UMA VISÃO RONDONISTA DA REALIDADE POLÍTICA VINCULADA COM A QUESTÃO
DOS GRANDES LATIFUNDIÁRIOS DA CIDADE DE COMERCINHO DO VALE DO
JEQUITINHONHA MINEIRO
Melo, Bruna Miranda Daher – Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Santos, Lais Souza - Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Araújo, Kárita de Fátima - Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
RESUMO:
Este trabalho tem como objetivo analisar e discutir como se dão as relações entre
latifundiários e a população de Comercinho – MG. Este município foi escolhido para
participar do projeto, dentre outros fatores, por apresentar seu Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) muito abaixo da média nacional, sendo este de 0,603,
segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/2000 (PNUD/2000).
A partir das observações realizadas pelos próprios rondonistas em uma operação de
retorno do Projeto Rondon ao município de Comercinho – que tinha como foco, ações
relacionadas a saúde, questões ambientais e educacionais – estes puderam constatar o
principal elemento fomentador da problemática local.
Essa discussão fundamenta-se em diagnósticos elaborados, a partir, da vivência em
campo atrelado a uma análise da questão agrária presente no município.
O fator mais significativo que impulsionou esta discussão é a má distribuição de terras e
o agravante destas estarem concentradas sob o poder dos políticos locais, contradizendo
seus reais deveres como representantes do povo.
Os principais problemas encontrados no local são, falta de saneamento básico e
precariedade nos sistemas de educação e saúde e má distribuição de renda, estes podem
ser pensados em dois territórios – urbano/rural – que parecem ser distintos, mas o que
os estudos geográficos propõe é uma análise de complementaridade destas duas
vertentes.
Assim, utilizando o pensamento geográfico se conclui que pode encontrar a origem dos
problemas locais advindos de um possível ponto comum, este dentro da problemática
agrária.
Palavras chave: Rondonistas, Concentração Agrária.
ABSTRACT:
This work aims to analyze and discuss how to make relation between landowners and
the people of Comercinho - MG. This city was chosen to participate in the project,
among other factors, by presenting its Human Development Index (HDI) below the
national average, which is 0.603, according to The United Nations Program for the
Development/2000 (PNUD/2000).
From the observations made by the people who participate of Rondon Project
(rondonistas) in an operation to return the project Rondon to the town of Comercinho which had the focus, activities related to health, educational and environmental issues these
have
seen
the
main
factor
promoting
local
problems.
This discussion is based on diagnoses made on the basis of experience in the field
coupled to an analysis of the agrarian question in this city.
The most significant factor that spurred this discussion is the poor distribution of land
and aggravating these are concentrated on the hands of local politicians, contradicting
it’s actual duties as representatives of the people.
The main problems are found in the location, lack of sanitation and poor in education
and health, and poor distribution of income, they can be found in two areas - urban /
rural - that seem to be separate but that the proposed geographic studies is an analysis of
the complementarity of these two.
Thus, using the geographic thought is that you can find the source of local problems
arising from a possible common point, that within the agrarian problem.
Key – words: Rondonistas, Land Concentration.
INTRODUÇÃO:
A história do município inicia-se em 1860 com a chegada de Bruno de Resende e
comitiva na região. Com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária, o povoado
prosperou e foi denominado Comercinho do Bruno, em homenagem a seu fundador.
Mais tarde foi elevado à categoria de distrito e, posteriormente, a vila, subordinado
sucessivamente a Araçuaí e Medina. Em 1948, emancipa-se.
Os primeiros relatos da história de Comercinho têm início com as primeiras expedições
de bandeirantes ao interior do Brasil na primeira incursão de europeus ao território,
conhecido hoje como o estado de Minas Gerais.
Por possuir Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito abaixo da média
nacional, sendo este de 0,603, segundo o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento/2000 (PNUD/2000), o município de Comercinho –MG foi escolhido
para receber as equipes do Projeto Rondon, sendo estas da Universidade Federal de
Uberlândia, da Universidade de Brasília. A operação aconteceu com apoio da Prefeitura
Municipal de Comercinho, entre 30 de janeiro e 08 de fevereiro do ano de 2009.
