ESTÁGIO SUPERVISIONADO: UMA OPORTUNIDADE DE
REFLEXÃO DAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE CIÊNCIAS
ULIANA, Edna Regina – UFMT
[email protected]
Eixo Temático: Práticas e Estágios nas Licenciaturas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
As licenciaturas no país permanecem, desde sua origem na década de 1930, sem alterações
significativas em seu modelo, pautadas na maioria das vezes sob a lógica da racionalidade
técnica, onde prevalece a separação entre teoria e prática, sendo às vezes o estágio
supervisionado o único momento de ruptura desse modelo. Neste artigo são apresentadas
experiências e reflexões a respeito da importância do estágio supervisionado na formação
inicial de professores de ciências, a partir de vivências na disciplina prática de ensino de
biologia I, enquanto graduanda do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de
Mato Grosso, no ano de 2006. O trabalho realizou se segundo uma abordagem qualitativa,
valendo se das contribuições da pesquisa participativa e em ação durante o estágio feito em
duas escolas da educação básica e universidade, nestes houve a participação cooperativa de
vários sujeitos. Foram etapas do estágio: Preparação: Planejamento e Pré-Estágio; Estágio
Supervisionado: Regência e Oficina Pedagógica; Avaliação; Auto-Avaliação e confecção de
relatório final. Cada etapa foi de fundamental importância não só para nos preparar para
docência, com segurança e autonomia, mas também rompendo com o modelo dualista
presente, levando-nos a reflexão individual e coletiva sobre a responsabilidade do ser docente,
do nosso protagonismo na construção da identidade profissional e aproximação com a
realidade na qual atuaremos. O estágio deixou de ser mera disciplina do currículo, incorporou
múltiplos conhecimentos da formação profissional, desenvolvendo atividades que
fomentaram a análise e a reflexão, sendo uma experiência da prática docente em que
encontramos oportunidades para perceber que a prática pedagógica e todas as áreas do
conhecimento têm sido desafiadas a superar a visão reducionista a fim de construir uma ação
pedagógica transformadora, crítica e reflexiva baseada em um paradigma emergente que vá de
encontro às necessidades atuais de Educação.
Palavras-chave: Estagio supervisionado. Formação de professores. Prática de ensino.
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Introdução
As licenciaturas no Brasil foram criadas nos anos 30, principalmente como
conseqüência da preocupação com a regulamentação do preparo de docentes para a escola
secundária. Foram constituídas basicamente sob o modelo da racionalidade técnica, segundo
a fórmula “3 + 1”, em que “as disciplinas de natureza pedagógica, cuja duração prevista era
de um ano, justapunham-se às disciplinas de conteúdo, com duração de três anos” (DINIZPERIRA 1999). Os reflexos ou sombras desse modelo perduram até hoje nos cursos de
formação de professores, e talvez, nos cursos de ciências naturais mais fortemente ainda.
Nesse modelo, o professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com
rigor, na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico e do
conhecimento pedagógico. Portanto, para formar esse profissional, é necessário um conjunto
de disciplinas científicas e outro de disciplinas pedagógicas, que vão fornecer as bases para
sua ação. Sendo o estágio supervisionado, sob essa lógica visto como local aplicação, do
futuro professor, de tais conhecimentos e habilidades científicas e pedagógicas às situações
práticas de aula.
Entretanto contrapondo se a essa visão tecnicista e entendendo a formação docente
como um processo contínuo e historicamente situado, Mizukami (2002) afirma que formar o
professor não é simplesmente dotá-lo de uma bagagem de conhecimentos e habilidades, mas é
levá-lo à competência de reflexão.
E nesse contexto a vivência do estágio é o momento que pode ser traduzido num
grande desafio a ser enfrentado pelos futuros educadores, e ao refletirmos, estaremos achando
caminhos que nos levarão ao que sabemos ser não só uma atividade de aprendizagem situada
em tempos e espaços limitados e precisos, mas também uma ação primordial da construção da
própria identidade e história profissional.
O reducionismo dos estágios às perspectivas da prática instrumental e do criticismo
expõe os problemas na formação profissional docente. A dissociação entre teoria e
prática aí presente resulta em um empobrecimento das práticas nas escolas, o que
evidencia a necessidade de explicitar por que o estágio é teoria e prática (e não
teoria ou prática) (PIMENTA & LIMA, 2004, p.41).
