A árvore genealógica dos seres vivos MÓDULO 2 - AULA 11 Aula 11 A árvore genealógica dos seres vivos Objetivo • O objetivo desta unidade é apresentar os principais conceitos utilizados na descrição da árvore genealógica dos seres vivos. A árvore genealógica dos seres vivos “O presente é a chave do passado” J. Hutton Evolução é um metafenômeno. Compreende padrões e processos em diferentes níveis de complexidade. Por isso, falamos de evolução molecular, seleção de espécies, variação em populações mendelianas, irradiação adaptativa de grupos taxonômicos etc. De uma forma geral, ela pode ser encarada como o aparecimento de alternativas novas (novidades evolutivas) para a solução de velhos problemas impostos pelo ambiente. Não há uma finalidade embutida, como muitos leigos e até mesmo vários pesquisadores pensavam (ou ainda pensam). Ninguém pode apontar o que vai acontecer com uma determinada espécie daqui a milhões de anos mesmo com todas as tendências analisadas. O estudo evolutivo é retrospectivo. O naturalista tenta através de evidências atuais reconstituir fatos históricos e explicá-los da mesma forma que um investigador policial tenta reconstituir um crime. A primeira etapa do estudo evolutivo é recuperar o que aconteceu em termos de evolução, ou seja, as relações entre os organismos. Isso corresponde ao padrão (estrutura) genealógico de descendência com modificação. Depois, tentamos explicar como essa estrutura surgiu, ou seja, o processo evolutivo. 75 75 aula11.p65 75 5/28/2004, 3:35 PM C E D E R J A árvore genealógica dos seres vivos GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA Podemos traçar uma relação entre a estrutura de uma árvore qualquer e a história das espécies ao longo do tempo geológico através da metáfora da árvore genealógica. A árvore genealógica corresponde ao produto (estrutura) do processo de descendência com modificação entre grupos de organismos. Mostra a genealogia entre espécies, sendo, portanto, chamada de ÁRVORE FILOGENÉTICA. Cada ramo dessa árvore corresponde a uma espécie, tendo sua própria história e tendência ao longo do tempo geológico. Mudanças são introduzidas através de mutação e recombinação gênica em indivíduos e essas novidades são selecionadas nas diferentes populações que compõem as espécies sexuadas. Devido ao fluxo gênico (troca de fatores genéticos intra e interpopulacionais por migração e intercruzamento) as novidades vantajosas são seletivamente espalhadas e fixadas nas populações. Algumas novidades podem ser fixadas em todas as populações, passando a ser características diagnósticas daquela espécie. Sendo assim, um táxon superior (e.g., Angiospermae; Muscidae, Culex) nada mais é do que uma coleção de espécies originadas de uma espécie ancestral comum. Cabe ressaltar que espécies dão origem a outras espécies e a táxons superiores, mas nenhum táxon superior dá origem a uma espécie ou outro táxon superior. Quando falamos que os peixes sarcopterígios deram origem aos tetrápodes, a história evolutiva foi contada de forma simplificada. Na verdade, o que queremos dizer é que uma espécie de peixe sarcopterígio passou a apresentar novidades evolutivas que justificariam sua inclusão em um subgrupo dentro do grupo. No caso, deixou de ser peixe e passou a apresentar aspectos basais (e.g., membros com dedos nas extremidades, estribo no ouvido médio, vértebra sacral) de um novo grupo de vertebrados, dentro de Sarcopterygii, chamado Tetrapoda. E o que dizer das espécies? Podemos conceituar uma espécie como a menor amostra de organismos autoperpetuantes, diagnosticada por um conjunto exclusivo (único) de caracteres. Sabemos hoje que a compatibilidade reprodutiva, utilizada no passado como critério mais relevante no reconhecimento de uma espécie, é um importante fator de coesão para os seus membros, mas não deve ser invocada como suficiente para separarmos duas espécies. Algumas espécies podem formar híbridos, até mesmo apresentar descendentes férteis, e mesmo assim manter sua individualidade. Alem disso, o que dizer daquelas espécies que não apresentam reprodução sexuada? Como