A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E OS
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM ENSINO MÉDIO INTEGRADO À
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Heloisa Helena Barbosa Canali
Universidade Federal do Pará
RESUMO
O texto apresentado sob o caráter de pesquisa bibliográfica, traça um panorama
histórico da educação profissional brasileira desde o período colonial até hoje. Mostra
uma educação profissional que está inserida num modelo dual de educação que demarca
a trajetória educacional para as elites e para os trabalhadores. Defendemos uma
formação integrada entre formação básica e profissional, numa perspectiva que interesse
à classe trabalhadora, em um projeto contra-hegemônico, ancorada nos conceitos de
politecnia e de escola unitária.
Palavras-chave: Educação Profissional, Ensino Médio Integrado, Formação Integral.
ABSTRACT
The text displayed on the character of literature, gives a historical overview of Brazilian
professional education since the colonial period until today. Displays a professional
education that is embedded in a dual model of education that marks the path for
educational elites and workers. We support an integrated training and vocational
training, in order that the working class interest in a counter-hegemonic project,
anchored in the concepts of polytechnic school and unit.
Keywords: Professional Education, Integrated High School, Integral Training.
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A Trajetória da Educação Profissional no Brasil e os Desafios da
Construção de um Ensino Médio Integrado à Educação Profissional1
Nas sociedades primitivas, tanto a educação quanto quaisquer outras ações
desenvolvidas pelo homem, traziam o caráter da espontaneidade coincidindo
inteiramente com o processo de trabalho que era comum a todos os membros da
comunidade num processo de produção coletiva da existência. Diz Saviani (2007), que
com a apropriação privada da terra, os homens se dividiram em classes: a classe dos
proprietários e a dos não-proprietários. Essa divisão vai gerar uma divisão na educação.
Essa que antes se identificava com o próprio processo de trabalho, assume um caráter
dual, constituindo-se em educação para os homens livres pautada nas atividades
intelectuais, enquanto que para os serviçais e escravos coube a educação inerente ao
próprio processo de trabalho; desde então, surge a separação entre educação e trabalho
consumada nas formas escravista e feudal.
A relação trabalho-educação reconfigura-se com o surgimento do modo de
produção capitalista, e a escola é erigida à condição de instrumento por excelência para
viabilizar o saber necessário à burguesia em célere ascensão, em uma sociedade não
mais pautada nas relações naturais, mas sim em relações produzidas pelo próprio
homem.
Segundo Saviani (2007), a Revolução Industrial provoca a incorporação das
funções intelectuais no processo produtivo e a via para objetivar-se a generalização
dessas funções na sociedade foi a escola, tanto que, os principais países organizaram
sistemas nacionais de ensino, buscando generalizar a escola básica. O ensino básico
qualificou os trabalhadores a integrar o processo produtivo, já que o mínimo de
qualificação para operar a maquinaria era contemplado no currículo da escola
elementar. Quanto às tarefas de manutenção, reparos, ajustes das máquinas exigiram
uma qualificação específica que demandaram também um preparo específico. Nascem
então os cursos profissionais organizados no âmbito das empresas ou do sistema de
ensino tendo como referência o padrão escolar, mas determinados diretamente pelas
1
Produto da revisão de literatura da dissertação de mestrado em construção: Trabalho e Educação
Profissional: O papel da Escola de Aplicação da UFPA como Certificadora da Qualificação Profissional
na Amazônia Paraense.
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necessidades do processo produtivo, dando origem às escolas de formação geral e às
escolas profissionais. Ambas se equivocaram no processo de desenvolvimento de suas
competências definidas e concebidas pela burguesia, tendo como resultado a proposta
dualista de escolas profissionais para os trabalhadores e escolas de “ciências e
humanidades” para os futuros dirigentes.
Essa sinopse introdutória oferece suporte necessário para que se possa
compreender as origens e a configuração atual da política educacional brasileira, com
seus avanços e retrocessos em relação à educação básica e em particular, ao ensino
médio e à educação profissional; permite descrever os limites de ordem política,
econômica, social e cultural cerceantes ao desenvolvimento de um projeto de educação
para os jovens e adultos brasileiros.
Assim é que se traça o percurso da educação profissional no Brasil e sua
regulação desde o período colonial até a atualidade, quando se dá ênfase à educação
profissional de nível médio e de sua possível estruturação assentada em uma perspectiva
de escola básica unitária, politécnica, abolindo o dualismo na organização do sistema
educacional que impede a união entre formação intelectual e trabalho produtivo.
PERÍODO COLONIAL
Durante o período colonial brasileiro, o modelo econômico agro-exportador
que sustentava a economia, inseriu a mão-de-obra escrava constituída de algumas
ocupações de caráter manual com uso da força física. Essas atividades só poderiam ser
exercidas pelos negros e mulatos. Era necessário, então, mantê-los na condição de
escravos sem acesso a qualquer educação que permitisse o aprendizado e exercício de
outras diferentes atividades ocupacionais; aos homens livres cabia aprender as
profissões por meio das Corporações de Ofício. Essas Corporações possuíam rigorosas
normas de funcionamento que impediam o ingresso de escravos e o ensino oferecido era
centrado exclusivamente nos ofícios que eram exercidos pelos homens livres. Assim,
entende-se que os primeiros momentos da constituição de uma educação profissional no
Brasil foi excludente e discriminatória em relação aos ofícios, traduzido pela relação
entre atividade escrava e trabalho exercido pelos homens livres.
