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Bergson e Merleau-Ponty: contribuições à psicopatologia
1. Motivação:
Este projeto inicial se insere e encontra respaldo institucional, uma vez que sua
proposta de pensar o homem em sua contemporaneidade, vai ao encontro das
preocupações e dos objetivos da Faculdade Católica de Uberlândia, em dois sentidos.
Primeiro, esta Instituição visa não a formação meramente profissional e mercadológica
do indivíduo, mas, oferecendo ao sujeito uma consciência dos valores que estruturam a
organização tanto das relações quanto dos espaços urbanos contemporâneos, a
Faculdade Católica de Uberlândia visa a sua formação integral, crítica e humanitária.
Em outro sentido, complementar a este primeiro, este projeto vem responder
positivamente à importância e ao respeito que a Faculdade Católica de Uberlândia vem
conquistando, tanto em termos acadêmicos quanto sociais, através da valorização da
pesquisa e da extensão, promovendo sérias discussões interdisciplinares acerca da
condição do homem contemporâneo em seminários semestrais, que são um estímulo à
pesquisa compromissada por parte dos docentes e dos discentes. Cumpre ressaltar que a
pesquisa científica na Graduação, como importante atividade de treinamento preliminar
para os alunos, vem sendo gradativamente formalizada com o início dos programas de
Iniciação Científica. Nesses termos, este projeto, ao contemplar em sua temática, a
relação entre filosofia e psicopatologia, tem a pretensão de apresentar contribuições
tanto acadêmicas, quanto humanas, para a formação do discente. A formação do
pesquisador em filosofia não deve estar desvinculada do compromisso social, porque o
filósofo é, desde os gregos, aquele que pensa a cidade, isto é, reflete sobre os problemas
sociais, políticos e culturais. Neste sentido, é preciso termos em mente que, na
contemporaneidade, o homem se define, se afirma ou se nega, não apenas em relação ao
lugar que ele ocupa, mas também, em relação ao modo como ele o ocupa. Em outros
termos, o lugar faz parte do homem, da sua linguagem, do seu pensamento, do seu
psiquismo, das suas emoções. Eis o nosso ponto de partida. O homem contemporâneo,
de modo mais flagrante e incontornável, se define em sua sujeição às vicissitudes e às
contingências dos lugares, seja enfrentando-as, afirmando a vida, seja recusando-as na
própria recusa de viver. Não se trata, pois, de antepormos à análise do nosso
pressuposto, uma assepsia idealista e cientificista dos lugares, então livres dos germes
ou, neste caso, das condições patogênicas. Cumpre-nos, antes, determinar em estatuto,
as condições em que um lugar se torna inapropriado, hostil ou patológico ao homem e à
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sua vida, para, em seguida e conjuntamente, discutirmos, pensarmos e apontarmos
terapias reais tanto do homem (e da sua vida), quanto dos lugares em que ele vive.
Apenas para começarmos a discussão, e justificarmos a proposta deste projeto, partamos
de uma restrição da problemática geral, a saber: o espaço inapropriado ou patológico é
aquele onde, meramente e de modo efêmero, o homem está, é aquele que fragmenta e
localiza o homem segundo categorias e relações naturais, filosóficas, científicas e
sociais demasiadamente rígidas e totalmente exteriores ao homem, que tem, portanto,
sua interioridade e a humanidade da sua vida real e concreta, pré-judicadas. O lugar
saudável, ao contrário, é aquele onde o homem não meramente ocupa ou está, mas, é
aquele onde ele é. A salubridade, diferentemente do adverso fechado, é a de um espaço
aberto, possível, em que o homem pode expressar o seu ser e no qual ele tem respeitada
a sua humanidade, enfim, um lugar saudável ou apropriado é aquele que nos deixa ser
integralmente. Essa relação entre o homem e o lugar é inaugural, dela originaram-se a
religião, a antropologia, a sociedade civil, a história, a filosofia, as artes, as ciências
humanas em geral, a biologia evolucionista e as ciências naturais em geral. Logo,
propomos que esses saberes retornem e explicitem as suas raízes, o seu solo inaugural,
evidenciando, como forma de não isolamento, o alcance e os limites desse algo em
comum. Ao fazê-lo, acreditamos que estarão apresentando, conjuntamente, relevantes
contribuições à nossa problemática e um incomensurável fortalecimento próprio e
recíproco. A proposta fundamental é sairmos do nosso comodismo intelectual,
pensando, por exemplo, essa relação na união entre biologia e arquitetura. Nesses
termos, eis a questão: como a religião, a antropologia, as ciências sociais, a filosofia, a
literatura, o teatro, a música, a arquitetura, o urbanismo, a psicologia, a biologia, a
medicina, a enfermagem, definem os seus sujeitos e espaços próprios, quais as
condições da saúde e da patologia desta relação, e como identificam, caracterizam e
podem enfrentar a patologia da cidade, dos lugares públicos, familiares, bem como do
homem citadino que cada vez mais foge da sua ipseidade, por exemplo, através da
esquizofrenia ou mesmo do suicídio? Em suma, como podem apresentar alternativas
para os dramas e os traumas das múltiplas e ambíguas relações entre a ipseidade e seus
lugares na contemporaneidade? E, o que mais nos motiva é a luta pela consolidação da
pesquisa filosófica no Curso de Graduação em Filosofia da Faculdade Católica de
Uberlândia.
Caberá ao graduando em filosofia, Kassius Otoni Vieira, a execução de um
projeto que contemple, restritamente, a primeira fase deste projeto geral. E é para a
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execução desta primeira fase, que estimamos ser cumprida em um ano, que solicitamos
a concessão de uma bolsa de Iniciação Científica à FAPEMIG.
2. Introdução: Fundamentação Teórica:
A nossa preocupação imediata não é evidenciá-los, trazendo-os a primeiro plano,
as aproximações ou os conflitos teóricos entre os dois pensadores. O que pode ser
pertinente em um outro momento. Nessa primeira fase do nosso projeto, as
contribuições à psicopatologia se restringirão à definição do patológico e das suas
condições. O estabelecimento dessas contribuições – que são a nossa hipótese temática
e problemática de fundo – começa, coincide e não pode ultrapassar, neste momento, o
que chamaremos de fenomenologia da expressão. Considerada como uma capacidade
fundamental de relação e de coexistência (Cf. Minkowski, 1999, p. 451-503). A
expressão inserida, portanto, no dinamismo da vida que ela própria afirma, apresenta-se
como uma dimensão privilegiada de estudo de fenômenos essencialmente humanos que
vão desde as alterações de afetividade até a espontaneidade autêntica. Analisaremos a
expressão em termos de movimento e, o movimento não causal interior à expressão é,
primitivamente, um fator do imediato, do direto, do natural, do autêntico, enfim, do
sincero. Ao mesmo tempo, quem se expressa está sujeito, assim como o ator, a se
irrealizar e a viver, inteiramente, sobre um mundo irreal (Cf. Minkowski, id., p. 467). A
expressão é um risco e um desafio que não poderemos contornar, agora, para enfrentar
mais tarde.
O que caracteriza o movimento expressivo é a espontaneidade que, uma vez
inibida ou bloqueada nos estados melancólicos ou na nevrose obsessional, “mostra-se
exuberante e desordenada na mania”, e “não se exterioriza mais ou não o faz senão de
uma maneira discordante na esquizofrenia” (Minkowski, p. 494). Logo, o que nos
revela ou do que é símbolo a expressão espontânea?
No fundo, a espontaneidade pressupõe a integridade da pessoa e ali onde nós
constatamos diretamente uma deficiência desta espontaneidade, esta deficiência
se referirá, antes, à forma de ser de um sujeito, se situará sobre o plano
caracteriológico ou tipológico bem mais que sobre o plano psiquiátrico no
sentido estrito do termo (Minkowski, id., 494).
Eis uma afirmação surpreendente que exploraremos: o patológico é símbolo de
uma “forma de ser”. Por conseguinte, na dimensão desta fenomenologia da expressão,
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uma ontologia indireta se anuncia à medida que as sobreditas contribuições à
psicopatologia vão sendo estabelecidas.
Por fim, através desse fenômeno autenticamente humano, a espontaneidade, o
psíquico oscila entre a indiferença e o desinteresse até a impulsividade e a
agressividade, o que pressupõe, quaisquer que sejam os casos, o reconhecimento da
existência do outro.
2.1 Henri Bergson: Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência
Como sugere o que foi dito até o momento, a patologia psicológica será definida
em relação a um valor primordial: a autenticidade. Em síntese, a autenticidade concerne
à forma pela qual “o ser humano é chamado a se doar ao mundo”, isto é, em primeiro
lugar, ela concerne “à vida afetiva e à expressão, em sua fusão íntima” (Minkowski, id.,
p. 511). Nesses termos, como podemos encontrar, em Bergson, contribuições para a
definição do patológico e de suas condições? Ora, esperamos encontrar essas
contribuições percorrendo, analisando e descrevendo a gênese conceitual e
metodológica do próprio pensamento de Bergson, sobretudo, no Essai sur le données
immédiates de la conscience. Nesta obra, o percurso crítico, teórico e metodológico de
Bergson, questionando-se pelas condições de uma experiência pura do psicológico, é
um retorno radical à autenticidade da realidade psicológica pura. De algum modo, que
esperamos demonstrar, da contrariedade das condições dessa pureza teremos as
condições definidoras do patológico.
Segue a exposição de uma leitura do Ensaio, ainda incipiente, mas que é uma
introdução na qual já se apresentam os problemas que ulteriormente enfrentaremos.
...nossos estados de alma nos parecem suscetíveis de serem contados; alguns dentre
eles, assim dissociados, possuiriam uma intensidade mensurável; a cada um e a
todos cremos poder substituir as palavras que os designam e que passariam a
recobrí-los; atribuimos-lhes então a fixidez, a descontinuidade, a generalidade das
palavras. É este o invólucro que é preciso recuperar, para rasgá-lo (...). Afastando
este véu, reencontramos o imediato e tocamos um absoluto (Bergson, 1984, p.
111).
Ao longo de os Donnés immédiates de la conscience, que doravante
abreviaremos por DI, Bergson chega à realidade psicológica como sendo o tempo real
dos dados imediatos da consciência interpenetrando-se, autoproduzindo-se e
diferenciando-se espontaneamente num fluxo contínuo de duração; com isto, Bergson
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chega à natureza específica e essencial da realidade psicológica, que é a liberdade, ou
seja, o psiquismo não é determinado por nenhuma causa que lhe seja externa, mas, se
assim podemos dizer, ele é causa de si mesmo, em sua autenticidade, ele é em si.
Todavia, e esta é a grande dificuldade enfrentada por Bergson em DI, como não há
liberdade no domínio da ciência – aqui incluimos a psicologia psicofísica como
paradigma para nossas análises – então determinada pela matematização mecanicista, a
liberdade constituir-se-á um problema metafísico cuja realidade é inapreensível
conceitualmente1; o erro da ciência foi ter acreditado no contrário, e assim, negou o ser
real alicerçando o conhecimento no entendimento especulativo que sistematiza, mitifica
ou cria ilusões a respeito dessa negação, a respeito do não-ser. Sendo assim, o que
queremos dizer, em outros termos, é que a realidade psicológica escapa à psicologia na
medida em que esta começa da negação daquela, isto é, na medida em que a psicologia
estende sobre o psiquismo real o invólucro conceitual do qual se vale o entendimento
que se materializa e espacializa o tempo, submetendo-se ao determinismo e à
causalidade do mecanicismo físico. Neste sentido, procuraremos delimitar os
propósitos, o alcançe e as conseqüências da crítica da inteligência em Bergson.
