Año 1 nº 2 Octubre 2013. Registro de la propiedad intelectual nº 5088097. Propietario: Departamento de Artes
Musicales y Sonoras, IUNA. ISSN 2314-2847. http://artesmusicales.org/web/index.php/tapa/149-tapa.html
A INSERÇÃO DA MÚSICA NO CONTEXTO ESCOLAR: um estudo de caso em
uma escola particular de Porto Alegre
Carla Eugenia Lopardo
Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
[email protected]
Introdução
Contextualizando o ensino de artes no Brasil
A integração da arte no currículo escolar como uma área de conhecimento, sob a denominação
de Ensino de Arte no Brasil, é oficializada com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) de 1996 1 na Resolução nº 2, Câmara de Educação Básica (CEB) de 7 de abril de 1998. A
partir disso, o Ensino de Arte é uma das dez áreas de conhecimento que passam a compor o
currículo da Educação Básica no Brasil. Na sequência, o Ministério de Educação divulga os
Parâmetros Curriculares para o Ensino de Arte, contemplando as linguagens de Artes Visuais,
Teatro, Música e Dança. Paralelamente inicia-se um processo de encerramento dos cursos de
educação artística, criados para formar professores multidisciplinares; e a criação de cursos
especializados em uma das linguagens, sendo uma delas a música. O quadro começa a mudar a
partir de 2008, quando a Lei Federal nº 11.769 torna a música conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, do componente curricular arte, previsto no § 2º do artigo 26 da LDB 9394/96.
1
A Lei nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996 (LDB 9.394/96), define e
regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. A educação básica é o
primeiro nível do ensino escolar no Brasil e compreende três etapas: a educação infantil (para crianças de zero a cinco
anos), o ensino fundamental de 9 anos (para alunos de seis a 14 anos) e o ensino médio (para alunos de 15 a 17 anos).
Com a aprovação da Lei Nº 11.769, sancionada no dia 18 de Agosto de 2008, a música como
conteúdo obrigatório se estabelece definitivamente nas escolas do Brasil, pois a música não saiu
necessariamente do currículo; a educação artística também incluía a música como uma das áreas
a serem consideradas, mas a presença dela nas escolas era definida pelas escolhas individuais de
cada instituição ou município. A referida Lei trata da inserção da música nas escolas dando um
tempo máximo de três anos para a sua implantação, tempo já expirado, no qual o conteúdo
música deveria ter sido inserido no currículo de todas as escolas de educação básica (públicas e
particulares) e de todos os níveis de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio)2.
O Ministério da Educação ainda não tem definido o conteúdo programático das aulas, nem
como a música entrará no currículo visto que os sistemas educacionais possuem liberdade e
autonomia na elaboração de seus projetos pedagógicos, a partir da lei 9394/96, portanto, podem
decidir sobre este assunto. Cada escola deverá se preparar, tanto nos aspectos estruturais quanto
funcionais, para garantir a presença da música no contexto escolar.
No Rio Grande do Sul e especialmente em Porto Alegre, muitas ações ao longo destes três anos
foram desenvolvidas, porem ainda enfrenta-se com diversos obstáculos referentes às
problemáticas locais e falhas no sistema de implantação da Lei a nível nacional, tais como a
ausência de profissionais habilitados, a falta de estrutura física e os recursos financeiros
escassos, dentre outros fatores, que hoje constituem uma realidade a partir da qual a existência
da música nas escolas se transforma muitas vezes num desafio, conforme Kleber:
trata-se de um momento importante para se pensar em projetos
educacionais inovadores e condizentes com nosso tempo [...] a Lei favorece
um espaço para a discussão sobre o que se pode fazer para melhorar a
educação brasileira como também possibilita que se planeje essa inserção
no sistema educacional brasileiro. Kleber (2010: 3)
Nesse panorama, a presente investigação procura observar, analisar e discutir os diferentes
caminhos que uma escola particular de ensino básico, em Porto Alegre, percorre ao implementar
a Lei 11.769/08 em todos os seus níveis de ensino, procurando a inserção da música em forma
integral e progressiva. Para tal fim será necessário estudar essa realidade como um caso isolado
dentro de um universo muito mais amplo, considerando o estudo de caso como opção
metodológica.