O estágio supervisionado representa um momento disparo da crise entre teoria e
prática. Esse é o momento em que os alunos que não vivenciaram outro tipo de prática podem
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fazer uma aproximação real entre o que aprendem na universidade e o que vão ensinar, nos
diferentes campos de atuação.
Dentro do contexto enunciado acima tenho a pretensão de apresentar uma exposição e
reflexão da importância do estágio supervisionado na formação inicial de professores de
ciências, a partir do meu próprio processo de estágio supervisionado. Sinto-me pouco à
vontade para escrever este trabalho na primeira pessoa do singular, apesar de ser a minha
história, não significa de forma alguma que ela foi feita sozinha, mas também por numerosos
co-autores, por isso, na maior parte do tempo estarei escrevendo na primeira pessoa do plural.
Trajetória Metodológica
Do ponto de vista metodológico, o trabalho realizou se segundo uma abordagem
qualitativa, valendo se das contribuições da pesquisa participativa e em ação durante o estágio
supervisionado, que ocorreu no ano de 2006, na disciplina de Prática de Ensino de Biologia I
(7o Semestre) na Universidade Federal de Mato Grosso no curso de Ciências Biológicas Licenciatura Plena.
O estágio supervisionado foi feito em duas escolas da educação básica (uma publica e
outra privada) e universidade, e contou com a participação cooperativa de vários sujeitos.
Foram
etapas
desse
estágio:
Preparação:
Planejamento
e
Pré-Estágio;
Estágio
Supervisionado: Regência e Oficina Pedagógica; Avaliação, Auto-Avaliação e confecção de
relatório final.
Foram utilizados como material didático-pedagógico das aulas supervisionadas:
apostila, transparências e apresentações em multimídia, bem como, quadro negro, giz. As
aulas foram instrumentalizadas com atividades práticas planejadas e lúdicas, como:
experiências, aulas com microscópio óptico, dinâmicas, trabalhos em grupo e encenações.
Exposição e Reflexão
O Estágio supervisionado na construção de um docente
O estagio supervisionado desenvolvido na disciplina de Prática de Ensino I, sob a
coordenação da professora C. A., teve como objetivos nos preparar para docência, com
segurança e autonomia, e resolver uma problemática presente na disciplina de prática de
ensino: a fragmentação do ensino de ciências e biologia, que até então era desenvolvido em
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aulas teóricas ministradas pelo professor regular “regente da turma” e aulas experimentais
ministradas por nós estagiários.
O estágio realizado nas duas escolas, uma da rede publica de ensino (estadual) e outra
da rede privada, ambas em Cuiabá e próximas a Universidade Federal de Mato Grosso, e na
própria universidade, contou com a participação cooperativa de outros sujeitos, professora
supervisora, licenciandos-estagiários, alunos e professores dos anos finais do ensino
fundamental, visando não só a realização da carga horária obrigatória de estágio curricular,
mas transformações efetivas nos processos de formação e internalização da docência.
A metodologia adotada pela professora privilegiava a preocupação de propiciar
vivencias teórico-práticas da realidade escolar e da docência que subsidiassem informações
para que chegássemos as nossas próprias generalizações.
A primeira etapa da disciplina denominada Preparação, a qual engloba Planejamento
e Pré-Estágio, ocorreu dentro da própria universidade, ao longo dos dois primeiros meses, os
temas eram sorteados e tínhamos uma semana de intervalo para preparar a aula e ministrá-la à
professora e aos colegas, os quais comportavam se como alunos do ensino fundamental,
realizamos nesta etapa três aulas, com três temas e gradativo aumento do tempo das aulas,
iniciamos com 10 minutos, depois 30 minutos e finalmente 1 hora de aula. O objetivo inicial
deste pré-estágio, ou aula atividade era preparar-nos enquanto estagiários, para realizar o
estágio supervisionado propriamente dito, sob a forma de regência de aulas nas escolas da
rede básica de ensino. Segundo Barcelos (1998) o é também objetivo do pré-estágio:
propiciar situações de ensino ricas para a formação docente do estagiário.
