CORPO QUE CONSTRÓI UMA DRAMATURGIA
Projeto de Pesquisa apresentado ao
programa de Pós-Graduação em Artes –
Curso Mestrado – Subárea Teatro –
Instituto de Artes – Universidade Federal
de Uberlândia. Linha de Pesquisa: Práticas
e Processos em Artes.
Discente: Marly Magalhães.
Orientador: Fernando Aleixo
Esta proposta apresentada como Projeto de Pesquisa, pensada como
uma carta de intenções esboça um trabalho de pesquisa que pretende atuar
tendo como foco a questão da voz no trabalho do ator. Mais precisamente, a
pesquisa abordará o estudo sobre o mecanismo de produção vocal no
contexto do trabalho de pessoas (não necessariamente atores) portadores de
alguma deficiência auditiva (surdo/mudo). A experiencização através
da
prática, do trabalho em grupo, do contato direto. As motivações que me
levam a formular tal proposta é a possibilidade de aprofundar parte das
pesquisas iniciadas na graduação quando no desenvolvimento das bolsas de
iniciação científica e de iniciação artística1. Também, a ampliação da ênfase do
trabalho vocal a partir do redirecionamento do objeto/foco do estudo:
pessoas
surdas.
Tal
objeto
exige,
necessariamente,
uma
abordagem
interdisciplinar envolvendo estudo de linguagens, a comunicação e expressão
do corpo e da voz.
Esta pesquisa, ao incorporar ações de estudo e treinamento vocal,
possibilitará o desenvolvimento acadêmico e de formação técnica aliando
processo de criação, reflexão e fundamentação conceitual e teórica. Nesse
trabalho os termos: “voz”, “palavra”, “fala”, serão sempre citados trazendo
como referência a comunicação de maneira geral, com gestos e língua de
sinais, o qual o foco principal é a emissão de sons. A utilização dos
vibradores/ressonadores para potencialização da emissão sonora do ator e a
ação física.
1
PIBIC: A Benfazeja: O Trabalho Vocal na Composição do Tipo Teatral, 2010. PINA: A
Benfazeja: Teatro e Literatura à partir de um Conto de Guimarães Rosa, 2011.
1
Vibradores/Ressonadores:
“Na vibração e ressonância da voz envolvemos o corpo inteiro
com todo o seu conteúdo sensível. Embora não existam
comprovações científicas sobre o fenômeno da ressonância
subglótica (cavidades torácica e traqueal abaixo da glote), o
ator deve, no uso da imaginação, desenvolver a capacidade de
produzir vozes a partir de diferentes regiões do corpo. O que
lhe permite fazer vibrar em diferentes padrões as pregas vocais
e, conseqüentemente, alcançar um repertório amplo de
registros vocais”. (ALEIXO. 2007, p. 51)
Serão abordados os estudos do encenador Constantin Satnislavski,
sobre o uso da voz em cena, sobre ações físicas, dramaturgia do corpo.
Stanislavski em sua obra estabelece conceitos como os do subconsciente, da
atenção, da imaginação e da memória, da visão periférica. Neste caso, o
corpo que fala, o corpo que constrói uma dramaturgia, já que as pessoas
envolvidas não possuem a voz falada como recurso de comunicação, e sim
utilizam do corpo todo para se comunicarem.
Ao invés de responder com
palavras, ergueu-se rápido,
caminhou despachadamente até o palco e sentou-se com todo
seu peso numa poltrona, para descansar, como se estivesse em
sua casa. Não fez nem tentou fazer coisa alguma e, a sua
simples
postura,
sentado,
impressionava.
(STANISLAVSKI,
1994, p. 63)
O trabalho realizado junto às pessoas surdas nos revela como elas
buscam naturalmente uma maneira de interagir com os ouvintes, já que uma
pequena minoria de ouvintes fala a língua de sinais, então elas buscam meios
como a atenção, a memória e mesmo a imaginação para ampliar seus recursos
de fala. As pessoas surdas têm uma facilidade enorme em buscar a memória
emotiva, passar o sentimento pra pele, pra expressão facial e corporal sem
que pareça estereótipo, tudo muito natural. A utilização da visão periférica, o
falar com os olhos. A criança filha de pessoas surdas não chora quando
desejam algo, porque sabem que não serão ouvidas, sendo assim utilizam de
gestos, do corpo para serem entendidas. Seus corpos são trabalhados desde
o nascimento para falar, para manifestar suas vontades, quando em cena esse
corpo é um verdadeiro espetáculo.
2
Um exemplo claro desta potencialização gestual/corporal dos surdos, o
falar com o corpo, construir uma dramaturgia com o próprio corpo, está nos
filhos dos casais surdos, ou mesmo quando só um dos pais é surdo. Neste
caso o filho fala Libras fluentemente, mas percebe-se que o corpo não sente
uma necessidade explícita em falar por ser ouvinte, não mostra tão natural
como os surdos natos, ele fala com as mãos e com a expressão facial e
corporal exigida para o sinal2, sem envolver-se num todo, corporalmente.
Um dos anseios com este trabalho é que as pessoas surdas que
queiram fazer teatro entendam que LIBRAS, a linguagem deles, é só mais um
elemento para composição teatral, e não uma obrigatoriedade. Os surdos
temem muito, devido a História vivida por seus antepassados, de quando a
linguagem de sinais era proibida em escolas, que os ouvintes estejam
querendo
obrigá-los
a
falar,
por
isso
eles
evitam
utilizar
os
vibradores/ressonadores para potencializar a produção sonora, eles optam
pela língua de sinais e rejeitam a emissão sonora, mesmo que pra composição
da cena. A idéia é que eles criem uma dramaturgia com o corpo, com o que
eles possuem de possibilidade sonora e se utilizem da LIBRAS em momentos
desejados, ou que ela se faça realmente necessária dentro da proposta do
ator e não do ser humano.