Como era de interesse a manutenção do modelo econômico extrativista,
contraposto ao espírito industrialista, havia uma grande resistência por parte da Coroa
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Portuguesa em permitir que se implantasse na Colônia estabelecimentos industriais; e
muitos dos que existiam em vários ramos de atividades (fundições e oficinas de ourives,
tipografias) foram fechados provocando a destruição da estrutura industrial existente. O
setor de aprendizagem profissional no Brasil é retomado com o processo de
desenvolvimento industrial ocorrido a partir de 1808 com D.João VI, que ao chegar ao
Brasil, retoma esse processo autorizando a abertura de novas fábricas, inaugurando-se
uma nova era para a aprendizagem profissional que começa a se solidificar (SANTOS,
2000, In: LOPES et al, p.207).
O país, à essa época, vivia a escassez de mão-de-obra em algumas ocupações
Para suprir então essa necessidade, fez-se a aprendizagem compulsória de ofícios
utilizando-se as crianças e jovens excluídos socialmente – os órfãos e pobres que vieram
de Portugal na frota que transportou a família real. Os espaços de ensino e trabalho se
davam no interior dos arsenais militares e da marinha, onde os “desvalidos” eram
internados e postos a trabalhar por alguns anos até se tornarem livres e escolher onde,
como e para quem trabalhar. Posteriormente, o ensino e aprendizagem de ofícios e o
trabalho passam a se dar no interior dos estabelecimentos industriais, as chamadas
Escolas de Fábrica, que serviram de referência para as unidades de ensino profissional
que vieram a se instalar no Brasil tempos depois. Ao ensino dos ofícios acresceu-se a
seguir o ensino das “primeiras letras”, seguido de todo o ensino primário (SAVIANI,
2007).
Após a Independência
Após a proclamação da Independência em 1822, a Constituição outorgada em
1824 trazia no seu bojo a necessidade de se contemplar uma legislação especial sobre
instrução pública com base nos ideais liberais da Revolução Francesa buscando uma
nova orientação para o modelo educacional a ser implantado na sociedade. Todavia, só
de maneira implícita o ensino profissional foi tratado na carta magna que, de certa
forma, traçou nova orientação que veio a influenciar as formas que essa modalidade de
ensino tomou no futuro. O ensino de ofícios nenhum progresso registrou, preservandose a mentalidade conservadora construída ao longo do período colonial; ou seja,
5
continuou a separação entre as ocupações para os pobres e desvalidos e a instrução para
a elite.
Intensifica-se a produção manufatureira e surgem então as sociedades civis
que receberam a denominação de Liceus. Inicialmente, com recursos próprios, e em
seguida com recursos públicos granjeados por meio de doações e subsídios, criaram e
geriram suas escolas de aprendizagem das artes e dos ofícios. Os Liceus, instituições
não estatais, incorporavam o 2º grau da instrução pública brasileira “voltada para a
formação profissional compreendendo os conhecimentos relativos à agricultura, à arte
e ao comércio, na forma como são desenvolvidos pelas ciências morais e
econômicas.” (SAVIANI, 2007:125). Nessa conformação de ensino profissional, ainda
se mantém a discriminação contra a mão-de-obra escrava praticada durante o período
colonial, vez que continuava vedada a matrícula aos escravos nos diversos Liceus
instalados em muitas unidades do Império.
No Brasil, o ensino de ofícios fundamentava-se em uma ideologia direcionada
em conter o desenvolvimento de ordens contrárias à ordem política; diferentemente, na
Europa, na primeira fase do século XIX, a realidade já apresentava a existência de
problemas sociais característicos da industrialização, da urbanização e da proletarização
dos trabalhadores. O ritmo acelerado da industrialização concentrava os trabalhadores e
ampliava a formação das massas proletárias; de fato, o movimento proletário se
organiza e aos poucos surge uma nova classe organizada para a defesa de seus interesses
e à satisfação de suas reivindicações se colocando
de frente às contradições
apresentadas pela Revolução Industrial no campo das relações entre capital e trabalho.
A Primeira República
Saviani (2007) informa que a cafeicultura foi a base para o processo de
urbanização, industrialização e exerceu importante papel na mudança do regime da
Monarquia para a República; os cafeicultores ascenderam ao poder numa aliança entre
os partidos republicanos paulista e mineiro. Embora a economia estivesse centrada no
modelo agro-exportador, com o advento da República houve uma forte pressão dos
diversos grupos da sociedade para transformar a base econômica do país, que para
esses, deveria estar baseada na produção industrial, que já contava com 6.946 indústrias
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(SAVIANI 2007). A ideologia que agora permeava um novo projeto para o país
sustentava-se no desenvolvimento pela industrialização, que traria progresso,
independência política e a emancipação econômica do Brasil. Para esse desiderato, a
prosperidade promovida pelos altos lucros do complexo exportador cafeeiro, contribuiu
substantivamente na medida em que engendrou o capital-dinheiro disponível para a
transformação em capital industrial.Tanto a força de trabalho necessária à indústria
como a capacidade de importá-la, proporcionadas pelo capital industrial, permitiram
“garantir a compra de meios de produção e de alimentos manufaturados de consumo,
indispensáveis à reprodução da força de trabalho industrial.” (MELLO,1982, apud
SAVIANI, 2007:189).
No campo da educação, nas primeiras décadas da República, as conquistas
foram pequenas. Nosella (1998) nos informa que a política educacional da Primeira
República pretendeu, principalmente, democratizar o ensino primário, tanto que
universalizou a idéia de uma rede de ensino primário, público, gratuito e laico, porém, o
sistema criado foi insuficiente e insensível ao mundo do trabalho. Havia escassez de
professores e escolas; apenas uma parte da população tinha acesso à instrução – a elite –
acumuladora de capital, controladora do Estado e patrocinadora da nação no novo
sistema capitalista global, na introdução dos valores e modo de vida burguês e liberal.
