urbanas, de todas as regiões do Brasil. Esses
grupos produzem uma grande diversidade de produtos frescos do campo, alimentos
21
22
Cooperativa Agroindustrial Solidária de Lerroville.
Informações encontradas no folder da organização intitulado Comércio Justo e Solidário.
35
processados, artesanatos, e também prestam serviços de alimentação. A ECOJUS valoriza e
incentiva as experiências de comercialização comunitária e a participação de consumidores
organizados na distribuição de produtos da Economia Solidária e da Agricultura Familiar,
principalmente da produção agro-ecológica.
Com o passar do tempo e a inclusão de várias organizações de produtores, apoio e
consumo, o Faces do Brasil23 cresceu e amadureceu. Substituiu o ético do seu nome para o
adjetivo justo, tornando-se Fórum de Articulação do Comércio Justo e Solidário do Brasil.
Relativizou o papel do Comércio Justo na promoção do desenvolvimento se articulando a
outras iniciativas e políticas, incluindo demandas e propostas de outros importantes
movimentos como a Economia Solidária, a Agricultura Familiar e a Responsabilidade Social
e Empresarial. Dessa forma, o Faces vem procurando articular os setores público e privado
“em prol da busca de convergências e da construção participativa de estratégias e políticas
comuns, direcionadas ao fomento e à construção de relações mais justas e solidárias ao longo
da cadeia produtiva” (FACES, s/d).
Além do mais, o Faces do Brasil foi protagonista na construção participativa de
conhecimento e informação sobre o Comércio Justo Brasileiro. A partir do envolvimento de
diversos atores em estudos técnicos, na elaboração de documentos, em consultas públicas, e
no desenvolvimento de projetos piloto, foi consolidada a “Carta de Valores, Princípios e
Critérios de Comércio Justo e Solidário Brasileiro”24. Foi também elaborado o modelo de
“Sistema de Reconhecimento de Conformidade”. Ambos os documentos estão legitimados no
processo de construção do Sistema Nacional de Comércio Justo, do qual o Faces é um dos
principais proponentes e incentivadores.
Tabela 3: A composição atual do FACES
MEMBROS DO CONSELHO POLÍTICO:
ONG’s e outras entidades (assessoria, apoio, consumo etc.):
•
•
•
•
•
23
Cáritas Brasileira;
CEDAC (Centro de Ação Comunitária);
CONSOL (Mundo Paralelo);
DESER (Departamento de Estudos Sócio-econômicos Rurais);
Ética Brasil;
O Faces assumiu, em 2005, uma personalidade jurídica se transformando em Instituto Faces do Brasil. Isso foi
o resultado de uma busca por um papel mais ativo na implementação de um Sistema Nacional de Comércio Justo
e Solidário. O Instituto Faces passou a ter uma função mais operativa e estruturante, enquanto o Fórum de
Articulação Faces permaneceu como espaço de discussão de vários atores.
24
Consta versão completa nos anexos deste trabalho.
36
•
•
•
•
•
•
•
•
FASE Nacional (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional);
FASE Pará;
IMAFLORA (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola);
Instituto Kairós (Ética e Atuação Responsável);
Onda Solidária;
SEBRAE Nacional (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequena Empresas);
Tulipe Engenharia e Projetos;
Visão Mundial.
Representação de Produtores:
•
•
•
•
ACS Amazônia (Associação de Certificação Socioparticipativa da Amazônia);
ANTEAG (Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão);
Rede Cerrado;
UNICAFES (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia
Solidária);
• UNISOL (União e Solidariedade das Cooperativas Empreendimentos de Economia Social do
Brasil).
Parceiros Governamentais
• SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE);
• SAF – Secretaria de Agricultura Familiar;
• SDT – Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA).
FONTE: Cartilha FACES “O Comércio Justo e Solidário no Brasil” (2008, p.9)
1.3 - Princípios25 norteadores
Baseado no conceito de Comércio Justo, estabelecido pela plataforma FINE, foram
estabelecidos 10 princípios que devem guiar as atividades do movimento mundial. São eles:
I. Criar oportunidades para produtores economicamente em desvantagem:
o comércio justo é uma estratégia para a diminuição da pobreza e para o
desenvolvimento sustentável. Seu propósito é criar oportunidades para produtores que
estão economicamente em desvantagem ou que vêm sendo marginalizados pelo
sistema convencional de comércio;
II. Transparência e Prestação de contas: comércio justo envolve gerenciamento e
relações comerciais transparentes para lidar de forma mais justa e respeitosa com
parceiros comerciais;
III. Construção de capacidades: comércio justo é um meio para desenvolver a
independência dos produtores. Relações de comércio justo promovem continuidade,
25
Princípios pesquisados no item “The 10 Standards of Fair Trade” no link “About Fair Trade” na página
www.wfto.com
37
durante a qual o produtor e suas organizações comerciais podem melhorar suas
habilidades gerenciais e seu acesso a novos mercados.
IV. Promoção do Comércio Justo: as organizações do comércio justo aumentam a
conscientização sobre o comércio justo e a possibilidade de estender a justiça no
comércio mundial. Elas fornecem aos seus consumidores informações sobre a
organização, os produtos e em quais condições eles foram feitos. Elas usam
propagandas e técnicas comerciais honestas e objetivam a máxima qualidade dos
produtos e embalagens;
V. Pagamento do Preço Justo: o preço justo nos contextos regionais e locais é aquele
que foi definido através de diálogo e participação. Além dos custos de produção ele
deve permitir uma produção socialmente justa e ambientalmente correta. Isso promove
pagamento justo ao produtor levando em consideração a igualdade entre o trabalho de
homens e mulheres. Importadores garantem pagamento imediato a seus parceiros e
sempre que possível ajudam produtores a pré-financiar a produção.
VI. Igualdade de Gênero: O comércio justo garante que o valor do trabalho da mulher
seja satisfatoriamente valorizado. As mulheres sempre são pagas por sua contribuição
no processo produtivo e são fortalecidas dentro de suas organizações.
VII. Condições de trabalho: O comércio justo significa um ambiente de trabalho seguro e
saudável para os produtores.
VIII. Trabalho Infantil: É aceita a presença de crianças desde que não afete o seu bem
estar, segurança, educação e divertimento, estando de acordo com a Convenção das
Nações Unidas para o Direito da Criança e com as leis locais.
IX. Meio Ambiente: O comércio justo encoraja ativamente práticas ambientais melhores
e a aplicação de métodos responsáveis de produção.
X. Relações Comerciais: As organizações de comércio justo se preocupam com o
desenvolvimento social, econômico e o bem estar dos produtores marginalizados e não
maximinizam lucros às suas custas. Elas mantêm relações duradouras baseadas na
solidariedade, confiança e respeito mútuo que contribuem para a promoção e
crescimento do comércio justo.
Quando requerido, elas fornecem um pré-
financiamento de pelo menos 50% do valor contratado.
Esses princípios serviram de base para a construção dos sete princípios norteadores do
Comércio Justo no Brasil. Os princípios sofreram adequações ao contexto brasileiro e se
constituem como eixos temáticos que ligam os valores, considerados teóricos - filosóficos,
38
aos critérios, significando o campo prático. Eles se institucionalizaram a partir do documento
“Valores, Princípios e Critérios do Comércio Justo e Solidário Brasileiro”, construído
coletivamente pelo Faces do Brasil. A construção coletiva do documento definitivo, exigiu
que fossem realizadas 5 consultas públicas nacionais, com envolvimento de mais de 30
empreendimentos em projetos de pesquisa e avaliação participativa e mais de 300 atores
nacionais (ZERBINI, 2008). Tais princípios foram adequados e compõe o “Sistema Nacional
de Comércio Justo e Solidário” (SNCJS). Seguem abaixo os princípios do Comércio Justo no
Brasil:
Princípio 1 – Fortalecimento da democracia, autogestão, respeito à liberdade de opinião, de
organização e de identidade cultural, em todas as atividades relacionadas à produção e à
comercialização justa e solidária.
Princípio 2 – Garantia de condições justas de produção e trabalho, agregação de valor,
bem como o equilíbrio e o respeito nas relações entre os diversos atores, visando a
sustentabilidade econômica, sócio-ambiental e a qualidade do produto em toda a cadeia
produtiva.
Princípio 3 – Apoio ao desenvolvimento local em direção a sustentabilidade, de forma
comprometida com o bem-estar sócio-econômico e cultural da comunidade, promovendo a
inclusão social através de ações geradoras de trabalho e renda.
Princípio 4 – Respeito ao meio ambiente, primando pelo exercício de práticas responsáveis
e sustentáveis do ponto de vista sócio-ambiental.
Princípio 5 – Respeito aos direitos das mulheres, crianças, grupos étnicos e
trabalhadores, garantindo a equidade e a não discriminação entre todos.
Princípio 6 – Garantia de informação ao consumidor, primando pela transparência, pelo
respeito aos direitos dos consumidores e pela educação para o consumo responsável.
Princípio 7 – Estímulo à integração de todos os elos da cadeia produtiva, garantindo uma
maior aproximação entre todas as pessoas e entidades a ela ligadas.
Os princípios acima elencados serão a base para a discussão das experiências na Amazônia,
discutidas no capítulo 3. Servirão para demonstrar na prática como são permeadas as relações
entre os atores e as dificuldades inerentes à produção e comercialização. O mercado, mesmo o
do Comércio Justo, impõe técnicas e habilidades que a maioria dos grupos produtores não
dispõe. Isso torna mais difícil uma relação paritária, que é um dos principais lemas do
movimento. Mais particular ainda é o caso da Amazônia, onde em muitas comunidades a
39
economia não é estabelecida por relações monetárias. Cbe informar que os critérios
internacionais adotados para medir a pobreza26 não são adequados para essa realidade.
1.4 - América Latina: berço do movimento, escassos investimentos e a conquista do
mercado interno.
A história do Comércio Justo reporta à primeira experiência de apoio a pequenos
produtores desfavorecidos através da comercialização de bordados de Porto Rico. A América
Central teve papel determinante na constituição e fortalecimento do movimento do Comércio
Justo. Cabe lembrar que o primeiro produto certificado foi o café mexicano, responsável pela
mudança de dimensão do movimento com o alcance do grande público, através da exposição
e venda nos supermercados holandeses. Não podemos esquecer que foi também o México o
precursor do primeiro sistema nacional de comércio justo dentre os países do Sul, através da
Associação de Comércio Justo México, baseado praticamente em um único produto: o café
fértil. Devemos considerar que o café é uma das cinco mais importantes commodities
comercializadas na economia internacional e que é predominantemente produzido por
pequenos agricultores pobres da América Latina, África e Ásia.
Esses dados mostram como o café desempenha um papel estratégico na afirmação do
Comércio Justo na América Latina. O mercado para o café justo aproximou consumidores
conscientes do Norte a grupos democraticamente organizados de produtores pobres do Sul.
Inicialmente com o café, ao longo do tempo a América Latina se consolidou como o principal
continente exportador de produtos alimentícios para o comércio justo. Dentre os principais
produtos exportados estão: o cacau, o mel, as frutas frescas, a banana, o açúcar, a quinoa27, os
sucos, chás, vinhos, e, não poderia faltar, o próprio café. Uma característica distintiva do
movimento de comércio justo latino americano é a de buscar o fortalecimento interno,
almejando alcançar de forma incisiva os mercados locais, em detrimento do que caracteriza o
movimento do Comércio Justo internacional que é a colocação dos produtos nos mercados do
Norte.
26
Um desses critérios mundialmente padronizados é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que é uma
medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida.
27
A Quinoa é uma planta nativa da Colômbia, Peru e Chile, que produz um grão indispensável à alimentação e à
vida do homem no altiplano andino. Segundo a FAO – Food and Agriculture Organization, a quinoa é um dos
alimentos mais completos que existem. Novas Pesquisas da planta mostram que ela tem o poder proteico do leite
materno (Wikipédia, 20/03/09).
40
Pode ser que isso seja reflexo das rarefeitas possibilidades de financiamento
internacional, pois, de acordo com Asti (2007), nos últimos anos a África e a Ásia passaram a
ser prioridades das instituições internacionais, ficando a América Latina apenas com os
escassos investimentos resultantes das relações comerciais entre produtores e importadores.
Não obstante esse cenário é constante o brotar de iniciativas de comércio justo na América
Latina em pequena e grande escala, desde pequenos grupos produtores até grandes redes
agregadoras de associações e cooperativas. Destas, uma das mais importantes é a CLAC
(Coordinadora Latinoamericana y del Caribe de Pequeños Productores de Comercio Justo),
que é composta de cerca de 300 organizações de pequenos produtores de vinte países, que
estão organizadas tanto em redes internacionais baseadas em um único produto, quanto em
redes nacionais com uma gama de produtos. Atualmente, a CLAC abrange cerca de duzentas
mil famílias de produtores associados alcançando um total de mais de um milhão de
beneficiados28.
Outra importante organização é a RELACC, a Rede Latino-Americana de
Comercialização Comunitária. Criada em 1991, como uma resposta concreta aos setores
populares e a situação de crise e deteriorização das suas condições de vida29, é uma
corporação reconhecida pelo governo equatoriano. Seus sócios são as Redes Nacionais de
Comercialização Comunitária integradas por organizações de produtores, consumidores,
artesãos e instituições de apoio e serviços. Tanto a CLAC quanto a RELACC têm assento na
diretoria da IFAT Latino Americana (IFAT LA), que é um braço da rede internacional de
Comércio Justo, formada pelos membros desse continente, que busca unificar o diálogo do
bloco latino americano com o bloco europeu.
Figura 2: Logomarcas das principais organizações da América Latina
28
29
Informação obtida no site www.claccomerciojusto.org (09/03/09).
Disponível em www.relacc.org (09/03/09).
41
A IFAT LA foi consolidada no início de 2007 com a proposta de manter uma
conformidade com o movimento internacional, conciliando interesses e mantendo o
direcionamento estratégico (ASTI, 2007). Seus membros optaram por manter o nome e a
ligação institucional com o movimento internacional, sediado na Holanda. Cabe esclarecer
que a rede internacional era chamada até 2008 de IFAT (Associação Internacional de
Comércio Justo), transformada depois em WFTO (Organização Mundial de Comércio Justo).
Ainda não se sabe se a organização latino americana acompanhará o movimento mundial,
adaptando seu nome. Ademais, com a finalidade de comunicar os debates sobre os
argumentos mais interessantes à América Latina, a IFAT LA produz a revista eletrônica
“Mercado Justo”30, que aborda a realidade dos movimentos de Economia Solidária e de
Comércio Justo, harmonizando idéias e experiências concretas.
FIGURA 3: Revista Latino-americana Mercado Justo
Edição de Janeiro de 2009
Edição de Novembro de 2008
Além das organizações citadas, existe a Mesa Coordenadora Latino Americana de
Comércio Justo (MCLACJ), que integra redes de comércio justo e de economia solidária. A
Mesa é expressão do que vem se consolidando no continente, que é a articulação entre o
movimento de Economia Solidária e o de Comércio Justo. Apesar de a Economia Solidária
ser maior e mais forte, ambos os movimentos possuem na sua raiz os mesmos princípios
éticos e motivacionais. Não obstante a aproximação recente, ocorrida nas primeiras edições
do Fórum Social Mundial (FSM), muitas redes de Economia Solidária já debatem o tema do
Comércio Justo e muitos produtores já adotam os seus princípios.
30
www.mercadojusto-la.org.
42
É o que acontece no Espacio MERCOSUR Solidario (EMS)31, uma plataforma aberta
de organizações e redes nacionais do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai)
que trabalha na promoção e no desenvolvimento das economias solidárias e do Comércio
Justo. Na ocasião da III Feira Canária de Economia Solidária e III Feira do Espacio
MERCOSUR Solidário, em janeiro de 2008 no Uruguai, os representantes do EMS
elaboraram uma declaração que expressa um duplo propósito:
1. Incidir a partir do seu caráter específico, para que o MERCOSUL finalmente
concretize uma verdadeira integração regional que permita a circulação dos bens
produzidos sob os princípios da Economia Solidária e do Comércio Justo.
2. Contribuir, a partir de suas ações específicas, à promoção de todas as formas de
associação e cooperação, sobretudo nos setores populares e vulneráveis, como forma
concreta de alcançar mercados justos e democráticos.
Além do mais, foi recentemente formado o Grupo de Lojas de Economia Solidária e
Comércio Justo, cujo objetivo é conhecer e promover o intercâmbio de experiências,
concretizando alianças, a fim de consolidar uma verdadeira integração latino americana.
Delegados de 20 organizações se reuniram no I Encontro Latino Americano de Lojas de
Economia Solidária e Comércio Justo, em janeiro de 2008, e compuseram a seguinte
declaração:
1.
Acreditamos em uma Economia Solidária e em um Comércio Justo
que contribuam a gerar mercados públicos, democráticos e solidários com o
propósito de mudar as pautas atuais do consumismo por uma cultura de
consumo responsável e ético no marco de uma sociedade mais justa,
responsável e humana.
2.
Constatamos um notável dinamismo dos setores populares e
associativos ao longo do nosso continente construindo alternativas concretas
de um verdadeiro desenvolvimento humano.
3.
Destacamos o papel relevante de instrumentos específicos como as
Lojas de Economia Solidária e Comércio Justo que se formam em vários dos
nossos países. Lojas que além dos diferentes estilos de funcionamento,
compartilham a mesma filosofia, valores e princípios de ação.
4.
Desejamos Lojas que consigam sua sustentabilidade mediante um
manejo e gestão eficientes e dignos dos elevados valores éticos que
perseguimos; Lojas que consigam incidência para um tratamento jurídico,
impositivo e regulador, atendendo a seus objetivos socioeconômicos de
inclusão social, qualidade, participação dos trabalhadores, equidade e
cuidado do meio ambiente; Lojas que focalizem a construção de mercados
no Sul; Lojas que envolvam os interesses do trabalho humano mediante as
diferentes formas organizativas e associativas de nossas produtoras e
31
Inaugurada em janeiro de 2006, na I Feira Canária de Economia Solidária, em Assunção, Paraguai
43
produtores; Lojas que promovam nossas identidades culturais.
5.
Apostamos na criação de um trabalho articulado entre as diversas
Lojas Latino Americanas com o propósito de começar a gerar circuitos de
comercialização solidária, processos participativos de certificação que
confluam em uma marca compartilhada para o continente, trabalho conjunto
de incidência assim como ações que contribuam a mostrar que uma OUTRA
ECONOMIA É POSSÍVEL
As declarações acima evidenciam a relação na América Latina entre os movimentos de
Comércio Justo e Economia Solidária. A união dessas duas frentes é um meio eficaz de
alcançar objetivos comuns, difundindo conceitos, incentivando novas experiências e
garantindo o protagonismo aos atores do Sul. Essa realidade Latino Americana é tão concreta
que existe uma verdadeira difusão de redes de organizações de Economia Solidária e
Comércio Justo espalhadas pelo continente. O III Encontro Latino Americano de Economia
Solidária e Comércio Justo, intitulado “Por uma integração solidária dos povos da América
Latina e do Caribe”, realizado em outubro de 2008 e organizado pela Rede Intercontinental de
Promoção da Economia Social e Solidária (RIPESS) é um bom exemplo de como vem se
dando essa relação. Os participantes desse encontro escreveram a declaração de Montevidéu
denominada “Sim, existem alternativas: a Economia Social e Solidária e o Comércio Justo”,
que sintetiza os anseios dos integrantes de ambos os movimentos.
A declaração de Montevidéu32 é extremamente importante e cada um dos seus pontos
inclui especificidades próprias do movimento de Economia Solidária na América Latina.
Contudo, a fim de não delongar, é válido destacar quatro dos oito pontos da declaração que
demonstram mais claramente a preocupação com um objetivo que transcenda o plano
econômico, com o respeito às identidades dos povos, com critérios para uma produção e
comercialização mais justa e com a preocupação da formação e fortalecimento das redes de
organizações de Economia Solidária, são eles:
•
Ponto 1: Reafirmamos, mais uma vez, que a Economia Social e Solidária é uma
alternativa para a humanidade, pois persegue como objetivo principal o bem viver de
todas as pessoas, a partir da autonomia produtiva, da equidade econômica, da justiça
social, da sustentabilidade ambiental e da participação política.(...)
•
Ponto 2: Nos comprometemos a promover uma integração regional que privilegie os
direitos, sabedorias e interesses dos povos latino americanos – caribenhos, e que
32
Ver a versão completa da Declaração de Montevidéu nos anexos deste trabalho.
44
tenha como principais fundamentos a cooperação, a reciprocidade e a
complementaridade na produção, no comércio e nas finanças, assim como em todas
as dimensões da vida social dos povos; portanto, diferente do modelo de livre
comércio que, por incidência das grandes transnacionais, hegemoniza as discussões
e acordos no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC) e nos tratados
comerciais regionais e acordos bilaterais que se pretendem impor na região.
•
Ponto 5: Convocamos a compartilhar, aperfeiçoar e inovar instrumentos, métodos e
sistemas para melhorar os atuais níveis de eficiência econômica e social dos
empreendimentos solidários, seus produtos e serviços, com o ânimo de contribuir ao
bem viver de seus integrantes e comunidades.
•
Ponto 6: Adotamos o compromisso de promover e/ou fortalecer redes e movimentos
nacionais de Economia Solidária, consolidando espaços idôneos para a melhor
articulação e o fortalecimento das organizações e seus integrantes, assim como de
impulsionar alianças estratégicas com outras redes e movimentos sociais para o
fortalecimento da Economia Solidária nas localidades, nos países e na região.
Observou-se que em toda a declaração não se faz menção em nenhum momento ao
Comércio Justo, exceto no próprio nome dado ao documento. Sendo esta declaração fruto de
um encontro que reúne tanto o movimento de Economia Solidária quanto o de Comércio
Justo, e sendo este considerado um instrumento da própria Economia Solidária, é como se na
América Latina o movimento do Comércio Justo já tivesse sido incorporado no grande
movimento da Economia Solidária. Portanto, é como se o movimento do Comércio Justo
estivesse subtendido com seus princípios particulares em todo o documento quando se fala na
própria Economia Solidária, pois afinal de contas o ponto mais tangível de convergência entre
os dois movimentos é a base de princípios e motivações.
1.4.1 - Identidade Cultural: uma estratégia de valorização do produto do Comércio
Justo
De acordo com a IFAT LA, o principal desafio dos produtores é a conquista do
mercado interno latino-americano, o que significaria garantir o escoamento da produção,
principalmente dos artesanatos. Atualmente, a Ásia oferece grande oferta de produtos a preços
comparativamente baixos e assim vem garantindo seu papel de tradicional exportadora de
45
artesanatos para o comércio justo. Isso faz com que América Latina sofra com uma
concorrência difícil. Portanto, o desenvolvimento de mercados locais, além de garantir a
colocação para muitos produtos até então excluídos ou sufocados por pesadas concorrências, é
uma estratégia para recuperar e valorizar identidades culturais e étnicas como meio de se
diferenciar no mercado. De um modo geral, os produtores que acessam os mercados
internacionais acabam subordinando sua produção aos padrões estéticos destes consumidores,
que significa a adoção de desenhos, cores e estilos, ditados pelas demandas da moda.
Na edição de janeiro de 2009 da revista Mercado Justo, Gabriela Frers, presidente da
IFAT LA, diz que apesar de o Comércio Justo desde seus primórdios ter manifestado o
interesse de respeitar a identidade dos povos, a relação entre consumidores do Norte e
produtores do Sul não dá valor à cultura, com toda a sua bagagem de significados. Ela afirma
que a cultura, que dá origem aos produtos típicos, por sua profundidade, saberes, riqueza de
conteúdos e valores estético-visuais, poderia perfeitamente servir de atrativo comercial.
Assim, os produtores com toda a sua riqueza cultural assumiriam um papel mais ativo e
protagonista nesta relação comercial que atualmente os faz ocupar um espaço passivo e
subvalorizado. Afirma ainda Gabriela que, estando a oferta tão determinada pela demanda, a
criatividade e o significado da produção se diluem e se perdem. Isso abre espaço para uma
simples adequação à demanda, atuando os produtores apenas como mão de obra. Deste modo,
eles acabam desconsiderando a possibilidade de valorização da cultura, impressa na tipicidade
dos seus produtos, como meio de ampliar suas vendas.
Por esse motivo é que a IFAT LA está propondo a incorporação de um novo princípio
capaz de valorizar e revitalizar a identidade cultural da produção, traduzindo-se em um
mecanismo concreto para garantir o respeito à identidade dos povos, através da sua
valorização. Cabe enfatizar que tanto o Comércio Justo como a Economia Solidária objetivam
alcançar pequenos produtores em situação de desvantagem, e seriam eles os principais
beneficiados com a valorização de suas identidades culturais, favorecendo assim a inclusão e
garantindo mais justiça e conteúdo aos mecanismos de mercado. A proposta da IFAT LA para
o padrão de produção com identidade é a seguinte:
Promover a valorização da identidade cultural da produção de artesanato e
alimentos realizada por produtores e produtoras em pequena escala, levando
em conta os elementos de identidade cultural contidos e refletidos em seus
produtos, através da tecnologia utilizada, dos materiais empregados, dos
desenhos e dos significados transmitidos. É importante fazer com que essa
valorização se reflita na informação aos consumidores e nos preços dos
46
produtos, que deve contemplar esse aspecto como valor agregado da
produção, estimulando o desenvolvimento com identidade (Revista
Mercado Justo, n°8, ANO III, p.7).
1.5 – Comércio Justo e Economia Solidária no Brasil: a complementaridade dos
movimentos
Para entender as fortes convergências entre os movimentos de Comércio Justo e de
Economia Solidária, é importante partir de um relato histórico da Economia Solidária no
Brasil. Assim, contextualizá-la é necessário para identificar os pontos de contato e a
influência que ela exerce no movimento do Comércio Justo, retrato focado do que vem
ocorrendo na América Latina. A ênfase nos mercados locais, a inclusão apenas de pequenos
produtores e a participação em políticas públicas redistributivas são algumas das práticas da
Economia Solidária incorporadas pelo Comércio Justo brasileiro.
As primeiras iniciativas baseadas nos fundamentos da Economia Solidária no Brasil
surgiram na década de 1980. Porém, um momento decisivo para a articulação do movimento
foi a organização da primeira edição do Fórum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre.
Nesse momento, criou-se o Grupo de Trabalho (GT) brasileiro de Economia Solidária, cujo
objetivo era o de mediar a participação de redes nacionais e internacionais de Economia
Solidária no FSM. Nesse GT houve a participação de 12 organizações, entre as quais: a Rede
Brasileira de Sócio-Economia Solidária (RBSES), a Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educação (FASE), a Associação Nacional dos Trabalhadores em Empreendimentos
Autogestionários (ANTEAG), o Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Economicas (IBASE),
a Cáritas do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Rede de
Universidades de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), a Agência de
Desenvolvimento Social (ADS/CUT), e a cooperativa UNITRABALHO.
Para Vieira (2005), o primeiro FSM, realizado em janeiro de 2001, causou uma
mudança radical nas teorias de Economia Solidária. Enquanto no Brasil, na década de 1990, a
Economia Solidária era discutida apenas como utopia e projeto de combate à exclusão social,
com o FSM houve a percepção de que em outras partes do mundo ela já era uma realidade.
Deu-se então uma ruptura teórica, com o abrupto deslocamento dos autores do plano utópico
para o empírico, onde os projetos foram substituídos por estudos de casos e de tendências.
47
Essa mudança permitiu que a Economia Solidária transitasse subitamente do plano
teórico, nos anos 90, para a realidade concreta, no novo milênio. Nesse processo, a ansiedade
por encaixar os projetos nos acontecimentos e vice-versa resultou um certo custo teórico,
jogando-se para um segundo plano elaborações sobre as possibilidades transformadoras desse
movimento para abraçar-se um empirismo muitas vezes pouco consistente. Entretanto, logo a
fragilidade dos grupos de produtores que mergulharam nessas práticas exigiu que a economia
solidária fosse reassumida enquanto projeto, com a execução de estudos de identificação dos
limites das experiências.
O resultado desse cenário está demonstrado nos mapeamentos realizados no âmbito
do Atlas de Economia Solidária no Brasil. Apesar de comprovarem um crescimento
significativo dos empreendimentos33, tais mapeamentos ainda situam a Economia Solidária
como experiências isoladas, projetos avulsos de geração de renda e alternativas emergentes,
contudo sem um caráter sistêmico e influente sobre as realidades produtivas locais e por
extensão sobre a economia nacional.
De acordo com Vieira (2005), na Economia Solidária destacam-se dois tipos de
grupos e experiências: os endógenos e os exógenos. A empresa falida que passa a ser
autogerida por seus funcionários é um bom exemplo de experiência endógena. O Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) é também um exemplo, pois são os excluídos que
criaram e administram o próprio movimento. Por outro lado, caracterizando as experiências
exógenas, estão aquelas organizações que atuam apoiando a formação de grupos para o
trabalho autogestionário, como a Cáritas, as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares (ITCPs), as ONGs em geral e o Sebrae. Para compreender as tramas do surgimento
e amadurecimento da Economia Solidária no Brasil, é válido traçar um perfil de tais grupos, já
que estes são os sujeitos que fazem a história, conforme segue:
•
O MST: é o mais importante movimento de inclusão social no Brasil. Foi fundado em
1979, com o escopo de ocupar as terras consideradas improdutivas e que constituem
grandes e médias propriedades rurais, organizando assim as lutas pela Reforma
Agrária. Trabalha, desde 1985, a organização de cooperativas agrícolas de assentados
estimulando a autogestão para a organização de serviços e atividades subsidiárias. A
33
A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) realizou dois mapeamentos, no âmbito do SIES
(Sistema Nacional de Informações em economia Solidária). No primeiro, realizado em 2005, o número de
Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) foi de 14.954. No último mapeamento, de 2007, esse número
cresceu para 21.859.
48
Economia Solidária é praticada nas diversas formas de cooperação, na capacidade de
reivindicação e de combate à pobreza, e nas atividades de formação, com o estudo de
alternativas sócio-econômicas baseadas na crítica ao capitalismo.
•
A Cáritas Brasileira: organização de cunho religioso34, durante os anos de 1980 e de
1990, desenvolveu uma série de projetos que conciliavam assistencialismo e inclusão
social. No ano 2000, se anunciava como instituição responsável pela realização de 20
anos de economia popular35 solidária no Brasil.
•
ITCPs: As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares nasceram
inicialmente para apoiar cooperativas urbanas, mas logo o seu alcance se estendeu
para a zona rural. As ITCPs demonstram na prática a função pública das universidades
brasileiras, sendo formadas por grupos interdisciplinares de profissionais, como
professores, alunos, colaboradores e funcionários. Além do mais, não se limitam ao
apoio aos grupos, pois fomentam a economia solidária, constituindo um fórum que
prima pela independência política e intelectual, reiterando o papel público da
universidade. Rechaçando, deste modo, o conceito de que a universidade brasileira é
elitista.
Além do mais, a partir dos anos de 1990, houve a propagação de um movimento
autogestionário entre as empresas em processo falimentar. A ANTEAG36 é a principal
instituição que reuniu empresas convertidas, ou seja, tomadas por trabalhadores.
Posteriormente, entidades como a Unisol37, teriam as mesmas finalidades. Outras
organizações que passaram a apoiar a economia solidária foram as Centrais Sindicais, como a
CUT.
Contudo, o passo decisivo para a institucionalização da Economia Solidária no Brasil
ocorreu em 2003, com a criação, pelo presidente Luíz Inácio Lula da Silva, da Secretaria
Nacional de Economia Solidária, a SENAES. Vinculada ao Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), a SENAES é desde o começo dirigida pelo prof° Paul Singer e tem como
responsabilidade o fomento de políticas nacionais de Economia Solidária. Paralelamente à
constituição da SENAES, na III Plenária Nacional da Economia Solidária realizada em junho
daquele ano, foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), cuja atuação
34
Entidade apoiada pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e por grupos católicos.
A utilização da palavra popular tem a finalidade associar suas iniciativas à população de baixa renda.
36
Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária.
37
Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários.
35
49
deveria ser como um interlocutor da sociedade civil, apresentando demandas e acompanhando
as políticas públicas da SENAES para esse setor. No FBES articulam-se três segmentos do
movimento de Economia Solidária, quais sejam: os empreendimentos solidários, as entidades
de assessoria e fomento, e os gestores públicos. A Carta de Princípios do FBES38 aprovada na
mesma ocasião, mas com teor atualíssimo, expressa que:
A Economia Solidária ressurge hoje como resgate da luta histórica dos(as)
trabalhadores(as) como defesa contra a exploração do trabalho humano e
como alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos
seres humanos entre si e destes com a natureza. (...) a ampliação do trabalho
assalariado no mundo levou a que essa forma de relação capitalista se
tornasse hegemônica, transformando tudo, inclusive o trabalho humano, em
mercadoria. As demais formas (comunitárias, artesanais, individuais,
familiares, cooperativadas, etc.) passaram a ser tratadas como ‘resquícios
atrasados’ que tenderiam a ser absorvidas e transformadas cada vez mais em
relações capitalistas. (...) A atual crise do trabalho assalariado desnuda de
vez a promessa do capitalismo de transformar a tudo e a todos/as em
mercadorias. (...) A Economia Solidária é fundada em relações de
colaboração solidária, inspirada em valores culturais que colocam o ser
humano como sujeito e finalidade da atividade econômica.
No Atlas da Economia Solidária, desenvolvido pela SENAES, a Economia Solidária
é “o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e
crédito – organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a
forma de autogestão”. Nesse contexto deverão ser consideradas as atividades econômicas de
produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, comércio justo e consumo
solidário, que estejam organizadas em cooperativas, associações, empresas autogestionadas,
grupos solidários, redes solidárias, clubes de trocas, entre outros. Essas organizações são
denominadas de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) e se caracterizam por serem
instituições suprafamiliares formadas por trabalhadores/as, pertencentes ao meio urbano ou
rural, que exerçam em seus empreendimentos a gestão coletiva em caráter permanente.
Podendo os EES apresentar ou não uma situação legalizada.
Para esse conjunto de atividades econômicas e formas de organização, o Atlas de
Economia Solidária determina quatro características centrais. Embora sejam complementares
e nunca funcionem isoladamente, tais características podem ser observadas e compreendidas
de forma objetiva como categorias analíticas diferentes, mas sempre presentes na Economia
Solidária. Além do mais, elas demonstram grande afinidade com os princípios do movimento
do Comércio Justo. São elas:
38
Disponível em 15/12/2006, no site do Fórum Brasileiro de Economia Solidária www.fbes.org.br
50
•
Cooperação: Existência de interesses e objetivos comuns, união de esforços e
capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos resultados e
responsabilidade solidária diante das dificuldades.
•
Autogestão: Exercício de práticas participativas de autogestão nos processos de
trabalho, nas definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, na direção
e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses.
•
Atividade Econômica: Agregação de esforços, recursos e conhecimentos para
viabilizar as iniciativas coletivas de produção, prestação de serviços,
beneficiamento, crédito, comercialização e consumo.
•
Solidariedade: Preocupação permanente com a justa distribuição dos resultados e
com a melhoria das condições de vida de participantes. Comprometimento com o
meio ambiente saudável e com a comunidade, com movimentos emancipatórios e
com o bem estar de trabalhadores(as) e consumidores(as)”.
Desta forma, para ser considerado um Empreendimento Econômico Solidário (EES)
deve-se comtemplar as quatro características acima expostas. Não é necessário estar ligado
especificamente a algum ente ou mesmo pertencer a uma rede. Tanto é que nos mapeamentos
o que vale é a confirmação de tais características. Além de ser possível o cadastramento on
line de novos empreendimentos. Isso demonstra uma abertura e certa generalização da
Economia Solidária, que ao mesmo tempo em que a faz um grande movimento, dificulta suas
delimitações. Isso marca uma clara distinção em relação ao movimento do Comércio Justo,
onde as organizações sejam elas de produtores, apoiadores, importadores ou comerciantes,
precisam estar necessariamente dentro de um circuito bem definido.
Interessante observar que em relação às fronteiras, tanto a Economia Solidária quanto o
Comércio Justo não são fenômenos exclusivamente nacionais. Os acontecimentos que
despontaram no Brasil também ocorrem em outros países. Além do mais, em muitos casos o
Brasil se espelha nos êxitos e insucessos de experiências estrangeiras, importando modelos
dos casos mais viáveis. Essa relação com o que acontece fora do Brasil é demonstrada, em
termos governamentais, pela declaração39 do ministro do Trabalho e Emprego Carlos Lupi “O
empenho do Governo Federal no fortalecimento da Economia Solidária mostra que o Brasil
39
Apresentada no artigo “Economia Solidária: alternativa de inclusão no mercado”, de 09/01/08. Disponível no
site www.fomezero.gov.br .
51
está sintonizado com o mundo. A economia solidária significa políticas públicas para ajudar
os mais humildes, estimulando dessa forma o comércio justo”.
A afirmação do ministro também aponta que, no Governo Federal, a economia solidária
é vista como instrumento de combate à exclusão social, porém é possível notar um quê de
assistencialismo ao enfatizar a ajuda aos mais humildes. As políticas públicas devem servir
não só a oferecer ajuda, mas sim garantir verdadeiras oportunidades de inclusão social através
do fomento de alternativas de geração de trabalho e renda, que é o escopo da Economia
Solidária. A clara relação que o ministro faz entre Economia Solidária e Comércio Justo
demonstra que ao menos no plano governamental, o Comércio Justo já foi reconhecido e
incorporado como suporte à Economia Solidária.
Ainda no âmbito do Governo, o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento40,
realizado pela SENAES, tem como principal objetivo “promover o fortalecimento e a
divulgação da Economia Solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de
trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e solidário”. Tal
Programa faz evidente referência ao desenvolvimento do Comércio Justo, no seguinte
objetivo específico: “articular cadeias produtivas, ampliando a produção, distribuição e
consumo dos produtos da economia solidária, apoiando o consumo ético e responsável e
contribuindo para a construção de um Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário”.
Esse objetivo se relaciona com o fato de que 64% dos quase 22.000
Empreendimentos Econômicos e Solidários, reconhecidos e mapeados através do SIES41,
apontaram à comercialização como principal dificuldade para a consolidação dos seus
empreendimentos. A constatação de que 56% vendem diretamente para intermediários locais
e apenas 7% alcançam o mercado nacional torna urgente o incentivo de formas de
comercialização e de novas aberturas de mercado, conforme propõe o movimento do
Comércio Justo brasileiro. Por isso, foi criado um Grupo de Trabalho na SENAES para a
implantação de um Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SNCJS), conforme
veremos no terceiro capítulo.
Finalmente cumpre dizer que a Economia Solidária e o Comércio Justo são exemplos
dos novos movimentos sociais econômicos (OTERO apud MASCARENHAS, 2007). Ambos
40
41
Extraído em 20 de março de 2009, do site do Ministério do Trabalho e Emprego www.mte.gov.br
Atlas de Economia Solidária, ano de 2007, disponível no site www.mte.gov.br/sistemas/atlases
52
os movimentos objetivam criar uma nova sociedade e um modelo econômico alternativo, no
qual os atores ambicionam se reapropriar da economia a partir de valores próprios e através de
transações econômicas com conteúdo social e político. Ambos têm como principal objetivo a
criação de um mundo mais igualitário e democrático. Ademais, lutam por uma solidariedade
internacional, pela cooperação, pela autogestão nas empresas e pelas finanças solidárias, além
de denunciarem as relações comerciais injustas entre atores e lugares.
1.6 - O Comércio Justo na Amazônia: raras experiências, rio-mar de possibilidades
A produção agro-alimentar orgânica e beneficiada, os vários artesanatos produzidos
criativamente com materiais típicos, os fitoterápicos e as pequenas fábricas de móveis de
estilo rústico representam na Amazônia alguns dos mais importantes setores potencialmente
capazes de desenvolver uma produção com uma marca de identidade territorial. Visando à
realização dessas potencialidades produtivas regionais, cursos e programas de capacitação
profissional dos mais variados tipos costumam ser executados, com resultados aquém das
expectativas criadas, talvez porque falte a eles o componente mais prático que só o próprio
mercado pode proporcionar. O mercado, as demandas dos consumidores e toda a
competição42 própria dos ambientes comerciais são fatores extremamente indutores de
evoluções e desenvolvimentos tecnológicos e organizacionais. Contudo, como dito, os
mercados são excludentes porque controlados por poderosos interesses capitalistas e estão
longe de funcionar de modo favorável aos pequenos produtores. A dominação dos fortes
sobre os fracos é a lógica prevalecente dos mercados tradicionais.
Reafirma-se, que justamente contra isso, o Comércio Justo procurou se constituir
como um sistema de regras capaz de se opor às práticas comerciais iníquas e como ato
concreto a favor dos povos do Sul do mundo, discriminados por leis voltadas unicamente para
favorecer e proteger o lucro econômico do Norte. No entanto, parece que a Amazônia está
fora do mapa para as organizações do Comércio Justo, que não a abrange e a alcança apenas
minimamente, haja vista o pequeno número de projetos por aqui desenvolvidos. Nesse caso
também o Comércio Justo, contradizendo o seu ideal de atingir os menos favorecidos, vem
considerando a Amazônia como um Norte tipicamente brasileiro, desprivilegiado, distante e
42
O professor Armando de Melo Lisboa (2001, p. 8) afirma que “uma grande dificuldade aqui é superar o
estereótipo de que qualquer forma de competição é perversa”. Para o autor “a competição, quando integrada
num ethos não utilitarista, combinada com a dimensão da responsabilidade ecológico-social, tem efeitos
positivos, pois estimula a inovação proporciona qualidade e multiplica as energias produtivas”
53
historicamente marginalizado, uma longínqua periferia enfim. No Brasil, o maior número de
organizações inseridas no Comércio Justo se encontra no Sul e Sudeste.
No levantamento realizado no âmbito da pesquisa do Proesq43 “Comércio Justo e
Turismo Responsável: Oportunidades Solidárias e Sustentáveis para a Amazônia”,
desenvolvida pelo Instituto Ajuri44, durante o ano de 2007, constatou-se o quão distante
estava a inserção de grupos produtores no comércio justo. Nessa pesquisa, somente no Estado
do Pará foram entrevistados, através de formulário45, 46 organizações de produtores. Destes,
16 produziam artesanatos, e apenas 6 afirmaram vender nos circuitos do comércio justo.
Ainda do total de entrevistados, 28 grupos desenvolvem atividades ligadas à agricultura
familiar, extrativismo e pesca, destes somente 3 alegaram vender no comércio justo.
Verificamos que a maior parte das organizações que afirmaram comercializar no comércio
justo teve apenas experiências de venda, não tendo estabelecido uma relação duradoura e nem
um fluxo contínuo de vendas, conforme propõe os princípios do movimento. Ou seja, o
Comércio Justo parece aqui uma utopia.
Na verdade, apesar da região Amazônica apresentar inúmeras possibilidades de
desenvolvimento econômico, político e social, o modelo de desenvolvimento que sempre
vigorou na região foi o latifundiário-monocultural46 (COSTA, 2004). Por outro lado, o
professor Francisco de Assis Costa, explica que a Lei n° 7.827, de 1989, determinava que 3%
das receitas da União deveriam ser aplicados em programas de financiamento de setores
produtivos de regiões menos desenvolvidas47. Para o professor isso significaria uma “inversão
profunda na orientação da política de desenvolvimento regional de base agrária” (idem,
p.136). Esta lei deveria privilegiar os micro e pequenos produtores e reforçar o modelo por ele
chamado familiar-policultural. Tal modelo é caracterizado pela unidade estrutural pequena
propriedade familiar com produção diversificada, formação de capital humano e social, e
elevação da equidade social, pelo acesso desconcentrado dos meios de produção e pela
distribuição de renda. Esse redirecionamento da política de desenvolvimento “ademais de
43
Projeto Especial de Qualificação dentro do Plano Nacional de Qualificação - PNQ, do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE).
44
Instituto para o Desenvolvimento Solidário e Sustentável da Amazônia.
45
Ver formulário nos anexos.
46
Este é caracterizado por (i) unir a propriedade latifundiária, trabalho assalariado e produção homogênea de
gado e grãos; (ii) apresentar elevados riscos ambientais; (iii) padronizar as bases produtivas, concentrando os
meios de produção e renda.
47
Norte (0,6%), Nordeste (0,6%) e Centro-oeste (1,8%).
54
apontar para um desenvolvimento com raízes mais profundas, indicaria a possibilidade de têlo ecologicamente prudente e com capacidade de formação e distribuição de renda” (ibidem).
A partir de certas instâncias do Estado brasileiro, não absolutamente monolítico nas
suas diretrizes políticas, algumas medidas tentam efetuar tal redirecionamento, além de
programas de crédito como o Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Norte (FNO),
administrado pelo Banco da Amazônia, muitos outros programas vêm sendo incentivados no
atual Governo, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF). A mudança é feita lentamente. Segundo Bianchini (2003), do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, na pirâmide da agricultura familiar quase 50% do segmento está
abaixo da linha da pobreza, ou bem mais próxima da pobreza do que da capitalização. Para o
autor, uma proposta de inserção de produtos agrícolas no mercado justo e solidário deve
considerar que as estruturas da agricultura familiar mais capitalizadas têm maior
acessibilidade aos instrumentos de políticas agrícolas como pesquisa, assistência técnica e
financiamento. O que também caracteriza a maioria das organizações inseridas no comércio
justo. Além do mais, as políticas atuais, que dão acesso ao crédito, se preocupam apenas com
os insumos tradicionais e com a produção, não havendo recursos disponíveis para o
fortalecimento da organização produtiva e comercial (idem).
O comércio justo e solidário se apresenta como uma alternativa para o
desenvolvimento sustentável da região, mas, para sua efetiva consolidação, é imprescindível o
fomento de políticas locais que congreguem os aspectos territoriais e os arranjos produtivos
locais. Para Sampaio e Prada (2003), é dever do poder público promover o desenvolvimento,
através de condições e ferramentas adequadas para um conhecimento consistente e
informações precisas. Novamente o professor Francisco Costa (2004, p.142) especifica essa
necessidade de atuação do poder público:
Seria necessário um ambiente institucional capaz de apreender os requisitos
de uma tal tarefa, a saber: valorizar sistemas produtivos baseados em
diversidade; formar conhecimentos para a gestão da diversidade; formar
conhecimento para transformar a diversidade em base de eficiência
econômica (em força produtiva) e de transformar a eficiência econômica em
base para a justiça social
55
Mesmo que a Amazônia esteja no centro das atenções mundiais48, a discussão de
propostas de desenvolvimento como a prática do Comércio Justo, como dito, ainda é rara na
região. Instituições de apoio à micro e pequenas empresas, como o Sebrae, que, mesmo
trabalhando há anos sem alcançar o impacto esperado, ainda adotam principalmente políticas
de capacitação profissional e de incentivo ao empreendedorismo, como solução ao
desenvolvimento econômico e social. Segundo Castro (2005), além do esforço global pela
preservação ambiental, a Amazônia representa um mercado de insumos e produtos para
grandes empresas multinacionais nos setores da siderurgia, mineração, eletroeletrônicos e
madeira. Afirma ainda que “os pequenos e médios produtores, organizados em sistemas
coletivos, também estão presentes nas redes internacionais, com uma gama de produtos da
floresta. “Por meio de redes informais de comercialização, conseguem repassar ao mercado
globalizado produtos valorizados justamente pelo seu conteúdo cultural e ambiental” (idem,
p.33). Portanto, a inserção de produtos regionais dentro de sistemas formais de comércio,
como a rede do comércio justo, que determinam critérios ambientalmente sustentáveis,
reforçaria os grupos de pequenos e médios produtores que superariam o estágio de
subsistência e passariam a ter uma renda digna, promovendo, conseqüentemente, o
desenvolvimento local e regional.
Na verdade, aqui na Amazônia, pouco se sabe sobre comércio justo, inclusive nos
meios científicos. Apesar de ser esta uma alternativa que, em outros lugares, vem
apresentando resultados sociais, econômicos e ecológicos bastante favoráveis. No site do
Faces do Brasil (www.facesdobrasil.org.br), pouco se faz referência à região amazônica. Na
observação dos vários eventos promovidos pelo fórum apenas o IV Seminário de Comércio
Ético e Solidário “Promoção do Comércio Ético e Solidário no Brasil, por meio de ações
integradas no território nacional”, foi realizado na região, na cidade de Manaus, em 2004. E
mesmo assim, nas mesas e apresentações dos temas não havia instituições paraenses. Do
Estado do Pará, apenas o Grupo de Mulheres da comunidade de Urucuerá, rio Arapiuns,
Santarém, esteve presente no Seminário.
No Seminário do Comércio Justo e Solidário no Brasil, ocorrido na cidade de São
Paulo, nos dias 29 e 30 de março de 2007, perguntei aos componentes da mesa temática
“Comércio Justo e Solidário: uma prática promotora de justiça social” se havia alguma
estratégia de desenvolvimento das ações nas regiões mais periféricas, como a Amazônia, já
48
Condição ainda mais reforçada pelo relatório Planeta Vivo 2006 da WWF, que afirma que o consumo humano
supera a capacidade de regeneração do planeta (www.wwf.org.br).
56
que todos os membros da mesa apresentavam “casos de sucesso” de produtos de associações e
cooperativas das regiões Sul e Sudeste, no máximo do Centro-Oeste. Com certo embaraço,
vários representantes afirmavam a importância de um envolvimento maior da região, entre
desculpas de que dado à distância do centro do país e à dimensão geográfica da Amazônia,
qualquer projeto mais abrangente encontraria dificuldades reais em se concretizar. Não obtive
resposta à minha inquietação, porém, como representante amazônica, senti que havia
conseguido sensibilizar, além de abrir uma discussão de que o Brasil deve ser justo com ele
mesmo, e que tais disparidades regionais deveriam ser quebradas a partir de um projeto, como
este, impregnado de discurso político-ideológico. Afinal de contas, se não pensarmos nisso
agora, quem pensará e quando? E a quem servirá a tão aclamada justiça social?
57
CAPÍTULO II
A definição dos sujeitos e suas práticas: dificuldades e desafios
2.1 - Produtores: o coração do sistema e também o elo fraco
Como já foi dito, os produtores são considerados a “razão de ser” do Comércio Justo,
afinal o movimento nasceu para promover a comercialização dos seus produtos de forma
ética. Podem ser agricultores, artesãos, empreendedores familiares ou populares em geral,
urbanos ou rurais, de preferência organizados em cooperativas ou associações.
Para fazer parte do Comércio Justo tudo que precisam é a organização e elaboração de
seus produtos de acordo com exigências, normas técnicas e condições determinadas pelos
princípios do comércio justo. Mas isso é tudo que precisam para existirem dentro do comércio
justo?
Os produtores devem ser atores de pleno direito e esse é um dos desafios para o
Comércio Justo avançar. Contudo, se observa na realidade uma permanente busca ilusória por
parte dos produtores de uma paridade de poder no mercado, já que no modo de produção
capitalista quem detém os controles não são eles. Quando acontece deles alcançarem essa
paridade, eles já não são mais exclusivamente produtores, mas as suas organizações passam a
assumir novos papéis, como exportadores, e outros perfis de traders. Cada vez mais os
produtores buscam igualdade com os demais atores da cadeia, por isso exigem a sua
incorporação nas discussões e definições dos critérios para a certificação justa, bem como na
avaliação e acompanhamento desses critérios. Eles se dizem vítimas de uma série de
exigências estabelecidas pelo preenchimento de um enorme formulário de enquadramento dos
seus produtos no circuito comercial do movimento. Os produtores não conseguem com
clareza expor, nesse formulário, as particularidades e especificidades da sua produção. Além
do mais alegam serem os mais “vigiados”, com constantes verificações por parte dos
importadores e certificadores a fim de confirmar a obediência dos critérios. Há pois, um
evidente conflito no interior do movimento.