2
A Lei nº 12.287, de 13 de julho de 2010, inclui o ensino da arte como componente curricular obrigatório nos
diversos níveis da educação básica brasileira.
51
A escola escolhida para os fins desta pesquisa é uma escola particular de cunho católicoconfessional, vinculada à Congregação dos Padres Palotinos no Brasil. Fundada em 1953 na
cidade de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) localizada na zona norte da capital no bairro Passo
d’Areia. Hoje atende a mais de 600 alunos do bairro e de outras regiões da cidade, reunindo
famílias de diversas classes sociais, a escola conta com aulas nos turnos manhã e tarde, na
Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Médio, no Turno Integral3 e com diversas oficinas
extraclasses abertas à comunidade educativa.
Atuo nesta escola como professora de música desde fevereiro de 2010 quando fui contratada
para realizar uma experiência piloto com a inserção da música nas sétimas e oitavas séries do
Ensino Fundamental4. Atualmente a referida Lei permite que a música seja inserida em projetos
específicos e não apenas como um recurso dentro de outra disciplina. A música tem estado
presente em diversos contextos educativos brasileiros ao longo de décadas, mas, em muitos
casos ela não está presente no currículo, para todos os alunos.
Uma situação nova a ser observada
O ensino de arte na escola estudada se manteve presente desde o início das suas atividades, em
1953, com a implementação da disciplina Artes na matriz curricular, voltada ao ensino das artes
visuais, no Ensino Fundamental (anos superiores) e no Ensino Médio. Na década de 90 foi
inserido o ensino de Teatro como disciplina curricular com professor especializado.
Paralelamente, a música foi sendo inserida com atividades de coral e com a formação da Banda
Marcial da escola, vencedora de prêmios estaduais, regionais e nacionais, reconhecida dentro da
sua comunidade como uma valiosa oportunidade de desenvolvimento artístico dos alunos. Tais
atividades incluíram a música dentro do convívio escolar por quase vinte anos. Em 1994 a
Banda Marcial se dissolveu e com ela todas as atividades de ensino técnico-musical de
instrumento e regência que o colégio proporcionava para os seus alunos em horários
extraclasses.
3
O Turno Integral é um espaço que a escola abre para os alunos dos turnos manhã e tarde até o 6º ano do Ensino
Fundamental que precisam permanecer no colégio no contraturno, com atividades curriculares e especializadas, a
cargo de um professor regente.
4
A organização do ensino fundamental divide-o, na prática, em dois ciclos. O primeiro que corresponde aos primeiros
cinco anos (chamados anos iniciais do ensino fundamental) é desenvolvido, usualmente, em classes com um único
professor regente. O segundo ciclo corresponde aos anos finais, nos quais o trabalho pedagógico é desenvolvido por
uma equipe de professores especialistas em diferentes disciplinas. Assim, a disciplina Educação Musical, neste caso,
constitui-se numa disciplina independente ministrada por professor habilitado na área.
52
Diante deste panorama as Artes, na instituição estudada, foram sempre valorizadas
conquistando espaços e tempos significativos para a comunidade escolar, alguns deles perdidos
e outros mantidos ao longo da sua trajetória. Desta forma, a lei pode constituir-se simplesmente
numa justificativa para implementar um desejo antigo da instituição: tornar a Educação Musical
uma disciplina. Após a fase inicial do processo de inserção, foi necessário fazer uma análise da
situação e descobrir quais seriam os aspectos mais relevantes a serem considerados nesse
processo de inserção. Além da música como disciplina obrigatória nas sétimas e oitavas séries
do ensino fundamental, nas seis turmas entre o turno da manhã e da tarde, começaram a se
desenvolver outras atividades extraclasse tais como as oficinas de teclado e flauta doce e a
criação de um coral infanto-juvenil.
