IV Congresso Internacional de Educação
VII Semana Acadêmica do Curso de Pedagogia da Uniamérica
PESQUISA SOBRE OS USOS DO LIVRO DIDÁTICO NO ENSINO DA LEITURA E
DA ESCRITA: IMPORTÂNCIA E POSSIBILIDADES
1
Tamara Cardoso André
2
Bruna Zorzan
3
Ritismery Alves do Amaral
RESUMO
Apresenta estado da arte das pesquisas sobre os usos do livro didático no ensino da
leitura e da escrita, divulgadas entre os anos 2000 e 2010. Objetiva entender a
utilização do livro didático em sala de aula e sua importância na prática docente,
respondendo às seguintes questões: quais as metodologias ou métodos mais
adequados para a investigação dos usos do livro didático? O que dizem o conjunto
de pesquisas sobre os usos do livro didático no ensino da leitura e da escrita?
Apresenta e analisa 13 pesquisas, dividindo-as em dois grupos: 1) Pesquisas que
mostram como professores modificam os livros didáticos a partir dos usos. 2)
Pesquisas que indicam a predominância de práticas cartilhescas no ensino das
letras e sílabas, em detrimento da adoção de perspectivas interacionistas de
linguagem, leitura e escrita.
PALAVRAS-CHAVE: Livro didático, Leitura, Escrita.
Introdução
O presente artigo traz um estado da arte das pesquisas sobre os usos do livro
didático no ensino da leitura e da escrita e faz parte da tese de doutorado sobre os
usos do livro didático de alfabetização e Foz do Iguaçu (ANDRÉ, 2011). Foram
consultadas as pesquisa publicadas entre 2000 e 2010 no site do Centro de
Investigación Manes4, no banco de teses e dissertações da CAPES5, bem como os
1
Doutora em Educação. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
2
Graduanda em Pedagogia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Pesquisadora de Iniciação científica
do Grupo Ação Educativa, Infância e Alfabetização no Contexto de Fronteira.
3
Graduanda em Pedagogia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Bolsista de Iniciação científica do
Grupo Ação Educativa, Infância e Alfabetização no Contexto de Fronteira.
4
Catálogo bibliográfico que reúne textos sobre livros didáticos e manuais escolares, produzidos em diversos
países, especialmente da América Latina e Espanha.
http://www.uned.es/manesvirtual/ProyectoManes/Bibliografia.htm
5
A CAPES (Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior) mantém um banco de dados que
disponibiliza os resumos de teses e dissertações produzidas pelos programas de pós-graduação no Brasil.
http://www1.capes.gov.br/bdteses/
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trabalhos divulgados no livro de Reiris (2005), que traz uma compilação da produção
científica sobre livros didáticos. O objetivo com este estado da arte é responder às
seguintes questões: as investigações sobre os usos do livro didático partem de quais
metodologias ou métodos? O que dizem o conjunto das pesquisas sobre os usos do
livro didático no ensino da leitura e da escrita?
1 As metodologias ou métodos para investigar os usos do livro didático
Primeiramente, é preciso situar, no universo de trabalhos científicos sobre
livros didáticos, quais são as metodologias ou métodos que permitem a investigação
sobre os usos do livro didático. Reiris (2005) ajuda a responder a essa questão ao
fazer estado da arte visando traçar uma taxonomia das linhas de investigação de
textos escolares, que a autora divide em quatro:
1)
Estudos críticos, históricos e ideológicos acerca do conteúdo dos livros
didáticos.
2)
Estudos formais, linguísticos e psicopedagógicos sobre legibilidade,
compreensibilidade, apresentação e adequação didática dos livros didáticos.
3)
Estudos sobre política cultural, editorial e economia dos livros
didáticos.
4)
Estudos centrados no papel do livro didático no desenvolvimento
curricular.
Segundo a autora, é na quarta linha que se situam as pesquisas sobre os
usos dos livros didáticos, geralmente qualitativas e conjugadas com o emprego de
entrevistas e observações. Nesse grupo encontram-se as pesquisas que exploram
as percepções, opiniões e demandas dos professores a respeito dos materiais
curriculares, os estilos como professores trabalham com textos, os modos como os
livros didáticos são escolhidos e as avaliações da vinculação entre matéria curricular
e a autonomia profissional docente.
