O pathos na mascarada feminina
Danielle Lamarca
Em seu texto “Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade
feminina”, Lacan nos fala sobre a posição-chave do falo no desenvolvimento
libidinal no que concerne à incidência deste na estrutura subjetiva (real,
simbólico e imaginário) em que se acomoda o desenvolvimento.
Ernest Jones é levado a reduzir o paradoxo de Freud a uma simples
equivalência com o masculino. Essa iniciativa foi movida pelo preconceito da
dominância do biológico e da citação de Gênesis: “E Deus criou o homem e a
mulher”. Pela função equívoca da fase fálica nos dois sexos, a feminilidade não
parece ser mais especificada no que a função do falo se impõe.
Em seu texto, Lacan fala que a castração não pode ser deduzida apenas
do desenvolvimento, uma vez que pressupõe a subjetividade do Outro como
lugar de sua lei. O homem serve como um conector para que a mulher se torne
este Outro para ela mesma, como o é para ele. Quer dizer que tudo pode ser
imputado à mulher, já que na dialética falocêntrica, ela representa o Outro
absoluto.
Longe de corresponder a esse desejo a passividade do ato, a sexualidade
feminina surge como o esforço de um gozo envolto em sua própria
contigüidade, para se realizar rivalizando com um desejo que a castração libera
no macho, dando seu significante falo. Lacan então se pergunta “Será, portanto
esse privilégio de significante que Freud visa ao sugerir que talvez haja apenas
uma libido e que ela é marcada pelo signo masculino?”
A diferença anatômica é transformada em diferença significante e
reduzida à problemática do ter fálico, enquanto que as pulsões parciais em si
ignoram a diferença sexual. O Édipo freudiano, portanto, responde a pergunta
de como um homem pode amar sexualmente uma mulher, isto não é possível
sem haver renunciado o objeto primordial, a mãe, e ao gozo referido a ela. Ou
seja, não sem uma castração do gozo. Esta questão poderia ser traduzida em
uma frase: “O Édipo produz o homem, não produz a mulher”.
Em seu Seminário 20 Lacan refuta o Édipo como mito, para reduzi-lo
unicamente à lógica da castração, acrescentando que esta não regula todo o
campo do gozo: há uma parte dele que não passa por Um fálico e que
permanece no real, fora do simbólico. Dizer que A mulher não existe significa
que a mulher é apenas um dos nomes desse gozo, real. Dizê-las não-todas na
função fálica, é reconhecer-lhes um outro gozo que não o ordenado, a partir da
castração, não equivale a lhes creditar uma “natureza antifálica qualquer”.
Em seu livro: “O que Lacan dizia das mulheres” Soler nos traz alguns
elementos na clínica no qual podemos perceber essas manifestações,
principalmente através da fala das mulheres. Em especial a grande queixa da
filha em relação à mãe, a quem ela censura por não lhe haver transmitido
nenhuma habilidade com a feminilidade. Essa queixa nem sempre é direta e
pode assumir a forma de uma denúncia da não feminilidade ou do excesso de
feminilidade da mãe.
Ressalta o hiato existente entre a mãe e a mulher. Às vezes o filho fálico é
passível de tamponar, de silenciar a exigência feminina, como vemos nos
casos em que a maternidade modifica radicalmente a posição erótica da mãe.
O filho, como resto da relação sexual, realmente pode obturar em parte a falta
fálica na mulher, mas não é causa do desejo feminino que está em jogo no
corpo-a-corpo sexual.
Em seu texto, Lacan responde a questão do desejo feminino implicando a
consideração de um gozo Outro, diferente do gozo chamado fálico com que
nos entrevem o inconsciente. O gozo fálico, como gozo do Um, é gozo
localizado, limitado e fora do corpo. É um gozo em sintonia com o significante,
como ele, descontínuo e fragmentado. É aquele que a castração deixa ao ser
falante, sendo correlato da falta-a-gozar, e funda o imperativo do gozo do
supereu do qual se alimenta a culpa.
Um gozo que não cai sob a barra do significante, que nada sabe do falo, e
portanto não causado por um objeto a, é um gozo foracluído do simbólico, “fora
do inconsciente”. Esse gozo que leva a crer que as mulheres não dizem tudo
porque nada dizem sobre ele. Ele é sentido, manifesta-se na experiência, mas
não se traduz em termos de saber. É o gozo do real que se oculta por
definição, daí sua evocação numa estrutura que está necessariamente maisalém do falo, mais-além do objeto, mais-além da consciência de dizer. Por isso
que ele é desmedido, e o sujeito mais se vê “ultrapassado” por ele. Já o gozo
fálico não ultrapassa o sujeito.
Justamente pelo fato de que, por ser não-toda, ela tem em relação ao que
designa de gozo a função fálica, um gozo suplementar1. Não é porque ela é
não-toda na função fálica que ela deixe de estar nela de todo. Ela não está lá
não de todo. Ela está lá à toda. Mas há algo a mais. Há um gozo dela, desse
ela que não existe e não significa nada. Há um gozo dela sobre o qual talvez
ela mesma não saiba nada, a não ser que o experimenta. Desse gozo, a
mulher nada sabe.
Não é forçado quando um macho se coloca no lado feminino. Pode-se
também colocar-se nesse lado do não-todo. Há homens que lá estão tanto
quanto as mulheres. E que se sentem lá muito bem. Eles experimentam a idéia
de que deve haver um gozo que esteja mais além. É isto que chama amor aos
místicos.