O Projeto Rondon é coordenado pelo Ministério da Defesa e envolve a participação
voluntária de estudantes universitários buscando contribuir para o desenvolvimento de
municípios carentes e revelando a estes jovens a realidade de nosso país (Foto 1). As
equipes são orientadas e procuram realizar um trabalho de conscientização coma
comunidade e auxiliar ao máximo a população residente no município de destino.
Foto 1: Equipe da Universidade Federal de Uberlândia
Fonte: MELO, B. M. D. 2009
O município de Comercinho – MG já havia sido beneficiado com a Operação Norte de
Minas em julho de 2008, e neste verão de 2009 foi decidido que haveria um retorno à
região para que se pudesse melhor trabalhar a questão da esquistossomose, muito
presente no município, além de aspectos ambientais, educacionais e sanitários. Toda
esta frente de trabalho no município se pautou sobre o mapeamento das coleções
hídricas da região de Comercinho – MG.
A equipe formada por alunos de graduação da Universidade Federal de Uberlândia e por
dois Professores da Escola Técnica de Saúde, também da Universidade Federal de
Uberlândia, percorreu fazendas, terrenos na cidade e nas redondezas em busca de
nascentes de córregos a serem mapeadas (Foto 2). Além do mapeamento, a equipe
procurou orientar os proprietários dos terrenos onde se localizavam estas nascentes e
também os moradores da região, para que cuidassem da água que ali brotava do solo.
Foi sugerido aos moradores que plantassem mudas ao redor das nascentes para que as
protegesse. Todos acataram as orientações e se comprometeram a segui-las.
Algumas nascentes estavam comprometidas, sem proteção vegetal. Os proprietários das
terras onde se localizam as nascentes são em sua maioria latifundiários. Como se pode
perceber, não somente as terras estão em mãos de grandes proprietários, mas também a
água, o que impede que pequenos produtores plantem seu próprio sustento.
Foto 2: Nascente visitada pela equipe em propriedade particular
Fonte: SANTOS, L. S. 2009
De fato, o município é bastante carente em infra - estrutura e é nítida a ausência de
políticas públicas eficazes. Trata-se de um município que não possui rede de esgoto e as
casas ainda possuem fossas. Suas ruas não são asfaltadas e são mal iluminadas (Foto 3).
Foto 3: Uma das ruas da cidade de Comercinho – MG
Fonte: ARAÚJO, K. F. 2009
A educação é precária, e só é oferecida até o ensino médio. A equipe também realizou
na escola de Comercinho – MG atividades com as crianças e jovens, relacionadas ao
meio ambiente (Foto 4). Estas atividades não se realizaram, porém somente em
Comercinho - MG, mas também nos seus distritos, sendo eles, Água Branca de Minas e
Taboa.
Foto 4: Oficina realizada na escola da cidade de Comercinho – MG
Fonte: SANTOS, L. S. 2009
Nestes eventos, as crianças foram convidadas a criar brinquedos com materiais retirados
do lixo e com isso, lhes foi explicado sobre a necessidade de retirarem o lixo das ruas e
preservarem deste modo, o meio ambiente (Foto 5).
Foto 5: Oficina para montagem de brinquedos com material reciclável
Fonte: MELO, B. M. D. 2009
A população está em uma área de risco de infecção pela esquistossomose, além de
demais doenças causadas pela utilização de água sem tratamento eficaz e pela falta de
tratamento de esgoto. Todos estes aspectos foram decisivos para a realização deste
trabalho. Já que, a carência de um município tem ligação direta com as decisões e com o
empenho político de seus governantes.
Foi então, a partir da observação da realidade local e da vivência desta realidade mesmo
que por um curto período de tempo, que surgiu a necessidade de se relatar as condições
precárias enfrentadas diariamente por esta população.
OBJETIVOS:
Esse trabalho tem por objetivo analisar e discutir como se dão as relações entre
latifundiários e a população do município de Comercinho, estado de Minas Gerais.
Como o trabalho é fruto de uma observação de campo durante uma missão do Projeto
Rondon, o objetivo é buscar interpretações do que foi vivenciado podendo assim
relacionar teorias ligadas à concentração de terra e dominação política. Para
compreender a realidade do município, é preciso também, relacionar o espaço urbano e
o espaço rural, uma vez que existe complementaridade entre eles.