A inteligência é um instrumento evolutivo de adaptação à matéria. Ela possui a
função prática de sobrevivência. Submetida às necessidades presentes da qual parte, do
que lhe é dado de antemão, a inteligência projeta o futuro como um problema a ser
resolvido; para tanto, ela trabalha a matéria rumando-se para uma tecnicização cada vez
mais específica cujo limite será a ciência, que é, portanto, o resultado mais acabado do
processo de adaptação da inteligência à matéria, que é intelectualizada, o que quer dizer
que a matéria é recortada conceitualmente por uma linguagem exata, justamente a
ciência2. No domínio da inteligência, a linguagem é o instrumento por excelência de
modelagem intelectual da matéria. É através da instrumentalidade da linguagem, do seu
uso técnico-científico, que a inteligência abstrai, fixa e eterniza em sistemas formais e
especulativos aquilo que, por natureza, é tempo, e como tempo, é mudança contínua, é
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“Mas esta duração que a ciência elimina, que é difícil de conceber e de exprimir, nós a sentimos e
vivemos.” (Bergson, 1984, p. 102). Nestas palavras, não apenas temos afirmada a prevalência da
sensibilidade vital sobre a concepção intelectual e discursiva – que é igualmente a afirmação da natureza
pré-expressiva da duração – , como também, se eliminar a duração é eliminar a liberdade, temos afirmada
a negação da vida, então presa em um casulo conceitual.
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A este respeito, Bergson escreve em O pensamento e o movente (PM), que a inteligência,
“originalmente, destina-se á fabricação; manifesta-se por uma atividade que prefigura a arte mecânica e
por uma linguagem que anuncia a ciência (...). O desenvolvimento normal da inteligência efetua-se, pois,
na direção da ciência e da técnica” (1984, p. 144).
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duração. Assim, a representação intelectual do tempo é negação da realidade do tempo.
“Uma das teses fundamentais do pensamento de Bergson é que a linguagem da filosofia
desfigura o objeto filosófico. E o faz porque traduz num discurso formalizado o fluxo da
duração” (Leopoldo e Silva, 1994, p. 16). Trata-se de desfigurar o si mesmo em outro,
tornando-o estranho a si mesmo, do ponto de vista da exterioridade objetiva, fazendo da
subjetividade ura algo analisável positivamente. A instrumentalidade lingüística, a
ciência, a inteligência, apresentam os seus limites; são delimitadas pela superficialidade,
do mesmo modo que a psicologia experimental foi ciência apenas dos estados
superficiais da vida psíquica. A inteligência não é ainda interioridade; o estatuto
ontológico do eu constituído pela inteligência é superficial, e o estatuto deste eu ao nível
do discurso é a impessoalidade, ele não é verdadeiramente um dêitico, pois esse eu
intelectual não se substantiva; não há subjetividade na linguagem instrumental, o que
significa, dito de outro modo, que a linguagem instrumental nega ao eu o seu
reconhecimento como um si mesmo, nega-lhe a consciência imediata de si. A
linguagem instrumental, objetiva e empírica, não possui interior, ela é marcada pela
relação de exterioridade entre os signos; a subjetividade pura não é o eu psicológico,
mas sim, o eu profundo, metafísico, sem carência, absolutamente desinteressado e livre.
Este “Eu ‘absoluto’ não é causa de seus atos, mas ‘esta absolutamente’ em cada um de
seus atos: eis a tese fundamental dos Donnés Immédiates. A liberdade só se compreende
pela imanência absoluta do sujeito à sua atividade” (Leopoldo e Silva, 1994, p. 207).
Logo, a supressão pragmática, mecânica e determinista das necessidades diz respeito ao
que Bergson qualifica de eu superficial, inautêntico, que age interessado, estabelecendo,
em espaços geométricos, pontos idênticos, descontínuos, sucessíveis e divisíveis nos
quais se apóia para movimentar-se protegendo-se do devir mutável das diferenças.
Com efeito, o que é a inteligência? A maneira humana de pensar. Ela nos foi dada,
como o instinto à abelha, para dirigir nossa conduta. Uma vez que a natureza nos
destinou a utilizar e a dominar a matéria, a inteligência só evolui com facilidade no
espaço e só se sente à vontade no domínio do inorganizado (Bergson,1984, p. 144).
Conforme as palavras de Bergson, a psicologia, em sua vocação inicial
intelectualista, experimental e especulativa, constituiu-se como a ciência da maneira
humana de pensar o pensamento atrelado ao espaço enquanto sua própria forma e
condição da experiência científica do que se repete, pode ser calculado, mensurável, e
que não dura. Ou seja,
A inteligência é destinada sobretudo a preparar e aclarar nossas ações sobre as
coisas. Nossa ação apenas se exerce comodamente sobre pontos fixos; é, então, a
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fixidez que nossa inteligência busca; ela se pergunta onde o móvel está, onde o
móvel estará, onde o móvel passa (Bergson, 1984, p. 103).
Bergson propõe que abandonemos esta “representação intelectual do
movimento”, posto que o movimento não é uma sucessão de instantes, mas sim, um
ritmo durável. O movimento não apenas não se confunde com o espaço percorrido por
certo corpo, como o tempo não é a trajetória percorrida, como acreditou Zenão de Eléia,
inaugurando a metafísica da negação da realidade temporal ou metafísica especulativa,
sistemática3. Para Bergson, ao espacializar o tempo em movimento físico, Zenão não
apreende o movimento real do tempo; o tempo abstrato zenoniano é o tempo lógico da
matemática e da ciência que atribui ao ser a imutabilidade da forma, da idéia, do
conceito, ou seja, que nega a realidade vital e existencial do ser em prol da sua realidade
lógica, especulativa, intelectual. Este equívoco fundamental da história da filosofia que,
sendo a história das construções especulativas do entendimento, atribuiu e privilegiou a
anterioridade lógica do Eu, o qual, idêntico a si mesmo, repetindo-se em suas reflexões,
era o Absoluto condicionante das suas representações, cuja verdade repousava no
desdobramento lógico das mesmas. A Identidade era o Absoluto; nada mais idêntico a si
mesmo do que o conceito, a forma, a idéia.
A tradição filosófica foi, de certa forma, a história da relação entre as palavras e
as coisas. Mas, para Bergson,
Entre as palavras e as coisas, para a inteligência, existe a comunidade da ‘forma’.
Por isso a filosofia pôde acreditar que o caminho da formalização leva à realidade
em si, aos arquétipos das coisas, que só poderiam ser formas puras, ou então
conceitos que, enquanto formas lógicas, realizam a vocação ‘formal’ que o
pensamento crê detectar na aparência do devir (Leopoldo e Silva,1994, p. 17).
Para Bergson, o problema da tradição filosófica, que se constituiu como o
discurso de recortes da realidade ansiando a fixação de significados como um
verdadeiro culto à Forma ou Essência, é que ela projetou no plano do absoluto, no
mundo das idéias, a realidade definitiva das formas eternas, cabendo-lhe reproduzir,
discursivamente, esta realidade metafísica e inerte, o que significa negar o fluxo
contínuo da realidade enquanto experiência do tempo próprio. Em outros termos, a
3
No argumento de Zenão, “dividimos o ato de mover-se assim como dividimos o espaço no qual o objeto
se move. O movimento se torna então apenas síntese mental dos pontos de parada no percurso do objeto.
Em suma, o movimento é considerado ‘coisa’, quando na verdade ele é um ‘ato’ ou um ‘progresso’. Na
medida em que é considerado ‘coisa’ e transformado numa seqüência de pontos real ou virtualmente
simultâneos, o movimento também se torna uma relação de simultaneidades” (Leopoldo e Silva, 1994, p.
137).
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tradição foi para Bergson a negação do acesso ao tempo intuitivo, criativo e expressivo
da manifestação pré-extensional do próprio tempo. A partir disto, apreender o tempo
real é o fundamental problema enfrentado pela filosofia, cuja superação é condição
essencial para que a filosofia restaure a sua discursividade, para que ela se torne o
discurso da duração, enfim, para que ela se torne ontologia. Para isso, segundo Franklin
Leopoldo e Silva,
É preciso portanto que a crítica das filosofias supere a dimensão do remanejamento
conceitual e interrogue a própria diferença que deveria existir entre a objetividade
da inteligência e a filosofia. Para que isto seja feito é preciso que se examine o que
Bergson denomina de maneira geral ‘o simbolismo da linguagem’ e o propósito
platônico de superar a mobilidade dos significados. Isto permitirá avaliar o teor
expressivo do discurso filosófico constituído na tradição e pensar o problema da
adequação entre o poder expressivo e o conteúdo a ser expresso quanto
tematizamos o objeto da filosofia na sua diferença específica (1994, p. 15).
No limite, o problema diz respeito à expressividade do discurso filosófico: de
que modo a filosofia expressa a duração, de que modo ela expressa a liberdade sem
capturá-la lingüisticamente, sobretudo, de que modo o tempo pode ser exprimível4? Se,
neste momento, estamos sem respostas, pelo menos estamos certos de algo, a saber:
ultrapassar a inteligência rumo à subjetividade duracional é romper com a linguagem
instrumental reduzida a seus aspectos objetivantes e empíricos. Ultrapassar a
inteligência significa reduzir a linguagem, não à sua negação, mas às suas origens, à sua
gênese metafórica, quando ainda não se havia instaurado as dicotomias intelectuais
sujeito-objeto, interioridade-exterioridade, expressão-expresso, etc. Começemos por ver
como a crítica conceitual nos conduz à crítica e à conseqüente remodelação e
reposicionamento metodológicos da psicologia que, em seu início, pretendeu a
denominação de ciência natural.
Num primeiro momento, portanto, a crítica da inteligência traduz-se na crítica da
psicologia do início do século XIX que, pretendendo-se científica, assimilou, em seus
aspectos teóricos e metodológicos, os pressupostos matemáticos e mecânicos da física
da causalidade universal que reduzia e explicava as relações naturais pelo determinismo
da relação causa-efeito.
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De antemão, lembra-nos Franklin Leopoldo e Silva que “o fato de que a linguagem da filosofia só possa
ser pensada num registro em que a linguagem ‘atuaria contra si mesma’ exprime a impossibilidade,
constitutiva da linguagem, de a expressão vir a incorporar o exprimível” (1994, p. 24). Atuar contra si
mesma é apreender a linguagem antes da sua cristalização conceitual, quando ela é imagética ou
metafórica; é apreendê-la antes que ela se forme, é rumar-se para o silêncio da coincidência intuitiva, em
uma palavra, é coincidir com o Ser. Ainda assim, resta-nos saber se esta coincidência é exprimível, o que
significa a expressão da liberdade, já que ela é pura coincidência consigo mesma – subjetividade
restituída.