Assim, pode-se concluir que o objeto “usos dos livros didáticos” já faz parte do
universo das pesquisas educacionais. Partindo dessa premissa, foram encontrados
treze trabalhos, dentre artigos, dissertações e teses, que fazem parte do universo de
pesquisas sobre os usos do livro didático no interior da sala de aula no ensino de
leitura e escrita, publicadas e divulgadas entre 2000 e 2010. Confirmando as
conclusões de Reiris (2005), foram encontradas pesquisas qualitativas sobre os
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usos do livro didático, sendo as entrevistas e observações os principais instrumentos
utilizados. Foi também observado que a etnografia se constituiu como perspectiva
adotada em algumas pesquisas sobre usos do livro didático.
Dentre as treze pesquisas consultadas, seis apresentaram entrevistas e
depoimentos de professores sobre avaliação e usos dos livros didáticos no ensino
da leitura e da escrita: Silva (2003), Santos (2004), Frade (2004), Morais e
Albuquerque (2005) Silva (2005) e Teixeira (2009). As demais sete pesquisas
apresentaram estudos etnográficos ou observações sistemáticas no interior da sala
de aula: Rockwell (2000), Cox e Silva (2000), Rockwell (2001), Amâncio (2002),
Macedo, Mortimer e Green (2004), Coutinho (2004) e Freitas e Moura (2007).
Pesquisas
qualitativas
possibilitam
a
compreensão
e
o
estudo
de
particularidades, ou seja, de realidades que não se repetem, ou pouco se repetem,
sendo parte de uma cultura local específica. No entanto, o conjunto de pesquisas
qualitativas também desvela generalizações, ou, dito de outro modo, características
e padrões repetidos, que dizem algo sobre a realidade mais ampla. No caso dos
usos do livro didático no ensino da leitura e da escrita, as treze pesquisas puderam
ser divididas em dois conjuntos:
1)
Pesquisas que mostram como professores modificam os livros
didáticos a partir dos usos.
2)
Pesquisas que indicam a predominância de práticas cartilhescas no
ensino das letras e sílabas, em detrimento da adoção de perspectivas interacionistas
de linguagem, leitura e escrita.
Neste artigo serão apresentadas as principais conclusões destas pesquisas a
fim de buscar seus denominadores comuns e entender o que elas dizem sobre a
realidade educacional mais ampla no que tange ao ensino da leitura e da escrita.
2 Pesquisas que mostram como professores modificam os livros didáticos a
partir dos usos
Neste tópico estão agrupadas seis pesquisa cujo denominador comum é
apontar para o fato de que um mesmo livro didático pode ser utilizado de modos
distintos, pois é transformado através dos usos que dele são feitos: Macedo,
Mortimer e Green (2004), Coutinho (2004), Freitas e Moura (2007), Teixeira (2009),
e Rockwell (2000, 2001).
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Macedo, Mortimer e Green (2004), pesquisaram sobre as práticas de
letramento e o uso do livro didático no primeiro ciclo de uma escola pública de Belo
Horizonte, Brasil. Utilizaram a perspectiva etnográfica interacional e a teoria de
Bakhtin. Observaram uma sala de aula nos momentos de uso do livro didático
através da gravação em vídeo de trinta e sete horas de aulas. Entrevistaram todos
os professores da escola com um questionário sobre o uso do livro didático na
organização das interações em sala de aula e no ensino da leitura e da escrita. Os
dados da pesquisa foram apresentados através de “mapas de evento”, que
constituem a transcrição de eventos ou ciclos de atividades construídas através de
processo dialógico. Concluíram que a professora rompe com o uso linear do livro
didático, apropriando-se desse material conforme as exigências da própria prática. A
professora deixa de fazer algumas atividades, complementa outras e não segue o
livro na seqüência proposta. De acordo com os autores, essa opção indica uma
preocupação da professora em fazer uso contextual do material, evidenciando uma
perspectiva de letramento como prática sociocultural, ou seja, que valoriza os
empregos significativos, sociais e comunicativos da leitura e da escrita.