De outro lado, uma esmagadora população analfabeta, sem participação política,
vivendo nos subúrbios, vendendo uma mão-de-obra pouco qualificada nas indústrias,
explorada no sistema de produção, apartada do capital.
A função social da escola à época republicana resumiu-se a fornecer os
elementos que iriam preparar essa elite para preencher os quadros da política e da
administração pública, havendo perfeita conformação entre o que a escola
proporcionava e a demanda social e econômica de educação. Contudo, a intensificação
do processo de urbanização, que tem como causa a industrialização crescente e a
deterioração das formas de produção no campo, gerou a evolução de um modelo agrário
exportador para um modelo parcialmente urbano-industrial e fez surgir uma nova
demanda social de educação. A estreita oferta de ensino de então não atendia mais a
crescente procura; a escola começa a ser demandada pelas novas e crescentes
necessidades de recursos humanos para ocupar funções nos setores secundários e
terciários da economia. Segundo Romanelli (1978:46), “O modelo econômico em
emergência passou, então, a fazer solicitações à escola”. A Primeira República tentou
7
várias reformas na política educacional, sem êxito, para a solução dos problemas
educacionais mais graves, de maneira que atendesse harmonicamente, tanto à demanda
social por educação, quanto às novas necessidades de formação de recursos humanos
exigidos pela economia em transformação.
Em 1909, ainda durante a Primeira República, a formação profissional sob a
responsabilidade do Estado inicia-se com a criação de 19 Escolas de Aprendizes e
Artífices, em diferentes unidades da Federação, por meio do Decreto 7.566 de 23 de
setembro de 1909, para ofertar à população o ensino profissional primário e gratuito.
Porém, o aspecto assistencial e de ordem moralista permaneceu, haja vista só ter acesso
à essas Escolas alunos de, no mínimo 10 e no máximo 13 anos e dada a preferência para
os “desvalidos da fortuna”. Portanto, segundo Kuenzer (2007), antes de atender às
demandas de um desenvolvimento industrial quase inexistente, regiam-se as Escolas por
uma finalidade moral: educar numa perspectiva moralizadora da formação do caráter
pelo trabalho. As referidas escolas eram custeadas pelos Estados, Municípios e União
com recursos alocados no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
A rede de Escolas de Aprendizes e Artífices não logrou qualidade e eficiência
no ensino profissional para o atendimento às demandas do setor industrial. Os prédios
que as abrigavam eram inadequados; as oficinas apresentavam-se em precárias
condições de funcionamento; havia escassez de mestres de ofícios especializados e de
profissionais qualificados; dessa feita, o ensino profissional reduziu-se ao conhecimento
empírico, uma vez que os mestres de ofícios se originavam das fábricas e das oficinas,
faltando-lhes o conhecimento teórico relativo aos cursos oferecidos. Registrou-se,
então, alta porcentagem de evasão em relação ao número de matrículas por escola no
ano de implantação da rede (1910). 2.118 matrículas para 1.248 freqüências, o que
representa uma evasão de mais de 50% como quadro geral no país (SANTOS, apud
LOPES et al, 2007: 213).
A evasão continuou a ser o mais grave problema nas escolas de Aprendizes e
Artífices nos anos posteriores à sua implantação. A maioria dos alunos abandonava o
curso no fim da terceira série quando já dominavam os conhecimentos mínimos para
trabalhar nas fábricas ou nas oficinas, em determinados postos de trabalho. A despeito
de todas essas limitações, o modelo de Ensino Profissional pensado para a implantação
da rede de ensino técnico-profissional foi se consolidando como precursor da Rede de
Escolas Técnicas do Brasil.
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Historicamente, a organização da Rede de Ensino Técnico-Profissional se
origina na última década da Primeira República quando emergiu a preocupação em
pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares nas
diferentes modalidades e nos diferentes níveis. Foi o período do entusiasmo pela
educação e o otimismo pedagógico desenvolvido pelos movimentos políticos-sociais e
correntes de idéias, que consistiu em atribuir importância cada vez maior ao tema da
instrução nos seus diversos níveis e tipos (NAGLE, 1974). Acreditava-se que pela
multiplicação de instituições escolares, a nação chegaria a se igualar às grandes
potências do mundo e tiraria o povo da sua situação de marginalidade. É verdade que
foi dada ênfase à escolarização, como forma de vencer o analfabetismo, tido como um
dos grandes problemas nacionais. À Educação Profissional, reforçou-se a idéia de
regeneração e formação das classes menos favorecidas social e economicamente. De
qualquer forma, muito pouco foi feito quanto à educação em geral. Nesse período os
colégios foram poucos, em sua maioria, confessionais e particulares.
A Partir de 1930: A Consolidação de uma Política de Educação
Profissional
Desde o final da Primeira República e antes da Revolução de 1930, se
configurava no cenário nacional um projeto de hegemonia de orientação tayloristafordista por parte da burguesia industrial. O pensamento era a articulação econômica
entre a agricultura e a indústria para fortalecer o projeto de industrialização no Brasil
com o apoio das oligarquias rurais. Tal projeto de caráter político-econômico tem
continuidade com Getúlio Vargas , uma política protecionista do café que já sofria
queda dos preços no mercado internacional em decorrência dos problemas financeiros
que cercavam os principais mercados mundiais após a quebra da Bolsa de Valores de
Nova York. Em 1934, quando a situação internacional começa a se normalizar é que o
governo mostraria efetivamente um desempenho mais favorável no setor industrial em
substituição ao modo de produção agro-exportador.