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A física, cujo papel é precisamente submeter ao cálculo a causa exterior dos nossos
estados internos, preocupa-se o menos possível com estes estados: contínua e
propositadamente, confunde-os com a sua causa (...). Fatalmente devia chegar a
altura em que, familiarizada com a confusão entre a qualidade e a quantidade, entre
a sensação e a excitação, a ciência procuraria medir uma como mede a outra: tal foi
o objetivo da psicofísica (Bergson, 1927, p. 52).
Assim procedendo, a psicologia não apenas confunde-o com outro, adultera-o
em outro, mas perde o ser real, a intimidade, o em-si mesmo do seu objeto; para
Bergson a superação desta abordagem psicológica é a recondução à originalidade e à
autenticidade do Eu, então estranho a si mesmo como outro; e para Bento Prado Jr., a
volta ao Eu confunde-se com o próprio percurso do Ensaio – de uma psicologia
enquanto experiência purificada da temporalidade do psiquismo, que prepara o advento
de uma ontologia da duração criadora, da Presença. Deste modo, para Bento Prado Jr,
“o imediato é objeto de uma conquista, e a volta às fontes é uma longa viagem. A volta
às fontes é o caminho que nos leva do para nós ao em si, isto é, que dilui os prestígios
do entendimento, tornando visível o oculto” (1989, p. 73). Aqui, cabe dizermos, que
“tornar visível o oculto” ou desocultá-lo, significa rasgar o invólucro conceitual,
despedaçar o casulo, visto que, deste modo, não apenas alcançaremos a experiência pura
da duração, mas, sobretudo, “a duração tornar-se-á então a própria experiência. A
duração revelar-se-á criação contínua, ininterrupto jorro de novidade” (Bergson, 1984,
p. 105).
O eu visto em sua alteridade por essa psicologia confirma-se quando ela parte,
acriticamente, para analisar e explicar o psíquico, a realidade imediata que subverte a
objetivação conceitual, de um conceito vazio que confunde realidades e formas de ser
diversas e inassimiláveis, qual seja, o conceito de grandeza intensiva que adultera o simesmo em outro. E, valendo-se deste conceito, a psicologia, que almeja a cientificidade
cujo modelo é a física, faz-se psicofísica, e assim não só parte, mas é essa mesma
adulteração, ao abordar o psíquico por aquilo que ele não-é, atribuindo-lhe a extensão,
negando a essência, a especificidade, a diferença do psíquico em relação ao físico.
Assimilando-o ao físico e atribuindo-lhe a causalidade física, o que a psicofísica mede
do psíquico, são as supostas causas deste. Logo, alerta-nos Bento Prado Jr.:
Se a causa objetiva pode ser pensada e calculada, ela não pode, por definição, darse imediatamente à consciência. Se a psicologia recorre aos quadros da física para
ordenar os seus dados, ela o faz confundindo planos lógicos diversos. Esta
confusão, entre o que se dá à consciência e sua causa objetiva, reproduz-se no
interior da consciência, na confusão entre “consciência da intensidade e intensidade
da consciência (1989, p. 80).
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É preciso que se desfaça essa confusão intrínseca ao conceito de grandeza
intensiva, desconstruí-lo crítica e analiticamente, enfim, é preciso recolocar a questão,
uma vez que “se trata, em filosofia e mesmo alhures, de ‘encontrar’o problema e
conseqüentemente de ‘colocá-lo’, mais do que de resolvê-lo. Pois um problema
especulativo está resolvido no momento em que for bem enunciado” (Bergson, 1984, p.
127). Salienta-se a natureza especulativa do problema que emergiu do âmago de uma
confusão fundamental, a saber, a do tempo com o espaço.
O resultado dessas especulações conceituais é que, afirmando a mensuração da
intensidade atribuimos grandeza ao inextenso, sem ao menos discriminarmos o que seja
intensidade; é o que Bergson faz, e assim, ele distingue e analisa dois tipos de
quantidade, quais sejam, a extensiva e a inextensiva. A primeira justifica-se facilmente
através da relação continente-conteúdo, que é uma relação de sobreposição espacial
entre o maior e o menor; porém, quanto à segunda, como dizer que uma intensidade
contém outra se são inextensas, conseqüentemente, como atribuir-lhes a quantidade?
Bergson nos diz que “é fugir à dificuldade distinguir, como habitualmente se faz, duas
espécies de quantidade, a primeira extensiva e mensurável, a segunda intensiva, que não
comporta a medida, mas de que, apesar de tudo, se pode dizer que é maior ou menor que
outra intensidade” (1927, p. 02). Em outras palavras, intensidade pura não é grandeza,
pois ela não é mensurável; uma intensidade não contém outra que lhe seria menor. Uma
maior intensidade não corresponde a um maior espaço. Uma intensidade não é maior do
que outra como o é um número em relação a outro. Contrariamente ao espaço
matematizado, na intensidade, não falamos de identidades imutáveis, sobreponíveis, e
que se repetem nos moldes da previsibilidade que agrada à ciência5, mas de uma
mesmidade que se conserva ao mudar-se, de um fluxo contínuo de diferenciação, de
criação imprevisível unindo, num processo de interpenetração, o passado, o presente e o
porvir.
Como não ver que a essência da duração está em fluir, e que com o estável
acoplado ao estável, não se fará jamais algo que dure? O real não são os “estados”,
simples instantâneos tomados por nós, ainda uma vez, ao longo da mudança; é, ao
contrário, o fluxo, é a continuidade de transição, é a mudança ela mesma. Esta
mudança é indivisível e mesmo substancial. Se nossa inteligência se obstina em têla por inconsistente, a ajuntar-lhe não sei que suporte, é porque a substituímos por
uma série de estados justapostos; mas esta multiplicidade é artificial, e artificial
5
Ao falar da ciência, Bergson nos diz que “sua função [da ciência] é prever. Ela extrai e retem do mundo
material o que é suscetível de se repetir e de ser calculado, conseqüentemente, o que não dura” (1984, p.
102).
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também a unidade que aí restabelecemos. O que há é um progresso ininterrupto de
mudança – uma mudança sempre aderente a si mesma numa duração que se alonga
sem fim (1984, p. 104).
Afinal, corroborados por Bergson, afirmamos que o conceito de grandeza
intensiva não apenas nega, falsifica e adultera, como também, nada nos diz sobre essa
mudança que é duração; e, indiretamente, confirmamos os limites e a nocividade do
conceito como representação de uma realidade velada; aqui, representação e véu são a
mesma coisa.
A psicofísica, enquanto idealização científica, faz-se casulo ao admitir as ficções
do entendimento que mitifica o espaço e os pressupostos da metafísica do não-ser para a
qual a Presença é um absurdo ante a evidência do Nada6. Em termos gerais, são esses
os motivos que justificam a crítica bergsoniana da psicofísica, que encontramos,
sobretudo, no Primeiro Capitulo de os DI; neste capitulo, Bergson visa dilucidar a
confusão implicada no conceito de grandeza intensiva herdado da linguagem extensiva
própria da inteligência essencialmente espacializadora, de modo a purificar a
experiência do psíquico em sua especificidade real que, como dissemos, é metafísica.
Através do conceito de grandeza intensiva, que desconsidera a intensidade em
sua pureza, a psicologia pressupõe a mensuração da intensidade tendo como critério a
comparação quantitativa segundo a qual afirma-se que uma sensação
cresce
gradualmente, como uma soma, ou que uma sensação é maior ou menor do que outra
por contê-la ou nela estar contida, justapondo-as como se justapõe objetos extensos no
espaço. Em última instância, o erro consistiu em ter atribuído o extenso ao inextenso,
abordando este em termos daquele e privilegiando os aspectos mensuráveis do psíquico,
tal como se este ocupasse espaço. Mas, vejamos, conforme Bergson, qual a origem
deste erro.
“Normalmente, admite-se que os estados de consciência (...) são susceptíveis de
crescer e diminuir; há até os que defendem que uma sensação se pode dizer duas, três,
quatro vezes mais intensa que outra de mesma natureza” (Bergson, 1927, p. 01); tratase, aqui, de uma tese psicofísica que revela o vínculo e a continuidade entre o senso
comum, a ciência e a própria filosofia enquanto sistema teórico que subsidia a
psicofísica. O senso comum diz que “temos mais ou menos calor, que estamos mais ou
menos tristes”(Bergson, 1927, p. 01), espacializando e quantificando a intensidade dos
estados de consciência como se a intensidade estritamente subjetiva fosse uma grandeza
6
Cf. Bento Prado Jr., 1989, pp. 44-61.
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mensurável tal como os números e os corpos que se dispõem em espaços desiguais em
termos de maior e menor, “chamando-se maior espaço ao que contém o outro”
(Bergson, 1927, p. 01). Do mesmo modo que o senso comum, a quem ela acredita ter
superado e nada mais dever, a ciência, e em especial a psicofísica, desprivilegiam a
experiência da intensidade em-si mesma ao atribuir-lhe uma seriação e multiplicidade
numérica segundo a qual uma intensidade é maior do que outra por estender-se a um
espaço maior ou que numa mesma sensação há intensidades superiores e inferiores.
Assim, intensidade maior é aquela que corresponde à maior extensão. “É preciso, pois,
acreditar que traduzimos o intensivo em extensivo, e que a comparação de duas
intensidades se faz, ou pelo menos se exprime, pela intuição confusa de uma relação
entre duas extensões” (1927, p. 03), afirma Bergson.
A proposta da psicofísica, uma vez que promoveu a equivocada e nociva
materialização dos estados de consciência, é estabelecer entre eles as diferenças de
quantidade que afirmam, por exemplo, que uma intensidade é maior ou menor do que
outra. Trata-se de objetivar a consciência ou exteriorizar o Eu, para que a psicologia
constitua-se como ciência positiva que tem no espaço, portanto, a condição da
experiência objetiva dos estados psicológicos. Este materialismo psíquico é combatido
por Bergson porque ele reduz a realidade psíquica à realidade cerebral dos fenômenos
psíquicos; o que, em outros termos, é a redução da consciência à condição de “reflexo
dos movimentos moleculares do cérebro” (Leopoldo e Silva, 1994, p.201). No limite,
este procedimento que começa considerando as sensações como o efeito de causas
objetivas que lhe deram origem, reduz a consciência aos movimentos moleculares,
neurológicos e inconscientes, e à fisiologia cerebral, passíveis de mensuração, segundo
o que dita o princípio de causalidade física, que homogeniza os estados psicológicos
que se tornam a repetição do mesmo, ou seja, que espacializa os movimentos
psicológicos7. Em vista disso, para Franklin Leopoldo e Silva,
a pura espontaneidade torna-se determinação externa. Por isso a reposição do
objeto da psicologia nos Donnés Immédiates não é apenas a correção de
procedimentos científicos ou a crítica do fundamento metodológico dessa ciência,
mas é também e sobretudo a posição do problema metafísico implicado na própria
constituição do conhecimento psicológico: a liberdade ou a espontaneidade do Eu
(1994, p. 204).
7
O espaço, substrato psíquico homegêneo que determina a priori a homogeneidade dos estados de
consciência, “é o ‘mesmo’ que sustenta a repetição do ‘mesmo’; e somente a sucessão na forma da
repetição pode ser entendida como condição da própria lei da causalidade. O fundamento impensado do
determinismo psicológico reside na possibilidade de entender a sucessão no espaço” (Leopoldo e Silva,
1994, p. 204).