Em dissertação de mestrado, Coutinho (2004) investigou como duas
professoras do primeiro ano do ensino fundamental, em Recife, Brasil, trabalhavam
a leitura utilizando o livro didático “Letra, Palavra e Ensino”. A leitura foi tomada a
partir da perspectiva do letramento. Os procedimentos metodológicos consistiram
em análise do livro didático utilizado, entrevistas com as duas professoras e
observações semanais de suas práticas de ensino. A análise do livro apontou para
uma
variedade
de
gêneros
textuais,
mas
ausência
de
atividades
que
desenvolvessem as diferentes estratégias de leitura. As observações semanais
mostraram que, na prática docente, as professoras enriqueciam e modificavam as
propostas do livro, principalmente visando o ensino do sistema de escrita.
Freitas e Moura (2007) fizeram um estudo de caso para investigar os usos do
livro didático nas interações em duas salas de aulas de Educação de Jovens e
Adultos em processo de alfabetização de uma escola pública municipal no estado de
Alagoas, Brasil. O problema da pesquisa foi entender como são utilizados
linguisticamente os gêneros textuais presentes nos Livros Didáticos de Educação de
Jovens e Adultos adotados em sala de aula. Com o objetivo geral de analisar os
eventos de letramento em que os alunos e professores interagem com os gêneros
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textuais constantes nos livros didáticos, as autoras entrevistaram professoras e
alunos e observaram aulas.
Bakhtin, Geraldi, Koch, Marcuschi e Bazerman
constituíram o referencial teórico adotado. As autoras concluíram que, em ambas as
salas de aula, o livro didático é menos utilizado que outros materiais de leitura. No
entanto, em todas as situações de leitura as interações são mais focalizadas no
ensino da norma padrão da língua portuguesa do que na intertextualidade.
Em dissertação de mestrado, Teixeira (2009) entrevistou professoras
alfabetizadoras, profissionais da secretaria de educação e pedagogos das escolas
municipais de Curitiba, Brasil, para questionar sobre os usos que fazem do livro
didático de alfabetização. A autora constatou que, nas experiências pessoais e
profissionais, o livro didático é mais valorizado do que nos significados atribuídos a
ele pelos professores. No discurso as professoras atribuíram pouca importância ao
livro didático. No entanto, diante das entrevistas acompanhadas do livro didático
adotado pela escola, as professores declaravam estabelecer formas diversas de
usos deste material.
Em pesquisa etnográfica realizada em uma escola no estado mexicano de
Tlaxcala, no ano de 1980, Rockwell (2000) investigou a especificidade cultural do
discurso em sala de aula a partir do conceito bakhtiniano de gêneros do discurso.
Nesta pesquisa, na qual a autora também observou a presença do livro didático na
sala de aula, evidenciaram-se os usos de vários gêneros do discurso pelo professor,
tanto os gêneros de ensino quanto outros, inclusive da tradição oral, como as
piadas, fofocas e contos do passado. Os gêneros promoveram pistas para a
codificação do conhecimento escolar e sua tradução no currículo vivenciado. O
gênero de ensino mais presente nas observações foi o catequético, caracterizado
pelo diálogo de perguntas e respostas, no qual o professor dirigia as interações e os
alunos respondiam em uníssono. No entanto, a autora observou que em sala de
aula coexistiam vários gêneros discursivos, os quais muitas vezes se relacionavam
com a experiência de vida do professor.
Em outra pesquisa, a mesma autora demonstrou que o livro didático não se
define apenas pelo seu conteúdo, mas também se constitui como suporte material
com características específicas. Em investigação etnográfica, Rockwel (2001)
observou as limitações do livro didático enquanto suporte material de leitura. A partir
da observação de aulas em uma escola rural mexicana, a autora investigou as
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práticas de leitura, tendo como base teórica as obras de Chartier, Certeau e Bakhtin.
A ênfase recaiu na materialidade do livro didático e nas suas características
peculiares que o distinguem de outros materiais impressos. Uma destas
características é que, para possibilitar as leituras e o trabalho simultâneo, é preciso
dispor de um exemplar do livro didático para cada aluno. Outra característica
importante é que no livro didático estão plasmadas também determinadas teorias
pedagógicas, que se encontram presentes nos conteúdos e nas próprias formas
escritas. Embora a materialidade do livro didático não determine a maneira de ler,
ela exerce grande influência. Rockwell encontrou um exemplo de como a
materialidade do livro influi nas formas de ler observando uma professora utilizar no
livro uma história que continha um enigma. Ao contar a história aos seus alunos, a
professora tentou explorar o enigma e levar os alunos a criarem hipóteses.