Caracteriza se como uma situação simulada em que colegas e professor participam
ativamente da aula, assumindo um duplo papel: ora fazendo perguntas, pedindo
explicações como se fossem alunos; ora elogiando, oferecendo sugestões,
questionando como observadores da postura de professor do estagiário regente
(p.162).
Ao final do pré-estágio houve um fecundo debate com a participação de todos, através
da analise da avaliação escrita e individual que a professora nos entregou, com seus
apontamentos e pareceres. Os critérios por ela analisados inicialmente foram: Apresentou
plano de aula? Cumpriu o plano de aula? Os Objetivos refletem a realidade dos alunos?
Houve adequação do plano ao tempo de aula? Usou recursos didáticos? Privilegiou métodos
alternativos? Organizou bem o quadro? Teve boa postura? Tom de voz adequado?
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Movimenta-se com espontaneidade? Está seguro e Preparado? Contextualizou bem?
Envolveu os alunos na aula? Possui criatividade e jogo de cintura? Promoveu algum tipo de
avaliação do conhecimento após sua aula? E como resposta a esses critérios ela assinalava
sim, não e em parte, apontando os porquês nos dois últimos casos, além disso, ela fazia
observações e sugestões extras. A partir dos quais construímos nossos pareceres de autoavaliação quanto à aprovação ou necessidade de re-elaboração da aula.
Em um segundo momento, vivenciamos o Estágio supervisionado propriamente dito
sob a forma de: Regência e Oficina. Nessa fase em virtude da nossa transição de discentes
para docentes, através de leituras de artigos específicos sobre educação e diálogos durante as
aulas, fomos instigados a perceber o entrelaçamento da dimensão técnica, política e humana
da prática docente, para que atentássemos ao fato de que os conteúdos e fazeres docentes não
se dão de forma isolada ou descontextualizada, livres de subjetividade, ao contrário, fazem se
multiplamente articulados ao contexto histórico, socioeconômico, político, ideológico,
humano, repleto de diversidades e em constante transformação.
E sob essa perspectiva Levinski e Correa (2008) afirmam que as abordagens teóricometodológicas dos cursos de formação revelam em determinadas situações a sobreposição, a
contraposição ou ainda a negação de uma ou das dimensões que inscrevem a docência. Uma
dimensão não pode dissolver as outras no risco de comprometer o trabalho do professoreducador e as finalidades do processo ensino-aprendizagem.
Após esse convite à reflexão, assumimos em dupla a regência de turma na unidade
escolar da rede estadual de ensino, por uma semana e com acompanhamento das docentes,
responsável pela turma da rede básica de ensino e professora C. A..
Nessa fase enfrentamos o desafio de dar continuidade a unidade de ensino que estava
sendo trabalhada pela professora da turma “Terra e suas camadas” e ao mesmo tempo trazer
novidades didáticas que não fossem artifícios mirabolantes, sem exceder o tempo de 45
minutos de aula ou deixar de cumprir o plano de ensino anteriormente estabelecido pela
docente responsável pela turma.
A turma por nós assumida era de 5ª série do ensino fundamental, no período
vespertino, tendo em média 22 alunos, cuja faixa etária variou entre 13 e 23 anos. Por sermos
estranhas naquele ambiente e para eles, consideramos necessário o uso de uma dinâmica de
grupo para introdução do conteúdo e alcance do objetivo, ou seja, para que os alunos
pudessem participar ativamente das discussões, podendo argumentar acerca do tema proposto,
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ficando assim a nossa realidade de estágio o mais próxima possível do que realmente acontece
em sala de aula.
Na aula seguinte já iniciamos com uma avaliação diagnóstica, os questionamentos
objetivaram identificar e analisar o conhecimento prévio dos alunos, uma vez que segundo
Moreira (1999) a aprendizagem é significativa se o ensino partir das experiências, vivências e
conhecimentos anteriores dos alunos.
Avalio ser pertinente relatar neste momento as anotações feitas pela professora
supervisora, pois para nós as considerações feitas por ela inicialmente passaram
despercebidas, “som alto no exterior da escola, alunos na janela disputando a atenção dos
colegas de turma, pedir que os alunos sentassem nas cadeiras e não na mesa seria legal”. Logo
depois ela escreve: “Você permaneceu tranqüila e segura em sua aula e como reflexo dessa
tranqüilidade e capacidade de envolver dos alunos as situações que poderiam atrapalhar a aula
resolveram se naturalmente”. Essas considerações foram duplamente válidas, por um lado
ressaltando características positivas e por outro advertindo para necessidade de maior atenção
ao conjunto geral da sala de aula, a situação caminhou para um desfecho positivo, mas
poderia ter sido diferente.