Além disso, as atividades relacionadas à educação e sensibilização sobre o comércio
justo na Europa são concebidas, organizadas e realizadas sem uma participação efetiva dos
produtores (CASERTA, 2003). Os produtores buscam uma nova relação de parceria onde eles
58
possam participar dos processos de decisão, se transformando em verdadeiros atores do
movimento e não apenas beneficiários passivos. A afirmação de Caserta (2003, p.162) é
bastante contundente:
São raros os casos em que os produtores podem desempenhar um papel mais ativo,
por exemplo, decidir em conjunto (...) sobre os temas, as estratégias, as metodologias,
os públicos-alvo. Também acontece que ninguém lhes pede que verifiquem se as
mensagens que falam deles, das suas vidas, das suas expectativas, veiculadas pelas
organizações de comércio alternativo nos países economicamente desenvolvidos,
correspondem ao que eles gostariam ou quereriam dizer.
De acordo com Guadagnucci; Gavelli (2004) são ainda escassas as pesquisas
realizadas sobre as experiências de comércio justo. Das pesquisas informadas por eles,
retiramos alguns aspectos importantes sobre as condições dos produtores. Segundo a pesquisa
da OXFAM49, os grupos de produtores com uma identidade bem definida, com boa
capacidade empreendedora e de inovação, em grau de exercer uma forte liderança, são os que
conseguem os melhores resultados no comércio justo.
Nesse contexto, o papel dos missionários, ou seja, aqueles que vêm do hemisfério
Norte para desenvolver atividades no Sul, também chamados de cooperantes, é fundamental.
São eles que se tornam os pontos de referência para muitas comunidades, pois conhecem o
circuito do comércio justo e acabam desenvolvendo projetos e assessorando os grupos de
produtores. Assim, muitos grupos espelham verdadeiros melhoramentos sociais, pois alguns
se equiparam com instrumentos de trabalho mais modernos, outros construíram seus próprios
laboratórios, outros ainda conseguiram se aperfeiçoar com cursos de formação, ou mesmo, em
muitos casos, conseguiram manter as crianças na escola por alguns anos a mais.
Muitos produtores freqüentemente se tornam dependentes das organizações do
comércio justo, acabando que sem o seu suporte se vêem incapazes de enfrentar o mercado.
Uma outra pesquisa50, igualmente citada no livro de Guadagnucci; Gavelli, encomendada
pelas associações alemães Fundação Friederich-Ebert, a agência (católica) para o
desenvolvimento Misereor, e a protestante Brot für die Welt (idem), informa que apesar de o
comércio justo ter sido avaliado positivamente, os produtores se queixam de serem
escassamente informados (sendo que a transparência é um dos pilares do movimento) e de
serem pouco envolvidos nas tomadas de decisões.
49
50
É uma organização que faz parte da história da construção e desenvolvimento do comércio justo mundial.
Nesta pesquisa foram considerados 17 grupos produtores de alimentos e artesanatos em 6 países.
59
No Fórum Social Mundial (FSM) 2009, na mesa “Regulação e padrões de Comércio
51
Justo” , Ovídio Lopez representante da Frente Solidário52, que já tem uma relação bastante
consolidada com o movimento, apontou a necessidade de o movimento não apenas exercer
controle sobre os produtores, mas também encontrar formas de averiguação dos sistemas de
certificação, bem como das próprias lojas do comércio justo. Além do mais, disse que os
produtores querem ser sócios acionistas do negócio, pois vêem distintas formas de aplicar o
capital. Ainda Ovídio reclama o fato de que não querem mais ser vistos como “los
pobrecitos”53. Percebe-se claramente a busca por parte dos produtores de um papel mais
efetivo dentro do movimento. Superadas as fases de engajamento e consolidação da relação,
os produtores buscam diálogos para definir estratégias para a extensão do comércio justo a
novos produtos e mercados, com ênfase na transformação dos produtos localmente.
Ainda no FSM 2009, na mesa “A mudança de escala do Comércio Justo, suas escolhas
no ambiente da economia capitalista”, Maurizio Fraboni, representante do projeto Guaraná
dos Sateré Mawé54, criticou o critério das importadoras de fazer pesquisas de mercado nos
países do Norte para definir o que os consumidores querem comprar. Disse que em vez disso,
deveriam ser feitas pesquisas no Sul para conhecer o que os produtores têm a oferecer, já que
nem os consumidores do Norte e nem mesmo os importadores conhecem o que existe de
produção no Sul. Deu o exemplo da Amazônia, onde existem inúmeros produtos que, sem
uma campanha de divulgação e incentivo ao consumo, jamais serão requisitados por não
serem conhecidos.
Essa crítica condiz com a afirmação de Schumpeter (1998), para quem as inovações no
sistema não aparecem de maneira espontânea, ou seja, as inovações precisam, de alguma
forma, ser apresentadas aos consumidores para que se tornem demandadas e, então, sob
pressão, o mercado se mobilize para suprir novas necessidades. De forma que cabe ao
produtor iniciar a mudança econômica, estimulando e direcionando consumidores a querer
coisas novas ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de
usar.
51
Organizada pela Federação Artisans du Monde, com a co-organização da Orgasition Mondiale du Commerce
equitable-Europo e da FLO-International.
52
Associación latinoamericana de pequeños caficultores.
53
Expressão transcrita de fala no FSM 2009.
54
O Projeto Guaraná será apresentado no quarto capítulo.
60
Contudo, esse ponto de vista precisa ser bem ponderado, porque, se de um lado
existem casos de introdução de produtos exóticos com sucesso no mercado europeu, por outro
não é qualquer produto, ou qualquer sabor, que encontra correspondência no gosto dos
consumidores. Essa realidade, que diz respeito à realização da mercadoria, ou seja, à sua
venda no mercado e sua conversão em dinheiro, é a essência da crítica de Karl Marx a Jean
Baptista Say, cuja postulação de que toda produção cria sua própria demanda é objetada por
Marx, que considera a possibilidade de interrupção no circuito de circulação das mercadorias:
... “la mercancia ... no sale convertida en dinero, es decir, vendida por su poseedor y
comprada por el del dinero. (...) Nadie puede vender si no hay quien compre” (Marx, 2001, p.
73). Assim, a oferta não cria a sua própria demanda e o grande drama dos produtores
continua a ser a realização de sua produção no mercado.
O desmesuramento é próprio do Comércio Justo, seja quando se propõe a suplantar o
modo de produção capitalista, seja no que diz respeito à abrangência da atividade.Aumentar
as vendas é a solicitação mais freqüente dos produtores já inseridos no circuito do comércio
justo. Por isso, solicitam que os produtos sejam apresentados aos consumidores de modo
profissional, que as lojas de comércio justo estejam bem localizadas e que os seus vendedores
sejam pessoas realmente comprometidas com o movimento. Portanto, cresce a pressão vinda
dos produtores do Sul, resultado dos inúmeros pedidos de organizações de trabalhadores que
querem ter acesso a um canal comercial considerado vantajoso, seja ele alternativo ou não
(GUADAGNUCCI; GAVELLI, 2004). E, a notícia de que o Comércio Justo existe e
possibilita a inserção dos pequenos produtores corre e se difunde rapidamente. Deste modo, é
cada vez maior o número de grupos produtores solicitando parcerias com as centrais de
importação de comércio justo, o que acaba resultando em uma demanda muito superior a
capacidade de absorção das importadoras.
2.2 - Centrais de Importação: o poder no Comércio Justo
As Centrais de Importação além de importar, divulgam, estocam e distribuem os
produtos do Comércio Justo principalmente nos países europeus. Algumas são também
varejistas e dão suporte aos seus parceiros produtores nas seguintes maneiras: (i) apoio
técnico no desenvolvimento de produtos; (ii) oferta de treinamentos para o aperfeiçoamento
técnico; (iii) apoio extra em momentos de dificuldades sociais e econômicas dos grupos; e (iv)
61
a antecipação de pagamentos para o pré-financiamento da produção. A distribuição dos
produtos ocorre nas Lojas de Comércio Justo, também chamadas de Lojas do Mundo ou
Worldshops, mas também em lojas de varejo tradicional, como aquelas de produtos naturais e
orgânicos, de presentes e de decorações. As Centrais de Importação destinam as mercadorias
também aos supermercados e mais recentemente promovem a venda por meio de catálogos
impressos ou virtuais.
Na realidade, é através do papel fundamental das Centrais de Importação que se
efetiva a proposta do comércio justo de estabelecer um canal alternativo e tão direto quanto
possível entre os produtores do Sul e os consumidores do Norte. Elas se constituem em atores
determinantes de todo o processo, já que decidem de quem comprar e como realizar toda a
distribuição. Portanto, as Centrais de Importação representam um elo decisivo e concentrador
de poder nesse sistema de comércio. O seu papel é tão crucial que praticamente um grupo de
produtores só se torna capaz de entrar na rede de comércio justo na medida em que estabelece
um contato com tais centrais, o que pode não ser tão simples. O discurso do comércio justo
fala de um trabalho de preparação dos produtores para que estes se qualifiquem. No entanto,
este trabalho de preparação, por ser dispendioso e demorado, costuma ser substituído por uma
ação mais pragmática de levantamento dos produtos existentes com potencial para o setor. E
ocorre de o trabalho de levantamento destes produtos potencialmente bons para o comércio
ser realizado por outros intermediários, que se estabelecem entre os produtores e as próprias
agências.
Foi o que aconteceu com os artesãos ceramistas do distrito de Icoaraci (PA). No
primeiro semestre de 2003, as organizações de artesãos do município de Belém, entre essas as
de produtores de cerâmica do distrito de Icoaraci, foram convocadas para uma reunião no
Sebrae – PA. Especialistas da Ravinala, cooperativa italiana importadora do Comércio Justo,
explicaram o que significava este novo tipo de comércio. Nos dias seguintes, visitas foram
feitas às oficinas produtoras de artesanato, inclusive às de Icoaraci, e lá os técnicos disseram
que dariam preferência para comercializar os produtos daqueles artesãos mais carentes.
Brotava, então, uma nova esperança e um grande entusiasmo nos produtores.
De Icoaraci, dois grupos foram escolhidos: a Coarti (Cooperativa de Artesãos de
Icoaraci) e o Cosapa (Conselho Superior de Artesanato do Pará). O primeiro grupo foi
indicado pelo Sebrae por possuir, num universo de 28 produtores, um pequeno núcleo de 7
artesãos, capacitados pelo próprio Sebrae para produzirem peças diferenciadas com um design
62
novo, argila beneficiada e corantes minerais, tornando as peças mais leves e resistentes. No
Cosapa, o critério foi diferente, foi pedido aos associados que cada um levasse uma peça para
uma determinada olaria do bairro. Dentre quase 30 peças, apenas 8 foram escolhidas para
serem reproduzidas e exportadas. Por mera “coincidência” foram escolhidas as peças de
produtores mais dotados de capital, com olarias bem mais estruturadas e equipadas. Os
produtos dos artesãos mais pobres não foram selecionados, por não apresentarem seja
acabamentos mais detalhados, seja uma qualidade superior.
Os produtores das peças escolhidas preencheram uma grande e complexa ficha para
darem a garantia que seus produtos poderiam ser enquadrados na lógica do comércio justo.
Dessa forma, aconteceu a venda. Parece estranho informar, mas de lá para cá, essa foi a
primeira e quase única negociação dos artesãos de Icoaraci com uma cooperativa importadora
do comércio justo. O site da Ravinala (www.ravinala.org) informa:
L'organizzazione – deve ispirarsi ai principi della democrazia e
dell'autogestione; Il lavoro – deve dare possibilità ai più deboli, promuovere
la partecipazione sociale e il ruolo dei produttori; La giustizia – deve essere
garantita una giusta retribuzione, evitata l'intermediazione scorretta e
speculativa; L'ambiente – le materie prime devono essere del luogo, minimo
l'impatto ambientale del processo produttivo, sostenute le forme tradizionali
di produzione con il ricorso a tecnologie appropriate; Lo sviluppo – il
commercio equo e solidale deve servire i processi di sviluppo, sostenendo gli
sforzi dei produttori per migliorare le condizioni di produzione e la qualità
della vita55.
De acordo com os artesãos houve um segundo pedido, mas a relação não prosseguiu
por ter ocorrido no processo alguns enganos. Por exemplo, o que ocorreu com o Cosapa, foi
que a Ravinala depositou na metade do ano, em vez de 50% da compra no ato da encomenda,
como haviam combinado, 100% e nunca avisaram, o que só foi descoberto na véspera do
Natal depois de muitos contatos e faxs enviados pelo Cosapa diretamente à Itália. Além do
mais, uma empresa exportadora convencional foi contratada pela Ravinala, que contatou o
Sebrae para articular aquela primeira reunião e que organizava todo o envio através de
container a partir do Ceará56. Segundo informações dos próprios artesãos envolvidos no
55
Tradução: A organização – deve inspirar-se nos princípios da democracia e da autogestão; O Trabalho – deve
dar possibilidade aos mais fracos, promover a participação social e o papel dos produtores; A justiça – deve
garantir uma justa retribuição, devendo ser evitada a intermediação errada e especulativa; O ambiente – as
matérias primas devem ser do lugar, mínimo impacto ambiental do processo produtivo, sustentadas as formas
tradicionais de produção com o recurso de tecnologias apropriadas; O desenvolvimento – o comércio justo e
solidário deve servir aos processos de desenvolvimento, sustentando os esforços dos produtores para melhorar as
condições de produção e a qualidade da vida”.
56
Devido às pequenas quantidades de produtos artesanais adquiridas em diversos Estados brasileiros, era
necessário que eles fossem reunidos em Fortaleza para serem enviados para a Europa em um único container.
63
processo, houve a desconfiança de que houve um superfaturamento em relação ao transporte
de Belém para Fortaleza, o que veio a ser descoberto através de indagação sobre preços aos
próprios produtores da parte da Ravinala.
No município de Abaetetuba, naquela mesma operação, houve um pedido de cerca de
R$3.000,00 aos artesãos da ASAMAB – Associação de artesãos de brinquedos e artefatos de
miriti de Abaetetuba. Valdeli Costa, artesão e atual presidente da Miritong (Ong do Miriti),
relatou: “Me enchi de esperança, mas eu fiquei triste porque não continuou. Preenchemos
quatro vezes aquele formulário grande e complicado, mas não continuou”. E concluiu “a
gente precisa muito ter um mercado pra poder fazer valer a idéia de que o artesanato de miriti
vai gerar emprego e renda”. Enfim, no Estado Pará, a Ravinala adquiriu além da cerâmica e
do miriti, bijuterias de sementes e artesanatos de balata. A seleção de todos esses produtos
ocorreu através do preenchimento de um formulário inicial e de rápidas visitas. As compras se
repetiram poucas vezes e nunca se tornaram regulares. Além do mais, muitas das realidades
selecionadas estão claramente fora dos princípios do comércio justo, não se caracterizando
como Empreendimentos Econômicos e Solidários, estando mais próximos da Economia
Popular.
A partir dessas e de outras experiências estudadas, é possível perceber que a
valorização de fatores éticos e sociais, na escolha de produtos a serem introduzidos no
comércio justo, pesa menos que fatores relacionados à própria qualidade dos produtos. Afinal
de contas, estes precisam ser escolhidos pelos consumidores para saírem dos estoques das
Centrais de Importação e conseqüentemente das prateleiras das lojas. E, naturalmente, os
consumidores optam pelos produtos fazendo um balanço entre preço e qualidade. Significa
dizer que os produtos incluídos na rede são aqueles que oferecem melhores condições de
comercialização, o que nem sempre corresponde à ética de melhorar as condições de trabalho
e vida dos produtores mais carentes do Sul do mundo.
De acordo com a pesquisa “Fair Trade 2007: new facts and figures from an ongoing
success story”57 são mais de 400 as organizações importadoras que atuam no mercado do
comércio justo, oferecendo aos mercados do Norte do globo uma ampla variedade de
alimentos e artesanatos produzidos por produtores do Sul. Mais da metade dessas
57
Pesquisa publicada pela DAWS (Dutch Association of Worldshops) com suporte da plataforma FINE (FLO,
IFAT, NEWS! e EFTA).
64
importadoras estão localizadas nos 15 mercados nacionais, considerados “maduros”58, na
Europa, e outras 200 nos Estados Unidos. Existem desde aquelas importadoras muito
pequenas, representando um negócio familiar com apenas uma ou duas pessoas dedicadas, às
grandes com uma gama enorme de produtos, entre artesanatos e alimentares, como a italiana
Ctm Altromercato, que só perde para a gigante alemã Gepa. Nas diferentes Centrais de
Importação, existe uma pluralidade de idéias, sujeitos e de modos de conceber o Comércio
Justo.
Na Itália, três das principais Centrais de Importação59 nasceram como lojas do mundo
– lá chamadas botteghe del mondo – que tinham o papel de fazer chegar aos consumidores os
produtos do Comércio Justo, mas que obtiveram grande sucesso em desenvolver seus próprios
projetos de importação com o Sul do mundo. Não somente as grandes, mas também as
pequenas Centrais de Importação do comércio justo italiano, apesar de algumas experiências
mal sucedidas, procuram manter relacionamentos contínuos e diretos com os parceiros do Sul.
Relações que se reforçam com a hospitalidade recíproca e com intercâmbio cultural, mas que
não limitam o crescimento dos aspectos empresariais. Interessante é que cada uma das
Centrais de Importação desenvolve projetos próprios e participa do crescimento geral do
movimento que vai além do crescimento quantitativo, mas que engloba também idéias e
múltiplas experiências. Conforme Guadagnucci; Gavelli (2003, p.73)
Elementi comuni a tutti gli importatori sono la fantasia e l’inventiva, che
hanno fatto scoprire nuovi sapori ai consumatori europei, come quello del
guaraná, un succo energético che si ricava da una pianta amazzonica,
oppure la pasta allá quinoa, che fornisce un apporto protéico superiore al
frumento e al riso. Se la quinoa difficilmente potrá soppiantare la pasta di
grano duro, il “Guaranitto”, che nell’estate 2003 ha fatto il suo ingresso nel
mercato italiano, può aspirare a diventare la versione ética della CocaCola60.
As Centrais de Importação têm um papel político muito ativo no movimento, pois
promovem e participam de manifestações contra as injustiças Norte-Sul, incentivando a
difusão do consumo consciente. Além disso, fazem lobby para viabilizar mudanças na esfera
58
Na pesquisa a Europa foi dividida em dois grupos. O primeiro abrange 15 países pertencentes aos chamados
mercados maduros, onde foram desenvolvidas as iniciativas nacionais de certificação. Já no segundo grupo estão
presentes 13 países que se enquadram nos chamados mercados “jovens”.
59
São elas: CTM Altromercato, Commercio Alternativo e Ravinala.
60
Tradução da autora: Elementos comuns a todos os importadores são a fantasia ea capacidade de invenção, que
fizeram descobrir novos sabores aos consumidores europeus, como o do guaraná, um suco energético que é
extraído de uma planta amazônica, ou mesmo, a massa feita de quinoa, que fornece um aporte protéico superior
ao trigo e ao arroz. Se a quinoa dificilmente poderá substituir a massa feita com grãos (de trigo), o “guaranito”,
que ingressou no mercado italiano no verão de 2003, pode aspirar a se tornar a versão ética da Coca-Cola.
65
política e nessas atividades integram e se articulam por meio de redes de troca de
informações, com ONGs de desenvolvimento, agências de ajuda humanitária, centros
educativos, dentre outros. Na Europa, onze das maiores centrais de importação, em nove
países61, constituem a EFTA (European Fair Trade Association). Juntas, em 2006, tiveram
um faturamento de €192 milhões, tendo um crescimento de 29% se comparado ao ano de
2002, cujo faturamento foi de 148 milhões (DAWS, 2008).
2.3 - Lojas de Comércio Justo: uma ponte para o mercado
Exclusivamente criadas para vender os produtos do comércio justo, as Lojas de
Comércio Justo (LCJ)62 também buscam funcionar como promotoras do movimento, através
da informação e educação para o consumo responsável. Elas devem encorajar seus clientes a
participarem de campanhas de pressão aos governos em favor de relações Norte-Sul mais
equilibradas. Além disso, geralmente nascem de associações locais, e embora cada vez mais
tomem forma de verdadeiras empresas, com uma linguagem cheia de termos administrativos
empresariais como organogramas, qualidade e concorrência, expressam grande orgulho de se
constituírem organizações não lucrativas.
Figura 4: Loja de Comércio Justo
Foto extraída do site www.ecologiae.com, em 12/05/09.
61
62
Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Itália, Reino Unido e Suíça.
Serão chamadas assim, em referência a como são chamadas em espanhol: Tiendas de Comercio Justo (TCJ).
66
Um dado importante é que, na grande maioria das LCJ, o trabalho voluntário de
ativistas ainda supera, e muito, o remunerado, apesar de ter havido um significativo
crescimento nas contratações de pessoal (CARRARO et al, 2006). E, em muitos países
europeus as lojas constituíram redes formadas dentro de associações nacionais, a fim de
facilitar a cooperação e a comunicação entre si. Outra informação relevante é que, a maioria
das LCJ européias não é auto-sustentável (idem), sendo freqüentemente apoiadas por grupos
locais de solidariedade e até mesmo por grandes ONGs de comércio justo.
Os autores Sichar e Cabrera (2002) consideram que as obrigações das LCJ são: (i)
vender produtos de comércio justo; (ii) informar ao público sobre seus objetivos, a origem dos
produtos, das produtoras e produtores; (iii) participar de campanhas para influenciar as
políticas nacionais e internacionais e para melhorar a situação dos produtores; (iv) serem
abertas e transparentes na sua estrutura e atividades; (v) ter em seu corpo funcional, sejam
pessoas contratadas ou voluntárias, comprometidas com os objetivos do Comércio Justo, e;
(vi) possibilitar as pessoas que compõem as lojas de participarem das decisões que as dizem
respeito.
A chamada cadeia comercial solidária compreende vários acordos comerciais, que
pretendem ocorrer em um clima de confiança e de forma transparente. De acordo com
Catalina Sosa (2008) diretora da Fundação Equatoriana Sinchi Sacha, a nova empresa social,
como são consideradas as LCJ, é caracterizada por três tipos de relações empresariais:
1. Com o pequeno produtor no estabelecimento do preço e da forma de pagamento;
2. Com os trabalhadores, que podem ser remunerados ou voluntários;
3. Com o consumidor final, a quem se deve oferecer um produto de qualidade, com
informação confiável e adequada tanto sobre os produtos como sobre a nova filosofia
comercial da loja.
A autora Marta Montoya (2008), no artigo “Las Tiendas de Comercio Justo en
España”, exemplifica os diferentes tipos de lojas de comércio justo na Europa. Elas se
dividem entre as tradicionais, que vendem exclusivamente produtos de Comércio Justo e são
empenhadas em difundir o movimento, e aquelas lojas que vendem além de produtos de
comércio justo, também os de grupos locais (do Norte) menos favorecidos, como os produtos
67
agroecológicos. Este segundo grupo de lojas63 objetiva aplicar os critérios do Comércio Justo
nas relações Norte-Norte e busca ampliar sua oferta aos produtos da economia solidária.
Lojas de Comércio
Justo (LCJ)
Comércio Justo e
Produção Local
Tradicionais
Independentes
Ligadas a organizações
Fonte: Montoya (2008)
Segundo Montoya (idem), para alcançar seus objetivos, as LCJ se apóiam em três pilares,
quais sejam: informação/sensibilização, denúncia/pressão política e, comercialização. Na
busca pela sustentabilidade econômica, ocorre que a maioria das LCJ tende a priorizar o
aspecto da comercialização. Entretanto, fica para as lojas apoiadas por grandes organizações,
devido
ao
suporte
financeiro
que
recebem,
a
ênfase
sobre
o
aspecto
informação/sensibilização. Nesse último caso há uma nítida separação entre os três pilares,
ficando para as organizações o papel da denúncia/pressão política, e para as lojas a função da
informação e comercialização. Será descrito a seguir uma síntese sobre como funcionam os
três pilares:
•
Informação/Sensibilização – é o pilar que está mais ligado a formação de um público
consumidor de produtos do Comércio Justo. É através da informação64 sobre como
ocorrem às relações comerciais entre países ricos e pobres que se demonstra a
necessidade de um consumo crítico e responsável para que se promova uma mudança
nas regras do comércio internacional, dando oportunidade para os produtores do Sul.
Nessa perspectiva, sensibilizar o consumidor é o que faz com que ele se torne
constante.
63
Cabe frisar que de acordo com Montoya (2008) nem todos os participantes do Comércio Justo consideram essa
tipologia de loja como pertencente ao Comércio Justo. Por isso, se discute que porcentagem de produtos do
Comércio Justo deve oferecer para ser considerada uma LCJ.
64
A informação sobre o Comércio Justo, as características dos produtos, sua procedência e sobre os grupos
produtores, ocorre através de material impresso, painéis expositivos, internet e feiras.
68
•
Comercialização – é a base e o pilar principal do Comércio Justo. Permite o acesso
dos
produtores
ao
mercado,
garantindo-os
inclusão
e
oportunidades.
A
comercialização garante o funcionamento das LCJ, entretanto é um aspecto delicado
porque ao tentar se equilibrar com as leis do mercado pode colocar em risco a
intenção de favorecer o maior número de produtores do Sul. Ocorre que a necessidade
de adaptar as vendas à demanda faz com que, muitas vezes, se deixe de trabalhar com
os grupos menos favorecidos por não estarem aptos a atender as normas do mercado
internacional (CHARLIER et al apud MONTOYA, 2008). Porém também nesse
ponto há uma divergência entre os tipos de LCJ. Aquelas ligadas a alguma
organização consideram relevante a sensibilização e defendem que a comercialização
no comércio justo não deve ser ditada pelas leis do mercado. Entretanto, as lojas
independentes que sobrevivem exclusivamente das vendas tendem a se adequar à
demanda, procurando adaptar os produtos ao gosto dos consumidores, com novidades
na embalagem e introdução de desenhos e estilos ocidentais.
•
Denúncia/Pressão Política – é a partir desse pilar que as LCJ mobilizam a sociedade
para exigir dos governos a adoção de critérios de justiça nas relações comerciais
internacionais. Ocorre também a reivindicação de que o setor privado passe a adotar
atitudes de justiça e de sustentabilidade. Como já foi dito, esse aspecto é mais
trabalhado pelas lojas vinculadas a organizações, sendo menos relevante nas lojas
independentes que devem se dedicar a parte comercial para assegurar sua
sustentabilidade econômica. A denúncia ou pressão política se realiza através da
adesão de uma LCJ às campanhas promovidas por ONGs que buscam mudanças nas
relações comerciais ou que denunciam práticas que não respeitam os direitos dos
trabalhadores ou que prejudicam o meio ambiente, porém ainda são poucos os
consumidores que aderem às campanhas.
Tabela 4: Tipos de Lojas de Comércio Justo: ofertas de produtos e relação de vínculos
Características
Lojas Tradicionais –
Exclusivas de produtos de Comercio Justo
Independentes
Ligadas
- Não estão
- Recebem o apoio da
ligadas a
organização a qual está
nenhuma
vinculada
organização.
- Têm facilidade para
realizar atividades de
difusão
- É o modelo mais
difundido
Lojas de Comércio Justo e de
produtos locais (do Norte)
- Oferecem junto aos produtos de
Comércio Justo também produtos
locais, principalmente
agroecológicos, também de
grupos socialmente
desfavorecidos.
69
Pilares do
Comércio Justo
Sustentabilidade
Econômica
Futuro
- Geralmente
priorizam a
comercialização
em relação à
sensibilização e à
denúncia
- Apresentam
dificuldades
- Dependem
exclusivamente
das vendas
- Perda da
essência do
Comércio Justo e
transformação em
pontos de vendas
comuns
- Defendem os três
pilares
- Conferem muita
importância à
denúncia/pressão
política
- Apresentam
dificuldades
- Geralmente recebem
colaborações
- Geralmente trabalham os três
pilares
- Tendência a
desaparecerem em
algumas comunidades.
- Tendência a crescerem e
difundirem-se.
- Apresentam dificuldades
Fonte: Montoya (2008)
Até aqui foi traçado um perfil das Lojas de Comércio Justo principalmente das
localizadas na Europa, onde existe uma maior concentração. É possível constatar que, apesar
da indispensável contribuição dos voluntários, as LCJ assumem cada vez mais o aspecto de
empresas sociais em miniatura, mostrando grande dinamismo e força de vontade. E, não
somente no plano comercial. Conforme consideram Guadgnucci; Gavelli (2004), entre as LCJ
existem verdadeiras “lojas sociais”, que se transformam em verdadeiros microcosmos
reunindo em um mesmo lugar: ponto de encontro, espaço de sociabilidade, e lugar de
crescimento cultural e profissional.
Interessante é observar que a tendência do comércio justo também refletida nas LCJ é
o reconhecimento e incorporação de outros movimentos sociais, como o de Economia
Solidária. Assim como o que ocorre na América Latina onde as lojas solidárias são hibridas
reunindo artigos tanto de Comércio Justo como de Economia Solidária, fazendo valer a idéia
de um comércio solidário Sul – Sul, constata-se uma forte tendência na Europa,
principalmente na Espanha, de envolver produtores locais favorecendo o comércio justo Norte
– Norte. Duas experiências, dois hemisférios, que se relacionam com critérios de justiça
social, mas que amadurecem e encontram em seus próprios territórios seus limites e
capacidades, fazendo com que a cooperação se fortaleça e buscando alternativas locais para o
próprio crescimento.
Na América Latina as Lojas de Comércio Justo são indissociadas da Economia
Solidária o que as caracterizam com um perfil particular. No continente o número de LCJ
70
ainda é muito baixo, apesar da constatação da tendência de crescimento nos próximos anos.
Guerra (2008, p.6) faz, a seguir, uma excelente síntese sobre o que caracteriza uma Loja de
Comércio Justo e de Economia Solidária. Após, ele pormenoriza a distinção entre esta loja e
uma outra qualquer, de comercio convencional, no quadro que segue à explicação:
Una Tienda de Economia Solidaria y Comercio Justo definitivamente no es
uma tienda como cualquier outra, de la misma manera que el sector de la
Economia Solidaria no se pretende igual a los otros sectores, y que el
Comercio Justo no se pretende equiparable al comercio tradicional.
Obviamente que hay puntos en común con cualquier otra tienda (un lugar
físico, un horário de atención al público, productos que se comercializan,
estructuras de gestión que hay que atender, etc.) sin embargo, la identidad
de estas tiendas pasa por los objetivos que persiguen así como por la
racionalidad e instrumentos concretos utilizados en diversas áreas.
Tabela 5: Quadro comparativo65: lojas convencionais e lojas de economia solidária e
comércio justo
Dimensão
• Objetivos
Loja convencional
Basicamente comerciais
•
•
Finalidade
Propriedade
•
•
Gestão
Tipo de relação de
trabalho
Vínculos com
organizações
Estratégias de
competitividade
Fator predominante
Lucro
Privada individual ou
por ações
Piramidal
Remunerado
•
•
•
•
•
•
Tipo de consumo
funcional
Relação com os
produtores
Tipos de produtos
comercializados
Economia Solidária e Comércio Justo
Comerciais, culturais e de campanhas de
sensibilização
Promoção
Organizações sociais, comunitárias
Participativa
Basicamente voluntariado
Não interessa
De fundamental importância: sociais e redes
Variada. Inclui
competência por preço
Capital
Baseada na qualidade e nos valores
Consumismo
Fator C (própria força de trabalho e energia
grupal)
Consumo Responsável
De compra e venda
Alianças de longo prazo. Coogestão.
Definidos pela lei da
oferta e demanda
Que cumpram com determinados requisitos
morais (padrões ecológicos, sociais e culturais)
Fonte: Guerra (2008).
Aos poucos as Lojas de Comércio Justo vão se tornando mais conhecidas pela
sociedade civil, principalmente através da informação boca a boca, das feiras e dos eventos.
Caem de imediato no gosto do público devido à qualidade dos produtos oferecidos, as
informações de origem neles impressas, a originalidade, o astral positivo e a atenção prestada
pelos seus trabalhadores. Contudo, as LCJ ainda encontram limitações como o elevado preço
65
Traduzido de fonte original pela autora.
71
dos produtos, uma escassa variedade destes, e a má localização (GUADAGNUCCI;
GAVELLI, 2004). A fim de superar essas limitações a importadora italiana CTM
Altromercato concebeu o projeto de lojas em parcerias com outras organizações, que
demonstrou ser um verdadeiro sucesso comercial. A idéia do projeto era abrir lojas em áreas
urbanas de alto valor comercial, com atenção especial a exposição das vitrines e da decoração
interna, além do investimento em material publicitário informativo de elevada qualidade e da
oferta de artesanato de alta sofisticação. O projeto vingou66, porém demonstrou com mais
clareza a face contraditória de que o Comércio Justo é fadado a alcançar apenas consumidores
de elite.
Na verdade, é como considera Catalina Sosa (2008, p.8) “lograr vendas es todo un
arte, que passa por trabajar en vários aspectos” devendo-se atender critérios de
administração e controle, horário de atendimento ao público fixos e permanentes, ótimo
atendimento ao público (se for necessário, inclusive atendimento bilíngüe), limpeza,
organização harmoniosa da loja, clara sinalização, informação idônea e atualizada de cada
produto, estoque suficiente, embalagens apropriadas, além de oferecer formas de pagamento
diferenciado. Um outro aspecto importante é que a loja deve estar localizada em uma zona
comercial ou turística. A autora conclui de forma simples e incisiva dizendo que “las tiendas
tienen que profesionalizarse y tener éxito comercial: ¡tienen que vender!” (idem). Enfim, o
comércio justo para alcançar seus objetivos deve realizar as mercadorias no mercado. A venda
através de Lojas de Comércio Justo representa uma das opções mais compatíveis com os
princípios do movimento.
2.3.1- Lojas e pontos de vendas de Comércio Justo no Brasil
No Brasil, a característica da maioria das organizações que pretendem a venda de
produtos de acordo com os parâmetros do comércio justo é que elas são dedicadas
exclusivamente aos produtos artesanais. Todas elas basearam-se em pesquisas de grupos de
produtores que produziam artesanatos de acordo com uma tipicidade. É possível notar que os
produtos escolhidos para a comercialização se enquadram no que melhor representa o Brasil e
suas regiões. Entretanto, a empresa Ética Comércio Solidário além do artesanato, incorporou
vendas de alguns produtos alimentícios e confecções. De acordo com nossas pesquisas, as
66
A primeira loja desse tipo foi inaugurada com grande sucesso, em dezembro de 2001 em Milão. Nasceu da
parceria entre Ctm Altromercato e a cooperativa italiana Chico Mendes.
72
lojas estão concentradas na região sudeste. Podemos elencar seis organizações que mais se
destacam na venda de produtos sob os critérios do comércio justo no país:
1- Mundaréu67 – É a primeira loja brasileira que se propõe a atuar seguindo os princípios
de comércio justo. A Associação Mundaréu é uma Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (Oscip). Foi criada em 2001 para promover o desenvolvimento e a
inclusão social de grupos de produtores artesanais de todo o país. A missão da
Mundaréu é criar oportunidades de geração de trabalho e renda para pessoas excluídas
do mercado formal de trabalho, como forma de combater a pobreza. A Mundaréu
propõe-se, para tanto, a contribuir para a capacitação de produtores e para a
comercialização de seus produtos em concordância com o conceito do comércio justo.
No seu programa de comercialização, desenvolve parcerias com 70 grupos de
produção artesanal, formais e informais, de 16 estados brasileiros. Criou a primeira
loja de comércio justo, no Brasil, voltada para a comercialização de objetos artesanais.
É filiada à rede do WFTO- World Fair Trade Organization que avaliza o trabalho de
organizações de apoio ao comércio justo no mundo. Do estado do Pará estão sendo
comercializados os produtos do Núcleo Mulher Cabocla – Projeto Saúde e Alegria, e
do estado do Amapá os produtos da APITU – Associação dos Povos Indígenas de
Tumucumaque;
2- Ética – Comércio Solidário. A Ética é uma empresa que nasceu de uma parceria entre a
Visão Mundial68 e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Trabalha com
cooperativas e associações de pequenos produtores, produtoras e ONGs, a fim de
promover o desenvolvimento sustentável em comunidades menos favorecidas, criando
oportunidade de emprego e renda para todos e todas, através da comercialização dos
produtos, tanto no mercado interno como no externo. De acordo com informações do
site da empresa, tudo o que as comunidades parceiras da Ética produzem obedece ao
mais alto padrão de qualidade e tem preços justos. Entre os produtos comercializados
pela Ética, é possível encontrar artesanato (decoração, utilitários, brindes, tecidos,
bordados, papelaria, brinquedos, etc.), confecções (camisetas e acessórios de moda) e
produtos agropecuários (castanha, mel, legumes, frutas, etc.) convencionais e
67
Informações disponíveis em www.mundareu.org.br
A Visão Mundial é uma Organização Não Governamental (ONG) Cristã Humanitária e de Desenvolvimento
criada em 1950 e presente em aproximadamente 100 países. No Brasil, seu Programa de Comércio Solidário
começa em 1999 apoiando pequenos produtores agrícolas e de artesanato na exportação dos produtos, além de
desenvolver o mercado interno.
68
73
orgânicos. Atua em 4 estados da região nordeste (Pernambuco, Alagoas, Bahia e Rio
Grande do Norte) e atende a 14 associações, cooperativas e/ou ONGs desses estados.
3- Lojas Projeto Terra: As lojas Projeto Terra pretendem se constituir como o principal
elo de ligação entre as comunidades e os consumidores. De acordo com informações
do site da organização (www.projetoterra.org.br), as lojas disponibilizam informações
sobre os conceitos de Comércio Solidário, sobre os grupos produtores e sobre as peças
apresentadas. São quase 5.000 itens cadastrados oriundos de mais de 320 diferentes
comunidades e grupos de produção, que envolvem milhares de pessoas de todos os
Estados do Brasil. As lojas atuam sob licença do instituto Projeto Terra que, em troca
da permissão para o uso da marca, recebe uma parcela das receitas de venda.
4- Ponto Solidário: É uma loja caracterizada por divulgar e vender a produção artística e
artesanal de ONGs, associações, cooperativas, comunidades regionais, populações
indígenas, artistas e outras instituições afins. É uma associação sem fins lucrativos que
foi fundada em 2002 e que trabalha com o conceito de comércio justo, economia
solidária e autosustentabilidade. É um projeto do Espaço Cultural Yázigi que visa à
valorização do artesanato brasileiro e a inclusão social. Faz parte da política sóciocultural do Instituto de Idiomas Yazigi, que promove: ações de cidadania, como o
projeto Cidadão do Mundo e Consumo Consciente; e ações culturais, promovendo o
acervo, exposições de arte, e eventos afins
5- ArteSol – O Artesanato Solidário: programas de apoio ao artesanato e à geração de
renda é uma Oscip criada em 2002. Desenvolve projetos de geração de trabalho e
renda e comercializa artesanatos. Tais projetos objetivam a formação de grupos
autônomos capazes de gerir seu próprio negócio, de preferência agrupados em
cooperativas ou associações. Os produtos devem ter um preço justo e estar apto a
competir no mercado nacional, para assim gerar mais renda para os mais de 4.000
artesãos beneficiados e suas famílias. A ArteSol executou mais de 90 projetos em 17
Estados brasileiros. Na região Norte, somente o Estado do Pará foi beneficiado. São
dois projetos: a comercialização de brinquedos de miriti de Abaetetuba69 e de cuias de
Santarém. A ArteSol é também membro do WFTO.
6- Selo Viva Rio Comércio Solidário: O Comércio Solidário do Viva Rio visa fortalecer
as diversas formas de organização econômica existentes nas comunidades de baixa
renda – cooperativas, empresas familiares, microempreendimentos, associações de
69
Produzidos pela ASAMAB (Associação dos artesãos de brinquedos e artefatos de miriti) e pela MIRITONG
(Ong do Miriti).
74
produtores, etc. – através de um “selo de comércio justo”, com benefícios como apoio
de crédito, capacitação dos produtores e negociação de melhores preços. Para obter o
selo, o produtor deve garantir o funcionamento e coordenação democrática de seu
negócio, um processo produtivo sustentável ambientalmente e contribuir para o
desenvolvimento de sua própria comunidade. O projeto já beneficia mais de 200
costureiras em cooperativas, que produzem a coleção de roupas da grife Comércio
Solidário. Além de disponíveis na sede do Viva Rio, os produtos estão à venda nas
loja do Comércio Solidário no Shopping Rio Plaza.
2.4 - Distribuição em Supermercados: a faca de dois gumes
O argumento de Xoán Gonzáles (2008), sobre a encruzilhada das políticas de
distribuição em que vive o comércio justo na Espanha, é um reflexo do que vem acontecendo
no resto do mundo:
Las grandes superficies se han constituido en nuevos actores de la
distribución de los productos de Comercio Justo en España. Este hecho ha
suscitado controversia y ha provocado posicionamientos tan claros como
heterogéneos entre las organizaciones que integran el movimiento de
Comercio Justo. La pertinencia, la trascendencia, las consecuencias y el
impacto que pueda tener que productos de Comercio Justo ocupen estantes
de los supermercados e hipermercados es abordado por distintos actores a
través de una serie de artículos de opinión. En ellos se refleja la diversidad
de posturas y argumentos que sustentan el debate. (Xoán Hermida González,
p.96 in SETEM 2008).
A distribuição dos produtos do Comércio Justo nas redes de supermercados é ainda
uma das maiores polêmicas entre as diferentes correntes que compõem o movimento. Nos
seus primórdios, como já colocado, só havia uma maneira de fazer chegar aos consumidores
do Norte os produtos do Sul: através da distribuição nas Lojas do Mundo ou Worldshops,
nesse trabalho chamadas de Lojas de Comércio Justo (LCJ). Atualmente, o cenário é outro,
porque na Europa em um grande número de supermercados é possível encontrar produtos com
os selos de origem do Comércio Justo. Se de um lado esse fato é considerado, por alguns
atores, benéfico, pois com o aumento significativo das vendas o movimento se difundiu, por
outro, a inserção dos produtos em sistemas convencionais é, muitas vezes, considerada como
um desvirtuamento e um perigo para o próprio movimento.
75
O Comércio Justo vem apresentando uma gama maior de produtos e também vem
mudando a própria forma de atingir o consumidor. A presença dos seus produtos nas
prateleiras das principais redes de supermercados marca uma tendência que muitos
consideram que deixará para trás o tradicional comércio com consciência social para marcar
uma nova fase de distribuição profissional. É o que vem acontecendo com um dos principais
distribuidores de produtos justos, a organização Max Havelaar. Esta organização firmou
acordos com várias das maiores redes de supermercados francesas. Isso gerou grande
polêmica dentro do próprio movimento, pois não deixa de configurar uma contraditória
relação com o mundo onde imperam os lucros.
Guadagnucci; Gavelli (2004, p.78) discutindo sobre esta polêmica citam uma carta de
Alex Zatonelli, um respeitado missionário cambojano, e um e-mail de Monica Ranieri,
representante de uma loja de comercio justo italiana. Ambos são do ano de 2002, mas trazem
argumentos atualíssimos. É válido reproduzi-los aqui70, pois demonstram a preocupação clara
com a salvação da alma do movimento, ou seja, a sua identidade, conforme segue: Primeiro o
questionamento de Alex Zatonelli:
A escolha feita por algumas lojas e centrais de importação de entrar na
grande distribuição é a melhor via para ajudar os pobres? E se for talvez uma
maneira que o mercado procura de cooptar essa pérola que é o Comércio
Justo e Solidário? A excessiva estruturação do Comércio Justo poderia matálo como movimento popular.
Complementando o argumento, o email de Monica Ranieri:
Queremos simplesmente ser empresas éticas, mais corretas que as outras,
que se inserem no mercado com produtos um pouco mais justos? Então tudo
bem com a inserção nos supermercados e na publicidade. Mas, se queremos
construir uma economia diferente, que não traga consigo o mito do
crescimento, que não esteja baseada na competição, mas na colaboração,
então que sentido faz jogar-se na grande distribuição, que massacra as
periferias urbanas, transformando a vida das pessoas em mercantilismo
forçado.
A preocupação com a relação entre comércio alternativo e supermercado, expressa nas
duas correspondências, passou a afligir muitos atores do movimento. A perda da sua essência
e a redução a uma simples relação comercial fez com que um grupo de organizações se
reunisse para discutir os novos rumos do Comércio Justo e defender os seus verdadeiros
ideais. Nasceu assim a rede internacional “Espaço por um Comércio Justo”, constituída pelas
70
Traduzidos pela autora.
76
organizações signatárias do Manifesto “Abrindo Espaço por um Comércio Justo”, aprovado
em 12 de maio de 2006, em Barcelona. Essas organizações entendem que o comércio
internacional deve ser um complemento do comércio local e não um motor de
desenvolvimento prioritário baseado na exportação Sul/Norte. A idéia principal é diminuir a
dependência dos produtores do Sul ao mercado internacional, ainda que seja um mercado
justo.
Em meio a esse debate é possível constatar que o movimento do Comércio Justo tem
evoluído distintamente entre seus diversos atores, os quais acabam assumindo modelos
antagônicos, baseados no que entendem como forma de intervenção mais adequada. Os
autores Xavier Montagut e Esther Vivas (2006) identificam, no livro “Adónde va el Comercio
Justo”, dois pólos71 de referência do movimento: (i) o tradicional e dominante, e (ii) o global
e alternativo. Segue a explicação dos pólos:
1- Tradicional e Dominante: é baseado nos princípios e critérios originais estabelecidos pelo
movimento, que enfatiza a exportação do Sul para o Norte, focando o processo de produção.
É considerado dominante porque é a abordagem mais conhecida e difundida.
2- Global e Alternativo: Adota uma visão transversal do envolvimento dos diversos atores,
englobando os processos de produção, transformação, distribuição, comercialização e
consumo. Busca o desenvolvimento de mercados tanto no Sul como no Norte, superando a
cooperação Norte/Sul. É alternativo porque estabelece alianças com movimentos sociais
críticos ao modelo de globalização neoliberal.
A inserção dos produtos de comércio justo em grandes redes de distribuição alimentar
é um dos aspectos que mais distinguem os dois modelos. As organizações adeptas ao modelo
“tradicional e dominante” acreditam que os produtos do comércio justo devem estar presentes
nos supermercados e hipermercados, o que já acontece, criando alianças com os atores da
Economia de Mercado. Conforme justificativa de Elodi Martin, da Max Havelaar:
a nova tendência está a anos-luz dos ideais originários de autogestão,
transparência e justiça. A distribuição especializada em comércios
exclusivos tem um impacto limitado, só chega a ativistas. Para aumentar as
vendas e marcar uma diferença precisamos recorrer a grandes distribuidores
e aos supermercados (apud AVRIL 2008, s/p).
71 Segundo Federica Carraro et al (2006), apesar de existirem organizações consolidadas e com lideranças
respeitadas em ambos os pólos, foi identificada a chamada “polarização dinâmica”. Nesta, determinadas
organizações transitam entre os dois modelos segundo os temas e problemas que as dizem respeito.
77
Já as organizações ligadas ao modelo “global e alternativo” são completamente contra
qualquer parceria com as multinacionais. Elas trabalham de acordo com o movimento da
Economia Solidária, pela Soberania Alimentar e em parceria com os movimentos sociais de
base. É neste modelo que se enquadra a rede internacional “Espaço por um Comércio Justo”.
Não admitem a colocação dos produtos em supermercados, de acordo com o que defende
Michel Besson, diretor da Andines, distribuidora francesa de produtos justos através da
Internet “do ponto de vista estrutural, as grandes redes de distribuição visam maximizar os
lucros e minimizar os custos. Isso atenta contra o objetivo de conseguir um preço justo, e
salários decentes, para o trabalho de pequenos produtores” (apud AVRIL, 2008).
No Fórum de Comércio Justo, ocorrido em Lisboa, em maio de 2007, houve um
acalorado debate72 sobre a comercialização no comércio justo. Foram convidados
representantes de duas organizações de Comércio Justo Européias: o Andrés Arechaga, da
pequena importadora espanhola Espanica e o Leone de Vita, de uma das maiores centrais de
importação de Comércio Justo, a italiana CTM Altromercato. Os dois debatedores
representam exatamente a dualidade entre vender ou não os produtos do comércio justo na
grande distribuição. Primeiramente, serão elencados os vários aspectos positivos da
introdução de artigos de Comércio Justo em Supermercados, defendidos por Leone da Vita da
CTM, quais sejam:
•
Resposta ao número crescente de consumidores que procuram produtos que respeitem
critérios sociais e ambientais, através de diferentes alternativas, que partam de diferentes
atores. Estes atores podem ser do comércio justo, agentes tradicionais do mercado ou
novos atores que venham a se formar.
•
Os números começarem a ganhar relevância, como é o caso dos 15% da cota de mercado
das bananas do comércio justo na Suíça, porque podem causar algum dano ao comércio
convencional, pressionando-os a mudar as suas formas de atuação. Isso se chama de
contaminação positiva.
•
A compatibilidade entre a venda dos produtos em Lojas de Comércio Justo e em
hipermercados. Para Leone os tipos de cliente que freqüentam um ou outro são diferentes:
o cliente de uma LCJ está à procura do mundo, de uma história; enquanto o cliente do
hipermercado procura um produto com certas características e alguma comodidade, não
72
Relatado por CIDAC no artigo “O Comércio Justo face aos novos desafios comerciais”.
http://www.cidac.pt/CJNovosDesafiosComerciais.pdf, consultado em 25/04/09.
78
estando disposto a deslocar-se a outra loja. Então, o objetivo é fazer com que se difunda o
número de pessoas que conhecem o comércio justo através da primeira compra em
supermercados.
•
O escoamento da produção. Leone diz que seria interessante debater esta questão com os
produtores e perguntar-lhes o que pensam sobre a venda dos seus produtos na grande
distribuição, já que a maioria tem uma capacidade de produção muito superior a que
vendem para o comércio justo. E acrescenta que os produtores já vendem uma parte
significativa da sua produção ao mercado convencional.
•
Finalmente, está a necessidade das organizações de comércio justo de serem
economicamente sustentáveis. Leone considera como basilar esta vertente comercial do
Comércio justo e essencial para a credibilidade do movimento, se quer de fato ser visto
como uma alternativa ao comércio convencional. E completa, que quando se fala de
justiça, só a viabilidade econômica permite a justa remuneração dos colaboradores.
Além do mais, Leone enumera uma série de critérios para serem levados em
consideração quando se decide trabalhar com a grande distribuição:
1. Os preços devem ser iguais aos praticados nas Lojas de Comércio Justo para que
não haja concorrência desleal;
2. É importante negociar com os supermercados a diferenciação do espaço de
exposição dos produtos do comércio justo;
3. Devem ser criados mecanismos que permitam canalizar os ganhos com a venda na
grande distribuição para apoiar a rede das Lojas de Comércio Justo.
4. Há que se evitar que uma parte significativa das vendas sejam detidas por uma
única empresa, o que significaria dependência e limitação da capacidade de
decisão;
5. Continuar a discutir estas questões no seio das organizações e do movimento e
analisar com cuidado onde estão os limites de trabalho com os atores
convencionais.