Saviani (2007) afirma que as políticas pertinentes à educação, objetivavam
atender às demandas do processo de industrialização e do crescimento ascensional da
população urbana. As décadas de 30 e 40 dos anos 1900 foram de consolidação da
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industrialização no país, o que viria a exigir mudanças nas concepções e práticas do
ensino profissional e sua necessária institucionalização para se adequar ao
desenvolvimento industrial brasileiro, que em diversas realidades posteriores demandou
novas necessidades para a formação da força de trabalho. A Educação Profissional foi
contemplada por meio das Reformas Capanema de 1942 e 1943 de onde resultaram a
criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a regulação do
ensino industrial, secundário e comercial por meio de suas respectivas leis orgânicas.
A Reforma Capanema estruturou a educação brasileira, denominada regular,
em dois níveis: a educação básica e a superior; fez o ajuste entre as propostas
pedagógicas existentes para a formação de intelectuais e trabalhadores, segundo as
mudanças que ocorriam no mundo do trabalho. No bojo da Reforma Capanema de
1942, foram incluídos uma série de cursos profissionalizantes para atender diversos
ramos profissionais demandados pelo desenvolvimento crescente dos setores secundário
e terciário, por isso, escolas e cursos começam a se multiplicar com essa finalidade sem
que a conclusão desses cursos habilitassem para o ingresso no ensino superior. De outro
modo, Kuenzer (2007) nos lembra, que a formação de trabalhadores e cidadãos no
Brasil, constitui-se historicamente, a partir da categoria “dualidade estrutural” uma vez
que havia uma nítida demarcação de trajetória educacional para as elites e para os
trabalhadores. Os cursos profissionalizantes, portanto, eram destinados àqueles que não
fossem seguir carreiras universitárias. Essa destinação deixa evidente que a formação da
mão-de-obra manual e mecânica do aprender a fazer, era voltada aos jovens menos
favorecidos social e economicamente, já que às elites cabia o ensino das ciências e
humanidades para dar suporte às atividades intelectuais, o que as levaria ao ensino
superior.
Essa foi uma orientação paradoxal que veio de encontro ao principio da “escola
única” garantidora de uma educação básica comum a todos os jovens como defendida
por Gramsci (1985). O estado brasileiro, nesse momento, ratifica sua inépcia para
oferecer uma educação estatizada, pública, quando delegou ao setor privado a
possibilidade de ditar as regras da formação profissional a serviço do mercado e,
portanto, sugere, organiza e promove a formação dos trabalhadores ignorando-lhes a
dimensão humana ao defender os interesses do capital e da classe dominante. Talvez
seja esse o maior desafio a enfrentar para a superação da dualidade estrutural do ensino
médio brasileiro. Entendemos que a educação de ensino médio profissional assumida
1
em sua totalidade pelo Estado, constituirá um dos fatores que pode fortalecer a
instauração de uma escola unitária e “ envolver todas as gerações, sem divisões de
grupos ou castas” (GRAMSCI, 1985:121).
A partir de 1942, já no período do Estado Novo por meio da Lei Orgânica do
Ensino Industrial, essa modalidade de ensino passou a assumir um papel importante na
formação de mão-de-obra no contexto do processo de desenvolvimento no Brasil. Passa
o mesmo a ser efetivado a partir de duas frentes de ensino e controle: um ensino que
ficava sob o controle patronal, de âmbito empresarial e, paralelo a esse ensino, um outro
ramo sob a responsabilidade do Ministério da Educação e da Saúde – o sistema oficial
de ensino industrial – constituído pelo ensino industrial básico.
Para se compreender a implantação desse dualismo no ensino profissional
industrial, é necessário retomar o contexto político-econômico do país à época. Vivia-se
uma nova fase de expansão industrial depois de um período de intensa atividade de
criação de muitas indústrias durante a 1ª Grande Guerra entre 1915 e 1919. Essa nova
fase passou a exigir uma melhor preparação da mão-de-obra. Ocorre que o sistema de
ensino não possuía a infra-estrutura necessária à implantação, em larga escala, do ensino
profissional exigível para atender o desenvolvimento que se instalava. Por outro lado, a
indústria exigia uma formação mínima do operariado que precisava ser feita de modo
mais rápido e mais prático. Dessa feita, a fim de atender a demanda de mão-de-obra
para as indústrias, o Governo criou paralelo ao sistema oficial, um outro sistema de
ensino, organizado em convênio com as indústrias mediadas pela Confederação
Nacional das Indústrias, órgão máximo de representação das mesmas.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), criado pelo
Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942, foi a instituição destinada a organizar e
administrar escolas de aprendizagem industrial em todo o país. Essas escolas
ministravam um ensino aligeirado, de formação mínima, de caráter pragmático com o
objetivo de preparar os aprendizes menores dos estabelecimentos industriais. Outros
cursos de formação continuada para os trabalhadores também eram oferecidos pelo
sistema de escolas do SENAI. Posteriormente, esse órgão teve suas atribuições
ampliadas atingindo também o setor dos transportes, das comunicações e da pesca.
Passa ainda a administrar o ensino de continuação, aperfeiçoamento e especialização,
gerando dessa feita uma diversificação de seus cursos.
1
Em seguida, o Decreto-lei 4.984 de 21 de novembro de 1942, regulamentou a
criação de escola ou sistema de escolas de aprendizes de responsabilidade das empresas
que possuíssem mais de 100 trabalhadores. As Escolas eram mantidas com recursos das
empresas, com a finalidade de dar formação profissional aos seus aprendizes e o ensino
de continuação e de aperfeiçoamento e especialização de seus demais trabalhadores.
Para efeito de administração desse ensino, essas escolas poderiam articular-se ao
SENAI. A partir daí é que começaram a organizar-se as Escolas Técnicas Federais.
