COMITÊ DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO
RELATÓRIO DE INSPEÇÃO EM COMUNIDADES TERAPÊUTICAS
FINANCIADAS PELO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
REALIZAÇÃO:
1. APRESENTAÇÃO
O relatório ora apresentado tem o intuito de analisar parte importante da prática da
política de prevenção ao uso abusivo de álcool e outras drogas no Estado do Rio de Janeiro,
temática escolhida como um dos principais temas de trabalho ao longo do ano de 2013 do Comitê
Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (CEPCT/RJ), em parceria com o
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ).
Seu conteúdo apresenta o resultado da fiscalização de três Comunidades Terapêuticas
financiadas pelo Poder Executivo Fluminense; Instituto Aldeia Gideão e Clínica Michelle Silveira de
Moraes (financiadas pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, com recursos do
Fundo Estadual de Saúde) e Centro de Recuperação para Dependentes Químicos Associação Amor
& Vida – CREDEQ (financiado pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE).
O Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (CEPCT/RJ) é
um órgão criado pela Lei Estadual nº 5.778 de 30 de junho de 2010, vinculado à Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que tem como objetivo articular, em regime de
colaboração, entre as esferas de governo e de poder, o aprimoramento e políticas em
consonância com a garantia integral dos direitos humanos a partir de visitas periódicas e
regulares a espaços de privação de liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de
detenção, aprisionamento, contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado
de controle, vigilância, internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições em
que se encontram submetidas as pessoas privadas de liberdade, com intuito de prevenir a
tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.
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2. FICHA TÉCNICA
 Conselho Regional de Serviço Social:
Débora Rodrigues
Silvia Calache
Rhossane Pereira da Silva
Nízia Vieira
Elias Azevedo
 Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania:
Roberto P Gevaerd
Dejany Ferreira dos Santos
Lais Medeiros Amado
 Grupo Tortura Nunca Mais:
Tania Kolker
 ONG Justiça Global:
Isabel Lima
Alice De Marchi
 Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura:
Fabio Simas
Patrícia Oliveira
 Convidados:
- Gabinete Vereador Renato Cinco (Membro Comissão Direitos Humanos da
Câmara RJ)
Verônica T Freitas
Daniela Albrecht
Otto Faber
- Pesquisadora
Noelle Resende
3
3. INTRODUÇÃO
A primeira quinzena de junho de 2013 talvez seja um marco importante na
contradição entre o debate e as ações desenvolvidas pelos poderes públicos brasileiros
sobre políticas de prevenção e cuidado ao uso abusivo de álcool e outras drogas e as
múltiplas deliberações sobre o tema no âmbito internacional. Enquanto 34 países
participantes da 43ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos
decidiram e assinaram de maneira unânime a Declaração de Antígua ("Por uma Política
Integral Frente ao Problema Mundial das Drogas nas Américas"), a Câmara dos
Deputados aprovou o texto base do projeto de lei nº 7.663/10, do deputado Osmar
Terra (PMDB-RS), PL que representa um dos maiores retrocessos legislativos dos
últimos tempos quanto ao impacto na lei de drogas, no sistema prisional e na Justiça
criminal.
Enquanto a declaração assinada na OEA prega que “as políticas sobre redução da
demanda de drogas ilícitas devem centrar-se no bem-estar do indivíduo e seu entorno
para que, a partir de uma abordagem multisetorial e multidisciplinar, utilizando
evidência científica e melhores práticas disponíveis, baseiem-se em enfoques para
reduzir os impactos negativos do abuso de drogas, e reforcem o tecido social, bem
como fortaleçam a justiça, os direitos humanos, a saúde, o desenvolvimento, a inclusão
social, a segurança cidadã e o bem-estar coletivo", o PL nº 7.663/10 insiste na
fracassada concepção de internações como política prioritária para lidar com usuários
ou dependentes químicos. O desacordo se inicia com a Lei da Reforma Psiquiátrica, que
prevê internações somente quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem
insuficientes, e se estende da ONU ao Ministério da Saúde, da Organização Mundial da
Saúde ao Conselho Federal de Psicologia.
O texto que tramita no Congresso Nacional prevê a ampliação maciça do
atendimento aos usuários/dependentes pela rede privada onde não houver
equipamentos públicos adequados - lucro fácil no Brasil - e comunidades terapêuticas
religiosas. Previsão de difícil digestão para os que prezam por um Estado laico e
garantidor das liberdades individuais.
Ressalta-se, que o campo das políticas públicas de saúde mental nos últimos anos
4
tem sido fortemente atravessado pelo debate a respeito das medidas voltadas para o
uso problemático de álcool e outras drogas, especialmente o crack. Midiaticamente
apresentado como uma epidemia, o “problema do crack” tem impulsionado uma série
de medidas , muitas das quais questionadas pelo conjunto dos atores sociais e
institucionais que, até hoje, protagonizaram a formulação das políticas públicas em
saúde mental nos marcos da Reforma Psiquiátrica. No centro deste debate encontramse as internações compulsórias sem delito e as chamadas Comunidades Terapêuticas.
As Comunidades Terapêuticas são entidades privadas e/ou filantrópicas, em sua
maioria religiosas. O projeto de “cura” direcionado para os problemas relativos ao uso
de drogas conta, via de regra, com uma abordagem religiosa. O isolamento do meio
social e a abstinência são pressupostos intrínsecos ao modo de operar de tais
instituições.
Nos últimos anos as Comunidades Terapêuticas têm sido alvo de inúmeras
denúncias por parte de entidades profissionais, de direitos humanos e movimentos
sociais organizados. Em 2011, o sistema Conselhos de Psicologia realizou uma grande
inspeção nacional em comunidades de todo o país e o resultado foi consolidado em
relatório pelo Conselho Federal de Psicologia. As visitas revelaram práticas denunciadas
como graves violações dos direitos humanos, como violência física, castigos, torturas,
humilhações, violação de correspondência, imposição de credo, entre muitas outras.
Além das graves denúncias de violações, profissionais e movimentos alertam para
os riscos envolvidos no retorno das políticas de financiamento público de entidades
privadas no campo da saúde mental. A presença de interesses diretos por parte de seus
defensores no âmbito parlamentar é de conhecimento público e acentua o alerta. O
processo de transformação da assistência em saúde mental que ficou conhecido como
Reforma Psiquiátrica teve como elemento central a denuncia dos efeitos da chamada
“indústria da loucura”, a alta lucratividade envolvida na manutenção de pessoas
internadas por instituições privadas através do recebimento de recursos públicos. A
ênfase na internação e no isolamento como estratégia de cuidado somada à
transferência de recurso público para entidades privadas são alguns dos elementos que
têm levado as Comunidades Terapêuticas a serem apontadas como um retrocesso no
campo da luta antimanicomial e nas políticas públicas de saúde mental que têm como
5
marco a Reforma Psiquiátrica.
No atual contexto do estado do Rio de Janeiro é importante destacar a criação da
Secretaria Estadual de Prevenção à Dependência Química, criação esta que afirma uma
proposta desarticulada das Secretarias de Saúde e Assistência Social e Direitos
Humanos para o desenvolvimento de políticas públicas de cuidado no que tange ao uso
prejudicial de álcool e outras drogas. A nova secretaria será a responsável pela gestão,
por exemplo, dos Centros Regionais de Atendimento a Usuários de Álcool e outras
Drogas (CARE-AD), atualmente exercida pela Secretaria Estadual de Assistência Social e
Direitos Humanos (SEASH/RJ), política pública para cuja execução são conveniadas
entidades filantrópicas caracterizadas por serem Comunidades Terapêuticas. A criação
da Secretaria vem acompanhada de um cenário nacional de fortalecimento destas
clínicas a partir de convênios com os estados, como os financiamentos oriundos do
governo federal, como parte do programa “Crack, é possível vencer”, liberando R$ 130
milhões pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e R$ 100 milhões
pelo Ministério da Saúde.
O município reforça essa direção da política com a intensificação das medidas de
recolhimento compulsório da população em situação de rua, justificada pelo já referido
“problema do crack”, ou com a proliferação de projetos de leis municipais na Câmara
de Vereadores, como é o caso do PL 1354/2012, de autoria do vereador João Mendes
de Jesus (PRB/RJ). Neste sentido, em 19 de fevereiro deste ano, a prefeitura realizou
uma megaoperação de recolhimento de adultos no Parque União, afirmando pelos
grandes veículos de comunicação que iniciaria a política de internação da população
em situação de rua supostamente em uso problemático de drogas. Cabe assinalar que
seria o início das ações de internação forçada de adultos, já que crianças e
adolescentes são recolhidos das ruas e internados forçadamente, desde 2011.
A intensa mobilização social gerada a partir das ações da prefeitura a
redirecionaram, entretanto, obrigou a um certo recuo na direção que vinha sendo
dada às políticas com relação às drogas, especialmente o crack. Foi criada uma nova
Superintendência de Saúde Mental no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde e
apresentado um Plano Municipal de Atendimento a Usuários de Álcool e Outras
Drogas, prevendo a expansão da rede CAPS e Unidades de Acolhimento, entre outras
6
medidas nos marcos da Reforma Psiquiátrica.