Com esse trabalho, pretende-se, investigar a razão de problemas que fazem de um Vale
tão rico naturalmente, se tornar o “Vale da Miséria”. Esse estigma de miséria é
contestado por ser uma possível visão industrialista, mas é nítida a extrema
desigualdade presente na região e mais especificamente no município Comercinho, foco
da discussão, e como exemplo numérico da situação é possível observar a tabela abaixo
de estatísticas do IBGE entro os períodos de 2000 a 2007:
Principais aspectos de Comercinho-MG entre 2000 e 2007
Contagem da População 2007
8.720
Área da unidade territorial (Km²)
657
PIB per capita (2006)
3.081 reais
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
2.416 habitantes
idade - rendimento nominal mensal - até 1
salário mínimo - municípios vigentes em
2001
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
idade - rendimento nominal mensal - mais
de 1 a 2 salários mínimos - municípios
vigentes em 2001
491 habitantes
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
141 habitantes
idade - rendimento nominal mensal - mais
de 2 a 3 salários mínimos - municípios
vigentes em 2001
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
107 habitantes
idade - rendimento nominal mensal - mais
de 3 a 5 salários mínimos - municípios
vigentes em 2001
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
52 habitantes
idade - rendimento nominal mensal - mais
de 5 a 10 salários mínimos - municípios
vigentes em 2001
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
11 habitantes
idade - rendimento nominal mensal - mais
de 10 a 20 salários mínimos - municípios
vigentes em 2001
Pessoas residentes - 10 anos ou mais de
3 habitantes
idade - rendimento nominal mensal - mais
de 20 salários mínimos - municípios
vigentes em 2001
IDH (2000)
0,603
Tabela 1: Principais aspectos de Comercinho entre os anos de 2000 e 2007
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Não é objetivo desse trabalhar generalizar a análise do Vale do Jequitinhonha como um
todo partindo apenas de um município do Médio Jequitinhonha, pretende-se apenas
colocar em questionamento o domínio político que se apresenta vinculado aos grandes
latifundiários. É uma realidade comum de pequenas localidades os moradores mais ricos
e detentores de bens se tornarem os governantes, mas a questão proposta é uma
inversão, ate que ponto um governante pode usufruir de seu poder em beneficio próprio.
O enriquecimento através da concentração de terra, que nitidamente é a fonte de riqueza
da localidade, exemplificada pelos dados da tabela 2, não é uma fonte de riqueza de
altos valores em dinheiro, mas é a comparação a proposta dessa discussão, onde a
desigualdade é extrema e as políticas públicas parecem falhas, por diversos possíveis
motivos como má administração, falta de recursos, destinações indevidas, etc. Dessa
forma fica cabível nessa discussão as relações urbanas e rurais, tão nítidas nessa
localidade, onde na área rural se destaca a fonte de sobrevivência da maioria da
população e fonte de enriquecimento para uma minoria.
Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes
ANO
1998
1999
2000
2001
2002
AGROPECUÁRIA
4.790
4.788
4.942
4.591
5.283
INDÚSTRIA
549
2.282
2.734
2.721
3.561
Unidade R$(mil)
SERVIÇO
TOTAL
3.459
8.798
8.988
16.058
10.407
18.083
11.156
18.468
12.291
21.135
Tabela 2: Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes.
Fonte: Fundação João Pinheiro (FJP) Centro de Estatística e Informações (CEI)
Esse trabalho é construído com a intenção de transferir, de maneira conclusiva, as
diferentes visões relatadas por moradores do município Comercinho de diferentes
idades e situações. Foi possível acompanhar reuniões e assembléias públicas e ter
acesso aos governantes que manifestaram as diversas dificuldades de administração e
também a visão da população da área urbana e rural.
Em meio à complicada realidade brasileira da questão agrária, proponho-se com esse
apanhado de informações, e a busca na extensa literatura a cerca do assunto, entender
uma relação de poder que surge como possível causador de uma grave situação
encontrada em todo o país que a desigualdade territorial.