Para reforçar o argumento de Leone sobre a prática ideal de relacionamento com a
grande distribuição, citamos Guadagnucci; Gavelli (2004) os quais afirmam que diante das
mensagens de alarme do movimento, que já temia ser esmagado pela grande distribuição, um
grupo de Lojas de Comércio Justo propôs, ainda em 2003, uma Assembléia Geral do
Comércio Justo Italiano. A finalidade da Assembléia era modificar a Carta de Critérios para
79
regulamentar o relacionamento com os canais de vendas externos ao Comércio Justo. Ficou
estabelecido que, primeiramente se deve fazer uma avaliação ética do distribuidor,
observando o comportamento sindical e de respeito ao meio ambiente. Além disso, não só o
preço final não deve ser inferior ao praticado nas Lojas de Comércio Justo, como o produto
deve ser facilmente reconhecido, possivelmente separado dos outros e acompanhado de
material informativo. Ao revendedor se pede o empenho de adotar um código de conduta na
escolha dos fornecedores e de destinar uma parte do lucro obtido das vendas “alternativas” em
projetos de cooperação ou promoção do Comércio Justo.
Voltando ao debate, o Andres, representante da Espanica, é claramente contra a venda
de produtos na grande distribuição. Ressalta que nesse contexto, se fala muito de
consumidores, mas a preocupação da Espanica é com os produtores. Acredita que estes
podem e devem participar no capital das organizações de comércio justo. Contra-argumenta
que um supermercado, onde 1% dos seus produtos é do comércio justo, oferece outros 99% de
produtos comprados dos produtores a preços injustos. Além disso, afirma que um selo de
garantia pode desmobilizar o consumidor para as lutas políticas, não o levando a refletir sobre
as condições comerciais. Por último, a Espanica entende o Comércio Justo como um
movimento alternativo, logo deve procurar alternativas comerciais às dominantes, apostando
em outras formas de alcançar os consumidores.
Confirmando a postura negativa à venda de produtos de Comércio Justo em
supermercados, Esther Vivas73 (2007, p.) The Ecologist 31 no artigo “Comércio Justo en el
super?” informa que:
El comercio justo es utilizado por los supermercados y grandes superficies
como un instrumento de marketing empresarial y de lavado de imagen.
Vendiendo una ínfima parte de sus productos de comercio justo pretenden
justificar una práctica comercial totalmente injusta: precarización de la
mano de obra, sometimiento del pequeño agricultor, explotación del médio
ambiente, promoción de un modelo de consumo insostenible, competencia
desleal con el comercio local, etc.
A autora ainda afirma que diante da pergunta se existem supermercados bons e maus é
importante ressaltar que o modelo de produção e comercialização de todos eles parte de uma
lógica de mercado que prioriza a maximização dos seus benefícios em detrimento aos direitos
sociais e ambientais. Ester diz que a lógica de funcionamento de todos é a mesma, embora
73
Esther Vivas é também autora, junto a Xavier Montagut, do livro “Supermercados, no gracias”.
80
alguns tenham uma melhor estratégia de “lavagem” de imagem que outros. E considera que
diante desse cenário é fundamental uma prática de comércio justo que rechace ser um
instrumento de marketing empresarial a serviço das multinacionais e das grandes superfícies.
Finaliza dizendo que é necessário um comércio justo transformador e alternativo que leve em
consideração todos os atores da cadeia comercial, que trabalhe por uma perspectiva global
Norte-Sul, Norte-Norte e Sul-Sul, defendendo o direito dos povos e a soberania alimentar.
Na mesma linha de argumentação, Xavier Montagut (2008) informa que na Espanha
apenas cinco empresas e duas centrais de compra controlam 75% da distribuição de
alimentos. A chamada Grande Distribuição Alimentar (GDA) está se transformando em única
porta de acesso de produtores e consumidores, configurando uma situação de oligopólio. O
resultado é que a GDA utiliza essa situação para impor condições drásticas a seus
fornecedores, como: preços baixíssimos; contratos abusivos, onde imperam as chamadas
margens ocultas; prazos de pagamento extremamente longos; demanda de produtos
padronizados conforme as necessidades comerciais e não conforme a qualidade. Portanto,
somente algumas grandes agroindústrias podem suportar tais condições, ficando o pequeno
agricultor e/ou transformador fora do mercado e levado a falência.
Agora, supondo que as condições impostas pelas empresas da grande distribuição aos
produtores de comércio justo sejam melhores, ainda assim continuarão propiciando a
monocultura, a dependência dos produtores à exportação e a concentração de plantações e
terras de cultivo em poucas mãos. Percebe-se nitidamente que este tipo de comércio justo não
colabora com a resistência dos mercados locais, nem com a diversificação de culturas
agrícolas, o que é imprescindível para garantir a soberania alimentar. Além do mais, Carraro
et al (2006) demonstram a clara preocupação com a sobrevivência das Lojas de Comércio
Justo pela perda parcial de consumidores que optariam pela conveniência na acessibilidade e
comodidade oferecida pelos supermercados, e reconhecem as grandes superfícies como:
Um canal de caráter estritamente alternativo e excludente, não
complementar. Tudo nos leva a crer que no médio prazo a sustentabilidade
econômica das lojas [de Comércio Justo] estaria ainda em situação
desfavorável, o que originaria uma deslocação total e concentração da
distribuição nas grandes superfícies. O que queremos é aumentar as vendas e
a notoriedade do Comércio Justo a qualquer preço? Parece desconhecer-se
ou ignora-se o que tem acontecido ao pequeno comércio em todos os setores
a partir do surgimento e proliferação das grandes superfícies.
81
Ressalta-se que além da preocupação com os produtores e com as Lojas de Comércio
Justo é preciso pensar no respeito que se deve ao consumidor, que representa o universo
maior desse conjunto, a própria sociedade, ou singularizando, o ser humano para quem são
direcionados os produtos. O jornalista Frank Mazoyer (2008, p.34) afirma que o
supermercado é uma instituição onipresente em nossa sociedade, e é fruto dos primeiros
estudos psicológicos sobre o comportamento do consumidor “da criação de produtos até a sua
apresentação, tudo é feito para manipular os sentidos e sentimentos, a fim de favorecer a
compra impulsiva e o consumismo. Mazoyer completa sua análise dizendo que o
supermercado é “uma imensidão de escolhas, prateleiras a perder de vista, uma avalanche de
luz e cores. Um conjunto de elementos que subjugam o consumidor, fazem-no perder suas
referências e ao final, favorecem a compra por impulso”.
Por fim, o universo do Comércio Justo tem que se preocupar com sua identidade,
considerando todos os agentes envolvidos no processo, desde o produtor até o consumidor. A
discussão da distribuição vai muito além de dizer sim ou não aos supermercados. É preciso
entender as dinâmicas que entremeiam essa questão e descobrir a melhor forma de levar a
justiça a todos os envolvidos. De um lado os produtores pedem sempre mais encomendas, de
outro, isso não é possível sem se pensar em novas formas de atingir o mercado. Uma das
soluções mais contundentes com os valores do movimento é fortalecer a rede de Lojas de
Comércio Justo. Existem outros meios de alargar o mercado? Isso é o que precisa ser
discutido e estudado para encontrar a estratégia mais adequada de garantir mais pedidos aos
produtores, sem esquecer do respeito que se deve ao ser humano no seu papel de consumidor.
2.5 - As Certificadoras: da criação do primeiro selo à dominação
A preocupação demonstrada por Pompermaier et all (2007), de garantir aos
consumidores o cumprimento dos critérios do comércio justo através da certificação dos
produtos, vem acompanhada de uma estratégia de abrir mercado aos produtos do comércio
justo nos canais de comercialização convencionais:
Toda a proposta do Comércio Justo e Solidário se rege na afirmação que os produtos
comercializados respondem a uma longa lista de critérios. Quem garante para o
consumidor final que estes critérios são efetivamente respeitados? Como pode uma
Loja do Mundo de uma cidadezinha da Alemanha, da França ou da Itália garantir para
os seus clientes que os inúmeros produtos originários de dezenas de países espalhados
nos 5 continentes são efetivamente justos e solidários. A partir da necessidade de
82
oferecer garantia para os consumidores nascem em vários países iniciativas de
certificação. Com o crescimento do CJS no mundo e a articulação em rede dos
diferentes atores surge a necessidade de unificar e padronizar regras e critérios
internacionais. (POMPERMAIER et all 2007, p.23).
Não é à toa que o alastramento de selos de certificação ocorreu após o sucesso
conquistado, como já dito, pelo primeiro produto certificado, que foi o café, introduzido nas
prateleiras de supermercados. Cabe lembrar que até os anos oitenta do século passado, os
produtos “justos e solidários” eram aqueles que se compravam nas Lojas de Comércio Justo,
ou seja, o lugar da compra “certificava” o produto (GUADAGNUCCI; GAVELLI, 2004).
Contudo, desde o nascimento do primeiro selo de certificação de comércio justo em
1988, o Max Havelaar, houve um contínuo multiplicar-se de organizações certificadoras
especialmente na Europa. O selo Max Havelaar se tornou o símbolo do comércio justo na
Holanda, Bélgica, Dinamarca, França, Suíça e Noruega. Em 1992, surgiu o selo TransFair
Internacional presente na Áustria, Alemanha, Luxemburgo e Itália. Depois os Estados
Unidos, Canadá, Japão e México ganharam os selos TransFair nacionais. Já na Suécia e
Finlândia foi lançado o selo Rattvisermarkt, e no Reino Unido e Irlanda o Fair Trade Mark.
Muitos selos, certa confusão. O selo do comércio justo deve servir ao reconhecimento
do produto e com isso permitir aos consumidores o exercício de uma compra consciente.
Porém, o excesso de utilização dos selos de certificação misturado a marcas e etiquetas em
vez de simplificar a mensagem do Comércio Justo, acaba por gerar dúvidas nos
consumidores. Guadagnucci; Gavelli (2004) informam que especialmente nos produtos
alimentares é possível encontrar vários tipos de símbolos. Por exemplo, em uma embalagem
de café é possível ver a marca de garantia TransFair, a marca da Central de Importação Dolce
& Solidale, mas também uma dupla etiqueta: a Esselunga Bio, que identifica uma linha de
produtos de uma cadeia de distribuição, e a Altromercato , marca da organização de Comércio
Justo (nesse caso a CTM) que fechou acordo com a empresa representante dos supermercados.
Para organizar a profusão de selos nasce, em 1997, a FLO, instituição responsável pela
coordenação internacional dos dezessete selos de garantia. Em 2003, a FLO introduziu um
selo único internacional “Fairtrade”. Ainda assim é possível perceber um excesso de selos e
marcas. Apesar disso, somente poucos produtos podem usufruir da certificação. Até então, a
maioria dos produtos certificados foram alimentícios, por representarem a maior fatia de
comercialização do comércio justo. Isso devido ao espaço conquistado nos canais de
83
distribuição convencional, onde a certificação é imprescindível para o reconhecimento dos
produtos do comércio justo.
Cabe enfatizar que a certificação é um processo difícil e demorado, pois existe uma
grande variedade de produtos para serem certificados, a partir de critérios complexos que são
relacionados aos direitos humanos, a questões trabalhistas, culturais, econômicas e ambientais
(POMPERMAIER et al, 2007). Além do mais, certificar custa caro. Isso porque a certificação
é um processo demorado e complexo, só podendo ser sustentada por grupos de produtores que
dispõem de grandes volumes de produtos74. Isso acaba por excluir as pequenas organizações
de produtores do processo75, por não terem condições financeiras de certificar seus produtos.
Stefano Ponte, em seu artigo “Stardards, Trade and Equity: Lessons from Specialty
Coffee Industry” (2002, p.30), afirma que:
Fair trade certification is available only to small farmer groups, organizations and
cooperatives. The process usually takes six to twelve months to be carried out – longer
if organic certification is also sought. FT certification requires setting up formal
organizational structures, auditing, and mechanisms of transparency and
accountability. Therefore, its cost depend on whether farmers in a certain area are
already organized, and on what it takes for an organization to achieve “FT status”.
O autor informa que as organizações que pretendem certificar os seus produtos devem
alcançar o “Status do Comércio Justo”. Portanto, fica claro que só as organizações mais
estruturadas e consolidadas podem cumprir com as exigências do comércio justo. Ou seja, os
reais beneficiados da certificação do comércio justo são, dentre os pequenos, os maiores.
Ilustra bem essa afirmação o caso de dois grupos de cafeicultores brasileiros: a FACI
(Federação de Associações Comunitárias Rurais de Iúna e Irupi) do Espírito Santo; e a
COOCARAM (Cooperativas dos Produtores Rurais Organizados para Ajuda Mútua) de
Rondônia. Ambas as organizações foram precursoras do selo FLO no Brasil, no ano de 1997.
A FACI76 nasceu em 1994, com a finalidade de reunir agricultores já organizados em
associações77 em uma entidade mais forte e representativa da Agricultura Familiar, a fim de
solucionar problemas comuns. Em 1996, uma comissão da FACI participou de um evento
74
A intricada questão da demanda de escala aos pequenos produtores será discutida no Capítulo III.
Recorda-se que as pequenas organizações de produtores, ideologicamente, deveriam ser as priorizadas pelo
Comércio Justo.
76
Informações coletadas na apresentação oral e em Power Point de Jaçaí Fernandez, representante da FACI, no
Seminário Internacional de Comércio Justo e Solidário, realizado em São Paulo, em março de 2007.
77
A FACI reúne 32 Associações Comunitárias Rurais, tendo um público de cerca de 1.000 famílias de
agricultores rurais. 70% dos integrantes são homens e 30% mulheres. Cerca de 60% são pequenos proprietários e
40% estão divididos entre meeiros, parceiros, entre outros.
75
84
sobre Mercado e Certificações e conheceu o comércio justo, apresentado pela FLO
Internacional. Logo em 1997, foi a pioneira em obter o selo Fair Trade para o café arábica.
Até o ano 2000, a FACI se organizou para enviar as primeiras 5 amostras de café para o
comércio justo da Alemanha. O café foi rejeitado, pois não gostaram do sabor do café.
Consideraram o gosto muito ácido e adstringente, não havendo, dessa forma, a
comercialização.
Apesar da frustração da FACI, esse fato deu um novo impulso para melhorar a
qualidade do café. Foi com recursos do Pronaf78 que foram montados centros de
melhoramento da qualidade do café, com a aquisição de despolpadores, terreiros de cimento,
secadores, etc. Após esse passo, houve um investimento em capacitação dos agricultores
familiares com formação em cursos específicos79 e viagens de intercâmbio de experiências. A
vitória ocorreu em 2004, quando foram enviadas 4 amostras de café para o comércio justo
sendo todas aprovadas, pois haviam atingido o nível de qualidade exigido. Como resultado
fecharam 5 contratos80, cada um equivalendo a 1 container de 320 sacas de café de 60 kg.
Três anos depois, em 2006, a quantidade foi duplicada tendo sido enviados 10 containeres.
Com o Prêmio Social81 oferecido pelo Comércio Justo, a FACI já conseguiu realizar o projeto
de mudas de frutas e árvores nativas, a construção de fossas sépticas, a reforma da escola
rural, os despolpadores comunitários, a construção de sedes próprias para as associações
comunitárias e o projeto de inclusão digital.
Figura 5: Instalações da FACI
DESPOLPADOR
78
MAQUINÁRIO
Programa Nacional de Agricultura Familiar do Governo Federal.
Cursos de Capacitação de Liderança, de degustação de Café, de pós-colheita do café.
80
Dois com os Estados Unidos, dois com a Alemanha e um com a Suíça.
81
O Prêmio Social é um prêmio adicional ao valor final do preço justo para ser investido nos grupos de
produtores (ASTI, 2007).
79
85
SALA DE DEGUSTAÇÃO
SALA DE INFORMÁTICA
Fotos retiradas de apresentação em Power point de Jaçaí Fernandez
No caso de Rondônia82, foi a Diocese de Ji-Paraná83 que incentivou o associativismo e
a cafeicultura orgânica dos agricultores familiares. A Articulação Central das Associações
Rurais de Ajuda Mútua (ACARAM) foi a precursora da Cooperativa dos Produtores Rurais
Organizados para a Ajuda Mútua (COOCARAM). A ACARAM nasceu em 1989, e no ano de
1993 exportou 1,8 toneladas de café, do tipo Robusta, em grãos para a Europa com o selo
Max Havelaar. Porém, devido a problemas internos, o processo de exportação para o
comércio justo foi interrompido sendo retomado somente em 2003. Atualmente a
COOCARAM reúne 18 associações com cerca de 2.000 agricultores familiares. A baixa
qualidade do café também foi um problema enfrentado pela COOCARAM, pois o produto
não tinha cotação no mercado pelo número de defeitos apresentados. Foi então que a
COOCARAM passou a produzir café orgânico, do tipo 8, contando com o apoio do Comércio
Justo. Com a melhoria da qualidade do café houve um adicional de 40% em relação ao preço
fixado pelo mercado local, o que garantiu a melhoria de renda para os agricultores familiares
(BINSZTOK; MACEDO, 2007).
Como conseqüência da redução do preço do café no mercado internacional, em 2006,
a COOCARAM encerrou suas exportações para a Max Havelaar e inverteu a estratégia de
privilegiar exportações se tornando parceira da multinacional Cacique, que é destinada a
atender ao mercado interno. De acordo com Mascarenhas (2007), a empresa Cacique se
registrou na FLO apenas visando à compra do café da ACARAM. Na negociação a
multinacional paga U$140 dólares para cada saca de café, obedecendo aos preços estipulados
pelo comércio justo. De acordo com Binsztok; Macedo (2007) a empresa alega não obter
lucro com a transação, porém lideranças da cooperativa dizem que o negócio é uma “jogada
82
Experiência estudada em Mascarenhas (2007) e Binsztok e Macedo (2007).
Liderada pelo bispo Dom Antônio Passamai e preocupada com o desmatamento, com a contaminação da água
e dos solos por agrotóxicos, e pelas doenças provenientes das condições insalubres das comunidades.
83
86
de marketing”, que cria para a empresa uma imagem ligada à Agricultura Familiar, às práticas
da cafeicultura orgânica e ao comércio justo. Isso demonstra a clara fragilidade dessa parceria,
pois existe desconfiança dos representantes da cooperativa em relação aos propósitos da
empresa.
Relatadas as experiências, fica claro o porquê da afirmação de que a certificação do
comércio justo favorece as maiores organizações dos pequenos produtores. Ainda é preciso
explicar que a ansiedade dos grupos para certificarem seus produtos ocorre porque a
utilização de selos no mercado serve para especificar características de determinados produtos
ou de grupos de produtos. Para Gilmar Laforga (2003, p.125) “os benefícios da presença de
um selo identificador são, entre outros, melhorar a diferenciação do produto no ponto de
venda, proporcionar confiança ao consumidor e oferecer-lhe uma garantia de conformidade”.
Além do mais, ocorre o que afirmam Goodman; Goodman (2001, p.111) “the function of
label text is not only to enable consumers to learn about and interact with the imprinted
material and symbolics qualities of these products, but also, not surprisingly, to entice
consumers into make a purchase”. Logo se o selo induz os consumidores a realizarem uma
compra, ele interessa aos produtores porque estes querem vender seus produtos. Ana Asti
(2007, p.32) se referindo a Ponte (2002) afirma que:
A própria ação de definir os padrões confere poder aqueles que os controlam, definem
e administram. O poder é conferido principalmente porque, buscando resolver os
problemas de assimetria de informação, as certificações acabam gerando problemas de
assimetria de acesso, excluindo atores menos preparados do processo. Forma-se assim
uma ferramenta de cunho político, podendo beneficiar um processo ou grupo, frente a
outros, influenciando a agregação de valor na cadeia produtiva, excluindo e incluindo
atores. Entendida como um instrumento de diminuição de custos de transação através
da diminuição da assimetria de informação, a certificação possui outra função mais
estratégica, a de coordenação do valor das cadeias produtivas.
Por isso, no comércio justo a certificação é tema de maior importância, de acordo com
Asti (2007, p.31) “a estratégia de qualidade passa a gerar um novo mercado, o mercado da
regulamentação privada, baseado em sistemas de certificação que definem as regras e os prérequisitos da qualidade”. Segundo a autora, com a presença do órgão certificador se
estabelece uma nova relação de poder político no nicho de mercado e na cadeia produtiva. Na
verdade, mais que uma nova relação de poder, ocorre uma forma de dominação, pois o órgão
certificador ao conferir valor agregado ao produto, através da legitimidade do selo, passa a
exercer uma grande influência no processo comercial. Aos produtores resta obedecer aos
critérios e regras estabelecidos pelas certificadoras.
87
2.5.1 - A criação do primeiro selo de produto indígena84.
Os povos indígenas do Rio Negro (AM) foram precursores no lançamento do primeiro
selo de identificação de origem cultural, geográfica e de comércio justo, emitido e monitorado
por uma organização indígena: o selo “Produto Indígena do Rio Negro”. A iniciativa de
criação do selo de origem foi uma iniciativa da Federação das Organizações Indígenas do Rio
Negro (Foirn), que o lançou na ocasião do IV Encontro da Rede de Produtores Indígenas do
Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), em abril de 2009. Estavam presentes no
lançamento do selo 45 representantes de 22 organizações e grupos de produtores indígenas da
região.
Figura 6: Selo Produto Indígena do Rio Negro
Fonte: Pinheiro (2009)
O selo objetiva identificar produtos, feitos pelos povos indígenas da região, carregados
de valor cultural, pois produzidos a partir de conhecimentos e práticas ancestrais. Isso agrega
à produção um forte valor imaterial. Além do mais, o selo identifica produtos de grupos que
adotam boas práticas de comercialização. A Foirn será responsável pelo monitoramento da
aplicação do selo, que será concedido apenas para os produtos que adotarem no mínimo
quatro critérios pré-estabelecidos e acordados no âmbito da rede de produtores indígenas: a
produção artesanal segundo métodos tradicionais; a produção por indígenas; a produção na
região do Rio Negro; e a comercialização respeitando os critérios de comércio justo
estabelecidos e acordados entre artesãos e os pontos de venda.
84
Informações coletadas no artigo “Povos Indigenas do Rio Negro lançam selo pioneiro” de Gustavo Tosello
Pinheiro, 15/04/09, disponível em http://www.socioambiental.org
88
Foi o I Encontro de Produtores Indígenas do Rio Negro, em 2006, que deu inicio a um
debate sobre os efeitos da denominação de uma marca específica para produtos realizados por
diversos povos indígenas da região. Na verdade, já havia o exemplo do povo Baniwa que
havia registrado a marca ArteBaniwa para identificar a sua produção de cestaria, como autodefesa e reação à tentativa de registro da marca por designers que pretendiam utilizá-la para
fins particulares. Além dessa experiência, os Baniwa identificaram a jiquitaia, que é uma
farinha de pimentas produzida pelas índias, com a marca Pimenta Baniwa.
Assim, nasceu a idéia da formação de uma rede de produtores, que foi instituída
oficialmente no encontro do ano seguinte. No encontro dos produtores em 2008 foram
estudadas as diversas modalidades de certificações para identificar e diferenciar produtos de
origem geográfica e modos de produção específicos. Os produtores concluíram que deveriam
buscar uma forma de certificação que proporcionasse a diferenciação dos produtos indígenas
da região do Rio Negro. Porém, constataram que inexistia uma certificação acessível e
adequada ao contexto da região. Cabe enfatizar que a região compreende um território de 11
milhões de hectares e que neles estão situadas 750 comunidades de 22 povos indígenas.
A criação do selo “Produto Indígena do Rio Negro” significa um modelo adequado de
certificação aos produtores organizados em rede e que já vendiam seus produtos na Wariró, a
Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro. A Wariró é um centro de comercialização dos
produtos indígenas da região desenvolvida pela Foirn e de acordo com Pinheiro (2009) é uma
bem sucedida experiência de comércio justo. Para a criação do selo contaram com a assessoria
do Instituto Socioambiental (ISA) que já estudava caminhos para a proteção do conhecimento
tradicional associado e a repartição de benefícios para desenvolver a primeira iniciativa de
auto-certificação para produtos indígenas. A idéia é fazer com que o mercado reconheça a
origem cultural e geográfica, o processo artesanal e o modelo de comercialização dos
produtos85 indígenas da região.
2.6-
O Consumidor do Comércio Justo
O movimento do comércio justo tem duas dimensões: de um lado busca a abertura de
canais de comercialização do Norte para mercadorias de produtores marginalizados do Sul; de
85 Os produtos indígenas do Rio Negro podem ser encontrados em São Gabriel da Cachoeira, na sede da Wariró
que funciona como entreposto comercial e centro cultural; em Manaus, na Galeria Amazônica – iniciativa
voltada à valorização da arte amazônica localizada em frente ao Teatro Amazonas, fruto de parceira do povo
Waimiri-Atroari com o ISA. Peças como a cestaria de arumã ArteBaniwa dos índios Baniwa e o Kumurõ, banco
ritual Tukano, podem ser encontradas nas principais cidades do Brasil na rede de móveis e decoração Tok&Stok.
89
outro lado, incentiva uma consciência reflexiva, crítica e ética nos consumidores do Norte
(CARRARO et al, 2006). Portanto, o comércio justo só se realiza se houver esses dois
extremos que se relacionem, ou seja, é preciso ter quem produza as mercadorias de acordo
com certos princípios, mas também quem as comprem de acordo com certa visão de mundo. É
o consumidor que faz girar a economia neste circuíto e que gera demanda para que o
movimento do comércio justo cresça e ganhe escala. Portanto, o tema do consumidor não
pode ser minimizado neste trabalho.
Não se pode assegurar um comércio justo e solidário sem a presença de
consumidores conscientes, responsáveis e solidários, que reconheçam o
verdadeiro valor dos produtos e sejam capazes de defender seus direitos e
fazer respeitar o meio ambiente e a preservação da natureza. (FRETEL;
SIMONCELLI-BOURQUE, 2003, p.49).
O consumidor no comércio justo difere substancialmente do consumidor convencional
da teoria econômica, cuja motivação individualista e egoísta é maximizar utilidades de acordo
com suas restrições orçamentárias. Aqui o consumidor foge desse padrão. O consumidor
responsável do comércio justo é aquele cidadão informado, que pratica um consumo
consciente, considerando razões políticas e ambientais. Por causa das suas escolhas levarem
em conta esses aspectos, seu consumo é crítico e responsável. Para o Instituto Akatu86, um
instituto exclusivamente de consumo consciente, há três maneiras de consumir dentro desse
padrão:
•
Consumir diferente: considerando o consumo como um instrumento de bem
estar e não fim em si mesmo;
•
Consumir solidariamente: buscando os impactos positivos do consumo para o
bem estar da sociedade e do meio ambiente;
•
Consumir sustentavelmente: deixando um mundo melhor para as próximas
gerações.
Francesco Gesualdi, no seu “Manuale per um consumo responsabile” (2004), nos
explica que as empresas têm condutas inadequadas e prejudiciais porque sabem que os
consumidores convencionais são egoístas, despreocupados e que não farão nenhum tipo de
questionamento ao comprar seus produtos. Afirma que as empresas estariam muito mais
atentas aos seus comportamentos se tivessem que dar satisfação aos consumidores, se estes
antes de comprar quisessem saber em quais condições sociais e ambientais foram produzidas
86
Informações encontradas no site www.akatu.org.br
90
as mercadorias, e que, os consumidores, estivessem dispostos a comprá-las somente se a
produção obedecesse a certos princípios. Contudo, este não é o comportamento do
consumidor padrão da sociedade capitalista, cujos esforços de propaganda e publicidade
buscam induzir gastos em função do objetivo de acumulação de capital, pouco se importando
se a natureza está sendo degradada e os produtores diretos explorados.
Abraçando um ideal diverso de mundo, o autor prega a importância do consumo
crítico, que consiste em realizar compras escolhendo os produtos não somente baseando-se na
qualidade e no preço, mas também na sua história, no percurso que a mercadoria realizou
desde o processo produtivo até as prateleiras dos mercados.
Gesualdi (2004, p.68) afirma que o “consumo critico equivale a una rivoluzione
silenziosa”, porque se questionarmos os critérios utilizados pelas empresas a cada compra
seria como se estivéssemos votando. Votaríamos premiando
as empresas
com
comportamentos adequados e punindo as demais. E, no final das contas as empresas se
ajustariam ao posicionamento desse consumidor crítico, instaurando entre elas uma nova
forma de concorrência, não mais baseada nas características estéticas e econômicas dos
produtos, mas sim nas escolhas sociais e ambientais. Dentro dos marcos do capitalismo isso
poderia ser entendido como uma reforma nos padrões de consumo.
As organizações de comércio justo pretendem esse novo tipo de comportamento,
conscientizando consumidores para a realização de compras justas e solidárias. A maneira de
conscientizar consumidores, com lemas como “comprando tal produto você estará ajudando
um produtor desfavorecido em um determinado lugar do planeta”, que difundem uma certa
forma de filantropia através da lógica da caridade, já está praticamente superada pelo
comércio justo. Com o passar do tempo e a experiência adquirida, as organizações de
comércio justo perceberam que “os consumidores, sejam eles europeus, norte-americanos ou
japoneses, adquirem os produtos justos e solidários somente se eles gostam: o aspecto
caritativo praticamente desapareceu”87 (Guadagnucci; Gavelli, 2004, p.30). Significa dizer
que a qualidade das mercadorias produzidas dentro da lógica do comércio justo evoluiu
alcançando o gosto do consumidor, que compra tanto porque faz uma escolha política como
também porque reconhece qualidade no produto.
87
Traduzido pela autora a partir de “I consumatori del Nord, siano essi, europei, nordamericani o giapponesi,
acquistano i prodotti equi e solidali solo se piacciono: l aspetto caritativo è in gran parte scomparso”
91
Isso deu um novo alento ao comércio justo, pois os importadores e seus parceiros
produtores passaram a investir muito na inovação e na qualidade dos produtos, deixando
definitivamente para o passado o chá mofado e os produtos mal acabados. Ao mesmo tempo,
significa a exigência de um comportamento mais profissional da parte dos produtores e uma
adaptação dos produtos aos gostos e preferências dos consumidores do Norte. Essa adequação
dos produtos aos gostos do consumidor, contudo, pode fazer com que haja prejuízo na
identidade dos produtos88, e se apresentar como uma das contradições do movimento. Muitas
vezes a adaptação exigida aos produtores é tão grande que a parceria se torna inviável. Esse é
um dos dilemas do movimento: o de deixar desprovidos os grupos de produtores mais frágeis
e mais arraigados às suas raízes.
Nos textos, relatórios e documentos pesquisados sobre o comércio justo pouco se fala
sobre o consumidor. As organizações de consumidores não têm uma ligação direta com as
organizações de comércio justo. Fala-se muito em conscientizar o consumidor para que ele
faça da compra um ato político, escolhendo pagar um preço superior ao de mercado por uma
causa justa. Contudo, de acordo com pesquisa de Carraro et al (2006), 80% dos consumidores
de comércio justo consideravam-se desinformados, o que demonstra que a atividade
relacionada à informação não é eficaz. Carraro et al (idem) conclui que a maioria das Lojas de
Comércio Justo estão longe de ser um espaço para a informação dos consumidores. Asti
(2007) pondera sobre isso informando que “o trabalho de conscientização do consumidor vem
sendo realizado lentamente, pois os próprios movimentos sociais também precisam se
legitimar na sociedade civil e se consolidar financeiramente”.
Sampaio; Flores (2002, p.23) consideram que “o consumidor deve se envolver, aderir
e ser conscientizado. Deve-se formar um consumidor esclarecido. Deve-se estudar qual a
percepção que esse cidadão (...) tem dos pequenos produtores, de seus produtos e de suas
origens”. Canclini (2005) considera o consumo como aspecto de um sentimento de
pertencimento em um contexto de uma sociedade organizada de modo diverso da atual. Esse
consumidor bem informado e consciente consome não só bens materiais como também bens
simbólicos, e adota um comportamento diferente do tradicional consumidor de
superficialidades, manietado pela publicidade capitalista. Dessa maneira, afirmando
identidades, esse novo consumidor estaria influenciando na construção de uma nova
sociedade à qual ele deseja pertencer. Com essa atitude, o consumo se vincula
88
Conforme detalhado no item 1.5.1 Identidade Cultural: uma estratégia de valorização do produto do Comércio
Justo.
92
inseparavelmente a uma forma de cidadania, cujo substrato são processos e práticas culturais.
Rompe-se com o individualismo típico do consumidor egoísta da teoria econômica
convencional e abre-se um estilo de consumo semelhante a um movimento social, que produz
identidade coletiva a quem dele participa.
A limitação para o crescimento dessa atitude de consumo está nas restrições que os
meios de comunicação fazem, uma vez que são patrocinados por produtores que funcionam
dentro de uma lógica diversa desta que se preocupa com as pessoas e o planeta. Entretanto, a
expansão de meios alternativos de comunicação social, a internet inclusive, e a disseminação
de vastas redes de intercâmbio fazem com que cada vez mais consumidores queiram ser
também cidadãos, no sentido aqui empregado. Canclini afirma que consumir é participar de
um contexto de disputas no que diz respeito ao que é produzido na sociedade. Crescentemente
o cidadão se afirma pelo seu padrão de consumo e a ostentação é vista como um
comportamento ultrapassado, que depõe contra a pessoa. Provavelmente num futuro próximo
parecerá ridículo utilizar, por exemplo, bolas de futebol e tênis de marcas famosas costurados
com a exploração do trabalho infantil.
2.7- Organizações internacionais formam a rede do Comércio Justo
Com o crescimento do movimento do Comércio Justo, muitas iniciativas de ONGs e
associações foram se consolidando e conquistando perfis específicos: algumas eram
especialistas em importação, outras em certificação, outras em venda direta ao público, e
tinham ainda aquelas que se caracterizavam pelo acompanhamento aos produtores e às
organizações ligadas ao comércio justo. Definidas as características comuns, esses grupos
buscaram se unir em plataformas específicas para harmonizar suas ações e interesses, e desta
forma fortalecer e expandir o movimento.
Foi a partir de meados dos anos 70 que as organizações de comércio justo começaram
a se reunir informalmente em conferências a cada dois anos. Com o fortalecimento dessas
iniciativas surgiu a necessidade de criar plataformas para que fossem reconhecidas
formalmente. Assim, já no final da década de 80 surgem duas das maiores organizações de
Comércio Justo: a EFTA (Associação Européia de Comércio Justo) em 1987; e a IFAT
(Associação Internacional de Comércio Justo) em 1989. A EFTA é uma associação que reúne
as 11 maiores Centrais de Importação do Comércio Justo na Europa. Já a IFAT, transformada
93
em WFTO89, é uma rede global das organizações de Comércio Justo de 70 países, voltada a
melhorar a vida dos pequenos produtores através do comércio, promovendo um fórum de
intercâmbio de informações e idéias (WFTO, 2009).
Desde os primórdios do movimento, a venda de produtos de comércio justo se realiza
nas Worldshops, as Lojas de Comércio Justo. Como já informado, tais lojas buscam associar
aos produtos informações sobre a produção e as condições de vida dos produtores. O primeiro
Encontro das várias lojas existentes na Europa ocorreu em 1984 e foi o primeiro passo para a
articulação dos voluntários que trabalham nas Lojas de Comércio Justo. A partir dessa
articulação se estabelece em 1994 a NEWS! A rede de lojas do Comércio Justo. A NEWS! se
tornou uma das principais organizações do movimento coordenando campanhas européias e
promovendo o intercâmbio de informações e experiências no âmbito do desenvolvimento de
vendas e do trabalho de conscientização.
Outra organização de significativa importância é a FLO, a Fairtrade Labbeling
Organization. Criada em 1997 para coordenar 17 iniciativas de certificadoras, a FLO cumpre
um papel decisivo no encontro dos produtos com o mercado. Ela trouxe, em 2003, a novidade
da introdução de um selo único internacional para os produtos de comércio justo. Atualmente,
a FLO é responsável por fixar padrões internacionais para os produtos de comércio justo,
certificar a produção, monitorar o comércio de acordo com esses padrões e finalmente
etiquetar os produtos (WFTO, 2009).
Unidas as quatro grandes organizações do comércio justo na Europa, que juntas
reúnem quase todas as organizações que atuam no movimento, se forma a plataforma FINE:
FLO, IFAT, NEWS! e EFTA, cujo nome representa justamente a união de todas as iniciais. A
plataforma FINE funciona fisicamente em um escritório situado em Bruxelas, na Bélgica,
com a finalidade de Promoção e Defesa Pública para influenciar os políticos europeus. O
escritório é apoiado, administrado e financiado pelas quatro organizações que o compõem, as
quais serão descritas mais profundamente neste mesmo tópico.
Além das instituições de comércio justo européias, existe a Fair Trade Federation
(FTF), situada em Washington. A FTF é uma associação internacional formada por varejistas,
89
A IFAT foi transformada em Organização Mundial do Comércio Justo - World Fair Trade Organization
(WFTO) em 15 de outubro de 2008 por 91% de decisão majoritária dos seus membros mundiais.
94
atacadistas e produtores de comércio justo espalhados por 14 países90, mas com grande foco
nos Estados Unidos e Canadá. A sua história começa no final dos anos de 1970, quando as
iniciativas individuais de organizações de comércio alternativo passaram a se reunir
anualmente em conferências, porém, a sua fundação oficial ocorreu em 1994 (FTF, 2008). De
acordo com DAWS (2008) até o início de 2008, a FTF era composta por quase 300
organizações.
Tabela 6: Principais Organizações Internacionais de Comércio Justo
Organização
Sede
Fundação Membros
– 1997
FLO – Fairtrade Bonn
Alemanha
Labbeling
Organizations
International
N°de
Membros
Organizações nacionais 20
de certificação,
e redes de produtores
3
WFTO- World
Culemborg – 1989
Fair Trade
Holanda
Organization Antes
IFAT –
The International
Fair Trade
Association
Organização
de >300
produtores, Centrais de
Importação,
Organizações de suporte
ao Comércio Justo, e
outras
redes
internacionais
Mainz
– 1994
NEWS! –
The Network of Alemanha
European World
Shops
Associações nacionais 13
de Lojas de Comércio
Justo
EFTA - European Schin
op 1987
Fair
Trade Geul
–
Association
Holanda
Organizações
Importadoras
Europa:15
Am.
do
Norte
e
Pacífico: 5
África, Ásia
e América
Latina: 3
África: 20
Ásia: 12
Europa: 14
America
Latina: 13
Am.
do
Norte
e
Pacífico: 5
Europa: 12
Europa: 9
Organizações
>200
A maioria
Importadoras,
nos Estados
Organizações
de
Unidos
e
produtores,
Canadá.
Organizações de suporte
Outros
ao Comércio Justo, e
Países: 14
outras
redes
internacionais
Fonte: Adaptada da Tabela 3 do Relatório “Fair Trade 2007: New Facts and Figures from an ongoing
success story” (DAWS, 2008)
FTF –
Fair Trade
Federation
90
Washington
- EUA
11
Países
1994
Principalmente os países do pacífico, quais sejam: Nova Zelândia, Austrália, Japão e América do Norte.
95
Segue um detalhamento de cada rede internacional de organizações de Comércio
Justo, suas funções e o entrelaçamento entre elas:
1)
WFTO91: Organização Mundial de Comércio Justo - World Fair Trade
Organization
A WFTO é a representação global de mais de 350
organizações comprometidas em ser 100% do comércio justo.
Vale relembrar que a WFTO, até outubro de 2008, era a IFAT –
International Fair Trade Association. A organização se reconhece
como a autêntica voz do comércio justo, sendo a guardiã dos seus valores. Ela opera em 70
países dos 5 continentes, com a finalidade de criar acesso ao mercado através de campanhas,
assessorias, marketing, acompanhamentos e fiscalização. Mais de 65% dos seus membros são
de países do Sul, divididos entre associações e cooperativas de produtores, companhias de
marketing e exportação, importadoras, varejistas, organizações de suporte, além de redes
nacionais e regionais de Comércio Justo. É a única rede internacional que reúne membros
com características tão diferentes entre si, envolvidos desde a produção até a venda dos
produtos ao consumidor final, mas com mesmo peso em relação ao direito ao voto.
De acordo com a WFTO, as organizações que a constituem se diferenciam por serem
completamente comprometidas com o comércio justo, buscando erradicar a pobreza através
do desenvolvimento econômico sustentável, do pioneirismo social e das políticas e práticas
ambientais. Além disso, tendem a priorizar o contínuo reinvestimento em grupos de
produtores marginalizados. As atividades das organizações estão centradas em três áreas de
trabalho, quais sejam: desenvolvimento de mercado; monitoramento do comércio justo; e
assistência jurídica.
Uma das mais importantes características da WFTO é o incentivo à cooperação entre
seus membros e também com outras organizações92. O resultado das parcerias é a divisão de
experiências, participação em seminários, onde retornam feedback aos parceiros comerciais.
Uma facilidade que a WFTO oferece aos compradores interessados é dispor de um site na
internet como uma extensiva lista de produtores e seus produtos.
91
Informações coletadas no relatório“Fair Trade 2007: New Facts and Figures from an ongoing success story”
(DAWS, 2008) e no site www.wfto.com , em 25/05/09.
92
Incluindo Consultoras de Negócios, Agência de Ajuda Humanitária, Empresas de Microcrédito e outras
Organizações de Suporte ao Comércio Justo.
96
Para que a WFTO seja reconhecida como uma organização onde se pratica 100% os
princípios do comércio justo ela dispõe de um Sistema de Monitoramento93, que tem um
perfil acessível e participativo, e consiste em três etapas:
1. Auto-avaliação das suas atividades em relação aos princípios do comércio justo;
2. Revisão mútua entre parceiros comerciais;
3. Auditoria externa.
Somente a última etapa é que encarece o sistema, pois a verificação externa tem um
custo elevado e ocorre ou através de sorteio ou medindo a prioridade dos pedidos. Superadas
as três etapas, o membro se torna apto a solicitar a utilização da marca FTO94 (Fair Trade
Organization), que para a WFTO é o símbolo de uma verdadeira organização de comércio
justo. Vale esclarecer que a marca FTO não certifica produtos de comércio custo, não
podendo ser anexada em um produto como selo, mas apenas organizações.
A WFTO se define como uma advogada que não apenas condena as injustiças do
sistema de comércio internacional, mas que vai além, por promover uma verdadeira prática de
mudança. É a partir da sua pequena secretaria, localizada na cidade de Culemborg, na
Holanda, que a WFTO trabalha promovendo o fortalecimento de organizações em quase todo
o mundo, com exceção somente da América do Norte e da Costa do Pacifico, a partir das
seguintes redes regionais:
•
Na África: A COFTA (The Cooperation for Fair Trade in Africa), nascida em
2004, se compõe por mais de 70 organizações, sendo a maioria de grupos
produtores de 20 países africanos.
•
Na América Latina: Existe a IFAT – LA (Associación Latinoamericana de
Comércio Justo) onde estão reunidos os membros da WFTO.
•
Na Ásia: A AFTF (The Asia Fair Trade Forum) foi criada em 2001 e é constituída
por 90 membros de 12 dos países asiáticos mais pobres. Sua secretaria encontra-se
na cidade de Manilha, nas Filipinas.
•
Na Europa: A IFAT – Europa se iniciou em 2007. Parece curioso, mas a Europa
foi a última região a se organizar dentro da WFTO como uma rede continental.
93
O Sistema de Monitoramento sofre constantes melhoramentos e adaptações para que retribua às expectativas
de seus membros.
94
Marca lançada em 2004, no Fórum Social de Mumbai, Índia.
97
A concertação entre as diversas redes ocorre a cada dois anos quando ocorre a
Conferência Mundial do WFTO. A última ocorreu em maio na cidade de Kathmandu, no
Nepal. Enfim, a WFTO engloba no seu universo 110 milhões de artesãos, agricultores,
produtores e grupos de suporte, inseridos em cooperativas, redes, marcas e negócios.
2) EFTA95: A Associação Européia de Comércio Justo – The European Fair Trade
Association
Na EFTA encontram-se reunidas 11 das mais antigas e importantes importadoras do
comércio justo de nove países96 europeus. A missão da EFTA é dar suporte aos seus
associados a fim de encorajá-los a cooperar e a coordenar seus trabalhos. Isso facilita a troca
de informações e o trabalho em rede e proporciona uma determinada divisão de trabalho.
Um dos melhores resultados dessa cooperação é o programa de “Atendimento ao
Parceiro”, que é um sistema no qual os associados dividem entre si todo trabalho relacionado
ao contato e às negociações com os seus parceiros produtores do Sul. Isso inclui da coleta de
informações, controle do processo de desenvolvimento dos parceiros do Sul, coleta e
direcionamento dos produtos relacionados às informações, inclusive organizando importações
conjuntas entre os membros da EFTA. Vale ressaltar que essa estratégia de trabalho faz com
que associados e produtores economizem tempo e dinheiro, harmonizando interesses e
ajudando a evitar uma desnecessária duplicação de trabalho.
Além disso, a EFTA também elabora e desenvolve projetos conjuntos, através de
encontros regulares entre seus membros e da circulação de informações entre eles, dispondo
de uma base de dados dos seus associados. A EFTA tem uma pequena secretaria no sul da
Holanda, mas também um escritório em Bruxelas, na Bélgica, que é responsável pela
execução dos projetos co-financiados pela Comissão Européia.
Um desses projetos é o “Fair Procura”, iniciado em 2004 e concluído em 2007. Foi
desenvolvido por quarto membros da EFTA: Fair Trade Organisatie, na Holanda; CTM, na
Itália; Oxfam Wereldwinkels, na Bélgica; e IDEAS, na Espanha. O objetivo geral do projeto
95
96
Informações encontradas no site www.european-fair-trade-association.org, em 22/05/09.
Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Itália, Holanda, Reino Unido e Suíça.
98
era incentivar autoridades públicas e instituições européias, nacionais, regionais e locais, a
aumentar suas contribuições para o desenvolvimento sustentável de compras públicas
sustentáveis, ou seja, através do incentivo às políticas e práticas de Comércio Justo (EFTA,
2006). Dando seqüência aos objetivos desse projeto iniciou-se, em dezembro de 2007, um
novo chamado “Public AfFAIRs: Mobilising action for Fair Trade Public Procurement”, que
deve ser finalizado em novembro de 2010.
3) NEWS! : A Rede Européia de Lojas de Comércio Justo – The Network of
European World Shops
A News! foi estabelecida formalmente em 1994 depois de 10 anos de encontros de
articulação entre voluntários de Lojas de Comércio Justo. No final de 2007 a NEWS! era uma
rede composta por 13 associações nacionais de Lojas de Comércio Justo, representando cerca
de 2060 lojas em 12 países. A Suíça tem duas associações participantes. Nos últimos anos a
NEWS! perdeu dois membros importantes: a francesa Fedération Artisans du Monde e a
italiana CTM Altromercato, que preferiram integrar-se mais ativamente na IFAT-Europe,
organização regional da WFTO. O mesmo aconteceu com a austríaca ARGE Weltläden e com
a espanhola Coordinadora Estatal de Comercio Justo, no início de 2008 (DAWS, 2008).
A partir desse acontecimento começaram as discussões sobre o que fazia mais sentido
para o futuro da NEWS!. Continuar a caminhar com os próprios passos ou integrar-se
completamente na IFAT – Europe. Por enquanto a NEWS! continua a facilitar o trabalho em
rede e a cooperação entre as várias lojas componentes através da circulação de informações
por NEWSletter, website, workshops, e pela organização da conferência bienal de Lojas de
Comércio Justo Européias.
Ademais a NEWS! coordena, com outras redes européias, campanhas como a
realizada entre maio de 2005 e julho de 2007, intitulada “Stand Up for Their Rights!” com a
finalidade de combater o trabalho infantil, que contou com a participação de lojas de comércio
justo de 11 países Europeus. Em 1996, a NEWS! criou o dia das Lojas de Comércio Justo
Européias, como um dia para fazer campanha sobre um tema especifico em toda a Europa. O
então IFAT abraçou esta idéia ampliando-a e criando o dia mundial do comércio justo, que
99
envolve todos os atores do comércio justo do globo. O primeiro Dia Mundial do Comércio
Justo97 se realizou em 4 de maio de 2002, e até hoje se realiza anualmente no segundo sábado
de maio. “BIG BANG!! A Wake Up Call for the planet” foi o nome da última edição do
evento, organizada pela WFTO e ocorrida em maio de 2009.
4) FLO International98: Federação Internacional de Certificadoras de Comércio
Justo – Fairtrade Labelling Organizations International
A FLO é organização que coordena internacionalmente a certificação de produtos
FairTrade. Sua missão é “conectar consumidores e produtores através de um selo que
promove condições comerciais justas. Assim os produtores marginalizados pelo sistema
convencional de comércio podem combater a pobreza, fortalecer suas posições e tomar o
controle de suas próprias vidas”99.
A federação nasceu em 1997 para conciliar interesses e harmonizar ações de 17
certificadoras de Comércio Justo. Um passo importante para a consolidação da FLO foi a
adoção de um selo único para todas as iniciativas de certificação nacionais, em 2002.
Gradualmente, essas certificadoras foram substituindo seus próprios selos pelo selo FLO,
restando apenas os Estados Unidos e o Canadá com os próprios selos TransFair.
Figura 7: Selo FLO
Atualmente, a federação é composta por 23 organizações100 que produzem ou
promovem produtos com o selo de certificação FAIRTRADE. Este selo é uma marca
comercial da FLO que certifica produtos que cumprem os critérios sociais, econômicos e
ambientais do Comércio Justo. Dez anos depois do nascimento da FLO, em 2007, três redes
97
Esse evento possui um site especifico: http://www.worldfairtradeday09.org/.
Informações disponíveis em www.fairtrade.net
99
Tradução da autora.
100
São 20 iniciativas nacionais de certificação e 3 redes de organizações de produtores.
98
100
de grupos produtores conquistaram o direito de se associarem à FLO e têm o dever de
defenderem os interesses das suas organizações de produtores tendo o mesmo peso das
certificadoras, são elas: African Fairtrade Network (AFN), a Coordinadora Latinoamericana
y del Caribe de Comercio Justo (CLAC) e a Network of Asian Producers (NAP).
Do seu escritório situado na cidade de Bonn, na Alemanha, a FLO se enuncia com
dever de:
•
Definir os padrões do Comércio Justo: O papel principal da FLO é desenvolver
e rever padrões, que são aplicados aos seguintes atores do Comércio Justo:
produtores e companhias que comercializam produtos, como importadoras,
exportadores e certificadoras.
•
Dar suporte aos produtores de Comércio Justo: A FLO ajuda produtores a
ganhar a certificação e a desenvolver oportunidades de negócios. Isso se realiza
através dos escritórios locais que efetuam treinamentos, guias para a
certificação e facilitam o relacionamento com compradores.
•
Coordenar a estratégia global de Comércio Justo: É papel da FLO validar
como, junto com seus membros, melhor o impacto do seu trabalho e se tornar
mais efetiva no futuro.
•
Promover justiça no Comércio: Junto com outras organizações internacionais
de Comércio Justo, como WFTO, NEWS e EFTA, a FLO participa de
campanhas sobre justiça no comércio em debates sobre comércio e
desenvolvimento.
Em relação à definição de padrões do Comércio Justo, os objetivos da FLO são:
1. Assegurar que os produtores recebam pelo menos o Preço Mínimo
pelas suas mercadorias;
2. Providenciar o Prêmio adicional que possa ser investido em projetos
que melhorem o desenvolvimento social, econômico e ambiental da
comunidade;
3. Dispor de pré-financiamento para os produtores que solicitarem;
4. Facilitar parcerias comerciais de longo prazo e proporcionar um maior
controle da produção no processo comercial;
101
5. Deixar claro os mínimos e progressivos critérios para assegurar que as
condições de produção e comércio de todos os produtos certificados
sejam socialmente, economicamente e ambientalmente responsáveis.
Os padrões do Comércio Justo estabelecidos pela FLO estão de acordo com os
requerimentos do Código de Boas Práticas para a Implementação de Padrões Sociais e
Ambientais da ISEAL101. Isso significa que os padrões estão estabelecidos através de
consultas com os maiores investidores do sistema de Comércio Justo. Em 2004, foi criada a
FLO-CERT, que faz a inspeção e certifica os produtores, enquanto a FLO determina padrões
e oferece suporte para que os produtores e comerciantes possam se enquadrar.