13
Através do determinismo mecânico implicado na relação causa-efeito, a
sensação associada a uma causa tem no número e na grandeza da sua causa, por
natureza espacial e extensa, a medida da sua intensidade, por natureza inextensa. Este
argumento é ainda a elaboração do senso comum, e não a saída do domínio do senso
comum que se crê realizar “na passagem da rua para o laboratório”; a expressão é de
Bento Prado Jr., para quem,
A ciência crê operar uma ruptura em relação à atitude natural, promovendo os
dados da experiência vivida a objetos pensáveis dentro de um espaço lógico. A
passagem da rua ao laboratório é pensada como uma passagem da atitude ingênua
da percepção `a atitude crítica e exigente do pensamento rigoroso. A análise
bergsoniana começa por colocar à prova esta suposição filosófica da prática
científica (1989, p. 74)
É em virtude deste pretenso “espaço lógico” que Bergson dirige a sua crítica
contra o determinismo psicológico da psicofísica que naturaliza a consciência,
matematizando os estados de consciência que passam a ser unidades aritméticas
descontínuas e justapostas, atribuindo-lhes a multiplicidade numérica ou quantitativa. É
preciso romper o determinismo psicológico, juntamente com a metafísica que lhe
sustenta, pois, com isto, dilucida-se o “misto mal elaborado”, chega-se à realidade
imediata dos estados puramente subjetivos – que Bergson chama de sentimentos
profundos – e determina-se os limites da psicologia, da inteligência e da linguagem que,
tendendo à matéria, à fixidez da previsibilidade mecânica, ao pragmatismo cômodo e
inautêntico, à espacialização do movimento temporal reduzido à descontinuidade da
repetição do mesmo, deixam escapar a realidade do imediato, do que flui, dos
movimentos imprevisíveis e contínuos, da conservação não quantificável das diferenças
qualitativas de natureza, enfim, do vôo da borboleta cuja duração é seu próprio ritmo, é
seu próprio movimento. Ou seja, o vôo da borboleta não são os instantes sucessivos
com os quais a inteligência o divide pois nele não se vê a estabilidade ou a fixidez de
pontos justapostos, o vôo não é a representação intelectual que lhe nega e lhe retira o
espírito.
Fica claro, a partir da crítica de análise conceitual, da qual emerge o problema da
liberdade, que o objetivo de Bergson “é demonstrar que o problema da liberdade, tal
como vem sendo tradicionalmente equacionado, deriva de uma compreensão
inadequada da idéia de duração psicológica” (Leopoldo e Silva, 1994, p. 118), o que
leva Bergson a reproblematizar o tempo que, desvinculado do “espaço lógico” aparece
14
nos DI como categoria metafísica fundamental; agora, o tempo é questionado para além
da psicologia. Foi este o resultado último da crítica que Bergson lhe dirigiu.
“Não há dúvida de que é uma determinada caracterização do ‘movimento’ dos
estados mentais que está em jogo no estudo da especificidade da multiplicidade
psicológica” (Leopoldo e Silva, 1994, p. 125). Resta-nos analisar como que da
multiplicidade psicológica deduzimos o movimento dos estados mentais e, antes, como
a intensidade conduz-nos a tal multiplicidade.
A intensidade não cresce como uma grandeza extensiva, ela se torna uma
multiplicidade qualitativa, ela muda. A intensidade não é uma multiplicidade de
números ou de instantes descontínuos unidos unicamente pela relação de exterioridade
“partes extra partes” no espaço; ela é uma multiplicidade de diferenciações, de estados
subjetivos que se interpenetram cuja unidade, que lhes é interior, é a do próprio tempo
da sua duração. Assim, a intensidade “se reduz a uma certa qualidade ou matiz de que se
reveste uma quantidade mais ou menos considerável de estados psíquicos ou, se
preferimos, ao maior ou menor número de estados simples que penetram a emoção
fundamental” (Bergson, 1927, p. 06). Trata-se de tornar-se pouco a pouco uma outra
coisa, de conservar-se na heterogeneidade irreversível, de ir do confuso ao nítido, da
parte ao todo, conseqüentemente, chegar a uma mais profunda e maior consciência de
si; é deste modo que na intensidade pura um desejo obscuro torna-se, adquire a nitidez e
a totalidade de uma paixão profunda. Isto nos permite dizer de uma intensidade que ela
é maior ou menor do que outra conforme ela se encontra na superfície ou na
profundidade da vida psíquica. É em virtude disso que a obscuridade, ou a fraca
intensidade, daquele desejo, consistia no fato de ele “parecer isolado e como que
estranho a todo o resto da nossa vida interna. Mas, pouco a pouco, penetrou num maior
número de estados psíquicos, tingindo-os, por assim dizer, com a sua própria cor”
(Bergson, 1927, p. 06), e totalizou-se em paixão profunda, em uma multiplicidade
qualitativa dos estados de consciência numa unidade temporal de interpenetração, na
qual, nos estados precedentes encontram-se esboçados os estados futuros, bem como, na
qual o todo está contido virtualmente na parte.
É rumo à intensidade pura que caminhamos quando procuramos ultrapassar a
confusão entre o extenso e o inextenso, entre a quantidade e a qualidade, entre a
sucessão e a duração, enfim, a confusão entre o espaço e o tempo no domínio da
inteligência espacializadora que permanece e privilegia a superfície da vida psíquica e,
por esta razão, a psicofísica detém-se na natureza da relação entre o psíquico e o físico
15
enquanto coisas justapostas e exteriores umas às outras, sem discriminar que são
realidades diferentes, ou seja, sem saber que “quanto mais se desce nas profundidades
da consciência, menos se tem o direito de tratar os fatos psicológicos como coisas que
se justapõem” (Bergson, 1927, p.. 06); isto porque nas profundidades da consciência a
intensidade é a modificação dos estados psíquicos interpenetrantes; em outros termos, a
intensidade é multiplicidade em virtude da sua capacidade de ser modificação. É neste
sentido que podemos dizer de uma intensidade que ela é maior ou menor do que outra; o
critério é a mudança qualitativa. Esta mudança foi verificada exemplarmente por
Bergson no sentimento da graça.
Para Bergson, o sentimento da graça, que faz parte dos sentimentos estéticos, é o
exemplo privilegiado do que ele chama de sentimentos profundos, os quais,
desvinculados de causas objetivas e exteriores, portanto, do espaço, bastam-se a si
mesmos. Com os sentimentos profundos, Bergson chega às conseqüências da sua crítica
à psicofísica, pois os sentimentos profundos determinam os limites da inteligência, da
psicologia científica e da linguagem; e em contrapartida, alcança a verdadeira realidade
do psíquico, a liberdade, para além desses limites, ou seja, no sujeito metafísico, que é o
Eu absoluto, o em-si, que brota da análise do sentimento da graça que, segundo
Bergson, é,
primeiramente, apenas a percepção de um certo desembaraço, de uma certa
facilidade nos movimentos exteriores. E como movimentos fáceis são os que se
preparam uns aos outros, acabamos por encontrar um desembaraço superior nos
movimentos que se faziam prever, nas atitudes presentes onde estão indicadas e
como que pré-formadas as atitudes futuras” (1927, p.09).
Os movimentos graciosos são aqueles que se continuam num ritmo harmônico,
ritmo que é comunicação e simpatia. No sentimento da graça encontramos o espírito do
movimento, que é o tempo. A graça dos movimentos traduz-se em movimentos fáceis
que são o próprio ritmo e a continuidade temporal, logo, o movimento gracioso
exemplifica a duração, na medida em que nesta, as etapas precedentes anunciam e são
eclipsadas pelas etapas subseqüentes, sem rupturas. Aqui, graça quer dizer também
liberdade. O movimento gracioso escapa ao movimento mecânico do mundo da matéria,
mas, livre em suas imagens diferentes e múltiplas, ele nos sugere a beleza, ele é
prazeroso. Olhem a graça do vôo de uma borboleta!
Nos sentimentos profundos, e em específico, no sentimento da graça,
encontramos a intensidade em sua pureza; o extenso já não mais se confunde com o
inextenso, já não estamos mais na superfície da vida psíquica, isto é, nas sensações em
16
relação direta com as suas causas objetivas exteriores, embora, nas sensações afetivas,
diferentemente das representativas nas quais a sensação quase não se distingue da sua
causa exterior que é a presença de um objeto, temos o esboço do gesto livre em forma
de movimento hesitante que começa a romper com a inexorabilidade da relação
estímulo-resposta8; a sensação afetiva contém uma virtualidade, ela é sinal do que vai se
passar. Segundo o próprio Bergson, “o estado afetivo não deve, pois, corresponder
apenas aos abalos, movimento ou fenômenos físicos que já passaram, mas ainda e
sobretudo aos que se preparam, aos que quereriam ser” (1927, p. 25).
Nesse âmbito metafísico em que agora estamos, nas profundidades da
consciência, os estados psicológicos são o ritmo gracioso da sua própria duração, isto é,
são movimentos livres; liberdade que é um absoluto de interpenetração temporal, que é
“uma sucessão que não é justaposição, um crescimento por dentro, o prolongamento
ininterrupto do passado no presente que penetra no futuro” (Bergson, 1984, p. 114).
Sendo multiplicidade qualitativa, ou seja,
Estando em cada uma das suas vivências de forma absoluta, é o Eu enquanto
multiplicidade qualitativa que é o absoluto. A identidade do Eu é a diferença
interna do fluxo temporal. O que a filosofia nunca pôde aceitar – que o Absoluto é
Diferença – apresenta-se em Bergson como tese filosófica fundamental, e como a
única maneira de apreender o Absoluto enquanto vida do Espírito – e não enquanto
conceito ou forma pura (Leopoldo e Silva,1994, p. 210).
Resta a dificuldade de sabermos como entramos em contato com a liberdade sem
negá-la, o que foi feito pela inteligência, pela ciência, pela linguagem. Resta a
dificuldade de apreendermos o movimento rítmico e gracioso do vôo da borboleta, sem
fixá-lo em recortes instantâneos e em palavras ou representações, isto é, ter acesso
imediato a essa liberdade, a esse absoluto, que é duração. Para isso, precisamos de um
novo método, diria Bergson negando a história da filosofia.
8
“A intensidade das sensasões afetivas seria, pois, apenas a consciência que adquirimos dos movimentos
involuntários que começam, que de alguma maneira se esboçam nestes estados e teriam seguido o seu
curso normal, se a natureza nos tivesse transformados em autômatos, e não em seres conscientes”
(Bergson, 1927, p. 26); da consciência restituída a si, cabe dizermos, para além do domínio da
inteligência. E ainda, “a sensação consciente tem, digamos, um propósito: ela esboça uma reação futura
que não é simplesmente a reação automática que se seguiria a um estímulo. Ela interrompe a reação
automática” (Leopoldo e Silva, 1994, p. 122). A afecção é a dimensão subjetiva da sensação; na medida
em que ela é índice de movimento livre, ela é também índice de corpo próprio, é começo de subjetividade
que se prepara nos movimentos que nascem com a afecção. Subjetividade é capacidade de afetar-se sem
reduzir-se à pura afetação, ou seja, de romper o simples mecanismo afetivo e sensibilizar-se, trabalhar ou
subjetivar as sensações.
17
A questão é constituir ontologicamente o Eu e restituir a subjetividade pura – o
Eu filosófico – na ordem do discurso como restituição da expressividade da própria
filosofia.