Essa etapa foi de suma importância para nossa formação inicial enquanto futuros
docentes, pois vivenciamos a realidade da educação na rede pública de ensino, as nuances do
cotidiano escolar e das dificuldades no desenvolvimento do trabalho, conhecemos uma
pequena parcela do contexto e da problemática da vida dos atores (alunos, professores
administrativos, etc.) dessa rede, enfrentamos e acredito que conseguimos mostrar que é
possível com muita dedicação e esforço cumprir metas de conteúdos e trazê-los de formas
mais atraentes a todos.
Dentre todas as realidades vivenciadas por nós essa tenha talvez sido a mais difícil,
pois foi a que apresentou maior restrição de possibilidades, fossem elas de tempo, financeiras
ou de autonomia didática. Mas foi no contexto da escola publica que participamos de uma
reunião pedagógica e que percebemos o quanto é indispensável o trabalho de equipe na escola
e o sincronismo de objetivos educacionais.
Percebemos verdadeiramente que a prática pedagógica não é isenta de conhecimentos
teóricos e que estes, por sua vez, ganham novos significados quando diante da realidade
escolar.
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É fundamental investir na formação de um professor que tenha vivenciado uma
experiência de trabalho coletivo e não individual, que se tenha formado na
perspectiva de ser reflexivo em sua prática, e que, finalmente, se oriente pelas
demandas de sua escola e de seus alunos, e não pelas demandas de programas
predeterminados e desconectados da realidade escolar. É fundamental criar, nos
cursos de licenciatura, uma cultura de responsabilidade colaborativa quanto à
qualidade da formação docente (DINIZ-PEREIRA, 1999, P.117)
Nesse sentido, o contato do acadêmico de cursos de licenciatura com a comunidade
escolar deveria ser prioridade das instituições de ensino superior. Segundo Moreira (2001) é
desejável que escolas e faculdades reforcem seus elos com os diversos movimentos da
sociedade civil e que intensifiquem as tentativas de integrar a universidade com os sistemas
de Ensino Fundamental e Médio, não ficando então essa integração entre universidade e
sociedade somente a cargo do estágio supervisionado.
Na etapa seguinte do estágio supervisionado passamos então à rede privada de ensino,
na qual nos foi apresentada apenas a possibilidade de trabalhar com oficinas pedagógicas em
horário extra ao das aulas regulares dos alunos dos anos finais do ensino fundamental
(somente), diante da “restrição” imposta pela escola, a professora que não desejava abrir mão
de nossa vivencia na rede privada de ensino aceitou a condição.
As oficinas ocorreram durante uma semana, com duração de 4 horas cada (2 horas por
dia, ministradas em dois dias), trabalhamos também em dupla. Os temas foram bastante
variados e os alunos podiam escolher em qual oficina queriam participar. O tema trabalhado,
por mim e minha colega de dupla, foi verminoses, sendo a oficina então denominada:
“Verme: é nós na fita”.
Iniciamos com bastante nervosismo, resistência dos alunos e descrédito por parte de
alguns docentes da escola, em relação as oficinas propostas, sensações que não vivenciamos
na escola publica. No decorrer das oficinas as expectativas foram sendo atingidas e as
diferenças superadas devido à menor ansiedade por parte dos ministrantes e dos participantes
da oficina.
A partir da problematização sobre a relação dos vermes com o corpo humano e o
ambiente, os alunos apontaram diversas situações que poderiam contribuir favoravelmente
para a disseminação das verminoses e adoecimento humano, mostraram conhecer o assunto,
ter acesso a fontes variadas de informação e linguagem aparentemente mais complexa que a
adequada para a idade, com utilização de termos técnicos por exemplo. Em função da
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limitação de tempo de convívio com esses alunos não podemos inferir de forma segura sobre
a compreensão e domínio da linguagem utilizada pelos alunos.
