EDUCAÇÃO ENTRE PARES: UM DEBATE
Educação entre pares para a formação de líderes de opinião popular e prevenção do HIV:
solucionando resultados discrepantes e implicações para o desenvolvimento de programas
comunitários eficazes
J. A. Kelly1
CAIR – Center for AIDS Intervention Research (Centro de Pesquisa para a Intervenção da Aids),
Escola de Medicina de Wisconsin, Milwaukee, Wisconsin, EUA
Resumo
Uma série de ensaios em nível comunitário realizados nos Estados Unidos nos últimos 10 anos,
estabeleceu a eficácia de uma intervenção para a prevenção do HIV que sistematicamente identifica,
recruta, treina e engaja líderes de opinião popular (LOP) de uma população para atuar no apoio a
mudanças comportamentais. Recentemente, vários pesquisadores relataram fracassos em suas tentativas
de implantar programas de educação entre pares para homens que fazem sexo com homens, no Reino
Unido, questionando a eficácia e viabilidade desses programas. O LOP, no entanto, é uma intervenção
extremamente especializada, com fundamentação teórica, e os programas de educação entre pares
implantados no Reino Unido não incorporaram diversos elementos centrais ou essenciais. Por
conseqüência, não eram avaliações do LOP. Neste artigo, apresentam-se os elementos centrais do modelo
do líder de opinião popular; são feitas interpretações sobre as possíveis razões para os resultados
discrepantes entre a educação entre pares no Reino Unido e as intervenções LOP nos Estados Unidos, e
são discutidas questões práticas para o desenvolvimento do programa.
Introdução
Intervenções comunitárias que sejam capazes de reduzir a prevalência de comportamentos sexuais de alto
risco em populações vulneráveis são essenciais para as nossas tentativas de prevenir a transmissão do HIV
(Kelly, 1999). Um dos programas comunitários que a literatura mostrou ser eficaz é conhecido como
abordagem do “líder de opinião popular” (LOP). O LOP utiliza técnicas etnográficas para sistematicamente
identificar membros populares e socialmente influentes da população alvo, recrutá-los e treiná-los para
comunicar mensagens de apoio para a redução do risco de infecção pelo HIV a seus pares durante
conversas rotineiras, e trabalhar junto com eles para sustentar as atividades de advocacia da prevenção
do HIV. Baseado na teoria da difusão social (Rogers, 1983), esse modelo de intervenção parte da premissa
de que a mudança comportamental de uma população pode ser iniciada e “difundida” se uma quantidade
suficiente de líderes de opinião naturais e influentes dessa população adotar, endossar e apoiar
visivelmente um comportamento inovador. Em essência, os líderes de opinião alteram as normas
referentes a sexo seguro, facilitando aos demais iniciar e manter mudanças de comportamento para
redução de risco. No caso da prevenção do HIV, as mudanças comportamentais incluem usar camisinha e
evitar atividades sexuais de alto risco.
A teoria da difusão da inovação e a influência dos líderes de opinião no estabelecimento de novas
tendências comportamentais foram objetos de extensos estudos nas últimas décadas e os programas
baseados nessa abordagem também foram usados amplamente e com sucesso na agricultura, no
marketing e em áreas relativas a desenvolvimento de comunidades (Rogers, 1983). Mais recentemente, as
intervenções com líderes de opinião foram adaptadas para a prevenção do HIV.
Vários estudos demonstraram que as intervenções baseadas no modelo LOP podem reduzir a prevalência
e frequência de comportamentos sexuais de alto risco em populações de homens que frequentam bares
gay em pequenas cidades norte-americanas, em geral reduzindo os níveis de comportamento de risco em
cerca de 30% (Kelly et al., 1991, 1992, 1997). Os mesmos resultados foram reproduzidos em vários ensaios
com diferentes comunidades, incluindo um grande estudo aleatório que envolveu múltiplas cidades (Kelly
Endereço para correspondência: Jeffrey A. Kelly, PhD, Center for AIDS Intervention Research (CAIR), Department of Psychiatry and Behavioral Medicine, Medical
College of Wisconsin, 2071 N. Summit Avenue, Milwaukee, WI 53202, EUA. Tel: +1 414 456 7700; Fax: +1 414 287 4209; e-mail: [email protected].
Educação entre Pares: um debate
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et al., 1997). Nesse último estudo, ocorreram reduções significativas na frequência média de sexo anal
desprotegido (de 1,68 ocorrências nos últimos 2 meses na pesquisa inicial para 0,59 na pesquisa de
acompanhamento realizada após um ano) e aumento da proporção de sexo anal com camisinha (de 45%
para 67%), de acordo com os resultados envolvendo grandes amostras de homens de bares gays onde a
intervenção LOP foi realizada. Nas cidades controle da pesquisa, onde apenas os materiais educativos
sobre a aids foram distribuídos, não se observaram mudanças comportamentais. Além dos estudos
especificamente desenvolvidos para avaliar o modelo LOP, as intervenções que incluíram o recrutamento
e treinamento de líderes de opinião popular como parte do programa produziram resultados similares
com relação a mudanças comportamentais, conforme estudos na comunidade realizados com mulheres
de áreas urbanas (Sikkema et al., 2000), homens profissionais do sexo (Miller et al., 1998) e homens
jovens gays (Kegeles et al., 1996).