testar a hipótese de que duas espécies que não vivem no mesmo horizonte de tempo poderiam cruzar e produzir descendentes férteis? Uma constatação interessante em relação às espécies é que estas se comportam como indivíduos ao longo de sua história: nascem (por algum tipo de especiação), “crescem” (devido a flutuações de diversos atributos a nível populacional, por várias gerações) e morrem (quando dão origem a outras espécies ou quando se extinguem inteiramente, sem deixar descendentes). FILOGENÉTICA É formada a partir do grego, phyle=tribo, raça; do grego, genesis=origem C E D E R J aula11.p65 76 76 76 5/28/2004, 3:35 PM A árvore genealógica dos seres vivos MÓDULO 2 - AULA 11 As espécies sexuadas correspondem a linhagens evolutivas, ou seja, a um conjunto de populações que evoluem como um todo ao longo do tempo. As folhas da árvore genealógica representariam as espécies que estão no horizonte de tempo atual. As ramificações (cladogêneses) correspondem a rompimentos de linhagens evolutivas em decorrência de dispersão ou vicariância (aparecimento de espécies filhas isoladas geograficamente pela fragmentação da área de distribuição da espécie ancestral). Normalmente, cladogênese está associada com o aparecimento de novas espécies (especiação). Processos evolutivos Dizemos que uma espécie está em processo de anagênese quando todos os seus demes (populações com potencial interação reprodutiva) seguem como um todo ao longo do tempo geológico. É o nome dado para o “crescimento” da espécie. Nessa etapa, mutação, seleção natural, recombinação gênica e deriva genética predominam como processos evolutivos a nível populacional. A “seiva” da árvore filogenética corresponderia a atributos passados com ou sem modificação de espécie ancestral para espécie descendente. Os sistematas (biólogos voltados para a reconstrução das relações evolutivas entre grupos taxonômicos) utilizam as similaridades entre os seres vivos como evidências de relação de parentesco entre eles. Essas similaridades podem ser de diferentes tipos (morfológicas, bioquímicas, etológicas, fisiológicas, biomoleculares etc.). Mas nem todas as similaridades se prestam a esse tipo de trabalho. Algumas são indicadoras de ancestralidade comum, outras não. As similaridades que indicam parentesco são chamadas homologias. Aquelas que surgiram independentemente de um ancestral comum, seja por aquisição ou perda, são chamadas homoplasias e tendem a mascarar relações de parentesco. Por exemplo, observando a estrutura, a posição e o desenvolvimento embrionário da pata de um cavalo e a de um elefante chegaríamos à conclusão de que são estruturas homólogas. Comparando a asa de um inseto com a de um morcego concluiríamos que são estruturas homoplásticas (ou seja, não homólogas). Um aumento de complexidade estrutural, em geral, é verificado entre os grupos de espécies (táxons) ao longo do tempo geológico, mas simplificações adaptativas podem ocorrer também (e.g., espécies adaptadas ao modo de vida parasitário podem apresentar redução ou perda de estruturas do trato digestivo). O isolamento geográfico é considerado o principal mecanismo para a formação de novas espécies a partir de uma espécie ancestral; esse tipo de especiação é denominado alopátrico. Mas outros tipos de especiação (simpátrica, parapátrica etc.) foram propostos e investigados na natureza. A correspondência estrutural, a posição topográfica e o desenvolvimento embrionário permitem-nos reconhecer estruturas morfológicas homólogas. As homologias são as ferramentas que possibilitam a reconstrução das relações de parentesco entre as espécies. No caso, comparando-se a mão da toupeira, do morcego e do dugongo verificamos critérios básicos para o reconhecimento de estruturas morfológicas homólogas: composição, posição em relação ao corpo e desenvolvimento embrionário. 