Ante as dificuldades e a angústia em que Bergson nos deixa quando desacreditou
o discurso filosófico que, sendo o discurso de um equívoco originário, apenas
reproduziu conceitualmente tal equívoco, distanciando-se progressivamente da realidade
que o dissolveria, fazendo-se, assim, metafísica e sistemática, somos forçados, mediante
o desamparo em que nos vemos, a lançar mão de um expediente que, acreditamos, além
de não lhe ser inconveniente, receberia a conivência de Bergson, a saber, substituir as
palavras do filósofo pelas do poeta, substituir o conceito pela metáfora, rumar para a
linguagem nascente, criativa e expressiva, antes que ela constitua as suas representações
categoriais, enfim, reduzir a linguagem ao silêncio da coincidência com o Ser;
coincidência que o poeta metaforiza e no sugere, mais do que o filósofo pode apreender
e traduzir com o seu discurso formalizado. Como descrever a vida nascendo e
evoluindo, a liberdade, a realidade do movimento do vôo da borboleta, então
inapreensível pois diluída em puro ritmo, senão através da sugestão metafórica, no
plano do discurso, senão através de uma subjetividade ou consciência
que é
coincidência com o próprio movimento, e enquanto tal, é a livre expressão do tempo, no
plano ontológico.
Portanto, assim justificamos nossa opção pela metáfora bergsoniana e nela
terminamos; término que é abertura, pois desfizemos o casulo; nessa dimensão
metafísica, desfeito o casulo, sintetizando o nosso esforço, diz-nos o poeta em tom de
alerta:
Só pelo ritmo daquilo que pensamos conseguiremos
chegar ao espírito do movimento.
Paulo Bomfim, O Colecionador de Minutos
2.2 Merleau-Ponty: Fenomenologia da Percepção e A Prosa do Mundo
A leitura sistemática de Merleau-Ponty, que compreenderá a segunda fase da
nossa pesquisa, deter-se-á na análise, interpretação e comentário do capitulo “O corpo
como expressão e a fala” da Fenomenologia da Percepção, e do ensaio “Ciência e
experiência da expressão” de A Prosa do Mundo. O objetivo desta leitura será o estudo
18
das dimensões perceptiva e lingüística da expressão, bem como os limites da primeira e
a necessidade de se passar para a segunda.
Antes de tudo, é indispensável dizermos que tomamos o patológico não restrito
apenas à sua dimensão própria, mas, além disto, como critério hermenêutico de leitura
da obra de Merleau-Ponty. Essa possibilidade de retirarmos o patológico da sua
dimensão mais comumente aceita, e estender a sua significação e o seu domínio, nos é
sugerida pelo nosso filósofo, que nega a determinação biológica, anatômica e orgânica
do patológico e não o define a partir desta determinação. O que, em outros termos,
significa que o patológico ultrapassa o objetivismo tão característico à ciência e, neste
sentido, ele nos desvela aquilo que a ciência deixou escapar, aquilo que está antes da
objetividade científica. Para Merleau-Ponty, então, o patológico é caminho para o préobjetivo originário e, neste caminho interpretativo, haveremos de circunscrever e de
explicitar como o patológico nos conduz à ipseidade autêntica ou ao ser no mundo.
Sendo este o objetivo que norteará a nossa pesquisa. Eis o nosso ponto de partida e o
nosso tema central: a relação entre o patológico e a existência.
Ao longo da nossa pesquisa, esperamos demonstrar que o patológico, em
Merleau-Ponty, está indissoluvelmente relacionado à capacidade de expressão, de
linguagem ou de fala. E, sob este aspecto, a autenticidade que o patológico nos revela é
a de uma ipseidade capaz de expressão e de fala. É aquela ipseidade que alcançou o
simbólico próprio da ordem humana. E, tendo esta por horizonte, devemos mostrar
como o comportamento deixa de ser uma coisa, e se torna a manifestação de um espírito
puro, símbolo do humano em sua autenticidade. Importa-nos o comportamento como
sinônimo de existência, aquele que não é “aprisionado no quadro de suas condições
naturais” (Merleau-Ponty, 1942, p. 114), instintivo, e que começa a se libertar dos
materiais e do determinismo instintivo da espécie ao usar o sinal como configuração
(Sign-Gestalt), até alcançar as suas formas simbólicas. Eis o nível da forma autêntica do
comportamento humano, quando este pode ser analisado psicologicamente, porque,
aqui, “o comportamento não tem mais somente uma significação, ele é ele mesmo
significação” (Merleau-Ponty, 1942, p. 133) a ser interpretada9. Neste nível, rompe-se o
a priori sensório-motor da espécie, e prenuncia-se uma conduta cognitiva, livre e
criativa. Assim, trabalharemos com a simultaneidade entre a definição merleau9
O comportamento simbólico é o psicologicamente analisável porque, além do sobredito, ele não “se
desenrola no tempo e no espaço objetivos” próprios da ordem do em si, mas, desprendendo-se desta, ele
“se torna a projeção, fora do organismo, de uma possibilidade que lhe é interior” (Merleau-Ponty, 1942,
p. 136). O patológico será dado pela fragilidade sintomática da análise de uma mera possibilidade.
19
pontyana do patológico e a busca pela expressão e pela fala autênticas. Em outros
termos, é na dimensão pré-objetiva da expressão, seja corpórea, seja propriamente
lingüística, que encontramos a melhor definição do patológico e, a partir da qual
tomamo-lo como critério hermenêutico. Deste modo, o estudo do patológico será,
indiretamente, um estudo da expressão e da fala autênticas, própria de uma ipseidade ou
de um ser no mundo que ultrapassa a inexpressividade e a opacidade dos seus aspectos
meramente objetivos e visíveis cuja inteligibilidade, obedecendo a um critério de
quantificação, identifica-se ao mensurável. O inautêntico, o inexpressivo ou o incapaz
de fala, caracteriza-se e se sustenta sobre a separação entre o fato (corpóreo, biológico,
lingüístico, psíquico) e o sentido. Trata-se, portanto, de um fato opaco, sem sentido, que
não nos mostra nada além da sua mera objetividade visível. Eis o que deve ultrapassar o
nosso critério hermenêutico, para ser validado: a inexpressividade opaca dos fatos
desprovidos de sentido. Nestes termos, o que leremos através deste critério é o
reencontro ou a unidade originária, desvelada por Merleau-Ponty, entre o fato e o
sentido, entre a facticidade e a essência, entre o signo e a significação, entre o sensível e
o inteligível. Cabe dizermos que, “com as formas simbólicas, aparece uma conduta que
exprime o estímulo por ele mesmo, que se abre à verdade e ao valor próprio das coisas,
que tende à adequação do significante e do significado, da intenção e do que ela visa”
(Merleau-Ponty, 1942, p. 133).
Neste momento, avançamos que há duas condições imprescindíveis que
devemos respeitar para obtermos a sua melhor definição ou para tomarmos o patológico
como critério hermenêutico, de acordo com Merleau-Ponty, quais sejam: 1) que o fato
seja expressivo, isto é, que o fato falado tenha ou expresse sentido ou que ele seja,
enfim, significante, autêntico ou símbolo de uma autenticidade velada e não visível; e 2)
que a fala seja expressiva, ou seja, que ela traga em si a inseparabilidade originária do
signo e da significação, pois, só assim, nesta sua autenticidade, ela é caminho para o
fato, isto é, o que ela diz tem sentido, enfim, ela desvela ou nos faz ver o invisível. Em
outros termos, se respeitadas essas duas condições, não consideramos apenas a
patogênese – que é o processo de formação das manifestações visíveis e sintomáticas –
mas também a ultrapassamos e adentramos numa dimensão mais fundamental, a da
etiologia – que é o estudo das causas últimas das doenças, a dimensão do invisível10. O
10
Numa analogia livre, mas que ao longo de nossa pesquisa, esperamos legitimá-la, pois, nela
vislumbramos uma conseqüência plausível a partir do nosso tema e objetivo norteadores, temos que a
patogênese, na medida em que nos dá a gênese do sentido patológico a partir da manifestação inadequada
20
que significa que o respeito às duas condições nos encaminha e nos permite a
descoberta do psíquico puro em relação com a dimensão originária da existência. Isto é,
não é uma psicologia identificada ao neurológico, não é a fisiologia clássica e
mecanicista que objetiva o corpo, e não é a neurologia que nos darão a pureza
psicológica de uma ipseidade em sua autenticidade. Neste sentido, de acordo com a
primeira condição, o psíquico puro ou o fato psicológico, diferentemente da opacidade
do fato determinado de modo anátomo-orgânico, é aquele que expressa ou traz em si um
sentido a ser interpretado, e que, por isto, sua inteligibilidade é de outra ordem e vai
além da mensuração quantitativa. O psíquico puro é esta dimensão originária em que
não há a separação do fato e do sentido e, justamente por se tratar de uma facticidade
psíquica inteligível, o fato psicológico puro pode ser estudado, analisado e desvelado
por uma fala capaz de dizê-lo. Então, de acordo com a segunda condição, o sentido que
a fala diz não lhe é exterior e estranho quando ela diz a inteligibilidade essencial do fato
psicológico. O sentido, a acessibilidade ou a inteligibilidade do fato e da fala, desde que
considerados de modo autêntico, não estão numa instância anterior, superior e exterior a
ambos, como a tradição intelectualista defende. Deste modo, o sentido ou a significação
não é conceitual ou especulativa e não é dada por uma representação intelectual de um
pensamento separado do corpo e da dimensão fundamental do “campo fenomenal” do
sentir puro11. O doente não precisa do conceito de doença ou de representar para si
mesmo que está doente, para ele saber que está doente. O sentir puro, constituído por
significações pré-conceituais, pré-objetivas ou plásticas, proporciona-lhe um saber
originário sobre si mesmo, isto é, o sentir lhe dá o si mesmo, a sua ipseidade, ao
ou a partir de um problema na capacidade de expressão ou de trazer algo à visibilidade, é propriamente
uma fenomenologia que considera os fenômenos como símbolos ou como os modos de manifestação do
invisível, do fundamental explicativo, esclarecedor e autêntico, em suma, o em si dado pela etiologia.
Assim, a relação entre patogênese e etiologia traduz, em outros termos, a relação entre fenomenologia e
ontologia. Eis a conseqüência: o patológico, na medida em que ele explicita as condições de afirmação de
uma ipseidade autêntica, ele é também caminho para o ontológico. A legitimação desta conseqüência está
em estreita dependência do êxito em demonstrarmos, subsidiados por Merleau-Ponty, que as condições de
afirmação de uma ipseidade autêntica permitem-nos pensar uma ontologia como retorno ao pré-objetivo e
negação da determinação científica do ser.
11
Eu terei um saber originário sobre mim mesmo e saberei que estou doente, quando eu dispor de uma
melhor definição do sentir. Assim, “eu sentirei na exata medida em que coincido com o sentido, em que
ele deixa de estar situado no mundo objetivo e em que não me significa nada” (Merleau-Ponty, 1945, p.