Recentemente, vários programas de educação entre pares direcionados a homens gays no Reino Unido
relataram não ter havido resultados positivos quanto à redução nos comportamentos sexuais de alto risco
em nível de população. Estão incluídos nesses programas um projeto realizado com homens gays em cinco
academias de ginástica em Londres (Elford et al., 2001, 2002b) e um estudo conduzido em bares gays em
Glasgow e Edimburgo, Escócia (Flowers et al., 2002). Os estudos norte-americanos analisaram os
resultados referentes ao sexo anal desprotegido com parceiros do sexo masculino nos últimos 2 meses,
enquanto que os estudos ingleses observaram resultados de comportamentos de risco com parceiros
casuais ou cujo status sorológico era desconhecido, durante os últimos 3 a 12 meses. Ao contrário dos
resultados positivos encontrados nos estudos norte-americanos, as pesquisas pré e pós-intervenção dos
frequentadores dos bares e academias nos projetos ingleses não apresentaram mudança dos
comportamentos sexuais de risco; assim, os autores concluíram que os programas com base em pares não
foram eficazes nas circunstâncias em que foram testados.
Embora cada um dos estudos ingleses tenha citado extensivamente a literatura sobre a teoria da difusão
social (Rogers, 1983) e o modelo do líder de opinião popular (Kelly et al., 1991, 1992, 1997) como bases
para o desenvolvimento das intervenções, nenhum deles é representativo de testes verdadeiros ou
adequados da intervenção LOP e de sua fundamentação conceitual. Na intervenção realizada por Flowers
et al., um número pequeno de homens e mulheres – por exemplo, funcionários de uma organização de
combate à aids – foram remunerados para atuar como funcionários num programa de extensão de meio
turno distribuindo nos bares materiais educativos com temas relacionados à saúde sexual, como hepatite
B, teste do HIV e o risco do HIV. Os educadores em saúde contratados para esses cargos não tinham sido
identificados como líderes de opinião popular na população alvo. Assim o estudo constitui uma avaliação
de um programa de extensão de educação para o HIV em escala limitada e não um teste da difusão social
ou do modelo LOP. Com relação ao estudo de Elford et al., um número pequeno de educadores foram
treinados e permaneceram no projeto, enquanto que a maioria informou que o contato com seus pares se
resumia a fornecer breves informações sobre a aids (Elford et al., 2002a,b). Nessas circunstâncias, a
ausência de impacto significativo desses programas sobre o comportamento sexual de risco da população
não surpreende.
Ao mesmo tempo, os resultados desapontadores dos projetos ingleses, em comparação aos encontrados
nos estudos anteriores (Kelly et al., 1991, 1992, 1997; Sikkema et al., 2000), são instrutivos porque
destacam os fatores conceituais e práticos que exercem influência na eficácia ou não desse tipo de
programa de prevenção do HIV. Essa questão não tem interesse apenas para a pesquisa científica, mas
também é significativa para a aplicada, considerando-se o uso amplo de programas baseados em pares
para a prevenção do HIV e outras campanhas de promoção da saúde. O objetivo mais geral desse artigo é
considerar as questões teóricas e práticas relevantes à realização de programas de prevenção do HIV com
base em pares e, mais especificamente, dos programas baseados em líderes de opinião popular.
Examinaremos as diferenças entre os estudos do Reino Unido e da intervenção LOP que possam explicar a
fraca eficácia dos projetos ingleses e algumas das dificuldades enfrentadas na sua implantação.
A “educação entre pares” é um conceito genérico e mal definido. A descrição de um projeto desse tipo é
vaga e fornece poucas informações sobre as características, métodos, escopo, conteúdo e objetivos
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importantes de um programa, a não ser pelo fato de que indivíduos vistos como “similares” aos membros
da população alvo entregam algum tipo de comunicação a outros. A percepção de que mensagens sobre
saúde possam ter maior credibilidade quando são fornecidas por alguém que é visto com “um
semelhante” pelo recipiente da mensagem é lógica e atraente. É necessário, entretanto, examinar o
funcionamento de um programa com base em pares mais atentamente para determinar as probabilidades
do seu impacto sobre a população alvo.
Elementos centrais do modelo do líder de opinião popular
1. O LOP é direcionado a uma população alvo identificável, em locais comunitários bem
definidos, onde o tamanho da população pode ser estimado.
2. Técnicas etnográficas são usadas sistematicamente para identificar os segmentos da
população alvo e reconhecer as pessoas mais populares, estimadas e dignas de confiança em
cada segmento da população.
3. Durante a vida do programa, 15% da população alvo encontrada no local da intervenção são
treinadas como LOP.
4. O programa habilita os LOP a iniciar mensagens sobre a redução de comportamentos de risco
com amigos e conhecidos em conversas rotineiras.
5. O programa de treinamento ensina aos LOP características da comunicação eficaz de
mensagens para a mudança efetiva de comportamento, tendo como alvo atitudes, normas,
intenções e autoeficácia. Durante as conversas, os LOP pessoalmente endossam os benefícios de
comportamentos mais seguros e recomendam os passos práticos necessários para implantar a
mudança.
6. Grupos de LOP encontram-se semanalmente em sessões que utilizam instrução, modelos
facilitadores e diversos exercícios de dramatização para auxiliá-los a aprimorar suas habilidades
e ganhar autoconfiança nas suas comunicações com outros membros da comunidade sobre
prevenção efetiva contra a aids. Os grupos devem ser pequenos o suficiente para possibilitar
oportunidades de exercícios práticos; dessa forma, todos os LOP podem desenvolver suas
habilidades comunicativas e se sentir à vontade para transmitir mensagens.