Vale destacar que é recorrente o discurso de que as Comunidades Terapêuticas
desenvolveram-se “no vácuo do Estado”, diante da suposta ausência de respostas para
os problemas decorrentes do uso de drogas. Cabe questionar, no entanto, o motivo de
tal ausência, uma vez que as políticas públicas de saúde mental formuladas nos marcos
da Reforma Psiquiátrica há tempos desenvolveram propostas de atenção aos usuários
de álcool e outras drogas1. Tais propostas, contudo, muito pouco foram implementadas
ao longo dos últimos anos e a execução dessas políticas através das referidas
instituições não pode ser considerada como concretização da obrigação do Estado em
implementar uma rede efetiva que substitua as internações como primeira opção.
Diante do apresentado, torna-se necessário conhecer melhor e acompanhar de
perto a realidade de tais instituições em nosso estado, compreendendo o modo como
se inserem nas atuais políticas públicas de saúde mental. As unidades inspecionadas
que são foco deste relatório são unidades conveniadas com o Estado. Trata-se de
Comunidades Terapêuticas que hoje se encontram em processo de adaptação ao novo
modelo proposto pelo Governo do Estado. “Antigas” Comunidades Terapêuticas são
chamadas agora de Centros Regionais de atendimento a usuários de álcool e outras
drogas (CARE-AD) e passaram a fazer parte da rede de atenção psicossocial voltada
para os usuários de álcool e outras drogas do estado do Rio de Janeiro. Apesar dos
esforços de adaptação relatados, no entanto, como ficará claro no relatório aqui
apresentado, apesar dos esforços de adaptação realizados, a situação verificada nas
visitas não parece apresentar diferenças substanciais em relação ao que existia
anteriormente. Afinal, as mudanças nos modos de nomear, assim como as melhorias
aparentes no espaço físico não se traduzem, necessariamente, na transformação das
práticas destas instituições.
1
Referimo-nos aqui aos Centros de Atenção Psicossocial em todas as suas modalidades (CAPS II e III,
CAPSi, CAPS AD), Centros de Convivência, Consultórios na Rua, Equipes de Saúde da Família, entre
outros.
7
Edital de Seleção das Comunidades Terapêuticas (CARE-AD) do Governo do
4.
Estado do Rio de Janeiro
Vale destacar que o incentivo as Comunidades Terapêuticas, após as denúncias
feitas pelo Conselho Federal de Psicologia em 2011, ganham força novamente em
2012, quanto o então Secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado
(SEASDH), Rodrigo Neves, lança um edital2 para seleção de entidades e organizações da
assistência social, com objetivo de formalizar parcerias por meio de convênios para
implantação de serviços regionalizados de atendimento de álcool e outras drogas.
Na ocasião foi destinado um total de R$ 10.368.000,00 (dez milhões, trezentos e
sessenta e oito mil reais) originários da programação orçamentária e financeira da
SEASDH para o ano de 2012. Contudo, a Lei 6011/2011 que em seu artigo 1º instituiu o
PROGRAMA DE APOIO À RECUPERAÇÃO DO DEPENDENTE QUÍMICO no âmbito
da Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos – SEASDH, com o
objetivo de desenvolver ações, programas e atividades de prevenção, tratamento,
recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas e autorizou
a utilização de recursos do Fundo Estadual de Saúde.
Art. 2º - Para a execução do Programa, as instituições religiosas e da
sociedade civil, sem fins lucrativos, que atendam usuários ou
dependentes de drogas, poderão receber recursos da Secretaria de
Saúde e do FES, Fundo Estadual de Saúde, condicionados à sua
disponibilidade orçamentária e financeira e a observância da
legislação vigente
Numa tentativa aproximada ao que estabelece a Portaria 131 do Ministério da
Saúde , que regulamenta as comunidades terapêuticas que recebem verba da Saúde
Mental do Governo Federal, o Edital lançado pela SEASDH em 03 de janeiro de 2012,
estabelece os objetivos e os requisitos de funcionamento dos Centros de Recuperação
para Dependentes Químicos, bem como equipe técnica necessária e as características
dos espaços físicos.
3
De acordo com o Edital, os serviços terão um caráter complementar à rede de
serviços que integram o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e o Sistema Único SUS, e que atendam a usuários de álcool e outras drogas no Estado do Rio de Janeiro.
Assim, não poderão, em nenhuma hipótese, substituir a rede pública de serviços do
SUS e SUAS, uma vez que cabe à municipalidade suprir e/ou ampliar, no âmbito de suas
competências, a cobertura da rede de serviços conforme diretrizes das respectivas
2
Edital SEASDH nº 001/2012 – Processo Administrativo E-23/3229/2011;
3
O pedido de financiamento deverá ser direcionado à Área Técnica de Saúde Mental do Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (Área
Técnica de Saúde Mental do DAPES/SAS/MS),
8
políticas de saúde e de assistência social, de acordo com as demandas locais.
Poderiam participar do processo Entidades não governamentais, de natureza privada,
sem fins lucrativos, que atendessem a todas as exigências contidas no Edital e seus
anexos, que tivessem como finalidade estatutária o atendimento a usuários de álcool e
outras drogas e que estivessem qualificadas e regularmente registradas no Conselho
Municipal de Assistência Social e/ou em Conselhos Municipais de Políticas sobre
Drogas - COMADs.
Dentre os pontos exigidos no Edital é destaque:
1. integração e reintegração dos usuários à rede de serviços saúde, assistência social,
educação e inclusão produtiva, por meio de encaminhamentos monitorados;
2. atendimento e orientação às famílias visando o fortalecimento de vínculos e
pertencimento social;
3. prestação de orientações fundamentadas nas estratégias de Redução de Danos
àqueles usuários que, por motivos pessoais, não possam ou não consigam ficar em
abstinência e, também àqueles que não se adaptem à metodologia proposta na
entidade, ou que, por outros motivos, não se adaptem ao ambiente institucional e/ou
que sejam desligados do serviço por questões administrativas;
4. a porta de entrada para os serviços deverão ser, prioritária e regularmente,
acessadas por meio Central Estadual Reguladora dos Fluxos e Vagas, que atenderá aos
encaminhamentos feitos pela rede de saúde ou equipes de referência em saúde mental
dos municípios de origem do usuário, ainda que, excepcionalmente, objetivem atender
a demandas judicializadas;
5. em todos os casos onde o usuário necessite se afastar do convívio familiar e
comunitário, o CREAS e/ou o Centro-pop, ou equipe referenciada da Assistência Social
no município deverá participar da avaliação junto à rede municipal de saúde mental,
indicando, no encaminhamento, qual o serviço do SUAS deverá acolher o usuário
quando do seu desligamento da unidade de atendimento. O mesmo se aplica a
usuários de álcool e outras drogas que já se encontrem em situação de rua;
6. caberá a Superintendência de Proteção Social Especial, monitorar estatisticamente
os índices de reinserção dos usuários na rede de serviços SUS/SUAS quando de seu
desligamento do serviço, no retorno do usuário ao município de origem;
7. O tempo de permanência do usuário na unidade de atendimento deve estar definido
no Plano Socioassistencial, este construído com a participação do usuário e em acordo
com o Projeto Terapêutico elaborado pelos serviços de saúde mental encaminhador.
9
5. VISITAS
Realizadas em 24/05/2013, as visitas tiveram como objetivo a fiscalização de dois
estabelecimentos conveniados com a Secretaria Estadual de Assistência Social e
Direitos Humanos do Rio de Janeiro (SEASDH/RJ) e um estabelecimento conveniado
com o Departamento de Ações Socioeducativas (DEGASE) da Secretaria de Estado de
Educação (SEEDUC). Esta comissão foi dividida em equipes e contou com a participação de
membros do
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/RJ) e do
Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (representantes da Comissão de
Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ (CDDHC/ALERJ), do Conselho
Regional de Serviço Social (CRESS/RJ) e das organizações de direitos humanos Justiça
Global e Grupo Tortura Nunca Mais /RJ) e com assessores do Vereador Renato Cinco,
membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara de Vereadores.
Foram examinadas as condições e características específicas do trabalho desenvolvido
pelas instituições, assim como o cumprimento dos requisitos exigidos pelos editais da
SEASDH/RJ e do DEGASE para o convênios em questão.
As instituições visitadas foram: o Instituto Aldeia Gideão e a Clínica Michelle
Silveira de Moraes, com convênios firmados com a Secretaria Estadual de Assistência
Social e Direitos Humanos (SEASDH/RJ) e o Centro de Recuperação para Dependentes
Químicos Associação Amor & Vida (CREDEQ), conveniado com Departamento Geral de
Ações Socioeducativas (DEGASE).
2.a) Instituto Aldeia Gideão
Nome/Razão Social: Instituto Aldeia Gideão / IAG
Data da Fiscalização: 24/05/2013
Endereço: Rua Serramar, Km 11 – Stoklin – Casimiro de Abreu - CEP: 28860-000
CNPJ: 07.826.051/0003-88
Telefone: (22) 9839-9909
O Instituto Aldeia Gideão possui convênio com a Secretaria Estadual de
10
Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH/RJ) desde outubro de 2012 para
funcionamento na modalidade de Centro de Acolhimento Especializado de Álcool e
outras Drogas (CARE-AD) e se define como uma instituição filantrópica sem fins
lucrativos. Já funcionava como Comunidade Terapêutica desde 2008. Atualmente
oferece 30 vagas pelo convênio com a SEASDH/RJ (25 masculinos e 5 femininas) e 10
referentes à parte privada. No momento da fiscalização, havia 22 internos no total. Foi
informado, ainda, que o estabelecimento possui “vaga social” destinada a pessoas que
não podem pagar o custo da vaga e a decisão sobre a inserção da pessoa cabe ao
diretor da instituição.