Objetivos de pesquisa
Atuando como professora e pesquisadora a escola apresentou-se como um espaço de aplicação e
experimentação para a prática docente e, ao mesmo tempo, uma fonte de informações e dados
para a pesquisa, sendo os seus objetivos: compreender quais são os processos e as linhas de ação
relacionadas com a inserção da música na escola dentro de uma instituição educativa de ensino
particular e analisar os efeitos dessa inserção em toda a comunidade educativa.
Referencial e fundamentação teóricos
Dois aspectos se constituíram como guias no processo de observação e análise da inserção da
música no colégio, são eles:
• a inovação escolar: como pensam as escolas que inovam e a visão da escola como
uma organização que aprende a partir dos novos desafios.
• o cotidiano escolar: a visão da comunidade educativa diante à nova realidade
institucional.
Ao considerar a escola como uma organização que aprende, entende-se que a aprendizagem
pode se desenvolver através de situações que se apresentam como obstáculos, limitações,
problemas ou conflitos a serem resolvidos. Neste caso, a inserção da música na escola se
apresentou como uma situação problemática e a resposta a isso gerou uma inovação educativa
dentro do cotidiano escolar. A escola, como organização que aprende a partir de respostas a
determinadas situações, resultou ser uma escola que mobiliza a todos os seus componentes,
53
envolvendo e transformando cada um deles. Consequentemente, a música instalou-se na sala de
aula, nas políticas institucionais da escola, nas decisões de diretores e até nos projetos dos
professores de outras áreas, envolvendo as diversas partes da comunidade educativa neste
estudo.
A definição de inovação depende da união de uma pluralidade de olhares e opiniões que
procedem de quem têm algum tipo de relação com ela (Carbonell, 1998). Paralelamente ao
conceito de inovação podem estabelecer-se relações com o conceito de “novidade”, neste caso,
a novidade se apresenta como aquilo que é novo, que ainda não foi experimentado, que provoca
estranheza, originalidade e finalmente inovação. Por outro lado, no momento em que a novidade
entra no espaço escolar ela provoca movimentos, rejustes e contratempos. Esse elemento “novo”
gera situações de conflito que, por sua vez, dão lugar a novas ideias, novos modos de fazer e
interagir numa determinada situação e transformá-la. Nas definições sobre inovação educativa
(Aguerrondo, 1996, 2000, 2002 e 2010; Carbonell, 1998 e 2002, UNESCO, 2004) vemos como
este conceito vem associado a processos de mudança e transformação, dentro desta perspectiva,
a inovação aparece como “uma experiência capaz de reordenar/mediar/negociar as interações
tanto externas quanto internas, não apenas do ponto de vista das ações que gera, mas dos valores
que transmite” (idem, p.36). Segundo Aguerrondo (2002) todo processo de inovação surge
como resposta diante de uma necessidade. No marco desta pesquisa essa resposta se constitui
como resolução de um problema representado pela implementação da nova lei.
Pensadores como Heller, Tedesco, Pais, dentre outros, vêm ao encontro de uma definição de
cotidiano “procurando extrair as características descritivas da vida cotidiana e criar uma
ontologia desta” (Souza, 2000, p.25) ao introduzir o cotidiano como perspectiva para a aula de
música. De acordo com Souza,
as pesquisas educacionais entram na escola se dispondo a ouvir aos seus
agentes a fim de verificar com que bases operar no âmbito da sala de aula.