7. Entre as sessões, os LOP estabelecem metas para o engajamento em conversas com amigos e
conhecidos da população alvo sobre a redução de comportamentos de risco.
8. Os resultados das conversas são revistos, discutidos e reforçados nas sessões de
treinamento subsequentes.
9. Logomarcas, símbolos e outros artifícios são empregados como marcadores conversacionais
na interação entre os LOP e outros membros da comunidade.
Os modelos de intervenção fundamentados nos princípios da difusão da inovação, como o LOP, não são
sinônimos de educação entre pares. A abordagem do LOP representa um programa bastante específico,
com fundamentação teórica baseada em pares. A tabela 1, preparada para este artigo, resume os
elementos básicos do modelo LOP. Os elementos centrais do LOP se relacionam a: 1) identificação e
seleção de líderes de opinião popular representantes dos diferentes segmentos da população alvo e
treinados para oferecer mensagens sobre redução de risco; 2) atingimento de uma “massa crítica” de LOP,
grande o suficiente para estabelecer novas normas e comportamentos dentro da comunidade; 3)
desenvolvimento de mensagens de prevenção que não se referem somente à educação sobre a aids, mas
que são direcionadas de modo específico a determinantes psicossociais fundamentos na teoria da
mudança comportamental, relevantes para a população; 4) uso de reuniões semanais com pequenos
grupos para cuidadosamente treinar e engajar os LOP para oferecer mensagens de endosso à mudança
comportamental durante conversas que ocorrem de maneira natural com outros membros da população
alvo; 5) inspiração e motivação contínua dos LOP para a manutenção de seus papéis de aprovadores da
prevenção do HIV e 6) estabelecimento de um programa contínuo, com momentum suficiente para
estabelecer e manter a mudança comportamental como uma nova norma social que atua, na verdade,
como um movimento social em expansão. Portanto, é possível afirmar que os projetos do Reino Unido
não foram experiências com o modelo do líder de opinião, pois não empregaram a maioria desses
elementos centrais.
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Elementos Centrais
Identificação de líderes de opinião popular como pares
Testes da teoria de difusão de inovação (Rogers, 1983) demonstram que novas tendências
comportamentais podem ser estabelecidas quando alguns líderes naturais e queridos, membros da
população alvo, são vistos por seus pares adotando e aprovando uma inovação comportamental e quando
a mudança é percebida pelos demais como boa, na moda e benéfica. Os líderes de opinião não são apenas
pares. Na verdade, são aqueles membros da população alvo cujas visões, atitudes e comportamentos
podem influenciar os demais em virtude de sua posição social. Além disso, qualquer população – mesmo
as que parecem uniformes, como os homens em um específico bar gay ou academia – é socialmente
complexa e composta de muitos diferentes segmentos populacionais e redes sociais. Alguns desses podem
ser definidos por suas características sociodemográficas. Em nosso trabalho anterior com populações de
bares gays, a observação sociodemográfica revelou que havia segmentos identificáveis no clube, tais como
homens mais jovens e mais velhos, aqueles que dançavam e os que não dançavam, maiorias e minorias
étnicas, profissionais do sexo e outros grupos. Mesmo em um único segmento demográfico, há múltiplas
redes sociais ou conjuntos de pessoas formando grupos. De modo geral, os líderes de opinião de um
segmento não são de outro. Por conseqüência, a mudança comportamental abrangendo toda a população
só pode ser alcançada mediante identificação e engajamento dos diferentes líderes de opinião dos
múltiplos segmentos e redes sociais, especialmente daqueles que apresentam risco maior.
Técnicas diversas podem ser empregadas para identificar os segmentos de uma população alvo e, a seguir,
identificar os líderes de opinião de cada um. Essas técnicas incluem observações etnográficas
aprofundadas da população, feitas por funcionários treinados para identificar os segmentos, as redes e os
líderes sociais; observações feitas por porteiros, informantes e outros membros da população que
detenham grande conhecimento dos segmentos sociais nos locais onde o programa será implantado;
métodos de nomeação ou sociométricos que solicitam aos membros da população alvo a nomeação de
outros da mesma população, dos quais gostam ou em quem confiam; uso de LOP já identificados para
ajudar na identificação de outros líderes de opinião em seus grupos sociais, e métodos similares. Um
período de intenso estudo etnográfico é necessário para identificar os segmentos da população e os
líderes de opinião de cada um dos diferentes segmentos. O objetivo mais importante, a partir da
perspectiva da fundamentação conceitual da difusão social do modelo LOP, não é simplesmente recrutar
pares, mas identificar e recrutar aqueles indivíduos específicos que são os líderes de opinião popular de
cada um dos múltiplos segmentos sociais que formam a população alvo. Quando um conselho verbal
relativo à prevenção do HIV e exemplos pessoais partem de pessoas apreciadas e conhecidas, o impacto
das mensagens é maior.
Atingimento de uma “massa crítica” de LOP cuja voz possa estabelecer uma nova tendência
A teoria da difusão social afirma – e pesquisas confirmam – que aproximadamente 15% dos membros de
uma população são líderes de opinião ou são os primeiros a adotar uma inovação, e que suas ações
influenciam os outros, sendo capazes de modelar novas normas comportamentais (Rogers, 1983). Até o
momento não foram realizadas pesquisas sistemáticas para determinar – no contexto de uma intervenção
– quantos líderes de opinião são necessários para estabelecer uma tendência inovadora. É provável que
dependa da natureza e atratividade do comportamento inovador, das características de comunicação dos
membros da comunidade, da facilidade com que a população pode observar os LOP demonstrando a
inovação, dentre outros fatores. Entretanto, os programas que identificam e treinam 15% da população
alvo para oferecer mensagens de prevenção têm maior probabilidade de serem sólidos e consistentes com
relação aos fundamentos da teoria de difusão.