O objetivo desse trabalhar é também elucidar a vinculação do urbano e do rural, onde o
local de pesquisa, município Comercinho, tem claramente esses dois ambientes
extremamente atrelados com intensa relação.
REFERENCIAL TEÓRICO:
O Vale do Jequitinhonha é uma região marcada por conflitos e conhecida pela miséria
enfrentada por sua população, pelo menos, por grande parte dela, afinal, latifundiários
também habitam a região. É uma localidade extremamente rica ecologicamente, mas
que vê na seca um sério agravante para o progresso da região. É evidente que, a seca por
si só causa estragos e gera empecilhos, mas, a captura das terras e da água por parte
destes grandes proprietários de terra, é certamente o maior problema enfrentado pelos
moradores do Vale.
Para auxiliar a busca por soluções aplicáveis para esta região de Minas Gerais, é
necessário que haja um conhecimento prévio das dificuldades enfrentadas por este povo,
e para tal, a obra “Políticas Públicas no Vale do Jequitinhonha: a difícil construção da
nova cultura política regional” de autoria de Joaquim Celso Freire Silva, revela questões
relevantes que não podem deixar de ser discutidas quando mencionada esta região do
Vale do Jequitinhonha. Afinal, as políticas que coordenam e definem o
desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha devem basear-se nas características próprias
do local, levando sempre em consideração seus aspectos econômicos, culturais e,
sobretudo sociais.
O autor discute o conceito de região a partir da óptica globalizada, que defende uma
política de inserção no mundo da globalização, e também a partir da óptica regionalista
que defende as forças do próprio território para sustentá-lo.
De fato a globalização trás muitos progressos e é capaz de inserir uma região no
contexto político mundial através dos meios de comunicação que facilitam o diálogo e o
debate, em busca de melhorias para cada localidade. A inserção no contexto global
permite também que o capital se mova de região para região trazendo benefícios nas
áreas de transporte, saneamento, moradia, educação e saúde, sendo todas estas
necessidades básicas e direito de todo cidadão. Com a mobilidade do capital, também
podem ser gerados novos empregos que movimentarão a economia regional.
Contudo, a globalização não proporciona tantos benefícios quanto poderia, caso
contrário, não haveria disparidades regionais tão marcantes entre as regiões de nosso
país. Segundo o autor, a competição entre as regiões leva a uma uniformização do
território, e assim, as características particulares de cada localidade se perdem, ficando
cada vez mais difícil contornar problemas que dizem respeito às condições econômicas
e sociais da região.
Enquanto os globalistas recomendam uma política regional de inserção no mundo
globalizado, a visão regionalista assinala uma política pública que busque as soluções
de desenvolvimento dentro do próprio território. É a partir das particularidades de cada
região que vai se encontrar e criar o encaminhamento de soluções para suas demandas.
Se a proposta globalista aponta para fora, para uma zona de livre comércio, a proposta
regionalista aponta para dentro, para a construção da alternativa regional. (SILVA, J. C.
F., 2006).
Por isso, obter um conhecimento claro e objetivo das características particulares de cada
região é extremamente necessário para a elaboração de políticas públicas que de fato
atendam a comunidade como um todo.
No Vale do Jequitinhonha, contudo, a pobreza da região revela a falta de políticas
públicas que sirvam para sustentar e apoiar os habitantes daquela localidade. Esta
ausência de uma política efetivamente atuante deve-se principalmente ao fato de que o
poder na região, assim como em outras regiões de nosso país, está concentrado nas
mãos de poucos, que atendem suas próprias necessidades e deixam de lado as
necessidades coletivas.
O latifúndio certamente é a principal causa da estagnação da região do Vale do
Jequitinhonha, assim como acontece no Nordeste brasileiro, regiões estas muito
semelhantes socialmente, economicamente e politicamente. A criação de gado, por
exemplo, é uma atividade predominante que ocupa pouquíssima mão – de – obra,
levando milhares de lavradores a deixarem o trabalho nas fazendas, e migrarem em
direção aos centros urbanos em busca de emprego e de sustento.
