TRABALHOS TÉCNICOS
Divisão Sindical
OS DESCONTOS NO SALÁRIO DO EMPREGADO E A NECESSIDADE DE
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
Guilherme Brandão
Advogado
O art. 462 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe que:
“Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do
empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivo de lei ou de
contrato coletivo.”
Se houver dano causado pelo empregado, o § 1º do referido artigo prevê que:
“Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que essa
possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.”
Portanto, quando houver ato doloso do empregado, o referido desconto será sempre
permitido, mesmo sem previsão contratual, cabendo ao empregador efetuar a prova de que o
empregado provocou esse dano de forma dolosa.
Entretanto, se o dano causado for resultante de culpa, em que, no desempenho de suas
funções, não houve, por parte do empregado, a intenção de praticá-lo, mesmo que ele tenha
agido com imprudência, negligência ou imperícia, esse desconto só poderá ser levado a efeito
se houver previsão em contrato de trabalho.
Assim, o empregador que quiser prever tal desconto, em caso de dano causado pelo
empregado, cuja culpa seja do mesmo, deverá fazer menção expressa, por meio de cláusula
inserida no contrato de trabalho, de acordo com os termos do parágrafo 1º, do art. 462, da
CLT.
Transcrevemos, nesta oportunidade, o Precedente Normativo nº 118, do Tribunal
Superior do Trabalho (TST), sobre a matéria:
“QUEBRA DE MATERIAL. Não se permite o desconto salarial por quebra de
material, salvo nas hipóteses de dolo ou recusa de apresentação dos objetos
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danificados, ou ainda havendo previsão contratual, de culpa comprovada do
empregado.”
Os descontos fixados em normas coletivas são expressamente permitidos, conforme
disciplina o artigo nº 462 em referência.
Do mesmo modo, o ilustre jurista e magistrado Maurício Godinho Delgado (Curso de
direito do trabalho, 3ª Edição, LTr, pág. 770), ao discorrer sobre os descontos salariais
autorizados, destaca as diversas ressalvas à regra geral de vedação à efetuação de descontos
no salário do empregado.
Esclarece o renomado professor:
“A primeira ressalva inscrita no art. 462 da CLT diz respeito aos adiantamentos
salariais efetivados pelo empregador. Do ponto de vista técnico, porém, é certo que
não se poderia considerar como desconto a simples dedução de adiantamento salarial
já efetuado, uma vez que, em tal caso, o que ocorreu, na verdade, foi efetivo
pagamento antecipado de salário. De todo modo, a CLT prefere arrolar os
adiantamentos salariais no rol dos descontos autorizados (art. 462, caput).
A segunda ressalva do texto celetista diz respeito aos descontos resultantes de
dispositivos de lei. Nesta larga hipótese, inúmeros descontos surgem no cotidiano
laboral. Ilustrativamente, citem-se: descontos relativos a contribuição previdenciária
oficial; a imposto de renda deduzido na fonte; a contribuição sindical obrigatória (art.
8º, IV, CF/88 c/c art. 578 e seguintes, CLT); a prestações alimentícias judicialmente
determinadas; à pena criminal pecuniária; a custas judiciais; a dívidas junto ao Sistema
Financeiro da Habitação (mediante requerimento: Lei 5.725/71); a vale-transporte
(Leis n. 7.418/85 e 7.619/87); à retenção do saldo salarial por falta de aviso prévio de
empregado que pede demissão (art. 487, § 2º, CLT); a empréstimo financeiro
contratado pelo trabalhador, nos moldes e limites da Lei n. 10.802/03 (conversão da
MP n 130, publicada em 18.9.2003).
A terceira ressalva indicada no texto celetista diz respeito a descontos autorizados por
norma negocial coletiva (a CLT fala em dispositivo de contrato coletivo, valendo-se
de expressão anterior à modificação promovida em seu Título VI pelo Decreto-lei n.
229/67, instituindo a Convenção Coletiva e o Acordo Coletivo de Trabalho). A
jurisprudência dominante tem compreendido que tais descontos referem-se a
contribuições sindicais distintas da legal obrigatória, podendo incidir estritamente
sobre empregados sindicalizados. Semelhante restrição aplicar-se-ia inclusive à
chamada contribuição confederativa, aventada pelo art. 8º, IV da CF/88.”
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E, mais adiante, pontifica (pág. 771 da citada obra):
“A quarta ressalva colocada pelo texto celetista diz respeito a descontos relativos a
dano causado pelo empregado, ocorrendo dolo (§ 1º do art. 462, CLT).
A quinta ressalva efetuada pela ordem jurídica diz respeito a descontos relativos a
dano causado pelo empregado, ocorrendo culpa deste e desde que esta possibilidade
tenha sido pactuada (§ 1º do art. 462, CLT). Esta hipótese autorizativa, contudo, tem
sido atenuada pela jurisprudência. Tem-se compreendido que, em situações laborais
envolvendo a efetiva possibilidade de acidentes com máquinas e equipamentos, não se
poderia optar pela responsabilização obreira (§ 1º do art. 462) em detrimento do risco
empresarial perante o empreendimento (caput do art. 2º, também da CLT). Nesse
contexto, enquadrando-se o dano em ocorrência que pode ser também imputada ao
risco da atividade empresarial, prevalece o princípio da assunção dos riscos pelo
empregador em contraponto à ressalva da responsabilidade obreira pelo dano.”
Estas duas últimas ressalvas já haviam sido observadas no início desse trabalho.
E não é de outra forma que o TST se manifesta. Confira-se:
“RESTITUIÇÃO DOS DESCONTOS
O artigo 462 da CLT, que contempla o princípio da intangibilidade salarial, é claro ao
dispor que o empregador pode efetuar o desconto nos salários em caso de dano
provocado pelo empregado que agiu dolosamente no exercício de suas funções (§1º).