Na esteira de regulamentações do ensino profissional, o Decreto-lei nº 4.073,
de janeiro de 1942- Lei Orgânica do Ensino Industrial- traz alguns aspectos positivos
quanto à organização desse ramo de ensino. No entanto, segundo Saviani (2007) o
caráter dualista que separa o ensino secundário do ensino profissional reforça a
prerrogativa ao ramo secundário de ascensão a qualquer carreira de nível superior,
assim como reforça o caráter corporativista que vinculava estreitamente cada ramo ou
tipo de ensino às profissões e ofícios requeridos pela organização social.
A Lei Orgânica do Ensino Industrial foi sofrendo mudanças no que diz
respeito à equivalência entre os diversos ramos de ensino, a partir da queda do Estado
Novo em 1945, entre os sistemas propedêutico e profissional. Em 1950, a Lei 1.076
flexibiliza o ingresso dos estudantes concluintes do primeiro ciclo dos ensinos
industrial, comercial e agrícola a ingressarem no curso clássico ou científico seguindo
algumas exigências de complementação de disciplinas. A Lei 1.826/1953 facultava o
direito de ingresso em qualquer curso superior a todos que tivessem concluído o curso
técnico em qualquer dos ramos de ensino observando-se exames de adaptação. Surge
pela primeira vez uma possibilidade de aproximação entre o ramo secundário
propedêutico e os cursos profissionalizantes de nível médio. Todavia, somente a Lei de
Diretrizes e Bases nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961, manifesta a articulação sem
restrições entre os ensinos secundário e profissional, abolindo, dessa forma, a
discriminação contra o ensino profissional por meio da equivalência plena, colocandose, formalmente, um fim na dualidade de ensino. No entanto, é importante assinalar que
a dualidade só acabou formalmente, já que os currículos se encarregavam de mantê-la,
uma vez que o ensino voltado para a continuidade dos estudos continuava privilegiando
os conteúdos exigidos nos processos seletivos de acesso ao ensino superior.
Apesar da legislação estabelecer a equivalência, o que representou um ganho à
ascensão ao ensino superior da classe desprivilegiada socialmente, a discriminação
1
permanece como herança cultural. O ensino industrial e agrícola com suas funções
vinculadas ao trabalho manual continuaram não sendo reconhecidos socialmente, haja
vista que o número de matrículas no segundo ciclo, à época, num total de 1.129.421,
50% correspondiam ao ensino secundário; 45% aos ramos normal e comercial,
enquanto que aos ramos industrial e agrícola, somente 5% das matrículas (SANTOS, In:
LOPES et al. p.219).
A Questão da Dualidade Estrutural e as Reformas a Partir de 1971
A questão crucial a partir da conquista da equivalência se concentra na
superação da dualidade, bandeira das mentes progressistas e dos movimentos de caráter
político-educacional e social. Essa luta fica extremamente fragilizada, pois mantiveramse as duas redes de ensino no sistema educacional brasileiro. A rede paralela ao sistema
oficial se fortalece quando da extensão ao SENAI da possibilidade de instituir a mesma
organização prevista no sistema público de ensino. Assim, os cursos ginasial e o técnico
industrial cursados no SENAI, facultavam aos seus alunos ingressarem em qualquer
curso de nível superior. Estava então, mantida a equivalência também em relação a rede
paralela de ensino à oficial pública.
Em 1971, sob o governo militar há uma profunda reforma da educação básica
promovida pela Lei nº 5.692/1971, a qual se constituiu em uma tentativa de estruturar a
educação de nível médio como sendo profissionalizante para todos. A habilitação
profissional passa a ser compulsória em substituição à equivalência entre os ramos
secundário e propedêutico. Essa opção fundamentava-se em um projeto de
desenvolvimento do Brasil centrado em uma nova fase de industrialização subalterna
que demandava mão-de-obra qualificada para atender a tal crescimento. Alia-se a essa
opção política do governo, o fato de as classes populares demandarem acesso a níveis
mais elevados de escolarização que redundava numa forte pressão pelo aumento de
vagas no ensino superior. A solução foi optar pela via da formação técnica
profissionalizante em nível de 2º grau, que deveria garantir a inserção no mercado de
trabalho em plena expansão em função dos elevados níveis de desenvolvimento.
A LDB 5.692/1971 introduz modificações na estrutura do ensino, entre elas a
pretensa eliminação do dualismo existente entre escola secundária e escola técnica,
originando-se a partir de então, uma escola única de 1º e 2º graus, voltada para a
1
educação básica geral juntamente com a preparação para o trabalho. Ao Ensino de 1º
Grau cabia a formação geral, a sondagem vocacional e a iniciação para o trabalho;
enquanto que o ensino de 2º grau passa a constituir-se, indiscriminadamente, de um
nível de ensino cujo objetivo primordial é a habilitação profissional. Além desse
aspecto, percebe-se a preocupação com a integração que deu origem à escola única
fundamentada em dois princípios: o da continuidade e da terminalidade. A
continuidade seria proporcionada por um conteúdo curricular que parte de uma base de
educação geral ampla, nas primeiras séries do 1º grau em direção à formação especial e
às habilitações profissionais no 2º grau. A terminalidade seria proporcionada pela
possibilidade de cada nível ser terminal, isto é, facultar uma formação que capacitasse o
educando para o exercício de uma atividade. Logo, concluído o 1º grau, o jovem já
estaria em condições de ingressar no mundo do trabalho como resultado da iniciação
para o mesmo, oferecido nas séries finais do 1º grau. Em nível de 2º grau, a
terminalidade diz respeito à habilitação profissional de grau médio que proporciona as
condições essenciais de formação capaz de assegurar o exercício de uma profissão,
ainda que o estudante pretendesse prosseguir para o nível superior.