Além de ser a razão pela qual trabalhadores são expropriados de sua terra, ficando sem
condições de sustentar suas famílias, o latifúndio também é motivo para conflitos entre
estes lavradores e os proprietários e também entre proprietários. Salientando que,
conflitos estão presentes na região do Vale do Jequitinhonha desde sua colonização.
O conflito dos novos colonizadores com o indígena havia iniciado
com o minerador no Alto Jequitinhonha tornando agora mais intenso.
Segundo Moreno a proposta econômica era buscar os portos comerciais do
litoral para escoamento dos produtos agropecuários e aquisição de produtos
industrializados oriundos da Europa, o sal do Nordeste e querosene. Quando
D. João VI se transferiu para o Rio de Janeiro em 1808 autorizou a
construção de estradas no Jequitinhonha de modo a estabelecer intercâmbio
com a Bahia. (MORENO, 2001, p.50)
No Alto Jequitinhonha, região de Serro e Diamantina, onde
predominava a mineração, os índios eram destruídos, como bem ilustra a
novela “Acaica” de Joaquim Felício dos Santos, publicada em 1868, quando
não podiam ser aldeados para fins de trabalho escravo. No médio e no baixo
Jequitinhonha os índios conseguiram refúgio por mais um tempo, através de
condições geográficas e pastoris favoráveis, que facilitavam a sua resistência
contra as agressões dos aventureiros e caçadores. Mas no médio
Jequitinhonha nos primórdios do século XIX as autoridades determinam
guerra aos indígenas através da carta régia de 13 de maio de 1808. Esse
documento justifica a “guerra como justa” levando em conta as agressões
indígenas aos colonizadores. A guerra, segundo a carta régia só deveria ter
fim enquanto não fosse ocupada toda a região e patenteada a superioridade
dos brancos [...]. (MORENO, 2001, p.62)
Como observado, o Vale do Jequitinhonha foi palco para diversos conflitos que se
estendem até a atualidade. Questões políticas são as causas mais comuns para os
desentendimentos, que geralmente terminam em tragédia. No dia 16/03/2009, por
exemplo, o prefeito da cidade de Palmópolis, localizada no Vale do Jequitinhonha, foi
baleado ficando em estado grave no hospital. A polícia trabalha a suspeita de crime
político, já que a vítima teria se desentendido com a oposição nas últimas eleições.
Em um quadro geral, podemos afirmar que, a partir do século XVII, as regiões do Alto e
do Médio Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, constituíram um cenário no qual as
grandes fazendas de gado - com cativos, parceiros e agregados - disputavam o espaço
com pequenas propriedades familiares comandadas por lavradores independentes
(RIBEIRO, 1993).
Assentada historicamente sob a agricultura, a pecuária e a mineração, a economia da
região apresentou momentos de crise e prosperidade. Contudo, embora tenha sido
significativa sua importância na produção de víveres para o abastecimento de outras
regiões do estado, sua história ficou conhecida a partir de imagens de isolamento e
estagnação econômica forjadas no âmbito das políticas estatais que priorizavam a
modernização industrial do país em moldes urbanos (RIBEIRO, 1993).
Já em meados dos anos de 1940 e 1950, observamos um conjunto de profundas
transformações dadas pela inserção da economia regional em um mercado capitalista
mais amplo, onde as novas condições de concorrência dificultaram a venda dos
produtos tradicionais fornecidos pela região. A partir de 1960 e 1970, esse quadro se
agravaria em conseqüência de programas e intervenções governamentais, que, pautados
por uma visão desenvolvimentista com parâmetros industriais, tecnológicos e urbanos,
consolidavam imagens de pobreza e miséria atribuídas ao Vale (RIBEIRO, 1993).
Assim, identificada como “área problema” ou “bolsão de pobreza”, a região sofreu o
impacto de três grandes frentes de modernização do capital: a expansão da pecuária, a
introdução da cafeicultura e implantação das reflorestadoras (RIBEIRO, 1993).
Auxiliadas por políticas de incentivos fiscais e créditos, essas três frentes de expansão
provocaram mudanças significativas na distribuição e no acesso à terra. Os
reflorestamentos, por exemplo, foram implantados em áreas de chapada, consideradas
terras devolutas e concedidas pelo Estado às empresas privadas, para a exploração. As
chapadas, no entanto, eram tradicionalmente destinadas ao uso comum pelos lavradores
locais, a partir de então, privados de grande parte das terras onde realizavam o
extrativismo coletivo e a criação do gado na larga (RIBEIRO, 1993).