Figura 8: Esquema de Oganização da FLO e da FLO-CERT
Fonte: Instituto FairTrade Brasil
Pela averiguação da obediência dos critérios do Comércio Justo, a FLO-CERT pode
assegurar que os produtores estão seguindo os padrões sociais e ambientais e que estão
recebendo o Preço Mínimo102 e o Prêmio Social. Deste modo, os consumidores podem ter a
segurança de que o selo internacional Fairtrade é usado apenas em produtos, vindos de
produtores e comerciantes certificados que cumprem com as exigências dos critérios do
Comércio Justo. E, a fim de garantir a credibilidade do selo, o sistema de certificação do
101
ISEAL é a International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance:
www.isealalliance.org
102
Cabe lembrar que o Preço Mínimo é o preço assegurado pelo comprador do comércio justo ao produtor
quando o preço de mercado do produto esteja menor que o preço considerado limite para a sua justa
remuneração.
102
Fairtrade opera seguindo as determinações do ISO 65103. Devido a isso Renard (2004) afirma
que o movimento de certificação coordenado pela FLO, que a confere a função de assegurar a
garantia de qualidade dos produtos do Comércio Justo, faz com que ela detenha um grande
poder, tanto comercial, quanto político, no contexto do movimento internacional.
A certificação da FLO apresentou um crescimento significativo nos últimos quatro
anos, quando as vendas triplicaram e produtos de centenas de organizações de produtores
foram certificados. Hoje existem 872 organizações comerciais certificadas em 58 países em
desenvolvimento, totalizando 632 organizações de produtores, que representam cerca de 1,5
milhões de agricultores e trabalhadores. Contando com as suas famílias e dependentes, a FLO
estima que 7.5 milhões de pessoas diretamente beneficiadas pelo Comércio Justo. O gráfico
abaixo demonstra o crescimento do número de organizações certificadas:
Gráfico 1: O CRESCIMENTO DAS ORGANIZAÇOES COM PRODUTOS CERTIFICADOS
Fonte: www.fairtrade.net
Além do crescimento do número de organizações certificadas, houve um crescimento
nas vendas de produtos certificados de 40% ao ano de 2004 a 2007, tendo alcançado € 2.3
bilhões de euros em 2007, conforme o gráfico:
103
ISO 65 é a norma internacional de qualidade para certificar companhias.
103
Gráfico 2: VENDAS EM MILHÕES DE EUROS
Fonte: www.fairtrade.net
Os produtos certificados pela FLO totalizam 18 itens: banana, cacau, café, algodão em
pluma, frutas frescas, pimenta e temperos, flores e plantas, mel, castanhas e sementes
oleaginosas, quinua, compotas de frutas, sucos, arroz, bolas esportivas, açúcar de cana, chá e
uvas de vinho. A Certificação Fairtrade e seu sistema de preços mínimos foram elaborados
para produtos que se caracterizam como commodities, basicamente os alimentares, que tem
um mercado oficial e preços de referência. Tecnicamente é difícil adaptar esse modelo para
produtos artesanais, que têm processos e custos de produção muito variados. Contudo, os
produtos artesanais representam a maior fatia do Comércio Justo, não em termos econômicos,
mas em número de produtos. São as Centrais de Exportação que dão a garantia para os cerca
de seis mil produtos que estão fora da certificação FLO e que são vendidos nas Lojas de
Comércio Justo.
Grande parte dos produtos certificados FLO pode ser encontrada na grande
distribuição, isso gera grande tensão entre os vários componentes do movimento do Comércio
Justo104. Jacquiau (2007, p.2), no artigo “Ambigüidades do comércio equitativo” publicado no
jornal Le Monde diplomatique, informa que:
A rede McDonald’s, cujas práticas sociais violentas são notórias, oferece café
equitativo “logotisado” Max Havelaar. Da mesma maneira que a Starbucks,
líder mundial do expresso bar, com seus 7.500 pontos de venda divididos em
34 países, que a escritora Naomi Klein qualifica de “precursora na moderna
arte do horário (de trabalho) flexível”. A Accor, cuja greve de camareiras deu
no que falar durente longos meses, oferece café Max Havelaar no bar dos seus
hotéis. A Nestlé, empresa mais boicotada pelos consumidores britânicos,
também reivindica sua parceria com a Max Havelaar.
104
Conforme foi abordado nesse capítulo no item 2.4 - Distribuição em Supermercados: a faca de dois gumes.
104
Para Jacquiau (2007), sob o impulso dos “businessmen do charity-coffee”, o comércio
equitativo transformou-se em comércio do equitativo. O autor cita o padre Frans van der Hoff,
co-fundador do selo de comércio justo, dizendo da sua preocupação com relação aos rumos
que tomava o movimento a partir dos anos de 1990, o padre ainda afirma que a dimensão
política do movimento aos poucos foi apagada. Discordando da inserção de produtos do
Comércio Justo nas grandes redes multinacionais e de outras práticas o grupo de organizações
que faz parte do Espacio Comercio Justo, escreveu um manifesto contra o selo FLO de
Comércio Justo105.
Figura 9: Símbolo do manifesto contra o selo FLO
Fonte: site http://espaciocomerciojusto.org
“Uma mudança mais ampla das práticas do comércio internacional só é possível se as
transações que prevalecem do comércio justo atingirem um nível suficiente para que seus
novos atores sejam reconhecidos e respeitados”, é o que diz o presidente da Max Havelaar
França, Jean-Pierre Doussin, em resposta ao artigo de Jacquiau. Doussin conclui afirmando
que “O aumento constante das vendas de produtos certificados e o impacto constatado por
estudos conduzidos nos países envolvidos nos levam a pensar que estamos no bom caminho”.
A FLO alega que é preciso incorporar as práticas do Comércio Justo às práticas das empresas
que fazem parte do comércio convencional para que o escopo do movimento, de acabar com a
injustiça, seja alcançado (ASTI, 2007). Assim, não obstante aos posicionamentos contrários, a
FLO continua licenciando empresas do mercado convencional, que não pertencem ao
movimento.
105
O documento está disponível no site http://espaciocomerciojusto.org, consultado em 29/05/09.
105
a) A FLO no Brasil
No Brasil a FLO inaugurou o Instituto Fairtrade-Brasil para liderar o processo de licenciar o
Selo Internacional Fairtrade no mercado brasileiro. Segundo informações do próprio
instituto106 para obter a licença é necessário:
•
•
•
Obter certificação Fairtrade para comerciante. (Com a FLO-CERT)
Assinar contrato de licença com o Instituto Fairtrade-Brasil. (FLO até junho 2008)
Investir anualmente de R$ 4.600 a R$ 7.200 na certificação, além de pagar uma taxa
de licença trimestral de R$ 875 ou de 1% das vendas (o que for maior).
A alta taxa de certificação limita a participação dos grupos que desejam se associar.
Quando foi implantado o sistema de certificação no Comércio Justo mundial, eram os
importadores e as certificadoras nacionais que arcavam com os custos de certificação e
auditorias externas. Porém, com o significativo crescimento do número de grupos produtores
interessados em obter a certificação da FLO e com necessidade de enquadrar seu sistema de
critérios em indicadores ISO, na busca por legitimidade, a FLO vem aplicando taxas cada vez
mais altas aos grupos de produção. Segundo Asti (2007), a maior exigência dos produtores
não está em reduzir os altos custos das taxas, mas sim entendê-las a partir da busca por
transparência de como tais taxas são definidas.
Foi a partir do ano de 2005 que a FLO propôs uma iniciativa nacional buscando a
construção de um mercado doméstico para os produtos de Comércio Justo. Para a
implementação da iniciativa nacional da FLO no Brasil, esta procurou criar parcerias com
instituições ligadas ao movimento como o Faces do Brasil, o SEBRAE e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA). De acordo com Mascarenhas (2007), as parcerias não se
concretizaram porque o modelo de Comércio Justo empregado pela FLO entra em choque
com as propostas mais alternativas e independentes do movimento brasileiro. O modelo FLO
compreende certificação de terceira parte, elevados custos para o produtor, exclusão dos
produtores mais desprovidos de capital, além de envolver alianças com grandes empresas e
inclusão de certificação de grandes fazendas107.
A estratégia da FLO para a atração de produtores estava centrada no desenvolvimento
em âmbito nacional de novos canais de comercialização, reduzindo a dependência e a
106
Apresentação em Power Point intitulada “Comércio Justo e Certificado Fairtrade” por Verônica Rúbio,
representante do Instituto Fairtrade Brasil.
107
As chamadas plantations são caracterizadas por ser um tipo de sistema agrícola baseado em uma monocultura
voltada para a exportação, utilizando grandes latifúndios e mão de obra barata.
106
exclusão de grupos produtores provocadas pela relação de Comércio Justo Norte-Sul. “O
objetivo da FLO é criar uma iniciativa nacional, comercializando os produtos em redes de
supermercados e, paulatinamente, expandir o leque desses produtos sob seu selo” afirma
Mascarenhas (2007, p.155). No entanto, esse objetivo encontrou resistências por parte dos
atores do movimento brasileiro, porque a FLO, ao pautar-se na certificação terceira parte e na
integração ao mercado via grandes canais de distribuição, se afastou da corrente mais
alternativa do movimento, convergente com o modelo WFTO e com os princípios da
Economia Solidária (MASCARENHAS, 2007). A proposta de uma iniciativa nacional da
FLO no Brasil não encontrou solo fértil porque os atores do movimento de Comércio Justo
brasileiro já estavam articulados na construção de um Sistema Nacional de Comércio Justo e
Solidário.
Atualmente, no Brasil existem 19 grupos produtores certificados pela FLO. Dez
grupos produzem café, cinco produzem sucos de fruta, três produzem frutas frescas e apenas
um grupo coleta a castanha do Pará108. Desse universo apenas dois grupos são da região
amazônica: A Cooperativa dos Produtores Rurais Organizados para Ajuda Mútua, de JiParaná Rondônia, que produz o café certificado; e a CAEX - Cooperativa Agroextrativista de
Xapuri Ltda, do Acre, que produz Castanha do Pará. Existem no Brasil preços mínimos para
os sucos concentrados de laranja, maracujá, limão, lima, goiaba, tangerina, manga, abacaxi e
maracujá. Além de outros produtos como a Castanha do Pará, banana, mel, algodão, cacau,
amendoim, castanha de cajú, açúcar de cana, coco fresco e café. Os preços mínimos para a
soja, o açaí e o guaraná ainda estão sendo desenvolvidos (FLO, 2009).
Tabela 7: Produtores Certificados por produtos
Café
Caratinga, Minas Gerais.
Coop. Regio. Indus. e Com. de Produtores Agrícolas do Povo que
Luta
Laijinha, Minas Gerais.
Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha - Coocafe
Venda Nova.
Espírito Santo
Cooperativa das Montanhas do Espírito Santo - PRONOVA
Leroyville, Paraná
Cooperativa Agroindustrial Solidária de Lerroville – COASOL
Nova Rezende, Minas Gerais.
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Sampaio
Santana da Vargem, Minas
Gerais.
UNIÃO DE PEQUENOS AGRICULTORES DE SANTANA DA
VARGEM
Nova Resende, Minas Gerais
Coopervitae - Coop Agrícola dos Produtores Orgânicos de Nova
108
A Castanha do Pará foi internacionalmente rebatizada como Castanha do Brasil.
107
Resende e Região
Poço Fundo, Minas Gerais.
Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Regi
Iúna, Espirito Santo.
Coop. dos Agricultores Familiares do Território do Caparão –
COOFACI
Ji-Paraná, Rondônia
Cooperativa dos Produtores Rurais Organizados para Ajuda Mutua
Castanha da Amazônia
Xapuri,Acre
CAEX - Cooperativa Agroextrativista de Xapuri Ltda
Sucos
Montenegro, Rio Grande do Sul ECOCITRUS
Itápolis, Sao Paulo
Coop. dos Agropecuaristas Solidarios de Itapolis - COAGROSOL
Rio Real, Bahia
CENTRAL DE ASSOCIAÇÕES DO LITORAL NORTE CEALNOR
Paraná.
ASSOCIAÇÃO DOS CITRICULTORES DO PARANÁ ACIPAR
Chapecó, Santa Catarina
APACO / CCA
Frutas Frescas: manga, laranja, limão, coco fresco
Petrolina, Pernambuco
Associação Dos Pequenos Produtores Rurais Do Núcleo VI
Coribe, Bahia
Associação dos Produtores do Perímetro Irrigado do Formoso
Itápolis, Sao Paulo
Coop. dos Agropecuaristas Solidários de Itapolis - COAGROSOL
Fonte: Instituto Fair Trade Brasil
108
CAPÍTULO III
Os nós do mercado e a realização da mercadoria
3.1 - A mercadoria no Comércio Justo: uma alternativa ao fetichismo?
Uma das propostas do comércio justo é dar visibilidade ao produtor, valorizando suas
identidades e as maneiras peculiares pelas quais sua mercadoria é produzida. A visibilidade
do processo concreto que deu origem ao produto exposto nas prateleiras das Lojas de
Comércio Justo e outras redes de comercialização, quando efetivada, subverte a lógica da
produção de mercadoria no regime capitalista, na medida em que a substância do valor baseiase no trabalho abstrato. Ao distinguir o produtor no processo de produção de mercadorias, e
ao buscar fazer de suas condições específicas de produção um apelo à escolha do consumidor
consciente, a quem interessa conhecer o percurso da mercadoria, estabelece-se uma relação
social, entre sujeitos não alienados, diversa da relação entre coisas que se verifica no
capitalismo. O protagonismo do produtor retira da mercadoria a dominação e a mistificação
de que ela se reveste no capitalismo. O objetivo desse tópico é discutir as vicissitudes desse
projeto de acordo com as práticas do fair trade.
No capitalismo os esforços concretos dos produtores são dissolvidos em trabalho
abstrato, este a própria substância do valor, é o que informa a análise marxiana. No mercado,
mas somente na realidade histórica do capitalismo, o vínculo entre produtores e
consumidores, mediado pelo valor, apresenta-se como uma relação entre coisas. Reduzindose os produtos, e o trabalho real, concreto e específico que eles encerram, em trabalho
humano abstrato, desconsidera-se quem produziu e como foi produzida a mercadoria. Daí
decorre uma sociabilidade alienada, referenciada na mercadoria, regida pelo capital - que se
move pelo afã de produzir sempre mais valor através da mais-valia - e indiferente às
necessidades do produtor. Assim, no capitalismo, a mercadoria é produto do trabalho, mas
não do trabalho real e concreto que a gerou, mas sim do trabalho abstrato, que desconsidera
quem produziu e como. Portanto, não interessa o produtor real, nas suas dimensões culturais
que lhe conferem identidade. Trata-se, de acordo com essa interpretação mecanicista que
transforma produtores e consumidores em autômatos, de resumir toda força de trabalho em
uma substância social comum.
109
Contudo, pontos de vista baseados em observações empíricas contestam essa visão do
mercado como um mecanismo pairando acima da vida social e das realidades culturais de
produtores e consumidores. Nessa linha, artigo de Abramovay (2004) desenvolve interessante
análise sobre mercados e interação humana. Vistos como construção social, o autor afirma
que os “mercados só podem ser compreendidos como espaços reais de confronto entre atores,
cuja forma depende exatamente da força, da organização, do poder e dos recursos de que
dispõe cada parte” (ibidem, p.58).
Com relação ao comércio justo, pode-se argüir que o poder está primeiro com os
importadores, os distribuidores e os certificadores, e então as redes de lojas de varejo,
algumas das quais também importadoras, depois os consumidores do Norte abastado e os
consumidores conscientes de todo mundo, que fazem suas escolhas, já que, conforme
Sampaio e Prada (2003, p.46), “comprar é também uma escolha política”. Por último, nessa
hierarquia de poderes, vêm os produtores do Sul, conduzidos por esse movimento de
interesses onde só com muita boa vontade poderiam ser considerados atores. Eis aqui, pois,
um aspecto de dominação, um dos elementos do fetichismo da mercadoria, embora não
exatamente a dominação impessoal que embasa o fetichismo em Marx.
Os argumentos de Abramovay, na linha de uma sociologia econômica que afirma
serem os mercados estruturas sociais construídas por atores, e não mecanismos abstratos,
abonam uma das motivações que sustentam o comércio justo, que propõe reconhecer e dar
visibilidade ao produtor, assim como supõe um consumidor consciente, capaz de realizar
escolhas que levem em conta valores éticos e culturais. O axioma de que todos os produtos se
reduzem ou se igualam ao trabalho humano abstrato é assim relativizado como uma
objetividade do modo capitalista de produção, pela afirmação de que “todo o mercado tende a
funcionar sob a forma de nichos que supõem relações específicas e localizadas entre seus
componentes” (idem, p.56).
Entretanto, para além dessa visão interacionista sobre os mercados em geral, não é
questão pacífica se o comércio justo é movimento social, com foco em ações políticas, ou se
corresponde a um nicho de mercado, com grandes potencialidades comerciais, para onde
conseqüentemente afluem grandes atores. Como movimento, em vez de nicho, a lógica
principal do comércio justo é atribuir identidades e estabelecer solidariedades entre
compradores e vendedores, aparte de um mercado onde, pela definição consagrada,
110
predomina individualismo e egoísmo. Como movimento, o comércio justo está imbuído de
um objetivo maior, não se reduzindo ele mesmo num fim (ASTI, 2007).
Essa idéia de movimento transformador confere com o que prega Lisboa (2004).
Trabalhando com o tema da Economia Solidária, onde no Brasil se enquadra o Comércio
Justo, o autor percebe o mercado “não abstrata e miticamente, mas como uma construção
humana com papel historicamente civilizador que assume peculiaridades conforme época e
lugar” (idem, p. 20). Defendendo um papel histórico para a Economia Solidária, Lisboa
afirma que “assim como a ascensão do capitalismo modificou o funcionamento dos mercados,
fazendo surgir a hegemonia do princípio das trocas individualistas e competitivas (onde um
ganha e outros perdem), o advento da ES também está a modificar, mais uma vez, o mercado,
reinstaurando as trocas cooperativas, complementares e sinérgicas onde todos ganham”
(ibidem).
Antes de debater até que ponto o comércio justo consegue se afirmar como a
contracorrente proposta por algumas de suas tendências, vale a pena se estender um pouco
mais sobre os mercados e a mercadoria. Uma primeira consideração a fazer é a de que a
mercadoria e os mercados são realidades anteriores ao modo de produção capitalista, isto é,
têm servido para satisfazer necessidades humanas em outros contextos históricos. Le Goff
(1997, p.25) se refere à cidade como uma sociedade abundante, onde se realiza uma “festa da
troca”, mostrando como, na Idade Média, a cidade era “um lugar de produção e de trocas em
que se mesclam o artesanato e o comércio alimentados por uma economia monetária”. O que
é próprio ao modo de produção capitalista é a economia de mercado, que funciona na
chamada sociedade de mercado, cujas origens, como argumenta Polanyi (2000), está na
Revolução Industrial, cujo berço, na primeira metade do século XIX, foi a Inglaterra. Até
então, o sistema econômico era imerso no sistema social, que com suas tradições e normas
regulava o mercado, inclusive quanto à vigência do que então se considerava preços justos, e
não o inverso. Em outras palavras, na sociedade em que vivemos, inaugurada com a
Revolução Industrial, "ao invés da economia estar embutida nas relações sociais, são as
relações sociais que estão embutidas no sistema econômico" (Polanyi, 2000, apud Lisboa,
2000).
O comércio, afirma Hunt (1982, p.35), “existiu ao longo de toda a era feudal”,
remontando às cruzadas que, a partir do século XI lhe deram força. Assim como grandes
feiras comerciais floresceram do século XII ao século XIV com os árabes e os vikings
111
(ibidem). É só quando o mercado e a busca do lucro substituem as tradições feudais como
princípios organizadores do sistema econômico e social que surge o sistema capitalista, que
passa a controlar o processo de produção e cada vez mais a própria vida social. Daí a
instituição do mercado auto-regulado pela lei da oferta e procura, que leva em conta apenas as
mercadorias, ou coisas, e não as pessoas que a produziram. Isso considerado, a grande
novidade do comércio justo seria não só reeditar uma forma de mercado socialmente
controlada, mas também de considerar e fazer justiça aos produtores do Sul, que mais que
apenas realizar valores de troca querem reproduzir suas vidas culturais e materiais.
Vale dizer que o mercado, essa instituição onde o comércio justo aninha-se, de acordo
a versão de nicho, ou contesta, na forma auto-regulada, na versão de movimento, precede e
pode transcender a realidade histórica do capitalismo, podendo-se assim pensá-lo como algo a
ser construído e estruturado conforme éticas e práxis diferentes das que despersonalizam as
relações entre produtores e consumidores. Ou seja, é válido imaginar “mercados como
produtos da interação social”, o que é muito diferente do mercado no capitalismo, proclamado
no singular, como “um mecanismo abstrato, acima da realidade e da vida social dos atores”
(ABRAMOVAY, 2004, p.59).
Portanto, enquanto nicho, o comércio justo propõe uma construção social teoricamente
viável, e, ademais, politicamente avançada, enquanto movimento social. Em outras palavras,
de acordo com a leitura de Lisboa sobre Polanyi, “advogar o primado da sociedade sobre a
economia como condição da sobrevivência da humanidade representa o fim da sociedade de
mercado, o que ‘não significa, de forma alguma, a ausência de mercados" (LISBOA, 2000,
p.8). Os princípios do comércio justo na versão de movimento condizem com essa forma de
mercado transcendente à ordem capitalista, onde se verifica o encontro de produtores e
consumidores exercendo livremente suas opções, o que é diferente da condição de meros
agentes econômicos encapsulados na férrea lei da oferta e procura.
O que distingue o modo capitalista de produção não é a aparência de que (conforme
diz Marx logo no início do capítulo sobre a mercadoria em O Capital) ele se constitua em um
“imenso arsenal de mercadorias” (MARX, 2001). A especificidade do capitalismo está na
forma como se processa a produção de mercadorias nesse regime. Ou seja, o trabalhador
trabalha sob controle do capitalista, significando que o seu trabalho não lhe pertence. Além
disso, o produto do trabalho é propriedade do capitalista, e não do produtor imediato, do
trabalhador. Esse regime de produção, que Polanyi compara a um moinho satânico, “que
112
triturou os homens transformando-os em massa” (POLANYI, 2000, p.51), retira do produtor
direto qualquer autonomia. Por outro lado, o comércio justo propõe conferir ao produtor
alguma capacidade de gestão sobre o que produzir e de que forma. Assim como propõe
garantir a ele algum grau de determinação dos preços a serem estabelecidos por seus produtos
no mercado.
O capitalista, para realizar a produção, compra tanto a força do trabalho como os
meios de produção. No modo capitalista, não basta produzir mercadorias, se requer também a
produção de mais-valia. Não basta produzir valor, importa produzir valor adicional, maisvalia. Nesse sentido o comércio justo se propõe como uma alternativa - não tanto na escala e
limites de um nicho, mas como movimento - à lógica dominante na produção de mercadorias.
Ou seja, se na sociedade de mercado o objetivo é produzir mais valor e acumular ganhos
monetários, o comércio justo teoricamente subverte essa lógica ao trabalhar o preço a ser pago
ao produtor conforme critérios que interessam à reprodução cultural e material da sua própria
vida. Para tanto o comércio justo faz valer conceitos como os de preço justo e preço mínimo.
Vale acrescentar que o consumidor consciente estaria disposto a pagar um prêmio ao
produtor, na forma de um acréscimo de preço, justificado como recurso para a melhoria de
vida nas comunidades onde se realiza a produção.
No comércio justo, pelo menos discursivamente, o produtor, a partir das suas
comunidades e organizado em associações e cooperativas, é dono do seu tempo e do resultado
do seu trabalho. Portanto, nessa condição ele foge da alienação típica do modo capitalista. Em
que medida isto se confirma na comercialização do seu produto, analisando as práticas
efetivas, e até que ponto o produtor realmente comparece como ator nas intermediações desse
processo, essas questões estão no cerne da discussão desse tópico. Se o mercado como
construção social é algo factível, vale a pena apontar contradições que frustram a idéia do
produtor como sujeito nos nichos de mercado criados pelo comércio justo. O confronto entre
discurso e práticas é relevante porque o comércio justo representa algo viável dentro de um
ideal de mundo novo, e é preciso cuidar para que suas práticas não se deteriorem em função
de relações de poder desequilibradas dentro do nicho.
Por outro lado, como movimento, o comércio justo representa uma expectativa porque
comparece como um instrumento de superação de uma sociedade iníqua que combina
crescente abundância com pobreza cada vez mais disseminada. Isso, formulado de outra
maneira, corresponde à tese de Galeano, segundo a qual o desenvolvimento produz o
113
subdesenvolvimento, lógica perversa que tem tudo a ver com o funcionamento do mercado
capitalista. O próprio Galeano reporta uma fala de um coordenador da Aliança para o
Progresso, datada de 1968, que dizia “hoje, falar de preço justo é um conceito medieval.
Estamos em plena época do livre comércio” (GALEANO, 1997). Lisboa (2000) corrobora a
tese ao afirmar: “a superação da pobreza reside no fortalecimento da autonomia culturaleconômica das comunidades (empowerment) ditas carentes e na melhora do uso comunal dos
comuns recursos naturais, ao contrário da proposta do paradigma econômico vigente de
atrelar a sobrevivência dos pobres ao crescimento da economia industrial”.
Contudo, nas hostes do comércio justo, há uma luta interna entre os que buscam de
fato revelar o sujeito homem por trás da mercadoria e os que aderem a pragmatismos
mercadológicos, deixando de lado éticas que estão na própria razão de ser do movimento. Ou
seja, diferentes tendências concorrem entre si dentro do movimento original, que arrisca se
tornar um simples nicho de mercado, muito do resultado desse embate dependendo do
discernimento do consumidor consciente.
A mercadoria no comércio justo: uma alternativa ao fetichismo? é levantada em
função de práticas contraditórias que supõem que, mesmo no comércio justo, a mercadoria
continue a exercer seu fetiche, faz sentido voltar à mercadoria em Marx. A despeito de
soluções de marketing afeitas ao mercado maior, ou ao campo no sentido que Bourdieu dá à
palavra, onde se insere o nicho, a mercadoria no comércio justo quase sempre foge da
condição mistificadora de encobrir o produtor por trás dela. Isso porque a própria identidade
do produtor representa um apelo de vendas. Contudo, casos há em que o produtor é
deliberadamente omitido em função de uma marca com mais apelo comercial. E não se pode
também afirmar a ausência de dominação no ambiente do comércio justo, onde, entretanto, é
possível distinguir bem os atores nas relações de poder a que se submete o produtor. Não se
trata, pois, daquela dominação impessoal típica exercida pelas relações econômicas sobre os
agentes da sociedade capitalista, conforme a formulação marxista, mas, de todo modo, no
ambiente do comércio justo, sob a aparência de igualdade entre os que dele participam, há de
fato uma essência de desigualdade.
O comércio justo, pressupondo relações diretas, pretende revelar e evidenciar o
trabalho humano por trás da mercadoria. Propõe valorizar o trabalho humano e o fazer
reconhecido através das mercadorias produzidas, com a colocação de selos de origem,
etiquetas e rótulos que informam como se dá o processo de produção. Porém, apesar da
114
eficiente organização voltada à materialização de um discurso bem definido, ocorrem fatos
contraditórios à lógica discursiva do comércio justo, fatos estes mais coerentes com as
práticas comerciais tradicionais. Como exemplo, podemos citar a substituição de logomarcas
das cooperativas dos produtores por marcas européias mais conhecidas e por isso
consideradas mais fortes no mercado109. Essa prática faz com que haja prejuízo de um dos
conceitos básicos do comércio justo, que é a valorização do produtor e das suas origens. Essa
mistificação rompe a relação de pertencimento da mercadoria para com um lugar,
fundamental para a permanência do produtor ali, onde ele produz, com a sua tipicidade e seus
valores de territorialidade.
Além disso, para alcançar o consumidor, muitas empresas e centrais de importação
deixam para trás um dos princípios que compõem a razão de ser de uma das ideologias - no
sentido gramsciano de concepção de mundo - que caracterizam o comércio justo: a
transparência. Informações sobre a origem dos produtos e suas respectivas organizações de
produtores dão lugar a sofisticadas embalagens com motivos étnicos estilizados e a selos
próprios. Devido ao crescimento da demanda acima da capacidade de operação das
certificadoras e das distribuidoras especializadas, muitos selos são criados e apostos a
produtos cuja origem não é bem identificada, seja por distribuidoras, seja por grandes redes de
varejo, para que esse novo nicho de mercado seja usufruído. Cada vez mais, parece ocorrer
uma diminuição de informações sobre a destinação dos lucros, fazendo com que a relação
mais direta possível entre produtor e consumidor, caracterizada como a lógica “oficial” do
comércio justo, esteja perigosamente ameaçada. Acrescenta-se a isso o fato de que “muitos
movimentos investiram demais em marketing, em lojas, em administração, em
desenvolvimento de marcas e agora não estão conseguindo pagar as próprias contas, acabando
por tomar atitudes contraditórias com os próprios princípios do comércio ético e solidários
para poder equilibrar o caixa, como cobrar auditorias dos produtores (...) entre outras
práticas”, (SAMPAIO; PRADA, 2003 p.48).
Como se sabe, na análise do fetichismo, pode-se considerar dois aspectos: o da
mistificação e o da dominação. No primeiro as relações entre os homens adquirem uma forma
fantástica de uma relação de coisas entre si; no segundo aspecto, o movimento social toma a
forma de um movimento de coisas que conduz os homens. O fetichismo da mercadoria surge
109
É o caso da empresa francesa AlterEco, cuja estratégia comercial é vender os produtos do Comércio Justo em
grandes redes de varejo usando a sua própria marca. A AlterEco é registrada na FLO, é membro do WFTO e faz
parte da plataforma francesa de Comércio Justo.
115
na situação em que a economia política burguesa desistoriciza o valor, que é uma realidade
histórica específica, considerando a forma impessoal das relações sociais capitalistas como
um estado de coisa natural (GERAS, 1977, p.268-269). A rigor, as práticas contraditórias do
Comércio Justo não se enquadram nestas definições. O que não exclui a necessidade de
desnaturalizar as relações de dominação que ocorrem dentro de um ambiente que estabelece
uma hierarquia de poderes, onde dificilmente o produtor territorializado no Sul do mundo tem
o poder de agência, no sentido que Giddens (1989) dá à palavra, de ser um ator capaz de
influenciar o mundo social.
As contradições do comércio justo não excluem o risco de perda da identidade dos
produtos, na medida em que os interesses econômicos que controlam o comércio justo
impõem a forma típica impessoal do capitalismo. Isso sim, ocorrendo, significaria uma
sentença de morte, ao fazer com que a forma idealista do fair trade recaísse na mera condição
de ser apenas um nicho dentro do campo do comércio internacional. Até que ponto isso é uma
tendência ou se ocorre apenas como episódios isolados dentro de uma rede que aparentemente
luta para se preservar segundo seus ideais de origem é uma questão que o tempo vai
responder.
Buscando uma resposta ponderada à questão, podemos dizer que o comércio justo por
princípio busca promover a transparência e o controle social sobre os mercados que ele
delimita, ma non troppo, como diriam os italianos, considerando-se as práticas. Assim como
Lisboa (2004) em suas considerações sobre a Economia Solidária, podemos dizer que também
no Comércio Justo, na prática, algum grau de fetiche sempre há. Na estreita fronteira que
separa movimento social de nicho de mercado, o comércio justo se equilibra.
Nesse contexto, qualquer esforço para incluir produtos da Amazônia na rede do
comércio justo irá requerer planejamento para um eficaz trabalho de qualificação de produtos
e de produtores. Enquanto comércio que é, o problema central será sempre o da realização da
mercadoria, o que deve implicar inclusive certos esforços de marketing, melhor dizer estudos
para a realização de vendas em um mercado de consumidores especiais, porque bem
informados ideologicamente. Nessa ótica, pode significar uma estratégia interessante para
inserir com sucesso mercadorias nesse mercado peculiar enfatizar a identidade territorial dos
produtos, sua origem amazônica. A imagem do caboclo produtor ou do índio, no seu lugar de
trabalho acrescenta um determinado valor aos produtos. Assim, é parte dessa estratégia
comunicar ao mundo a luta de movimentos que buscam garantir territórios, onde se produz
116
com qualidade em relação cordial com a natureza. O consumidor consciente irá valorizar
tanto o produto como o percurso alternativo de sua produção, em uma periferia que
tradicionalmente exporta commodities, isso sim um mercado que conjuga no mesmo processo
desenvolvimento e subdesenvolvimento. Uma opção pelo comércio justo como movimento,
portanto.
3.2 – Destrinchando o Preço Justo?
O movimento do Comércio Justo nasceu com o escopo de fazer justiça no comércio,
através do pagamento aos produtores de um preço justo pelos seus produtos. Porém, até hoje
não existe uma definição clara do que consiste o preço justo ou mesmo uma formulação
difundida entre os produtores do que seja isso. Preço Justo, como assim? No comércio justo o
preço justo pressupõe uma cifra que garanta a satisfação das necessidades de reprodução
material e cultural dos produtores, ou seja, que garanta direitos a eles, como acesso a uma
alimentação saudável, habitação, saúde, educação e lazer.
A questão do preço justo está tão entranhada no conceito de comércio justo que, seja
qual for a organização que trabalhe sob seus critérios, esta acaba contemplando em seus
estatutos o respeito ao preço justo como uma das principais normas para a efetivação da
compra. Para a WFTO (World Fair Trade Organization), no V princípio do movimento110, o
preço justo é aquele que
nos contextos regionais e locais foi definido através de diálogo e
participação. Além dos custos de produção ele deve permitir uma produção
socialmente justa e ambientalmente correta. Isso promove pagamento justo
ao produtor levando em consideração a igualdade entre o trabalho de homens
e mulheres. Importadores garantem pagamento imediato a seus parceiros e
sempre que possível ajudam produtores a pré-financiar a produção. (WFTO,
2009)
Essa é uma definição um tanto vaga, na qual o preço justo é decidido através do
diálogo com os produtores. Já a Transfair USA, que é membro da FLO International, o define
de forma ainda mais reduzida, dizendo que “o preço justo significa que os agricultores podem
alimentar as suas famílias e que as crianças podem ir à escola em vez de trabalhar nos
campos”. Na verdade, o preço justo deve permitir uma melhor distribuição de valor nas
cadeias produtivas, onde os critérios para a formação de preços sejam estabelecidos através de
acordos.
110
Conforme o elenco de princípios informados no I Capítulo, especificamente no tópico Princípios Norteadores.
117
Razeto (2007), no artigo “Aportes a la Reflexión sobre ‘precio justo’”, considera que
existem dois enfoques em relação à formação de preços: o economicista e o ético111. A
abordagem economicista considera que os preços dos bens e serviços, bem como o dos fatores
produtivos, são estabelecidos pelo mercado de forma automática, independente da vontade
das pessoas, se baseando em leis objetivas como as da oferta e da procura, da eficiência e da
competência. Nesse enfoque, os produtores para incrementar suas vendas devem aumentar sua
eficiência e tornarem-se mais competitivos.
A abordagem ética considera que o mercado, da maneira em que é constituído, é
injusto, pois castiga sempre os mais pobres, favorecendo o detentor de dinheiro e capital, e
prejudicando constantemente trabalhadores e consumidores. Por isso, essa abordagem se
preocupa em introduzir a ética na fixação dos preços, para que eles sejam justos, através de
transações dentro de um comércio solidário (idem). Para a determinação dos preços justos se
lança mão de uma série de critérios e normas como os custos de produção, a necessidade de
pagamentos dignos, a criação de estímulos que favoreçam os mais fracos, entre outros.
De acordo com Razeto (2007) o enfoque economicista é consistentemente
racionalista, enquanto o enfoque ético é marcadamente voluntarista. O primeiro considera que
o preço é algo inerente ao produto e que tem um valor de mercado. Já o enfoque ético
considera que o preço do produto pode ser modificado pela decisão do sujeito que fixa o
preço. O autor propõe um terceiro enfoque, chamado de teoria econômica compreensiva, na
perspectiva de uma teoria capaz de fundamentar a proposta de uma economia de
solidariedade.
Este enfoque considera a economia como um processo socialmente construído e o
mercado como um sistema de relações sociais no qual os participantes tomam decisões de
acordo com suas concepções éticas, seus valores, seus conhecimentos sociais, e suas opções
culturais e espirituais. De acordo com essa abordagem os preços se formam dentro de uma
relação entre sujeitos e são estabelecidos no momento em que ambos os participantes, de uma
relação de compra e venda, chegam a um acordo de preço conveniente para todos.
Assim, no Comércio Justo prima-se pela definição de uma cifra que leve em
consideração os aspectos morais relacionados aos aspectos econômicos, e que não seja
simplesmente um resultado de um cálculo de custo e preço. Deste modo, o preço justo não é
111
Chamado por ele na sua língua, a espanhola, de eticista.
118
definido pelas forças de mercado, mas sim pela consideração das necessidades dos produtores
que obedecem aos critérios do Comércio Justo (ASTI, 2007). Esse modo diferenciado de
definir preços possui um caráter mais distributivo que concentrador (VOITURIEZ at al, 2002
apud ASTI, 2007).
Aqui não é um sujeito individual que decide a que preço comprar ou vender um
produto, mas tudo se define e se estabelece por uma negociação. Na verdade, o preço justo
tem o papel de redistribuir valor nas cadeias produtivas, onde os critérios para a formação de
preços sejam estabelecidos através de acordos (ASTI, 2007). È como considera Paul Singer
(s/d, p.1)
A justiça ou injustiça nos preços consiste no montante de renda que eles
determinam para cada agente. Não tem sentido falar de preços mais ou menos
justos, a não ser em função das rendas que eles determinam para diferentes
agentes. A justiça que almejamos está na relativa igualdade de ganhos dos
vários agentes que participam do mercado.
Tal distribuição que caracterizaria uma igualdade de ganhos das várias partes
envolvidas na cadeia produtiva, no Comércio Justo não é alcançada através de fórmulas
prontas. Mas sim através de negociações que nem sempre são fáceis. Um exemplo é o que
acontece com o guaraná dos Sateré-Mawé112, relatado por Maurizio Fraboni113, assessor
técnico do projeto Guaraná. Os Sateré-Mawé têm como parceiro comercial a gigante
importadora italiana de Comércio Justo CTM Altromercato. Para Maurizio, na CTM, por
exemplo, apesar de ser um grande parceiro, a máquina é complicada porque deve ser
negociado o preço sem se negociar a quantidade, sem negociar o marketing, sem negociar a
cooperação, sendo que cada coisa tem que ser discutida com uma pessoa encarregada
diferente. Enfim, para ele, acaba sendo mais fácil tratar com um parceiro empresarial de
comércio “não justo” tradicional, mas com quem é possível negociar definindo juntos uma
estratégia, já que tendo poder de negócio é possível fechar um bom acordo. Ainda Maurizio
considera que:
no Comércio Justo temos muitos direitos, mas não temos a possibilidade de
montar uma estratégia bem feita, porque a máquina é ‘irracional’,
extremamente burocrática, porque é o produtor que decide o preço. Porém na
maioria das vezes o produtor não tem conhecimento nenhum do comércio lá
fora, do que ele pode negociar.
112
113
Projeto que será detalhado no último capítulo.
Depoimento recolhido em trecho de entrevista semi estruturada transcrita, no segundo semestre de 2007.
119
Geralmente ocorre que, depois de um longo processo, os produtores cheguem à
definição de um preço adequado. Informam finalmente à CTM e em seguida eles esperam que
na CTM se reúna uma comissão, que por sua vez acaba chegando à conclusão de que o preço
proposto é justo, mas é caro, e assim todo o processo deve ser recomeçado.
“Não temos que ter medo de fazer uma negociação, dentro de padrões, mas afinal de
contas é mercado. É grande o peso ideológico por trás, o que acaba sendo um empecilho,
porque essa ideologia, no caso guaraná é inadequada à realidade” afirma Maurizio. Os Sateré
Mawé e a equipe do projeto não podem trabalhar com a CTM uma estratégia de promoção do
produto. De acordo com Maurizio, a CTM vende o guaraná dos Sateré, sem informar que ele
é considerado o melhor do mundo e ainda assim conseguem vender a um preço baixo para
favorecer nichos de consumidores. De acordo com Maurizio, é indispensável informar aos
consumidores sobre a legitimidade do guaraná dos Sateré-Mawé, para entenderem a
verdadeira diferença entre esse guaraná e aqueles vendidos nas farmácias, que tem uma
qualidade muito inferior.
Portanto, nas negociações referentes a definições de preços justos para produtos, devese levar em consideração não apenas os critérios relacionados às garantias de direitos mínimos
dos produtores, mas sim a possibilidade da valorização do produto em si, prestando ao
consumidor todas as informações sobre ele, para que ocorra um verdadeiro incremento nas
vendas. Os produtores ao mesmo tempo em que buscam melhorar suas produções, desejam
também que, aliada a essa melhoria, seja desenvolvida uma estratégia de marketing que
garanta ao produto uma justa agregação de valor. Não é simplesmente o pagamento de um
preço superior ao do mercado por pura solidariedade. Aqui voltamos ao ponto que foi
discutido no tópico “Os produtores”, no capítulo anterior: os produtores não querem ser vistos
como “coitadinhos”, mas lutam para que o valor do seu produto seja reconhecido, seja porque
é biológico, tem uma forte raiz cultural, um modo tradicional e único de se produzir, entre
outros aspectos.
Há que se considerar que a questão de definição de preço para o pequeno produtor é
difícil até mesmo quando se trata de estabelecê-lo para o mercado convencional. O Sebrae,
dentro do leque de cursos que dispõe, oferece o curso “Formação de Preços”. A micro
produtora de biojóias114 Maria Cardoso, de Abaetetuba115 (PA), afirma que já havia feito
114
As biojóias são caracterizadas pela união de metais preciosos a outros elementos naturais como sementes,
madrepérolas, cascas de madeira, entre outros.
120
quatro vezes esse curso e que até então não sabia como definir o preço para seus produtos
com propriedade, já que cada peça é única, implicando um tempo de trabalho especifico e
insumos diferenciados.
Paul Singer, no artigo “O Preço Justo no Comércio Justo”, nos oferece reflexões de
como poderia ser formado um preço justo. De uma forma simplificada, o autor nos explica
que “o ganho de cada agente resulta da diferença entre os preços que paga ao vendedor e os
que cobra do comprador”. Ele decide livremente abstrair outros fatores que interferem no
ganho dos agentes, como a produtividade de cada um, a tecnologia que emprega, etc.,
supondo que estes sejam fixos, sendo os preços os únicos fatores variáveis. Considerando
implicitamente a teoria marxista de que o valor é determinado pelo tempo de trabalho
socialmente necessário, Singer supõe que todos os agentes sejam ao mesmo tempo produtores
e consumidores e que, deste modo, os preços seriam justos se fossem proporcionais ao
número de horas de trabalho que cada um consumiu. Mas, ainda há que se considerar os
insumos produzidos por outros agentes. Então os preços para serem justos deveriam resultar
da soma de horas trabalhadas pelo produtor final e das horas trabalhadas pelos produtores dos
demais insumos requeridos pelo produtor final. Nesse intrincado processo de formação de
preços, difícil será o produtor, que em geral não entende de economia avançada, acompanhar
o raciocínio.
Contudo, Singer ainda considera que este é um modelo simplificado de definição de
preços justos e que ademais é preciso incluir o custo de capital116, considerando que ele é
qualitativamente diferente do custo de trabalho.
Ele lembra que dentro dos valores da
Economia Solidária só o trabalho produz valor, portanto se poderia argumentar que o custo de
capital não deveria ser cobrado. Mas, como o próprio Singer (s/d, p.3) afirma:
Suponhamos que queiramos desenvolver uma metodologia de determinação
de preços justos para um sistema nacional de comércio justo e solidário,
abrangendo dezenas de milhares de empreendimentos de economia solidária
(EES), a grande maioria sendo desprovida de capital próprio. Esta é
provavelmente a situação da economia solidária no Brasil de hoje. Estes EES
ou alugam o maquinário e instalações ou os estão adquirindo através de
financiamento a juros. De uma forma ou de outra essa massa de EES tem um
custo de capital nada desprezível, que dificilmente pode ser ignorado quando
do cálculo dos preços
115
Em depoimento espontâneo em 2008.
Sendo o sistema capitalista, é preciso distinguir o custo de capital de depreciação. O capitalista não cobra
somente pela depreciação, porque deste modo não teria lucro, que deve ser proporcional ao valor do capital.
116
121
Além disso, Singer defende que é preciso considerar no cálculo de preços justos os
custos que incidem em proporções diferentes sobre o valor produzido pelas horas de trabalho.
O processo pode envolver outros custos como os royalties pelo uso de patente ou marcas, ou
mesmo a contratação de profissionais especializados como consultores financeiros, jurídicos,
de marketing, entre outros. Aqui retomamos com uma declaração de Maurizio, do projeto
guaraná:
Por exemplo, a questão do marketing: o movimento Comércio Justo não faz
marketing dos produtos, mas sim do próprio Comércio Justo. Porém os
produtores precisam explicar o que fazem, como produzem, qual o significado
do produto, como atuam em prol da preservação da Amazônia e as ações
sociais desenvolvidas por eles. Não é somente pagar aqueles 50% a mais para
tornar a vida deles mais digna, é valorizar a questão da ecologia, da questão do
banco genético do guaraná, da preservação da Amazônia que significa, dentro
desse contexto, fazer uma barreira à chegada das multinacionais com clones
das plantas, com os transgênicos, que acabam por destruir todo o potencial de
produção das comunidades e também os mercados que elas atingiriam.
Ou seja, Maurizio fala de custos que não estão sendo considerados para a definição do
preço justo, e que Singer acima afirmou não poderem ser ignorados. Mas, aqui encontramos
uma nova dificuldade: como fazer com que o preço, levando em consideração essa gama de
aspectos, ainda seja competitivo no mercado? Voituriez at al (2002 apud, ASTI, 2007) afirma
que no preço justo está inserida a questão da redistribuição de valor para os pequenos
produtores, que acaba reduzindo riscos e incertezas e aumentando as possibilidades de
aquisição de financiamentos, desenvolvendo assim sua capacidade tecnológica e de
produtividade, o que conseqüentemente faz com que haja a tendência de o preço justo ser
maior que o de mercado.
Apesar dos produtos de Comércio Justo tenderem a ter preços mais elevados, cada vez
mais se consegue um equilíbrio que faz com que esses produtos se tornem mais competitivos.
Se a princípio as pequenas organizações de Comércio Justo sofriam para encontrar meios de
reduzir custos, provendo os produtores de uma melhor remuneração, e não onerando o
consumidor final, atualmente as importadoras cresceram e se tornaram mais eficientes,
estabelecendo parcerias e realizando importações conjuntas. Aliado a isso houve o
crescimento da economia de escala, com um significativo melhoramento da produção, que
dotam os produtos de grande qualidade, como a produção orgânica e biológica. Tudo isso faz
com que o preço ao consumidor final não esteja fora da realidade do mercado. Nesse caso o
preço justo pressupõe um preço mais próximo do seu valor real, ou seja, significa que o
122
consumidor de um produto do comércio justo não encontra preços distorcidos pela
especulação, por intermediários desnecessários, ou por outros fatores inflacionários.
Bem, certamente ao fim desse tópico não parece claro que o preço justo no Comércio
Justo tenha sido destrinchado. Essa discussão é por demais complexa e inconclusiva, inclusive
para economistas que lidam com o tema. O que dizer então para o produtor que não reúne
informações e conhecimentos para cálculos tão extensos e detalhados. Trata-se, em suma, de
uma discussão essencialmente teórica. No sentido de faciliar a interlocução entre as partes, é
possível que mais ético e racional seja considerar a formação do preço justo com dois
componentes básicos. A necessidade de reprodução do produtor, o que inclui suas condições
de vida e a possibilidade dele agregar novas tecnologias e melhorar a qualidade do seu
produto, e a possibilidade de realização da mercadoria no mercado, porque afinal de contas
não faz sentido produzir para a mercadoria mofar nos estoques ou prateleiras. Se um dos
pilares do comércio justo é a ética, um atributo importante no processo de formação de preços
é o controle disso por parte do produtor.
Felizmente as práticas, mesmo aquelas que enfrentam muitas burocracias, são menos
intrincadas que essas discussões teóricas, ainda que o resultado do diálogo entre produtor e
comprador (aqui entendido como as organizações do Comércio Justo que realizam as
importações), que efetivamente define o preço a ser praticado, encerre toda uma possibilidade
de interpretações e cálculos. Conforme Guadagnucci; Gavelli (2004), para o Comércio Justo
nos dias de hoje, o preço justo varia de produto a produto. Apenas alguns produtos com selo
FLO dispõem de um preço base, que faz referência às condições de vida locais dos
produtores. Em todos os outros casos, que perfazem a maioria dos produtos, os preços são
acordados entre os importadore e os produtores, e nem sempre as condições solicitadas pelos
produtores são acatadas. Ocorre muitas vezes de os importadores realizarem compensações,
que afinal recaem sobre alguns produtores, que acabam por receber menos por seus produtos,
para ajudar outros, especialmente produtores latino-americanos, que enfrentam custos
superiores e condições de produção adversas. Isso coloca, conforme a expressão dos autores,
uma possibilidade de as importadoras “pilotarem” os preços. Enfim, mais do que
racionalidade, vigora no Comércio Justo o voluntarismo na formulação dos preços.
123
3.3 – O papel do Estado: conectando o consumo à produção familiar
As atuais políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento da pequena produção
brasileira afirmam o papel do Estado como provedor de bens públicos relacionados às
necessidades da população. Devido ao poder de controlar o mercado das compras públicas, o
Estado é um sujeito capaz de elaborar sistemas socioeconômicos que correspondam ao
fortalecimento da agricultura familiar e que garantam a segurança alimentar e nutricional da
sociedade. A elaboração destes sistemas e a implementação de políticas públicas podem estar
perfeitamente em sintonia com os princípios da Economia Solidária e do Comércio Justo, se
primarem pela união de justiça social, preservação ambiental e desenvolvimento econômico.
No Brasil, dentre os programas desenvolvidos pelo Governo, o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) executado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) merece destaque.
Existem outros Ministérios executando Programas de apoio à produção e consumo no
País, como o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), através do PRONAF, e o
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA). Além é
claro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (SENAES), conforme foi detalhado no primeiro capítulo e que
juntamente com o MDA e outros parceiros desenvolve o Programa de Promoção do Comércio
Justo e do Consumo Consciente: feiras em rede de economia solidária e agricultura familiar
no Brasil, o qual será detalhado iniciamente, pois é o mais específico para o desenvolvimento
do Comércio Justo. Optou-se aqui por abordar logo em seguida, exclusivamente o PAA,
coordenado pelo MDS, porque em termos de compras públicas é esse o programa que tem
gerado mais frutos para a Agricultura Familiar.
O apoio à realização de Feiras em Rede faz parte das atividades previstas na Ação de
Promoção do Consumo Responsável e Comércio Justo que compõem o Programa Economia
Solidária em Desenvolvimento tem o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego/Secretaria
Nacional de Economia Solidária (MTE/SENAES), Ministério do Desenvolvimento
Agrário/Secretaria de Desenvolvimento Territorial – Secretaria de Agricultura Familiar
(MDA/SDT/SAF). Além de outros parceiros, como o Fórum Brasileiro de Economia
Solidária (FBES), Fundação L’Hermitage/Instituto Marista de Solidariedade (IMS) e a
Fundação Banco do Brasil – FBB (BRASIL, 2007).