Igualmente, autoriza o desconto quando o ato praticado foi culposo, isto é, fruto de
negligência, imprudência, ou imperícia, mas, nessa hipótese, diferentemente daquela
em que o dano decorre de ação dolosa, exige prévia e expressa autorização do
empregado. Na hipótese, o e. Regional afasta o dolo e reconhece a culpa do
reclamante, mas nada dispõe sobre o fato de ter havido prévia e expressa autorização
para os descontos. Sendo assim, não há como se concluir que o v. acórdão do TRT,
que manteve a determinação da devolução dos descontos, violou o artigo 462, § 1º, da
CLT. Agravo de Instrumento não provido.” (TST, 4ª Turma, Proc. AIRR 1702/1999002-17-00.4, Relator Ministro Milton de Moura França, publicado no DJ em
06/02/2004).
Ressalta, ainda, o ilustre professor, que o cotidiano trabalhista tem gerado outras
hipóteses recorrentes de descontos efetivados no salário obreiro, citando como tais as
contribuições recolhidas a título de inserção obreira em programas de seguros coletivos,
previdência privada, saúde pessoal e familiar, clubes recreativos, cooperativas de crédito ou
de consumo obreiras e outros fins correlatos.
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A respeito desses descontos o Enunciado nº 342 do Tribunal Superior do Trabalho
proclama o seguinte:
“Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por
escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica,
médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa,
cultural ou recreativa associativa dos seus trabalhadores, em seu benefício e dos seus
dependentes, não afrontam o disposto pelo art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada
a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico.”
Há previsão de descontos de prestações in natura, como alimentação, habitação,
vestuário, etc., mas estes não podem superar 70% do salário mínimo. O parágrafo único do
art. 82 da CLT determina que 30% do salário mínimo deverão ser pagos em dinheiro.
A Lei nº 10.243, de 19.06.91, que alterou o art. 458 da CLT passou a não considerar
salário utilidade a oferta de bens e serviços como educação, saúde, transporte, seguros e
previdência privada, conforme parágrafo 2º, II, III, IV, V e VI do artigo acima citado, da
CLT.
Entretanto, determina o § 3º que desse mesmo artigo que a habitação e a alimentação
fornecidas como salário utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão
exceder, respectivamente, 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por Cento) do salário
contratual.
Contudo, deve-se lembrar, novamente, que é imperativa a autorização do empregado
para que o empregador possa efetuar esses descontos, cumprindo transcrever, nessa
oportunidade, precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, que assim determinam, de
acordo com os termos da citada Súmula 342 daquele Colendo Tribunal:
“DESCONTOS SALARIAIS – SEGURO DE VIDA – AUTORIZAÇÃO NO ATO
DA ADMISSÃO NO EMPREGO – INEXISTÊNCIA DE COAÇÃO PRESUMIDA –
DEVOLUÇÃO INDEVIDA.
1. A Súmula 342 do TST reputa válido o desconto efetuado no salário do empregado
quando houver assentimento para o desconto, excepcionando-se apenas a hipótese em
que ficar demonstrada a coação ou outro defeito que vicie a autorização. Por outro
lado, a Orientação Jurisprudencial 160 desta Corte invalida a presunção de vício de
consentimento pelo fato de o trabalhador anuir com os descontos no ato da admissão.
2. No caso, o Regional entendeu que os descontos salariais eram inválidos, pois
autorizados no ato da admissão do Empregado pela adesão ao plano de seguro de vida,
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presumindo- tratar-se de imposição patronal e supressão da manifestação da livre
vontade.
3. Nesse contexto, a conclusão da decisão regional contraria a Súmula 342 do TST
que, conjugada à OJ 160 da SBDI-1 desta Corte, afasta o direito à devolução dos
descontos efetuados no salário da Empregada, pois, para se considerar inválida a
anuência do empregado aos descontos, faz-se necessária a demonstração concreta da
ocorrência do vício de vontade, não sendo admitida a presunção da ocorrência e tal
vício, pelo fato da adesão ter ocorrido na admissão. Recurso de revista parcialmente
conhecido e provido.” (TST 7ª Turma, Proc. RR 608/2003-291-04-00.1, Relator
Ministro Ives Gandra Martins Filho, publicado no DJ em 07/12/2007).
“RECURSO DE REVISTA. DESCONTOS SALARIAIS. CONVÊNIOS MÉDICOS
E ODONTOLÓGICOS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E POR
ESCRITO DO EMPREGADO. ART. 462 DA CLT
Esta Corte sedimentou o entendimento de que os descontos salariais efetuados pelo
empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado
em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência
privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus
trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art.
462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que
vicie o ato jurídico. Logo, o acordo regional que consagra a legalidade dos descontos
salariais efetuados pela Reclamada a título de convênios médicos e odontológicos,
mesmo diante da ausência de autorização prévia e por escrito do empregado, contraria
entendimento pacificado na Súmula 342 desta Corte. Recurso de Revista conhecido e
provido.” (TST 2ª Turma, Proc. RR 814/2001-721-04-00.0, Relator Ministro José
Simpliciano Fontes de F. Fernandes, publicado no DJ de 05/10/2007).
Por essas razões, consignamos novamente que os descontos efetuados a título de
assistência médica, odontológica, farmácia, seguro de previdência privada, de entidade
cooperativa, cultural ou recreativa associativa em benefício do próprio trabalhador e outros
dessa natureza deverão, sempre, ser autorizados anteriormente pelo empregado, pois estes são
considerados lícitos pelos nossos tribunais se estiverem em consonância com os termos da
Súmula nº 342 do Tribunal Superior do Trabalho.
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