Isso requer que, como parte essencial do planejamento do programa, se determine o tamanho da
população que se espera atingir durante o desenvolvimento da intervenção e então se realize o programa
LOP para atingir essa massa crítica. Se o tamanho estimado de uma população de homens gays
freqüentadores das academias de Londres for superior a 2.000 – como ocorreu durante os períodos de
análise do projeto de Elford et al (2001) – a aplicação da “regra” dos 15% exigiria a identificação,
treinamento e envolvimento de aproximadamente 300 LOP e não os 27 indivíduos que foram treinados e
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retidos no estudo de Elford et al. No estudo de Flowers et. al. (2002), cálculos baseados nas taxas de
resposta da pesquisa inicial indicam que cerca de 1.640 homens estavam presentes nos bares gays de
Glasgow durante o período de quatro semanas da coleta de dados. O número de educadores entre pares
nesse projeto (apenas 42) ficou muito abaixo do número necessário para iniciar uma nova tendência.
Nos projetos de Kelly et al. (1991, 1992, 1997), a proporção de membros da população identificados,
recrutados e treinados como LOP foi de 7-8% do número total de homens presentes nos bares gays
durante os períodos de observação inicial. Em contraste, o projeto de Elford et al. (2001) engajou apenas
cerca de 1,3% e o projeto de Flowers et al. (2002) apenas 2,6% do total da população da pesquisa inicial
para que se tornassem educadores entre pares. Assim, mesmo que os educadores entre pares nos dois
projetos ingleses tivessem sido selecionados com base nas características dos LOP discutidas acima, a
quantidade não alcançou os níveis necessários para estabelecer novos comportamentos em nível da
comunidade mediante o mecanismo de difusão de inovação. O resultado que atesta esse fato é que
apenas 3% dos homens gays freqüentando academias no projeto londrino – a população alvo no estudo
de Elford et al. – informaram na pesquisa de acompanhamento ter participado de uma conversa com um
educador entre pares. Com níveis tão baixos de exposição à intervenção, é impossível produzir ou
detectar efeitos dela na população. Portanto, os projetos do Reino Unido foram modestos demais e
apenas uma proporção muito pequena da população foi exposta a mensagens de prevenção entregues
por seus pares. Como Elford e colegas (2002 a,b) observam, o projeto das academias londrinas refletiu não
apenas um teste malsucedido de intervenção, mas também o fracasso na promoção da educação entre
pares planejada.
Transmissão pelos LOP de mensagens eficazes, focadas e teoricamente fundamentadas que atingem
determinantes psicossociais relevantes da mudança do comportamento de risco.
O termo “educador entre pares” implica oferecer mensagens de prevenção do HIV de forma educativa ou
informacional. É o que parece ter ocorrido nos dois projetos do Reino Unido com relação ao risco sexual
do HIV. Se uma população tem pouco conhecimento acerca da aids ou se a comunidade desconhece os
passos para a redução de risco, as mensagens educativas básicas sobre como evitar o risco são adequadas.
Entretanto, esse certamente não é o caso para a grande maioria dos homens gays no Reino Unido, nos
Estados Unidos e em outros lugares do Ocidente. Quando observamos que o conhecimento sobre aids e
redução de risco já é alto em uma população e que outros fatores psicossociais são determinantes mais
fortes da mudança comportamental, então é necessário direcionar as mensagens da intervenção a esses
fatores. Oferecer informações factuais sobre o HIV e os passos para a redução de risco a pessoas que já
possuem essas informações é basicamente uma tentativa de educar pessoas já educadas. Há grande
probabilidade de que sejam percebidas como desnecessárias ou irrelevantes (“Já sei disso, por que está
me perturbando?”); além disso, é possível que não sejam estimuladoras para quem vai atuar como
educador entre pares.
Nos últimos 15 anos, muitas pesquisas buscaram examinar os fatores psicossociais relacionados à
continuação de comportamentos de alto risco ou à adoção de sexo seguro por parte dos homens gays ou
bissexuais e de outras populações vulneráveis à aids. Atualmente, a falta de conhecimento sobre aids e
redução de risco raramente aparece como um forte determinante raramente aparece como um forte
determinante do sexo de risco entre HSH. Ao contrário, o comportamento de risco é mais influenciado
por fatores psicológicos, como os seguintes: percepção do indivíduo sobre as normas do parceiro e dos
pares relativas ao sexo seguro; as atitudes referentes a práticas do sexo seguro; a força da intenção de
mudança de comportamento sexual e de redução de risco; a percepção da vulnerabilidade pessoal para
contrair o HIV e a autoeficácia ou confiança em sua capacidade de adotar o sexo seguro, bem como
fatores situacionais e relacionais (Catanai et al., 1990; Fishbein & Ajzen, 1975; Fisher & Fisher, 1996; Kelly,
1995; Kelly et al., 1990). As mensagens de prevenção precisam enfocar essas determinantes diretamente.