Na visita, foi realizada uma reunião com os técnicos (enfermeiro, assistente
social e psicóloga), além de conversas com alguns funcionários e entrevistas com os
usuários do serviço. O Instituto Aldeia Gideão é dirigido pelo Sr. Luriel Monteiro, que
fica no escritório da instituição localizado no Centro de Casimiro de Abreu, local cujo
endereço os funcionários informaram desconhecer e com o qual não conseguimos
contato telefônico.
O Instituto Aldeia Gideão fica localizado em área distante do perímetro urbano,
de difícil acesso, onde não há grande oferta de transporte público. Fica constatado
assim o difícil acesso por parte de visitantes aos usuários, o prejuízo da garantia do
direito destes em ir e vir, bem como o acesso à rede regular de referência.
O equipamento conta com 28 funcionários, todos contratados em regime CLT.
O quadro de trabalhadores consiste em: um coordenador, duas psicólogas, duas
assistentes sociais, um enfermeiro, quatro técnicos de enfermagem, um médico, uma
farmacêutica, uma nutricionista, uma professora de educação física, uma professora de
educação artística, três apoios, um auxiliar administrativo, uma recepcionista, uma
educadora social, dois agentes sociais, dois monitores, uma cozinheira e duas auxiliares
de cozinha. Informaram-nos que haveria também um conselheiro, “dependente
químico”, abstinente há 11 anos. No entanto, não foi possível identificar no quadro de
funcionários disponibilizado, qual o cargo ocupado pelo mesmo. O Instituto não
trabalha com voluntários nem com estagiários.
Todos os usuários internados na clínica o foram voluntariamente e
encaminhados pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ou por outro serviço de
11
saúde do local onde residem. A maioria são moradores das regiões da Baixada
Litorânea, norte e noroeste fluminense, mas segundo os técnicos o Instituto atende
também o município do Rio de Janeiro.
Foi relatado para a equipe de fiscalização e constatado através das observações
nos prontuários que a equipe do CAPS é quem encaminha o projeto terapêutico para o
tratamento dos usuários, definindo inclusive o tempo indicado para a internação (30,
45 ou 60 dias). Na unidade não há psiquiatra e em casos de necessidade de qualquer
alteração no tratamento prescrito, o usuário é encaminhado para a unidade de saúde em
Casimiro de Abreu. O médico do Instituto nos relatou ser médico do trabalho, atendendo apenas os
casos clínicos.
Cabe ressaltar que a instituição não possui veículo destinado ao transporte dos usuários e,
quando necessário, o transporte é feitos pelos carros particulares dos funcionários que estejam
disponíveis na ocasião. Este fato, em associação com o difícil acesso do local agrava o risco de
imprevistos sem pronta solução no caso de emergências.
A equipe informou que no caso da ocorrência de alguma crise relacionada à
abstinência é realizado um trabalho motivacional com o usuário e também trabalhos
em grupo. Foi informado que ocorrendo crises que precisem ser encaminhadas, estas
são direcionadas ao hospital municipal. Os funcionários da Aldeia Gideão não
administram medicação.
Com relação às condições de saúde dos usuários, foi informado que havia uma
pessoa portadora do vírus HIV e, no momento da visita, uma pessoa em tratamento
para pneumonia. . O tratamento dos pacientes com pneumonia e HIV é acompanhado
pelo médico clínico da instituição. Os usuários ingressam na instituição com a
prescrição de seu tratamento feita por unidade de saúde externa.
A estratégia central da abordagem do tratamento desenvolvido na instituição é
o “Programa 12 passos” ou Minnesota4. Este tem por escopo atuar através da
4
Método utilizado centralmente nos grupos Alcoólicos e Narcóticos Anônimos, que tem como
pressuposto a aceitação de 12 passos pré-concebidos, com caráter notoriamente moral e de cunho
religioso. Os 12 passos a serem seguidos no citado método são os seguintes:
1-
Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas
tinham se tornado incontroláveis.
2-
Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à
12
perspectiva de autoajuda, apresentando como regra para o tratamento a abstinência. A
rotina determinada para os usuários define o despertar às 06h30, com início das
atividades às 07h e 15min. Neste momento realizam o chamado “ato devocional”,
onde relatam como estão “reagindo” ao tratamento. A alimentação é fornecida através
de cinco refeições por dia e às 22hrs os usuários devem recolher-se às instalações para
dormir.
Na área externa da instituição, há uma pequena quadra e um riacho, que os
internos podem utilizar, sempre conforme os horários e critérios estabelecidos pelas
normas institucionais. Foi observado, durante todo o tempo da visita, que os internos
permaneciam no pátio, sem ser promovido nenhum tipo de atividade lúdica e de lazer
direcionada. Aos usuários é permitido assistir televisão, sempre em horários
previamente determinados e apenas alguns canais específicos considerados pela
instituição como apropriados.
Com relação às atividades previstas na rotina, a equipe informou que não há
punição caso alguém não queira participar.
sanidade.
3-
Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da
maneira como nós o compreendíamos.
4-
Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos.
5-
Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das
nossas falhas.
6-
Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses
defeitos de caráter.
7-
Humildemente pedimos a Ele que removesse nossos defeitos.
8-
Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado, e
dispusemo-nos a fazer reparações a todas elas.
9-
Fizemos reparações diretas a tais pessoas, sempre que possível, exceto
quando faze-lo pudesse prejudica-las ou a outras.
10-
Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o
admitíamos prontamente.
11-
Procuramos, através de prece e meditação, melhorar nosso contato consciente
com Deus, da maneira como nós O compreendíamos, rogando apenas o conhecimento da Sua
vontade em relação a nós, e o poder de realizar essa vontade.
12-
Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos,
procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em todas as
nossas atividades.
13
Importante ressaltar que, apesar dos técnicos relatarem que a instituição não
possui relação com qualquer religião, os internos antes do almoço são sempre
conduzidos a rezar o “pai nosso” em voz alta. Todo sábado a instituição recebe visita da
igreja e, quinzenalmente, acontece à noite o “Luau com Cristo”, que segundo os
funcionários, é realizado por igrejas locais (evangélicas e católicas) a pedido dos
internos.
Foi observado que apesar da unidade ser mista, homens e mulheres têm
contato muito restrito, principalmente durante o banho de rio. Neste, apenas 03
pessoas do mesmo sexo podem participar sendo sempre monitorados por
funcionários. No dia da visita, havia duas pessoas legalmente casadas que estavam
internadas e que haviam concordado com a condição de não terem nenhum contato
físico no período da internação, inclusive dormindo em quartos separados. Quando
questionados sobre os motivos dessas regras, os técnicos não souberam informar,
ressaltando apenas que se trata de uma norma institucional. Foi informado que não é
direito dos usuários receberem visitas íntimas e a equipe informou que a abstinência
sexual é uma medida administrativa.
Em relação ao contato dos internos com familiares e/ou pessoas de referência,
cabe destacar que as visitas são permitidas apenas aos sábados à tarde. Segundo
relatos, como a instituição é localizada em local de difícil acesso e muitas vezes
deslocada da região de residência dos internos, os CAPS ajudam na logística daquelas
famílias que residem em locais distantes. O estranhamento da equipe de fiscalização
com relação ao grave fato de todas as visitas serem monitoradas por um funcionário da
instituição não pareceu ter ressonância para a equipe técnica. Esta justificou a medida
limitando-se a remetê-la a normas institucionais que definem a rotina.
Ainda no que diz respeito ao contato com familiares e/ou pessoas de referência
dos internos, é permitida a estes a realização de apenas uma ligação semanal, sendo
esta sempre “a cobrar”, através do único telefone celular da unidade. Cabe destacar
que no local onde está situado o Instituto não há rede de telefone fixo e não é
permitido aos internos permanecer com seus celulares particulares.
Na conversa com os internos, os mesmos relataram e reclamaram que só há
água quente no chuveiro das mulheres e que os homens são obrigados a tomar banho
14
gelado. Cabe ressaltar, nesse sentido e como agravante, que o local se situa em uma
região que costuma ter temperatura muito baixa. Um dos internos relatou que a
instituição justifica tal medida afirmando que “banho frio é terapêutico”.
Os internos pontuaram reclamações referentes à comida, tanto no que tange à
qualidade quanto à quantidade. Queixaram-se também quanto à ociosidade e ao
pouco contato com os familiares. Sobre o material de higiene pessoal, nos foi relatado
que seria garantido pelas famílias.
A equipe relatou que o estabelecimento já recebeu visita do Conselho
Municipal de Assistência Social de Casimiro de Abreu, da vigilância sanitária, da
Secretaria Municipal de Saúde de Casimiro de Abreu e do CREAS. Relatam que não
recebem visitas do Ministério Público.