A atividade de observação de slides apresentados por nós, bem como de amostras de
vermes conservadas em álcool e em laminas permanentes gerou muitas discussões, que além
de questões biológicas e ambientais envolveram questões sociais, de saúde pública, políticoadministrativas e históricas.
Revelando desta forma que o ensino de ciências e biologia está intimamente ligado as
Ciências Sociais, quando se entende que por meio dela acontece também à promoção do bem
estar social fazendo com que o próprio aluno visualize e reconheça os problemas a sua volta
correlacionando com a teoria aprendida em sala de aula.
Segundo Moreira (2001, p.39) é necessário considerarmos a cultura de origem e
experiência de vida do aluno como ponto de partida de uma prática pedagógica
voltada para os interesses dos setores populares.
Dessa maneira é indispensável que, durante seu preparo, o professor se capacite para,
em sua prática docente, compreender o universo cultural do aluno, a fim de que, juntos, a
partir do que conhecem, venham a se debruçar sobre os desafios que o mundo lhes apresenta,
procurando respondê-los, e, nesse esforço, produzam novos saberes (MOREIRA, 2001).
Ao longo dessa etapa já havíamos aprendido muito e agora estávamos mais articulados
enquanto grupo, havia em nós colegas de turma um sincronismo e espírito de equipe,
sabíamos onde e como buscar auxilio didático. Ainda assim foi como re-aprender a aprender,
como quem tenta saber não só para si, o saber simplesmente já não era mais suficiente era
necessária a habilidade de “comunicação” desse saber; e nesse momento refiro-me não
somente a vivencia das oficinas, mas de ambas as escolas, publica e privada.
Passamos então a nos perguntar por que o contato com as realidades da educação
básica se dava de forma tão tardia em um curso com duração de quatro anos e cujo objetivo
teoricamente era de formar professores para rede básica de ensino?. Por que dentre todas
aquelas disciplinas que passamos ao longo do curso apenas algumas poucas traziam em seu
arcabouço a preocupação com nossa formação enquanto docentes?, entendida não apenas
através do domínio de conteúdos específicos, como quem diz basta saber o conteúdo para
saber ensiná-lo. Mendes e Munford (2005) ampliam essa reflexão observando o seguinte:
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No percurso de sua formação enquanto biólogo, o aluno, de fato, não tem uma
vivência da docência como profissão que demanda saberes específicos. Em outras
palavras, os saberes envolvidos na formação de “biólogos pesquisadores” são
colocados como suficientes para a formação do “biólogo professor. (p. 01).
Para Pimenta (2002), quando os alunos fazem crítica de que os cursos são teóricos é
preciso ver nas entrelinhas dessas denúncias que o curso não está preparando teórica e
praticamente para o exercício profissional, porque não toma como referência do seu currículo
teórico as necessidades que a escola-campo está colocando; não se trata aqui de responder “com
mais prática” e “menos teoria”, pois o curso não está formando adequadamente, porque é fraco
teórica e praticamente, isto é, o curso não assume a formação de um profissional para atuar na
“prática social” (p.65).
E sob essa perspectiva Arce (2001) diz que um novo status técnico da aprendizagem
com a formação pautada na ênfase da pratica, resultará em um profissional reflexivo, que não
poderá, “refletir a respeito de nada mais do que sua própria prática, pois o mesmo não
possuirá o mínimo necessário de teoria para ir além disso”.
Está posto o desafio de superar as fragilidades, sendo então necessário formar um
docente com domínio dos conhecimentos específicos da área de atuação, com formação
político-pedagógica para associar teoria e prática, para ler, interpretar e intervir na realidade
educacional, bem como na sociedade de modo geral para de modo criativo e ético colaborar
com a qualificação da educação básica e com o processo de humanização, enfim um cidadão
consciente de sua responsabilidade como educador. E o estágio supervisionado enquanto
articulador de teoria e prática, universidade e educação básica, professor e pesquisador é sem
dúvida um caminho de possibilidades para alcançarmos essa tão almejada formação integral
do professor.
Para que tal formação aconteça efetivamente, a professora Magda Becker Soares
ressalta a importância de os professores-pesquisadores das universidades, formadores de
educadores, assumirem, também, uma postura investigativa no que diz respeito à sua própria
ação docente. Por desempenharem, nessas instituições, o papel de produtores do
conhecimento, eles têm condições de ultrapassar a função de simples mediadores entre a
ciência, o conhecimento, os produtos da pesquisa e o licenciando.