O que se conseguiu foi simplesmente não produzir nem a profissionalização
nem o ensino propedêutico. A compulsoriedade se limitou ao âmbito público, pois as
escolas privadas continuaram com os currículos propedêuticos, voltados para as
ciências, letras e artes atendendo às elites. Nos sistemas estaduais não foi implantada
completamente; a falta de recursos materiais e humanos para a manutenção da rede de
escolas, aliada a concepção curricular quanto a formação geral do estudante em favor de
uma formação instrumental para o mercado de trabalho, que, ao invés de ampliar a
duração do 2º grau para integrar a formação geral à profissional, reduziu os conteúdos
de conhecimentos relativos às ciências, letras e artes, enquanto que os conteúdos de
formação profissional assumiram caráter instrumental e de baixa complexidade. levou
os estudantes da classe média a migrarem para as escolas privadas buscando garantir
uma formação que assegurasse o acesso ao ensino superior. Dessa forma, há um
processo de desvalorização da escola pública aliada ao enfraquecimento da
profissionalização obrigatória.
Contribuem ainda para o fracasso da política para o ensino médio e
profissionalizante previstos na Lei nº 5.692/1971, a evasão e a repetência recorrentes,
que produziram a exclusão da população de baixa renda e de trabalhadores
1
instrumentais do sistema de ensino, os quais não conseguiam chegar ao 2º Grau.
Percebe-se, portanto, que os determinantes da dualidade estavam presentes na estrutura
de classes. Entendemos que a exclusão de grande número de jovens da educação formal
promovida pela escola, é resultado de uma sociedade fortemente dualista e desigual,
realidade que se arrasta historicamente como herança civilizatória que se registra desde
a colonização brasileira e vai assumindo novos contornos segundo os momentos de
mudanças políticas e estruturais dos sistemas produtivos dominantes, sem que se
garanta a materialização do direito subjetivo à educação e ao trabalho numa vida
produtiva.
Na contramão desse quadro de insucesso, registrou-se, nos anos de 1960 e
1970, a valorização acentuada da mão-de-obra formada nas Escolas Técnicas Federais
que era absorvida pelas grandes empresas privadas ou estatais, quase na sua totalidade,
devido ao alto padrão de ensino oferecido pelas mesmas. Diante desse quadro
auspicioso, a demanda por matrículas nos diversos cursos oferecidos apresentou um
aumento de 1.000% no período de 1963/1973. Consequentemente, milhares de técnicos
foram colocados à disposição do mercado de trabalho até este atingir a saturação
decorrente do processo de recessão na década de 1980.
O país chega a 1985 e consolida o processo de redemocratização com o
primeiro governo civil, após o longo período de ditadura militar. Intensificam-se os
debates entre os diferentes grupos, em torno das mudanças de rumos para a educação
brasileira. As atenções das diversas correntes de pensamento educacional e concepções
de políticas educacionais voltavam-se, em especial, para uma nova estrutura ao ensino
de 2º Grau e à Educação Profissional, aspectos que se podem depreender no corpo do
Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1988.
Em 1996 a nova LDB nº 9.394, configura o Ensino Médio como etapa final da
Educação Básica. Dentre suas finalidades, está prevista a consolidação e o
aprofundamento do Ensino Fundamental e o reconhecimento àqueles que concluirem o
curso básico, do ingresso no Ensino Superior. De outra forma, possibilita, ainda, a LDB
o ingresso do aluno em carreira técnico-profissional, depois de atendida a formação
geral, conforme o artigo 36, parágrafo 2º, seção IV da aludida lei. Assim, o aluno pode
optar entre o Ensino Médio de caráter propedêutico como aprofundamento de Ensino
Fundamental, ou pelo Ensino Médio Técnico Profissionalizante.
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A Educação Profissional passou por nova reforma e sua regulamentação dada
pelo Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997. Esse ramo da educação passa a integrar as
diferentes formas de educação e trabalho à ciência e à tecnologia, com o objetivo de
atender o aluno matriculado ou o egresso do ensino básico, do nível superior, bem como
os trabalhadores em geral.
Quanto à estrutura da Educação Profissional prescrita no artigo 3º, I, II e III do
Decreto-Lei nº 2.208/1997, tem-se os níveis: a) Básico, que se destinou à qualificação,
requalificação e reprofissionalização de trabalhadores independente de escolaridade
prévia; b) Técnico, destinado à habilitação profissional para alunos egressos do Ensino
Médio; c) Tecnológico, correspondente aos cursos de nível superior na área tecnológica,
destinado aos alunos oriundos do Ensino Médio Técnico.
Fica evidente que nessa conformação, o Ensino Técnico tem apenas o caráter
de complementaridade do Ensino Médio, e este retoma legalmente um sentido
puramente propedêutico, enquanto etapa final da educação básica. Diante dessa
regulamentação, fica a critério do aluno realizar a parte específica da formação técnica
sob duas modalidades: Concomitante ao Ensino Médio (formação geral) em escolas
diferentes, ou na mesma escola, porém com matrículas e currículos distintos; ou
Subseqüente, ou seja, após a conclusão da educação básica, iniciar a educação técnica.
Quanto à certificação para esses cursos técnicos, só seriam expedidas após a conclusão
do Ensino Médio de formação geral.
O resultado dessa configuração da educação profissional por meio do Decreto
2.208/1997, constitui-se em, mais uma vez, num sistema paralelo, um subsistema de
ensino que conserva a estrutura dualista e segmentada da educação profissional - que se
arrasta desde o Império - que rompe com a equivalência, permitindo apenas a
articulação entre as duas modalidades de ensino.