Note-se que a epidemia do HIV já tem mais de 20 anos. É possível que a aids seja vista como uma ameaça
menos imediata que no passado, que o desenvolvimento de terapias antirretrovirais tenha reduzido a
percepção da gravidade da doença e que algumas pessoas estejam se cansando de manter a prática do
sexo seguro. À medida que a epidemia evolui, diferentes mensagens de prevenção são necessárias.
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Pesquisas anteriores demonstram que é possível ensinar os líderes de opinião popular a comunicar, em
conversas informais, mensagens que atingem diretamente ou influenciam normas, atitudes, percepção de
risco pessoal, intenções de mudança comportamental e autoeficácia, dentre outros. Nos projetos de Kelly
et al. (1991, 1992, 1997), os LOP não foram treinados diretamente para transmitir informações educativas
sobre a aids. Ao invés, ofereciam a amigos e conhecidos mensagens informais enfatizando que o sexo
seguro está se tornando uma norma local socialmente aceita entre homens gays ou bissexuais; e,
identificavam os benefícios e vantagens de manter o sexo seguro de modo a criar atitudes mais positivas e
recomendavam maneiras práticas de realizar a mudança comportamental (assim como carregar consigo
camisinhas e tê-las sempre à mão, evitar o sexo depois de beber muito e conversar com parceiros novos
ou regulares sobre suas expectativas quanto ao sexo mais seguro). Os projetos de Kelly et al. também
ensinaram os LOP a comunicar, durante as conversas, que aprovavam pessoalmente os benefícios da
mudança comportamental para redução de risco. Alguns dos LOP adotaram comportamentos pessoais
seguros e conversavam com os demais sobre os passos que tinham seguido para continuar livres de risco.
Outros LOP não adotavam comportamentos tão seguros e foram encorajados a conversar sobre as
mudanças que estavam começando a fazer, tentando fazer ou considerando fazer. Independente do caso,
a abordagem LOP não treina os pares para se tornar educadores sobre aids. O modelo recruta pessoas já
populares para que pessoalmente endossem o valor da mudança comportamental para redução de risco
junto a amigos ou conhecidos, em suas conversas rotineiras, e conversem com seus pares sobre maneiras
de fortalecer as normas de prevenção do risco, as atitudes, as intenções e a confiança para fazer a
mudança. Um dos fatores que possivelmente contribuiu para o sucesso dos programas nos Estados Unidos
foi a transmissão das mensagens para pessoas que já eram conhecidas dos líderes de opinião e que
gostavam deles, em vez de pessoas estranhas.
Treinamento e engajamento dos LOP para a comunicação de mensagens de prevenção do HIV em
conversas rotineiras
Os dois relatórios realizados no Reino Unido indicam que foi difícil engajar pares para conversar com
outros sobre práticas de alto risco e sexo seguro. É possível que esse resultado decorra do fato de que os
voluntários do programa de extensão do projeto de Flowers et al. tenham distribuído, basicamente,
materiais escritos e discutido temas que não abordam questões delicadas, como a disponibilidade do teste
de HIV e serviços de vacinação contra a hepatite, e os pares no programa de Elford et AL tenham
transmitido informações educativas de pouca extensão. É de fundamental importância não subestimar a
dificuldade inerente a treinar e engajar pessoas comuns para conversar com os outros explicitamente
endossando e recomendando o sexo seguro. Esses não são temas que surgem naturalmente em conversas
rotineiras. Ao contrário, precisam ser introduzidos e ativamente desenvolvidos pelos LOP durante suas
conversas com amigos e conhecidos. É preciso lembrar que temas envolvendo sexualidade e aids são
delicados de abordar até mesmo entre amigos. Além do mais, para o sucesso do modelo LOP não basta
que os líderes de opinião transmitam informações factuais sobre a aids, mas outro fator de grande
importância é que suas conversas incorporem características de uma comunicação eficaz e sejam
direcionadas aos fatores psicossociais mencionados anteriormente. É impossível, no entanto, que isso seja
alcançado sem um treinamento intensivo dos líderes de opinião, com foco no desenvolvimento de
habilidades, e sem oferecer oportunidades para que pratiquem, discutam e voltem a praticar, recebam
apoio e solucionem as dificuldades que encontraram ao desempenhar esses papéis.
Uma diferença importante entre as abordagens de treinamento utilizadas por Kelly et al. (1991, 1992,
1997) e as empregadas nos estudos do Reino Unido envolve a maneira pela qual os pares foram ensinados
e assistidos na comunicação de mensagens. Elford et al. realizou uma oficina com duração de 1 dia para
treinamento do líder, com acompanhamento limitado via e-mail ou ligações telefônicas aos educadores
entre pares após o treinamento. Flowers et al. Recorreu a uma oficina com duração de 2 dias para os
voluntários do programa de extensão. Para efeito de contraste, Kelly et al. (1997) treinou os líderes de
opinião em sessões com menos de 20 participantes que se reuniram semanalmente em cinco sessões de
duas horas cada. Durante as sessões, os LOP aprenderam acerca das características de mensagens eficazes
sobre saúde e todos eles dramatizaram repetidamente exemplos de conversas possíveis com amigos e
conhecidos no dia a dia. Como Flowers et al e Elford et al, descobrimos que, a princípio, muitos LOP não se
sentiam à vontade discutindo a aids e aspectos explícitos de temas relacionados a sexo seguro; muitos
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preferiam mensagens que abordassem apenas informações educativas. No entanto, empregamos técnicas
de grupo, como: fornecimento de exemplos de mensagens direcionadas a normas, atitudes, intenções,
auto-eficácia e endosso explícito do LOP em defesa do sexo seguro; demonstração de conversas
“exemplares” pelos facilitadores; criação de oportunidades múltiplas para cada LOP dramatizar, durante
as sessões, conversas que poderia conduzir, e o fornecimento de feedback e apoio amplos pelos
facilitadores do grupo após cada dramatização. Essas técnicas auxiliaram a formação de estilos
comunicativos eficazes e permitiram o desenvolvimento de habilidades tanto para iniciar as conversas na
vida real como também para superar o desconforto inicial. Os participantes foram sempre encorajados a
incorporar em suas conversas componentes de mensagens eficazes e teoricamente fundamentadas,
independentemente de outros aspectos relacionados ao estilo natural de cada um.