2.b) Clínica Michelle Silveira de Moraes
Identificação da Comunidade Terapêutica
Nome/Razão Social: Comunidade S8
Endereço: Rua Itália, 70, Marambaia, São Gonçalo/RJ CEP: 2472449-0
CNPJ: 29.569.621/0001-72
Telefone: 2623-1806 / Fax:2623-1109
E-mail: [email protected]
Clínica Michelle Silveira de Moraes
Data da Fiscalização: 24/05/2013
Nome/Razão Social: Comunidade S8
Endereço: Estrada Reta do Rio Grande, 1300 – Santa Cruz, Rio de Janeiro/RJ
CEP:23560390
CNPJ: 29.569.621/0003-34
Telefone: 3395-0817 / Fax:3395-3772
A Comunidade S8 é uma instituição religiosa evangélica, sem fins lucrativos e
possui título de utilidade pública federal. Fundada em 1971, a instituição atende ao
público masculino e feminino com mais de 18 anos. Possui 78% de todo o seu
15
orçamento proveniente de recursos públicos: recursos de subvenções, convênios e
parcerias com órgãos ou entidades públicas. No que tange ao restante de seu
orçamento, 14% vem de recursos privados de doações e parcerias com empresas e
entidades privadas; 2% de recursos decorrentes de mensalidades/doações dos
membros ou associados; e 6% de recursos decorrentes da prestação de serviços da
entidade.
O contrato realizado com a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos do Rio de Janeiro (SEASDH/RJ) ao qual se refere o presente relatório possui o
seguinte objeto: contrato de gestão administrativa do CARE AD (Centro Regional de
atendimento a usuários de álcool e outras drogas) através do Programa Estadual de
Apoio à Recuperação de Usuários de Álcool e outras Drogas, para ambos os sexos, a
partir de 18 anos, em situação de risco pessoal e, ou, social, decorrentes do uso
abusivo de substâncias psicoativas, visando sua recuperação e ressocialização. Por ano
preveem em torno de 720 usuários, tendo o contrato duração de 02 anos. A data de
publicação do contrato foi em 13/11/2012, como previsão de início das atividades em
25/11/2012 e término em 13/11/2014, tendo como total de recursos previstos R$
3.888.000,00. Nos foi relatado que até o convênio, a Clínica Michelle se configurava
como Comunidade Terapêutica, mas desde então o seu caráter teria sido modificado,
transformando-se em CARE AD.
As internações realizadas na instituição são voluntárias e advindas de
encaminhamento do CAPS de referência e através da regulação do Observatório de
Gestão e Informação sobre Drogas. A instituição recebe usuários encaminhados de
todo o estado do Rio de Janeiro, com exceção de Niterói e de Campos, relatados como
municípios que possuem rede própria.
A coordenadora da unidade, Elisa Fontes, conversou com a equipe de
fiscalização. Segundo ela, o tempo da internação é determinado pelo CAPS que realizou
o encaminhamento. Foi informado que para os casos de pessoas que passaram pela
clínica e desejam retornar, não existe um tempo mínimo de intervalo para aceitar a
pessoa novamente, basta ser reencaminhada pelo CAPS. O procedimento adotado
determina que no caso de pessoas que procuram diretamente a clínica para internação,
essa pessoa deverá ser indicada para o CAPS da sua região para que este realize a
16
análise e o encaminhamento, e a partir de então seja realizado o procedimento para
internação. Segundo a direção, portanto, a entrada dos usuários na clínica só é
permitida com a Guia indicada pelo Observatório, a partir do trâmite narrado via CAPS
ou pelo próprio Observatório.
Foi relatado que anteriormente ao convênio com a SEASDH/RJ para executar o
serviço como CARE-AD, a instituição recebia internações por mandado judicial.
Entretanto, como no momento são aceitas apenas internações voluntárias, nos casos
de internações compulsórias ou involuntárias nos foi relatado que recomendam a
“Clínica do psiquiatra Jorge Jaber”, que contaria com vagas da prefeitura.
Os internos relataram que desconheciam qualquer encaminhamento realizado
diretamente pelas operações de recolhimento da prefeitura ou pelo Abrigo Rio
Acolhedor. Os encaminhamentos via CAPS e Observatório foram afirmados como regra
atual, segundo funcionários e internos. Houve, no entanto, relatos de que em fevereiro
uma pessoa teria sido encaminhada pela prefeitura, chegando em uma van à
instituição. No momento da visita não foi possível localizar as informações sobre a
mesma.
A maioria dos usuários encaminhados para a comunidade terapêutica é oriunda
de situação de rua. A instituição oferece um total de 60 vagas (6 femininas e 54
masculinas).
Foi relatado que os usuários via de regra chegariam à clínica por
problemas com álcool, cocaína e crack. Foi também observado que os funcionários
enfatizam mais a incidência de usuários com uso problemático de crack do que os
mesmos.
Todas as vagas oferecidas são públicas, isto é, vinculadas ao convênio com a
SEASDH/RJ. Na ocasião da visita, a clínica contava com 45 homens e 6 mulheres, uma
das quais transexual. No total, atuam na entidade: 37 funcionários; 8 voluntários
permanentes; 4 voluntários eventuais; e 12 colaboradores com ocupação e sem
remuneração. Os funcionários são contratados por CLT. Todos são funcionários da ONG
Comunidade S8 e segundo a direção são todos evangélicos, mas os funcionários
afirmaram que na realidade nem todos seriam. Há ex-usuários do serviço atuando na
entidade e, no momento, a mesma não conta com estagiários. Existem dois plantões de
médicos psiquiatras por semana.
17
Entre os trabalhadores a clínica conta com uma coordenadora (Elisa Fontes) e
uma assistente de coordenação e a equipe técnica é constituída por 2 médicos, 5
psicólogos, 1 farmacêutica, 4 assistentes sociais, uma nutricionista, uma enfermeira,
um professor de educação física, uma professora de artes, 4 técnicos de enfermagem, 8
educadores sociais, 2 oficineiros, e 3 técnicos de reabilitação.
Como quadro de atividades, de segunda-feira à sexta-feira acontecem aulas de
educação física de manhã, além de outras atividades variadas todos os dias neste
turno. Palestras e oficinas são realizadas durante a semana à tarde, além dos “grupos
de referência”. Estes grupos são distribuídos em Educação Social, Integração, Serviço
Social. Todas as noites há atividades diversas, bem como “grupos de referência”, de
serviço social e/ou psicologia todos os dias à noite de segunda a sexta. O quadro de
atividades que nos foi passado contava com uma “Palestra 12 passos” às quintas-feiras,
antes do horário de almoço.
Em relação ao tratamento indicado para cada usuário a prescrição
medicamentosa é realizada apenas pelos médicos e há uma sala para o
armazenamento dos medicamentos. Há três horários diários nos quais os usuários
tomam os medicamentos, conforme a prescrição feita para cada um. Quando os
usuários apresentam algum problema de saúde são encaminhados para a Unidade de
Pronto Atendimento da região ou ao Hospital Pedro II com veículo próprio do
estabelecimento.
Questionados sobre a forma como são abordadas as crises de abstinência foi
afirmado que são controladas através do diálogo, de medicação, e, quando necessária
e como última possibilidade, contenção física. Segundo relatos, a medicação “de
emergência” ou “SOS” consiste geralmente numa dosagem maior da medicação que já
foi prescrita para o usuário em crise. A equipe relata que evita usar medicamento em
grande dosagem e que inclusive incentivaria usuários a diminuírem a medicação
quando possível.
Ao serem questionados se a abordagem se baseia de alguma forma na
estratégia da Redução de Danos, a direção relatou que ela “aconteceria naturalmente”.
No entanto, a abordagem realizada para o atendimento na instituição se dá através dos
quatro primeiros passos do “Método Minessota”, abordagem de tratamento que, como
18
já foi indicado, possui como regra obrigatória a abstinência o que se revela
contraditório com a perspectiva da Redução de Danos. Foi relatado que o tempo
médio de internação permite trabalhar essas etapas do método, sendo os demais
passos trabalhados após a internação, nas visitas em grupo que ocorrem uma vez por
semana e são recomendadas aos usuários.
O período máximo de internação é de 60 dias e o período médio tem sido de 45
dias. A direção relata que o período de 60 dias foi sugerido pela SEASDH/RJ. No
momento da visita não havia ninguém na clínica internado há mais de 60 dias, sendo a
internação mais antiga de 43 dias. Segundo a direção da unidade, o indicativo do
mínimo de tempo possível para internação é uma recomendação do Observatório, que
prevê o máximo de 60 dias e a expectativa de 45 dias para as internações.
Durante o período de internação os usuários não têm acesso à rede de
educação ou trabalho. Usuários com problemas de saúde são encaminhados a Unidade
de Pronto Atendimento da região ou para o Hospital Pedro II. O acompanhamento após
a saída da Instituição é feito através de uma atividade semanal que acontece na
unidade, durante o período de oito meses. Existem 3 tipos de alta: administrativa, por
pedido ou por conclusão. A alta administrativa acontece quando algum interno
descumpre alguma regra da instituição, por exemplo: uso de drogas ilícitas (o que
corrobora com a obrigatoriedade da abstinência como prática de tratamento), práticas
sexuais ou violentas. A alta por pedido acontece quando há solicitação do interno. A
alta por conclusão é determinada pelos técnicos de referência.
O prédio da clínica é amplo e encontra-se em estado razoável. É dividido em
duas alas – uma masculina e uma feminina –, uma área interna de lazer comum, salas
para equipe técnica e atendimento, salas de diretoria, administração e portaria. Há
infiltração e mau cheiro em alguns cômodos (quartos). Foi observado que a maioria
dos móveis e utensílios está em bom estado de conservação. Há uma sala de
armazenamento dos prontuários e uma sala de arquivo morto. Há também salas
específicas para atendimento psicológico.