Entretanto, a atividade não foi possível, pois todos os alunos viraram a página do
livro didático e viram as ilustrações e o texto que trazia o desfecho da história. A
materialidade do livro didático influenciou o planejamento da aula. Foi difícil para a
professora sustentar a interação verbal, pois os alunos tiveram acesso ao desfecho
do enigma que deveria ser o mote de um debate. Para prosseguir com a atividade a
partir do texto do livro, a professora recorreu a outro modo de ler: mandou os alunos
fazerem um resumo. O incidente apontou para o jogo entre as dimensões sociais e
individuais da leitura e entre o esperado e o construído na classe.
O conjunto das pesquisas agrupadas neste tópico mostra o livro didático
como um instrumento que é modificado a partir dos usos que dele são feitos, não se
constituindo como um mentor ou guia da atividade docente. Entretanto, sua
materialidade exerce alguma influência, pois impõe certos condicionamentos à ação
docente.
3 Pesquisas que indicam a predominância de práticas cartilhescas no ensino
das letras e sílabas, em detrimento da adoção de perspectivas interacionistas
de linguagem, leitura e escrita.
Nas pesquisas sobre os usos do livro didático de alfabetização, que incluem
os trabalhos de Morais e Albuquerque (2005), Silva (2005), Cox e Silva (2000),
Amâncio (2002), Santos (2004), Silva (2003) e Frade (2004), o denominador comum
das conclusões foi a constatação da primazia da alfabetização como domínio do
código escrito.
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No Brasil, pesquisas apontam para certo descompasso entre as práticas
docentes e os livros didáticos distribuídos pelo poder público através do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD). O PNLD realiza-se por meio do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), uma autarquia federal vinculada ao
Ministério da Educação (MEC), responsável por captar recursos para o
financiamento de programas voltados ao ensino fundamental. Os objetivos do PNLD
são a avaliação, aquisição e distribuição gratuita de livros didáticos para os alunos
das escolas públicas do ensino fundamental brasileiro.
O FNDE adquire e distribui livros, a cada ano, para todos os alunos de um
dos segmentos: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino
fundamental e ensino médio, incluindo educação de jovens e adultos. Desde 1996,
de acordo com Batista (2003), o PNLD desenvolve processo de avaliação
pedagógica das obras inscritas, sob a Coordenação Geral de Avaliação de Materiais
Didáticos
e
Pedagógicos
(COGEAM),
órgão
da
Secretaria
da
Educação
Fundamental. O processo de escolha do livro didático começa pelo envio de
coleções pelos grupos editoriais ao PNLD. Para um livro didático ser avaliado pelo
Programa deve atender a alguns critérios, sendo que um deles é ser acompanhado
de um Manual do Professor com referencial teórico e explanações para subsidiar o
trabalho em sala de aula. As avaliações dos livros são realizadas por comissões de
especialistas em cada área do conhecimento. A partir da avaliação das obras
inscritas no PNLD, feita por especialistas, é publicado o Guia do Programa Nacional
do Livro Didático. O Guia, mais um exemplar de cada livro didático resenhado, são
enviados às escolas para auxiliar os professores a escolherem o livro a ser adotado.
Observa-se, nos livros distribuídos pelo PNLD, uma diferença significativa em
relação às antigas cartilhas de método BÁ-BÉ-BI-BÓ-BÚ, que não contém textos e
visam somente o ensino de letras e sílabas a partir de atividades de montar e
desmontar palavras e pequenas frases. Os livros de alfabetização distribuídos pelo
PNLD são constituídos a partir de concepções interacionistas de linguagem e
ensino, valorizando as atividades que remontam aos empregos culturais, sociais e
significativos da linguagem, da leitura e da escrita. Trazem variedade de gêneros
textuais, tanto da tradição escrita; contos, literatura, poemas, histórias em
quadrinhos, textos jornalísticos, entre outros; quanto da tradição oral; lendas, contos
de fadas, parlendas, adivinhas, literatura de cordel e letras de música. As atividades
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destes livros visam reproduzir os usos que são feitos da leitura e da escrita na
sociedade, ou seja, o aluno e levado a ler e escrever para comunicar, obter
conhecimento e prazer, buscar e transmitir informações e interagir.