O formato do programa de treinamento LOP, composto de sessões semanais, foi utilizado nos projetos de
Kelly et al porque, à medida que os LOP ficavam mais capacitados e proficientes na condução de
conversas, podia-se então solicitar que tivessem conversas com amigos entre as reuniões e reportassem
os resultados nas sessões seguintes. Caso o programa de treinamento tivesse se limitado a uma única
sessão, as discussões detalhadas em grupo e a atenção dada aos resultados de cada uma das conversas
não teriam sido possíveis. Dessa forma, semanalmente os líderes de opinião recebem apoio para
desempenhar seus papéis, uma vez que o formato de intervenção adotado lhes possibilita praticar
intensivamente as conversas durante as reuniões do grupo, planejar e estabelecer metas para conversar
com outros durante a semana seguinte, conduzir conversas na vida real e então receber feedback positivo
para os sucessos obtidos mais a oportunidade de discutir os problemas encontrados.
A quantidade de participantes das oficinas de treinamento nos projetos do Reino Unido não foi
especificada. A intervenção de Kelly et al. limitou cada grupo a, no máximo, 20 participantes, a fim de
assegurar a cada LOP amplas oportunidades de dramatizar as conversas em cada sessão e de discutir os
resultados das conversas conduzidas na vida real nas sessões subseqüentes.
Com reuniões semanais, com duração inferior a 2 horas, os participantes não precisaram abrir mão de um
ou dois dias inteiros, o que seria o caso se as oficinas fossem longas; além disso, as múltiplas reuniões
estimularam o desenvolvimento de um sentimento de camaradagem e de apoio do grupo aos líderes de
opinião. O “ingrediente ativo” essencial para o impacto da intervenção LOP não é apenas o simples
treinamento dos líderes de opinião, mas a qualidade e número de conversas que cada líder tem com os
outros. O modelo requer que os LOP não sejam treinados em um único momento e depois deixados
sozinhos, mas sim que suas ações sejam revistas, apoiadas e mantidas ao longo do tempo.
Apesar dessas circunstâncias, é difícil, mesmo para indivíduos populares e socialmente hábeis, iniciar
conversas com mensagens de endosso à prevenção da aids, sobretudo no decurso de interações naturais.
Todos os projetos de Kelly et al também utilizaram dicas ambientais como marcadores conversacionais
para criar oportunidades para os LOP. Por exemplo, pôsteres mostrando a logomarca intencionalmente
ambígua do semáforo, mas sem texto ou explicações, foram colocados nos bares gays das cidades que
receberam a intervenção, estimulando a curiosidade. À medida que os LOP se sentiram prontos para
começar a conduzir as conversas, cada um usou um botão com a mesma logomarca. Muitos líderes de
opinião foram então abordados nos bares por pessoas que queriam saber o significado do semáforo que
antes havia aparecido nos pôsteres e agora estava nos botões. Todas as vezes que essa pergunta era feita,
os LOP aproveitavam a oportunidade para iniciar uma conversa. A estratégia reduziu a dificuldade para
iniciar espontaneamente as conversas, facilitando aos LOP comunicar suas mensagens de prevenção do
HIV. O surgimento de um grande grupo de LOP usando o mesmo botão serviu para identificar, de modo
sutil, as pessoas mais populares dos clubes como proponentes do sexo seguro, fortalecendo ainda mais as
normas de que o comportamento seguro era socialmente aceito.
Inspirar e motivar os LOP a manter seus papéis de apoio à prevenção do HIV
É difícil isolar um único fator responsável por inspirar e motivar os LOP a adotar e manter atividades de
endosso à prevenção do HIV. No momento do primeiro contato e recrutamento dos líderes de opinião, foi
essencial ganhar sua confiança, assim como mostrar que a comunidade realmente precisava de seu
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empenho. No momento do contato inicial, dissemos aos líderes de opinião, de maneira clara e direta, que
eles tinham sido identificados como as pessoas mais queridas e populares do bar, que essa popularidade
tornava suas palavras importantes para as pessoas e que estavam literalmente na posição de salvar vidas
em suas comunidades. Quando abordadas dessa maneira, todas as pessoas se sentem valorizadas e foram
poucos os líderes identificados que não se interessaram em aprender mais sobre o programa. A seguir,
esclarecemos que esse não era “apenas mais um” programa educativo, que não iria repetir as informações
que já possuíam ou levar a discussões desconfortáveis sobre o comportamento deles; que o programa
tinha como objetivo ensinar habilidades comunicativas eficazes e que a liderança natural de cada um já os
colocaria na vanguarda dos esforços para ajudar outros em suas próprias comunidades. Embora os líderes
de opinião tenham recebido uma pequena remuneração ($15 ou $20) pelo seu tempo participando das
sessões de treinamento, não receberam nada pelas conversas. Caso tivessem sido remunerados, seus
papéis de lideres de opinião teriam sido substituídos pela função de funcionários remunerados, alterando
as motivações altruísticas e autopercepções.