124
De acordo com o Termo de Referência “Feiras em Rede de Economia Solidária e
Agricultura Familiar no Brasil” (2007, p.2), as Feiras em Rede têm por objetivo promover e
estimular o consumo de bens e serviços produzidos pelos empreendimentos de economia
solidária e agricultura familiar, tendo em vista a capacidade que possuem estes
empreendimentos em gerar trabalho e renda e ao mesmo tempo distribuírem de forma justa a
riqueza que geram. Além disso, o documento considera que estes empreendimentos
participam ativamente na construção de uma nova dinâmica para o desenvolvimento
econômico e social do país.
Ainda o Termo de Referência considera que as Feiras em Rede constituem-se em
processos organizativos do movimento de economia solidária, realizadas de forma
participativa, coletiva e autogestionária, desde a concepção do projeto até a avaliação dos
resultados, e integram cinco dimensões estratégicas:
1.
A dimensão econômica traduz-se em ser um espaço de comercialização, tanto para
consumidores diretos como entre empreendimentos e no fechamento de acordos de negócios
para além do evento. Com isso, contribuem, por um lado, para ampliar os canais de
comercialização e estimular a fidelidade do consumo dos produtos da Economia Solidária e
Agricultura Familiar, e, por outro, resgatar a relação personalizada entre produtores/as e
consumidores/as;
2.
Na dimensão de fortalecimento da organização dos empreendimentos da
Economia Solidária e Agricultura Familiar, estes eventos contribuem na organização por
ramos de atividade, por redes de colaboração solidária, por cadeias e sistemas produtivos, e
entre estes, na perspectiva de fortalecer a organicidade política e econômica da Economia
Solidária e Agricultura Familiar em sua base territorial;
3. Já a dimensão da divulgação traduz-se na ampliação do conhecimento do conceito de
Economia Solidária (seus princípios, valores, plataforma, produtos, serviços e localização
para futuros negócios) para um público cada vez mais amplo no âmbito de realização dos
eventos. Os eventos têm uma identidade visual nacional que favorece a divulgação, bem como
fortalecimento da Campanha: Economia Solidária: outra economia acontece;
4. A dimensão de formação concretiza-se tanto na realização de oficinas, plenárias,
reuniões e seminários com as diversas temáticas técnicas e políticas, quanto na própria
preparação e execução das feiras, em rede, com forte protagonismo dos atores envolvidos:
empreendimentos solidários e agricultura familiar, entidades de assessoria e gestores públicos;
125
5. A dimensão ambiental manifesta-se na preocupação com relação aos impactos do
evento durante a sua organização e realização, que perpassa o uso de materiais não
descartáveis, existência de sistemas de coleta e reciclagem, fechamento de ciclos de uso de
água, a minimização do uso de embalagens, produtos químicos entre outros;
Tais dimensões estratégicas desdobram-se em doze características específicas, conforme,
segue:
1. Protagonismo dos empreendimentos na construção, divulgação, execução e avaliação
da Feira;
2. Espaço de exposição e comercialização de produtos e serviços dos empreendimentos
de economia solidária e da agricultura familiar;
3. Espaço para rodada de negócios entre os expositores e os diversos compradores;
4. Espaço de formação e informação aos participantes dos empreendimentos por meio de
oficinas temáticas;
5. Espaço de estímulo e divulgação do Consumo Responsável dos produtos e serviços em
exposição;
6. Exemplo de inclusão efetiva de responsabilidade ambiental em todas as dimensões da
feira;
7. Espaço de publicização e divulgação das ações das várias instituições (governamentais
ou não) e grupos da economia solidária;
8. Espaço de difusão conceitual e filosófica da economia solidária para o público em
geral;
9. Espaço para a realização de atividades artísticas e culturais por atores oriundos dos
movimentos organizados de cultura popular e regional, economia solidária e
agricultura familiar;
10. Espaço de realização de atividades de trocas solidárias com o uso de moedas sociais;
11. Espaço de fomento e divulgação da organização de cadeias produtivas e redes de
economia solidária e agricultura familiar;
12. Espaço de lazer e integração dos expositores e visitantes.
Existem várias modalidades de execução das Feiras em Rede, como as Feiras
Regionais ou Territoriais, as Feiras Estaduais, as Feiras Nacionais de Economia Solidária, as
Feiras Internacionais de Economia Solidária, as Feiras Setoriais de Integração Produção
Consumo, e as Feiras Permanentes ou Itinerantes.
126
Agora, em relação ao Programa de Aquisição de Alimentos, o seu Grupo Gestor é
coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e composto ainda
pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério do Desenvolvimento
Agrário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Fazenda e
Ministério da Educação e é responsável pela implementação do Programa, cujas diretrizes são
estabelecidas e publicadas em Resoluções.
O MDS tem como missão promover o desenvolvimento social e combater a fome
visando à inclusão e a promoção da cidadania, garantindo a segurança alimentar e nutricional,
uma renda mínima de cidadania e assistência integral às famílias117. Dentro do MDS, a
Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), é a responsável pela
implementação de políticas de Segurança Alimentar e Nutricional que estão ligadas ao
conjunto de estratégias Fome Zero118. Foi a partir do primeiro mandato do Presidente Luis
Inácio Lula da Silva, em 2003, que o governo federal tem investido em políticas pública s para
garantir, prioritariamente, aos mais pobres:
o acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer as
outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de
saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e
ambientalmente sustentáveis. (www.mds.gov.br, extraído em 10/06/09).
Para cumprir esse objetivo, o instrumento de articulação entre governo e sociedade
civil na proposição de diretrizes para as ações na área da alimentação e nutrição foi
restabelecido: o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Além
do mais, foi aprovada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), em
2006, reconhecendo o acesso à alimentação como direito do cidadão e responsabilidade do
Estado, e criando o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).
Na proposta do SISAN, as políticas de estímulo ao crescimento da produção
agroalimentar devem estar associadas à promoção de formas socialmente eqüitativas e
ambientalmente sustentáveis de ocupação do espaço agrário, valorização das culturas
117
Informações disponíveis no site www.mds.gov.br.
O FOME ZERO é uma estratégia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano à
alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção
da segurança alimentar e nutricional buscando a inclusão social e a conquista da cidadania da população mais
vulnerável à fome. Informações do site: www.fomezero.gov.br.
118
127
alimentares locais e regionais, enfrentamento da pobreza rural, e estímulo ao desenvolvimento
local e regional. A idéia consiste em reverter às tendências de consumo alimentar que
remetem a problemas e riscos associados a um padrão alimentar inadequado e promover
práticas alimentares saudáveis através de um modelo de consumo responsável.
O papel da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN) é
oferecer, programas, ações e serviços públicos em parceria com os Estados, Municípios e
Sociedade Civil. Dentre os programas ligados à SESAN, o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) é aquele que tem provocado um bom impacto na vida dos agricultores
familiares, inclusive aqueles envolvidos na Economia Solidária e no Comércio Justo e
Solidário. Para ultrapassar a burocracia dos processos licitatórios, muitos municípios
utilizaram o PAA para comprar produtos da agricultura familiar. De acordo com Mattei (2007
apud TRICHES; FROEHLICH, 2009), com o PAA criou-se um marco jurídico que
possibilitava uma maior presença do Estado no apoio aos processos de comercialização da
produção dos agricultores familiares, contribuindo para a sua sustentabilidade, para a
distribuição a grupos e pessoas em insegurança alimentar e para a contribuição na formação
de estoques estratégicos de alimentos no país.
O PAA foi criado em julho de 2003 e tem por finalidade incentivar a agricultura
familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de alimentos de produtos
agropecuários para pessoas em situação de insegurança alimentar e a formação de estoques
estratégicos. O Programa adquire alimentos, com isenção de licitação, por preços de
referência que não podem ser superiores nem inferiores aos praticados nos mercados
regionais, até o limite de R$ 3.500,00 ao ano por agricultor familiar que se enquadre no
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF119.
De acordo com o documento “PAA 5 anos: Balanços e Perspectivas” (2008) dentro do
PAA o caráter estruturante de processos e de sistemas locais se configura:
•
Na capacidade de promover a criação e organização de mercados locais e regionais
(institucional, regulados, cooperativos e alternativos) com a dinamização das
economias locais;
119 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF é um programa do Governo
Federal, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), através da Secretaria da Agricultura
Familiar (SAF) criado em 1995, com o intuito de atender de forma diferenciada os mini e pequenos produtores
rurais que desenvolvem suas atividades mediante emprego direto de sua força de trabalho e de sua família.
128
•
Na
promoção,
agricultores(as)
fortalecimento
familiares
e
das
empoderamento
organizações
da
das
rede
organizações
dos
socioassistencial
(beneficiários);
•
Na regulação e estabilização dos preços no mercado local e regional;
•
No estímulo à organização e à integração de sistemas locais de produção,
comercialização e consumo do mesmo modo que valoriza a transição e/ou a
adoção de sistemas de produção agroecológicos;
•
No favorecimento da integração entre programas, ações e projetos;
•
No estímulo da integração campo e cidade, entre agricultores(as) e consumidores.
Os alimentos adquiridos pelo Programa são destinados às pessoas em situação de
insegurança alimentar e nutricional, atendidas por programas sociais locais e demais cidadãos
em situação de risco alimentar, como indígenas, quilombolas, acampados da reforma agrária e
atingidos por barragens.
Opera com as modalidades de Compra Direta e Compra Antecipada Especial
(operacionalizadas pela CONAB120, mediante convênios com o MDS), visando à formação de
estoques estratégicos de Segurança Alimentar e Nutricional; Compra Direta Local
(operacionalizada inicialmente via Governos Estaduais e via Prefeituras Municipais desde
2005, ambos em convênios com o MDS), visando potencializar a capacidades local de
integrar produção alimentar e abastecimento alimentar da rede de proteção social. Até 2007, o
PAA beneficiou cerca de 114.914 agricultores familiares e assentados, com um investimento
de R$ 402,19 milhões, alcançando até o mês de setembro cerca de 6 milhões de pessoas em
1.698 municípios, conforme os quadros a seguir:
120 A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) é uma agência governamental responsável pela
coordenação de políticas públicas para a agricultura e o abastecimento, objetiva atender a demanda da população
por alimentos básicos. Faz parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
129
Gráfico 3: Número de agricultores familiares no PAA
Fonte: GASTEL, 2008
Gráfico 4: Execução financeira anual do PAA.
Fonte: GASTEL, 2008
Gráfico 5: Número de pessoas que receberam alimentos do PAA
130
Fonte: GASTEL, 2008
Dentro do PAA existe a modalidade Formação de Estoques que foi criada para
propiciar aos agricultores familiares instrumentos de apoio à comercialização de seus
produtos. É operada por meio de organizações, formadas por, no mínimo, 80% dos
sócios/filiados agricultores familiares enquadrados no Pronaf. Esse instrumento disponibiliza
recursos financeiros, a partir da emissão da Cédula de Produto Rural – CPR Estoque, para que
os grupos adquiram a produção de agricultores familiares sócios/filiados e formem estoques
para posterior comercialização, em condições mais favoráveis, seja pelo beneficiamento e
agregação de valor ao produto, seja por sua disponibilização em momentos mais oportunos
em termos de preços. O limite de recursos por organização é de R$ 1,5 milhão.
Além do mais, o MDS atuou também no fomento de programas governamentais
(Estados e Municípios) de produção e comercialização de alimentos, voltados à: a) produção,
a exemplo de hortas e lavouras comunitárias, viveiros e pomares; b) comercialização, via
mercados públicos e feiras livres para à venda direta dos produtos agroalimentares, “in
natura"
e
beneficiados/processados,
oriundos
de
empreendimentos
cooperativos/comunitários/familiares.
Em dezembro de 2005, o MDS por meio de Convênio com a FINEP, publicou uma
Chamada Pública de Projetos para municípios, instituições de ensino superior e organizações
não governamentais para a seleção de propostas e empreendimentos cooperativos solidários
de produção e comercialização de alimentos em regiões metropolitanas. Em 2004 e 2005,
131
destinou R$ 20 milhões para implantação de projetos, sendo formalizados 77 convênios com
municípios, beneficiando 113 mil famílias, englobando 1.280 hortas; 52 empreendimentos
cooperativos de beneficiamento/processamento; e 11 feiras livres. Para a Chamada Pública de
Projetos, foram destinados R$ 1,7 milhões.
Mascarenhas (2007) afirma que o PRONAF e a CONAB por serem instrumentos
baseados em políticas públicas são menos maleáveis às mudanças de governo. O autor
considera também que programas mais recentes, como os desenvolvidos pela SENAES e
algumas ações de outros Ministérios, mesmo que permaneçam em Governos futuros podem
ter os seus objetivos sacrificados pelo contingenciamento de verbas. Daí a importância do
“controle social” exercido pela sociedade civil organizada, tanto na formulação de políticas
públicas como na participação da promoção de mecanismos que garantam a continuidade dos
programas sociais. No âmbito do movimento do Comércio Justo brasileiro a reunião de
diversos atores, de outros movimentos sociais e do governo, na luta pela promulgação do
texto normativo que institucionalizaria o Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário
(SNCJS) significa, em termos governamentais, a garantia de continuidade dos esforços
referentes à implantação e viabilização desse sistema no país.
3.4 - O Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário: A institucionalização do
movimento no país
No Brasil, há alguns anos vem sendo construído por diversos atores da sociedade civil
o Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SNCJS). Esse sistema significa a
possibilidade de desatar o nó do mercado representado pela dificuldade do escoamento das
produções dos grupos de pequenos produtores. A elaboração deste sistema foi de caráter
participativo e pretende ser uma resposta ao principal problema apontado pelos
Empreendimentos Econômicos e Solidários brasileiros (EES), no Atlas de Economia
Solidária, que é a dificuldade de comercialização. A parcela significativa de 64% do total de
22.000 EES, reconhecidos e mapeados através do SIES, apontou a comercialização como a
maior dificuldade a ser superada para que os empreendimentos se consolidem.
O movimento do comércio justo apresenta possibilidades concretas para solucionar os
problemas relativos às dificuldades de comercialização dos Empreendimentos Econômicos e
Solidários. De forma que o comércio justo significa o acesso a canais de comercialização
132
alternativos, tanto nacionais como internacionais. A abertura desses canais para os EES
poderia garantir-lhes a sustentabilidade financeira, bem como a melhoria das suas capacidades
organizacionais.
Retomando um pouco a história, o movimento do comércio justo no Brasil ganhou
força a partir da formação e consolidação da plataforma FACES121 do Brasil122. Foi a
construção democrática123 da “Carta de Valores, Princípios e Critérios do Comércio Justo e
Solidário Brasileiro”, que incitou a realização de um seminário, em abril de 2006, organizado
por três redes ligadas ao Comércio Justo: FACES, ECOJUS124 e FBES125. Essa ação envolveu
diversos atores do movimento no Brasil, e na ocasião houve um consenso da sociedade civil
brasileira pela criação de um sistema público para o comércio justo (ZERBINI, 2008). Tal
sistema deveria ser reconhecido pelo governo como política social de desenvolvimento, e
deveria ser regulamentado a partir do reconhecimento dos seus valores, princípios e critérios.
Subitamente o governo brasileiro acolheu essa demanda através da Secretaria Nacional
de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da
Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Essas
instâncias formalizaram, em audiência pública, a criação do Grupo de Trabalho
Interministerial. Esse GT Interministerial foi formado por instituições tanto da sociedade civil
como da governamental, e tinha como missão formular e promulgar uma normativa pública
de regulamentação do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário – SNCJS (ZERBINI,
2008).
O Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário é um sistema ordenado de
parâmetros126, incluindo conceitos, princípios, critérios, atores, instâncias de controle e
gestão, organizados para promover relações comerciais de base justa e solidária, articulando e
integrando os Empreendimentos Econômicos Solidários de todo o território brasileiro
(BRASIL, 2006; FACES, s/d; ZERBINI & GOMES, 2008).
O Sistema Nacional está
formatado em um documento que reúne mecanismos de regulação e de fomento, com a
121
Fórum de Articulação do Comércio Justo e Solidário.
Conforme foi demonstrado no item 1.2.1
123
Conforme Zerbini (2008) no processo de construção da carta foram envolvidos mais de 300 atores nacionais
em 5 consultas públicas e mais de 30 empreendimentos em projetos de pesquisa e avaliação participativa.
124
Associação Brasileira de Empreendimentos de Comércio Justo e Solidário.
125
Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
126
Tais parâmetros estão baseados nos princípios reunidos na “Carta de Valores, Princípios e Critérios do
Comércio Justo e Solidário Brasileiro”, elencados no item 1.4 deste trabalho.
122
133
intenção de se transformar em uma política pública a partir da promulgação de uma lei que
deverá institucionalizá-lo.
Os objetivos do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário que estão instituídos
no Termo de Referência são:
1. Difundir o Comércio Justo e Solidário como um fluxo comercial diferenciado,
por meio da articulação e integração dos Empreendimentos Econômicos e
Solidários e demais agentes que participam do SNCJS;
2. Promover o estabelecimento de uma identidade nacional para o conceito e para
o exercício das práticas de Comércio Justo e Solidário no Brasil;
3. Divulgar produtos, processos, serviços e organizações que respeitam as normas
definidas no âmbito do SNCJS;
4. Favorecer a prática do preço justo para quem produz comercializa e consome
os produtos e serviços do Comércio Justo e Solidário;
5. Reconhecer diferentes mecanismos de garantia de credibilidade, adequados às
diferentes realidades sociais, territoriais e organizacionais, para a avaliação da
conformidade de produtos, processos, serviços e organização do Comércio
Justo e Solidário.
6. Subsidiar os Empreendimentos Econômicos e Solidários e demais participantes
com uma base nacional, estadual e territorial de informações em economia
solidária e em temas afins à comercialização;
7. Contribuir nos esforços públicos e privados, de promoção de ações de melhoria
às condições de comercialização dos Empreendimentos Econômicos e
Solidários, por meio de Bases de Serviço de Comercialização.
De acordo com a cartilha “O Comércio Justo e Solidário no Brasil”127, elaborada pelo
FACES, os critérios que norteiam o documento estão divididos em dois grupos: os
organizacionais e os relacionais. Os chamados critérios organizacionais são aqueles que
regulam as atividades internas de cada instituição participante. Já os critérios relacionais
pressupõem justamente a regulação da relação entre os diversos atores, ou seja, entre o
produtor, comerciante e consumidor. Os critérios organizacionais são:
127
Existe a versão impressa da Cartilha, mas também se encontra disponível on-line no site
www.facesdobrasil.org.br.
134
•
ser uma organização coletiva, de caráter supra-familiar, singular ou complexa,
cujos participantes ou sócios são trabalhadores do meio urbano e rural;
•
ter uma administração transparente e democrática, cumprir o seu estatuto e/ou
regimento interno, no que se refere às tomadas de decisão no gerenciamento de
recursos e na definição de suas políticas;
•
que os participantes ou sócios dessas organizações, exerçam coletivamente a
gestão das atividades econômicas e dos seus resultados;
•
ser uma organização permanente, considerando tanto os empreendimentos que
estão em funcionamento quanto aqueles que estão em processo de implantação,
desde que o grupo esteja constituído e as atividades econômicas definidas;
•
prevalecer a existência real e a vida regular da organização ao seu registro
legal;
•
realizar atividade de natureza econômica, podendo esta ser permanente ou
principal, porém devendo ser a “razão de ser” da organização;
•
respeitar
as
atividades
de
produção,
fabricação
ou
execução
de
produtos/serviços que devem ser realizados sobre todos os requisitos de
segurança e salubridade para aqueles que os desenvolvam;
•
não tolerar a exploração do trabalho infantil com menores de 16 anos em
qualquer atividade relacionada ao empreendimento, desde que seja como forma
de aprendizado, que freqüente a educação formal e que tenham garantido o
acesso ao lazer;
•
estimular ampla e eqüitativa participação das mulheres em todos os níveis e
atividades do processo produtivo e comercial;
•
garantir a não discriminação baseada em raça, religião, posição política,
procedência social, naturalidade, escolha sexual, geracional, estado civil e/ou
portadores (as) de necessidades especiais;
•
respeitar a legislação ambiental vigente, contribuindo, na sua área de atuação,
para a preservação e recuperação do meio ambiente;
•
reduzir o uso de insumos não renováveis, bem como a geração de resíduos de
processos, facilitar práticas de reutilização e reciclagem;
•
não utilizar material que contenha Organismos Geneticamente Modificados
(OGM) – transgênicos – para a composição ou fabricação de produtos do
Comércio Justo e Solidário;
135
•
não utilizar agrotóxicos das classes toxicológicas - “I- extremamente tóxico” e
“II- altamente tóxico”, e classe ambiental “I- Produto Altamente Perigoso” de
acordo com sistema AGROFIT do Ministério de Agricultura, Portaria 02/92 do
Ministério de Saúde, e Portaria Normativa IBAMA N° 84, de 15 de outubro de
1996, manter registro dos agrotóxicos comprados e utilizados pelo
empreendimento ou por seus associados;
•
estimular a produção de base agroecológica e orgânica, bem como, a utilização
de materiais biodegradáveis nos processos produtivos;
•
EES/CJS que vendem para consumidores finais devem ter no mínimo 51% da
sua carteira de produtos e/ou serviços provenientes de EES.
Já os critérios relacionais são:
•
que na composição dos preços prevaleçam relações de transparência, equilíbrio
e respeito entre as partes;
•
que os EES/CJS recebam um preço justo pelos seus produtos e/ou serviços,
que contabilize de forma equilibrada os custos de cada etapa do processo
produtivo, de distribuição e comercialização, garantindo uma valorização digna
da força de trabalho empregada nos mesmos;
•
que a venda sob consignação seja praticada somente de comum acordo entre os
EES/CJS envolvidos;
•
que o EES/CJS comprador não pratique esquema de “jóias” ou “luvas” para
acesso a mercados;
•
que se construam relações de longo prazo entre EES fornecedor e EES
comprador;
•
que o EES/CJS comprador, dentro do seu estabelecimento comercial ou na
internet, indique informações sobre os produtos, seu processo produtivo, quem
os produziu e sobre o Comércio Justo e Solidário;
•
que o EES/CJS comprador não explore a imagem e conhecimento de
comunidades tradicionais para fins de publicidade, sem a devida e expressa
autorização das mesmas;
•
que na venda para o consumidor final os EES-CJS não pratiquem “dumping”,
ou seja, não praticar preços abaixo do custo real, para competir ou atingir a
participação de outros participantes no comércio justo e solidário.
136
Até então foram elencados objetivos e critérios do Sistema Nacional de Comércio
Justo, mas é extremamente necessário esclarecer quem são os seus componentes. Portanto,
existem duas categorias principais de participantes, que devem ser orientadas por relações
comerciais de base justa e solidária, cada uma com determinados atributos e funções, são elas:
- Os Empreendimentos Econômicos e Solidários (EES) de produção, comercialização
e consumo, que são as organizações coletivas ou os empreendimentos que participam ou que
querem participar de relações de Comércio Justo e Solidário. Podem ser associações,
cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de troca, redes, centrais
e complexos cooperativos.
- Os Parceiros Colaboradores que são entidades e redes nacionais de apoio ao tema,
parceiros comerciais e organismos de avaliação de conformidade.
Ambas as tipologias têm papéis distintos e definidos e devem registrar-se ou habilitarse para fazer parte do Sistema Nacional de Comércio Justo. Os EES são os atores políticos de
toda a proposta, ou seja, os construtores da proposta, já os Parceiros Colaboradores são
aqueles que apóiam o Comércio Justo brasileiro.
Para a efetivação da participação no Sistema Nacional os EES devem habilitar-se na
categoria de “Selo Organizacional”. Este selo configura-se como um atestado de confiança e
identidade, pois identificam os EES como praticantes dos princípios e critérios
organizacionais do comércio justo e os identificam como incentivadores de uma nova
economia, que respeita o ambiente e o ser humano. A partir da habilitação, os EES de
produção, comercialização e consumo solidários, ganham o direito de utilizar o selo em
materiais de divulgação e comunicação como folders, panfletos, websites, catálogos, entre
outros. Também existe o “Selo de Produto/ou Serviço” que pressupõe que todos os atores
econômicos das cadeias de produção, comercialização ou serviço, cumprem os critérios
relacionais e organizacionais. Este selo pode ser inserido no rótulo ou embalagem dos
produtos e serviços destes sujeitos.
Para ter o direito da utilização de cada tipologia de selo é preciso cumprir
determinados procedimentos. Para acompanhar e operacionalizar tais procedimentos foi
criada uma Comissão Gestora Nacional do Sistema Nacional de Comércio Justo. Essa
Comissão é uma instância nacional de natureza tripartite, composta por representantes do
137
Governo Federal, das organizações de produtores, comerciantes e consumidores, e por
entidades de apoio e fomento do comércio justo, com a finalidade de:
1. Propor objetivos, diretrizes, metodologia e gestão do Sistema do Comércio Justo e
Solidário;
2. Aprovar a habilitação dos participantes definidos nas duas categorias no sistema;
3. Fornecer aos Organismos de Avaliação da conformidade (OAC) as listas dos
participantes habilitados;
4. Constituir espaço de diálogo das representações dos diversos atores institucionais e
sociais envolvidos no Comercio Justo e Solidário;
5. Subsidiar o desenvolvimento e aperfeiçoamento de instrumentos de controle e
qualidade do sistema Comércio Justo e Solidário;
6. Reconhecer a permanência dos organismos da avaliação da conformidade, por meio
dos organismos de acreditação;
7. Acompanhar a análise de resultados e disseminação das informações.
Segundo a Cartilha do Faces (2008), para se habilitar na categoria de Selo
Organizacional o EES deverá preencher, espontaneamente, um formulário especifico. A
Comissão Gestora Nacional tem o dever de tornar pública a solicitação, dando um prazo para
manifestações de terceiros sobre o pedido e a entidade que o fez. Superado esse período, a
Comissão avaliará o formulário e as possíveis manifestações que tenham ocorrido, aprovando
ou reprovando a habilitação. Somente se aprovada, a organização terá o direito de utilizar o
Selo Organizacional.
Já a obtenção do Selo de Produto compreende um percurso mais complexo. Não basta
aderir voluntariamente, como no caso do outro selo, mas é preciso que exista um sistema de
avaliação de conformidade128 em todas as etapas da cadeia produtiva. Para obter o direito os
EES devem procurar um organismo de avaliação de conformidade ou se engajarem na
construção de um sistema participativo de garantia na sua comunidade, território ou região. A
cartilha ainda informa que é um desafio colocar essa idéia em prática da maneira mais
inclusiva e solidária possível, pois ainda não existem experiências concretas desse tipo no
Brasil.
128
Avaliação da Conformidade é um processo sistematizado, a partir da aplicação individual ou combinada de
instrumentos e metodologias (requerimentos específicos), com o objetivo de propiciar, direta ou indiretamente,
adequado grau de confiança aos usuários e consumidores, em produtos processos, serviços ou organizações.
138
O Sistema Nacional de Comércio Justo prevê três129 formas de mecanismos de
avaliação de conformidade para a categoria de Selo de Produto, que são:
•
Certificação por Auditoria Externa: é a verificação da conformidade, com o
uso de ferramentas disponibilizadas e os padrões definidos pela International
Organisation for Standardisation (ISO), onde os EES passam por um período
de conversão, para providenciar os registros demandados, cumprir os
requerimentos e seguir os critérios estabelecidos na relação comercial
reconhecidos pelo SNCJS. Portanto, nesse mecanismo o organismo certificador
realiza o procedimento de avaliação de conformidade que significa uma
inspeção externa feita nas organizações e instalações, cabendo, de forma
centralizada a decisão final sobre a certificação pelo organismo certificador.
Dessa forma, conforme estabelece os procedimentos exigidos pela ISO, existe
a separação entre as funções de inspeção e certificação. Um exemplo é a
certificação do selo FLO.
•
Sistemas Participativos de Garantias (SPGs): consistem em um conjunto de
atividades desenvolvidas em determinada estrutura organizativa, regida por
princípios, normas de organização e de funcionamento, visando assegurar a
garantia de que um produto, processo ou serviço, foi submetido a uma
avaliação participativa da conformidade. Os SPGs têm como características
principais o Controle Social, a Participação e a Responsabilidade Solidária.
•
Declaração de EES-CJS Comprador ou de Fornecedor: é a garantia
passada diretamente pelo produtor e seu EES fornecedor ao consumidor na
forma de relacionamentos interpessoais. O parágrafo primeiro do artigo
terceiro da Lei 10.831/2003 reconhece a existência desse mecanismo de
garantia da qualidade permitindo que os produtores possam se enquadrar sem
modificação do seu padrão produtivo e comercial.
Para a promoção do Sistema Nacional de Comércio Justo a partir de 2007, o
FACES em parceria com a SENAES, executaram um projeto sob a gestão da Fundação
Banco do Brasil. O projeto objetivava promover o SNCJS através de ações de difusão, de
pesquisa e de articulação da base social para sua construção e consolidação. Foram
envolvidos neste processo mais de dois mil trabalhadores em 25 oficinas formativas e
129
Conforme estabelecido no Termo de Referência do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário.
139
visitas a campo, além da realização de 5 seminários regionais e 1 nacional. Para que todas
essas ações fossem cumpridas criaram-se coordenações nacionais130.
A FASE – PA foi a responsável pelo projeto na região Norte e ajudou a selecionar
as experiências envolvidas nas ações de pesquisa e formação, a partir de alguns critérios
gerais. Como as demais coordenações, a FASE – PA priorizou os casos em que as
organizações se identificassem com a proposta da Economia Solidária e ou do Comércio
Justo, e que envolvessem toda cadeia comercial, incluindo produtores, comerciantes e
consumidores. Foram cinco as experiências, que contribuíram para o projeto, selecionadas
na Região Norte, são elas:
•
COFRUTA – Cooperativa dos fruticultores de Abaetetuba: são 137 sócios que
produzem polpa de frutas, principalmente de acerola, taperebá, cupuaçu e açaí, para o
mercado local e regional. Produzem também sementes secas e fermentadas de
cupuaçu;
•
COPPALJ – Cooperativa dos Pequenos Produtores Extrativistas do Lago do Junco
LTDA: reúne 147 sócios divididos em oito cantinas comunitárias. Os trabalhadores
são associados e recebem várias capacitações. Os produtos são destinados ao mercado
externo, tendo uma mínima participação no mercado nacional;
•
ACS Amazônia – Associação de Certificação Socioparticipativa da Amazônia: tem a
missão de garantir um processo de certificação diferenciado que envolva instituições,
comunidades e consumidores, proporcionando a melhoria da qualidade de vida, a
auto-suficiência, a soberania alimentar e a equidade social, através da valorização
cultural e das relações socioambientais dos povos da Amazônia;
•
SAPOPEMA131 – Sociedade Amigos dos Povos da Floresta: seu principal produto é o
Guaraná orgânico e certificado. A Sapopema é um instrumento econômico, voltado
para a produção, comercialização e mútua cooperação de comunidades indígenas e
caboclas da Amazônia que constroem seu próprio desenvolvimento.
•
COOMFAMA – Cooperativa Mista da Agricultura Familiar de Marabá: conta com 76
sócios produtores da Agricultura Familiar e possui uma loja onde expõe e vende seus
produtos.
130
Região Sudeste – Instituto Kairós; Região Sul – DESER (Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e
Rurais; Região Norte – FASE – PA; Região Nordeste – Visão Mundial; e, Região Centro Oeste – Rede Cerrado.
131
Será tratada com mais profundidade no último capítulo, quando será exposto o projeto Guaraná dos Sateré
Mawé.
140
Ainda em setembro de 2008, a FACES do Brasil, a UNICAFES, a ECOJUS e o FBES
enviaram documento132 solicitando audiência pública com o Ministro do Trabalho e Emprego
Carlos Lupi, a fim de esclarecer encaminhamentos sobre a promulgação do texto normativo
do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário. Esclareceram que o texto normativo foi
entregue em fevereiro daquele mesmo ano à CONJUR (Consultoria Jurídica) daquele
Ministério, para análise e encaminhamento para promulgação. O documento que solicita a
audiência informa que:
o momento atual do comércio justo mundial – cada vez mais atento ao potencial do
mercado consumidor de países como Brasil, México, Índia e África do Sul - é
extremamente perigoso aos processos nacionais como o de nosso país. Sistemas
internacionais de certificação, empresas e grandes redes de supermercado vêm
sinalizando a intenção de iniciar processos privados para comercialização de produtos
de comércio justo, sem qualquer perspectiva de diálogo e respeito aos processos,
conceitos e realidades nacionais e, principalmente, aos grupos produtivos de base
solidária de nosso país que são a razão de todo este processo.
Até janeiro de 2009, na ocasião do Fórum Social Mundial, Fabíola Zerbini, secretária
executiva do FACES, informou que a efetiva promulgação do texto normativo ainda não
havia ocorrido e que até aquele momento o movimento social e as entidades da sociedade
civil envolvidas não haviam recebido nenhuma justificativa e nem mesmo haviam sido
contatados formalmente pelos representantes do Governo Federal.
3.5 – Os produtos amazônicos- dificuldades e possibilidades
É difícil explicar a escassa oferta de produtos amazônicos em uma megalópole como
São Paulo, onde existe uma variada oferta de produtos alimentícios do mundo inteiro. Talvez
isso se explique pela baixa capacidade de transformação dos produtos na Amazônia,
especialmente dos alimentares. Outra explicação é o desconhecimento dos sabores
amazônicos, pois é difícil consumir o que não se conhece. Porém, isso representa um círculo,
já que é impossível conhecer o que não é ofertado, e nesse caso não existe oferta porque não
há demanda, e conseqüentemente não há demanda porque os produtos são desconhecidos, já
que não foram ofertados.
De uns tempos para cá, um produto amazônico que conquistou o mercado foi o açaí.
Ele ficou conhecido e difundido, por suas capacidades energéticas, tanto no Brasil como no
exterior. Subitamente academias e lanchonetes passaram a vender açaí com grande sucesso.
Criaram-se até pontos de vendas específicos só de açaí. O produto ganhou fama e passou a ser
132
O referido documento encontra-se disponível no site http://www.fbes.org.br.
141
muito consumido, em outras regiões do país, porém a cultura típica do consumo de açaí não
foi preservada. Na Amazônia consome-se o açaí puro, geralmente misturado à farinha de
mandioca ou de tapioca, durante ou logo após as principais refeições, e por isso é reconhecido
mais como “sonífero” por facilitar a tradicional sesta do que como estimulante. No sudeste a
oferta deste alimento vem acompanhada de pedaços de frutas variadas, granola e cereais, mel,
cabendo ao cliente a combinação que mais lhe convém.
Neste caso o açaí, alimento natural e orgânico, consumido no resto do Brasil continua
a ser coletado pelos ribeirinhos, mas é processado pela grande indústria cabendo a ela, como a
qualquer empresa capitalista, a maior parte dos lucros. Apesar de garantir uma oportunidade
de melhoria de renda para as populações tradicionais, tudo poderia ser bem diferente se as
próprias comunidades tivessem a capacidade e principalmente os meios necessários para
processar o açaí. Apesar das dificuldades encontradas pelas organizações de agricultores
familiares locais, algumas conseguem se destacar. É o caso da COFRUTA, do município de
Abaetetuba – PA, que, como foi dito, foi uma das experiências selecionadas para o Projeto de
Promoção do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário e que merece aqui uma
descrição.
A COFRUTA133 (Cooperativa de Agricultores de Abaetetuba) foi inaugurada em
março de 2002 e atualmente possui 137 sócios. Vem sendo incubada pela Incubadora
Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Pará, desde 2007. A
incubação representou um significativo auxilio para a estruturação da cooperativa e para a
formação de seus membros. No âmbito da comercialização, a cooperativa deu um grande salto
a partir da aprovação do projeto no Programa Aquisição de Alimentos (PAA) 2007/2008, na
modalidade de Formação de Estoques. Neste processo, a COFRUTA forneceu 57 toneladas
de polpa de açaí, 44 toneladas de polpa de cupuaçu, e 13 toneladas de polpa de maracujá. Para
o ano de 2009, dentro do PAA, a previsão é de 8 toneladas de polpa de açaí, 27 de cupuaçu,
11 de maracujá e 12 de abacaxi. Além de fornecer 25.000 litros de xaropes, divididos entre
cupuaçu e maracujá.
Em 2009, pela primeira vez a COFRUTA fará uma venda para uma organização que
trabalha com o comércio justo. Exportará 24 toneladas de açaí orgânico, pasteurizado e
congelado para a Cooperativa italiana Sin Fronteras. A articulação para essa parceria foi feita
133
Informações coletadas em entrevistas com o Presidente da COFRUTA Josenildo Costa, com a Secretária
Adalgisa F. Silva e com o Tesoureiro Raimundo Brito de Abreu.
142
pela ONG italiana UCODEP134 (Unità e Cooperazione per lo Sviluppo dei Popoli), que no
Estado do Pará, a partir do segundo semestre de 2008, passou a executar novos projetos
voltados para reforçar a capacidade produtiva, agroindustrial e comercial de grupos de
produtores de frutas amazônicas.
A COFRUTA recebeu um pedido de 48 toneladas de geléias, em 2007, da empresa
de comércio justo francesa Alter ECO. Essa empresa ofereceria os potes e comercializaria os
produtos com a sua própria marca. A cooperativa não teve condições de fechar negócio
porque a Alter ECO exigia um prazo de 15 dias para a entrega, e a COFRUTA não tinha os
equipamentos necessários para a produção e estocagem. Essa dificuldade apresentada pela
COFRUTA é a mesma de muitos outros grupos de produtores da Amazônia que conhecem as
técnicas de produção, mas que não dispõem da tecnologia necessária para cumprir com as
exigências de determinadas demandas.
A parceria entre entidades de formação e apoio a empresas e grupos produtores vem se
mostrando de extrema importância para o desenvolvimento dos produtos. No caso da
COFRUTA, uma recente parceria entre uma empresa americana e a Universidade Federal do
Pará (UFPA)
135
, permitiu a criação de uma tecnologia para a produção de tinta de açaí em
forma de pó. De acordo com o presidente da COFRUTA, a forma como a empresa vai utilizar
esse pó ainda é um mistério, mas já houve a criação de uma patente para que somente a
COFRUTA produza o pó durante cinco anos e forneça a cada safra136 100 quilos de
pigmentos.
Uma pesquisa137 realizada pela Alter ECO em 2004, sobre o mercado de comércio
justo brasileiro revelou que apesar da necessidade de explicação e difusão dos princípios do
comércio justo na sociedade brasileira, o nicho do comércio justo possui um grande potencial
no Brasil. A pesquisa apontou que o consumo alimentar das grandes regiões metropolitanas é
diversificado e exigente, e muito orientado para os produtos tradicionais brasileiros. Por isso,
os produtos tradicionais138 de qualidade, provindos da agricultura familiar, certamente
encontrariam mercado. Constatou-se na pesquisa que a inscrição “Indústria Brasileira” estava
134
Mais informações podem ser encontradas no site da ONG www.ucodep.org
Faculdade de Engenharia de Alimentos, através do professor Hever Rogger.
136
Cada safra dura 100 dias, a cada dia se colherá 200 rasas de 14 quilos de açaí que equivale a 1 quilo de
pigmento.
137
Alter ECO Comércio Justo – No Caminho de um “Comércio Justo Sul – Sul”, desenvolvida por Solen
Penchèvre e Julie Sacca.
138
Arroz, feijão, café, suco, açúcar, geléias, guaraná, farinha de mandioca, entre outros.
135
143
impressa nos produtos e que era um verdadeiro argumento de venda. Na visão estrangeira de
quem elaborou a pesquisa:
Os brasileiros estão orgulhosos da riqueza e da qualidade dos recursos do país
deles e possuem um autêntico sentido do patriotismo, do futebol, da feijoada...
Sem dúvida, eles gostariam que os produtores e os produtos de os “terroirs”
deles, amazônicos e bahianos sejam valorizados e em particular, que o melhor
do Brasil não seja reservado aos gringos e que chegue diretamente para eles
(ALTER ECO, 2005)
Por fim, a pesquisa da Alter ECO concluiu que o mercado brasileiro (sul e sudeste)
parece potencialmente receptivo ao estabelecimento de uma rede nacional de comércio justo
que valorize os pequenos produtores, desde que seus produtos tenham alta qualidade, que
sejam saudáveis e que sejam produzidos com critérios sociais e ambientais
Para a inserção dos produtos amazônicos nos mercados nacional e internacional existe
um mecanismo legal que facilitaria muito: o Registro de Indicação Geográfica. Este
instrumento de competitividade, que garante a propriedade intelectual e a qualidade de
determinados bens e serviços, é concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial139
(INPI).
De acordo com Morais (2009) os especialistas que participaram da oficina “Registro
de Indicação Geográfica – Indicação de Procedência e Denominação de Origem” organizada
pelo Museu Paraense Emílio Goeldi140 (MPEG), em 2008, consideram que a Amazônia é
detentora de uma incrível variedade de produtos característicos, com um enorme potencial de
conquistar os consumidores. Entre os produtos que compõem a cesta regional indicados estão
desde os alimentícios como a farinha de mandioca, o açaí, o jambú e o tucupi, até os
artesanais como os brinquedos de miriti.
O Registro de Indicação Geográfica protege a propriedade intelectual e incentiva a
qualificação e inovação dos produtos. Esses critérios são fundamentais para a conquista de
novos e exigentes mercados. Segundo, Morais (2009, p.4) “a vantagem de mercados exigentes
é que eles também estão dispostos a pagar o preço de produtos especiais, de origem
longínqua, mas cujo cultivo e produção garantem a manutenção de valores ambientalmente
139
O INPI é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
responsável por registros de marcas, concessão de patentes, averbação de contratos de transferência de
tecnologia e de franquia empresarial, e por registros de programas de computador, desenho industrial e
indicações geográficas, de acordo com a Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96) e a Lei de Software
(Lei nº 9.609/98).
140
Através do Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia (NITT).
144
sustentáveis”. Há que se considerar que os problemas relacionados com a qualidade e a
sanidade de muitos produtos amazônicos são os principais entraves para a conquista de
mercados nacionais e internacionais, conforme informa o tecnologista Raul Pedreira do INPI
(apud MORAIS, 2009) “As indicações geográficas servem como excelente instrumento para a
exportação principalmente para a União Européia, que tem normas sanitárias extremamente
rígidas”.
A Amazônia, com sua rica biodiversidade, dispõe de muitos produtos que poderiam
ser certificados. Contudo, conseguir o Registro de Indicação Geográfica não é tão simples
quanto parece. Não é por acaso que no Brasil existem apenas quatro produtos certificados: o
vinho do Vale dos Vinhedos (RS); o café de cerrado mineiro; a carne bovina dos pampas
gaúchos; e a cachaça de Parati (RJ). O Registro pode ser de procedência, que valoriza a
reputação entre esses produtos e seus locais de origem, ou de origem141, que qualifica o meio
geográfico no qual foi produzido. Porém para conseguir o registro é necessário o interesse da
organização coletiva dos produtores da região, sem contar que as dificuldades sanitárias
podem inviabilizar o processo. Constata-se então, que é necessário ter a disponibilidade de
certa tecnologia organizacional e também de instrumentos de trabalho, o que para os grupos
de pequenos produtores amazônicos é quase impossível sem a ajuda de organizações de apoio
sejam elas governamentais ou não. Mais uma vez é apresentada a necessidade de uma rede de
organizações para viabilizar processos de melhorias e de regulamentação de produtos
Amazônicos.
Explica o pesquisador da Embrapa Jorge Tonieto (apud MORAIS, 2009) que para
alcançar o Registro de Indicação Geográfica o produto precisa ter uma identidade própria, ser
produzido em ambientes ecologicamente distintos, que se traduzem em alta qualidade
ecológica e sanitária. Para o pesquisador além de identidade, o produto deve ter um gosto
diferente e uma maneira de produzir exclusiva, e é esse caráter de distinção e o seu local de
origem que podem agregar valor aos produtos, como a Castanha do Pará e o Açaí, e distinguilos de meras commodities.
141
Para a socióloga Carla Belas (apud MORAIS, 2009) a indicação de origem é a mais adequada para os
produtos da Amazônia, já que a indicação de procedência apenas informa que o produto vem de uma
determinada área, enquanto na indicação de origem são considerados também os fatores humanos e culturais
relacionados à produção.
145
O chef culinário Alex Atala142 (apud MORAIS, 2009) considera que a Amazônia é um
dos poucos lugares do mundo que ainda pode fornecer novos ingredientes, destacando entre
as delícias da região o tucupi, verduras como o jambú e a chicória, frutas como o taperebá, o
muruci e o bacuri, sem contar com os já famosos como o cupuaçu, o açaí e a farinha de
tapioca. O chef lança mão de recursos novos como a priprioca143, utilizando seu aroma com
grande sucesso em sobremesa.
Em entrevista à revista Época (20/05/05) Alex Atala reclama por não conseguir
comprar jambu, tucupi e filé de filhote em São Paulo. Diz que é mais fácil encontrar açafrão
iraniano. Afirma que sempre perguntam por que ele não monta uma estrutura para trazer esses
ingredientes para o Sudeste. ''Meu papel não é esse'', desabafa. ''Não sou atacadista. Meu
papel é divulgar''. Passados quase quatro anos dessa entrevista ele volta a reclamar no Jornal
“Destaque Amazônico” (Janeiro de 2009)
144
dizendo que a lei de mercado da oferta e
demanda ainda é o principal entrave para a comercialização de produtos da região. Ele afirma
“Nós, chefs, podemos gerar demanda, mas ainda somos incapazes de gerar a oferta desses
produtos. É preciso maior incentivo para a produção, extração e comércio dos ingredientes
amazônicos” e considera que “a certificação geográfica desses produtos pode gerar
diretamente benefícios socioeconômicos, bem como ser grande alavanca na conservação de
nossas florestas”.
Se faltam ofertas de produtos amazônicos para os brasileiros, os europeus,
especialmente os franceses, podem gozar de uma série de produtos que por aqui ainda são
desconhecidos. Trata-se de sabonete de guaraná dos índios Sateré Mawé, chiclete dinamizante
de guaraná e acerola, geléias de graviola, taperebá, açaí e cupuaçu, açaí em cápsulas para
revitalização e regeneração, pó da planta amazônica unha de gato para estimulação do sistema
imunitário, a muirapuama145 em pó e cápsulas como tônico neuromuscular e estimulante
sexual, complexo restruturante de guaraná e acerola, óleo alimentar de castanha do Pará,
complexos anti-envelhecimento feito de um mix de plantas amazônicas e francesas, além de
142
Alex Atala é um chef de cozinha brasileiro, eleito chef do ano pelo Guia Quatro Rodas 2006, cujo restaurante
D.O.M. figura entre os 50 melhores do mundo segundo a prestigiada revista britânica "Restaurant". Alex é
conhecido defensor da culinária regional, como retratado em seu livro "Por uma Gastronomia Brasileira",
colocando a culinária amazônica, especificamente a paraense, como base de alguns de seus melhores pratos
(Wikipédia, 18/06/09).
143
A priprioca é uma planta aromática amazônica muito usada na fabricação de perfumes artesanais e mais
recentemente na indústria de cosméticos, que teve seu valor revelado para a utilização na alta gastronomia.
144
Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi.
145
A Muirapuama (Ptychopetalum Olacoides Bentham) é utilizada como tônico herbal tanto para homens como
para mulheres, suas propriedades vasodilatadoras melhoram o desempenho sexual. Conhecida como "madeira
potente" a erva é encontrada nas margens do Rio Negro.
146
inúmeros cosméticos que têm como base os óleos da copaíba e andiroba, isso para citar só
algumas ofertas146.
Figura 10: Produtos amazônicos da Guayapi tropical
Fonte: www.guayapi.com
A responsável por todas essas ofertas é a sociedade francesa Guayapi tropical. A
Guayapi importa exclusivamente matérias primas, especialmente do Brasil e do Sirilanka, as
transformam na França e as distribui em forma de produtos para o mundo inteiro. Utiliza
plantas selvagens em complementos e produtos alimentares, e também em cosméticos. É
observando os conhecimentos das populações locais que formula suas receitas, respeitando as
pessoas e o ecossistema (www.guayapi.com). Foi a Guayapi Tropical que legalizou o Guaraná
na França, através de lobbing para que o Guaraná fosse reconhecido como integrador
alimentar, pois antes ele era conhecido como substância dopante. A empresa faz parte da
plataforma francesa do comércio justo, e tem desenvolvido projetos com os índios Sateré
Mawé147. O trabalho da Guayapi tropical é respaldado pela garantia dos vários selos de
certificação148 que possui, de produtos orgânicos, biológicos e sociais.
146
Ver lista de ofertas completas no site da Guayapi Tropical www.guayapi.com
Esta relação será aprofundada no próximo capítulo, no projeto Guaraná dos Sateré Mawé.
148
Ver selos de certificação no site da Guayapi Tropical www.guayapi.com
147
147
Figura 11: Alguns selos da Guayapi Tropical
Fonte: www.guayapi.com
Em relação aos artesanatos, o Brasil já dispõe de algumas lojas de comércio justo com
uma boa variedade de ofertas. A loja de comércio justo Mundaréu, de São Paulo, disponibiliza
a venda de cestaria do grupo Tucumarte, da comunidade de Urucureá, de Santarém-PA. O
Ponto Solidário do Espaço Cultural Yázigi oferece o artesanato dos índios da etnia Apalai149
do Amapá. Porém, de acordo com nossas pesquisas de campo, realizadas no âmbito do
Proesq150 “Comércio Justo e Turismo Responsável: Oportunidades Solidárias e Sustentáveis
para a Amazônia”, as relações comerciais mantidas por essas organizações não se
caracterizam devidamente como comércio justo, conceito este pouco conhecido pelos grupos
fornecedores de artesanato. Conforme constata pesquisa de campo de Soares151 (2007, p.12):
Após aplicação do formulário II e de entrevistas com o Presidente da
Associação Sr. Tadeu Waiana Apalai e também com a pessoa responsável pela
comercialização do artesanato Sr. Carlos Alberto da Silva Ferreira, constatei
que ambos nunca haviam ouvido falar sobre comércio justo e solidário, não
possuem leitura nem sobre os princípios ou qualquer elemento que remeta a
esse tipo de comercialização. Inclusive ambos disseram não saber sobre as
informações disponibilizadas no site do Ponto Solidário referentes ao
artesanato Apalai ou mesmo sobre a Associação. Apesar de possuir na sede da
associação computador e internet, disseram que nunca visitaram o referido
site.
Se de um lado alguns grupos de produtores da Amazônia vendem artesanatos para
lojas de comércio justo desconhecendo o conceito e os parâmetros das relações comerciais
inerentes ao comércio justo, por outro lado existem grupos produtores que adotam o conceito
149
Os Apalai são cerca de dois mil índios que vivem no Parque do Tumucumaque, entre os Estados do Amapá e
do Pará. O artesanato Apalai é conhecido pelo uso da semente de mará-mará. Esta semente é utilizada na
confecção de colares, bolsas e pulseiras, sendo essa produção uma tarefa das mulheres. Elas também se dedicam
a fabricação de potes e vasos em cerâmica. Já os homens produzem cestaria com talos de arumã, bancos,
bordunas, arcos e flechas de madeira. Penas e peles de animais abatidos para consumo próprio compõem enfeites
de parede, originalmente utilizados como peças de cerimoniais.
150
Projeto Especial de Qualificação dentro do Plano Nacional de Qualificação - PNQ, do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE).
151
148
de comércio justo e o estabelecem no relacionamento com atores do comércio convencional.
É o caso dos índios Baniwa.