A despeito dos livros distribuídos pelo PNLD serem constituídos em
perspectivas interacionistas, pesquisas têm demonstrado a permanência das
cartilhas tradicionais de alfabetização nas escolas.
Com base nas críticas dos docentes às obras do PNLD por não assegurarem
o ensino do processo de codificação e decodificação, Morais e Albuquerque (2005),
estabeleceram uma comparação entre cartilhas e livros didáticos do PNLD. Os
autores investigaram o tratamento dado ao sistema de escrita alfabética em dois
livros de alfabetização do PNLD do ano de 2004 e duas cartilhas usadas no Recife
até os anos 1990. As cartilhas, segundo os autores, diferentemente dos livros
didáticos, se caracterizam por exercer controle sobre os itens da linguagem, como
as palavras, sílabas, fonemas e correspondências entre sons e grafias. Calcadas no
ensino transmissivo, as cartilhas apresentam alta frequência de atividades de cópia,
pseudo-textos e visão adultocêntrica sobre o que é fácil ou difícil para o aluno. Os
livros didáticos do PNLD de 2004, por sua vez, influenciados pelas teorias do
letramento e pelo construtivismo, trazem textos de diversos gêneros, ao invés dos
pseudo-textos das cartilhas.
A investigação de Silva (2005) complementa as observações de Morais e
Albuquerque, ao apontar a preferência de professores pelos métodos tradicionais de
alfabetização. Nos anos entre 2000 e 2002, a autora levantou depoimentos de
professoras alfabetizadoras e supervisoras pedagógicas de sete escolas públicas de
Belo Horizonte. As escolas foram indicadas por adotarem os livros “ALP” da editora
FTD ou o livro “Letra Viva”, da editora Formato, ambos recomendados pelo PNLD de
1998 com as maiores classificações e fundamentados nos ideários do construtivismo
e do letramento. Silva concluiu que os livros didáticos organizados segundo estes
ideários não contribuem para o ensino das relações entre letras e sons. Por esse
motivo, as professoras transformam o livro didático nas suas práticas e o utilizam
juntamente com outros materiais, produzindo estratégias de ensino mais tradicionais.
Ou seja, mesmo adotando livros interacionistas ou construtivistas, as professoras
seguem alfabetizando com o método de silabação e soletração das cartilhas.
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A partir de pesquisa participante de cunho etnográfico e entrevistas, Cox e
Silva (2000) observaram os textos que circulam em uma sala de aula de primeira
série de uma escola pública de Cuiabá. O objetivo foi entender se as práticas da
professora alfabetizadora refletem o novo paradigma teórico-metodológico do ensino
de língua materna, que desloca a ênfase na língua como forma, sistema e estrutura,
para a língua como ação, uso e discurso. Observaram que o texto utilizado com
predominância na sala de aula foi a cartilha, que trata a escrita fundamentalmente
como sistema e estrutura, tendo a única função de ensinar as sílabas. Os autores
estabeleceram uma comparação entre o desejável no ensino da língua materna e o
realizado. O desejável seria a diversidade de textos como núcleo do processo de
alfabetização. O realizado foi o uso predominante da cartilha para o ensino das
famílias silábicas. As autoras concluíram que o uso predominante da cartilha não
permite aos alunos a apropriação da escrita como processo discursivo.
Amâncio (2002) apresenta o resultado de uma investigação etnográfica
realizada em três escolas da zona central e cinco da zona rural da região sul de
Mato Grosso, Brasil. Entre os anos de 1989 e 1990, a autora investigou, em escolas
de Rondonópolis-MT, o amplo uso de cartilhas de método silábico. As cartilhas
continham textos desprovidos de sentido, unicamente voltados para o ensino das
sílabas e letras, e eram organizadas em suposta ordem de dificuldade. A autora
concluiu que o ensino, a partir do uso de cartilhas, recai mais sobre a decifração do
escrito do que sobre a significação. O resultado é o fracasso na alfabetização,
demonstrado pelo alto índice de reprovação escolar.
A concepção de alfabetização como domínio de um código se manifesta no
descompasso entre as políticas do livro didático e a opinião dos professores sobre o
que é um bom livro didático. Isto é demonstrado nas investigações sobre o
Programa Nacional do Livro Didático realizadas por Santos (2004) e Silva (2003).