O professor Fernando Hernández diz que a avaliação assume um papel essencial e
constitui um componente importante na reconstrução do próprio processo de formação de
professores (in: DINIZ-PEREIRA, 1999, P.119). Assim sendo ao final da disciplina e
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conseqüentemente do 7o semestre, realizou se uma auto-avaliação e uma avaliação final
coletiva, tendo novamente como base as considerações escritas entregues pela professora, as
experiências e aprendizados provenientes do estágio.
Todo esse processo vivenciado culminou, sem dúvida, em reflexões sobre a
complexidade e responsabilidade do processo educativo e da difícil transição do ser discente
ao ser docente. Despertou nossa responsabilidade de assumirmos o protagonismo de
construção de nossa identidade docente, considerando o docente um ser único, com uma
história própria a contar, recheada de saberes adquiridos. E esse assumir-se enquanto
educador inclui articulação com seu Conselho, Sindicato ou Associação, para busca de
melhorias profissionais, pois isolados, todos se tornam mais vulneráveis às condições
impostas pelo poder político dominante (PALITOT e BRITO, 2004).
Considerações finais
Não se pretende concluir este espaço de reflexão, problematização e análise da
experiência relatada, mas sim oportunizar novas discussões, estabelecendo não só uma troca
de saberes com os leitores e participantes deste trabalho, como também abrir novos espaços
que permanecerão em aberto para novas possibilidades de construções teórico-práticas.
Com as mudanças de cenários que nos fazem tentar apreender a fluidez de nossa época
denominando-a pós-moderna, faz se necessário compreender que as mudanças operadas na
sociedade contemporânea implicam mudanças nas práticas dos professores. E tais mudanças,
devem estar presentes também nos cursos de formação docente, rompendo modelos
tecnicistas e aprendizados de docência pautados em observar “bons professores” e repetir suas
práticas, sem consistência de embasamento teórico ou postura de questionamentos.
Formar professores é uma tarefa bastante complexa. Justamente por isso, não são
medidas simplistas e banalizadoras, apresentadas como uma fórmula mais eficiente e
produtiva de preparar os profissionais da educação, que irão resolver os problemas atuais das
licenciaturas. As universidades devem assumir o desafio e o compromisso social de formar,
de maneira diferenciada, profissionais da educação capazes de atuar como agentes de
mudança na escola básica, no Brasil. E os próprios docentes devem assumir se como
docentes, devem “ser docente” e não “estar docente”, conscientes de sua responsabilidade
social e de seu protagonismo nos processos de construção de identidades e busca por
melhorias profissionais.
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E desta forma refletindo sobre o papel do professor orientador do estágio, fica claro
que sua presença, acompanhando e orientação durante todo o processo de estágio, bem como
os encontros individuais e coletivos são indispensáveis para que seja possível a construção da
identidade docente, através de reflexões e da aproximação do aluno com a realidade na qual
ele atuará.
E sob essa ótica considero que em nossa vivencia na disciplina Prática de Ensino de
Biologia I, o estágio deixou de ser mera disciplina do currículo, passando a incorporar vários
“saberes e fazeres” da formação profissional, cabendo a ele desenvolver atividades que
fomentaram a análise e a reflexão do trabalho docente. Porém o contato com a realidade
profissional pelo estágio curricular só tem êxito, se enquanto alunos estagiários envolvermo-nos
de forma intencional, buscando extrair o melhor dessa intervenção na escola. Portanto o estágio é
uma experiência da prática docente em que encontramos oportunidades para significar nossa
identidade profissional e iniciar nossa história de vida enquanto docente.
As experiências vividas no estágio supervisionado deixam claro que não é suficiente
apenas cumprir as exigências burocráticas, pois elas não fazem com que o objetivo maior seja
conquistado, ou seja, não desperta a reflexão, o debate e a análise para possíveis mudanças no
ensino, é necessária a ativa participação de todos os envolvidos no processo.
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Passos para se tornar um Professor Reflexivo. In: Educação & Sociedade. Ano XXII, nº 74,
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estágio supervisionado: uma oportunidade de reflexão