A entrega da intervenção minimizou as barreiras para a participação. O horário das reuniões semanais foi
decidido após consulta aos LOP, de modo a contornar o maior número possível de conflitos. Se um LOP
faltasse a uma das reuniões, uma reposição era marcada antes da sessão regular da semana seguinte. Os
funcionários do projeto tentavam contatar cada LOP pessoalmente antes de cada reunião, sobretudo
aqueles que haviam faltado à reunião anterior. A estrutura da intervenção LOP, seu formato e entrega
foram desenvolvidos nos projetos de Kelly et al com o intuito de maximizar o interesse dos participantes
no programa, reduzir barreiras para a participação e permitir que os LOP adquirissem habilidades e
recebessem reforço contínuo para suas atividades. Essas diferenças também podem explicar as altas taxas
de participação nos programas de Kelly et al quando comparados com os conduzidos no Reino Unido.
Embora de difícil operacionalização, as características das pessoas que atuam como facilitadores das
sessões de grupo também exercem um papel básico para o sucesso ou fracasso do programa. O
conhecimento que o facilitador tem sobre o conteúdo do programa é insuficiente para motivar a
participação e inspirar os LOP. Assim, são considerações essenciais na contratação de funcionários para
esses programas: habilidades para a facilitação de grupos; capacidade de demonstrar e, a seguir, conduzir
as dramatizações dos LOP; habilidade para fornecer reforço e feedback após as dramatizações, de modo a
desenvolver as habilidades comunicativas e mensagens eficazes e, acima de tudo, a habilidade de motivar
e inspirar as atividades conversacionais dos LOP com outros após as sessões.
Por fim, os projetos de Kelly et al. (1991, 1992, 1997) e outros programas bem sucedidos que usaram
componentes do LOP (Kegeles et al., 1996; Miller et al., 1998; Sikkema et al., 2000) escolheram locais para
estudo de natureza primariamente social. Os bares gays em pequenas cidades norte-americanas, por
exemplo, não são apenas pontos comerciais para venda de bebidas e sim pequenas comunidades sociais
onde as pessoas se encontram e socializam. Áreas comuns e eventos sociais em áreas residenciais de baixa
renda tinham a mesma função no projeto de Sikkema et al (2000) envolvendo mulheres. Nesses cenários,
as conversas – incluindo aquelas sobre temas pessoais – ocorrem naturalmente e os locais eram lógicos e
adequados para que os LOP conversassem com seus amigos e conhecidos. As conversas que poderiam
surgir de modo natural e normal em ambientes sociais da comunidade podem soar esquisitas, fora de
lugar e artificiais quando conduzidas por educadores entre pares em academias – onde as pessoas vão
principalmente para malhar – ou nos bares das grande cidades, orientados para a bebida e busca de
parceiros.
Estabelecimento de momentum e impacto para o programa
Uma das lições aprendidas em todas as áreas de promoção da saúde, bem como no campo específico da
prevenção do HIV, é que programas de intervenção rápidos em geral produzem poucos ou breves efeitos.
Uma intervenção com o objetivo de produzir mudanças comportamentais na população precisa ser
substancial o suficiente para criar mudanças duradouras nas normas e comportamentos. Do nosso ponto
de vista com relação aos programas LOP, o objetivo não é apenas expor os membros da população a
mensagens de prevenção fornecidas por seus pares. Nossa meta é que os membros da população alvo
ouçam repetidas mensagens de endosso à prevenção do HIV, muitas vezes e com diferentes palavras,
Educação entre Pares: um debate
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procedentes de diferentes líderes de opinião em seus próprios círculos sociais. Esse processo é necessário
para produzir mudanças comportamentais duradouras. As avaliações de acompanhamento em cidades
onde a intervenção LOP foi realizada em bares gays mostraram a manutenção das reduções nos
comportamentos de alto risco da população no período entre 1 e 3 anos após a intervenção (Kelly et al.,
1997; St. Lawrence et al., 1994). Também foi possível observar, no acompanhamento, correlações entre
um número maior de mensagens de endosso à prevenção do HIV “recebidas” e os níveis mais baixos de
comportamentos de risco relatados pelos entrevistados, indicando uma relação entre a exposição às
mensagens e comportamentos mais seguros (Kelly et al., 1991).
Nossos projetos de pesquisa que utilizaram o modelo LOP de intervenção não envolveram e treinaram
apenas uma “onda” de líderes de opinião. Ao contrário, uma “onda” de LOP recebeu o treinamento e foi
seguida por sucessivas ondas de novos líderes de opinião que também receberam o treinamento e
reforçaram ou mantiveram as mensagens da primeira onda (Kelly et al., 1991,1992, 1997). Além disso,
pode-se pensar em um processo ideal em que não são recrutadas e treinadas apenas duas ondas
sucessivas de LOP, mas em que haja ondas múltiplas de novos grupos de LOP continuamente
identificados, recrutados e treinados, até que 15% dos membros da população tenham sido envolvidos.
Reuniões regulares ou sessões de reforço – com a participação dos “graduados” de ondas anteriores de
treinamento – podem manter o momentum e a motivação, e apoiar os esforços dos líderes de opinião
para criar ambientes sociais em que o comportamento mais seguro é uma norma aceita. O objetivo da
intervenção, portanto, não é produzir um breve período de contato entre pares, mas construir um
movimento social, iniciado pelos líderes de opinião dentro de populações comunitárias de risco, que apóia
normas de comportamento para o sexo seguro.