9). Ou seja, é preciso ser capaz de encontrar o sentido para mim, de atribuí-lo, transcendendo minha
condição imediata, enquanto sou não um mero espasmo fisiológico como resposta imediata a um estímulo
exterior, mas um movimento autônomo, um comportamento. Nestes termos, para encontrarmos a
significação verdadeira do patológico, é preciso ultrapassarmos a reflexologia, que já foi combatida por
Merleau-Ponty em A Estrutura do Comportamento, pois o comportamento propriamente humano
alcançado na ordem simbólica, “acha-se escondido pelo reflexo” e reduzido a uma “elaboração e
enformação dos estímulos” (Cf. 1945, pp. 13-18). O patológico é uma forma de comportamento
simbólico.
21
designar “uma experiência em que não nos são dadas qualidades ‘mortas’, mas
propriedade ativas”. Ou seja, o patológico está em relação originária e indissolúvel com
um sentir enriquecido na passagem do mundo objetivo para o mundo percebido ou
fenomenológico. Agora, o sentir “investe a qualidade de um valor vital” e se faz “tecido
intencional” entre o sujeito encarnado e o objeto percebido. E o patológico será um
“rasgo” ou uma “descostura” neste tecido relacionante.
Esta é a nossa situação fundamental: “o mundo não é aquilo que eu penso, mas
aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele,
mas não o possuo, ele é inesgotável” (Merleau-Ponty, 1945, p. XI)12. O patológico é
uma modificação sofrida por essa comunicação com o inesgotável, ele é um modo de
falá-lo com significações próprias13. Ou seja, no patológico o mundo é expresso de
outra maneira, porque a doença é um outro modo de ser no mundo. A doença nos retira
da ordem estritamente biológica, e nos conduz para a dimensão da existência aquém de
uma subjetividade identificada através da dicotomia metafísica entre o “em si” (o
fisiológico) e o “para si” (o psicológico), e através da separação entre corpo (cérebro) e
alma (mente), entre res extensa e res cogitans14. Esta separação constituiu a irmandade
de fundamento entre empirismo e intelectualismo, por que “um e outro tomam por
objeto de análise o mundo objetivo, que não é primeiro nem segundo o tempo nem
segundo seu sentido” (Merleau-Ponty, 1945, p. 33). Nestes termos, o patológico como
símbolo do essencialmente humano, deverá ultrapassar o empirismo que só descreve
“processos cegos” e cujas construções “nos escondem, primeiramente, o ‘mundo
cultural’ ou o ‘mundo humano’, no qual todavia quase toda a nossa vida se passa”
(Merleau-Ponty, 1945, p. 31). O empirismo perde e adultera a significação humana e,
assim, é incapaz de reconhecer que há “alguém que veja” presente em seus amontoados
12
Determinado na relação com o mundo, o patológico é próprio de uma consciência em situação,
encarnada e radicada no mundo da vida, no mundo fenomenológico pré-científico e ainda não filosófico.
O patológico prova que o sujeito está antes no mundo enquanto totalidade aberta e inapreensível, ao invés
do mundo representável como um grande objeto ou uma construção derivada de um fato bruto não
mencionado.
13
Nestes termos, o patológico, que é o nosso caminho para o psíquico puro, nos mostra que a realidade
psíquica não apenas é, mas revela o pré-objetivo. Isto é, o patológico enquanto critério de descoberta do
essencialmente humano – a não causalidade biológico-psíquica da existência – nos mostra que a realidade
psíquica não é determinada por uma correspondência com a realidade objetiva.
14
Como ênfase a esta afirmação, citamos: “O que nos permite tornar a ligar o fisiológico e o psíquico um
ao outro é o fato de que, reintegrados à existência, eles não se distinguem mais como a ordem do em si e a
ordem do para si, e de que são ambos orientados para um pólo intencional ou para um mundo” (MerleauPonty, 1945, p. 103).
22
de sensações qualificadas e de recordações15. Não há uma ipseidade autêntica (ou um
psíquico puro) no empirismo tanto quanto no intelectualismo, e encontrá-la é, ao mesmo
tempo, retornar à experiência perceptiva, é encontrar a percepção verdadeira e efetiva,
“tomada no estado nascente, antes de toda fala”, em relação à qual “o signo sensível e
sua significação não são separáveis nem mesmo idealmente” (Merleau-Ponty, 1945, p.
48). A dimensão do patológico é a da verdade da experiência perceptiva cuja efetividade
nos conduz para além do empirismo e do intelectualismo, porque ela nos oferece os
meios de ultrapassarmos a separação entre o signo e a significação, entre o fato e a
essência, e porque se constitui, finalmente, como crítica à dicotomia entre a res extensa
e a res cogitans. A percepção ultrapassa o intelectualismo, porque ele se afastava dela,
buscando “explicá-la pelo jogo combinado entre forças associativas e a atenção”
(Merleau-Ponty, 1945, p. 40). E, nestes termos, o intelectualismo “é cego ao modo de
existência e de coexistência dos objetos percebidos, à vida que atravessa o campo visual
e liga secretamente suas partes” (Merleau-Ponty, 1945, p. 40). Aqui, também, não há
“alguém que veja”, não há uma subjetividade que se encontra como visão sobre o
mundo.
O corpo patológico não é um objeto determinado pela fisiologia mecanicista.
Neste sentido, os distúrbios não são o resultado, por exemplo, de “lesões dos centros e
até mesmo dos condutos”, isto é, as lesões, “não se traduzem pela perda de certas
qualidades sensíveis ou de certos dados sensoriais, mas por uma diferenciação da
função” (Merleau-Ponty, 1945, p. 87-8). E ainda, “as lesões centrais parecem deixar as
qualidades intactas e, em compensação, modificam a organização espacial dos dados e a
percepção dos objetos” (Merleau-Ponty, 1945, p. 88). Ou seja, adentramos num espaço
organizado de modo pré-objetivo, com significações plásticas, no qual “o
‘acontecimento psicofísico’ não é mais do tipo da causalidade ‘mundana’”, e no qual “o
cérebro torna-se o lugar de uma ‘enformação’ que intervém antes mesmo da etapa
cortical, e que embaralha, desde a entrada do sistema nervoso, as relações entre o
estímulo e o organismo” (Merleau-Ponty, 1945, p. 89), cuja função passa a ser,
doravante, a de “conceber uma certa forma de excitação”. Esse procedimento de
15
E ainda: “Definindo mais uma vez aquilo que percebemos pelas propriedades físicas e químicas dos
estímulos que podem agir em nossos aparelhos sensoriais, o empirismo exclui da percepção a cólera ou a
dor que todavia eu leio em um rosto, a religião cuja essência todavia eu apreendo em uma hesitação ou
em uma reticência” (Merleau-Ponty, 1945, p. 32). O empirismo desfigura ao tomar o sentido humano
como uma qualidade objetiva.
23
enformar a excitação não é submeter-se a ela, já é um princípio e autonomia corpórea.
Há um corpo que não é determinado de modo psicofísico, o corpo próprio.
Ao dever a sua constituição, não ao pensamento objetivo e ao universo do
entendimento, mas a uma estreita relação com o “ser perceptivo que não é ainda o ser
determinado”, o patológico nos proporciona a percepção do corpo próprio, do corpo
que se transcende ou que transcende seu espaço biológico e objetivo. O corpo próprio é
expressivo, fenomênico e, assim, sujeito às patologias da expressão ou da
transcendência. O espaço do corpo próprio não é biológico e objetivo, ele é
“eminentemente um espaço expressivo”. Em outros termos, o corpo próprio não ocupa
espaço, ele não é “o corpo constituído”. “Ele é a origem de todos os outros, o próprio
movimento de expressão, aquilo que projeta as significações no exterior dando-lhes um
lugar, aquilo que faz com que elas comecem a existir como coisas, sob nossas mãos, sob
nossos olhos” (Merleau-Ponty, 1945, p. 171). O patológico será definido a partir de uma
distorção e modificação nesse movimento de expressão ou de projeção de significações,
e quando percebermos que estas significações não têm lugar, ainda que tenham um
modo inadequado de existência, porque elas não vieram a ser através de uma expressão
mais apropriada. A possibilidade do patológico no corpo próprio relaciona-se a um
desequilíbrio das significações, enquanto ele é um “sistema de potências motoras ou de
potências perceptivas”, ou seja, não sendo objeto para um “eu penso”, mas sim, “um
conjunto de significações vividas que caminha para seu equilíbrio” (Merleau-Ponty,
1945, p. 179)16.
Ao nos apresentar um corpo significante ou falante, isto é, que tem em si mesmo
uma inteligibilidade traduzida em expressividade, o patológico nos mostra que o sentido
está espalhado pelo corpo e intrínseco a ele, um sentido que não lhe vem de qualquer
outra instância. E disto são bons exemplos a substituição dos membros fantasmas
(amputados) e a sexualidade espalhada pelo corpo e não restrita às áreas
especificamente erógenas. Com tais exemplos, trata-se de admitir que o patológico é
inteligível e pode ser estudado. A sexualidade nos dá a relação entre o sujeito encarnado
16
A localização do patológico no corpo próprio deve-se à ambigüidade deste, que não é nem sujeito, nem
objeto, responsável pela adequação entre a reflexão e o irrefletido e, nestes termos, pela superação das
filosofias da consciência. Esse qualificativo “próprio” significa inextenso e expressivo, através do qual, o
corpo transcende suas determinações anátomo-orgânicas. Para Merleau-Ponty, a dimensão não
delimitável do “próprio” no corpo, além de sugerir-nos um negativo metafísico presente ou um corpo
negativo indeterminado, nos mostra um corpo que não é objeto, mas sujeito da percepção e da fala. Para
este corpo pré-objetivo, a percepção, por exemplo, não é efeito da situação fora do organismo, isto é, ele
escapa ao mecanicismo fisiológico de uma causalidade mundana que substitui a subjetividade por um
evento psicofísico de reorganização da excitação. O corpo próprio está antes do paralelismo psicofísico.
24
e o seu mundo aquém do “puro comércio entre o sujeito epistemológico e o objeto”.
Através dessa ampliação da noção de sexualidade (considerada como modo de ser no
mundo), o mundo natural não se apresenta como “existente em si para além de sua
existência para mim”, pelo contrário, ele adquire uma dimensão afetiva através da qual
“compreenderemos melhor como objetos e seres podem em geral existir” (MerleauPonty, 1945, p. 180). Essa afetividade, esclarece Merleau-Ponty, não é concebida
“como um mosaico de estados afetivos, prazeres e dores fechados em si mesmos, que
não se compreendem” (1945, p. 180). O que significa, em última instância, que no
homem a sexualidade não é um aparelho reflexo autônomo, e o objeto sexual não é o
que afeta um órgão do prazer anatomicamente definido. “É preciso que exista, imanente
à vida sexual, uma função que assegure seus desdobramento”, isto é, “é preciso que
exista um Eros ou uma Libido que animem um mundo original, dêem valor ou
significação sexuais aos estímulos exteriores e esbocem, para cada sujeito, o uso que ele
fará de seu corpo objetivo” (Merleau-Ponty, 1945, p. 182). Nesses termos, MerleauPonty apresenta-nos a sexualidade como uma “intencionalidade original” e, assim, por
meio dela, “nós lidamos não com um automatismo periférico, mas com uma
intencionalidade que segue o movimento geral da existência e que inflete com ela”
(Merleau-Ponty, 1945, p. 183). Por conseguinte, “a percepção erótica não é uma
cogitatio que visa um cogitatum; através de um corpo, ela visa um outro corpo, ela se
faz no mundo e não em uma consciência” (Merleau-Ponty, 1945, p. 183). Isto porque o
corpo é significante, é falante e tem a inteligibilidade erótica. Dito de outro modo, “há
uma compreensão erótica que não é da ordem do entendimento, já que o entendimento
compreende percebendo uma experiência sob uma idéia, enquanto o desejo compreende
cegamente, ligando um corpo a um corpo” (Merleau-Ponty, 1945, p. 183). Aqui, a
intersubjetividade é, ainda, intercorporeidade. A sexualidade nos conduz para a ordem
da existência, revelada, também, pelo fenômeno de substituição do membro fantasma.