Em sua tese de doutorado “O gozo no feminino” Miranda nos diz que a
mãe sendo esse Outro primordial a quem a criança está entregue
passivamente ao desejo deste Outro que a alimenta, lava, troca, acaricia e a
quem a criança fornece um gozo. É sob o golpe do significante que esse gozo
se perde, mas algo aí resta. No qual Lacan diz que se condensa no objeto a
que fará causa de desejo. Quanto a esse ponto de falta, é o significante fálico
que vem dar uma significação sexual onde reina fora do sentido do gozo.
Em primeiro instante, a criança imagina a sua mãe como portadora do
falo, mas a mãe não o tem, pois também está submetida á função do
significante. A partir deste reconhecimento da castração maternal, essa relação
com o falo vai desempenhar seu papel para o homem e para a mulher. A partir
da dialética dos desejos do pai e da mãe, que o sujeito pode ser brindado com
o significante fálico, porém o que se trata aqui é de um “parecer”, é de fazer
semblante. Parecem homens e mulheres.
Na ordem de ser o falo, temos a mascarada. Ser o falo é esse o jogo da
mascarada a qual é condenada a mulher para agradar ao homem e causar
desejo. O que introduz a dimensão da mascarada é um parecer de nenhum
ser. Mas a mulher não-toda na ordem fálica, tem um gozo que escapa da
ordem do ter e do ser o falo.
1
Lacan ressalta a importância de entender o porquê a utilização desse termo suplementar, pois se fosse
complementar, recairíamos no todo.
A mãe é o primeiro Outro da demanda incondicional do amor, por isso
será necessariamente um objeto decepcionante, vindo dela a primeira
decepção. Ela está encarregada de introduzir a criança no discurso e de
civilizar o corpo de seu filho. Lacan quando diz que a mãe tem efeitos de
inconsciente, quer dizer que é ela quem introduz a criança no discurso.
Utilizo como um estudo clínico de uma figura enigmática e lendária,
Marlene Dietrich, através do livro: “Desejo-lhe amor: conversas com Marlene
Dietrich”, onde fica claro o exílio ao qual a própria atriz se impôs ao perceber
que seu corpo não tinha mais o mesmo “brilho” da juventude, na tentativa de
eternizar sua beleza. O autor mantém contatos telefônicos quase que
diariamente com a atriz, relatando suas conversas neste livro.
Revela que a intenção da atriz era legar à posteridade a Imagem Ideal e
todos aqueles que falavam com ela, levava uma faceta deste Ideal. Tornandose prisioneira do destino – seu rosto, sua voz, a aprisionam, condenada a
enganar para que nunca desapontasse. O autor diz: “Marlene Dietrich sofria
por carregar o nome mítico que já havia muito tempo deixara de corresponder à
mulher velha e frágil que se tornara”.
E revela que nunca tentou se encontrar com ela. Por não haver
necessidade. Marlene vivia escondida, longe dos olhares dos outros – um selo
paradoxal de segredo para alguém que tantas vezes permitira que sua imagem
fosse roubada.
Questiona-se como que uma mulher tem coragem de se
afastar das luzes depois de ter refugiado nelas durante tanto tempo? Ela
estava sozinha – profundamente só, estava inflexível quanto a receber ajuda
exterior. Dirigia sua vida da cama e decidira viver seu purgatório sem auxílio.
Ao longo de mais de três anos de conversas quase ininterruptas, de
confidências que ela reprimia com soluços, Marlene nunca pronunciou a
palavra “velhice”.
O autor nos diz: “Quarta feira, 6 de maio. Marlene Dietrich morreu. De
repente. Soube de sua morte pelo rádio, sentado no mesmo estúdio bege
desbotado de onde falara com ela pela primeira vez. Eu sabia que ela estava
velha e doente.Todos sabiam. Mas ela passara por muita coisa. Tornara-se um
monumento histórico enquanto vivera. E monumentos históricos não morrem”.
Segundo Ribeiro (2012) Marlene Dietrich soube se manter como um
significante, ao se esconder sustenta uma imagem que não existia mais. Um
significante como mulher bissexual sedutora quando se veste de smoking, a
atriz consegue fazer a mascarada da mascarada, ao se vestir de smoking com
cigarro na mão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hanut, E. (1996). Desejo-lhe amor: Conversas com Marlene Dietrich. Ed.
Mandarim;
Lacan, Jacques. (1973) “Seminário 20: mais, ainda”. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor;
Lacan, Jacques. (1998) “Diretrizes para um congresso sobre a
sexualidade feminina” in: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor;
Miranda, E. (2011). Tese de doutorado: O gozo no feminino. Rio de
Janeiro;
Ribeiro, M.A (2012). Notas de Aula. Data: 01/06/12. Mestrado Profissional
de Psicanálise, Saúde e Sociedade.UVA. Campus Tijuca. RJ;
Soler, Colette. (2003). O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor.
V CONGRESSO INTERNACIONALDE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL E
XI CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
DIETÉTICA CORPO PATHOS
O PATHOS NA MASCARADA FEMININA
Aluna: Danielle Lamarca
Fortaleza, 2012.
"Eu, Danielle Belo Lamarca, submeto à apreciação da Comissão Executiva do
V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso
Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, concordo(amos) que os direitos
autorais a eles referentes se tornem propriedade exclusiva da Associação
Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental - AUPPF, sendo
vedada qualquer reprodução total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio
de divulgação impressa ou virtual sem que a prévia e necessária autorização
seja solicitada por escrito e obtida junto à AUPPF”.
28 de agosto de 2012.
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