Os quartos são amplos, comportam de duas a quatro camas e todos possuem
banheiro. Para cada quarto há uma abertura grande de entrada, mas sem portas
instaladas. Dessa forma, qualquer um que passe pelo corredor pode enxergar o que há
19
dentro dos quartos, sem garantir a privacidade ou intimidade das pessoas ali
internadas. Os banheiros tampouco têm portas instaladas. Vale ressaltar que a
instalação se encontra em uma estrutura que antes foi um Hospital Psiquiátrico
(Hospital Psiquiátrico São Raimundo). É importante salientar, nesse sentido, que a
estrutura de quartos sem portas reflete, portanto, o passado manicomial da estrutura.
Há revistas periódicas dos quartos e armários, sem aviso da equipe.
A instituição proíbe qualquer tipo de manifestação erótica e/ou sexual entre
seus internos e não há direito a visita íntima durante a internação. Aproximações de
cunho afetivo são coibidas pelos técnicos e podem se tornar motivo de alta
administrativa, sendo o contato sexual relatado como um dos motivos de desligamento
dos usuários da clínica. Na ocasião da visita, havia uma usuária transexual feminina
ocupando a ala das mulheres. Apesar da direção alegar que a chama pelo nome
escolhido, parte da equipe e dos internos afirmou não respeitar esta decisão. A interna
se encontra em um quarto sozinha na ala das mulheres, segundo os funcionários por
opção própria.
Na rotina dos internos na instituição são realizadas orações a cada refeição e a
cada grupo de atividade, não sendo permitidos dentro da instituição livros de caráter
religioso que não a bíblia. Foi observada uma grande quantidade de bíblias na unidade
e durante a visita aos quartos femininos foram encontradas bíblias em todas as camas
ou próximo a elas. Foi relatado que as bíblias são trazidas pelos próprios usuários ou
familiares, mas que os funcionários também as forneciam.
Recentemente, ocorriam cultos semanais evangélicos promovidos pelos
funcionários e com participação dos usuários. Houve relatos de queixa realizada por
um interno ao Observatório sobre a impossibilidade de levar à instituição um
convidado que realizaria um culto espírita. Desde então, a pedido do Observatório não
são mais realizados os cultos evangélicos.
De 15 em 15 dias, um grupo de internos que está na instituição há mais tempo
realiza visita a um parque que foi referido como “Cidade das Crianças”. Os internos não
podem sair sozinhos da clínica, apenas com um instrutor. A saída da clínica é apenas
para as atividades previstas ou para emergências, sempre justificadas para a equipe.
20
Os internos podem ver televisão, com programação decidida coletivamente.
Além disso, contam com estrutura de totó e sinuca.
Quanto aos alimentos, os relatos são de que satisfazem funcionários e internos.
Há uma nutricionista na equipe e seis horários para alimentação na instituição. Não há
queixa referente à alimentação por parte dos usuários, sendo que estes auxiliam na
lavagem de alguns utensílios utilizados durante as refeições.
Embora contem com auxiliar de serviços gerais, os internos são responsáveis
por limpar o chão e lavar os banheiros da unidade todos os dias sem nenhum tipo de
gratificação financeira. Não são realizadas atividades de trabalho nas redondezas da
instituição, tampouco dentro da mesma.
As atividades são coordenadas por técnicos do serviço. Há um regimento
interno que é apresentado aos internos no momento do ingresso na instituição. Alguns
objetos dos internos são guardados em seus próprios armários (roupas em geral),
outros ficam em poder da equipe técnica (documentos, dinheiro, material de higiene
íntima) guardados em um armário trancado a cadeado na sala da mesma. Objetos de
higiene íntima que possuam álcool ou que lembrem as substâncias que os usuários
usam (talco, por exemplo) são cedidos a eles para uso em momentos pontuais. Os
documentos pessoais são devolvidos apenas no momento da alta. Objetos como
telefones celulares não são permitidos. É permitido fumar, em local aberto já sinalizado
com esta permissão na clínica. A instituição não permitiu que a equipe de visita
permanecesse com uma cópia do Regimento Interno.
As visitas ocorrem apenas aos sábados e é permitida a entrada de 3 pessoas por
interno. Os usuários, na data de sua entrada, indicam quem poderá visitá-los durante a
internação. Os visitantes passam por revista de seus pertences e a cada saída dos
internos eles são revistados como “na prisão” segundo relatos, sendo obrigados a se
despir.
Os internos só podem fazer ligações com o acompanhamento do técnico de
referência, e se este não estiver presente devem aguardá-lo. As ligações têm limite
máximo de 10 minutos e só acontecem após dois dias de internamento. A mesma pode
ser realizada de um telefone dentro de uma sala da clínica ou de um orelhão também
21
dentro da unidade. Entretanto, essas ligações só podem ser realizadas nos dias em que
o usuário conta com o “Grupo de Referência”. Relatam haver privacidade na ligação,
mas este acompanhamento dos funcionários é regra.
2.c) Centro de Recuperação para Dependentes Químicos Associação Amor & Vida
(CREDEQ)
Data da Fiscalização: 24/05/2013
Nome/Razão Social: SASE SERVICO DE ASSISTENCIA SOCIAL EVANGELICO CREDEQ
Endereço: Estrada do Campinho, 4700 – Santa Margarida, Campo Grande - Rio de
Janeiro/RJ CEP: 23066-540
CNPJ: 33.974.106/0022-70
Telefone: (21) 3403-6796. / 3406-9386
E-mail: [email protected]
O CREDEQ é uma instituição que tem como proposta a assistência e o
tratamento de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas e autores de
ato infracional. Embora o centro5 exista há cerca de duas décadas, foi a partir de
16/02/2009 que teve início este trabalho específico com adolescentes, através do
convênio firmado com o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE).
De acordo com as informações recebidas durante a visita, a internação no
CREDEQ obedece ao ditame legal da Medida Protetiva de acordo com o art.101, VI da
Lei 8069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que apresenta a seguinte
redação: “inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos.”
A instituição recebe, em sua maioria, adolescentes do sexo masculino na idade
entre 14 e 18 anos, e excepcionalmente até os 21 anos. Esta se autodenomina
“comunidade terapêutica”, atuando como modalidade de internação para uso de
drogas. O funcionamento do CREDEQ conta com o apoio institucional do Rio Solidário
com recursos oriundos do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE) da
5
O CREDEQ ainda conta com uma casa situada ao lado da unidade visitada direcionada ao atendimento
de adultos do sexo masculino munida de equipe própria de profissionais.
22
Secretaria de Estado de Educação6, órgão responsável pela execução de medidas
socioeducativas de semiliberdade e internação.
Os encaminhamentos para o tratamento no CREDEQ se dão exclusivamente por
determinação do Poder Judiciário e do Conselho Tutelar. Em conversa com os técnicos
e com os adolescentes, pode ser constatado que estas internações são decretadas de
um modo geral, as internações são determinadas sem qualquer avaliação prévia de
profissional de saúde Foi observado que alguns dos adolescentes que se encontravam
no centro estavam em cumprimento de medidas socioeducativas (MSE) no DEGASE,
permanecendo todos nos mesmos espaços. De acordo com a documentação apreciada,
na ocasião da inspeção havia 07 em cumprimento de MSE do total de 18 internados no
local. A capacidade informada é de 20 adolescentes.
A equipe de inspeção foi cordialmente recebida e os espaços franqueados à
visitação. Houve primeiramente uma conversa com a equipe técnica, posteriormente
com os adolescentes e em seguida foi visitada a estrutura do local, os quartos e os
demais cômodos. A coordenadora não se encontrava na ocasião, mas estabeleceu
contato telefônico com a equipe visitante.
O CREDEQ se situa no bairro de Campo Grande na zona oeste da cidade do Rio
de Janeiro. É importante ressaltar, no entanto, que dos adolescentes inseridos na
instituição, somente dois são oriundos da cidade do Rio de Janeiro, sendo 04 da Região
Metropolitana e 12 do interior do estado. Destaca-se, nesse sentido que a distância
geográfica é sempre um elemento prejudicial ao acesso das famílias, sendo este
reforçado pelo custo do transporte até a localidade. Constatamos, assim, que não é
levado em conta a territorialização na execução da política, sendo prejudicado o direito
à convivência familiar e comunitária. Esta preocupação é reforçada através da
observação da rigidez das regras estabelecidas acerca da realização de comunicações
externas.
A unidade conta com uma equipe de 39 profissionais, composta a partir da
seguinte organização: coordenação técnica, 02 assistentes sociais, 02 psicólogos, 01
pedagogo, 01 professor de educação física, 01 nutricionista, 01 administrador, 05
6
Cabe registrar que na justificativa do Plano de Trabalho do Convênio do CREDEQ Amor & Vida com o
DEGASE há a menção ao crescimento do uso de cocaína e a pouca oferta de CAPS-AD (Centro de
Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) no Estado do Rio de Janeiro.
23
conselheiros em dependência química, 07 monitores, 06 auxiliares de limpeza, 03
porteiros, 03 cozinheiras, 03 copeiras, 01 manutenção, 01 auxiliar de recursos humanos
e 01 secretária. O CREDEQ contava até março de 2013 com um profissional da
psiquiatria.
A coordenação é exercida pela Sra. Deise Passos, ex-usuária da instituição. O
presidente da Associação Amor e Vida é o Reverendo Isaias de Souza Maciel, vinculado
à Igreja Presbiteriana, como ilustra a foto em um quadro na sala da equipe técnica. Os
técnicos afirmam em seus relatos que a instituição não possui vínculo religioso, porém
foram encontradas algumas bíblias sobre as mesas e cartazes fazendo menção a Deus.
