Código de processo Civil
jan./2011
p.2
Inaplicabilidade de juros de mora no cálculo de pena astreinte
Gislene Barbosa da Costa*
No intuito de mitigar os efeitos nocivos que a delonga de um processo judicial
acarreta não às partes de um processo, mas também a todos os profissionais nele
envolvidos, inclusive ao próprio Judiciário, o Legislativo tem se dedicado à elaboração
de normas legais que dotem as decisões judiciais de maior celeridade e efetividade.
Neste cenário foi criada a pena cominatória, como forma de induzir o devedor
ao implemento de uma ordem judicial para cumprimento de uma obrigação de fazer ou
não fazer. E o mais importante: estimula o rápido cumprimento, haja vista que as
multas são, geralmente, fixadas por dia de atraso.
Em nosso ordenamento jurídico, esta multa, também denominada pena
astreinte em homenagem à sua origem francesa, encontra-se disposta no artigo 461, §
4°, do Código de Processo Civil e, muita embora não tenha sido criada no intuito de
conferir maior celeridade ao processo, mas, sim, dotar a decisão judicial de maior
efetividade, acaba por atender aos dois desideratos, pois a efetividade da decisão e a
celeridade processual guardam estreita relação entre si na medida em que para que se
obtenha a efetividade das ordens judiciais e forçoso que se criem mecanismos
processuais que garantam Q cumprimento das decisões de forma rápida.
Com relação à natureza jurídica da pena astreinte, há divergência na doutrina e
na jurisprudência. O consenso reside, apenas, no entendimento de que a pena
astreinte não é, definitivamente, dotada de natureza indenizatória. Neste sentido, o
ministro Moreira Alves, na ocasião do julgamento do Recurso Especial 94.966-6 (RT
560/ 255), assim decidiu: "(...) pena pecuniária, a título de astreintes, não tem o
caráter de indenização pelo inadimplemento da obrigação de fazer ou não fazer, mas o
de meio coativo de cumprimento da sentença, como resulta do expresso na parte final
do artigo 287 do CPC, consequentemente, não pode essa pena retroagir à data
anterior ao do trânsito em julgado da sentença que a cominou ".
Os juros moratórios, por sua vez, decorrem - como sugere a nomenclatura - da
mora e esta, conforme Agostinho Alvim pode ser definida como o "não pagamento
culposo, bem como a recusa de receber no tempo, lugar e forma devidos".
Têm, os juros moratórios, natureza propter moram, ou seja, são fundados
numa demora imputável ao devedor de dívida exigível.
Não obstante a natureza jurídica distinta da pena astreinte e dos juros de mora,
há um traço comum entre eles, que é a sua aplicabilidade fundada no decurso de
tempo no cumprimento da obrigação. Ou seja, ambos têm como ponto comum o
intuito de desestimular o descumprimento da obrigação, cada um deles numa situação
específica, pois se descumprida a obrigação contratual ou judicial de pagar certa
quantia, os juros de mora terão o condão de desestimular o atraso no pagamento. Já
no caso de uma obrigação de fazer ou dar coisa certa, a garantia da efetividade do
cumprimento da obrigação se dá com a aplicação da multa diária.
Mesmo no momento em que se executa o pagamento da multa diária, ela
mantém sua característica de penalidade. Assim, aplicação cumulativa de juros de
mora no cálculo seria indevida, pois representaria um bis in idem, que é a incidência
de duas penalidades sobre um mesmo fato gerador.
Há uma correlação, ainda que leve, entre a pena cominatória e os juros
moratórios, pois tanto na pena cominatória diária quanto nos juros está embutido o
conceito de mora, esvaziando a necessidade das duas penalidades pela mesma demora
no cumprimento da obrigação. Ainda que num grau leve, esta correlação já impede a
aplicação de juros moratórios na cobrança de pena cominatória.
E seguindo este correto entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo entendeu pelo descabimento da imposição de juros moratórios nas astreintes
decorrentes de cominação no âmbito das obrigações de fazer, conforme ementa:
"Impugnação à execução. Decisão que rejeitou a impugnação apresentada pelo
agravante e determino a expedição de guia de levantamento em favor dos credores
Inadmissibilidade – Descabimento da imposição de juros moratórios nas astreintes
decorrentes de cominação no âmbito das obrigações de fazer - Cominação diária que,
implicitamente, já tem embutida a mora pelo descumprimento da obrigação Necessária exclusão da incidência de juros de mora para se evitar a dupla cominação Agravo provido."
Esta decisão foi proferida no Agravo de Instrumento 994.09.292534-3, cujo
acórdão foi disponibilizado em 18/3/2010 e teve como relatora desembargador
Sebastião Carlos Garcia.
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*Advogada do Escritório L.O. Baptista Advogados, em São Paulo.
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