Dessa forma, elas permitem analisar que processos intervêm na formação
do conhecimento dos alunos e suas relações com o currículo explícito e/ou
oculto, de onde procede o conhecimento que se ensina na escola. Souza
(2000: 19)
Na descrição que aqui se faz sobre o cotidiano dentro do contexto escolar, aparece outra
maneira de utilizar o conceito como categoria de orientação didática e planejamento da aula,
possibilitando a construção de projetos mais próximos às necessidades, interesses e realidades
54
dos seus protagonistas, os alunos. De esta forma, a aula de música gira em torno não de objetos
(gramática musical) e sim dos alunos, com as suas problemáticas e interesses fazendo com que a
metodologia seja sempre revisada e ajustada a cada situação em particular, visando pelo
desenvolvimento de situações de aprendizagem musical significativo. (Souza, 2000, p. 39).
Através dessa visão do cotidiano na aula de música é possível “compreender o papel da música
para os nossos alunos e de que forma podemos nos aproximar e interagir com esse
conhecimento” (p.175). Essa compreensão permitirá analisar os processos pelos quais os alunos
atravessam na construção do conceito de educação musical dentro do contexto escolar.
Com base nos fundamentos sobre inovação e cotidiano escolar destes autores a presente
pesquisa procurará compreender como a instituição educativa organiza os seus tempos e espaços
para dar origem a um novo modo de pensar a inserção da música no contexto escolar.
Metodologia
A escolha do método
Na presente pesquisa adotei como metodologia o estudo de caso. Segundo Stake (2010),
estudamos um caso quando representa uma situação especial em si mesmo. No estudo de caso
se busca o detalhe da interação com seus contextos, destacando as diferenças sutis, a sequência
dos acontecimentos em seu contexto e a globalidade das situações pessoais. Assim, será
realizado um projeto que atenderá o objetivo da pesquisa e a necessidade da escola onde a
situação social é a escola mesma, visando à compreensão dos fenômenos enfocados e
valorizando a reflexão sobre os fatos observados. Como recursos técnicos, utilizei a observação
e descrição das estratégias institucionais e linhas de ação escolhidas pela instituição, como
modos de aproximação ao campo. Conjuntamente, as entrevistas, os diários de campo e as
observações irão tecendo as redes de dados e percepções sobre a realidade estudada.
O acesso ao campo
A primeira aproximação com o campo, ocorrida de fevereiro a dezembro de 2010, foi realizada
por meio das aulas de Educação Musical nas seis turmas dos 7º e 8º anos com as quais foi
necessário estabelecer os fundamentos do trabalho da música na escola, entender os
questionamentos dos próprios alunos, explorando um modo diferente de fazer música na escola,
55
lidando com conflitos e superações no caminho de construção do conceito de educação musical
como disciplina na escola.
Posteriormente, por meio das oficinas de teclado e flauta doce, bem como a criação do coral a
partir do mês de junho de 2010, a função da música na escola e o seu lugar nesse contexto foi
tomando outras dimensões. Foi observado, a partir dessas mudanças, o envolvimento da
comunidade por parte de alunos, pais e professores.
De fevereiro a dezembro de 2011 foi instaurado o espaço da música nas turmas da Educação
Infantil (no G3 com alunos de três anos, no TA com alunos de quatro anos e no TB com alunos
de cinco anos, a partir do ano 2012 com alunos da turma G2 de 2 anos de idade junto com o G3)
a também nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 4º ano, a partir do ano 2012
acrescentando o 5º ano ao novo sistema de ensino de nove anos) como disciplina obrigatória
com um período (uma hora aula de 40 a 45 minutos) por semana para cada turma em ambos os
níveis. Nos anos finais (do sexto ao oitavo ano) do Ensino Fundamental e no Ensino Médio (do
primeiro ao terceiro ano) foi instalada a modalidade de laboratórios de música dentro da
disciplina Artes (organizadas por trimestres alternados com a professora de Artes durante o ano
2011 e continua) com um período-hora por semana para cada uma das turmas atingidas.