No que se refere à metodologia de trabalho desenvolvida, na chegada ao centro
os adolescentes passam por entrevista inicial com os Conselheiros em Dependência
Química (CDQ) que, segundo foi informado pela equipe técnica, são ex-usuários de
drogas que realizaram curso de técnico em reabilitação durante um ano e meio. Após o
atendimento com o CDQ os adolescentes passam pela abordagem específica do serviço
social e da psicologia.
O tratamento é realizado através da utilização do método 12 Passos ou
Minnesota, também citado no sítio da instituição o “Hazelden Foundation”7. O
trabalho pressupõe a abstinência obrigatória dos usuários e se dá sem uso de
medicação. No caso de algum adolescente que no momento do ingresso já faz uso de
alguma medicação, o mesmo é encaminhado para o CAPSi8 da região para avaliação
acerca da necessidade de continuidade do uso e para realizar o acompanhamento do
tratamento, quando necessário. Foi relatado durante a visita que não havia nenhum
adolescente com necessidade de cuidados clínicos, estando três deles em
acompanhamento psiquiátrico: um com deficiência mental e dois com quadro de
depressão.
De acordo com os relatos, os adolescentes, antes de ingressarem, faziam uso de
drogas, especialmente de maconha, cocaína e crack. Quando foram questionados
acerca da abordagem realizada e da conduta terapêutica em situações de crise de
7
http://www.amorevida.com.br/novo/index.php?option=com_content&view=article&id=64&Itemid=79
8
Os Centros de Atenção Psicossocial para Infância (CAPSi) são equipamentos da Política Nacional de Saúde Mental
que ofertam atendimento interdisciplinar a crianças e adolescentes em situação de grande vulnerabilidade
psicossocial.
24
abstinência e intoxicação aguda, a equipe técnica foi unânime em afirmar que desde
sua fundação em 2009 não há registro de necessidades de nenhuma intervenção
especial, afirmando nunca terem presenciado qualquer caso desta natureza. Foi
relatado, no entanto, que na ocorrência de algum caso haveria uma conversa com a
psicologia ou, em casos mais graves, encaminhamento emergencial para algum serviço
de saúde. Por fim, foi afirmado que em caso de crise forte de abstinência ou
permanência da mesma o adolescente seria encaminhado a outra instituição. Não se
soube, no entanto, precisar qual instituição seria.
Foi informado que a proposta de tratamento prevê um Plano de Atendimento
Individualizado (PAI), porém, através da observação de
todos os prontuários foi
possível constatar que as etapas e as atividades são predeterminadas e iguais para
todos. Há um modelo constante em todos os prontuários , como por exemplo:
A 1ª etapa compreende 4 semanas, onde o adolescente se
ambienta, diminui o grau de ansiedade e já estabelece vínculos
de confiança com seus companheiros de tratamento e equipe
técnica. Recebe tarefas do Plano de tratamento individualizado
que são comuns a todos os residentes. Estas tarefas trazem o
pedido de ajuda e facilitam a exposição da história pessoal de
cada adolescente. (...) Esta identificação promove o espírito de
companheirismo e a empatia, a capacidade de se colocar no
lugar do outro. Este caminho visa inserir o jovem na sociedade,
reconhecendo o porquê das regras e normas sociais,
propiciando assim o desenvolvimento do seu senso ético.
Além disso, segundo observado nos prontuários, também fazem parte do
“Plano de Atendimento Individualizado” as seguintes obrigações: higiene pessoal,
organização e conservação dos quartos, cantar o hino nacional e participar de debates
sobre cidadania e outras palestras, grupos de ajuda, de tarefa, de estudo, de avaliação,
de terapia, de reflexão sobre sexo, de história pessoal de ex-internos, elaboração de
folha de sentimento diário, educação física, atividade de recreação e lazer, programa
familiar, reunião institucional de Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos,
dinâmicas de grupo, atendimento nutricional, atendimento social, atendimento
psicológico, atendimento de aconselhamento em dependência química, atendimento
médico-psiquiátrico, terapia sobre razão e emoção, programa de tratamento pósinternação.
25
A equipe visitante problematizou, inúmeras vezes, sobre a real necessidade na
aplicação de medida de internação - mais gravosa e excepcional - nos casos
acompanhados pelo CREDEQ. Os funcionários não souberam informar quais seriam os
critérios para ingresso dos adolescentes na instituição para tratamento de dependência
química, afirmaram que os critérios são ou os do DEGASE ou o ingresso se dá por
atendimento à determinação judicial de internação. Foi informado que não constam
laudos de equipe de saúde justificando a aplicação da medida de internação para
tratamento ao uso abusivo de drogas.
O período de tratamento preconizado pela instituição é de 101 dias, sendo
realizadas pelos técnicos avaliações mensais, uma avaliação pré-alta e avaliações pósinternação.É importante destacar que os adolescentes relataram que muitos
permanecem na instituição após o tempo previsto para internação, tendo sido narrado
um caso de um adolescente que que permaneceu durante um ano na instituição até
evadir-se . Quando foi analisada a listagem dos internos, foi possível observar que dois
estavam no CREDEQ desde o ano passado, sendo um com ingresso em dezembro e o
outro em setembro.
Quando o interno está em condições de desinternação é elaborado um parecer
a partir de relatórios feitos por toda a equipe de trabalho e no caso de divergências há
uma reunião de equipe para definir o encaminhamento. O relatório é, portanto, o
documento que pode subsidiar a permanência ou não do adolescente no
estabelecimento.
Quanto aos procedimentos para a desinternação, foi informado pelos técnicos
que são elaborados pareceres a partir de relatórios feitos por toda a equipe e no caso
de divergências há uma reunião para definir o encaminhamento. Já os internos
disseram que a avaliação dos monitores é a que mais tem peso no relatório. Por essa
razão, segundo eles, os monitores se utilizam do relatório para ameaçá-los com
pareceres negativos.
o que acarretaria um relatório técnico final prejudicial ao
adolescente. Ademais, os adolescentes reclamaram inúmeras vezes sobre o fato de não
serem informados acerca de sua situação processual.
Após o desligamento da unidade os ex-internos devem cumprir tratamento
ambulatorial por um ano, retornando ao CREDEQ semanal ou quinzenalmente,
26
conforme o caso.
A unidade, caracterizada pela cor verde (inclusive na vestimenta dos
profissionais) tem sua estrutura física composta por dois prédios, sendo um destinado
à sala dos profissionais, ao auditório, ao pátio, cozinha, salas de aula, dentre outros
cômodos. Os dormitórios ficam situados na parte inferior do outro prédio. Há ainda
uma extensa área externa arborizada.
No que tange às atividades ofertadas no equipamento, são desenvolvidas aulas
de educação física, reforço escolar, passeios externos (relatados como pouco
frequentes: segundo os internos eles não realizavam nenhum passeio há seis meses),
aulas de jiu-jitsu, e fabricação de bijuterias (com os materiais fornecidos pelos próprios
familiares e a atividade ensinada por um dos adolescentes). Há atividades de
manutenção e limpeza do espaço, que segundo foi relatado seriam destinadas a
trabalhar o senso de cuidado dos adolescentes com o próprio espaço. Foi informado
que os adolescentes não realizam, nessas atividades, o serviço “mais pesado”,
destinado aos funcionários contratados. Outro aspecto observado é que ao receberem
algum presente ou alimento dos familiares, os mesmos devem ser distribuídos em
quantidades iguais para todos os meninos.
Foram
relatadas
pelos
adolescentes diversas
reclamações quanto
à
obrigatoriedade da prática de jiu-jitsu.
Em relação à disciplina adotada no local, o professor de educação física, por
exemplo, afirma que se o adolescente tem “postura rebelde” o mesmo é suspenso da
aula ou proibido de frequentar algum passeio. No entanto, se há um “bom
comportamento”, o adolescente é premiado, ganhando, por exemplo, uma pipa.
Afirmou-se que em situações mais graves, que envolvam alguma agressão física, há o
procedimento de encaminhar o agressor à unidade policial.
A sala de aula do centro foi também visitada e foi relatado pela professora
responsável que há apenas duas aulas de reforço escolar de português e de
matemática por semana (com a duração de 90 minutos cada) e que os adolescentes
são distribuídos em 4 turmas, segundo o nível de escolaridade. Para o adolescente com
deficiência mental é realizado atendimento individual, com trabalho com pinturas e
27
exercícios para desenvolver a coordenação motora.
Um fato preocupante observado é que o acesso à educação regular é cessado
durante o tempo de internação no CREDEQ, o que prejudica sobremaneira a
continuidade do ano letivo, podendo ser entendido como uma violação ao direito à
educação dos adolescentes.
A cozinha foi visitada na companhia de uma nutricionista e foi observado um
bom aspecto no local, não tendo sido localizado nenhum alimento com o prazo de
validade vencido. Também foi visitada uma pequena sala (enfermaria) onde são
estocados alguns medicamentos em pequenas quantidades.
Existe no centro a proibição expressa de relações sexuais, e foi afirmado que os
adolescentes homossexuais têm uma espécie de “acompanhamento especial”
caracterizado, por exemplo, por ficar em quartos separados e serem mais observados
que os demais.