Os Baniwa desenvolvem, em parceria com a OIBI (Organização Indígena da Bacia do
Içana), com a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e apoiados pelo
ISA (Instituto Socioambiental), o projeto Arte Baniwa (FOIRN; ISA, 2000). O projeto
consiste na produção e comercialização da cestaria baniwa de arumã152. O artesanato Baniwa
é comercializado no âmbito do projeto de desenvolvimento de alternativas econômicas
sustentáveis para a região do Alto Rio Negro, desde 1997. O projeto objetiva a “produção
sustentável e comercialização por encomendas, de forma autogerida, da tradicional cestaria
Baniwa de arumã, em nichos de mercado que remunerem seu valor cultural e ambiental
agregado, como parte de um programa mais amplo de consolidação de direitos indígenas
coletivos” (BRESLER; OLIVEIRA, 2001 apud MARTINS; UNTERSTELL, S/D, p.1).
Para o desenvolvimento do projeto foi imprescindível a articulação de uma parceria
comercial que transcendesse a exclusiva relação compra-venda. De acordo com Martins,
Unterstell (S/D, p.9) “o projeto demandava um parceiro interessado em divulgar o simbolismo
agregado aos produtos, e não apenas os objetos em si; essa proposta conflitava com o conceito
de negócio da cadeia varejista, que prescinde da identificação dos produtores”. Isso foi
conquistado com a parceria da empresa de decoração Tok&Stok, após um longo e delicado
processo de negociação (idem).
A partir do ano 2000, a Tok&Stok passou a ocupar o papel de principal comprador do
artesanato Baniwa, seguindo de perto a evolução dos produtos e da gestão da OIBI. “A
empresa flexibilizou seus procedimentos internos relativos a prazos, quantidade de compras,
etiqueta própria da associação produtora, entre outros itens que integravam o seu Manual de
Fornecedores” (ibidem).
Natalie Unsterstell, colaboradora do ISA, em entrevista153 afirma que “a Tok&Stok
permitiu que os Baniwa conseguissem manter relações comerciais justas”, completando “é
152
Os objetivos centrais do projeto são: (1) valorizar o patrimônio cultural; (2) animar a produção de objetos de
arumã, como forma de reciclagem e disseminação de uma tradição cultural milenar; identificar nichos
duradoures de mercado, compatíveis com a capacidade de produção das comunidades; gerar renda para os
produtores indígenas e suas associações; (5) contribuir para o uso sustentável dos recursos naturais; e (6)
capacitar a FOIRN e associações filiadas no gerenciamento de projetos (FOIRN, ISA, 2000).
153
Entrevista realizada na sede do ISA em Manaus, no decorrer da pesquisa de campo, no segundo semestre de
2007. Obs. Fala transcrita.
149
mais uma questão dela (a Tok&Stok) permitir que gente desenvolva o comércio justo, do que
ela praticar um preço diferente”, e conclui “a gente é que pratica o comércio justo”. Enfim, no
caso do projeto Arte Baniwa, foi o esforço dos próprios Baniwa e das instituições parceiras
que permitiu esse avanço em termos de gestão, onde a organização conhece e reconhece
plenamente seus direitos e valores culturais. Devido a isso é que foi possível estabelecer um
tipo diferente de relação comercial, onde o próprio grupo de produtores, mesmo negociando
com parceiros convencionais, tem como prioridade a comercialização justa, ou seja, realizada
conforme os critérios do comércio justo. Um fruto desse processo é o selo “Produto Indígena
do Rio Negro”, que foi abordado no item 2.5.1.
Outra iniciativa que merece destaque é o projeto Cacau Orgânico na Transamazônica,
dirigido pela Fundação Viver, Produzir, Preservar (FVPP)154. A cultura do cacau (Theobroma
cacao L.) é viável em sistemas agroflorestais, que protege os recursos naturais, recupera áreas
alteradas e fixa o produtor na terra, garantindo sustentabilidade às famílias de produtores
assentados ao longo da Rodovia Transamazônica, no estado do Pará.
Entre as organizações de agricultores filiados à FVPP cresceu o interesse para a
produção e comercialização de cacau orgânico e certificado, como meio de consolidar uma
economia agropecuária e florestal sustentável alicerçada na produção familiar. A intenção é
substituir o sistema tradicional de produção por um sistema orgânico e certificado. Para a
certificação e venda coletiva foram fundadas sete cooperativas em sete municípios da região,
totalizando 150 sócios produtores, que em 2007 comercializaram 80 toneladas de cacau em
fase de conversão, ou seja, que ainda não receberam o selo orgânico. Em fevereiro de 2008,
quatro dessas cooperativas receberam o Selo de Certificação Orgânica155, concedido pelo
IMO156 Control do Brasil, e já realizaram vendas coletivas do cacau orgânico para o mercado
externo, principalmente para a Europa.
154
A Fundação Viver Produzir e Preservar, é uma organização sem fins lucrativos, situada na Região da
Transamazônica. Foi fundada em 1991 pela iniciativa das organizações camponesas, movimentos pastorais e
populares urbanos e de educadores da Rodovia Transamazônica e do Rio Xingu, mas sua atuação enquanto
movimento social organizado ocorre desde a primeira metade da década de 80 do século passado, após o
abandono do projeto de colonização da região pelo governo federal. A FVPP congrega 113 organizações em 19
municípios do Oeste Paraense. Informações coletadas no site www.fvpp.org.br, em 10/07/09.
155
Além do cacau, foram certificados outros produtos da agricultura familiar como o café, o cupuaçu e o açaí.
156
A empresa IMO (Instituto de Mercado Ecológico) Control do Brasil se dedica exclusivamente aos serviços de
inspeção e certificação de sistemas de controle de qualidade ambiental e social, com ênfase para a agricultura
orgânica. É credenciada pela IFOAM e possui certificado ISO 65, que garantem o acesso aos maiores mercados
consumidores: Europa, EUA e Japão.
150
Representantes das cooperativas, juntamente com a equipe do projeto, participam
ativamente de feiras regionais157, nacionais e internacionais visando à divulgação dos
produtos e sua inserção em circuito do comércio justo e solidário. Além disso, buscam
estreitar laços com as instituições parceiras do projeto para consolidar o movimento
cooperativo do cacau orgânico, conquistando mercados, para aumentar a renda agrícola e a
qualidade de vida dos agricultores.
O negócio tem gerado um lucro de cerca de noventa centavos por quilo (R$ 0,90/kg)
em relação ao preço do mercado local. Esse lucro é destinado aos produtores, e não mais aos
atravessadores, o que fortalece a economia local. Já é possível verificar a transformação
positiva que o projeto tem gerado. Houve melhora no aspecto sanitário das lavouras e
consequentemente uma produção de melhor qualidade, atendendo às exigências da
certificadora. Os parceiros do projeto são a CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da
Lavoura Cacaueira), que assessora trabalhos referentes a pesquisas e extensão rural; o DED158
(Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social), em conjunto com a SAGRI (Secretaria de
Agricultura do Estado do Pará) e com o SEBRAE, assessoram a parte de certificação,
comercialização e inserção dos produtos no comércio justo e solidário.
Apesar das potencialidades dos produtos amazônicos, e da dimensão da região, são
raros os produtos inseridos nas redes de comércio justo. O cacau e o açaí orgânico são
produtos da fruticultura que estão dando os primeiros passos nessa direção. Produtos
beneficiados são praticamente inexistentes dentro do circuito, como produtos comésticos ou
remédios fitoterápicos. Importante ressaltar que existem inúmeros empecilhos que impedem a
valorização dos verdadeiros produtos naturais. A maior dificuldade ainda está na falta de uma
legislação nacional que reconheça as especificidades de vários produtos de manejo e que
permita a sua comercialização, apesar de existirem várias instituições governamentais que
incentivam esse tipo de produção.
Durante o trabalho de pesquisa, foi possível constatar que o trabalho de assessoria de
instituições governamentais e não governamentais é imprescindível para a organização dos
157
Uma caravana de 12 produtores de cacau orgânico filiados a seis cooperativas da região participaram da
última edição do Frutal Amazônia e o Flor Pará, ocorrido em Belém, de 25 a 28 de junho de 2009. Os produtores
tiveram a oportunidade de comercializar, em estande próprio, os produtos derivados do cacau que são fabricados
artesanalmente.
158
O DED é uma instituição alemã de cooperação internacional, fundada em 1963, cujo objetivo principal é
apoiar, em parceria com outras entidades, as pessoas dos países em desenvolvimento. A ação ocorre,
principalmente, através do envio de profissionais qualificados (cooperantes) para a África, Ásia e América
Latina (http://brasil.ded.de).
151
produtores, melhoramento dos produtos e para a inserção destes nos mercados. É o que
conclui Norberto at al (2004, p.611) «é muito difícil uma organização de pequenos produtores
se inserir nos fluxos internacionais do comércio justo sem o apoio de um arranjo institucional
capaz de dar suporte ao processo de inserção ». Na Amazônia, os produtos comercializados
no comércio justo internacional são resultados de projetos que obrigatoriamente envolvem
atores internacionais, através de assessores técnicos, chamados de cooperantes, que passam a
viver e trabalhar no local onde os projetos são executados.
3.6 – Uma rede de Comércio Justo na Amazônia?
As redes, nessa e em outras denominações que igualmente caracterizam formas de
cooperação e ação conjunta, ganham espaço na sociedade. Com objetivos políticos, vigoram
associações dos mais diferentes tipos. São fóruns, coletivos, coalizões, parcerias, redes que se
articulam dentro de redes, movimento de movimentos, como se designa o Fórum Social
Mundial. A interatividade, movida por razões contra-hegemônicas é um poderoso motor de
transformações e abre oportunidades históricas, ao mobilizar um tipo de globalização
alternativa (SANTOS, 2005). Compartilhando desse contexto, o comércio justo é também um
movimento que segue princípios éticos e que se articula em escala global.
Sociedade e economia se estruturam em rede em virtude das possibilidades abertas
pelas novas tecnologias de comunicação e pelas crescentes facilidades de as pessoas viajarem
e se encontrarem para deliberar conjuntamente. Isso de fato tornou o mundo menor. Cada vez
mais se acentua a compressão do tempo e do espaço (HARVEY, 1993), um conceito que
explica o nítido encolhimento do mundo, através das inovações e facilidades do transporte e
da comunicação. A internet, interconectando e permitindo trocas de informações em escala
mundial, é a ferramenta fundamental através da qual se promove um novo modo de
desenvolvimento, que Castells (1999) chama informacional. Seja para construir um mundo
melhor ou para acumular capital, para todos os efeitos, na “Era da Informação ... as funções e
processos sociais organizam-se cada vez mais em torno de redes” (CAPRA, 2002, p. 267).
Em se tratando de redes, especialmente da consolidação de uma rede de comércio
justo na Amazônia, não podemos deixar de refletir sobre a teoria de Mark Granovetter, um
152
dos pioneiros da Nova Sociologia Econômica159. De acordo com Raud-Mattedi (2005), o
trabalho de Granovetter está centrado em identificar as formas de inserção social das ações
econômicas e a influência destas relações sociais nos resultados econômicos. O teórico é um
dos representantes do enfoque estrutural do mercado, visto como constituído de redes
interpessoais (idem). Ele tem como tese a imbricação social160 que pressupõe que a “ação
econômica é socialmente situada”, onde as ações dos indivíduos estão imbricadas em sistemas
concretos contínuos de relações sociais: em redes sociais.
Granovetter (1985) no artigo “Economic Actions and Social Structure: The problem of
embeddedness” afirma que os atores sociais pertencem a redes de relações interpessoais,
estando suas ações condicionadas por este pertencimento. Deste modo, o mercado não é
espaço de um livre jogo de forças abstratas (oferta e procura), mas sim um conjunto de ações
intimamente ligadas dentro de redes de relações sociais. Nessa perspectiva “as redes sociais
facilitam a circulação de informações e asseguram a confiança ao limitar os comportamentos
oportunistas” (RAUD-MATTEDI, 2005, p.65). Neste mesmo artigo, Granovetter esclarece o
papel das relações pessoais concretas e das redes dessas relações no desenvolvimento da
confiança, afirmando que num contexto onde indivíduos que se conhecem161 as relações
econômicas são facilitadas.
Ainda para Granovetter a atividade econômica nos países em desenvolvimento se
encontra freada pela falta de confiança existente na sociedade. Raud-Mattedi (2005, p. 69)
argumenta que “na análise estrutural, a confiança não é dada a priori pelas regras jurídicas ou
morais mais gerais, mas se enraíza nas redes de relações interpessoais”. Nessas circunstâncias
e com o objetivo de estimular alternativas produtivas e a comercialização da produção de
pequenos produtores rurais e urbanos nos mercados nacional e internacional, também na
Amazônia as associações e cooperativas de produtores precisam se articular mais entre si,
com seus parceiros e com instâncias do Estado, para criarem um ambiente de confiança,
superando assim os isolamentos que ainda reduzem suas possibilidades de realização. Para
esse fim, além do uso da internet, dos encontros presenciais e das formas organizacionais que
caracterizam as redes em geral, a formação de uma rede do comércio justo na Amazônia
159
A Nova Sociologia Econômica teria o mérito de analisar sociologicamente o mercado (núcleo da própria
ciência econômica) considerando-o como uma “estrutura social” (Swedberg, 1994, apud Raud-Mattedi, 2005).
160
Ele se apóia na noção de Polanyi que afima que a economia é composta por instituições econômicas e
também por instituições não econômicas (idem).
161
Ou cuja reputação é conhecida indiretamente através de um terceiro.
153
precisa explicitar e assumir um projeto aglutinador de pessoas, instituições públicas e
entidades sociais.
Quais são os conteúdos desse projeto? Esse é um bom tema para um debate
construtivo e a rede deve mesmo nascer de uma discussão alargada capaz de envolver os
principais interessados. Mas, para começar, podemos dizer que a proposta da Rede vem para
associar produtores artesanais da Amazônia no objetivo de comercializar seus produtos de
modo a gerar renda e desenvolvimento nas comunidades produtoras. O que se coloca é a
possibilidade de organizações e grupos de pessoas se comunicarem intensamente para somar
recursos e capacidades em torno do objetivo comum de produzir de acordo com certas éticas.
Afinal de contas, dentro do comércio justo um dos primeiros passos para se efetivar uma
exportação é a certificação, e para um grupo de produtores conseguir o selo é necessário que
tenha um conjunto de competências:
A organização deve ser capaz de compor um produto que cative o público alvo, de
comunicar num idioma estrangeiro, de fazer contato com muitas organizações no
exterior, ter acesso a web etc. A maior parte das organizações de produtores não
possui essas competências. Por isso, a inserção de um maior número de pequenos
produtores nesse segmento de mercado depende da articulação de um arranjo
institucional que lhes dê apoio. (NORBERTO et al 2004, p.610).
Essa articulação de um arranjo institucional é o que consideramos como rede. Para que
a rede alcance resultados efetivos é necessário uma linha prática de ação. A rede do comércio
justo significa a aglutinação de associações e cooperativas com atuação na Amazônia a fim de
criar um contexto de troca de informações e apoios mútuos. Ademais de estabelecer
interações entre os produtores locais, a rede deve objetivar articular estes a outras entidades e
instituições que atuam nacional e internacionalmente no campo comércio justo. No contexto
deste amplo e crescente mercado, a rede pode buscar, como motivo prático de sua existência,
uma ação concertada entre entidades atuantes nesse campo de atividade para afirmar marcas
de identidade de grupos produtivos regionais. Essa ação concertada pode vir a representar um
objetivo específico do projeto da rede.
Um resultado importante a ser perseguido pela rede é fazer com que, mediante efetivos
intercâmbios em torno desta motivação prática, projetos empreendidos em remotos locais da
Amazônia repercutam globalmente, abrindo possibilidades de colaborações e solidariedades.
Assim, a rede do comércio justo e solidário representa tanto uma via de afirmação de
identidades culturais produtivas como uma via de participação das associações e cooperativas
154
de produtores amazônicos no intenso movimento de solidariedade que articula globalmente
centenas de movimentos sociais. Esse grande conjunto de movimentos, que o Fórum Social
Mundial (FSM) reúne, se articula em torno da utopia crítica “um outro mundo é possível”.
Irmanados, os movimentos lutam contra a exclusão, as desigualdades e a destruição da
natureza, produzidas pela globalização neoliberal (SANTOS, 2005).
Trata-se de uma globalização contra-hegemônica, que, como se vê, é apenas um lado
da moeda. De outra parte, o poder de transformar a natureza em mercadorias aumenta em
escala e rapidez crescentes. Na Amazônia, o meio-ambiente e as comunidades locais não são
fatores relevantes à geração imediata de lucros e se os destrói indiferentemente dos seus
significados e possibilidades futuras. Empresas, interligadas em cadeias produtivas globais,
potencializam seus resultados segundo a velha e ainda funcional lógica das relações centroperiferia, dentro da qual a Amazônia continua a cumprir o papel de fornecedora de
commodities. A característica de uma região que não produz para si, mas para fora, se afirma
nas exportações crescentes de soja, alumínio, madeiras e ferro-gusa, não obstante os
problemas ambientais e sociais (PEIXOTO, 2007).
De forma que alianças estratégicas se fazem nos planos local e global para construir
soluções sustentáveis ou para produzir riquezas, sem se importar com a degradação social e
ambiental, tendo em vista, portanto, objetivos bem diferentes. Significa que a Rede precisa
assumir um posicionamento político que, enquanto proposta, a situa ao lado de tantas outras
redes e fóruns mundiais, temáticos, regionais e locais que compõem a grande Rede Global de
Movimentos Sociais, que se reúne paralelamente ao Fórum Social Mundial (SANTOS, 2005).
Um dos eixos integradores do Fórum Social Mundial (FSM) está na “convicção da
possibilidade de outro mundo, mais justo e mais solidário, e na vontade política de lutar por
ele” (idem, p.40). De forma que a rede significa antes de tudo uma atitude política.
Contudo, qualquer rede para existir efetivamente precisa criar também uma agenda
concreta, em torno da qual as entidades parceiras possam articular suas ações no dia-a-dia. A
rede precisa iniciar-se com um projeto capaz de aglutinar parceiros. O que presenciamos na
última edição do Fórum Social Mundial, ocorrida em janeiro de 2009, em Belém, foi uma
grande Feira de Economia Solidária dentro do Fórum global de Economia Solidária, com uma
vasta variedade de produtos e uma grande diversidade de assuntos sendo discutidos.
155
No entanto, as atividades relacionadas ao comércio justo estavam fora da programação
do Fórum de Economia Solidária. Apesar de a Amazônia estar sediando pela primeira vez o
FSM, somente o projeto Guaraná dos Sateré Mawê esteve presente nas discussões sobre
comércio justo. Além do mais, 99% dos participantes das discussões eram estrangeiros, não
tendo ocorrido sequer um debate em língua portuguesa. A Amazônia precisa ter voz, e a
Amazônia brasileira fala português. Portanto, é imprescindível a formação de uma rede de
comércio justo na Amazônia, para que além de voz, ela possa ter vez.
156
CAPÍTULO IV
Experiências na Amazônia – A relação entre Turismo Comunitário e
Comércio Justo
4.1 - O Turismo Comunitário e o Comércio Justo: de onde vem essa relação?
Atualmente, o termo turismo é utilizado com demasiada facilidade. Na maioria das
vezes, o turismo é considerado uma atividade geradora de divisas, de empregos e capaz de
proporcionar o tão almejado bem estar social. Especialmente, em períodos de campanhas
eleitorais, é comum a difusão da promessa, por aspirantes a cargos, de promoção da atividade
turística, o que acaba gerando o mito, que manipula dados e pessoas, de que o aumento do
turismo leva ao desenvolvimento socioeconômico. Certo é que o turismo está atrelado a
números pujantes, pois segundo a OMT (Organização Mundial do Turismo) da ONU, a
atividade gera anualmente cerca de US$4 trilhões, o que corresponde a 10% do PIB mundial,
e emprega, direta e indiretamente, 200 milhões de pessoas.
Fato é que o desenvolvimento do turismo sempre esteve pautado no molde econômico.
Tanto é que alguns dos considerados como os principais teóricos do setor priorizam este
aspecto, em detrimento de outros. É o caso de Beni (2000, p.65), que tem uma visão
essencialmente economicista:
O Turismo move-se na esfera do econômico. (...) Se o aspecto social, que de
um certo modo o configura, tem fundamental importância para o sujeito da
ação e pelos fins sociais que o motivam, desde o momento em que o turista
está obrigado a submeter-se à situação econômica, (...), o fenômeno há de ser
considerado nesta classe de modelo.
O modelo de turismo adotado por governos neoliberais e pelos grandes
empreendedores, que objetiva a acumulação de lucros e divisas, não trouxe e provavelmente
não trará os benefícios prometidos e pregados em tantos discursos políticos e teóricos. O
turismo, nesses moldes, acaba por não gerar emprego e renda para todos. Além do mais, cabe
frisar que, ao mesmo tempo em que o turismo é capaz de melhorar os lugares, ao criar infraestruturas e oportunidades de trabalho aos residentes, além de prazer aos visitantes, gera
também riscos, perigos e impactos. Segundo Salvati (2002, p.1),
157
com a ausência de um planejamento integrado, a exploração comercial do
turismo mundial vem contribuindo, desde os anos 50, para o desequilíbrio
ecológico, para a desagregação social e para a perda de valores culturais das
comunidades anfitriãs, além de danos ao patrimônio histórico.
Os impactos negativos do turismo referentes aos aspectos econômicos, sócio-culturais
e ambientais são demostrados no seguinte quadro:
Quadro 2: Impactos Negativos do Turismo
Aspectos econômicos
Não há uma redistribuição da renda Ganham os operadores comerciais em
turística
detrimento as populações locais
Fuga da renda
A maior parte do dinheiro gasto pelos
turistas volta para os países emissores,
pelos seguintes motivos:
- Permissão para os estrangeiros de enviar
lucros para o exterior;
- Isenções fiscais para investidores
estrangeiros sobre as rendas geradas pelo
turismo;
- Subsídios dos governos locais para
investimentos externos de implantação de
estruturas receptivas. Geralmente a oferta
de subsídio ocorre com a diminuição de
investimento na área social e de
agricultura familiar;
- Importação intensiva de gêneros de
consumo não produzidos localmente.
Inflação e aumento do custo de vida
Nas localidades que se tornam destinos
turísticos o custo de vida aumenta de
forma generalizada, aumentando o preço
dos bens de primeira necessidade e o valor
dos imóveis.
Pouca confiabilidade dos mercados - Os países receptores ficam fortemente
emissores
dependentes de mercados que não podem
controlar;
- Eventuais momentos de recessão nos
países emissores ou crises cambiais podem
afetar brutalmente o fluxo de turistas;
- Problemas políticos ou sanitários e a
forma como são divulgados pela imprensa
internacional podem também afetar
gravemente o fluxo turístico.
Reduzido efeito multiplicador da despesa O subdesenvolvimento do local de destino,
turística
as diferentes prioridades da população
local, os diferentes hábitos de consumo
dos turistas e/ou o interesse dos
operadores comerciais, não permitem um
efeito multiplicador da renda no território
local.
Aspectos sócio-culturais
Ausência de participação popular
As populações locais não participam do
158
planejamento e das decisões relativas a
gestão dos recursos.
Conflitos fundiários
- Grilagem das áreas de interesse turístico
(principalmente nos litorais);
- Invasão de áreas de populações
tradicionais.
Abandono das atividades tradicionais
Abandono da agricultura e de outras
atividades tradicionais e êxodo rural a
procura de emprego nos centros turísticos.
Dependência de tipo colonial
Os investidores se apossam dos recursos
naturais, exploram a mão de obra local e
exportam os lucros
Fortalecimento de regimes autoritários
Em muitos países as empresas que
investem em turismo estabelecem
parcerias com governos autoritários;
- Nestes contextos existem menos
problemas trabalhistas e ambientais.
Conflitos gerados pelo comportamento dos Transgressão; turismo sexual; uso de
turistas
drogas, fotografias, mercantilização da
cultura.
Aspectos ambientais
Alteração de áreas naturais para Deflorestamento,
alteração
de
construção de infra-estruturas
ecossistemas, assoreamento de rios,
desertificação, alteração da paisagem
natural.
Impactos diretos das atividades turísticas
- Aumento da produção de lixo;
- Poluição de mares e rios;
- Consumo excessivo de água;
- Desperdiço energético;
Superação da capacidade de carga do
local.
Fonte: Renzo Garrone (2004)
Justamente contra os malefícios gerados pelo turismo tradicional é que se propõe uma
alternativa de turismo centrado no trabalho de comunidades e de grupos solidários. Nesse
sentido, estamos de acordo com a professora Luzia Neide Coriolano, da Universidade Federal
do Ceará, para quem, mais do que apenas enfatizar as potencialidades econômicas da
atividade, é preciso considerar o problema da distribuição dos benefícios:
importa a forma de realizá-lo, ou seja, a definição do que se quer alcançar, se
a acumulação de lucros na mão de grandes empresas ou oportunidades para
um maior número de pessoas, com maior distribuição de benefícios. Os
resultados do turismo podem estar dirigidos apenas ao mercado, com
acumulação de lucros ou incluindo grupos e comunidades, com valorização de
pessoas e do patrimônio natural e cultural”. Coriolano (2006, p.1)
159
É baseado nesta nova forma, mais humana e politicamente considerada de abordar o
turismo, que pretendemos encontrar no Turismo Comunitário162 as respostas para uma
alternativa de desenvolvimento na Amazônia. Essa alternativa deveria ser capaz de
possibilitar às comunidades da região o desabrochar de suas potencialidades, garantido suas
necessidades básicas, tais quais o trabalho, a saúde e a educação. Justiça social, equidade,
respeito e a participação democrática de todos os atores do território, no processo de
planejamento e decisão, caracterizam o Turismo Responsável e garantem que a comunidade
se beneficie com os resultados.
Conforme Somoza (2006), para a prática do Turismo Responsável um critério
fundamental é a consciência: estar consciente de si e das próprias ações, mesmo quando são
mediadas pelo ato de comprar, seja uma passagem, um presente ou um quarto para dormir.
Turismo Responsável é também estar consciente da realidade dos lugares de destino, no que
diz respeito a questões sociais, culturais, econômicas e ambientais. Enfim, a prática da
modalidade implica uma escolha pensada e, portanto, diferente da visão convencional. Ainda
Somoza sintetiza de maneira muito clara que o turismo responsável é um modo de viajar com
ética e consciência, buscando nos lugares de destino um encontro com as pessoas e a natureza,
com respeito, disponibilidade e tolerância.
O conceito de Turismo Responsável adotado pela AITR163 (Associação Italiana
Turismo Responsável) é164:
O turismo responsável é o turismo atuado segundo os princípios de justiça
social e econômica e com pleno respeito ao meio ambiente e às culturas. O
turismo responsável reconhece a centralidade das comunidades locais e o seu
direito de serem protagonistas no desenvolvimento de um turismo sustentável
e socialmente responsável do próprio território. Opera favorecendo a positiva
interação entre a indústria do turismo, comunidades locais e viajantes.
A Itália foi um dos países precursores e um dos maiores incentivadores dessa nova
forma de abordar o turismo. Desde os anos 80, o terceiro setor, mais precisamente as
162
Também chamado de Turismo Responsável de base comunitária.
A Associação Italiana Turismo Responsável é uma associação sem fins lucrativos que atua para promover,
qualificar, divulgar, pesquisar, atualizar e tutelar os conteúdos culturais e as ações práticas relativas à expressão
“turismo responsável”. Promove a cultura e as práticas de Turismo Responsável e favorece o conhecimento, a
coordenação e sinergia entre os associados.
164
Traduzido pela autora a partir de “Il turismo responsabile è il turismo attuato secondo i principi di giustizia
sociale ed econômica e nel pieno rispetto dell’ambiente e delle culture. Il turismo responsabile riconosce la
centralità della comunità locale ospitante e il suo diritto a essere protagonista nello sviluppo di un turismo
sostenibile e socialmente responsabile del proprio territorio. Opera favorendo la positiva interazione tra
industria del turismo, comunitá locali e viaggiatori”.
163
160
organizações promotoras de comércio justo, promovem viagens de conhecimento e
solidariedade com as comunidades do Sul do mundo. Foi em 23 de novembro de 1997, que
em Verona, onze associações empenhadas no setor do turismo, escreveram um documento
denominado Turismo Responsabile: Carta d’Identità per Viaggi Sostenibili. O objetivo do
documento era promover um modo de fazer turismo que fosse ético na distribuição dos lucros,
que respeitasse as comunidades locais e que tivesse baixo impacto ambiental. A intenção da
Carta era evidenciar os pontos imprescindíveis através dos quais fosse possível realizar uma
viagem com tais características.
As onze associações que compuseram a Carta formaram em maio de 1998 a
Associação Italiana Turismo Responsável (AITR) para a difusão e a realização dos princípios
que compõem o documento. Atualmente, a AITR é formada por 86 associações não lucrativas
com o objetivo de trabalhar para o reconhecimento da centralidade das comunidades locais
receptoras e do direito delas serem protagonistas do desenvolvimento turístico. De acordo
com Somoza (2007), as ONGs associadas à AITR estão atuando em mais de vinte projetos na
África, na Ásia e na América Latina, financiados com recursos italianos, europeus e da OMT
(Organização Mundial do Turismo). Além disso, os operadores turísticos associados à AITR
oferecem em seus catálogos mais duzentas ofertas de viagens, exclusivamente, de turismo
responsável.
Os projetos executados pelos vários sócios da AITR são direcionados a apoiar
processos de desenvolvimento autônomo e a integrar comunidades marginais no circuíto do
turismo responsável. Um desses projetos é a rede amazônica de Manaus – Silves –
Barreirinha, que reúne os ribeirinhos de Silves e os índios Sateré-Mawé. Este projeto nasceu
dos projetos geridos pelas Ongs ASPAC, ICEI e WWF. É evidente a profunda ligação
existente entre Turismo Responsável e Comércio Justo. Na Itália é a associação Ram que,
desde 1993, insere o turismo responsável nas Lojas de Comércio Justo.
Ainda no ano 2000, a Ram iniciou o “Progetto sportelli di turismo responsabile”
dentro das Lojas de Comércio Justo, apoiadas pela AITR e pela associação de lojas de
comércio justo italianas “Assoboteghe”. Os representantes das lojas interessadas seguiram um
curso de formação e depois começaram a desenvolver a atividade dentro das lojas. Desse
projeto surgiram mais de vinte pequenas agências de turismo responsável dentro das lojas
espalhadas pela Itália. Paralelamente, outras organizações de Comércio Justo começaram a
promover viagens responsáveis aos lugares de proveniência dos produtos de Comércio Justo,
161
programando visitas às cooperativas de produtores locais. Não restam dúvidas de que as
atividades relacionadas ao Turismo Responsável podem ganhar novas dimensões se
aproveitar a experiência já acumulada pelo movimento do Comércio Justo.
4.2 – A rede Turisol165: articulando o turismo comunitário no Brasil
A Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário TURISOL articula
organizações e experiências que consolidam uma proposta de turismo comunitário no Brasil.
O turismo comunitário ou solidário se baseia nos princípios da Economia Solidária e pretende
ser uma alternativa ao turismo convencional, pois critica o mito do turismo como gerador de
emprego e renda e denuncia as políticas centradas na atração de investimentos que não levam
em consideração a participação e o envolvimento das comunidades locais. A rede reúne 13
projetos, abrangendo 8 Estados brasileiros e 61 municípios.
A rede nasceu informalmente em 2003 com o objetivo de incentivar a reflexão sobre
os efeitos do turismo e de consolidar os empreendimentos de turismo solidário do Brasil. O
grupo de interlocução sobre o tema foi formado por uma iniciativa da Embaixada da França
no Brasil que iniciou, em fevereiro daquele mesmo ano, um programa de cooperação no setor
de Economia Solidária. Para fomentar uma discussão sobre o turismo solidário no Brasil, a
Embaixada reuniu em Brasília, julho de 2003, representantes de diversos projetos que já
estavam em andamento, representantes do Poder Público e de entidades de apoio. A partir
dessa reunião 7 projetos166 foram convidados a representarem o país no Fórum Internacional
de Turismo Solidário (FITS), ocorrido em setembro de 2003, em Marseille/França.
165
Informações coletadas no site http://turisol.wordpress.com , e na apresentação de Ana Gabriela Fontoura no
Fórum Global de Turismo, no Fórum Social Mundial 2009.
166
Os sete projetos brasileiros fora: Prainha do Canto Verde (Ceará); Acolhida na Colônia (Santa Catarina);
Ecoporé (Rondônia); Palmatur (Ceará); Parque Regional do Pantanal (Mato Grosso do Sul); Pousada Aldeia dos
Lagos (Amazonas); e Bordados da Caatinga (Piauí).
162
Esses encontros geraram grande entusiasmo e interesse nos participantes de continuar
a comunicação, trocando experiências e contribuindo para o fortalecimento do turismo
comunitário no Brasil e assim se formou a rede. Entretanto, até 2007 nenhuma das
organizações participantes pôde assumir a coordenação da rede, pois estavam dedicadas à
execução dos seus próprios projetos. Foi com o apoio da Ashoka Empreendedores Sociais e
Fundação Artemísia, que as organizações Projeto Bagagem, Acolhida na Colônia, Prainha do
Canto Verde, Fundação Casa Grande, Instituto Terramar, Grãos de Luz e Griô e Ministério do
Meio Ambiente realizaram, em novembro de 2007, um Encontro de Turismo Comunitário
para retomar a consolidação da Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário.
Paralelamente, o Ministério do Turismo (MTUR) se sensibilizou com a questão e
organizou uma reunião em outubro de 2007 para discutir uma proposta de formação de uma
rede brasileira de turismo comunitário. Participaram da reunião os projetos: Acolhida na
Colônia, Projeto Bagagem e Fundação Casa Grande; além do Instituto Virtual do Turismo da
UFRJ, e dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Desenvolvimento Agrário (MDA).
Percebendo que a rede já existia, o Ministério do Turismo, em vez de apoiar a criação de uma
nova rede, lançou um edital em junho de 2008 para a chamada de projetos de Turismo
Comunitário. A partir desse edital, alguns membros da Turisol se articularam e fizeram a
incrição organizada da rede, configurando assim o plano de trabalho da Turisol. As principais
linhas de atuação da Turisol são:
1. Formação e Capacitação: Promove a realização dos Encontros de Formação, Encontro
Nacional e participação em eventos nacionais e internacionais sobre Turismo Comunitário
2. Produção de Conhecimento: Envolve a produção de materiais didáticos sobre os temas
trabalhados nos encontros de formação e sobre metodologias de sucesso testadas e
implantadas pelos membros da rede. Publicações e vídeos são os produtos dessa linha.
3. Impactos em Políticas Públicas: Envolve o diálogo com os Ministérios e Secretarias,
reuniões, sugestões, elaboração de editais, participação em rede em editais, para o
fortalecimento do Turismo Comunitário e a criação de políticas, programas e ações
governamentais por um turismo justo.
4. Promoção e Comercialização: Envolve o fortalecimento dos destinos da rede por meio da
criação de produtos promocionais e estratégias de comercialização conjuntas do turismo
comunitário.
163
Da Amazônia, compõem a rede os seguintes projetos: a Associação de Silves pela
Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC) – Silves (AM); o Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá – Tefé (AM); e o Projeto Saúde e Alegria em Santerém, Belterra e
Aveiro (PA). Todos os projetos da rede seguem princípios de turismo comunitário, no entanto
não existe ainda uma carta que unifique os princípios seguidos pelas várias organizações.
Uma tentativa de união desses princípios pode ser encontrada no site da Turisol
(http://turisol.wordpress.com).
Assim como nos princípios, as organizações ainda não definiram um conceito único
para o Turismo Comunitário. Uma das definições mais abrangentes é a do projeto bagagem,
que entede Turismo Comunitário como:
a atividade turística desenvolvida com base nos princípios da transparência,
conservação e participação, onde a principal atração é o modo de vida da
população local. O objetivo é beneficiar prioritariamente os moradores, que
são gestores e proprietários dos empreendimentos turísticos, valorizar a
cultura e contribuir com a preservação do meio ambiente. Trata-se de uma
alternativa de renda que complementa atividades tradicionais já praticadas e
seu processo de planejamento e implementação deve acontecer com a
liderança e intensa participação da população, fortalecendo as associações e
cooperativas locais e viabilizando projetos comunitários.
O Projeto Bagagem167 é uma ONG que promove roteiros turísticos interligando os
projetos de turismo comunitário. Oferece dois roteiros na Amazônia o: “Amazônia
Ribeirinha” desenvolvido em parceria com o Projeto Saúde e Alegria; e o “Gurupá Terra das
Águas” desenvolvido com o Instituto Gurupá e a Casa Familiar Rural de Gurupá. Ambos os
roteiros são realizados em 7 dias e as atividades são realizadas nas comunidades locais. No
caso do “Amazônia Ribeirinha” a hospedagem é realizada em redes no barco do Projeto
Saúde e Alegria. No “Gurupá Terra das Águas” o turista pode se hospedar no barco ou na
comunidade.
4.3 - O turismo na Amazônia: a necessidade de uma inversão de prioridades.
As iniciativas de turismo responsável pretendem o envolvimento e a participação das
populações locais nas dinâmicas do desenvolvimento econômico e social, promovendo assim
a organização comunitária e fortalecendo os processos de descentralização e valorização do
território. Baseado nos princípios da economia solidária, o turismo de base comunitária se
apresenta como alternativa aos projetos de turismo convencional, ou seja, como uma
167
Mais informações no site www.projetobagagem.org
164
oportunidade importante de atividade integrada à valorização de práticas sustentáveis de uso
dos recursos naturais. O turismo comunitário promove a interculturalidade, e esse é um dos
seus aspectos mais interessantes.
No entanto, na Amazônia ainda persistem os “grandes projetos”, inclusive para o setor
do turismo. Tais projetos se apoiam na lógica de que o turismo convencional é um grande
vetor de desenvolvimento. Um exemplo é o projeto “Parque Amazônia”, cuja a intenção era
atrair investidores internacionais, por isso foi contratada a empresa de consultoria norte
americana Morris Architects para elaborar o projeto. Até agora foram investidas grandes
quantias de recursos públicos, que gerou emprego e renda somente para os dependentes dessa
empresa estrangeira. O parque abrangeria uma área de 19.000 acres às margens do Rio
Guamá, onde existem florestas primárias e secundárias preservadas em 68% da área do local.
Em suas primeiras fases, o projeto previa aparelhos de recreação e aventura, pesquisa e
educação, da mesma forma que espaço para entretenimento cultural, áreas para "shopping" e
zoológico. Além disso, previa a construção de hospedarias ecológicas, hotéis ecológicos e
"resorts" integrados, planejados para trazer o hóspede mais “próximo do ambiente que o
rodeia”.
Todavia, na área destinada ao projeto168 não existe sequer uma comunidade
amazônica. Mais uma vez o homem é esquecido, parecendo que a Amazônia só é composta
por florestas e animais. Provavelmente, se executado o projeto, atores se vestirão de índios, ou
os próprios índios serão contratados para se auto-representarem. Atualmente o projeto está
parado por uma série de razões que vão desde problemas burocráticos, da fase de sua
elaboração, até um novo modo de conceber o turismo da atual gestão da Paratur (Companhia
Paraense de Turismo).
Um exemplo de Turismo Comunitário no Estado é o Projeto Saúde & Alegria169 que
atua, desde 1987, em comunidades extrativistas dos rios Amazonas, Tapajós e Arapiuns, nos
municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, abrangendo uma área territorial de 44.025 Km² e
um total de 292.650 habitantes. A sua missão é “apoiar processos de desenvolvimento
integrado e sustentável, geridos pela própria população, que possam contribuir de maneira
demonstrativa no aprimoramento de políticas públicas, na melhoria da qualidade de vida e no
168
169
Que é a área de desapropriação da fazenda Pirelli, nos arredores de Belém.
Não foi realizada pesquisa de campo na área do Projeto Saúde & Alegria.
165
exercício da cidadania” (POMPERMAIER at al, 2007). É nesse contexto que nasce a ação de
ecoturismo de base comunitária dentro do programa “Economia da floresta”.
Foi a partir da recepção de parceiros e financiadores do projeto que se observou a
necessidade de facilitar e mediar a interação entre visitantes e comunidades. Em 2001, graças
a uma parceria com o Projeto Bagagem170, foi organizado o primeiro roteiro chamado
“Amazônia Ribeirinha”. Nesse roteiro, grupos de no máximo 15 pessoas viajariam, a partir de
Santarém, navegando pelos rios Tapajós e Arapiuns e visitando seis comunidades, para
conhecer essa particular realidade amazônica. Atualmente, o PSA oferece vários roteiros e
também organiza viagens sob medida, contribuindo para a melhoria das condições de vida das
comunidades.
De acordo com Márcio Halla, que foi coordenador de Economia da Floresta do projeto
Saúde & Alegria, “o aspecto central do desenvolvimento regional no campo do Ecoturismo de
Base Comunitária, no momento atual, deve estar centrado no planejamento e aprimoramento
da capacidade de auto-gestão” (HALLA, 2008, p. 3). Acreditando nisso é que consideramos a
prática do ecoturismo comunitário como uma alternativa de desenvolvimento da Amazônia.
O artigo 5 do Código Mundial de Ética do Turismo afirma o turismo como “atividade
benéfica para os países e para as comunidades de destino” e afirma que “As populações e
comunidades locais devem estar associadas às atividades turísticas e participar
equitativamente nos benefícios econômicos, sociais e culturais que geram, e sobretudo na
criação de emprego direto ou indireto resultante” (OMT, 1999). Porém, é preciso estabelecer
critérios e cuidados para que as comunidades não corram o risco de “se tornarem objetos de
consumo, de se moldarem ao mercado, de perderem a naturalidade e se comportarem como
exóticos para atender às expectativas dos visitantes, de enfim terem a sua identidade
mercantilizada (FIGUEIREDO, 2002, p. 53). Portanto, a prática do turismo comunitário
requer que as comunidades receptoras tenham consciência das diversas possibilidades desse
processo, para que possam atuar como agentes ativos da sua própria inserção nesse campo.
A Amazônia, em virtude de sua rica biodiversidade, das suas várias culturas e da sua
pujante natureza, composta de exuberantes rios e florestas, se apresenta como um destino
170
Projeto Bagagem: Associação sem fins lucrativos que busca fortalecer o turismo comunitário no Brasil,
através da promoção de convivência de turistas com as comunidades receptoras por meio de atividades
recreativas que valorizam o meio de vida local. Atualmente, dispõe de dois roteiros na Amazônia Paraense. Um
com o Projeto Saúde & Alegria e outro com a Fase de Gurupá.
166
muito atrativo para a prática do ecoturismo. Contudo, a região sofre com o avanço de frentes
capitalistas que produzem a degradação das suas populações tradicionais e a destruição da
natureza. No bojo dessa contradição, ampliar as possibilidades do turismo comunitário
significa contribuir para viabilizar uma alternativa virtuosa de desenvolvimento, capaz de
valorizar o protagonismo local, a afirmação de lideranças comunitárias e do próprio espírito
de solidariedade. Assim, o turismo comunitário significa também uma das bases para a
estruturação de uma economia da floresta.
4.4 – Dois casos que envolvem quatro experiências na Amazônia
Nesse tópico apresentaremos dois projetos bem sucedidos na região: um de turismo
comunitário e outro de comércio justo. Tais projetos demonstram claramente a ligação do
Turismo Comunitário e do Comércio Justo, especialmente quando se trata de uma região
como a Amazônia. Do projeto de turismo comunitário nasceu uma experiência modelo de
organização de produtores que atuam com os princípios da Economia Solidária. Do projeto de
comércio justo nasce uma pousada que pretende ser referência de ecoturismo indígena
comunitário. Os projetos se encontram e é possível perceber um círculo virtuoso, onde é
tangível a cooperação, a solidariedade e a troca de experiências.
I - A Pousada Aldeia dos Lagos e a Avive: novas dinâmicas para o município de Silves AM
A partir da visita de campo realizada em agosto de 2007, em Silves (AM), para
conhecer a experiência de turismo de base comunitária da pousada Aldeia dos Lagos, foi
possível identificar aspectos determinantes para o sucesso de uma iniciativa de organização
comunitária na efetivação de um projeto de turismo integrado aos interesses dos locais. O
estudo de caso foi construído a partir das informações colhidas durante a pesquisa de campo.
Para a pesquisa utilizamos o método da história oral, através da realização de entrevistas
semi-estruturadas com atores locais determinantes, que vivenciaram o processo histórico e
que atuam nos projetos até hoje.
A partir das informações colhidas pôde-se perceber o preponderante papel da Igreja
Católica para o fortalecimento das comunidades, tanto no próprio município quanto em outras
regiões da Amazônia. Nos anos sessenta houve um esvaziamento das zonas rurais, com
grande migração para os centros urbanos. Isso foi resultado da desestruturação do tradicional
167
sistema de aviamento171, o que repercutiu no aumento da pobreza, que foi evidenciada por
processos de injustiças sociais.
A Igreja Católica buscou desenvolver ações para melhorar as condições de vida das
populações ribeirinhas, para garantir a sua permanência no lugar de origem. Deu início, então,
às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, na perspectiva da reestruturação social dos
assentamentos rurais da região. Com a estruturação política e social de vários setores sociais,
através das CEBs e do Movimento de Educação de Base (MEB), muitos grupos populares se
fortaleceram e os assentamentos passaram a ser conhecidos como “comunidades”.
Reconhece-se então, como pano de fundo, toda uma formação dos grupos comunitários
baseada em princípios éticos e morais.
O respeito a esses princípios foi um fator determinante para a consolidação das
associações e cooperativas em Silves. Vicente Neves, atual coordenador da Pousada Aldeia
dos Lagos, relata que:
todas essas coisas que acontecem até hoje estão muito relacionadas à questão
religiosa. A gente começou o trabalho de base nas Comunidades Eclesiais de
Base. Foi um período interessante da minha vida porque eu acho que a gente
tem que ter uma formação na vida da gente, que nesse caso foi uma
formação interessante. Apesar de não ser uma formação que a gente foi
formado pra ganhar dinheiro, pra empreender e tudo mais, foi uma formação
que eu não me arrependo.
Em Silves, foi possível conhecer a ASPAC – Associação de Silves pela Preservação
Ambiental e Cultural, responsável por todo o projeto de preservação dos lagos e pela Pousada
Aldeia dos Lagos. Conhecemos também a AVIVE – Associação Viva Verde da Amazônia,
que é constituída por mulheres produtoras de óleos e essências da floresta, que trabalham na
produção de velas repelentes, incensos e sabonetes aromáticos. Interessante constatar que
também na Avive, as participantes tiveram uma formação relacionada aos projetos da Igreja
Católica. Bárbara Bschmal, alemã aromaterapeuta, associada precursora da constituição da
Avive afirma:
As senhoras da Avive, grande parte foi formada na Pastoral da Terra, foi
muito bom. A gente tem algumas cartilhas que ensinam até a fazer sabão de
breu, ou seja, sabão a base de sebo e com a resina de breu. Tem uma receita
fantástica. Interessante isto, não? Por quê que eles ensinaram, né? Eu acho
171
De acordo com Aramburu (s/d) “O aviamento, termo cunhado na Amazônia, é um sistema de adiantamento
de mercadorias a crédito. Começou a ser usado na região na época colonial, mas foi no ciclo da borracha que se
consolidou como sistema de comercialização e se constituiu em senha de identidade da sociedade amazônica”.
168
muito bacana [e completa]. E que não explorou. A Igreja foi uma empresa
social. Ela utilizou os conhecimentos em beneficio dos próprios praticantes
locais, enquanto as empresas de hoje, elas vêm, aplicam uma ou outra coisa,
mas o grande ganho é pra elas e a Igreja fazia isto sem ganho pra ela.
As duas experiências estudadas estão bem consolidadas. A Aspac é ligada ao turismo
de base comunitária e a Avive apresenta grande potencial de inserção dos seus produtos na
rede de comércio justo e solidário. Analisando essas realidades, foi possível identificar os
aspectos principais para a consolidação de experiências similares. Constatou-se que iniciativas
desse gênero são capazes de transformar a realidade de todo um território, antes suscetível ao
atraso e ao abandono.
A pesquisa de campo em Silves foi divida em duas partes: uma referente à experiência
da Aspac, desde os seus aspectos gerais até a estruturação do programa de ecoturismo de base
comunitária; outra referente à Avive, como consolidação de um grupo de mulheres com
produtos de qualidade e bem desenvolvidos aptos a serem inseridos no circuito do comércio
justo. Porém, consideramos necessário partir da contextualização do município de Silves para
entender como as dinâmicas dos dois projetos se inserem e modificam o perfil do território.
a) Contextualizando Silves (AM)
O município de Silves é um dos mais antigos núcleos de colonização do Estado do
Amazonas. Origina-se em 1663, a partir de uma missão da Ordem das Mercês com a
concentração das tribos indígenas locais. Está localizado no nordeste do Estado do Amazonas,
na região do Baixo Amazonas, a leste da capital Manaus, de onde dista 330 km por rodovia ou
250 km por via fluvial. O acesso por rodovia é realizado pela AM -10, que liga Manaus à
Itacoatiara até o Km 178 da via. Depois é preciso percorrer outra estrada por mais 72 km, a
maior parte de terra, para finalmente alcançar Silves.
Para o visitante independente, o modo mais cômodo de chegar a Silves é de ônibus até
Itacoatiara, com duração de quatro horas, de onde se pega um expresso (pequena embarcação
coberta com capacidade para cerca de 50 passageiros) e por volta de 50 minutos se alcança o
porto de Silves.
A população de Silves foi estimada em 8.771 habitantes, no ano de 2004. O município
depende, principalmente no que se refere a produtos e serviços, de Manaus e de Itacoatiara. O
acesso à internet via rádio é precário, podendo ser interferido com qualquer mudança
169
climática. Para sua subsistência, a população depende quase que exclusivamente da pesca e
sofre uma grande pressão sobre este recurso.
Sua área territorial total é de 3.747,279 km² (www.wikipedia.org), o que faz do
município um dos menores do Estado. A sede do município está localizada em uma ilha
fluvial banhada pelas águas do rio Urubu e do lago Saracá, com topografia particular, pois
existem desníveis acentuados entre a orla e o centro da ilha. Dos pontos mais altos da cidade,
com 46 metros de altitude, é possível gozar de uma vista particular da paisagem amazônica. O
rio Urubu forma o lago do Canaçarí, um dos maiores da região, cujas águas na época da cheia
(de janeiro a junho) ultrapassam os limites do lago unindo-o ao rio Amazonas. No período de
seca (de julho a dezembro) o lago divide-se em dezenas de pequenos lagos conectados até
atingir o rio Amazonas.
b) O cenário do turismo no município
Com uma geografia particular e cenários exuberantes, o turismo ecológico se
consolidou em Silves como uma importante alternativa de renda. Com a presença de dois
empreendimentos turísticos, a Guanavenas Pousada Hotel de Selva e a Pousada Aldeia dos
Lagos, o turismo em Silves garante trabalho a uma parte dos moradores da cidade. O
Guanavenas Pousada, tipologia de hotel de selva, foi inaugurado em 1980 e é dotado de uma
grande estrutura física com todas as facilidades de um hotel de luxo como: piscinas, sala de
jogos, campos de recreação, entre outros. Recebe cerca de 1.800 hóspedes por ano, sendo a
maior parte estrangeiros. O hotel é cercado como uma fortaleza, por lagos, igarapés e floresta,
não promovendo a interação com a população local, utilizando raramente os seus serviços. A
falta de integração com a comunidade local perfaz a principal diferença da Pousada Aldeia
dos Lagos.
A Pousada Aldeia dos Lagos, que está localizada no outro extremo da ilha, nasceu
para realizar o turismo de base comunitária. Oferece roteiros em que os visitantes possam
interagir com as comunidades, enriquecendo-se culturalmente. Prima por utilizar os serviços
oferecidos pelas comunidades locais. Assim, busca-se contribuir para o comércio local
garantindo uma maior geração de renda para a população local. A pousada foi inaugurada em
1994, sendo criada e gerida pela ASPAC - Associação de Silves pela Preservação Ambiental e
Cultural. A Aspac merece destaque nesse trabalho por ter unido à luta pela preservação
170
ambiental a um empreendimento turístico. Tal empreendimento significou uma alternativa de
renda para a comunidade e garantiu a transformação da realidade silvense.
