BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 11/12:49-56 JUNHO DE 2000
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Células piramidais apicais dos tegumentos do óvulo em
Velloziaceae e suas relações filogenéticas
Nanuza Luiza de Menezes1,2 & Neuza Maria de Castro3
ABSTRACT: Apical pyramidal cells of the integument of ovule in
Velloziaceae and their phylogenetic relationships. The origin of the
ovule, the ontogenetic precursor of the seed, is one of the most important
events which allowed the spermatophytes to successfully conquer
terrestrial environments. The mechanism of origin of the integument(s)
which surrounds the megasporangium (ginosporangium), a structure
present in ancestral groups, has attracted the attention of
phylogeneticists. One of the most widely accepted hypotheses, proposed
by Andrews, is based on paleobotanical evidence from gymnosperms,
particularly the Pteridospermales, or ferns with seeds. According to
that author, the integument of the ovule in that group of plants originated
by fusion of filaments (lobes) around a sporangium. Recent research
on Velloziaceae ovules revealed elements that may confirm that idea.
Key words: apical pyramidal cell, ovule, Pteridospermae, Velloziaceae.
RESUMO: O aparecimento do óvulo, o precursor ontogenético da
semente, representou um dos mais importantes eventos que levaram as
Spermatophyta a uma conquista bem sucedida do ambiente terrestre. O
mecanismo de origem do(s) tegumento(s) que envolve(m) o
megasporângio (ginosporângio), uma estrutura presente em grupos
ancestrais, tem atraído a atenção dos filogenistas. Uma das hipóteses
mais aceita é a de Andrews baseada em evidências paleobotânicas
nas gimnospermas, particularmente, entre as Pteridospermales, fetos
com sementes. De acordo com esse autor, o tegumento do óvulo nesse
grupo de plantas originou-se pela fusão de filamentos em torno do
megasporângio. Verificações, recentes, em Velloziaceae, confirmam
esta idéia.
1 - Bolsista do CNPq
2 - Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, IB, Caixa Postal 11461, 05422-970 São
Paulo, SP.
3 - Universidade Federal de Uberlândia, Departamento de Biociências, Caixa Postal 593, 38400-902
Uberlândia, MG.
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MENEZES & CASTRO: CÉLULAS DOS TEGUMENTOS DO ÓVULO EM VELLOZIACEAE
Introdução
Dentre as angiospermas, de um modo geral, os primórdios ovulares
iniciam-se a partir de divisões periclinais na segunda ou na terceira camada
da placenta e, assim, são classificados em bi e trizonados (Bouman, 1984),
sendo que, geralmente, os óvulos das monocotiledôneas são anátropos
(Dahlgren et al., 1985).
Os óvulos podem ser classificados em uni, bitegumentados ou
ategumentados (Maheshwary, 1950; Bhojwani & Bhatnagar, 1978; Tilton
& Lersten, 1981; Johri et al., 1992). Os óvulos das Velloziaceae são
anátropos e bitegumentados (Stenar, 1925; Davis, 1966; Menezes, 1976).
Os tegumentos dos óvulos das angiospermas apresentam origem e
desenvolvimento bastante variável nos diferentes taxa (Balfour, 1901 in
Tilton & Lersten, 1981). Quanto à origem, os tegumentos podem ser
totalmente dermais, subdermais ou ainda terem origem mista (Bouman,
1978; Tilton & Lersten, 1981; Bouman, 1984).
O universo de trabalhos realizados com óvulos em diferentes
famílias, permitem perceber que o crescimento dos tegumentos se faz a
partir de células piramidais apicais. Apenas Roth (1957) e Tilton e Lersten
(1981) se referem a essas células, sendo que, o primeiro faz uma comparação
entre a atividade da célula apical piramidal com aquela apresentada pelas
pteridófitas, em particular, ao crescimento do indúsio do soro.
A natureza e a origem do(s) tegumento(s) das sementes, ainda se
apresentam como uma problemática para os filogenistas (Gifford & Foster,
1989). Uma resposta parcial foi dada por Long (1960, 1961), para sementes
de Pteridospermae do período Carbonífero.
Com base nos achados de Long, Andrews (1963) propõs uma
seqüência filogenética de eventos, que levariam à formação dos tegumentos
a partir de Genomosperma kidstoni. Para o autor, esta seria a evidência
fóssil mais primitiva do que se pode chamar de semente, em que o nucelo
aparece envolvido por um anel formado de oito filamentos, unidos na base
e livres em sua maior extensão. Para o autor, uma condição mais avançada
pode ser vista em Genomosperma latens, onde os oito filamentos aparecem
fundidos por, aproximadamente, um terço de sua extensão e apenas
justapostos no ápice, formando o que ele considera uma micrópila
rudimentar. Outros fósseis do mesmo período, mostram a soldadura
gradativa deste filamentos, até a formação de uma micrópila apical
(Andrews, 1963) (Figuras 1- 6).
O presente trabalho se propõe a encontrar uma confirmação
anatômica à idéia de Andrews.