Na conversa com os adolescentes, foi observado que alguns deles usavam
camisetas do DEGASE e que muitas estavam em estado precário. Eles relataram que
recebem apenas três uniformes por semana e quando a roupa não seca após a
lavagem, eles são obrigados a permanecerem com a roupa suja. Quanto aos cobertores
das camas, na ocasião do ingresso dos adolescentes estão limpos, porém não são
trocados com regularidade, podendo a troca demorar alguns meses. Dois ou mais
adolescentes relataram ter coceiras e quando levantaram as camisas foi possível
perceber a ocorrência de escabiose (sarna). A técnica em enfermagem ao ser abordada
sobre o assunto mostrou remédios para escabiose com os nomes de alguns
adolescentes nas caixas. Importante notar que os remédios estavam com data de
validade com vencimento para a semana seguinte.
Quanto ao uso de televisão, há uma sala destinada a esta atividade, devendo os
adolescentes obedecerem aos horários determinados e assistirem preferencialmente
jornais e novelas. São também permitidos jogos de futebol e existem restrições9
específicas a alguns programas.
Há um aparelho de som para ouvir músicas, sendo proibida a execução de
9
Foi relatado que há uma restrição ao Programa “Pânico na TV” da Rede Bandeirantes, por exemplo.
28
canções de funk. Os funcionários afirmaram serem proibidas apenas aquelas canções
que fariam “apologias a violência”, porém os adolescentes informaram serem proibidos
de cantar qualquer tipo de funk.
As regras gerais que devem ser cumpridas pelos adolescentes estão expressas
em uma folha com um conjunto de 21 obrigações: são regras de higiene e organização,
regras que proíbem relações sexuais, a proibição do uso de gírias, dentre outras.
Ademais, chama-se atenção para a atividade noturna de “escrever seu sentimento do
dia” que deve ser cumprida por todos os adolescentes.
No caso de algum descumprimento de uma regra anteriormente imposta ou
quando algum adolescente pratica um ato considerado como indisciplina, os castigos
são frequentemente decididos coletivamente, podendo a sanção ser coletiva ou
individual. Houve relatos de sanções como não poder sair do alojamento ou passar o
dia sem permissão de ir ao pátio.
Não houve registro de violência física perpetrada contra os adolescentes, mas
os mesmos relataram, por diversas vezes, que são constantes as ameaças quanto à
possibilidade de se fazer registro por suposto ato de indisciplina nos prontuários, de
modo a possível incidência no aumento do tempo de internação dos mesmos.
Um das situações que mais alarmou a equipe da visita foi o caso de um
adolescente de 16 anos, oriundo do interior do estado, que relatou ser apenas usuário
ocasional de maconha e que mesmo assim havia sido apreendido em sua casa por
policiais civis com ordem judicial de internação para tratamento10, tendo sido
conduzido algemado ao CREDEQ.
Não foi relatada nenhuma situação de óbito ou tentativa de homicídio no
equipamento. Já a situação de evasão é frequente.
O projeto terapêutico não prevê nem visitas domiciliares, nem a sensibilização
de algum familiar para o acompanhamento do tratamento. As visitas dos familiares,
por sua vez, são realizadas apenas aos sábados de 08h45min ao 12h, sendo permitidas
desde o ingresso do adolescente no equipamento. Outra forma de comunicação são os
10
A informação sobre o caso foi encaminhada à Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
da Defensoria Pública (CDEDICA).
29
contatos telefônicos permitidos às 3ª e 5ª feiras das 14h às 16h e que devem ter a
duração máxima de cinco minutos.
Ressalta-se que nas visitas e nas ligações, há a presença obrigatória de um
profissional do CREDEQ acompanhando o adolescente, não respeitando, portanto, o
direito à privacidade do mesmo. Além disso, as dificuldades de contato se acentuam,
pois o horário permitido para as ligações, via de regra, coincide com o trabalho dos
familiares e só é permitida a realização de ligações para telefones fixos. Houve muitas
reclamações dos adolescentes a respeito do rigor das regras estabelecidas pelo
CREDEQ e a necessidade dos mesmos de contatar seus familiares. Há também a
comunicação por cartas, onde há a proibição do recebimento de fotografias, sendo as
cartas abertas previamente pelos profissionais do CREDEQ.
Embora conte com uma estrutura física razoável, bem como número de
profissionais, cabem algumas importantes considerações acerca do CREDEQ. Há uma
dinâmica institucional tendente a culpabilizar o adolescente pelo seu problema,
descontextualizada de um sentido sócio-histórico e político no tratamento da questão
do uso e abuso de drogas.
Em nome do tratamento de um suposto abuso de drogas, há uma série de
violações e restrições dos direitos dos adolescentes preconizados pelo ECA, conforme
exposto: tais como respeito à privacidade, à inviolabilidade das correspondências,
acesso à educação, participação, acesso à informação, convivência familiar e
comunitária, ampla defesa, expressão religiosa, além do acesso a outros direitos
sociais. A imposição de regras e do cumprimento irrestrito das mesmas, não
respeitando as singularidades de cada indivíduo, pode ser considerada um ato de
arbitrariedade.
Outros fatores que se constatam são as restrições de comunicação com o
mundo externo e familiares, acrescidos da distância geográfica com o local de origem.
Além disso, são emblemáticas a falta de repasse de comunicação aos adolescentes
sobre sua situação de cumprimento de medida protetiva e as ameaças quanto à
possibilidade de maior tempo de permanência, gerando uma situação de instabilidade
e insegurança contínua.
30
A situação mais grave constatada é a utilização indiscriminada da internação
para tratamento dos adolescentes usuários de drogas, inclusive nos casos em que não
tenham sido constatados o uso abusivo e prejudicial das mesmas . Considerando que a
internação é a medida mais gravosa, ela deve ser aplicada de forma excepcional,
provisória e quando os outros dispositivos ambulatoriais para o tratamento forem
esgotados.
Os relatos de ausências de situações de crises de abstinência e de intoxicação
aguda retratam a não necessidade de internação, assim como a aplicação desta medida
sem um laudo de uma equipe de saúde mental corroboram com a hipótese de que não
havia necessidade de uma medida tão extrema. Medida esta que prevê a privação de
liberdade mesmo sem o direito à defesa e ao contraditório, agravada por serem
aplicadas em sujeitos em condições específicas e delicadas de desenvolvimento.
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6. AUDIÊNCIA PÚBLICA
No dia 11 de junho, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da
ALERJ, em decorrência das visitas realizadas nas Comunidades Terapêuticas , promoveu
audiência pública sobre o tema da política estadual de prevenção ao uso abusivo de
álcool e outras drogas. Participaram da audiência representantes do Conselho Regional
de Psicologia e do Conselho Regional de Serviço Social, Ministério Público Estadual, o
Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara Municipal do Rio de Janeiro Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos, Secretaria de Saúde, através da Área Técnica de Saúde Mental e
Subsecretaria de Estado de Prevenção à Dependência Química.
Com a realização da audiência foi possível questionar à SEASDH se os recursos
oriundos do edital são do Fundo Estadual de Saúde ou da própria Secretaria, além
indagar o motivo pelo qual algumas dessas comunidades terapêuticas funcionarem
dentro de espaços do poder público. Outro pergunta importante diante da falta de
padronização dos métodos e práticas encontradas nas fiscalizações foi sobre quais
eram de fato os critérios objetivos na escolha das respectivas entidades.
De acordo com as informações prestadas pelos representantes da SEASDH no Edital
poderiam se candidatar qualquer entidade da sociedade civil, seja ela filantrópica,
OSCIP ou beneficente, não havendo uma orientação de que fossem entidades
religiosas, mas também não havia proibição. Segundo os representantes de fato há
instituições que têm viés religioso na sua proposta, mas o CARE-AD não tem. Se ocorre,
não deveria.
O tratamento, embora existam atividades padronizadas, tentam
acompanhar o plano terapêutico que o serviço de Saúde encaminha. Nenhuma CAREAD é estruturada para receber internações involuntárias e/ou compulsórias. O usuário
pode sair no momento que quiser e os recursos são do Fundo Estadual de Saúde.
Existem locais que são alugados pelo Estado, mas o espaço é privado. O Edital abriu a
possibilidade de as instituições apresentarem propostas diferentes, mas há requisitos
básicos como as estruturas físicas e equipe mínima para o seu funcionamento.
Outros questionamentos foram feito à secretaria de Saúde: Qual o valor do
investimento da Rede Saúde? As Comunidades terapêuticas estão previstas na Rede?
Como fiscalizam essas comunidades?
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A equipe da Saúde Mental da SES informou que as CARES e os hospitais psiquiátricos
não estão previstos na Rede de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde. Quem
constitui o projeto terapêutico é o município, e a SES apoia esse trabalho e que a
desinstitucionalização ocupa mais de 50% do serviço. A intenção da SES é que as CARES
não existam. Além disso a Secretaria Estadual de Saúde não possui qualquer tipo de
rotina de fiscalização das CARES, até porque até o momento da realização da audiência
todas as Comunidades estavam sob competência da Secretaria de Assistência Social.
Assim a realização da audiência constatou uma contradição na atuação do Executivo
Fluminense. Apesar da equipe técnica de saúde mental não incluir as Comunidades
Terapêuticas na rede de saúde do Estado, indicando a não necessidade da manutenção
desses equipamentos, a criação da Secretaria de Prevenção a Dependência Química
parece não se justificar.