Santos (2004) entrevistou professoras de alfabetização de primeira série do
ensino fundamental das redes públicas municipais de Cabo de Santo Agostinho,
Camaragibe e Recife, Brasil. Questionou se as professoras utilizavam ou não os
livros didáticos do PNLD dos anos de 2000 e 2001, e quais eram as principais
contribuições e dificuldades do livro didático. Também solicitou que as professoras
descrevessem suas experiências pedagógicas no ensino do sistema de escrita
alfabética. Em uma segunda etapa do trabalho, realizou entrevistas profundas com
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12 professoras das quatro redes de ensino que participaram da primeira etapa. A
autora constatou que as professoras não conseguem utilizar o livro didático do PNLD
no ensino da escrita alfabética e, por isso, recorrem a outros materiais e livros. As
professoras utilizam o método silábico para alfabetizar, reconhecendo a importância
do ensino das propriedades do sistema da escrita alfabética, mas não investem no
desenvolvimento de habilidades de reflexão fonológica. Embora reconheçam a
importância do trabalho com leitura e escrita, não utilizam os textos para discutir os
diversos gêneros, mas sim como pretexto para o ensino do sistema gráfico. A
opinião das professoras sobre os livros do PNLD é que estes priorizam o ensino da
leitura e a produção de textos, em detrimento de atividades de ensino do sistema de
escrita alfabética.
Silva (2003) pesquisou os discursos sobre os usos do livro didático de
alfabetização de 13 professores de escolas públicas. Os livros didáticos, à época da
pesquisa, recebiam uma classificação de qualidade, expressa no “Guia do Programa
Nacional do Livro Didático”. As professoras participantes da pesquisa fizeram usos
de livros didáticos com colocações mais altas na classificação do Guia do PNLD,
mas, posteriormente, os substituíram por livros com baixas classificações. A partir
desse fato, a autora investigou as apropriações que as professoras fazem das
propostas pedagógicas valorizadas no guia. Além de entrevistar as professoras,
analisou os livros que receberam as mais altas e as mais baixas classificações. A
autora observou que destoam da opinião dos professores as perspectivas sobre o
que é um bom livro didático no campo da burocracia editorial e governamental
(incluindo a universidade, que presta serviços para o governo). Ou seja, o que é um
bom livro para a escola não coincide com o que é um bom livro didático para o
governo e as universidades.
Frade (2004) investigou os aspectos pedagógicos envolvidos na escolha dos
livros didáticos de alfabetização a partir de visitas a duas escolas públicas de Belo
Horizonte, uma da rede estadual e outra da rede municipal. As visitas foram
realizadas durante o ano de 2001 e compreenderam observações, aplicação de
questionários e entrevistas com diretores, coordenadores e todos os professores
envolvidos na escolha do livro de alfabetização no PNLD 2000/2001. A escola da
rede municipal apresentou a particularidade de ter escolhido um livro altamente
recomendado no Guia do PNLD de 1998 e mudar a opção para um livro menos
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indicado no PNLD de 2001. O trabalho buscou desvendar os discursos dos
professores sobre o que pode ser um livro de alfabetização e os motivos de terem
escolhido um livro menos recomendado no PNLD de 2001. A autora pôde observar
que a principal motivação da escolha foi a necessidade que os professores sentiram
de dispor de um livro didático específico para ensinar a ler, e não apenas para ser
naturalmente lido. Com isso, concluiu que os professores necessitam livros
destinados ao ensino das propriedades do sistema de escrita, incluindo as relações
entre as sonoridades e as representações escritas. Outra conclusão foi que o livro
didático, na avaliação dos professores, deve permitir que o aluno o maneje de modo
mais autônomo, o que facilita a organização em turmas heterogêneas.
Considerações finais
As pesquisas aqui analisadas apontam que os livros didáticos não
determinam totalmente as práticas docentes. Os professores transformam os livros
didáticos a partir dos usos que deles fazem. Estes usos, por sua vez, são distintos.
Por um lado, há uma série de pesquisas apontando para a permanência de cartilhas
no ensino da leitura e da escrita, a despeito de a escola ter acesso a livros
constituídos em perspectivas mais interacionistas. Por outro lado, outras pesquisas,
como as de Macedo, Mortimer e Green (2004) e Coutinho (2004), mostram
professores fazendo usos não lineares do livro didático e trabalhando a partir de
uma perspectiva mais interativa.