1. Genomosperma kidstoni (Calder) Long. 2. Genomosperma latens Long. 3. Salpingostoma dasu Gordon. 4. Physostoma
elegans Williamson. 5. Eurystoma angulare Long. 6. Stamnostoma huttonense Long. (Segundo Andrews, 1963, modificado).
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MENEZES & CASTRO: CÉLULAS DOS TEGUMENTOS DO ÓVULO EM VELLOZIACEAE
Metodologia
As espécies aqui representadas pertencem à família Velloziaceae,
coletadas na Serra do Cipó, Minas Gerais, e depositadas no Herbário do
Instituto de Biociências – USP (SPF), com os seguintes números de coleta:
Barbacenia flava var. flava Mart. ex Schult. & Schult. f. Castro no 420;
Vellozia leptopetala Goeth. & Henr. – Castro no 417 e Aylthonia blakii (L.B.
Smith) N.L. Menezes, Castro no 415. Pteris sp. corresponde a lâmina para
uso didático. Os botões florais foram desidratados em série etílica (Sass,
1951), e incluída em “paraplast” segundo metodologia de Kraus e Arduim
(1997). A coloração utilizada foi o azul de Toluidina O em tampão acetato
(Pearse, 1961).
Resultados
Nos primórdios de óvulos correspondentes às figuras 7 (Vellozia
leptopetala) e 8 (Barbacena flava) é possível verificar, indicada por setas,
células piramidais apicais que dão início à formação do tegumento interno
(Figura 7) e interno e externo (Figura 8). Observa-se que os tegumentos
interno e externo já estão formados por duas camadas de células, mantendo
a célula piramidal apical no ápice (Figuras 9- 10).
Há uma perfeita correspondência entre a célula piramidal apical do
tegumento externo (Figura 11, seta) em Barbacenia flava e a mesma célula
no ápice da fronde de Pteris (Figura 12, seta).
A figura 13 representa óvulos de Aylthonia blakii, onde se
distinguem o nucelo (N) o tegumento interno (Ti) e o esboço do tegumento
externo (Te), em fase equivalente à da figura 8.
Discussão
Nas Velloziaceae estudadas, os dois tegumentos têm origem na
protoderme, o que, de acordo com Bouman (1984), corresponde à camada
dermal. Esses tegumentos iniciam-se a partir de divisões celulares
inclinadas, na superfície do primórdio, divisões estas que determinam o
aparecimento de iniciais piramidais. Estas iniciais vistas em corte
longitudinal do óvulos como células piramidais, constituem uma fileira de
células no óvulo inteiro. O crescimento dos tegumentos por divisões bifaciais
dessas células piramidais foi sobejamente demonstrado por Roth (1957) em
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Figuras 7-10. Óvulos em secção longitudinal, com a célula piramidal apical do
tegumento interno em Aylthonia blackii (Figura 7) e dos tegumentos interno (seta
1) e externo (seta 2) de Barbacenia flava (Figura 8) e de Aylthonia blackii (Figuras
9 e 10). Barra = 10 µm.
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MENEZES & CASTRO: CÉLULAS DOS TEGUMENTOS DO ÓVULO EM VELLOZIACEAE
Figura 11. Barbacenia flava. Célula piramidal apical do tegumento externo (seta).
Ti – tegumento interno. Barra = 10 µm.
Figura 12. Célula piramidal apical (seta) em fronde de Pteris sp. Barra = 50 µm.
Figura 13. Óvulos de Aylthonia blackii. N – nucelo; Te – tegumento externo; Ti –
tegumento interno. Barra = 20 µm.
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Capsella bursa-pastoris. A autora apresenta toda a seqüência de divisões,
que levam ao desenvolvimento do tegumento constituído, como em
Velloziaceae, por duas camadas de células. Segundo Bouman (1984) esse
tipo de crescimento verificado por Roth, e neste trabalho, não acontece na
maioria dos óvulos. Em Velloziaceae, o crescimento em comprimento dos
tegumentos acontece não só por divisões bifaciais das células piramidais
apicais, mas, também, por divisões anticlinais e extensão das demais células,
como o verificado por Tilton e Lersten (1981) para Ornithogalum caudatum.
Quaisquer que tenham sido as referências às células piramidais
apicais, nenhum pesquisador admitiu a possibilidade dessa situação
representar uma confirmação anatômica para a hipótese de Andrews (1963)
segundo a qual o tegumento do óvulo de Pteridospermae teria sido resultante
da soldadura do que ele denominou filamentos mas que outros autores
(Stewart, 1983; Herr, 1995) referem como telomas estéreis. Mesmo Roth
(1957) que viu toda a relação com o indúsio em Adiantum e em outras
pteridófitas, não menciona qualquer relação com ancestrais que explicariam
a origem dos tegumentos, como o fez Andrews (1963) e que se pretendem
demonstrar com este trabalho.
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado com apoio da FAPESP (Auxílio 1997/
0493-2).
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