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7. CONCLUSÃO
As fiscalizações das instituições conveniadas com o Governo do Estado do Rio
de Janeiro para a internação de usuários de drogas ajudam a iluminar a realidade das
chamadas Comunidades Terapêuticas e qualificar o debate a respeito das políticas
sobre drogas em nosso estado. Muito pouco se conhece, ainda, a respeito destas
instituições que são chamadas a compor, de modo cada vez mais substancial, o cenário
assistencial no campo do uso problemático de drogas. Desta forma, conhecer de perto
essa realidade é uma necessidade urgente, bem como aprofundar o debate em torno
de suas práticas.
Apesar das comunidades terapêuticas conveniadas com o estado do Rio de
Janeiro pela Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH/RJ)
hoje serem renomeadas por parte dos gestores como “CARE AD”, as visitas realizadas
evidenciam que se esta alteração na nomeação denota alguma intenção de mudança,
não representa uma transformação efetiva nas práticas das instituições. A realidade
encontrada nas visitas remete direta e inequivocamente ao universo das comunidades
terapêuticas.
A Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma
Psiquiátrica, reorienta o modelo assistencial e institui novo marco de cuidado em saúde
mental. É uma conquista fruto de lutas históricas e do acúmulo dos movimentos sociais
no campo da saúde e da assistência social.
Seu artigo 1 o determina que “os direitos e a proteção das pessoas acometidas
de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de
discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,
nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de
evolução de seu transtorno, ou qualquer outra”.
A internação, segundo a diretriz estabelecida, deve sempre ser considerada
como alternativa última, utilizada apenas no esgotamento dos recursos extrahospitalares. Nos casos excepcionais em que ocorrer, a internação também deverá
sempre se nortear pelo fortalecimento e aprofundamento dos vínculos da pessoa com
seu meio social, sendo fundamentais, nesse sentido, portanto, a proximidade com a
34
localidade onde reside e com os vínculos familiares e comunitários. É vedado, portanto,
o afastamento geográfico, o rompimento dos laços afetivos e a impossibilidade de
comunicação livre e rotineira com familiares e amigos.
A assistência garantida na internação deve ser sempre integral, devendo ser
oferecido atendimento psicossocial (médico, psicológico, de assistência social,
ocupacionais e de lazer - art 4 o, parágrafo 2 o). Não é permitido, dessa forma, que a
internação seja sinônimo de um isolamento das atividades que produzem vida e que
fornecem sentido para um estar bem no mundo. A ausência de um acompanhamento
psicossocial e o desrespeito aos direitos garantidos caracterizam o tratamento como
manicomial e perpetuam perversamente uma lógica asilar no desenvolvimento do
cuidado em saúde mental. O artigo 4
o
da lei é expresso ao vedar essa forma de
tratamento:
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos
mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas
desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem
aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.
No que tange aos aspectos pontuados referentes à Lei 10.216, é importante
destacar que durante as visitas realizadas foram observadas – apesar das
particularidades de cada espaço – o mesmo padrão de violações nas três instituições
inspecionadas: a internação como medida indiscriminada de tratamento; a
centralização do tratamento em instituições que acumulam o atendimento de diversos
municípios, implicando na desvinculação dos usuários de sua base territorial, de seus
vínculos afetivos, do convívio familiar e da relação com a rede de apoio comunitária; a
distância do local de origem dos usuários, o difícil acesso às instituições, somadas às
regras rígidas estipuladas pelas entidades para a entrada dos familiares (quantidade de
pessoas permitidas, dias e horários restritos para visitação, realização de revistas
vexatórias podem ser consideradas como uma forma de violação ao direito de
convivência familiar e comunitária e de manutenção de uma abordagem manicomial
no tratamento em saúde mental.
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Um segundo aspecto similar nas três organizações e que se relaciona
intimamente com os anteriores na construção de um tratamento asilar é a restrição
aos meios de comunicação e a não garantia da privacidade no contato dos pacientes
com seus familiares, seja no contato telefônico, seja nas visitas presenciais. Os contatos
telefônicos, como exposto ao longo do relatório, são sempre supervisionados por
funcionários das instituições, sendo restritos a dias e horários específicos (que muitas
vezes coincidem com horários de trabalho e impedem concretamente a comunicação),
com tempo máximo de duração extremamente reduzido, com casos em que as ligações
são permitidas apenas à cobrar. Cabe destacar, que na Clínica Michelle existe regra
estabelecida onde o primeiro contato pode apenas ser realizado após 2 dias de
internação. Os contatos através de correspondência escrita, conforme narrado no
relato de visita ao CREDEQ tem sempre sua privacidade violada, sendo monitorado por
funcionários antes da leitura pelo paciente ou do envio aos familiares.
Outros aspectos que remetem para características asilares são a massificação
das atividades e ausência de planos terapêuticos singularizados. A participação
compulsória dos internos em atividades laborativas da rotina das instituições remete a
práticas tradicionais dos velhos manicômios, em que o trabalho era parte substancial
do chamado tratamento moral. O viés moral está presente ainda em outros aspectos
das instituições, como na presença de normas disciplinares, regras e rotinas rígidas,
que são acentuadamente valorizadas e cujo descumprimento pode ocasionar em
alguns casos, inclusive, punições como a alta administrativa. A grave afirmação feita
por um funcionário da Aldeia Gideão de que “banho frio é terapêutico”, remonta a
práticas coercitivas e extremamente moralizantes dos grandes manicômios.
No que diz respeito especificamente ao CREDEQ, por se tratar de instituição
dedicada a crianças e adolescentes, especialmente grave se revela a restrição ao
acesso à educação regular por parte dos estudantes internados , o que pode ocasionar
graves prejuízos ao cumprimento do ano letivo por parte dos internos. Particularmente
preocupante é o fato de, na mesma instituição, muitas internações virem se
prolongando por tempo excessivamente longo, além de ter sido informado a equipe
que realizou a visita que não constam laudo de equipes de saúde que justifiquem a
medida de internação para o tratamento de uso abusivo de álcool e outras drogas.
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Cumpre destacar a lógica moral de punição e de recompensa presente na
instituição e afirmada no relato do professor de educação física:
no caso de
adolescentes com “posturas rebeldes” há aplicação de punição, assim como para os
“bons comportamentos” são utilizadas formas de recompensa e premiação. Ainda em
situações consideradas graves no comportamento dos internos, há prática de
encaminhamento para unidades policiais.
Um caso que cabe ser destacado se refere, conforme narrado anteriormente no
relatório, a um adolescente de 16 anos usuário eventual de maconha que, segundo ele,
havia sido apreendido em casa e conduzido algemado ao CREDEQ, com ordem judicial
para internação. Como nesse caso, foi possível constatar durante a visita o uso abusivo,
violador e desnecessário da internação como medida de tratamento.
Apesar da mencionada articulação com os serviços de atenção psicossocial,
todas as comunidades visitadas apresentaram características de instituição total. Da
mesma forma, em todas as instituições visitadas foi contatado um viés moral no
tratamento das questões relacionadas à sexualidade dos internos. As restrições de
contato entre internos de sexo diferente e a vedação às visitas intimas denotam este viés.
Gravidade particular tem o tratamento diferenciado (“acompanhamento especial”) destinado
aos “suspeitos de homossexualidade”, como ocorre na clínica Michelle, que constituem formas
graves de discriminação .
Apesar de formalmente negado como parte da abordagem adotada pelas
instituições, o viés religioso se mantém presente nas mesmas, como fica claro nos
relatos. A presença de Bíblias e a impossibilidade de porte de outros livros religiosos
que não este, a rotina de orações anteriormente às refeições, a presença de cultos
(mesmo que não-obrigatórios), contrariam a afirmação de que a presença da religião
não estaria mais instituída como prática, e a diferença religiosa ocasiona no mínimo
constrangimento aos internos.
Além disso, todas as instituições visitadas, sem exceção, têm como base a
metodologia dos 12 passos ou Minesotta, conjunto de técnicas de caráter moral e
religioso, tradicionalmente utilizado pelos Alcoólicos Anônimos, que tem como parte
de suas etapas, por exemplo, o perdão e a realização de um “inventário moral”. Cabe
ressaltar que a metodologia Minesotta é contrária e incompatível com a metodologia
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priorizada pela Redução de Danos, estratégia apontada pelo Ministério da Saúde como
a mais adequada para a abordagem ao uso problemático de álcool e outras drogas. A
Redução de Danos tem como pressuposto uma relação não moralizante com o uso de
drogas, partindo do princípio que qualquer usuário tem direito à (e pode se beneficiar
da) abordagem de saúde, mesmo que não deseje interromper o uso. A adicção não é
tomada, portanto, como uma exigência para o cuidado se estabelecer. Fica claro, assim,
que uma clínica que toma como metodologia principal os 12 passos, apenas
retoricamente pode fazer menção à Estratégia de Redução de Danos.
As visitas realizadas nas comunidades terapêuticas conveniadas com o Governo
do Estado do Rio de Janeiro reafirmam, assim, que a “humanização” não é medida
suficiente quando se trata de espaços asilares. Mesmo quando as condições físicas são
relativa e aparentemente adequadas, a violência invisível e mortificante das
instituições totais está presente. Esta é possivelmente a forma de violência mais
danosa, e sua presença é necessariamente contrária à lógica proposta pelas políticas
públicas antimanicomiais de saúde mental que têm como pressupostos a liberdade, a
autonomia, o convívio, o fortalecimento dos laços afetivos e sociais.
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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RUA DOM MANUEL S/N – PRAÇA XV – CENTRO
CEP: 20010-090
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relatório - CRESS-RJ