Mesmo com medidas provenientes do Estado, em parceria com grandes empresas
nacionais e multinacionais, a região do Vale do Jequitinhonha ainda sofre com a miséria
e com a falta de oportunidades para seus habitantes. O fato é que com a entrada de
empresas capitalistas altamente lucrativas, o latifúndio tradicional acaba dando espaço
para o latifúndio movido pelo sistema capitalista, ou seja, o pequeno lavrador que antes
se submetia ao latifúndio, agora esta entregue nas mãos gananciosas do capital.
O Estado, ao viabilizar os complexos agroindustriais e
favorecer o empresariado rural em detrimento dos produtores
familiares camponeses, tem mantido os velhos pactos entre os
setores do bloco hegemônico, contando sempre com a resistência,
algumas vezes manifestada com violência, desses camponeses que
desenvolvem estratégias de sobrevivência particulares ou coletivas,
quando integrados a movimentos sociais rurais (embora não
exclusivamente com contingentes rurais) como o MST, o de maior
expressão até o momento. (RUA, 2005, p.48)
Tanto descaso com a população local, todo este jogo que deixa sempre o trabalhador a
mercê de sua própria sorte, é muito presente na região do Vale. E foi esta a realidade
observada na operação de retorno do Projeto Rondon neste início de 2009. ComercinhoMG apresentou-se como um município carente socialmente, que deixa a desejar quando
o assunto são as políticas públicas da região. Isso acontece principalmente porque as
terras estão concentradas sob o comando de poucos latifundiários, enquanto os
lavradores se submetem a uma vida de pobreza. Além disso, o governo municipal é
composto por estes mesmos latifundiários que acabam se beneficiando de alguma
maneira. Toda esta situação ainda é agravada pelo clima da região, que trás sérios
problemas decorrentes da seca.
Ressaltando que, a seca é sim um agravante que dificulta a vida e a lida de milhares de
moradores do Vale do Jequitinhonha, mas, este fator climático não pode ser utilizado
como justificativa para a pobreza existente na região. Afinal, é muito cômodo para o
Estado apoiar-se na seca para acobertar o latifúndio, a má distribuição de renda e terra e
a conseqüente miséria da população.
Diante de tantas carências, aliadas à falta de apoio governamental e somado a isso, as
conseqüências da seca na região, fazem com que a cada dia mais pessoas busquem na
migração a possível solução para seus problemas. Os deslocamentos de habitantes da
região do Vale acontecem principalmente em direção ao Sudeste do país, para servirem
de mão – de – obra em culturas sazonais como a cana – de – açúcar e o café.
A migração torna-se então a solução mais imediata para as dificuldades enfrentadas
pelos habitantes que ficam sem trabalho e sem meios para sustentar suas famílias.
Contudo, sabe-se que, o deslocamento destas pessoas para centros urbanos acaba
colocando-as à margem da sociedade e fazendo-as enfrentar novamente um cotidiano de
muita luta e poucas vitórias.
Mesmo que esta população não se desloque para outros municípios, ou grandes centros
urbanos, a saída do campo pode resultar em mais moradores na cidade de Comercinho –
MG. E, devido suas precárias condições de saneamento, infra – estrutura, isso pode
piorar a qualidade de vida da população. Como se pode observar na Tabela 2, a
população residente na área urbana cresceu entre 1970 e 2000, sendo que, houve um
crescimento significativo desta população entre 1980 e 2000, ou seja, em 20 anos de
contabilização da população urbana no município de Comercinho - MG observa-se que
este número praticamente dobrou.
Com isso, o número de habitantes da zona rural deste município sofreu redução
considerável no decorrer de 30 anos de contabilização, resultado da migração da
população rural para a área urbana do município, ou para demais municípios da região e
do país, provavelmente em busca de melhorias na qualidade de vida, já que o campo
deixa de ser a fonte de sustento de diversas famílias.