Quadro 1: O passo a passo da inserção da música na escola
Prazo
Modalidades
2010
Aulas de Educação Musical (7º e 8º séries do
Ensino Fundamental)
Oficinas de instrumentos
(flauta doce e teclado)
Coral
Aulas de Educação Musical na Educação Infantil
e do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental
Laboratórios de música nos anos finais do Ens.
Fund. e no Ens. Médio (na disciplina Artes)
Oficinas de música a partir da 6º série e aulas de
Educação musical até o 5º ano do Ens. Fund.
56
2011
2012
As técnicas utilizadas na pesquisa
A entrevista semiestruturada e a observação participante constituíram-se como as principais
ferramentas na obtenção de dados, junto às discussões com grupos focais e os diários de campo.
A entrevista semiestruturada
Segundo Flick (2009) este formato se constitui a partir de três tipos de perguntas: as questões
abertas, as direcionadas e as confrontativas. Nesse sentido, as entrevistas utilizadas com os
diretivos, professores, famílias e funcionários contêm tópicos comuns com perguntas mais
amplas e gerais em relação à inserção da música na escola, para depois ingressar no campo
específico de cada dimensão dentro da escola. As entrevistas aplicadas no âmbito do bairro
também foram organizadas por tópicos, na procura de dados que revelem de quê maneira a
inserção da música nesta escola atinge direta ou indiretamente ao contexto social e como ela é
vivenciada pelo entorno. O objetivo das entrevistas é compreender o quê os sujeitos pensam
sobre a inserção da música na escola, como eles vivem e enxergam esse processo e quais são as
possibilidades e limitações que essa situação oferece. O local escolhido para as entrevistas foi
variando em função das necessidades dos próprios entrevistados, em alguns casos foram
realizados encontros na sala de música, na sala da direção, na sala do SOE (Serviço de
Orientação Educacional), no laboratório de aprendizagem e na casa do próprio entrevistado.
As entrevistas foram realizadas durante o processo inicial de inserção, entre os anos 2011 e
2012. Alguns tópicos que surgiram a partir dos roteiros desenvolvidos com a equipe diretiva (8
participantes entre diretores, coordenadores e supervisores) estavam relacionados com as
estratégias de inserção da música na escola, a função da música na escola, as linhas de ação para
o seu sustento, o impacto na comunidade e os possíveis resultados desse processo. Com os
professores (8 participantes dentre as várias disciplinas que tinham como alunos os mesmos
participantes dos grupos focais) os tópicos desenvolvidos centraram-se na observação das
estratégias da inserção da música na escola por parte da equipe diretiva, currículo de Música,
efeitos positivos ou negativos da presença da música na escola, impacto na comunidade,
contribuições para o professor e o aluno. Atualmente está sendo desenvolvido o trabalho de
análise e interpretação dos dados obtidos a partir das entrevistas realizadas no bairro (7
participantes entre donos de lojas, bares, creches e outros setores próximos à escola), com os
funcionários da escola (7 participantes, entre eles, monitores, encarregados da limpeza e pessoal
de manutenção) e com as famílias (6 participantes entre pais e mães pertencentes ao GAP –
57
Grupo de Apoio de Pais). Dados que serão cruzados com as respostas dos outros grupos de
participantes.
A observação participante
Este modelo de observação se constitui numa fonte de informações para a construção de uma
visão completa da realidade escolar, fundamentalmente das ações desenvolvidas com a música
dentro de sala de aula e os efeitos dessa ação na comunidade escolar. Bell (2008) diz a respeito
da observação participante, “se você pesquisar em sua própria organização, estará familiarizado
com as personalidades, os pontos fortes e os fracos dos colegas, e esta intimidade pode fazer
você negligenciar aspectos do comportamento que seriam vistos imediatamente por um
observador não-participativo, observando a situação pela primeira vez” (p.161). O risco de não
enxergar os detalhes pela própria familiaridade representa uma das limitações do método, mas
ao mesmo tempo, pode produzir dados valiosos ao “conseguir compartilhar a vida e as
atividades das outras pessoas, aprender sua linguagem e interpretar seus significados, lembrar-se
de ações ou falas e interagir com as pessoas em seu próprio ambiente” (Bell, 2008, p. 162). É
através dos diários de campo que a observação da realidade estudada se reflete.