O amputado sente o membro fantasma não somente porque ele conserva a
significação corpórea sedimentada e constituinte do seu corpo habitual – o corpo
passado, e que não mais corresponde ao corpo atual, mutilado – mas, também, porque a
situação mundana aberta exige-lhe uma ação do membro que não mais existe. O
fenômeno de substituição do membro fantasma ultrapassa os movimentos reflexos
circunscritas a uma “causalidade em terceira pessoa”, e depende, muito mais, da
“história pessoal do doente, de suas recordações, de suas emoções ou de suas vontades”
(Merleau-Ponty, 1945, p. 91). Através desse fenômeno, o que encontramos é “o
25
movimento do ser no mundo”, a motricidade como intencionalidade originária, ou um
comportamento, “para aquém dos estímulos sensíveis”. Com efeito, Merleau-Ponty
afirma que aquém dos estímulos sensíveis, “é preciso reconhecer um tipo de diafragma
interior que, muito mais do que eles, determina que nossos reflexos e nossas percepções
poderão visar no mundo, a zona de nossas operações possíveis, a amplidão de nossa
vida” (Merleau-Ponty, 1945, p. 95). O patológico nos conduz ao ser no mundo como a
uma “visão pré-objetiva” distinta de “todo processo em terceira pessoa”, e “de toda
modalidade da res extensa, assim como de toda cogitatio, de todo conhecimento em
primeira pessoa” (Merleau-Ponty, 1945, p. 95) e, deste modo, o patológico nos mostra
que o ser no mundo “poderá realizar a junção do ‘psíquico’ e do ‘fisiológico’”17. E
chegamos, então, por intermédio do nosso critério hermenêutico, à prevalência da
ordem da existência, que ultrapassa a contigüidade “entre um processo em si e uma
cogitatio”, dada pela fisiologia cartesiana. Agora, “a união entre a alma e o corpo não é
selada por um decreto arbitrário entre dois termos exteriores, um objeto, outro sujeito.
Ela se realiza a cada instante no movimento da existência” (Merleau-Ponty, 1945, p.
105), que deverá ser o verdadeiro objeto da psicologia. Nestes termos, “é-nos permitido
então cotejar e precisar este primeiro resultado interrogando-nos agora a existência
sobre ela mesma, quer dizer, dirigindo-nos à psicologia” (Merleau-Ponty, 1945, p. 105).
Neste momento de gênese da interrogação psicológica é preciso reconhecer e definir os
limites do corpo próprio falante e da linguagem corpórea, visto que, a possibilidade da
terapia
vincula-se,
inelutavelmente,
à
possibilidade
de
uma
verdadeira
intersubjetividade, que só ocorre, de acordo com Merleau-Ponty, no âmbito
propriamente lingüístico. É pela fala que a psicologia alcançará a sua verdade, a verdade
sobre o patológico. É através de uma linguagem que é significação, e não apenas que
17
O patológico ultrapassa a dicotomia cartesiana, pois, deste ultrapassamento depende a sua
inteligibilidade. Doravante, estamos aquém da separação entre corpo (cérebro, signo) e alma (mente,
pensamento, significação), ou seja, o corpo próprio é inteligível em si mesmo, é falante, bem como o fato
psicológico, que é significante, e que, por isto, é acessível a uma fala expressiva que se estrutura na
junção originária entre o signo e a significação. Com isto, o patológico nos desvela a autenticidade da
ipseidade, existência ou ser no mundo, que está antes e que foi adulterada pelas psicologias empiristas e
intelectualistas, herdeiras da dicotomia cartesiana, pelo fato de ambas afirmarem que “a palavra não tem
significação”. Ou seja, para elas, a linguagem, separada do pensamento e do qual era mera tradução, não
tinha acesso ao inteligível restrito, exclusivamente, ao pensamento e suas significações intelectuais. O
empirismo e o intelectualismo desprezaram a significação emocional e existencial das palavras, a qual,
devido à sua ambigüidade, potencializa e na qual se enraízam os distúrbios da linguagem.
Consequentemente, ao propor retomar esta significação emocional e existencial das palavras, e realizar
uma análise da patologia desta significação estética e pré-conceitual, Merleau-Ponty, tem como propósito
maior, criticar e ultrapassar a insistente cultura filosófica cartesiana.
26
tem significação, que a psicologia poderá retornar à “coisa mesma” patológica18. É uma
fala que traz consigo a possibilidade de, através da sua expressividade, concebermos
uma teoria da intersubjetividade e uma teoria da verdade, que nos será o caminho para o
patológico. E essa fala como região original de significação, expressiva, autêntica, que
não é mera tradução do pensamento, é a literatura. Nestes termos, é preciso que
deixemos 1945, momento em que a fala não foi propriamente tematizada, mas foi
utilizada para demonstrar a “natureza enigmática” do corpo próprio e, assim, reconhecer
uma significação e inteligibilidade ao corpo. Mas, é preciso falar o patológico para além
do sentido corpóreo.
Antes de tudo, é preciso ultrapassarmos o empirismo das “imagens verbais” que
reduz a fala a um evento em terceira pessoa, no qual não há ninguém que fale, isto é,
precisamos encontrar o sujeito falante, o que, em outros termos, significa
ultrapassarmos “o parentesco entre as psicologias empiristas ou mecanicistas e as
psicologias intelectualistas (...); as duas concepções coincidem em que tanto para uma
como para a outra a palavra não tem significação” (Merleau-Ponty, 1945, p. 205)19. Sem
uma palavra que não tem significação, inexpressiva e inautêntica, sem uma fala
significante estruturada sobre a junção entre o signo e a significação, falar o patológico
(cujo âmbito e significação não são o da representação intelectual ou do conceito), é
inviável e, portanto, não há possibilidade de intervenção terapêutica, que precisa
acreditar no sentido da fala do doente, caso contrário, onde estaria e de onde adviria o
sentido do patológico?
A doença possui significações que o sujeito são e normal não possui, e é
justamente por isto que há comunicação verdadeira e intersubjetividade entre o doente
(o histérico, por exemplo) e o médico (o psicanalista). Em outros termos, é exatamente
porque a fala do doente traz inerente a si significações inéditas para aquele que ouve –
significações que retiram este do já adquirido e exigem-lhe um grande esforço de
compreensão – que a doença, a histeria, não é uma ilusão, mas tem uma significação
existencial manifestada através da fala e não através do conceito ou da representação
intelectual. O conceito ou a representação não nos dizem a doença, pois, para eles,
tributários da distinção e separação entre o corpo e a alma e alojados nesta última
18
Cf. La science et l’expérience de l’expression. In: La Prose du Monde, 1969, p. 22.
O patológico é uma dimensão originária aquém do pensamento objetivo, ele nos diz que há um sujeito
falante, aquele que tem entre suas características definidoras a possibilidade da incapacidade da expressão
ou da expressão inadequada de si mesmo. Neste caso, a doença, por exemplo, a afasia, revela o irrefletido,
a intencionalidade, o sujeito falante como um movimento livre e espontâneo sob as determinações
objetivas e científicas. A doença nos dá o vínculo entre a fala e a significação.
19
27
metafisicamente considerada, não há doença para eles que, fechados em suas
significações puras, quedam-se imunes às patologias lingüísticas. O doente está aquém
do conceito ou da representação de doença. Não é necessário, em absoluto, que ele
conceitualize ou represente-se que está doente para saber que está doente. A doença é a
saída do solipsismo rumo a um terreno comum: um mundo cultural intersubjetivo. Em
outros termos, é ao sairmos da ciência objetiva da expressão (lingüística e psicologia) e
é em relação à experiência da fala que podemos falar de alucinação verbal, isto é, não
há alucinação verbal para uma linguagem com significações límpidas e unívocas. A
alucinação verbal, enquanto tem sua ocorrência efetivada, testemunha-nos que a
linguagem pode ser abordada sob o ponto de vista existencial, e que suas significações
são, antes, significações existenciais. Esta dimensão pré-objetiva, pré-conceitual e
metafísica não elimina a possibilidade da patologia da expressão, pelo contrário, pois, é
nela que um novo e “expropriado” personagem ganha vida e é considerado, a saber, o
sujeito falante. Há uma patologia da expressão para a linguagem considerada em seu
“uso vivo” ou a partir das “experiências dos sujeitos falantes”. A psicologia precisa
encontrar e fazer-nos redescobrir um “eu falo” anterior a um “eu penso”, pois, “aquele
que fala entra num sistema de relações que o supõem e o tornam aberto e vulnerável”
(Merleau-Ponty, 1969, p. 26). São as condições e as conseqüências desta abertura e
vulnerabilidade que a psicologia analisará. Nestes termos, a psicologia se revivifica pois
ela analisa um “eu” que não é saber de si e pura coincidência consigo mesmo, pelo
contrário, se “eu falo” é que não coincido comigo mesmo, é que estou descentrado e
despossuído e, nestas condições, o que “eu falo” é para afirmar um saber de mim
mesmo dado pela autenticidade da minha fala. A minha vulnerabilidade ao patológico
está no fato de que me ex-ponho em minha fala, em minha expressão. E esta ex-posição
é também interiorização. O sujeito falante se ex-põe, susceptivelmente, por exemplo, à
esquizofrenia e à alucinação verbal. O cogito ou o Eu husserliano, entre outros fatores,
por lidarem com significações lógicas ideais dadas por uma gramática eidética, não
padecem de esquizofrenia e de alucinação verbal. Se as alucinações e as alienações são
possíveis é porque estamos inseridos num sistema de relações com outrens e porque
estamos inseridos numa situação concreta que faz parte do “eu” mas que ele não possui,
e que o despossui e o retira dele mesmo; e é este fato a mais que faz parte do “eu” o que
determina sua não-coincidência consigo mesmo.
Não sendo mais um eu reflexivo e não mais estando na segurança abstrata das
minhas reflexões, isto é, sendo agora um eu irrefletido ou uma transcendência
28
interiorizante (que interioriza o próprio patológico), a minha não-coincidência ou
descentramento quebra a dicotomia entre a atividade e a passividade da minha fala. O
que “eu falo” está aquém desta dicotomia. É por não pensar e não me representar o que
vou falar antes de falar, que “falo e acredito que meu coração fala, falo e acredito que
me falam, falo e acredito que alguém fala dentro de mim...” (Merleau-Ponty, 1969, p.