ANOS
1970
1980
1991
2000
2005(1)
População Residente
1970, 1980, 1991, 2000, 2005
URBANA
RURAL
1.472
8.295
1.437
7.869
2.311
7.929
2.949
5.756
Tabela 2: População residente no município de Comercinho - MG
Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
TOTAL
9.767
9.306
10.240
8.705
10.181
(1) Dados preliminares
É neste contexto que o presente trabalho pretende apresentar as relações entre os
latifundiários e a população habitante de Comercinho- MG, e também como estas
relações afetam a migração de pessoas do campo para a cidade, mesmo que a cidade não
possua condições favoráveis para receber e abrigar estes novos habitantes.
METODOLOGIA:
Característica da área de Estudo
Comercinho é um município localizado no Vale do Jequitinhonha (Mapa 1), na
microrregião de Pedra Azul, segundo informações do IBGE/2008. Possui uma
população de 8.637 habitantes, segundo o IBGE/2009.
Mapa 1: Localização de Comercinho – MG
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Comercinho
Os municípios limítrofes à Comercinho são Medina, Salinas, Santa Cruz de Salinas,
Rubelita e Itinga.
O município é conhecido como "Terra da Cachaça" por produzir artesanalmente uma
das melhores aguardentes do país. Dentre elas, estão a Contra-veneno, a Vencedora, a
Baianinha e a cachaça Favorita. O Município também se destaca na produção de fumo e
pecuária.
Procedimentos metodológicos
Etapa 1: Conhecimento da área de estudo: A partir da Operação Verão 2009, que
consistia em um retorno ao município de Comercinho – MG, foi possível conhecer a
estrutura política, social, dentre outros do local surgiu a necessidade de se relatar a
situação do latifúndio neste município e como isso afeta diretamente o bem-estar da
população local.
Etapa 2: Questionamentos com a população: Após uma análise prévia da situação do
local, via-se a necessidade de compreender a visão da população acerca do cenário
político e social do município, para isso foi realizado questionamentos, com anotações e
discussões com os moradores locais e a equipe da operação do projeto.
Etapa 3: Organização dos dados coletados: Para relato do que foi presenciado na
Operação do Projeto Rondon, os dados coletados no local foram atrelados a
bibliografias referentes ao assunto para que se complementassem na fundamentação do
trabalho.
RESULTADOS:
Após constatar a situação de carência enfrentada pela população de Comercinho-MG,
deve-se salientar que a mesma pode ser considerada insustentável por acreditar que ela
pode não possuir uma solução em curto prazo, já que, o governo municipal composto
por latifundiários concentradores da renda do município, não demonstram
aparentemente medidas que atuem na modificação desta realidade encontrada.
Observa-se que a população almeja e promove algumas ações na tentativa de mudar o
cenário que estão inseridos, mas, geralmente ao se depararem com algumas situações,
tais como, políticas que menosprezam os pequenos trabalhadores, promessas não
cumpridas pelos políticos, são desmotivados.
Enquanto o latifúndio concentra as terras da região, deixando lavradores sem sua fonte
de sobrevivência, a cidade vem abrigando estes habitantes que deixam a zona rural em
busca de trabalho no meio urbano. Mas, como se pode observar, a cidade não possui a
mínima estrutura para acolher esta população que vem se deslocando, deixando-os em
situação igualmente precária e miserável.
Toda a análise do trabalho conclui que o país tem um histórico grave de desigualdades
territoriais. E se tratando essa análise de poder público, como grande colaborador de tal
situação, é preciso solucionar primeiramente a política do Brasil, para depois propor leis
que favoreçam territorialmente e igualmente os moradores dessa nação, e assim fazê-las
cumprir. A reforma agrária precisa ser vinculada à reformas políticas para futuramente
se tornar uma realidade concreta e vigente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MORENO, C. A colonização e o povoamento do Baixo Jequitinhonha no século
XIX: a guerra contra os índios. Belo Horizonte: Canoa das Letras, 2001.
RIBEIRO, R. Campesinato: Resistência e Mudança – O caso dos atingidos por
barragens do vale do Jequitinhonha. 1993. 504 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia)
– Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 1993.
RUA, J. A resignificação do rural e as relações cidade-campo: uma
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RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar e discutir como