A técnica com grupos focais
Foi desenvolvida com turmas de alunos que iniciaram e continuam transitando pela experiência
do ensino musical dentro da escola, entre os anos 2010 e 2011. As categorias de análise foram
organizadas em núcleos temáticos que darão suporte às linhas de argumentação, as quais
revelam como os participantes dos grupos focais se posicionam diante do tema ou foco da
discussão. Com um total de 14 alunos participantes, de 13 a 15 anos de idade, 4 meninas e 10
meninos, divididos em dois grupos de 9 e 5 alunos respectivamente, foram desenvolvidas as
discussões. Todos os alunos das turmas selecionadas foram convocados através de bilhetes
informando as famílias sobre a pesquisa e o objetivo dela. Os alunos que escolheram participar
dos grupos focais tinham uma única característica em comum: o fato de ter participado das aulas
de música na escola na fase inicial.
As dinâmicas com os grupos focais foram dirigidas com perguntas abertas, abordando algumas
temáticas referentes à função da música na escola, a inserção dela no currículo, a contribuição
da música na escola e na vida pessoal dos alunos, entre outras. Num segundo momento
procurou-se instalar a discussão sobre os aspectos positivos e negativos da presença da música
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na escola, o quê eles pensavam e conversavam com as famílias, as sugestões e expectativas para
o futuro.
Quadro 2: técnicas de coleta de dados e grupos alvos
Grupo alvo
Equipe
Técnicas
Professores
Alunos
Famílias
Bairro
Funcionários
diretiva
Observação
participante
Diários
de
campo
Entrevistas
Grupos Focais
Resultados Parciais
Com a chegada da música na escola, no inicio do processo, a preocupação da equipe diretiva
estava centrada na divulgação dessa mudança dentro da comunidade educativa. Essa divulgação
estava relacionada com o “convencimento” da proposta. Os interesses das famílias e alunos são
amplamente ouvidos, assim sendo, a inserção de uma nova disciplina ou conteúdo devia passar
por um processo de aceitação. O passo seguinte era pensar na adequação do espaço físico e no
investimento econômico para que essa proposta se concretizasse, mas o que realmente era
prioritário e que iria definir o impacto da presença da música no âmbito escolar era a inserção
dela no currículo. A valorização da proposta por parte da equipe pedagógica foi a chave desse
processo de inserção, pois ajudou a construir o espaço da música dentro do contexto escolar em
forma integral, envolvendo todas as suas partes.
Tendo como base os dados parciais desta primeira fase da investigação aparece fortemente, por
parte da equipe diretiva e alguns professores que participaram das entrevistas, a necessidade de
reverter uma situação que não era positiva para a projeção da escola na comunidade e que com o
ingresso da música no convívio escolar essa situação iniciou o processo de transformação, a
partir da inovação, da conscientização do conceito de disciplina, da valorização das expressões
dos alunos, oferecendo propostas com as quais os alunos se identificam e se sentem mais
próximos entre eles e em relação à escola como lugar de pertencia.
59
A primeira aproximação da presença da música com os professores foi construída através de um
processo de aceitação. Nesse caminho, os modos de fazer música na escola também começaram
a ser mais utilizados e valorizados pelos professores. A música começou a ter uma maior
presença também nas propostas didáticas dos professores. Uma das observações mais
significativas feitas pelos professores relaciona-se com a reconstrução da identidade escolar e a
construção do conceito de disciplina dentro da Educação Musical os quais indiretamente
atingem às outras áreas.