77 77 aula11.p65 77 5/28/2004, 3:35 PM C E D E R J A árvore genealógica dos seres vivos GRANDES TEMAS EM BIOLOGIA Evolução dos grupos taxonômicos Por vezes, caímos no erro de dizer que um grupo taxonômico (ou espécie) é mais evoluído do que outro. Essa afirmação não faz sentido. Cada espécie apresenta um mosaico de atributos herdados e mantidos de formas ancestrais remotas (caracteres primitivos) e novidades evolutivas (caracteres derivados) herdadas de ancestral imediato. Ao compararmos uma espécie com outra, podemos notar que uma atributo poder ser mais avançado (derivado) em uma espécie do que em outra, por mais complexo ou primitivo o grupo ao qual elas pertencem. Por exemplo, a presença de pêlos é uma condição compartilhada pelo homem com outros mamíferos. A presença de garras é um aspecto comum à grande maioria dos mamíferos, mas a presença de unhas está restrita a um grupo menor dentro deste, ou seja, o dos primatas. A presença de unhas, nesse nível de generalidade, é uma condição derivada, já que surgiu como uma modificação da condição precedente, ou seja, garra. Entre os primatas, o raciocínio lógico é uma condição derivada e exclusiva do Homo sapiens. Alguém poderia advogar supremacia do Homo sapiens (“mais evoluído”) em relação a outros animais dando ênfase a esse atributo. Mas a capacidade de ecolocação (percepção de objetos usando vibrações sonoras de alta freqüência) dos morcegos é outra condição derivada que fá-los “mais derivados” que nós (Homo sapiens), já que nós apresentamos a condição primitiva (ausência de ecolocação). Então, alguém poderia eleger esse atributo e dizer que os morcegos são “mais evoluídos” que o Homo sapiens. Concluindo, se todos os organismos (simples ou complexos) são constituídos de um mosaico de caracteres primitivos e derivados de um processo evolutivo, não faz sentido dizermos que este ou aquele organismo como um todo é mais evoluído. Isso se aplicaria somente aos casos em que um organismo não alcança o mesmo horizonte de tempo em que o outro viveu. Ex.: Psittacosaurus (Cretáceo Inferior), “menos evoluído”, e Triceratops (Cretáceo Superior), “mais evoluído”. A “anatomia” da árvore genealógica foi inicialmente estudada pelo naturalista alemão Ernst Haeckel, que utilizou, principalmente, informações da embriologia e morfologia de grupos taxonômicos recentes para desvendar relações evolutivas. Ele introduziu os conceitos de grupos taxonômicos monofiléticos e polifiléticos. Considerava que a maior parte das linhagens de seres vivos surgiu de um tronco ancestral comum (grupos monofiléticos), enquanto outros, mais primitivos, teriam surgido por geração espontânea [idéia comum entre os pesquisadores de sua época, derrubada posteriormente pelo famoso microbiologista francês Louis Pasteur (18221895)] e independentemente na base da árvore genealógica (grupos polifiléticos). Figura 11.1: Ernst Heinrich Haeckel (1834-1919) foi um dos grandes seguidores de Darwin. Era defensor de uma postura extremamente materialista em relação à vida. C E D E R J aula11.p65 78 78 78 5/28/2004, 3:35 PM A árvore genealógica dos seres vivos MÓDULO 2 - AULA 11 Atualmente, grupo monofilético é sinônimo de táxon natural, ou seja, aquele formado por uma espécie ancestral e todos os seus descendentes. É decorrente da evolução e reconhecido por homologias. Grupo polifilético é um tipo de grupo artificial, produzido em função de atributos não homólogos (homoplasias) compartilhados pelos táxons. Só existe em função do erro do taxonomista ao agrupar organismos. Por exemplo, imaginemos que um cientista tenha proposto um táxon denominado Alifera para incluir insetos alados e morcegos. Imaginemos também que ele justificou o grupo pela presença de asas em morcegos e insetos alados. Analisando criticamente essas estruturas que atendem à função de vôo, constatamos que surgiram independentemente nesses grupos e não satisfazem critérios básicos de reconhecimento de estruturas homólogas. Sites para consulta http://www.world-of-dawkins.com/ e http://www.ucmo.berkeley.edu/ Uma boa introdução a esse tema pode ser encontrada nesses endereços. Exercícios 1. Diferencie clagogênese de anagênese. 2. Que você entende por homologia? 3. Qual a relação entre vicariância e especiação alopátrica? 4. Que você entende por espécie? 79 79 aula11.p65 79 5/28/2004, 3:35 PM C E D E R J