Um trabalho realizado com a aluna Lorena Carla, do Curso de Teatro, de
quando realizaria sua habilidade específica, foi o norteador de toda essa
proposta de trabalho. No momento foi usada uma mistura de linguagens,
corporal e de sinais. Ela estudou o texto a ser apresentado em LIBRAS, depois
foram
selecionados
alguns
sinais
que
contribuíam
para
estética
e
entendimento da cena e também para dramaturgia textual como; sangue,
morte, rio, peixes, pássaros e outros. Então a ação física, a expressão
corporal e facial compunha a cena, ou seja, o corpo dela em cena. Poucos dias
de trabalho e ela já conseguia reproduzir o som de um navio zarpando. Com
um simples toque de sua mão no pescoço de quem emitisse o som e ela
conseguia reproduzir o som. O resultado foi satisfatório para o que era
exigido naquele momento, fazendo pensar o que seria o universo da pessoa
2
A Língua de Sinais exige expressões faciais e corporais que acompanham os sinais,
dando às vezes outro significado ao sinal, como o de aceitação e rejeição, por exemplo.
3
surda interpretando, já que Lorena era a primeira aluna surda da Universidade
Federal de Uberlândia no curso de teatro. Como Stanislavski nos apresenta
um estudo voltado ao trabalho corporal, ações, imaginação, trabalho vocal do
ator, porque não debruçar sobre seus ensinamentos para adquirir ferramentas
para esse trabalho, focar o corpo em cena, movimentação, gestos, o estar em
cena, presença cênica, fé cênica. Em seu livro “A Preparação do Ator”
(1964), Stanislavski declara que o trabalho corporal de um ator deve ser feito
de forma consciente, com possibilidades para desenvolver a organização
espaço-temporal, a resistência, a flexibilidade. A proposta desse trabalho é
estimular o sistema sensorial, trabalhar a voz como extensão do corpo e o
movimento desse corpo no espaço, utilizando uma linguagem própria para
construir uma dramaturgia.
Vários outros autores serão referenciais para essa pesquisa, por
exemplo:
Jerzy Grotowski acredita que o ator deve trabalhar seu aparelho vocal
entendido como composição corpórea. Voz, movimento e respiração, criam
toda a poética cênica. Cada indivíduo respira em seu tempo, então se faz
importante a comunhão entre respiração, vibradores e todo o corpo.
Grotowski fala de forma pontual, da importância do ato de respirar, da voz
como extensão do corpo, dos vibradores/ ressonadores como instrumento de
ampliação de possibilidades vocais.
Sara Lopes fala sobre a importância que se dá ao ato de saber respirar
para ampliar movimentos e capacidade de emissão de sons. O controle da
respiração para a execução de um trabalho teatral também é possível a um
deficiente auditivo. A voz que Lopes define como instrumento poético se faz
possível às pessoas que movimentam seu aparelho vocal, mesmo que
debilitado por alguma deficiência. A comunicação teatral também é possível
através de outros meios como o olhar, ações físicas e a expressão corporal.
O fonoaudiólogo Madel Valle Rodrigues trata sobre as deficiências de
ressonância dos surdos. Madel Valli Rodrigues traz em seu trabalho de
conclusão de curso Aspectos vocais no deficiente auditivo, ponderados
apontamentos sobre o aparelho vocal dos deficientes que muito auxiliarão na
4
pesquisa cênica que se pretende realizar. Valle Rodrigues revela que “o
indivíduo com deficiência auditiva tem grande possibilidade de apresentar
desvios do padrão normal da voz. São citados problemas como ressonância
“cul-de-sac”, faríngea ou nasal” (RODRIGUES, 1997, p.6).
Aline do Carmo Prado, fonoaudióloga, lotada na secretária de Saúde do
Rio de Janeiro e de Itaguaí, especialização em Voz pelo CEFAC- Saúde e
Educação e Moacyr Sreder Bastos (MSB), defende que a produção vocal dos
surdos é geralmente acompanhada por uma alteração da ressonância faríngea
excessiva do tipo de “cul- de-sac”.
Certamente
no
avançar
da
pesquisa
muitos
outros
autores,
pesquisadores surgirão para orientar e fomentar este trabalho. E como
metodologia será necessário aprofundar o estudo da Língua de sinais, LIBRAS,
focando a busca de sinais que poderão ser usados poeticamente dentro da
própria linguagem. Pois com a experiência nota-se que os sinais usados no
cotidiano dos surdos não satisfazem a linguagem poética teatral. Como o
intérprete trabalha com contexto, fica a desejar com relação ao conteúdo do
teatro, visto que nem sempre o intérprete é conhecedor do fazer teatral e
sua interpretação fica longe da proposta, pois sentimento, imaginação,
criatividade, emoção fazem parte do nosso dia a dia e não podem ser
deixados de lado, ignorados simplesmente por defender um contexto.
Também experimentos e práticas vocais, exercícios técnicos para o
desenvolvimento
dos
elementos
vocais
(sons),
explorando
vibradores/ressonadores junto ao grupo formado por surdos. Estudo teóricopesquisa e estudo de bibliografias específicas sobre a voz e a criação teatral
para surdos e busca de bibliografias e ou experiências práticas de jogos
teatrais possíveis aos surdos.
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5
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Marli Fernandes MagalhãesUniversidade Federal de Uberlândia