Dessa feita, essa conformação gerou conseqüências: a Educação Profissional
esteve dissociada da Educação Básica, o que gerou um aligeiramento da formação
técnica em módulos dissociados e estanques dando um cunho de treinamento superficial
à formação profissional de jovens e adultos trabalhadores. Segundo Frigotto (2005), a
orientação que balizou o referido decreto e seus desdobramentos, buscou uma mediação
da educação conformada às novas formas do capital globalizado e de produção flexível.
Trata-se de formar um trabalhador “cidadão produtivo, adaptado, adestrado, treinado,
mesmo que sob uma ótica polivalente”.
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Juntamente com o Decreto nº 2.208/1997, o governo federal negociou
empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento com o objetivo de
financiar a reforma da educação profissional por meio do Programa de Expansão da
Educação Profissional (PROEP), como parte integrante do processo de privatização do
estado brasileiro em atendimento à política neoliberal, determinada desde os países
hegemônicos de capitalismo avançado dos organismos multilaterais de financiamento e
das grandes corporações transacionais. Os objetivos do Programa determinavam que
novas unidades de centros de educação profissional se daria pela iniciativa de estados
ou dos municípios, isoladamente ou em convênio com o setor privado, ou pela iniciativa
do segmento comunitário por meio de entidades privadas sem fins lucrativos. Eximiuse, dessa feita, a União na criação de novas unidades para o ensino técnico, limitando-se
a expansão da rede federal.
Pode-se perceber que a LDB de 1996 ratificou o âmbito da educação como
espaço próprio para o desenvolvimento da economia de mercado, e a regulamentação da
educação profissional como sistema paralelo pelo Decreto nº 2.208/1997, concebendo a
separação obrigatória com caráter de articulação entre o ensino médio e a educação
profissional que constituiram dois segmentos distintos, permanecendo, com base legal, a
dualidade entre os mesmos.
O Decreto Nº 5.154/2004 e o Ensino Médio Integrado
Chega-se a 2003, ao primeiro mandato do Presidente Luis Inácio Lula da Silva
com expectativas de mudanças significativas nos rumos dados à Educação de nível
Médio, ao Ensino Médio Técnico, à Educação Profissional, e de modo geral, à
Educação Básica; mudanças almejadas pelas forças progressivas da sociedade brasileira
principalmente dos sindicatos e dos pesquisadores da área de trabalho e educação, que
lutaram pela revogação do Decreto nº 2.208/97, na tentativa de corrigir distorções de
conceitos e de práticas oriundas das regulações do governo anterior de Fernando
Henrique Cardoso, e partir para a construção de novas regulamentações mais coerentes
com a utopia de transformação da realidade da classe trabalhadora brasileira.
A Educação Profissional de nível médio no Brasil hoje é regulada pelo
Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004; regulamenta o § 2º do art.36 e os arts. 39 a 41
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da LDB. O decreto traz princípios e diretrizes do ensino médio integrado à educação
profissional num esforço de alguns reformistas para vencer a clássica dicotomia entre
conhecimentos específicos e gerais, entre ensino médio e educação profissional,
pleiteando a integração da formação básica e profissional de forma orgânica num
mesmo currículo.
Esses mesmos sujeitos colocaram em cheque as diferentes perspectivas para a
formação dos trabalhadores: uma perspectiva de submissão aos interesses imediatos do
mercado; e outra, articulada à estratégias de emancipação por meio de uma educação,
segundo Araujo (2006:195), “que interesse aos trabalhadores e que se articule com um
projeto contra-hegemônico, de socialismo, ancorada nos conceitos de politecnia e de
escola unitária, categorias que sustentam uma formação que tem o homem, e não o
mercado, como principal referência” conciliando o trabalho, a ciência, a cultura e a
tecnologia. A escola assim prepararia um novo homem para a sociedade tanto com
capacidade de especialização como de direção. Seria uma “escola para todos,
aristocrática e democrática [...] no sentido de formar a todos como homens
superiores” (GRAMSCI,
O Decreto nº 5.154, manteve as ofertas de cursos técnicos nas modalidades
concomitante e subsequente prescritos pelo anterior Decreto nº 2.208/1997; trouxe de
volta a possibilidade de integrar o ensino médio à educação profissional técnica de nível
médio, agora numa perspectiva que não se confunde com a educação tecnológica ou
politécnica, mas que aponta em sua direção. No entanto, ao se manter a existência de
sistemas e redes distintas, possibilitou a “coexistência de ensino médio propedêutico,
profissionalização enquanto etapa autônoma e a integração entre ambas,” dando
margem à omissão do Estado em afirmar um projeto educacional emancipador para o
ensino médio ARAUJO (2006:205).
A educação politécnica é por nós entendida como educação unitária e
universal destinada à superação da dualidade entre cultura geral e cultura técnica e
voltada para “o domínio dos conhecimentos científicos das diferentes técnicas que
caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno” (SAVIANI, apud Frigotto,
Ciavatta e Ramos, 2005:42); seria vivenciada na educação básica, em um tipo de ensino
médio que garanta a integralidade da educação básica, ou seja, que contemple o
aprofundamento dos conhecimentos científicos produzidos e acumulados historicamente
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pela sociedade, como também objetivos adicionais da formação profissional numa
perspectiva da integração dessas dimensões.
Essa conformação de uma educação integrada constituiria uma solução
transitória, já que a extrema desigualdade socioeconômica obriga à inserção no mundo
do trabalho, grande número dos filhos da classe trabalhadora, antes de 18 anos, visando
complementação de renda familiar ou a própria auto-sustentação. Essa realidade
contradiz o que pensa Gramsci (1985): os jovens só devem ser inseridos na atividade
social, após tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade; à criação
intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e iniciativa, formadas na
escola de princípio unitário. É fundamental que se lute para que os jovens das classes
populares não sejam excluídos do ensino médio na faixa etária própria ou regular; que
lhes seja dada uma formação voltada para a superação da dualidade estrutural entre
cultura geral e cultura técnica, ou formação instrumental como tem sido historicamente.