A partir dos depoimentos dos alunos aparecem situações relacionadas à novidade no começo,
logo a fase de teste e, aos poucos, a construção de um espaço de aprendizagem. Quando os
alunos se manifestam sobre o significado da música dentro da escola, vêm à mente os elementos
que fazem parte das práticas musicais no contexto escolar relacionados com os modos de ouvir,
executar e criar música, mas o que resulta significativo é o valor que os alunos atribuem ao
processo de construção do conceito de disciplina dentro dessas práticas musicais.
Alunos que participaram das aulas de música no começo do ano 2010, motivados pelas
experiências em sala de aula, começaram a frequentar o coral e as aulas de instrumento, como
outras opções de vivenciar a música dentro da escola, apoiados pelas famílias. O resultado
imediato, até agora atingido ao longo deste processo, foi altamente positivo. De alguma
maneira, a música se instalou nas diferentes dimensões da vida escolar participando desse
movimento integrador.
Considerações
Com o intuito de oferecer algumas respostas aos questionamentos que vão surgindo, e seguirão
surgindo, diante à obrigatoriedade da Lei Nº 11.769/08, o presente trabalho traz elementos
extraídos da experiência realizada numa realidade educativa específica, a fim de discutir os
procedimentos e modos de implementação da Lei observando o processo de inserção da música
na escola.
A problemática da procura do professor de música diante à obrigatoriedade da música na escola
e a preocupação com a formação pedagógica desse professor trazem a tona a discussão sobre os
modos de implementar a Lei. A necessidade de muitas escolas, assim como esta, é achar uma
definição mais ampla e apurada sobre o significado da obrigatoriedade do conteúdo musical na
60
prática cotidiana. Surgem, assim, algumas questões: Como introduzir o conteúdo musical nas
aulas? Em quais turmas? Qual o perfil do professor? Entre outras questões que a legislação não
especifica.
As práticas musicais desenvolvidas dentro e fora da sala de aula poderão ser exemplos de
estratégias educativas desenvolvidas a partir da inserção da disciplina ao longo dos dois
primeiros anos de educação musical na escola.
Os conceitos de inovação educativa e cotidiano escolar se estabelecem como norteadores do
processo de inserção da música na escola. O estudo da realidade, através do caleidoscópio
formado pelos diversos olhares, oferece uma percepção ampla sustentada pelo fato de que “todo
processo de inovação surge como resposta diante de uma necessidade” (AGUERRONDO,
2002). Assim, inovar implica pesquisar, dois processos inseparáveis e indispensáveis para o
desenvolvimento de um projeto inovador que desencadeia paralelamente processos de
crescimento profissional e de investigação desde a prática. A finalidade é instalar a música e
construir seu espaço na escola incentivando a participação de todos.
Retomando as idéias mencionadas no começo deste trabalho, o elemento essencial, comum a
toda escola que inova é a disposição para a mudança, o envolvimento de/com cada uma dos
elementos da escola, atravessando por momentos de adaptação, ajuste, reflexão sobre a prática e
sobre os impactos produzidos nesse contexto a partir da inserção da música nesse ambiente. Os
resultados desta pesquisa podem ser experiências de desenvolvimento e crescimento da área,
podendo ser avaliados os mecanismos de inserção da música na escola, seus procedimentos e
efeitos no contexto sócio-educativo permitindo transferir a outras realidades as experiências
apresentadas neste trabalho.
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62
Carla Eugenia Lopardo
Doutoranda em Educação Musical pela UFRGS. Mestre em Didática da música pela Universidad
CAECE, BS.AS./Arg. Atualmente participa do grupo de pesquisa “Música, Cotidiano e Educação” sobre
a coordenação da Dra. Jusamara Souza. Dedica-se ao ensino da música em todos os níveis educativos e à
formação de professores oferecendo cursos de iniciação à didática musical para professores de todas as
áreas.
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A INSERÇÃO DA MÚSICA NO CONTEXTO ESCOLAR: um estudo