27). Eis a condição da esquizofrenia, da alucinação, da alienação20. Contudo, esses
fenômenos ou sintomas são variações de nossas relações com os outros, e refletem a
perda da capacidade de distinguir o seu corpo do de outrem e, em maior grau, de
distinguir o eu e o outrem. Tal incapacidade deve-se ao fato de que “a distância mesma
que o sujeito normal coloca entre si e o outro, a clara distinção entre o falar e o ouvir
são uma das modalidades dos sujeitos encarnados. A alucinação verbal é uma outra
modalidade” (Merleau-Ponty, 1969, p. 27-8). Há uma perda de fronteiras em que pese
as condições essenciais do falar e do compreender21. A intervenção terapêutica deverá
restabelecer essas fronteiras – o que é fazer o doente aperceber-se da verdadeira
intersubjetividade. Como a terapia assim se constituirá é um dos objetivos desta
pesquisa. “É que o falar e o compreender são os momentos de um único sistema euoutrem, e o portador desse sistema não é um “eu” puro, é o “eu” dotado de um corpo e
continuamente ultrapassado por esse corpo” (Merleau-Ponty, 1969, p. 27). Tanto ao
falar quanto ao compreender saio de mim e “sou ancorado a um outro”, que está em
algum lugar, ou melhor, que não ocupa lugar em seu corpo, porque é movimento
expressivo, intencional, livre e, sobretudo, significante e inteligível.
Enfim, se nos mantivéssemos circunscritos ao corpo (ou a 1945), o retorno à
origem do sentido oculto que nos daria a explicação das manifestações patológicas
visíveis (ou a descoberta da significação), não seria comparável à solução de um
problema ou, mais propriamente, à eliminação do patológico. O que só ocorrerá, de fato,
com a passagem do corpo para a fala, e isto será um recuo ao momento essencial da
expressão, para sairmos da sedimentação das significações corpóreas. O patológico está
na possibilidade do novo desestruturar o sedimentado já constituído. O novo, que pode
entrar em conflito com os valores há muito definidos. Assim, entre outros fatores, o que
podemos avançar num primeiro momento, é que o patológico se dá na tensão
20
E ainda: “Esses distúrbios da fala estão ligados a um distúrbio do próprio corpo e da relação com os
outros” (Merleau-Ponty, 1969, p. 27).
21
Além disso: “Se acontece de o doente crer que lhe falam, quando na verdade é ele que fala, o princípio
dessa alienação se acha na situação de todo homem: como sujeito encarnado, estou ex-posto ao outro,
assim como o outro está ex-posto a mim, e me identifico a ele que fala diante de mim” (Merleau-Ponty,
1969, p. 28). Ao tematizarmos o patológico consideramos o sujeito encarnado.
29
conflituosa entre o passado e o futuro, uma vez que a ruptura temporal (ou a perda da
significação transcendental do tempo) significaria a desestabilização da subjetividade
identificada, por Merleau-Ponty, à temporalidade22. O patológico ocorre na retirada do
sedimentado de si mesmo, quando a subjetividade lhe é mais sujeita, ou seja, quando o
sedimentado não conseguiu assimilar e expressar o novo adequadamente através de um
árduo esforço de reorganização interior, responsável pela fragilização do sedimentado e
exigida pelo simbólico sócio-cultural e intersubjetivo.
3. Justificativa, problemática e objetivos:
A hipótese de que é possível extrair de alguns assuntos específicos das filosofias
de Bergson e de Merleau-Ponty, contribuições à psicopatologia (muito embora isto
tenha sido apenas uma espécie de efeito colateral das suas preocupações centrais),
ocorreu-nos através da providencial descoberta da obra de Eugène Minkowski,
psicanalista e psiquiatra. Em que pese a problemática decorrente da relação entre os dois
filósofos, vislumbramos em Minkowski que os ganhos desta relação compensam e
superam os ganhos da sua não relação, notadamente em nosso tema geral: a definição
do patológico e das suas condições. Minkowski é um notável leitor de Bergson e de
Husserl, relacionando-os a partir da noção de temporalidade. O polonês discute com a
psicanálise e com a psiquiatria clássicas, questionando os seus fundamentos e as
definições das suas noções, baseando-se, sobretudo, no pensamento de Bergson, ao qual
suas contribuições pessoais destacam-se em seu propósito de dimensionar um
bergsonismo da fenomenologia e uma fenomenologia do bergsonismo. Além disto,
Minkowski apresenta-se como uma importante referência para Merleau-Ponty em 1945,
através especificamente da sua noção, extraída de Bergson, de tempo vivido, como uma
esfera de autenticidade que não se deixa determinar pelos locais ou espaços ocupados. E
vimos como Merleau-Ponty vai reclamar tal vivência do tempo como coincidência com
uma subjetividade des-locada. Neste sentido, podemos avançar, por ora, que o
desrespeito ao tempo vivido como deslocamento e desocupação espacial acaba
potencializando as condições patológicas, tanto em Bergson, quanto em Merleau-Ponty.
22
Eis em que termos Merleau-Ponty expressa tal identidade: “...nós já encontramos uma relação muito
mais íntima entre o tempo e a subjetividade”. O risco de ocorrência do patológico está na perda desta
intimidade. “Acabamos de ver que o sujeito, que não pode ser uma série de acontecimentos psíquicos, não
pode todavia ser eterno. Resta que ele seja temporal, não por algum acaso da constituição humana, mas
em virtude de uma necessidade interior. Somos convidados a fazer-nos do tempo e do sujeito uma
concepção tal que eles se comuniquem do interior” (Merleau-Ponty, 1945, p. 469).
30
O nosso objetivo, que constitui amplamente a problemática primeira deste
projeto, é perseguir e deixar claro a todo instante, o percurso efetivo desses filósofos e
aquilo que entendemos apresentar-se neles como contribuições que eles, efetivamente,
não pensaram, de tal modo que isto se constitua como uma humilde e sugestiva
contribuição da nossa parte.
4. Material e metodologia:
Em virtude da natureza essencialmente teórica da investigação filosófica que
lida com a herança espiritual da humanidade, materializada em obras teóricas, o nosso
procedimento metodológico se pautará por leituras analíticas e sistemáticas das obras de
que disporemos em nossas Referências Bibliográficas cujo levantamento, em razão da
natureza aberta dessa investigação, ainda não tem um formato definitivo, em relação às
obras que podem nos auxiliar no desenvolvimento, na justificativa e na defesa do nosso
tema, bem como no êxito em relação aos nossos objetivos propostos. Neste sentido,
trata-se de um procedimento hermenêutico de interpretação e compreensão que percorre
desde a definição do tema-problema-tese do projeto até à sua provável efetivação,
percurso que é o da própria fundamentação da nossa pesquisa.
5. Cronograma (plano de trabalho provisório):
Tema Geral: o patológico e as condições da sua experiência.
Sub-temas: 1ª Fase: Bergson:
- leitura analítica e sistemática do Ensaio, término do levantamento bibliográfico e
remodelação definitiva do projeto (1º bimestre);
- A busca pela realidade psicológica autêntica e sua caracterização. O estabelecimento
do método de acesso à idéia de duração. A determinação da relação eu-outro através da
passagem da sensação para a estética: a relação entre a “simpatia” e o patológico.
Redação provisória dos capítulos (2º trimestre);
- Enfim, a explicitação e a descrição do processo que conduz à passagem da sensação
para a liberdade, enfatizando como a realização do nosso tema pressupõe uma
investigação criteriosa da gênese do pensamento bergsoniano. Redação definitiva dos
capítulos e revisão da redação (3º trimestre).
Sub-temas: 2ª Fase: Merleau-Ponty:
31
- Fenomenologia da Percepção (1º semestre): a definição do patológico como retorno
ao pré-objetivo, ao mundo percebido ou ao campo fenomenal e, neste sentido, a relação
entre o patológico e a percepção verdadeira, entre o patológico e o corpo próprio. E,
assim, o patológico como crítica ao pensamento objetivo, e como instância anterior às
dicotomias cartesianas, ou seja, o patológico como caminho para o irrefletido e como
revelação da consciência como ser no mundo.
- a explicitação dos ganhos e dos limites que a análise do corpo próprio e da expressão
ou da linguagem restrita ao corpóreo (ou o momento de 1945) apresenta-nos, em que
pese uma melhor definição e compreensão do patológico como critério hermenêutico.
- A Prosa do Mundo (2º semestre): a fala como caminho para o patológico e, portanto, a
definição do sujeito patológico a partir do modo como ele usa e vive a sua fala na
relação com a realidade sócio-cultural, com os outros e consigo mesmo. Revisão da
redação definitiva.
6. Referências Bibliográficas (preliminares):
6.1 Bibliografia de Bergson:
BERGSON, H. O pensamento e o movente. (Introdução A e B). In: Cartas,
conferências e outros ensaios. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
______. Mélanges. Paris: PUF, 1972.
______. Oeuvres. Édition du centenaire. Paris: PUF, 1970.
______. Essai sur le données immédiates de la conscience. Paris: Quadrige/PUF, 1927.
6.2 Bibliografia de Merleau-Ponty:
MERLEAU-PONTY, M. L’institution, la passivité. Paris: Belin, 2003.
________. La nature. Paris: Le Seuil, 1995.
________. Notes de cours. Paris: Gallimard, 1996.
________. Le primat de la perception et ses conséquences philosophiques. Grenoble:
Cynara, 1989.
________. Merleau-Ponty à la Sorbonne resumé de cours 1949-1952. Paris: Cynara,
1988.
________. Existence et dialectique. Paris: PUF, 1971.
________. La Prose du Monde. Paris: Gallimard, 1969.
________. Résumé de cours. Paris: Gallimard, 1968.
________. La structure du comportement. Paris: PUF, 1967.
________. Éloge de la philosophie. Paris: Gallimard, 1953 e 1960.
________. L’Oeil et l’esprit. Paris: Gallimard, 1964.
________. Le visible et l’invisible. Paris: Gallimard, 1964(b).
________. Signes. Paris: Gallimard, 1960.
________. Les Aventures de la dialectique. Paris: Gallimard, 1955.
________. Sens et non-sens. Paris: Éditions Nagel, 1948.
32
________. Phénoménologie de la Perception. Paris: Gallimard, 1945.
6.3 Bibliografia especializada:
BARBARAS, R. Le tournant de l’expérience: recherches sur la philosophie de
Merleau-Ponty. Paris: J. Vrin, 1998.
________. R. De l’être du phénomène. Paris: Jérôme Millon, 1991.
BARBARAS, R.; COURT, R. Phénoménologie et esthétique. Paris: Encre Marine,
1998.
BONAN, R. Premières leçons sur «L’Esthétique» de Merleau-Ponty. PUF, 1997.
BONFAND, A. L’expérience esthétique à l’épreuve de la phénoménologie. Paris: PUF,
1995.
CAPALBO, C. A Filosofia de Maurice Merleau-Ponty: Historicidade e Ontologia.
Londrina: Edições Humanidades, 2004.
CARBONE, M. Ai confini dell’esprimibile. Merleau-Ponty a partire da Cézanne e da
Proust. Guerini e Associati, 1998.
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CHAUÍ, M. de S. Experiência do Pensamento: ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty.
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CHIASMI INTERNATIONAL 6 – MERLEAU-PONTY: Entre Esthétique et
Psychanalyse. Paris: VRIN, 2005.
DELEUZE, G. Le bergsonisme. Paris: PUF, 1966.
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Mimesis, 2002.
DÉLIVOYATZIS, S. La dialectique du phénomène: sur Merleau-Ponty. Paris:
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1 Bergson e Merleau-Ponty - Faculdade Católica de Uberlândia