O estado da arte aqui apresentado serviu de embasamento para a tese de
doutorado desta autora (ANDRÉ, 2011). Nesta tese, foram observadas as aulas de
duas professoras, de uma mesma escola, que fizeram uso de um livro didático
distribuído não pelo PNLD, mas pela prefeitura municipal de Foz do Iguaçu. O livro,
intitulado “Alfabetização: método fônico”, escrito por Capovilla e Capovilla (2007),
semelhante a uma cartilha de alfabetização, trazia exercícios para ensinar a ler e
escrever a partir de atividades de montar e desmontar palavras, tais como:
completar palavras com letras, juntar sílabas para formar palavras, completar
palavras com famílias silábicas, formar pequenas frases. O livro trazia uma série de
sugestões de atividades orais visando o desenvolvimento da consciência fonológica,
entendida como a consciência dos sons que formam as palavras. Foi observado
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que, mesmo fazendo usos do mesmo livro didático do início ao fim, as professoras
apresentaram práticas bastante distintas.
A professora, que na tese foi chamada pelo pseudônimo de Ana, fazia com os
alunos todas as atividades do livro, inclusive as orais de consciência fonológica.
Quando lia as sílabas com os alunos, fazia a leitura direta, sem soletração. Além
disso, nas atividades de completar as palavras com letras faltantes, cuidava para
que os alunos lessem todas as palavras e explicava os significados de cada uma.
A outra professora, chamada na tese pelo pseudônimo de Lúcia, não
trabalhava as atividades orais, mas apenas as escritas, voltadas para completar
palavras e formar frases. Quanto lia as sílabas com os alunos, produzia uma
soletração (por exemplo: be com a fica ba, be com o fica bo).
Foi possível observar que a professora Ana obteve melhores resultados no
ensino da leitura e da escrita de palavras e frases. Os alunos de Lúcia liam
soletrando, o que não ajudava na compreensão do significado das palavras.
As duas professoras não trabalharam com os alunos a escrita espontânea de
textos e a leitura de variados gêneros textuais, atividades não constantes na
proposta do livro. Além disso, não observaram as dificuldades encontradas pelos
alunos na escrita e na leitura de palavras que eram escritas de um modo e faladas
de outro. Presas às propostas do livro, as professora não prestaram atenção no fato
de que os alunos tendem a reproduzir a própria fala na escrita e a não entender o
que lêem devido a essas diferenças. Por exemplo, um aluno que fala [kra.ru], pode
não conseguir ler, ou não entender na leitura, a palavra escrita “CLARO”. Ambas as
professoras não trabalharam as diferenças entre fala e escrita e não levaram os
alunos a lerem textos mais complexos ou a produzirem escritas espontâneas. Assim,
percebe-se uma ausência na prática das professoras que é também uma ausência
no livro didático. Ou seja, neste caso especificamente, o fato de utilizarem o livro de
modos distintos, não significa que não ocorra certo condicionamento da ação
docente pelo livro didático.
Conclui-se este trabalho afirmando a necessidade de que mais pesquisas
sejam realizadas sobre os usos do livro didático no ensino da leitura e da escrita, a
fim de perceber em que medida a ação docente recebe influências dos livros
didáticos. Tais pesquisas poderiam ser úteis ao sistema educacional mais amplo na
medida em que apontassem para a melhoria dos livros didáticos, unindo as
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IV Congresso Internacional de Educação
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necessidades encontradas pelos professores alfabetizadores com as novas teorias
sobre alfabetização e ensino da leitura e da escrita.
Referências
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(Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da
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BATISTA, Antônio Augusto Gomes. A avaliação do livro didático: para entender o
Programa nacional do livro didático (PNLD). In: ROJO, Roxane; BATISTA, Antônio
Augusto Gomes (org). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura
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CAPOVILLA, Alessandra G. S. CAPOVILLA, Fernando C. Alfabetização: Método
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COUTINHO, Marília de Lucena. Práticas de Leitura na Alfabetização de crianças.
O que dizem os livros didáticos? O que fazem os professores? Dissertação
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Pernambuco, Recife, PE, 2004.
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