Figura 12: Cidade de Silves
Foto: Kércia Figueiredo
c) A ASPAC: histórico e parcerias
A Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural – ASPAC é uma
entidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos, com autonomia financeira e
administrativa, que foi fundada no município de Silves (AM), em 19 de março de 1993
(PINTO, 2004). Nasceu a partir de um movimento de defesa ao meio ambiente, desde os anos
oitenta, junto com as comunidades ribeirinhas, principalmente, no que se refere à conservação
de áreas aquáticas e de várzea, contra a invasão dos grandes barcos pesqueiros (idem). Como
afirma Vicente Neves, que participou desde o início dessa luta:
Nesse processo é que começa os primeiros trabalhos de ecologia, sem o
pessoal saber o que exatamente estavam fazendo, essa parte ecológica que,
na verdade, não era nem tanto moda por aqui. Que no final das contas tudo
atualmente é questão de sustentabilidade, é sustentável, é não sei o que e tal.
Então, nós começamos esse trabalho sem ter muita consciência, consciência
de... nessa questão de sustentabilidade, de ecologia, essa coisa. Era mais uma
questão de pele mesmo, de fome, de sobrevivência mesmo, não tinha tantas
ideologias. O pessoal aceitaram realmente a começar a fazer o trabalho de
preservação por causa que eles viram que realmente não tinha peixe.
Dessa forma, pode-se notar que todo o discurso de defesa ao meio ambiente não
aconteceu com escopo puramente ideológico, mas sim por uma questão de necessidade, já que
a fonte de subsistência das populações tradicionais estava desaparecendo. De fato os peixes
estavam acabando. A Aspac, a partir de sua legalização, garantiu a aprovação de importantes
leis municipais para regulamentar as atividades pesqueiras e determinar o fechamento de
171
lagos estratégicos, como áreas permanentes de preservação. O resultado foi a fiscalização
permanente dos lagos pelos próprios ribeirinhos. Além do mais, a pesca predatória e de
grande porte foi banida da região. Enfim, a constituição da Aspac significou uma estratégia de
garantir o controle da gestão do território pelas comunidades ribeirinhas, além de garantir a
conservação dos recursos naturais da várzea.
Em 2002, um conjunto de organizações, formado pela WWF, pela Universidade
Federal do Amazonas, e pelo Governo Federal, realizou pesquisas nas quais constataram que
em cinco dias da semana os moradores locais comiam peixe. As pequisas apontaram que a
atividade da pesca representa cerca de 45% da economia local, principalmente para as
comunidades rurais. Mesmo sendo para a subsistência e não para a comercialização, na
contabilização do final do mês, a economia representava 45% da renda das famílias. Portanto,
sem a pesca haveria um enorme desequilíbrio.
Foi através do movimento172 de preservação dos lagos e dos comitês de defesa da pesca
comunitária, que os ribeirinhos se articularam com parceiros nacionais e internacionais para a
viabilização de um projeto de gestão territorial de base local, a fim de garantir a
sustentabilidade dos grupos sociais envolvidos.
Como resultado da luta da ASPAC, foi implantado na região um sistema de proteção de
lagos de várzeas amazônicas. São três os tipos de áreas de manejo de lagos:
1. Lagos de Procriação – Lagos Santuários, totalmente protegidos, onde ocorre a
reprodução dos peixes;
2. Lagos de Manutenção – Lagos onde é permitida somente a pesca artesanal de
subsistência, garantindo a alimentação e renda da comunidade;
172
Segue a lista de parceiros envolvidos no processo: Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra
(CPT); Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Silves; Prefeitura Municipal de Silves, através da Secretaria de
Meio Ambiente; WWF Brasil, Fundo Mundial da Natureza – Viabilizou grandes financiamentos através de
doações dos Governos a Áustria e Suécia; IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia) de SantarémPA – transferiu informações e técnicas para gestão dos recursos das várzeas de Silves, através do seu Programa
de Manejo de Várzea; GTA (Grupo de Trabalho da Amazônia) – capacitou o pessoal local para assumirem
funções administrativas, de recepção e de gestão da infra-estrutura turística; IPA (Instituto de Permacultura da
Amazônia) - transferência de tecnologia para a produção experimental de produtos agrícolas; AVIVE
(Associação Viva Verde da Amazônia); Associação Profissional dos Pescadores do Município de Silves;
Viverde – Agencia de turismo de Manaus; COOPTUR – Cooperativa de Trabalho em Turismo da Amazônia;
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) – A ASPAC é um dos
representantes da região norte no Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA); SEBRAE; PPG7 (Programa
Piloto para a Proteção de Florestas Tropicais do Brasil). A região de Silves foi escolhida, junto com o projeto
várzea de Santarém, como área piloto para implantação de um sistema de monitoramento e controle dos recursos
naturais da várzea dentro do Pró-Várzea - Projeto de Manejo dos Recursos Naturais da Várzea.
172
3. Áreas de Exploração Pesqueira – Demais rios, igarapés e lagos, onde é
permitida a pesca comercial, salvaguardando restrições de leis federais,
estaduais e municipais.
No ano de 1993, a aprovação de uma lei municipal garantiu este sistema de manejo
com a criação de uma área de proteção dos lagos de preservação. Enfim, a ASPAC pretende
garantir a conservação e manejo dos recursos naturais de várzea consolidando um programa
de preservação dos lagos, um programa de turismo ecológico junto às comunidades e a
implantação de um sistema produtivo agro-ecológico integrado para os produtores da região.
Figura 13: Mapa da região de Silves
Foto retirada do site www.ibama.gov.br/provarzea, em 12/07/09.
Para viabilizar a implantação da estrutura receptora de turismo de base comunitária e
da conservação dos lagos, a Aspac contou com importantes recursos financeiros garantidos
graças aos seus parceiros. Com isso, a associação pôde evoluir no seu processo de gestão.
Segundo Pinto (2004) até o ano de 2004, estes investimentos totalizaram cerca de US$
738.000,00 (Setecentos e trinta e oito mil dólares), divididos como segue:
•
•
•
•
US$ 270.000,00 – Construção da estrutura de turismo de base comunitária – SIDA –
WWF;
US$ 29.600,00 – Projeto de Reforma da estrutura de turismo –WWF;
US$ 150.000,00 – Projeto de Fortalecimento de Manejo dos Lagos – PD/A – PPG7.
US$ 288.718,00 – Após término do PD/A, foi apoiado pelo Pró-Várzea - programa
também vinculado ao PPG7.
173
d) A ASPAC e a experiência de turismo comunitário
A ASPAC inaugurou, em 1997, a pousada Aldeia dos Lagos, cujos resultados
econômicos permitiriam as comunidades de se manterem de forma sustentável, garantindo a
estruturação e a manutenção de um sistema de proteção e conservação dos lagos e dos
recursos pesqueiros. Um evento importante foi a conferência Rio 92, quando se reforçou a
preocupação com a questão ambiental. Foi um momento de difusão do trabalho realizado pelo
pelas comunidades ribeirinhas em Silves, que fazia do município um destino ecologico, social
e politicamente correto. Foi a partir de então que vários grupos de visitantes, principalmente
de italianos, passaram a conhecer o município, ficando hospedados inicialmente nas próprias
comunidades. Assim, nasceu a idéia de montar uma pequena estrutura para recepcionar os
visitantes, com a finalidade de fortalecer a comunidade, de preservar o meio ambiente e acima
de tudo de ser uma alternativa econômica viável.
Figura 14: Pousada Aldeia dos Lagos
Foto: Kércia Figueiredo
Para garantir a construção da pousada, a Aspac se articulou localmente para
sensibilizar o Poder Público Municipal a ceder uma área, e ao mesmo tempo viabilizar o
acesso a esta, para que a própria comunidade construísse ali a estrutura de turismo. No âmbito
internacional, a associação buscava apoio através de parcerias para garantir os recursos
econômicos, para a obra e também o início do seu funcionamento. Naquela época, o
pesquisador em recursos pesqueiros da CPT (Comissão Pastoral da Terra), Tibério Aloggio,
filiado ao WWF Itália, elaborou o projeto da estrutura turística para obter financiamento via
174
WWF. O projeto foi aprovado, e com recursos do governo da Áustria, em dezembro de 1994,
numa área de cinco hectares cedida pelo poder público local, iniciou-se a construção da
Pousada Aldeia dos Lagos. A obra foi concluída com a ajuda do mutirão dos comunitários,
resultando em dois blocos de seis quartos cada um, administração, cozinha e restaurante. A
pousada recebeu seus primeiros hóspedes em julho de 1997.
Figura 15: Bloco de quartos da pousada
Foto: Kércia Figueiredo
No ano seguinte, o WWF – Brasil, com apoio financeiro do WWF – Suécia, deu início
a um programa de desenvolvimento e formação comunitária para a educação ambiental, o
ecoturismo e a conservação. Desse modo, foi implantado o PEC – Programa de Ecoturismo
do WWF- Brasil, que capacitou alguns membros da Aspac. Os cursos abordavam temas como
a capacidade de carga, impacto de visitação, monitoramento de trilha e introdução em
interpretação ambiental. Na mesma época, o Sebrae ofereceu cursos em cozinha regional,
atendimento ao turista e administração contábil (fluxo de caixa).
Nos primeiros tempos de funcionamento existia uma equipe de funcionários
permanentes, que era viabilizada através de recursos dos projetos. Já no ano 2000, com o
encerramento dos financiamentos, a equipe fixa foi demitida e nesse momento foi criada a
COOPTUR – Cooperativa de Trabalho em Turismo da Amazônia – cujos membros, 36
pessoas, foram capacitados em administração e passaram a ser remunerados por hora de
trabalho. A cada grupo de turistas recebidos, faz-se o rodízio de trabalhadores para envolver o
máximo de cooperados possível.
Constatou-se que sem o suporte dos financiamentos até então recebidos, a atividade
de turismo seria inviável e que em três meses podia-se decretar falência. Como afirma Vicente
175
Neves, coordenador da pousada, “o problema é que o WWF, em princípio acostumou muito
mal. Entendeu? Parece que tudo era as mil maravilhas, mas não era verdade. Na hora da
sustentabilidade, vamos ver se a gente é sustentável, é que foi a dificuldade” e também “no
estudo de viabilidade econômica do Aldeia dos Lagos foi constatado que o empreendimento
não era viável economicamente”173.
Nesse momento de crise, os líderes da ASPAC perceberam que o negócio ainda não
era sustentável devido à falta de um trabalho com a base, ou seja, com as comunidades
envolvidas e, sendo assim, com os próprios membros da associação. No começo, esse
trabalho com as comunidades foi feito, mas depois passaram cerca de três anos sem que
houvesse uma continuação, uma preocupação com isso. Foi então que perceberam que voltar
às origens era urgente, pois só assim poderiam se fortalecer como associação, garantindo a
sustentabilidade das importantes atividades iniciadas. Em 2001, retomaram com muita força
de vontade esse trabalho e, segundo eles, a partir desse momento começaram a “caminhar
com as próprias pernas”.
Atualmente, a atividade do turismo envolve 5 comunidades174 localizadas em pontos
estratégicos, são elas: São João da Enseada, Santa Luzia do Sanabani, Santa Fé, Cristo Rei do
Arebá, Baixa Funda e Pampolha. Os grupos de turistas optam por um ou mais roteiros
propostos nas comunidades. Entre os roteiros tem os que incluem o pernoite na comunidade, o
que aumenta ainda mais a interação com os nativos. Cada comunidade tem a sua
especialidade seja ela o alojamento, refeições, incursões na mata, pescaria noturna, passeio
nos lagos, entre outras. Para melhorar seus serviços e atender às demandas das comunidades
envolvidas, a Aspac realiza o Encontro de Turismo anual, quando é feita a avaliação do ano e
definidas as estratégias para o desenvolvimento do setor. No Encontro, também são discutidos
pontos estratégicos como preços, reclamações, passeios e finalmente como incrementar o
número de visitantes.
O principal problema do empreendimento sempre foi e ainda é a sazonalidade. De
julho até dezembro é o período da alta estação, no qual a pousada realmente funciona. Porém,
a renda obtida dos cerca de 270 turistas que se hospedam anualmente, ficando em média três
ou quatro dias, deve garantir os custos fixos e operacionais do ano inteiro. Os grupos são
173
174
Estudo realizado pela Universidade Federal do Amazonas.
Roteiro de passeios nos anexos desse trabalho.
176
pequenos, por volta de oito a dez visitantes, grande parte deles italianos, devido a ligações da
Aspac com profissionais de ONGs italianas que propõem o “turismo solidário”.
Assim, o turista pode conviver com a comunidade local, vivenciando intensamente a
cultura local e conhecendo a natureza a partir do ponto de vista daqueles que ali vivem. Os
nativos mostram a natureza de forma não espetacularizada, mas como parte de um modo de
vida que deve ser respeitado e valorizado. Além do mais, o turismo comunitário em Silves
gera renda para as comunidades tradicionais, pois todo o trabalho de recepção é organizado
pelos próprios moradores locais: eles mesmos são os guias, recepcionistas, cozinheiros,
administradores, motoristas, arrumadeiras, entre outros. Nacionalmente, as vendas de pacotes
são realizadas, na sua maioria, pela Viverde, agência especializada em ecoturismo no estado
do Amazonas, ou diretamente pela Aspac.
Fica claro que na Pousada Aldeia dos Lagos se pratica o turismo responsável de base
comunitária. Como considera Vicente “o produto é bom, não é ruim, é bem aceito, enfim. O
problema é que dos italianos que viajam, apenas 3% fazem a opção do turismo responsável”.
Com essa freqüência de turistas, muitas vezes a atividade não gera lucro, quando tem, este é
direcionado para o trabalho de preservação dos lagos: objetivo principal do projeto. O ideal
seria que esta iniciativa inovadora garantisse o financiamento das atividades de conservação e
de expansão comunitária, destinando 20% do lucro para o fundo de conservação e 10% do
lucro para o fundo de reposição e expansão comunitária.
Segundo o documento "Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo" (1994),
publicado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério do Meio Ambiente, em
parceria com a EMBRATUR e o IBAMA, o ecoturismo é “um segmento da atividade turística
que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e
busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente,
promovendo o bem-estar das populações”. Logo, o turismo que se pratica em Silves vai além
da definição de ecoturismo, pois centraliza as populações tradicionais e suas relações com o
meio ambiente, priorizando a atividade do turismo como fonte para a sustentação da
população local e dos seus recursos naturais e culturais.
Mais uma vez fica evidente que se pratica ali o que conceituamos de turismo
responsável, pois é realizado seguindo princípios de justiça social e econômica e no pleno
respeito do ambiente e das culturas. Além disso, reconhece a centralidade da comunidade
177
local que recebe o visitante e o seu direito de ser protagonista no desenvolvimento turístico
sustentável e socialmente responsável.
Na visita à pousada Aldeia dos Lagos, percebeu-se nitidamente a diferença entre dois
grupos de visitantes: um com a proposta de fazer ecoturismo e outro que, por opção, escolheu
o destino para a prática do turismo responsável. O primeiro grupo, organizado pela agência de
turismo italiana “Aventure nel mondo”, se deslumbrava com tudo o que, seja na natureza
como na comunidade, parecia exótico. Buscava incessantemente ver o maior número de
animais possíveis, com máquinas fotográficas a captar mínimos movimentos. O grupo
apresentava um grau de exigência de qualidade no serviço de acordo com o padrão do turismo
convencional. Importante esclarecer que, apesar de a pousada possuir uma boa infraestrutura,
com quartos climatizados, com frigobar e chuveiro elétrico, impecavelmente limpos, muitas
vezes soluções para eventuais problemas que ocorressem eram improvisadas e alguns
serviços, por serem realizados pelos próprios comunitários, podiam fugir dos padrões
internacionais de recepção, o que acabava por gerar impaciência e frustrações em quem não
havia sido preparado para usufruir de uma realidade local particular. Já o segundo grupo, mais
preparado e consciente dos critérios do turismo responsável, buscava uma interação com a
comunidade da forma mais natural possível, se adaptando facilmente aos imprevistos e
possuía uma notável calma ao lidar com os programas. Transmitia a sensação de que o tempo
não era a principal circunstância para se viver ao máximo o período no local.
Figura 16: Turistas italianos em visita à casa de farinha de comunidade
Foto: Kércia Figueiredo
178
II- A AVIVE – fruto da organização social e comunitária da ASPAC
A Associação Vida Verde da Amazônia – AVIVE foi fundada em 17 de abril de 1999,
na cidade de Silves – AM. É uma sociedade civil sem fins lucrativos, de caráter técnicocientífico, apartidária, constituída por pessoas físicas com interesse na divulgação, proteção e
vigilância de ervas medicinais e plantas aromáticas da Amazônia. A associação nasceu a
partir de um curso promovido pela Aspac, realizado em janeiro de 1999, na pousada Aldeia
dos Lagos. O curso tinha como tema as plantas aromáticas e as ervas medicinais e foi
ministrado pelo professor Moacir Biondo, da Universidade Federal do Amazonas. Naquela
ocasião, o público-alvo eram pessoas da comunidade, com conhecimentos sobre plantas e
ervas ou que tivessem o desejo de trabalhar nessa área. O resultado do curso foi muito
positivo, pois foi essencialmente prático, o que motivou os participantes a irem além. Bárbara
Bschmal, aromaterapeuta alemã que chegou em Silves para a última fase de um projeto da
Aspac, no Aldeia dos Lagos, foi uma das precursoras desse processo. Ela diz:
No final do curso, que foi muito prático, algumas senhoras sentaram comigo
e perguntaram ‘puxa! Por que só um curso? Não dá pra fazer mais? E como
a gente poderia fazer pra trabalhar?’ E, eu acho que assim, nas conversas,
surgiu a idéia de se fazer uma instituição local que trabalhasse com plantas
medicinais, que valorizasse o conhecimento das pessoas que sabem como
utilizar essas plantas, que são as mulheres. As parteiras têm um grande
conhecimento. Tem até homens mateiros que sabem.
Foi nesse contexto que Avive foi criada por um grupo de mulheres e atualmente conta
com 46 sócias ativas e 04 sócias beneméritas entre professoras, enfermeiras, donas de casa,
parteiras, curandeiras/curandeiros, mateiros, que contribuem nos trabalhos. Segundo Bárbara:
O que nós queríamos era um grupo de trabalho. E, a idéia era fazer remédios
caseiros para a população local. Pelo menos para que ela tenha acesso. Pra
não esquecer que a avó ou a bisavó fazia um xarope pra cuidar da tosse do
bebê, enquanto hoje a mãe leva no posto de saúde e pega antibiótico, injeção
e isto ou aquilo, enfim. Então, era essa a intenção nossa.
A idéia era a de fundar uma associação e elaborar uma proposta de um projeto
comunitário para o desenvolvimento de uma linha de produtos naturais feitos com óleos
essenciais regionais. Estes seriam produzidos e manipulados pelas sócias da associação e
pelas demais mulheres da comunidade, proporcionando a elas a oportunidade de aplicar seus
conhecimentos tradicionais de etnomedicina e etnobotânica.
Em março de 1999, foi iniciada uma pesquisa sobre plantas aromáticas na região, com
recursos do WWF-Brasil. Tal pesquisa revelou que existiu uma usina destiladora de óleo
179
essencial de Pau-rosa, de propriedade inglesa, no início do século 20, na Ilha Sarça, SilvesAM. Logo após, outra usina, de propriedade do Sr. Américo Esteves, funcionou durante 40
anos, proporcionando empregos para os moradores de Silves durante muito tempo, mesmo
quando a exploração da árvore de Pau-rosa já havia se tornado ilegal. O resultado foi que no
final dos anos 70 este recurso natural se esgotou, sendo então os trabalhadores dispensados e a
usina transferida para o município de São Sebastião do Uatumã, onde ainda funciona.
A parceria com o WWF impulsionou as primeiras atividades da Avive. A proposta era
a de produzir uma quantidade razoável de óleo de Pau-rosa para aromatizar sabonetes, que
seriam oferecidos em hotéis de selva como atrativo. Essa idéia de acordo com Bárbara “em
termos de planos de negócios, é uma coisa extremamente viável. Se você pensa num mercado
(...). Se todos os hotéis e pousadas de selva, como o hotel Tropical, pegassem pros seus
serviços (...). Eu acho que nossas senhoras aqui estariam eternamente ocupadas em produzir
apenas este tipo de sabonete”.
A Avive tem como missão a “defesa, preservação e recuperação do meio ambiente,
dos bens e valores culturais, em busca da melhoria da qualidade de vida humana, com
especial atenção para as mulheres, no âmbito do bioma Floresta Amazônica”. Seu objetivo
principal é “a promoção de uma alternativa econômica de forma demonstrativa para as
mulheres da comunidade de Silves-AM, via extração sustentável de óleos essenciais da várzea
e produção de óleos essenciais com envolvimento comunitário, utilizando-se de tecnologia
branda de baixo impacto, integrando ações de conservação ambiental”.
As atividades mais relevantes contam com parceiros importantes e são:
•
Recuperação de áreas degradadas e matas ciliares
O trabalho inclui a coleta de sementes e a produção de mudas no viveiro da Avive.
Atualmente, o viveiro tem capacidade de produzir 50.000 mudas por ano, de 28
espécies diferentes de árvores nativas da floresta Amazônica, entre as quais também
espécies raras e endêmicas. Grande parte das mudas de árvores são plantadas em terras
de pequenos agricultores e proprietários de terra da região. Desde 1999, já foram
produzidas 8.873 mudas e metade foram plantadas em conjunto e comum acordo com
os proprietários de terras, especialmente em áreas degradadas. O viveiro da Avive
recebe em média mais de 300 visitantes por ano, entre eles turistas brasileiros e
180
estrangeiros, alunos e professores das escolas locais e pesquisadores de diversas
instituições.
•
Capacitação das mulheres da Avive com participação da comunidade em
geral
Em parceria com o SEBRAE/ AM, e com o suporte técnico e financeiro do WWFBrasil, a Avive organizou e realizou oficinas, palestras e seminários sobre atividades
de relevante interesse para as mulheres da associação e para a população da região. Eis
alguns cursos realizados: agricultura natural, cerâmica, produção de incensos, rappel,
informática básica, inglês básico, formação de preços, vendas, associativismo, entre
outros.
•
Produção de cosméticos naturais e óleos essenciais amazônicos
A Avive tem, desenvolvido com apoio técnico e financeiro do WWF – Brasil, uma
linha básica de sabonetes à base vegetal, para introdução no mercado de hotelaria de
selva e ecoturismo no estado do Amazonas. A Avive extraiu, em micro-escala, óleos
esseciais para demonstração. Os óleos foram extraídos de galhos e folhas das árvores
de Puxuri, Pau rosa, Louro Nhamuhy e Preciosa, que já são de uso popular tradicional
para fins cosméticos e medicinais.
Figura 17: Sede da Avive e associadas
Foto: Kércia Figueiredo
a) Os principais produtos produzidos pela AVIVE são:
181
•
Sabonete Natural - As mulheres da Avive já estão preparadas profissionalmente
para produzir até 10.000 sabonetes/mês, usando uma base glicerinada pronta,
apenas adicionando essências e corantes 100 % naturais como, por exemplo, óleo
essencial de Pau Rosa para perfumar e extrato vegetal de Crajirú, Urucum e sumo
de folha de mamão para obter colorações vermelho escuro, laranja e verde dos
sabonetes. Os sabonetes de 70 grs. em forma oval com o logo da AVIVE são
comercializados em lojas e os de 10 grs., formato redondo serão destinadas para o
uso em hotéis. Também foram criadas embalagens especiais para presente e
ocasiões especiais (casamento, brindes, etc.) sempre usando materiais naturais e/ou
reciclados nas embalagens.
Figura 18: Sabonetes expostos nas prateleiras da loja da Avive
Foto: Kércia Figueiredo
•
Incenso ou Mistura Aromática para Ambientes - As mulheres criaram uma
primeira mistura aromática para defumação, que recebeu o nome Uirapuru, e que
tem como base diversos breus regionais e pós de madeiras como Preciosa e Pau
Rosa (de folhas e galhos), além do pó de puxuri (das sementes) e da priprioca (dos
rizomas). A capacidade de produção deste tipo de incenso está aumentando. É um
produto bastante procurado pelos turistas estrangeiros que visitam os hotéis locais.
Está sendo desenvolvida outra mistura a base de ervas amazônicas como sacacinha
e patchuli, entre outras. A Avive comercializa o incenso em saquinhos de 20 grs e
a granel. Exportam a mistura inclusive para Alemanha (o produto é isento de
registro no Ministério da Saúde).
b) Produção e comercialização: dificuldades, critérios e estratégias
Atualmente, a Avive produz pouco em relação à sua capacidade de produção, pois não
conseguiu ainda registrar-se na Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, vinculada
ao Ministério da Saúde. Essa é a sua principal dificuldade. Na verdade, ocorre que a Anvisa
182
adota critérios de exigências que limitam os pequenos produtores de comercializarem seus
produtos, acabando por beneficiar as grandes empresas detentoras do capital. A Avive,
mesmo tendo tido importantes apoios financeiros, ainda hoje não conseguiu ter a sua
“sonhada” casa de produção, com todos os requisitos exigidos pela Anvisa como:
determinados tipos de prensas, bancadas, iluminação especial, entre outros. Conforme relata a
senhora Conceição Almeida, coordenadora de produção da Avive:
Durante a gente não ter essa casa de produção, nós não vamos poder
comercializar, por causa que nós temos que ter o registro da Anvisa (...)
Enquanto isso a gente vende em feiras, pequenos pedidos. A nossa capacidade
com as fôrmas que nós temos, com a casa que nós temos, é de até cinco mil
sabonetes por mês. A gente não produz. Inclusive a gente perde muito, porque
a gente não pode exportar.
E dá como exemplo:
A rede Pão de Açúcar tem um contrato de vendas com a gente, mas o
sabonete, eles tão muito interessados, mas não pode ir, por causa do registro
(da Anvisa), que a gente não tem.
Portanto, a associação, apesar de estar desenvolvendo um trabalho inovador, com
respeito aos critérios sociais, ambientais e de higiene e saúde, se limita a comercializar
somente as velas repelentes e os incensos aromáticos, produtos estes dispensados do registro
da Anvisa. O sabonete, apesar de ter cumprido todos os testes e exames dermatológicos
necessários está impedido para a comercialização. Bárbara Bschmal afirma que, apesar do
Governo Federal estar adotando medidas e programas que beneficiam as comunidades
tradicionais, ainda falta uma consideração especial para que o sistema adotado para
certificações e registros não descaracterize os produtos e que passe a valorizar a produção
artesanal, ela considera175:
Eu entendo que as pessoas falam ‘tem que atender aos critérios
internacionais’, mas eu não sei, eu continuo falando... Eu aceito: hoje nós
temos que estar andando dentro dos critérios, concordo plenamente. Eu só
penso que antigamente se fazia óleo de Andiroba no quintal. Eu tenho fotos
assim, que as pessoas lá no Amapá trabalhavam ao ar livre, cercado de porcos,
de patos, de galinha. Aquele óleo não oxidava, aquele óleo não estragava: ele
tava perfeito. Ninguém usava luva e proteção pra cabelo, o óleo servia e tinha
aquele cheiro marcante da Andiroba mesmo e era medicinal. Hoje, as grandes
empresas reclamam da qualidade dos óleos que são entregues. Se você compra
um óleo de uma empresa grande, no sul do país, não tem cheiro de Andiroba.
Tem cheiro de óleo de cozinha. Não tem cheiro nenhum. Eles tiram, eles
limpam, eles fazem um monte de processos que eles dizem que são
necessários pra qualidade, pra o padrão de qualidade do comprador lá fora.
175
Destaque em negrito da autora da dissertação.
183
Então, nossa política (e você vai ver isso depois no nosso site): nós
batalhamos para que na produção artesanal as mulheres tenham tido
treinamento de boas práticas de fabricação, saibam sobre higiene. Tudo isso a
gente acredita que é possível. É possível produzir um produto artesanal
com qualidade, porque se você não acredita que isso é possível, você
desvaloriza a mão de obra do pequeno. Porque, aí, são só as grandes
indústrias que têm dinheiro pra ter aquelas fábricas.
Conforme já foi colocado anteriormente, com a constituição da Avive e a parceria do
WWF, a intenção inicial era produzir sabonetes aromatizados para a colocação nos
empreendimentos hoteleiros de ecoturismo e de selva. Porém, também os hotéis só compram
o sabonete se estiver impresso na embalagem a autorização da Anvisa. Isso demonstra que
tudo é interligado. Hoje a renda das mulheres que trabalham apenas na produção de sabonetes
é muito pequena, pois somente dois empreendimentos turísticos, a Pousada Aldeia dos Lagos
e o Hotel de Mamirauá, compram os sabonetes, porque eles adotam uma política comercial
alternativa, uma política de valorização comunitária.
Esse tipo de comercialização não
apresenta nenhum perigo, pois os produtos passam por um controle de qualidade, conforme as
exigências de avaliações químicas, microbiológicas e dermatológicas. Bárbara garante “O
nosso sabonete tem uma qualidade dentro dos padrões, ou seja, ele pode ser comercializado e
utilizado com tranqüilidade, porém não é certificado pela Anvisa, pelo Ministério da Saúde”.
Além disso, o sabonete é comercializado na loja da Avive em Silves.
Um dos critérios mais importantes da Avive é não se tornar mero fornecedor de
matérias primas para empresas da Zona Franca Verde de Manaus, ou de qualquer outro lugar.
Os membros da associação não devem ser apenas coletores de sementes e resinas. Eles
determinam que o beneficiamento seja feito por eles mesmos, garantindo o seu crescimento
no mercado. Optam por não depender de empresas que manipulam a produção, que
determinam preços, geralmente bem acima da média, que exigem exclusividade, mas que têm
a obrigação de estar sempre inserindo produtos novos no mercado, como é o caso da Natura,
não garantindo assim uma continuidade de longo prazo nas compras.
Para a comercialização dos seus produtos a Avive criou a COPRONAT, Cooperativa
de Produtos Naturais da Amazônia, fundada em 2003. A Copronat conta com 36 (trinta e seis)
cooperados e sendo 6 (seis) homens. A cooperativa foi criada para a venda dos produtos e
para a remuneração dos cooperados que trabalham na confecção dos produtos. Na
cooperativa, a inovação é a presença masculina, conforme explica a Sra. Conceição:
184
A gente achou que era uma discriminação não ter os homens, até mesmo porque a
gente viu que na Avive a gente precisava do trabalho masculino. Muitas coisas, a
gente não podia fazer, como ir pra saída de campo, colher matéria prima. Era muito
pesado pra nós. Então, foi daí que a gente montou a cooperativa e pensamos em abrir
mão pros homens também.
O trabalho masculino se tornou necessário na cadeia produtiva da Avive. Em seguida,
houve a presença masculina também na parte administrativa.
Outras dificuldades que a Avive apresenta para o incremento da sua comercialização,
são a falta de internet, pois em Silves o acesso é precário, e a falta de uma transportadora para
o escoamento da produção, já que utilizam apenas os serviços dos Correios. Além do mais,
ainda estão lutando pela legalização de uma área, pertencente verbalmente à Avive, onde
foram plantadas mais ou menos 2.000 mudas de Pau Rosa, para que seja implantada uma
Reserva de Desenvolvimento Sustentável/Unidade de Conservação. Essa é uma área de terra
firme no município de Silves, para que ali se fiscalize o corte não controlado de madeiras,
inclusive de Pau-rosa. A legalização dessa área permitiria novas alternativas econômicas para
as comunidades no entorno.
Em 1999, a Avive apresentou um requerimento, solicitando a concessão do uso de
terras devolutas. O processo já passou pelas instâncias técnicas, jurídicas e financeiras. Em
junho do ano 2000, foi realizada uma vistoria para determinação dos limites geográficos da
reserva no total de 2.000 ha. Até hoje aguardam a conclusão do processo.
c) A Avive e o Comércio Justo e Solidário
No folder de apresentação da Avive, na parte referente aos critérios de
comercialização, está escrito “Praticamos os critérios do Mercado Justo – um comércio que
combina o social com o econômico”. E, também “O preço justo em vigor ajuda diretamente a
melhorar as condições de vida e trabalho de mulheres e homens que trabalham na coleta e
produção”. Na conversa com as coordenadoras executivas da Avive, Franciane S. Canto e
Joyce R. Almeida, perguntei se a Avive vendia para a rede do comércio justo e elas me
informaram que sim, pois havia um alemão, que se dizia comprador da rede de comércio justo
e solidário.
Isto atinou minha curiosidade e ao longo da conversa fui perguntando, de acordo com
os princípios que regulamentam o comércio justo, de que forma acontecia a negociação. Com
as respostas, fui percebendo que os critérios não estavam sendo respeitados nas negociações e
185
que elas mesmas os desconheciam. Conforme afirma a Sra. Conceição, uma das principais
lideranças locais, “do comércio justo e solidário eu ouvi uma colega falando numa feira, que
eu tava lá, e é pouca coisa, não tenho muita informação”.
Bárbara Bschmal explica que também as associadas da Avive não conhecem bem os
princípios para negociar. Disse que uma vez convidaram uma representante da associação
para participar de um seminário em Manaus, organizado pelo FACES (Fórum de Articulação
do Comércio Solidário), mas foi somente aquela vez, não houve uma continuidade. Nessa
ocasião, a representante da associação que participou do seminário não soube repassar
exatamente o seria aquela “novidade”. Ao falar sobre aquele alemão, Bárbara explicou-me
que ele tem um instituto e que vende para uma rede de lojas chamada “One World”, que faz
parte do mercado justo. Acrecentou que ele faz um bom trabalho, pois divulga os projetos
nessas lojas, porém Bárbara faz a seguinte consideração:
Eu acho que não é só culpa dele, é culpa nossa também. Nós não soubemos negociar.
No início ele comprava, nós entregávamos a mercadoria, ele pagava. O preço, ele
acertou o preço que nós colocamos, certo? Eles até fizeram acho que um pequeno
reajuste, ele continua pagando. Porém, o que eu não tolero é que ele vive
reclamando que o preço é alto pelo produto que é. Por causa da concorrência. Mas,
a situação nossa é diferente de um outro concorrente, que talvez não tenham os custos
que nós temos. Então, o quê que ficou agora? Por exemplo, ele junta a mercadoria dele
em Belém. Aí ele coloca o pedido, nós já falamos, nós precisamos do pedido no
mínimo seis semanas antes da entrega porque, às vezes, temos uma programação e
depende pra onde temos que mandar precisamos de um prazo no mínimo de duas
semanas. Ele fala, não, vocês mandam pra Belém, porque lá ele junta num container
que vai via rodoviária para Santos onde é colocado dentro de outras coisas e vai ser
enviado pra Alemanha via navio. Mas desta vez, elas colocaram via correio normal em
Silves, levou quase três semanas pra chegar em Belém, mas isto nós não podíamos
calcular. Nós não podemos toda vez viajar pra Manaus porque ele fala ‘não, isso é
impossível porque de Manaus pra Belém em quatro dias chega, correio normal’. Pode
até chegar, mas nós temos que viajar pra Manaus, pernoitar lá, isso tem todo um custo.
A gente vai gastar no mínimo duzentos reais para ir lá e voltar e levar. Aí, ele falou
‘por quê que não colocaram por Sedex?’ Sedex pra Belém dessa mercadoria custa no
mínimo duzentos e poucos reais, ele não ia pagar. Então, tá na hora. O que nós
vamos fazer é sentar, fazer uma proposta como nós queremos.
Percebe-se nitidamente que existe falta de conhecimento a respeito dos critérios que
contituem o comércio justo. Elas têm todo o potencial para introduzir seus produtos na rede,
mas não o fazem da maneira adequada por pura falta de informação. Outro apspecto é que a
Sra. Conceição informa que as mulheres da Avive se tornaram referência para as mulheres do
município :
Foi importante tanto pra aquelas mulheres que estão na Avive como as que estão fora,
porque o grupo foi um exemplo pra muitas mulheres, tanto do interior que moram, que
186
trabalham nas zonas rurais, como daqui de alguns lugares. Elas tomam a gente como
exemplo. E esse exemplo, a gente tem que dar mesmo, né? Então, quem é sócio da
Avive tem que ter um bom caráter, não pode dar mal exemplo. É assim.
O reconhecimento do papel da mulher é um dos critérios fundamentais do comércio
justo e a Avive revolucionou, de certa forma, a consideração do trabalho feminino em Silves.
Ainda a Sra. Conceição informa que “tinha muitas que apanhavam muito dos maridos. Só
viviam mesmo em casa, dedicadas pro marido e pros filhos. Hoje em dia não dão nem
satisfação, quase, pros maridos. Elas vão saindo, vão trabalhando” e completa “Eles todos
agora já entendem (os maridos). Olha o meu marido: ele tá fazendo o almoço, antes ele não
fazia. Agora não, ele já entende, ele já vende na loja, ele já me ajuda”.
Enfim, pelas práticas observadas foi possível constatar que a Avive constitui um grupo
de mulheres produtoras que vive cotidianamente os princípios básicos da Economia Solidária,
quais são: solidariedade, autogestão, atividade econômica e cooperação. Deste modo, estaria
apta a se caracterizar como um Empreendimento Econômico e Solidário (EES) e a fazer parte
do processo de formação e consolidação do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário,
dando a este uma importante contribuição. No entanto, a Avive encontra-se excluída do
processo, pelo simples fato de estar localizada no interior da Amazônia. Não que tenha sido
uma opção pensada pela parte de quem dirige o processo nacional, e nem mesmo pelas
dirigentes da Avive, mas porque o acesso a informação é quebrado pela distância física e
virtual, que significa estar na “longínqua” Amazônia.
Escolheu-se apresentar aqui o caso da Avive, porque é um exemplo do que pode
ocorrer com inúmeros grupos situados na Amazônia, esse pedaço de Brasil que muitas vezes
parece estar mais perto da Europa. Não é por acaso que vários grupos de produtores ganham
impulso para a sua consolidação quando da presença de cooperantes de ONGs européias.
Tais profissionais vêm para desenvolver algum projeto específico e aqui chegando acabam
descobrindo a potencialidade não apenas de produtos, mas principalmente das pessoas que
detém conhecimentos tradicionais a cerca deles. Portanto, a Avive nasce de um projeto
consolidado de turismo responsável de base comunitária, a Aspac e a Pousada Aldeia dos
Lagos, cujo público é ainda majoritariamente europeu.
Como conseqüência do distanciamento físico do centro do país e já com contatos
estabelecidos no mercado externo, a comercialização muitas vezes inicia-se por vias
internacionais, para só posteriormente alcançar o mercado regional e nacional. Um caso
187
ilustrativo é o do Guaraná dos Sateré Mawé que há mais de dez anos é exportado para o
circuito de comércio justo europeu. Quando informado176 sobre toda a mobilização que
ocorria no comércio justo nacional um de seus representantes se surpreendeu. Vamos então,
no próximo item, apresentar o projeto Guaraná dos Sateré-Mawé. A finalidade é entender
como na Amazônia um projeto consolidado de comércio justo, como é o caso do guaraná,
pode incentivar o desenvolvimento de um turismo responsável de base comunitária e gerar
uma sinergia entre os atores que trabalham com os temas.
III - O Projeto Guaraná Sateré Mawé e a Pousada Vintequilos: a união de Comércio
Justo e Turismo Responsável.
a) Os filhos do waraná.
Desde 1995, o povo Sateré-Mawé da terra indígena Andirá–Marau, no estado do
Amazonas, desenvolve o projeto do Guaraná Nativo. O Guaraná177, que na língua indígena é
Waraná e significa “o início de todo o conhecimento”, é cultivado há centenas de anos na
Amazônia Brasileira, na região próxima ao Rio Tapajós e ao Rio Madeira, que corresponde à
terra ancestral dos índios Sateré-Mawé, sendo eles os guardiões do maior banco genético de
guaraná do mundo.
Os Sateré-Mawé178, chamados regionalmente de “Mawés” (LORENZ, 1992), foram os
primeiros povos indígenas a conseguir a demarcação de suas terras no ano de 1982 e o
reconhecimento total como Área Indígena em 1986179 (FRABONI, 2002). Eles vivem em uma
área de 800.000 hectares, na bacia dos rios Andirá e Maraú, denominada por eles de “saterémawé eco ga’apypiatv waraná mimotypoot sése” traduzido em português por “santuário
ecológico e cultural do guaraná dos Sateré-Mawé”. Atualmente com uma população de 9.000
pessoas, distribuídas em 66 aldeias, são representados pelo Conselho Geral da Tribo SateréMawé (CGTSM), que foi constituído final dos anos oitenta como organização política e
econômica da população indígena Sateré-Mawé (POMPERMAIER et al, 2007).
Para tratar sobre qualquer etnia indígena, especialmente da relação entre os Sateré e o
guaraná, é necessário mergulhar em uma viagem antropológica a fim de entender porque eles
176
Em pesquisa de campo no segundo semestre de 2007, os representantes do Projeto Guaraná tinham apenas
entrado em contato com o movimento brasileiro através de um encontro realizado pelo Slow Food (2007), e
ainda desconheciam completamente a iniciativa de um Sistema Nacional de Comércio Justo.
177 O Guaraná foi classificado pelo botânico alemão Christian Franz Paullini como Paullinia cupana, variedade
Sorbilis.
178
O nome Sateré significa "lagarta de fogo", em referência ao clã mais importante que compõem esta
sociedade, aquele que indica tradicionalmente a linha sucessória dos chefes políticos. O segundo nome Mawé
quer dizer "papagaio inteligente e curioso" não sendo uma designação relativa ao clã (LORENZ, 2007).
179
O reconhecimento compreendeu o território onde a organização política tradicional, sob a autoridade dos
tuchauas, governava as relações sociais fundamentais.
188
se vêem como inventores da cultura dessa planta. Essa auto-imagem é justificada no plano
ideológico por meio do mito da sua origem, segundo o qual seriam os Filhos do Guaraná.
A primeira descrição do guaraná e sua importância para os Sateré-Mawé é do padre João
Felipe Betendorf no se relato de viagem na Amazônia, de 1669, ele dizia que "têm os
Andirazes em seus matos uma frutinha que chamam guaraná, a qual secam e depois pisam,
fazendo dela umas bolas, que estimam como os brancos o seu ouro, e desfeitas com uma
pedrinha, com que as vão roçando, e em uma cuia de água bebida, dá tão grandes forças, que
indo os índios à caça, um dia até o outro não têm fome, além do que faz urinar, tira febres e
dores de cabeça e cãibras" (LORENZ, 2007). Cabe frisar que os Andirazes, aos quais se
referiu o Padre Betendorf eram os selvagens que viviam ao longo do rio Andirá, conhecidos
hoje como os Sateré –Mawé.
Para a lenda do guaraná existem várias versões. A mais conhecida, que será descrita a
seguir, foi recolhida por Nunes Pereira em 1939 e publicada no seu livro “Os índios Maués”
(1954) e também no livro de Sônia Lorenz “Sateré-Mawé: os filhos do Guaraná” (1992). Essa
versão contada pela tradição oral dos índios Sateré-Mawé, diz que o guaraná nasceu dos olhos
de um menino. Antigamente, existiam três irmãos: Okumáató (Icatareté), Ikuamã (amã) e
Onhiamuaçabê (Tupana), que era mulher solteira e cobiçada por todos os animais da floresta,
causando ciúmes aos irmãos que a queriam sempre como companhia, por causa dos
conhecimentos que possuía sobre plantas medicinais.
A lenda diz que, certo dia, uma cobrinha ficou à espreita no caminho de
Onhiamuaçabê e a tocou levemente em uma das pernas, engravidando-a. A mitologia
indígena afirma que para uma mulher engravidar bastava que fosse tocada por homem, animal
ou planta que a desejasse como esposa. Desse contato nasceu um curumim bonito e forte. Na
idade de entender as coisas, o curumim ouviu da mãe que, ao senti-lo no ventre, ela plantou
para ele uma castanheira no Noçoquém (lugar sagrado onde ficavam todos os animais e
plantas úteis), mas que seus irmãos tomaram o terreno e a expulsaram por causa da gravidez.
Ele, então, certo dia, decidiu comer as castanhas. O lugar, no entanto, estava sob a
guarda da cutia, da arara e do periquito, que denunciou o ato aos irmãos Okumáató e Ikuamã.
No dia seguinte, quando o pequeno voltou a Noçoquém, os guardas o esperavam para matá-lo.
Pressentindo a morte do filho, Onhiamuçabê correu para defendê-lo, mas o curumim já havia
sido decapitado.
189
Desesperada a mãe, sobre o cadáver da criança jurou dar continuidade à sua
existência. Arrancou-lhe o olho esquerdo e o plantou na terra. O fruto desse olho não prestou:
era o guaraná-rana (guaraná falso). Em seguida, arrancou-lhe o olho direito e deste nasceu o
verdadeiro guaraná. E como o sentisse vivo ainda, exclamou: “tu, meu filho, serás a maior
força da natureza; farás o bem a todos os homens e os curarás e livrarás das doenças”.
E a planta do guaraná foi crescendo, crescendo... Passado algum tempo, Onhiamuçabê
foi atraída, diversas vezes, por ruídos na sepultura do filho, que a cada vez de lá saía um
animal. Assim nasceu o macaco cuatá, o cachorro, o porco-do-mato e o tamanduá bandeira.
Novamente atraída pelos ruídos foi à sepultura do filho, e viu sair uma criança que foi o
primeiro Sateré-Mawé. Era o filho dela que renascera.
E assim os Sateré Mawé se consideram filhos do guaraná. Quando eles descobriram e
domesticaram a planta silvestre do guaraná, tipo de trepadeira enroscada nos galhos de
imensas árvores amazônicas, ninguém sabe. Mas suas histórias contam que o guaraná é filho
de uma índia que dominava o segredo das plantas medicinais e sabia preparar os remédios da
floresta. Em suma, é fruto da saúde que livra os homens das moléstias, curando-os e
mantendo o equilíbrio da vida no delicado ambiente da floresta. Nele está presente a idéia da
eterna transformação da vida, em que desaparecem as fronteiras entre os homens, animais e
plantas e denota a perfeita integração do índio com a natureza.
Os Sateré-Mawés são os guardiões do guaraná, pois foram eles que domesticaram a
planta. Transformaram a trepadeira silvestre em arbusto cultivável, introduzindo seu plantio e
beneficiamento. Eles que inventaram as técnicas de transplante, colheita, torrefação e
transformação artesanal das sementes. Foram os próprios Sateré que elaboraram as formas
ritualísticas da utilização saudável do guaraná. Por isso defendem, com todos os meios
possíveis, as terras sagradas do jardim encantado de Noçoquém, as quais constituem a terra do
guaraná nativo (FRABONI, 2002).
190
b) O guaraná
Figura 19: Cacho de Guaraná
Foto extraída do site
www.slowfoodbrasil.com
Como já foi dito, o guaraná é cultivado há centenas de anos pelos Sateré-Mawé.
Porém, conforme explicado no texto “A fortaleza do Guaraná”180, não se trata de uma forma
clássica de cultivo, mas sim de um sistema descrito como “semi-domesticação”. Nesse
sistema eles coletam as sementes que caem das árvores de guaraná na floresta, platando-as em
clareiras onde são regadas pelas chuva, precisando de cuidados mínimos. Na floresta, o
guaraná pode crescer até 12 metros e suas flores brancas crescem ao longo de cachos em
forma de espiga de milho. Quando amadurecem, no lugar das flores vão brotando as frutas
vermelhas, com uma leve abertura reveladora da semente preta na polpa branca, que a faz
parecer tanto com o olho do lendário curumim do jardim de Noçoquém. Subitamente as frutas
são colhidas, antes de amadurecerem.
Em seguida, a polpa das frutas maduras são removidas e as sementes são torradas por
três dias em fornos de barro tradicionais. Depois, as sementes são descascadas, trituradas com
o pilão e moldadas em bastões que pesam entre 100 gramas a 2 quilos. Os bastões são
embalados em sacos de algodão e colocados nos fumeiros, onde são defumados com madeira
aromática, como a de Murici, para perder a umidade e deste modo evitar os fungos.
O guaraná tem grande significado cultural para os Sateré-Mawé, pois toda vez que eles
se reúnem para decidir alguma coisa que interesse a todos, circula entre eles o Çapó181, que é
180
181
Texto disponível no site do Slow Food: www.slowfoodbrasil.com, em 22/05/09.
O çapó, guaraná em bastão ralado na água, é a bebida cotidiana, ritual e religiosa, consumida por adultos e crianças em
grandes quantidades. O preparo e consumo do çapó seguem uma série de práticas que somadas resultam em uma sessão
ritual. O çapó é a bebida que os Sateré-Mawé utilizam durante seus resguardos. As mulheres durante a menstruação,
191
o guaraná em bastão ralado na água. O consumo do guaraná nessas ocasiões serve para que os
presentes entrem em comunhão com a sabedoria do menino que foi o primeiro Sateré, cujos
olhos separam o verdadeiro do falso, inspirando a cada um belas palavras de sabedoria. Dessa
forma, o guaraná os ajuda a formar frases dotadas de sentido, cria harmonia entre os presentes
e ajuda a governar a vida em sociedade (FRABONI, 2002).
A importância social do guaraná também está ligada ao período do fábrico, termo
regional também utilizado pelos Sateré-Mawé para indicar as várias etapas do beneficiamento
do guaraná. Nesse período a vida social se intensifica.
O fábrico potencializa ao máximo a maneira de ser desta sociedade, trazendo para a
vida social cotidiana toda uma gama de fenômenos que se encontram ocultos ou
obscuros em outras épocas do ano. É um período que se renova a cada ano com a
chegada da colheita do guaraná, permitindo aos Sateré-Mawé comungarem com sua
gênese mítica, revigorando-se etnicamente. (LORENZ, 2009, p.7)
Apesar de todo o significado cultural do guaraná, com o passar do tempo ele foi
deixando de ser cultivado e no início dos anos de 1990, o guaraná produzido pelos SateréMawé era pouquíssimo. Até aquela época ele era apenas vendido para atravessadores locais e
valia tão pouco que a maioria das plantações encontravam-se abandonadas (POMPERMAIER
at al, 2007). Apesar disso, o guaraná continua sendo o principal produto da economia dos
Sateré-Mawé, já que dos seus produtos é o que obtém o maior preço no mercado. De acordo
com Lorenz (2009) “é possível pensar que a vocação para o comércio demostrada pelos
Sateré-Mawé se explique pela importância do guaraná na sua organização social e
econômica”.
O comércio do guaraná sempre foi intenso na região de Maués (AM). No século XVIII
os Mawés já exportavam guaraná para fora do território brasileiro (FRABONI, 2002). Nomes
retirados da cultura indígena como Sateré, Mawé, Andirá, Pajé, Tuchaua, Çapó, são todos
nomes de marcas registradas de guaraná produzido não pelos Sateré-Mawé, mas com a
utilização da sua tecnologia de base, geralmente produzidos naqueles que eram seus antigos
territórios (idem).
Existem dois tipos de guaraná: o de excelente qualidade produzido pelos SateréMawé, e o guaraná da Luzéia, de qualidade inferior, porque produzido sem os conhecimentos
gravidez, pós-parto e luto e os homens na Festa da Tocandeira, no luto e quando acompanham suas mulheres durante o
resguardo do pós-parto. (LORENZ, 2009).