Precisam-se formar cidadãos capazes de compreender a realidade social, econômica,
política, cultural e do mundo do trabalho para nela inserir-se e atuar de forma ética e
competente, técnica e politicamente, visando contribuir para a transformação da
sociedade em função dos interesses sociais e coletivos.
Considerações Finais
Muito se discute sobre as controvérsias que emanam do Decreto nº
5.154/2004, regulador da educação profissional de nível médio. Nele estão impressos
limites e possibilidades que podem alavancar ou emperrar o projeto de integração entre
Educação Profissional Técnica de nível médio e o Ensino Médio. Acredita-se, que pela
integração, as duas redes de ensino, profissional e geral, que se constituíram desde o
surgimento da primeira iniciativa estatal, pode-se romper a dualidade estrutural e a
clássica dicotomia histórica entre formação para o trabalho e preparação para a
universidade. Espera-se, na verdade, que esse projeto assuma o caráter de política
pública educacional com uma proposição ao Congresso Nacional de um anteprojeto de
Lei da Educação Profissional e Tecnológica.”
Enquanto essa proposta não se consolida juridicamente, um novo Decreto nº
6.302 de dezembro de 2007 instituiu o Programa Brasil Profissionalizado “que visa
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estimular o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, enfatizando a educação
científica e humanística por meio da articulação entre formação geral e educação
profissional, considerando a realidade concreta no contexto dos arranjos produtivos e
das vocações sociais, culturais e econômicas locais e regionais.” (MEC/SETECDocumento Base, 2007).
O referido programa representa uma tentativa de democratização do Ensino
Médio e tem sua sustentação e apoio no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
que presta assistência financeira para construção, ampliação, modernização e adequação
de espaço físico das escolas; construção de laboratórios e bibliotecas, formação de
docentes, gestores e pessoal técnico. A princípio, ingenuamente, poder-se-ia considerar
louvável a iniciativa do governo federal, se não representasse a ratificação do que
pensam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005): “a política de educação profissional
destinada a jovens e adultos trabalhadores, processa-se mediante programas focais e
contingentes”. Dentre estes, o PROEJA, que se configura em oferta mínima aos jovens
e adultos excluídos da educação regular; o Programa Escola de Fábrica, parceria entre o
público e o privado, iniciado com recursos do PROEP em parceria com empresas e
indústrias para dar formação profissional inicial a jovens entre 16 e 24 anos
matriculados na Educação Básica, cujas famílias tenham renda per capita de até um
salário mínimo; e o PROJOVEM, que busca integrar Ensino Fundamental, qualificação
profissional e ação comunitária.
Superar essa dualidade estrutural histórica existente entre ensino médio
propedêutico e educação profissional de nível médio demanda pesados desafios para
transformar essa realidade, caracterizada como problema político e não pedagógico,
pois “a dualidade estrutural tem suas raízes na forma de organização da sociedade,
que expressa as relações entre capital e trabalho; pretender resolvê-la na escola,
através de uma nova concepção, ou é ingenuidade ou é má fé.” (KUENZER, 2007:34).
Nessa perspectiva, para superar a realidade, seria necessário a democratização
do Ensino Médio adotando clareza de propósitos nessa direção, assim como a injeção de
investimento financeiro que venha a descaracterizar o assistencialismo e a filantropia ou
estratégia de alívio da pobreza como vem se caracterizando ao longo da história da
educação brasileira .
Face ao exposto, considera-se que não basta estabelecer decretos ou reformar
leis para se fazer a formação profissional de nossos jovens e adultos. É necessário
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transformar a realidade da sociedade dividida, na qual a rede de ensino promove a
inclusão dos socialmente incluídos e exclui a maioria que sonha em profissionalizar-se
em um curso de nível superior, porque a formação de técnico, seja de nível médio, seja
por meio de cursos aligeirados e de baixa qualificação são socialmente estigmatizados.
Dessa forma, aos socialmente excluídos não resta opções: não há vagas para todos nas
universidades públicas, e o ensino profissionalizante público ou privado é de baixa
qualidade na pretensão de formar para o fazer negando-lhes a formação geral. Mais
amplamente, será necessário resgatar a centralidade do ser humano no cumprimento das
finalidades do Ensino Médio e da educação profissional, pois o objetivo não é somente
a formação de técnicos, mas de pessoas que compreendam a realidade, que possam
também atuar como profissionais capazes de dirigir ou de controlar quem dirige.
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Referências
ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima. A regulação da educação profissional do governo
Lula: Conciliação de interesses ou espaço para a mobilização. In: GEMAQUE e LIMA
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Educação e Sociedade. Vol. 26, nº 92, Campinas, SP, 2005.
FRIGOTTO, Gaudêncio. CIAVATTA, Maria. RAMOS Marise (org.). Ensino médio
integrado: Concepções e contradições. S. Paulo: Cortez, 2005.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. Ed. 6ª. S. Paulo: Civilização Brasileira, 1998.
KUENZER, Acacia (org.). Ensino médio: Construindo uma proposta para os que vivem
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NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na primeira república. 1ª reimpressão, S. Paulo:
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NOSELLA, Paolo. A escola brasileira no final do século: Um balanço – In:
FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: Perspectivas de final de
século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 16ª Ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1998.
SANTOS, Jailson Alves dos. A trajetória da educação profissional. In: Lopes, et al
(org.). 500 anos de educação no Brasil. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
Autores Associados, 2007.
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