192
e o apuro das práticas tradicionais dos índios. O guaraná da Luzéia é beneficiado pelos
civilizados na região de Maués. Mas, é o guaraná beneficiado pelos Sateré-Mawé, também
chamado de guaraná das terras, guaraná das terras altas e guaraná do Marau, que é o mais
procurado. Contudo, é o guaraná da Luzéia, que é produzido em larga escala (LORENZ,
2009), pois é a base dos refrigerantes.
O guaraná é usado na indústria farmacêutica e na fabricação de refrigerantes, xaropes
e sucos, em pó e bastões. “Farás o bem a todos os homens e os curarás e livrarás das
doenças”, é essa frase lendária, que Onhiamuaçabê disse chorando ao seu pequeno curumim
morto, que liga a mitologia à grande procura pelas propriedades medicinais do guaraná. São
atribuídas ao guaraná, entre outras, as seguintes propriedades: estimulante, afrodisíaco, ação
tônica cardiovascular, combate de cólicas, nevralgias e enxaquecas e ação diurética e
febrífuga.
O guaraná contém: cafeína, proteína, açúcares, amido, tanino, potássio, fósforo, ferro,
cálcio, tiamina e vitamina A. O teor da cafeína na semente do guaraná pode variar de 2,0 a 5,0
% (do peso seco), maiores que os do café (1 a 2%), mate (1%) e cacau (0,7%)
(www.ceplac.gov.br/radar/guarana.htm, em 06/07/09). Popularmente182, é atribuído ao
guaraná um número muito maior de propriedades medicinais, conforme enumeradas nos
folders distribuídos em inúmeras casas de guaraná em Manaus e em sites de internet.
Retoma-se a lendária frase “farás o bem a todos os homens”, para mostrar que é
universalidade nela impregnada, que considera não só os Sateré-Mawé como beneficiários do
guaraná, mas sim todas as pessoas, que permitiu a difusão do guaraná e a sua
comercialização. Portanto, o projeto de comercialização do guaraná no mercado internacional
através do comércio justo só foi possível graças à abertura do povo Sateré Mawé à difusão,
com respeito às suas raízes, do seu bem mais precioso: o waraná.
c) O projeto Guaraná e o Comércio Justo
O Conselho Geral da Tribo dos Sateré-Mawé (CGTSM), com a parceria e apoio de
várias ONGs italianas como a ACRA, o ICEI e a Cooperativa Chico Mendes, desde 1995,
vem implementando o “Projeto Guaraná”. O objetivo do projeto é contribuir para a segurança
182
Referimos-nos aqui não à tradição indígena, mas sim à cultura popular, por mais que muitos dos que a
compõem sejam descendentes indígenas.
193
da terra indígena através da recuperação do cultivo e da introdução do manejo do guaraná
nativo com mudas coletadas na floresta, garantindo assim melhoria do produto
(POMPERMAIER et al, 2007).
Para o processo de transformação e exportação do guaraná, que é sujeito a rigorosas
normas fito-sanitárias, além de um processo fiscal e comercial complexo e burocrático, foi
necessário a constituição da empresa SAPOPEMA Ltda (Sociedade dos Povos para o Ecodesenvolvimento da Amazônia). A SAPOPEMA une o capital social de três sujeitos: o
CGTSM; a Cooperativa Agrofrut de Urucará; e a Agrorisa de Manaus. Além disso, a
ACOPIAMA183 (Associação de Consultoria e Pesquisa Indigenista da Amazônia) assessora
todas as atividades relativas ao projeto.
A relação com o comércio justo começa com o missionário italiano Augusto Gianola
que ajudou a transformar o Centro de Treinamento Rural de Urucarà na Cooperativa Agrofrut,
e passou a realizar as primeiras exportações para a importadora de Comércio Justo italiana
“Comercio Alternativo”, em 1996. Paralelamente, o CGTSM negociava com a importadora
italiana “CTM Altromercato”. Foi então que decidiram unir os grupos para não serem
vitimados pela concorrência dos parceiros e também para que juntos se fortalecessem e
pudessem criar um instrumento de transformação, beneficiamento de produtos e gerar uma
produção de escala para, dessa forma, atingir um mercado que sozinhos não poderiam atingir.
A idéia não era só fazer industrialização e beneficiamento, mas, principalmente, criar um
sujeito promotor de um desenvolvimento alternativo Amazônia – uma economia baseada no
desenvolvimento local, no incentivo à agricultura familiar e na valorização da preservação.
Os primeiros tempos do projeto Guaraná não foram livres de dificuldades. Quando o
índio Obadias, então coordenador do CGTSM, falava com os índios a respeito do projeto, ele
era visto como um atravessador (FRABONI, 2004). No início, os produtores queriam ter o
pagamento na hora da entrega do guaraná. Fazê-los entender que no comércio justo eles
recebem a metade vários meses antes da entrega e a outra metade somente quando a
mercadoria chega na Europa, não foi fácil. Alguns índios, visto que o guaraná seria destinado
aos brancos, acabavam não o colocando no fumeiro, processo essencial para a qualidade do
183
A ACOPIAMA nasceu em meados dos anos 90 a partir do trabalho voluntário de estudantes da Universidade
Federal do Amazonas (UFAM) apoiando o movimento indígena. São oito pessoas que atualmente são
professores e pesquisadores que continuam trabalhando com o assunto.
194
guaraná, para não perder umidade e consequentemente peso. Mas, quando o CGTSM se
recusava a comprar esse guaraná gerava grande decepção.
O guaraná precisava ter um alto padrão de qualidade e estar dentro dos padrões
higiênico-sanitários exigidos pelos parceiros do exterior. De grande contribuição foi o envio
de dois técnicos, do curso de formação para cooperantes, pela importadora CTM. Eles foram
fazer estágio na reserva e a partir de então o CGTSM passou a distribuir sacos de juta natural
numerados. Assim, o CGTSM pode fornecer o percurso de cada quilo de guaraná exportado,
desde o nome da aldeia de proveniência, passando pelo nome do produtor e a característica do
guaranazal. Além disso, os produtores que inicialmente eram representados no CGTSM
através da autoridade de suas aldeias, passaram a ser sócios participantes do CGTSM com
uma ficha especifica de adesão, e agora eles são mais do que sócios, eles constituíram o
Consórcio dos Produtores.
Para a comercialização adotaram dois critérios: o primeiro foi trabalhar somente com a
rede do comércio justo, e o segundo foi de ter mais de um parceiro para comercialização dos
produtos. Segundo Maurizio Fraboni184, assessor técnico do projeto, é evidente que quando se
trata de um único parceiro importador que por sua vez tem ligação com inúmeros grupos de
produtores existe uma relação de poder onde quem compra é quem manda e os produtores
obedecem, mesmo que seja comércio justo, mesmo que o grupo obedeça a todos os critérios.
“Sociologicamente o poder depende da quantidade de relações que tu tens”, ressalta Maurizio.
Por outro lado, consideram que não é interessante trabalhar com muitos parceiros porque isso
demandaria muito empenho acabando por gerar mais custos que benefícios, além do grande
trabalho para harmonizar as políticas comerciais e a apresentação do projeto. Segundo
Maurizio, escolher trabalhar somente com o comércio justo não foi uma questão de se
alcançar um melhor preço, mas sim de fazer parte de uma rede de economia diferente.
O projeto tem dois parceiros importadores que se complementam muito bem: a CTM
Altromercato na Itália e a Guayapi tropical na França. A CTM é um parceiro economicamente
forte, muito integrado no núcleo histórico do comércio justo, sendo um dos maiores
importadores europeus. Exportar para a CTM é muito importante para o CGTSM, seja pelo
seu circuito de lojas, cerca de 250 na Itália, seja por ser parceira na Alemanha da GEPA (The
Fair Trade Company), que por sua vez pertence ao EFTA (European Fair Trade
184
Informações coletadas em entrevista semi estruturada, ocorrida em Manaus no segundo semestre de 2007.
195
Association). Esse é um tipo de mercado mais protegido, que permite ter um preço mais alto,
além de garantir a utilização do guaraná em produtos mais industrializados como, por
exemplo, o Guaranito. O Guaranito185 é uma bebida produzida na Itália, que utiliza o extrato
do guaraná, e por difundi-lo acaba fazendo um marketing político, pois propaga o projeto
guaraná.
Já a Guayapi tropical é especializada em produtos de floresta úmida (Amazônia e
Sirilanka). Conforme já foi dito no item produtos amazônicos, foram os seus representantes
que fazendo lobbying garantiram, que na França, o guaraná fosse reconhecido como
integrador alimentar, pois antes era conhecido como substância dopante. Segundo Fraboni,
esse parceiro é complementar ao parceiro italiano porque tem uma maior capacidade de
promover o produto e a cultura especifica dos Sateré-Mawé. Sobre a colaboração dos
parceiros importadores existem várias intervenções pontuais. Uma delas é uma assessoria do
importador francês sobre a certificação de produtos da biodiversidade. Já a CTM comprou um
moinho e também forneceu orientação tecnológica para a produção do extrato de guaraná.
Para o projeto guaraná, o impacto do comércio justo foi fundamental. Reportando-nos
novamente à história, em meados dos anos 90 os índios tinham pouca produção. Eles jogavam
o produto na beira do rio para o atravessador, e a qualidade já não era aquela tradicional,
porque o guaraná era vendido a preços muito baixos. Além disso, era forte a dependência da
FUNAI (Fundação Nacional do Índio), pois eles ainda dependiam muito do assistencialismo
político. A própria organização do CGTSM era praticamente controlada pela Funai, pois era
um funcionário índio que estava na direção. Ainda Maurizio considera que o verdadeiro
desafio do movimento é a conquista da autonomia. O projeto apostou nisso, o CGTSM
apostou. Ele considera que “a autonomia econômica é a base da autonomia política. Não
adianta ir lutar pelos direitos se não se tem as duas pernas pra se sustentar”. Esse é um desafio
que ainda a ser vencido, apesar de os produtores estarem mais conscientes e terem orgulho de
produzirem e manterem a sua própria associação. Através do projeto ocorre a revitalização da
produção para a auto-sustentação do grupo.
Maurizio afirma que o projeto do guaraná foi construído com princípios que vão além
daqueles do comércio justo, porque, segundo ele “a cultura do comércio justo é muito
economicista, onde prega que o importante é a dignidade do produtor de receber o ‘certo’,
185
Folder disponível nos anexos da dissertação.
196
mas não existe o ‘certo’”. O dinheiro vale para a própria organização dos Sateré, para os
projetos sociais, para fortalecer os próprios produtores, fazendo com que suas organizações
cresçam para transformar e exportar os próprios produtos.
Os projetos mais importantes apoiados pelo Projeto Guaraná são:
1° projeto: Coleta diferenciada de lixo- cada vez mais entra lixo não orgânico dentro da área
indígena, tanto pela aquisição de produtos com a renda gerada pelas aposentadorias e quanto
também pela renda do guaraná. Dinheiro significa consumo, o que se traduz em lixo que
precisa ser retirado. São sacos de plástico, garrafas pet, latas de alumínio, objetos que
demoram décadas para se decompor. Mas, também são pilhas, baterias, restos de construção
de amianto, materiais danosos à saúde. Através de um convênio entre o CGTSM e a
Associação das Mulheres Sateré-Mawé (AMISM), que a provia do financiamento necessário,
foi possível estruturar uma coleta diferenciada do lixo nas 70 aldeias da reserva. Assim, foi
possível retirar o lixo e enviá-lo para os lixões de municípios vizinhos como Maués e
Parintins. Objetiva-se no futuro reciclá-lo e não de queimá-lo, pois a queima não resolve o
problema da poluição. Agora existe um barco próprio para a retirada do lixo e a AMISM
trabalha para sensibilizar o Poder Público Local a investir em programas de reciclagem. Cabe
frisar que é a primeira experiência do gênero na Amazônia.
2° projeto: Abelha Nativa – Uma lenda dos Sateré-Mawé diz que quando a divindade máxima
Anumaré Hit foi para o céu para transformar-se no sol, ele convidou sua irmã Uniawamoni.
Porém, ela decidiu ficar na Terra transformada em uma abelha para poder ajudar os índios
Sateré-Mawé a cuidar das florestas sagradas de guaraná. As abelhas nativas polinizam o
guaraná e são responsáveis por 80% da polinização da floresta. Elas são pequenas e sem
ferrão, e são chamadas de abelhas canudo. Elas produzem o mel jandaíra feito de flores de
guaraná. A renda do guaraná financia a formação de uma equipe técnica indígena e a difusão
de cultivo das abelhas nas aldeias e nos guaranazais. A intenção do CGTSM é substituir
gradualmente os meleiros186 em apicultores. As abelhas polinizam o guaraná e favorecem a
sua diferenciação genética, o que contribui a dar a ele um alto valor de mercado.
3° Projeto: Criação de galinha caipira- O CGTSM trabalha para a sustentação da produção de
auto-consumo, por isso financia o projeto de criação de galinha caipira, executado pela
AMISM. O projeto pretende a substituição das últimas galinhas presenteadas pela FUNAI,
186
Os meleiros retiram o mel derrubando a árvore onde está a colméia e assim o cardume morre.
197
que são grandes, mas com alto índice de mortalidade, por galinhas caipiras, menores, mas
bem adaptadas ao ambiente. Além disso, o projeto incentiva uma fase transitória de compra
de alimentos no mercado externo, para a plantação de várias espécies cujas sementes ou frutos
são alimentos para as galinhas e também para as pessoas. Por último, mas não menos
importante, o projeto pretende um manejo da fauna e flora do entorno às aldeias, para que se
viabilize uma cobertura integral e biológica das necessidades alimentares humanas, e também
como pré-condição para o reconhecimento dos produtos a serem comercializados, como o
artesanato.
4° Projeto: Produção de panelas e fornos de barro- A tradição de cozinhar em panelas de barro
e de usar fornos de barro para torrar o guaraná já estava quase perdida. Restavam apenas
algumas senhoras anciãs que dominavam a técnica de produção. Vale informar que o guaraná
de melhor qualidade é o torrado nos fornos de barro, porque absorvem o calor por mais tempo
e de maneira gradual. No entanto, os índios produtores começaram a substituir os fornos de
barro pelos de ferro pela sua praticidade. O CGTSM decidiu financiar o projeto de
recuperação das práticas tradicionais, também executado pela AMISM, por acreditar na
qualidade alimentar e nutricional oferecida pela preparação da comida em panelas de barro.
Por isso, aumentou também o preço pago pelo guaraná torrado em forno de barro. Isso criou
um atrativo, e gradualmente os produtores passaram a substituir os fornos de ferro pelos de
barro, produzidos pela AMISM.
O impacto da crise econômica foi inevitável no projeto Guaraná. O preço do guaraná
dos Sateré-Mawé caiu e passou a se equiparar com o preço pago pelo melhor guaraná
produzido pelos caboclos dos municípios vizinhos. Os índios que vendem para o comércio
justo já não recebem cinco vezes mais do que um produtor que vende para o comércio
convencional. Essa realidade perdurou do início do projeto, no final dos anos de 1990, até o
ano de 2004. Isso foi importante para que o projeto se fortalecesse e para que o guaraná
ganhasse espaço nesse terreno novo que é o mercado internacional. Porém com a crise, o
preço do guaraná despencou e as encomendas diminuíram. Isso repercutiu diretamente nos
projetos sociais apoiados pelo projeto através da CGTSM.
Alguns projetos sociais já haviam sido concluídos. No entanto, outros deveriam ser
permanentes, como o da coleta diferenciada de lixo. Atualmente esse, que é um dos principais
projetos, está parado por falta de recursos. Porém, o resultado ainda é visível, pois criou uma
198
sensibilização para o assunto e algumas aldeias, principalmente aquelas localizadas mais perto
dos centros urbanos, passaram a autogerir o trabalho da coleta de lixo.
Enfim, foi necessário vender informalmente somente 20 quilos de guaraná para uma
loja de comércio justo italiana, em 1996, para que o projeto alavancasse. Em 2008, os Sateré
venderam toda a safra que foi de 4,5 toneladas de guaraná. A meta do projeto é vender 40
toneladas de guaraná ao ano. Pelo salto de vendas que já foi dado, é possível acreditar que a
meta um dia será alcançada. Para homenagear os primeiros 20 quilos de guaraná vendidos ao
comércio justo foi inaugurado em 2007 o espaço de ecoturismo Aldeia Indígena Vintequilos
IV- Aldeia Indígena Vintequilos – Vitrine do Projeto Guaraná
O espaço de ecoturismo Aldeia Vintequilos foi idealizado para ser um espelho de tudo o que
vem sendo realizado no âmbito do projeto Guaraná. A intenção é que seja um centro de
excelência de equipamentos sustentáveis, por isso foi construído com os princípios da
permacultura187. Para representar o projeto o espaço dipõe de guaranazal, de colméias de
abelhas canudo para a produção do mel jandaíra, de trilha para conhecer a mãe do
guaraná188, de quelônios, e de criação de galinhas caipiras.
Figura 20: Entrada de Vintequilos
Foto: Ageu Sateré189
A Aldeia Vintequilos é formada por uma casa de dois andares com 4 quartos grandes,
com capacidade de hospedar 12 pessoas; por um anfiteatro; por um prédio de banheiros e
187
A permacultura é um método holístico para planejar, atualizar e manter sistemas de escala humana (jardins,
vilas, aldeias e comunidades) ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis
(Wikipédia, 13/07/09).
188
A mãe do guaraná é o guaraná em forma de trepadeira, como ele era antes de ser domesticado e transformado
em arbusto pelos Índios Sateré-Mawé.
189
As fotos usadas nesse tópico foram feitas por Ageu Sateré, técnico indígena executor dos trabalhos de
construção de Vintequilos e coordenador das equipes de trabalho.
199
serviços; dentre outros. É um espaço construído para receber os parceiros do projeto e
também turistas responsáveis, sendo a porta de entrada do Santuário Ecológico do Guaraná.
Vintequilos nasceu de um projeto que unia a Pousada Aldeia dos Lagos,
através da ASPAC e o Projeto Guaraná, através do CGTSM. O projeto teve a duração de três
anos190 e está dentro do "Programa integrado de desenvolvimento eco-sustentável de turismo
responsável e de atividades produtivas voltado à diversificação e ao aumento das rendas das
populações ribeirinhas e da etnia indígena Sateré-Mawé da região do Médio Amazonas". Este
projeto foi financiado pela União Européia, através do ICEI191 (Istituto Cooperazione
Economica Internazionale).
O objetivo do projeto era criar condições sócio-econômicas necessárias para a
proteção ambiental e cultural da população amazônica através de uma estratégia de
desenvolvimento eco sustentável que ligasse o turismo e a produção, com a proteção
ambiental e que empenhasse diretamente as comunidades locais no desenvolvimento,
gerenciamento e usufruto destas atividades.
Figura 21: Casa dos hóspedes
Foto: Ageu Sateré
O projeto “Amazônia Brasileira: Ecoturismo e Permacultura” foi considerado como
um dos cinqüenta melhores projetos sociais desenvolvidos no Brasil pelas Organização das
Nações Unidas (ONU). Através desse projeto, o ICEI pretende incentivar as dinâmicas de
auto-desenvolvimento das populações locais através da valorização e fortalecimento dos
190
De 2003 a 2006.
O ICEI é uma associação italiana sem fins de lucro, fundada em 1977, empenhada na solidariedade
internacional, na cooperação ao desenvolvimento, na pesquisa e na formação. Mais informações sobre o projeto
no site www.icei.it
191
200
numerosos recursos presentes na região, respeitando a vida cultural, social, política e
econômica das populações. O projeto abrangeu a pesquisa e a aplicação de modelos ecocompatíveis, que possam representar reais alternativas para a sobrevivência física e cultural
das populações, além da proteção ambiental.
Figura 22: Anfiteatro
Fotos: Ageu Sateré
A interação entre Pousada Aldeia dos Lagos e Aldeia Indígena Vintequilos ocorre
através da COOPTUR192 (Cooperativa de Trabalho Ecoturístico Ambiental da Amazônia) que
deveria formar jovens índios para realizar todo o trabalho turístico relacionado à Vintequilos.
Enquanto os índios não são formados, é a COOPTUR a responsável pela execução do
trabalho. Além disso, estão elaborando um roteiro conjunto chamado Guaraná que abrange os
dois destinos: Silves e Vintequilos. Em Silves, uma das trilhas ofertadas pela pousada Aldeia
dos Lagos passa por um mirante que foi construído por índios Sateré-Mawé através da sua
tecnologia.
Vintequilos já recebeu o seu primeiro grupo de visitantes em 2008. Foram franceses
enviados pela Guayapi tropical. Eram turistas responsáveis e parceiros indiretos do projeto,
pois trabalhavam em lojas que vendem o guaraná. Espera-se proximamente um maior número
de visitantes para que o espaço possa se tornar auto-suficiente. Para isso o ICEI iniciou um
novo projeto, que será executado em três anos, chamado “Vintequilos: Fortalecimento
Institucional, preservação ambiental, desenvolvimento de atividades produtivas e turismo
sustentável nas comunidades tradicionais do Médio Rio Amazonas, Brasil”.
192
A COOPTUR é uma entidade sem fins lucrativos, que é fruto da ASPAC e baseia seus trabalhos no uso
responsável dos recursos naturais da região e o desenvolvimento de alternativas econômicas de baixo impacto.
Além disso, fomenta o Cooperativismo como forma de organização do micro-negócio, principalmente no
gerenciamento das atividades de ecoturismo na região de Silves.
201
Esse projeto é a continuação do que foi finalizado em 2006 e que resultou na
construção de Vintequilos. Objetiva a promoção de um modelo participativo de
desenvolvimento no qual se integre preservação ambiental, atividade produtiva e turismo
sustentável, em beneficio da região indígena do Andirá Maraú. Para que os objetivos do
projeto sejam alcançados, os esforços estão centrados no fortalecimento do CGTSM, através
da formação de alguns membros do Conselho. Tais membros futuramente desenvolveriam um
papel de guia na auto-gestão das diversas atividades produtivas e na proteção dos recursos
ambientais.
Além do mais, o projeto pretende criar uma rádio comunitária que permita superar o
isolamento das diversas aldeias, visto que a comunicação e a informação são instrumentos
fundamentais para a construção de um sistema organizado e consciente. As intervenções e a
tutela ambiental serão concretizadas através de um sistema de gestão e preservação dos
recursos naturais: mapeamento da área, monitoramento, formação de agentes ambientais e
reflorestamento de áreas degradadas. Todas essas ações visam favorecer o reconhecimento
pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) da
área indígena do Andirá Maraú como Santuário Ecológico e Cultural do Guaraná.
Além das demais atividades de geração de renda, o projeto pretende consolidar a
atividade de ecoturismo na região melhorando a eficiência e visibilidade do turismo
comunitário nacional e internacionalmente. A intenção é integrar melhor as dinâmicas
socioeconômicas e culturais das comunidades locais, identificando as áreas de maior interesse
ambiental para a formação de roteiros turísticos. Paralelamente serão organizados cursos de
formação para as pessoas que estão inseridas na oferta de diversos serviços turísticos, além da
ampliação e adequação do espaço de ecoturismo Aldeia Indígena de Vintequilos.
202
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro do atual contexto de mundo, onde o trabalho humano foi transformado em
mercadoria que teve seu valor desvalorizado pelo “progresso técnico” (CHESNAIS, 1996),
alternativas de desenvolvimento que valorizem o trabalho, como a que prega o Comércio
Justo e o Turismo Comunitário, merecem ser consideradas e analisadas. Contudo, para tanto,
é necessário que essas alternativas de desenvolvimento sejam informadas aos meios
científico, político e produtivo, para que a atuação, na região amazônica, de organizações ou
empresas que carreguem esses lemas possa ser distinguida e reconhecida como prática real e
não apenas como discurso gerador de esperanças e frustrações, principalmente às
comunidades produtoras.
O comércio justo nasceu e cresceu baseado em relações Norte – Sul, mas agora ganha
novas dimensões. Na América Latina a modalidade se aninha no movimento da economia
solidária, que por sua vez abrange o turismo comunitário e ambos, a economia solidária e o
turismo comunitário, adotam o comércio justo como forma ideal de comercialização dos
produtos dos empreendimentos econômicos e solidários. A rede composta por esses
empreendimentos cresce e engloba sujeitos dos três movimentos que lutam por ideais
comuns, na busca por mercados locais e pela valorização de suas identidades. No Brasil, a
configuração de um sistema nacional de comércio justo e solidário significa a consolidação de
uma estreita colaboração entre esses movimentos, que os fazem parecer cada vez mais como
um corpo só, dado a grande complementariedade.
Como movimento político, o comércio justo se faz valer de uma série de princípios
que coordenam as relações entre os parceiros. O discurso ideológico encerra ideais de
igualdade, respeito aos direitos humanos, relações paritárias, transparência e pagamentos
justos. É um movimento que se opõe à globalização neoliberal e busca fazer do mercado um
lugar de relações paritárias, dando oportunidades aos produtores marginalizados do Sul
através da inserção de seus produtos no mercado. Isso perfaz o conteúdo dos seus ideais.
Contudo, no plano da prática, o comércio justo, visto que configura um subcampo
dentro do campo maior do comércio internacional, funciona em terreno ambíguo, incorrendo
por isso em certas contradições, na medida em que compete no mercado de acordo com regras
já estabelecidas, mas com o objetivo de mudá-las, mesmo consciente de que age em uma zona
limite entre dar oportunidades aos excluídos do sistema e favorecer uma nova forma de
203
neocolonialismo. E assim, caminha se equilibrando entre o seu ideal e as suas contradições
reais. Propõe igualdade entre os povos e a preservação das culturas locais, mas não hesita em
estabelecer padrões aos produtos, solicitando aos produtores modificações e adequações, de
acordo com o gosto dos abastados clientes do Norte. Afinal, é preciso que as mercadorias se
realizem no mercado. Nem ao pequeno produtor, nem ao importador e lojista interessa que os
produtos mofem nas prateleiras.
As incoerências entre ideal e prática ocorrem porque é imprescindível a realização da
mercadoria no mercado, sua venda, sua transformação na forma dinheiro, e esse passo exige
pragmatismo. É justamente o excesso de pragmatismo que estabelece dificuldades aos
pequenos produtores. Essas dificuldades, tratadas aqui como “os nós do mercado”, dificultam
o acesso e a expansão das vendas dos pequenos produtores e a própria existência do comércio
justo na sua forma ideal. Portanto, em que pese a necessidade de atitudes práticas, é preciso
manter vivos os ideais que fundaram o próprio movimento.
O comércio justo balança entre nicho de mercado e movimento político. A primeira
condição levando a pragmatismos e a segunda a discursos idealistas. Encontrar um equilíbrio
entre essas duas condições é uma tarefa complexa. O movimento do comércio justo se
fundamenta em posicionamentos políticos. Do lado do consumo, os indivíduos consumidores
atuam como cidadãos do mundo, prestigiando essa forma de comércio como um ato político.
Para isso, exigem transparência e coerência, mas também preços justos. De outro lado, o
circuito de comercialização, formado por importadores, certificadores e lojas, ainda que
constrangido a adotar atitudes práticas e competitivas, precisa também atuar de forma
coerente com o discurso, inclusive no que diz respeito à transparência, revelando a face do
produtor e as condições da produção no próprio produto. Isso é possível?
Talvez, mas o setor precisa evoluir dentro desse debate. Além da questão da
transparência, um ponto que necessita ser discutido é a abrangência das redes. Na Amazônia,
a realidade do comércio justo e do turismo comunitário favorece a poucos grupos, cujos
produtos são enviados ou divulgados no exterior. O guaraná dos Sateré-Mawé, considerado o
mais autêntico do mundo, não pode ser usufruído em Belém, pois não há loja que o venda. Os
sabonetes da Avive, passam pelo nosso porto, mas pelo mesmo motivo também não podemos
comprá-los. O público amazônico que utiliza serviços turísticos desconhecem os roteiros
turísticos oferecidos pela ASPAC, a associação de Silves, no estado do Amazonas, que leva
em frente a Pousada Aldeia dos Lagos. Ou seja, são produtos amazônicos, que, por falta de
204
políticas públicas de incentivo à comercialização, ainda são destinados exclusivamente ao
público externo. Uma rede que abrangesse o Comércio Justo e o Turismo Comunitário na
Amazônia poderia mudar esse cenário.
Na pesquisa empírica, os produtores entrevistados apontaram a necessidade de
abertura do mercado para seus produtos. Em uma frase simples e direta, o Sr. Rosemiro
Pereira, artesão ceramista de Icoaraci –PA, manifestou claramente esse desejo: “O comércio
justo é um bom negócio porque, quando eu produzo, eu preciso ter quem venda pra mim, e
além de tudo, tá valorizando o meu trabalho”. No entanto, apesar dos ideais do comércio justo
serem inclusivos, a prática, como temos afirmado, tem demonstrado certa exclusão dos povos
da Amazônia. O Norte do Brasil, uma periferia no Sul do planeta, ainda não tem um número
expressivo de experiências significativas de comércio justo. Mesmo os projetos com
resultados concretos de vendas na região estavam até recentemente excluídos da iniciativa
pelo Sistema Nacional de Comércio Justo.
Foi uma surpresa descobrir que, no segundo semestre de 2007, os representantes do
Projeto Guaraná dos Sateré Mawé ainda não tinham conhecimento do que estava ocorrendo
com o movimento do comércio justo no cenário nacional. A iniciativa do Sistema Nacional do
Comércio Justo deve incluir na sua prática também a Amazônia. O que vinha vigorando até
então eram os critérios e práticas estabelecidos pelo Norte do mundo, muitas vezes distantes
das nossas possibilidades. Nesse caso, como no passado, a Amazônia continuava mais ligada
às metrópoles estrangeiras que aos próprios centros nacionais.
No Brasil e na Amazônia as práticas do comércio justo e do turismo comunitário
ganham um interesse especial porque estão ligadas aos princípios do grande movimento da
Economia Solidária. E a Amazônia tem um potencial muito grande para ser inserida
fortemente nesse contexto. O valor da solidariedade está incorporado em muitas comunidades
da Amazônia, contudo faltam ainda iniciativas de fomento e valorização dos produtos da
região. É preciso que se construam projetos conjuntamente com os grupos de produtores
envolvidos. Isso significa inverter a tipologia de aproximação dos projetos na região, pois,
como considera Maués (1998, p.13), “até os dias de hoje, todas as políticas de colonização e
exploração dos recursos naturais da Amazônia têm sido traçadas de acordo com interesses
alienígenas e/ou das classes dominantes locais aliadas a esses interesses”. Portanto, é preciso
construir projetos que valorizem as pessoas e os produtos da região, mas é preciso construir
conjuntamente, respeitando os conhecimentos e as aspirações das comunidades locais.
205
Tanto no caso da pousada Aldeia dos Lagos como no projeto Guaraná dos Sateré
Mawê, foram as organizações internacionais que possibilitaram, através de financiamentos e
acompanhamentos técnicos, o inicio das atividades. As duas experiências, apesar de terem
amadurecido com o decorrer do tempo e de unirem seus esforços em prol de suas
comunidades, continuam se sustentando graças ao público estrangeiro. A maioria dos turistas
que chegam à pousada ou que compram o guaraná dos Sateré é do exterior. Provavelmente
será esse mesmo público que fará com que o espaço de ecoturismo Aldeia Vinte Quilos se
torne sustentável. Porém, isso não é suficiente. É preciso articular estratégias para conquistar
o consumidor local. E isso poderá se tornar realidade se houver um trabalho coletivo entre
organizações, comunidades e governos para formar, além de comunidades preparadas para o
mercado, consumidores conscientes.
Enfim, apesar da distância entre ideal e prática, tanto nas experiências de comércio
justo como nas de turismo comunitário, essa forma de comercializar produtos pode
representar uma interessante alternativa para grupos produtores amazônicos. Aqui, muitas
iniciativas de produção local realizadas por associações e cooperativas ainda estão excluídas
das redes de comércio justo. No caso da agricultura familiar, a maior parte das associações
alcança apenas o micro mercado local, e as raras experiências de turismo comunitário atraem
ainda poucos turistas estrangeiros. Apesar das contradições, o comércio justo, mediante um
esforço coletivo capaz de envolver grupos produtores e agentes fomentadores, pode
possibilitar vias de escoamento da produção e o alargamento das possibilidades de
comercialização, favorecendo a condição organizacional e produtiva dos grupos locais.
206
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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www.cartamaior.com.br
www.claccomerciojusto.org
www.cidac.pt
www.ecologiae.com
www.emater.pr.gov.br
www.espaciocomerciojusto.org
www.european-fair-trade-association.org
www.facesdobrasil.org.br
www.fbes.org.br
www.fomezero.gov.br
www.fvpp.org.br
www.guayapi.com
www.icei.it
www.mds.gov.br
http://mercadoetico.terra.com.br
www.mercadojusto-la.org
www.mte.gov.br
www.maketradefair.com
www.mundareu.org.br
www.projetoterra.org.br
www.ravinala.org
www.relacc.org
www.ucodep.org
www.wfto.com
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www.wikipedia.org
www.worldfairtradeday09.org
www.wwf.org.br
214
APÊNDICES
215
FORMULÁRIO I
IDENTIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE TURISMO RESPONSÁVEL DE BASE
COMUNITÁRIA E/OU COMÉRCIO JUSTO
Nome do empreendimento:
Endereço:
CEP:
Município:
UF:
Telefone:
e-mail:
CNPJ (se legalizado):
Pessoa de contato:
Fone:
celular:
e-mail:
Forma de organização:
Grupo Informal ( )
Associação ( )
Cooperativa ( )
Famílias (
Pessoas jurídicas (
Outra:
Número atual de participantes:
Pessoas físicas ( )
)
)
Atividades econômicas do empreendimento:
Extrativismo (pesca,
exploração florestal)
silvicultura, ( )
Agricultura, agropecuária, agroindústria
Produção (indústria,
confecções)
artesanato, ( )
Prestação de serviços (alimentação, hospedagem, ( )
serviços gerais, transporte, turismo em geral)
( )
Outra:
Ano de início do empreendimento:
Comercializa seus produtos em uma rede de Comércio Justo:
Local ( )
Regional ( )
Nacional ( )
sim ( )
não ( )
Internacional ( )
Qual:
Realiza algum tipo de atividade de turismo:
sim ( )
Hospedagem ( )
transporte ( )
alimentação ( )
não ( )
passeios ( )
216
Descreva brevemente a atividade:
Que público utiliza seus serviços
Local ( )
Regional ( )
Esta atividade conta com parceiros
Quais?
Data
Nacional ( )
sim ( )
Internacional ( )
não ( )
217
FORMULÁRIO II
IDENTIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE COMÉRCIO JUSTO
1. DADOS CADASTRAIS DA INSTITUIÇÃO / ENTIDADE
NOME:
CNPJ:
REPRESENTANTE LEGAL:
DATA DA FUNDAÇÃO:
Nº DE ASSOCIADOS: HOMENS (
) / MULHERES (
TELEFONES:
E-mail:
ENDEREÇO:
BREVE HISTÓRICO:
)
PRINCIPAIS PROJETOS DESENVOLVIDOS:
PARCEIROS:
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DIFICULDADES QUE ENFRENTARAM?
COMO AVALIA A ENTIDADE / INSTITUIÇÃO ATUALMENTE?
REALIZARAM AÇÕES EDUCATIVAS/ FORMATIVAS? QUAIS?
2. DADOS SOBRE PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
PRODUTOS PRODUZIDOS E COMERCIALIZADOS: ALIMENTOS IN NATURA ( )
ALIMENTOS INDUSTRIALIZADOS ( ) ARTESANATO ( ) OUTROS ( )
QUAIS OS TRÊS PRINCIPAIS PRODUTOS
(TIPOLOGIA)
Unidade Quantidade
Produzida
Mensalmente
Valor da
Produção
mensal
(R$)
Unidade Quantidade
Produzida
Mensalmente
Valor da
Produção
mensal
(R$)
1.
2.
3.
QUAIS
OS
TRÊS
PRINCIPAIS
INSUMOS/MATÉRIAS-PRIMAS UTILIZADOS NA
PRODUÇÃO
218
1.
2.
3.
QUAL A FORMA DE PRODUÇÃO?
INDIVIDUAL ( ) COLETIVA ( )
Nº DE ASSOCIADOS ENVOLVIDOS NA PRODUÇÃO:
PARA QUEM VENDEM?
TEM ENCOMENDAS REGULARES? QUAIS?
QUAIS SÃO AS FORMAS DE PAGAMENTO?
À VISTA ( ) - À PRAZO ( ) - RECEBIMENTO ADIANTADO ( )
RECEBEM REGULARMENTE? SIM ( ) – NÃO ( )
QUANTIDADE DE PRODUTOS COMERCIALIZADOS:
FATURAMENTO MÉDIO/MENSAL:
RECEBEU ALGUM TIPO DE FINANCIAMENTO? ( ) SIM ( ) NÃO
TEVE ALGUM CONTATO COM A REDE DE COMERCIALIZAÇÃO DO COMÉRCIO
JUSTO E SOLIDÁRIO?
( ) SIM ( ) NÃO
ESPECIFIQUE:
3. PREOCUPAÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS
NA EXTRAÇÃO DA MATÉRIA PRIMA QUE CRITÉRIOS ADOTAM?
NA PRODUÇÃO ALIMENTAR USAM AGROTÓXICOS OU ADUBOS BIOLÓGICOS?
SIM ( ) NÃO ( )
NO CASO DE PRODUÇÃO FAMILIAR, CRIANÇAS E ADOLESCENTES DA FAMÍLIA
COLABORAM PARA A PRODUÇÃO? SIM ( ) NÃO ( )
AS CRIANÇAS ESTÃO REGULARMENTE MATRICULADAS NA ESCOLA? SIM ( )
NÃO ( )
EM CASO DE COLABORAÇÃO DA MULHER NA PRODUÇÃO, ESTA É REMUNERADA?
SIM ( ) NÃO ( )
Data
219
FORMULÁRIO II
IDENTIFICAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE COMÉRCIO JUSTO
1. DADOS CADASTRAIS DA INSTITUIÇÃO / ENTIDADE
NOME: AVIVE – Associação Vida Verde da Amazônia / COPRONAT - Cooperativa de
Produtos Naturais da Amazônia (36 cooperados: 6 homens) – Criada para a venda dos produtos e
para a remuneração das cooperadas que trabalham na confecção dos produtos. Fundada em 2003.
(Bárbara Bschmal – Presidente)
CNPJ: 03242437/0001-20
REPRESENTANTE LEGAL: Franciane S. Canto; Joyce R. Almeida; Iete de A. Almeida –
Coordenadoras Executivas.
DATA DA FUNDAÇÃO: 17/04/1999
Nº DE ASSOCIADOS: HOMENS ( 0 ) / MULHERES ( 46 )
TELEFONES:(92) 3528-2161 (fax)/
E-mail: www.avive.org.br / [email protected]
3528-2259
ENDEREÇO: Rua 3, S/N – Ponta do Macário – B: Panorama. CEP:69114-000. Silves-AM
BREVE HISTÓRICO:
Importante: Fazem cadastro dos coletores.
PRINCIPAIS PROJETOS DESENVOLVIDOS:
1- ProVárzea (2002-2005)- Projeto Comunitário de Produção Sustentável de Óleos
Essenciais da Região de Várzea em Silves.(MMA; IBAMA; PPG7; PROJETP(Projetp
Manejo dos Recursos Naturais da Várzea).
Visa trabalhar com a descoberta de óleos essenciais através do conhecimento de novas
plantas.
Trabalho com manejo comunitário; e com a Titulação Legal de Terras para Comunidades
(ex. Comunidade de São Pedro; Parananzinho);
Projeto Comunitário de Produção Sustentável de Óleos Essenciais da Região de Várzea
de Silves –AM (julho 2006-julho 2008)
Visa trabalhar com a descoberta de óleos essenciais através do conhecimento de novas
plantas.
2- Trabalho com manejo comunitário; e com a Titulação Legal de Terras para Comunidades
(ex. Comunidade de São Pedro; Parananzinho
3- Projeto Florestal Não Madereiro da Fazenda 2000 (Madereira: Precious Woods Amazon)
– Junho 2006 (semestral) com previsão de 2 anos; Trabalha com comunidades diferentes,
do entorno da empresa com apoio da WWF (suporte técnico).
PARCEIROS: WWF – Brasil; Sebrae –AM; Banco do Brasil; INPA; UFAM (Universidade
Federal do Amazonas).
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DIFICULDADES QUE ENFRENTARAM?
A principal dificuldade é conseguir o alvará de funcionamento da Anvisa, pois é necessário ter
uma estrutura com todos os requisitos que a Anvisa solicita. Ex. Bancadas; Prensas; Iluminação.
Agora estão tentando o financiamento a fundo perdido do Banco do Brasil.
220
- A falta de Internet prejudica muito a comercialização;
- Não existe transportadora, somente enviam encomendas pelos Correios.
- A luta pela legalização de uma área pertencente verbalmente a Avive onde se encontram mais
ou menos 2.000 mudas de Pau Rosa.
COMO AVALIA A ENTIDADE / INSTITUIÇÃO ATUALMENTE?
Hoje a Avive deu um passo bem grande através de algumas atividades realizadas nos projetos.
Avaliam positivamente porque tem crescido em n° de Associados e Parceiros.
REALIZARAM AÇÕES EDUCATIVAS/ FORMATIVAS? QUAIS?
Sim. Cursos de Associativismo/Cooperativismo; Cursos de coletas de sementes; Produção de
mudas; Extração de óleos Essenciais; Rapel para coleta de sementes; Manejo florestal.
Comunidades: São Pedro, Parananzinho; Livramento, Aparecida, São Tomé, Maquara, Baixa
Funda.
Total: 115 famílias.
4. DADOS SOBRE PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
PRODUTOS PRODUZIDOS E COMERCIALIZADOS: ALIMENTOS IN NATURA ( )
ALIMENTOS INDUSTRIALIZADOS ( ) ARTESANATO (X) OUTROS (X)
QUAIS OS TRÊS PRINCIPAIS PRODUTOS
(TIPOLOGIA)
Unidade Quantidade
Produzida
Mensalmente
1. Sabonetes
R$ 4,00
2. Velas Repelentes e Aromáticas
R$ 3,00
3. Óleos Essenciais
Capacidade de
3.000 unidades
Capacidade de
1.000 unidades
Capacidade de
1.000 unidades de
frascos de 10 e 5 ml
R$
15,00
(frasco
de
10ml)
QUAIS
OS
TRÊS
PRINCIPAIS Unidade Quantidade
INSUMOS/MATÉRIAS-PRIMAS UTILIZADOS NA
Produzida
PRODUÇÃO
Mensalmente
1. Essência de Pau Rosa (Doação do Ibama 40
litros) – Apreensão da essência tirada da madeira
e a Avive pretende extrair de folhas e galhos.
2. Essência de Breu (Para tirar 1 litro de óleo é
necessário 50kg de resina Breu
1 litro
?
1 kg de
resina
3. Glicerina
1 Kg
4. Parafina
Saco de
25 Kg
300kg (capacidade
de produção das
comunidades)
150 kg trimestral
(São Paulo)
1 saco a cada 2
meses (Manaus)
QUAL A FORMA DE PRODUÇÃO?
INDIVIDUAL ( ) COLETIVA ( X )
Nº DE ASSOCIADOS ENVOLVIDOS NA PRODUÇÃO: 20 pessoas
Valor da
Produção
mensal
(R$)
R$ 1.000
R$ 1.600
R$ 500,00
Valor da
Produção
mensal
(R$)
1 litro –
R$ 200,00
1 Kg –
R$ 3,00
1 Kg –
R$ 5,00
25 kg –
R$ 165,00
221
PARA QUEM VENDEM? Pão de Açúcar em São Paulo (Velas); Sr. Rainer (Alemão) Fair Trade
(sabonetes e velas); Ecoshop (sabonetes) Manaus e outros clientes variados.
TEM ENCOMENDAS REGULARES? QUAIS? Sim, acima citados.
QUAIS SÃO AS FORMAS DE PAGAMENTO?
À VISTA ( X ) - À PRAZO ( ) - RECEBIMENTO ADIANTADO ( Não )
RECEBEM REGULARMENTE? SIM ( X ) – NÃO ( )
QUANTIDADE DE PRODUTOS COMERCIALIZADOS: 36 produtos
FATURAMENTO MÉDIO/MENSAL: Copronat – R$ 2.000,00
RECEBEU ALGUM TIPO DE FINANCIAMENTO? ( ) SIM ( X ) NÃO
TEVE ALGUM CONTATO COM A REDE DE COMERCIALIZAÇÃO DO COMÉRCIO
JUSTO E SOLIDÁRIO?
(X) SIM ( ) NÃO
ESPECIFIQUE: Recebendo uma premiação do Sebrae para a Cooperativa “TOP 100 de
artesanato”, na rodada de negócios tinha uma empresa do CJS (Ética Comércio Solidário –
Recife) interessada em conhecer a Avive.
5. PREOCUPAÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS
NA EXTRAÇÃO DA MATÉRIA PRIMA QUE CRITÉRIOS ADOTAM?
Tem que estar no tempo da colheita, prática do manejo florestal. Porém, para algumas matérias
primas não existe o manejo, como o Breu, e estão tentando através de pesquisas descobrir uma
forma de manejo.
NA PRODUÇÃO ALIMENTAR USAM AGROTÓXICOS OU ADUBOS BIOLÓGICOS?
SIM ( ) NÃO ( )
NO CASO DE PRODUÇÃO FAMILIAR, CRIANÇAS E ADOLESCENTES DA FAMÍLIA
COLABORAM PARA A PRODUÇÃO? SIM ( ) NÃO ( X ) Somente para coleta de matéria
prima.
AS CRIANÇAS ESTÃO REGULARMENTE MATRICULADAS NA ESCOLA? SIM ( X )
NÃO ( )
EM CASO DE COLABORAÇÃO DA MULHER NA PRODUÇÃO, ESTA É REMUNERADA?
SIM ( X ) NÃO ( )
Data 03/08/2007.
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ANEXOS
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Relação dos passeios oferecidos pela Aspac em conjunto com as comunidades,
descrita por membros da ASPAC:
1. Ilha dos Pássaros (abril a setembro): Passeio em canoa motorizada observando garças,
papagaios e outras aves se agasalharem para passar a noite nas ilhas, longe dos
predadores. Duração:2 h;
2. Lagos de Preservação (o ano todo): Excursão aos lagos santuários de preservação.
Ocasião propícia para observar a grande variedade de flora e fauna aquática. São
comuns jacarés, peixes, aves e pequenos animais. Duração:3 h;
3. Igapó de terra firme (dezembro a setembro): Excursão com canoa motorizada no
labirinto da floresta inundada, para conhecer as arvores frutíferas, as plantas
ornamentais e a fauna, descobrindo os segredos da alimentação dos peixes. Além do
mais, podendo mergulhar na água límpida e refrescante do Igapó. Duração. 4 h;
4. Igapó de Várzea I (setembro a janeiro): Passeio com canoa motorizada até os campos
floridos da Várzea, conhecendo sua fauna e flora na época da seca, e caminhando na
sombra de suas árvores centenárias. Duração: 3 h;
5. Igapó de Várzea II (março a agosto): Passeio de canoa motorizada pela trilha aquática,
navegando entre as arvores centenárias da Várzea, observando a rica avi-fauna deste
ecossistema na época das cheias. Duração: 3 h;
6. Rio Amazonas pelo Canaçari (fevereiro a setembro): Em canoas motorizadas
atravessamos a grande várzea do lago Canaçari até o furo do Liberato, uma das portas
de entrada ao Rio Amazonas. Observação das características do rio e ampla volta
medindo a força de sua correnteza. Parada na Comunidade Santa Maria e caminhada
através de pomares de Cacau até uma casa típica da comunidade. Além dos contatos
diretos com os moradores ribeirinhos, conhecendo seus hábitos, experimenta-se varias
frutas da região, o chocolate caseiro, seus derivados e sua matéria prima. Possibilidade
de refeição na comunidade. Duração: 5 h;
7. Piquenique noturno com a Comunidade (o ano todo): Visita a Comunidade Santa
Luzia. Chegando lá saímos em pequenas canoas a remo com guias da comunidade,
podendo praticar a pesca com tarrafa, pequenas malhadeiras e zagaia, focando o peixe
com lanternas. O peixe capturado é assado na brasa e consumido durante o piquenique
nas margens do rio Sanabani junto a comunidade, uma replica dos tradicionais
mutirões comunitários. Em torno da fogueira, historias e lendas amazônicas são
contadas pelos ribeirinhos. Duração: 4h;
8. Dia de Intercâmbio Cultural (o ano todo): Visita à cidade de Silves e seus aspectos
socioculturais. Sucessiva ida para uma comunidade, com a finalidade de conhecer os
usos e costumes caboclos, sua produção e sobrevivência. Conversa comunitária,
estrutura familiar, medicina natural. Na casa de farinha será servido um lanche a base
de derivados de mandioca. A tarde pode ser combinado um encontro esportivo e a
noite uma festa promovida pela comunidade com musica típica da região. Duração: o
dia inteiro;
9. Light/Diurno (o ano todo): Passeio de reconhecimento geográfico em torno da Ilha de
Silves com canoa motorizada. Poderemos avistar botos e golfinhos de água doce e
outras curiosidades da região. De janeiro a julho será possível encontrar vitóriasrégias;
10. Light/Noturno (o ano todo): Saímos a tarde para uma pescaria e para observar a fauna
na região dos lagos de preservação;
11. Bed & Breakfast no Anebá (o ano todo): Subindo o rio Urubu, passamos pelo lago
Mirituba até o rio Anebá. Lá fazemos o reconhecimento do rio. À noite, jantar
regional típico na comunidade. Pernoite nas casas dos ribeirinhos esticando nossa
rede. No di seguinte, após café da manhã caminhamos por trilhas na área de cultivo
regional (guaraná, cupuaçu) até a floresta. Retornando da floresta haverá um
piquenique às margens do rio Anebá. Retorno para Silves. Duração: um dia e meio.
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12.
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14.
15.
Somente para grupos de no mínimo 6 (seis) pessoas;
Trilha do Riacho: Grau de dificuldade: leve. Em canoa motorizada vamos até a casa
de uma família ribeirinha. A trilha passa pelo pomar e o pasto da propriedade até
entrar na mata nativa. Árvores centenárias de madeiras preciosas, caminhamos por
uma trilha natural para observar a fauna e flora até um riacho refrescante com direito a
um batizado na floresta amazônica. Duração: 5 h;
Trilha do Ipê Roxo: Grau de dificuldade: leve. Com a canoa motorizada seguimos até
a Comunidade Santa Luzia onde entramos direto na floresta com muitas arvores de lei
e medicinais. Observação da fauna. Almoço na comunidade a combinar: Duração: 3 h;
Trilha do Angelim: Grau de dificuldade: médio. Chegamos a esta trilha de canoa
motorizada. Caminhada na floresta primária repleta de arvores de lei, medicinais e
aromáticas. Nosso lanche será no final da trilha aos pés de um Angelim majestoso.
Duração: 5 h;
Trilha do Pau-Rosa: Grau de dificuldade: difícil. (fevereiro a setembro). Logo cedo
subimos o rio Sanabi com canoa motorizada acompanhados pelo mateiro e os nossos
guias. Levantamos o primeiro acampamento. Após um banho refrescante no rio,
jantamos e nos recolhemos em nossas redes. Sono tranqüilo sem a perturbação dos
mosquitos devido as águas ácidas do rio Sanabani. No próximo dia chegamos ao
segundo acampamento no meio da floresta primária. Rica fauna e flora sob as densas
copas de arvores centenárias. Camonhada forçada na trilha ao encontro do pau-rosa,
árvore brasileira ameaçada de extinção, e um reconhecimento da fauna e flora desta
região ainda não explorada. Uma aventura e tanto. Retornamos no terceiro dia para
Silves. Duração: 3 (três) dias. Para grupos de no mínimo 5 e no máximo 10 pessoas.
PINTO (2004)
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