Elford et al. (2002b) observa que o programa de educação entre pares nas academias de ginástica
londrinas exigiu empenho e tempo consideráveis dos funcionários do projeto. Contudo, não é realista
acreditar que programas comunitários de prevenção do HIV de grande escala possam ser conduzidos com
sucesso sem um corpo funcional razoável ou que programas educativos de baixa exposição possam
exercer grande impacto. As intervenções que não são sólidas o bastante para produzir mudanças
comportamentais não conseguem ser alta relação custo-benefício. Ao mesmo tempo, com populações em
que os comportamentos de risco e a vulnerabilidade ao HIV são altos, o modelo LOP se mostrou
altamente rentável ao evitar infecções pelo HIV (Pinkerton et al., 1998).
Uma questão final e básica para o planejamento do programa é que as intervenções LOP realizadas nos
Estados Unidos foram implantadas com sucesso, enquanto que os programas do Reino Unido não
conseguiram recrutar e manter o envolvimento de um número adequado de pares. Portanto – além das
muitas divergências essenciais no conceito, nos métodos, na seleção dos pares, nos procedimentos
referentes ao treinamento que tornaram as intervenções nos EUA e no Reino Unido muito diferentes –, os
programas do Reino Unido nunca conseguiram alcançar a escala ou o momentum necessário para causar
impacto nos comportamentos de risco da população. Os pesquisadores do Reino Unido sugeriram ainda
que as intervenções bem sucedidas nos EUA poderiam, por razões desconhecidas, não ser bem sucedidas
no Reino Unido (Elford et al., 2002a,b; Flowers et al., 2002). É difícil chegar a essa conclusão quando os
elementos centrais e os procedimentos dos dois programas de educação entre pares – o norte-americano
e o inglês – foram tão diferentes. Entretanto, as dificuldades de implantação percebidas nos projetos do
Reino Unido realçam a importância de desenvolver programas, procedimentos e métodos utilizando
inputs substanciais da própria comunidade para que se torne viável atender as metas, necessidades e
preferências da comunidade que se pretende atingir.
Em artigos anteriores, discutimos um processo mediante o qual as intervenções para a prevenção do HIV –
inclusive o LOP – que se mostraram eficazes na literatura podem ser adotadas com sucesso por
provedores de serviços que desejam realizar os mesmos programas baseados em evidências em suas
comunidades (Kelly et al., 2000a,b). Sugerimos que as intervenções sejam concebidas com base nos
elementos centrais ou características consideradas essenciais para o sucesso da abordagem, tanto em
teoria como na prática. Os elementos centrais do LOP estão resumidos na tabela 1. É importante que os
esforços para a replicação de uma intervenção mantenham fidelidade aos elementos centrais e detalhes
Educação entre Pares: um debate
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fundamentais dos procedimentos. Ao mesmo tempo em que observam a fidelidade, as intervenções
também precisam ser adaptadas e customizadas, sobretudo quando realizadas com populações em
ambientes, países ou culturas diferentes daquela em que a intervenção se mostrou bem sucedida
inicialmente. Os projetos do Reino Unido não incorporaram muitos dos elementos centrais do LOP.
Também é possível que esses projetos não obtiveram êxito quando adaptaram a intervenção para atender
as necessidades e circunstâncias da população alvo. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que o LOP – em
virtude de sua dependência de interações conversacionais naturais – não seria o modelo de intervenção
mais apropriado para HSH malhando nas academias londrinas, mas que talvez fosse adequado para locais
sociais, tais como cafés freqüentados por HSH jovens.
Para concluir, a intervenção LOP testada nos Estados Unidos foi realizada em locais comunitários gays de
pequenas cidades (Kelly et al., 1991, 1992, 1997) e, mais tarde, com mulheres que moravam em conjuntos
residenciais de baixa renda (Sikkema et al., 2000). Esses programas foram direcionados a populações alvo
relativamente pequenas em locais bem definidos, por dois motivos: assegurar uma alta exposição à
intervenção e possibilitar uma mediação confiável das mudanças comportamentais da população. Caso
fosse direcionado a uma população maior, como toda a comunidade gay de uma grande cidade, a escala e
escopo da intervenção precisariam ser bem maiores para alcançar uma exposição similar. Entretanto,
pode ser difícil – na prática – orquestrar as atividades da intervenção necessárias para atingir uma
quantidade tão grande de locais, segmentos populacionais e redes sociais que compõem uma população
maior. Esses grupos podem variar quanto ao seu comportamento de risco, suas percepções das normas
sobre sexo mais seguro e até mesmo sobre como falar sobre camisinhas. Nessas circunstâncias, é mais
viável, apropriado e rentável focar as atividades da intervenção em segmentos menores da população ou
nas redes sociais que apresentam risco maior e que possam ser atingidas em um número mais limitado de
locais comunitários.
Conclusão
A identificação de um programa de prevenção do HIV como “educação entre pares” informa muito pouco
sobre o conteúdo, métodos, bases teóricas, desafios da implantação e impacto esperado do programa
sobre os comportamentos de risco de uma população. “Líder de opinião popular” e “educação entre
pares” não são descrições sinônimas ou intercambiáveis de intervenções. O LOP é uma forma muita
específica de prevenção do HIV com elementos centrais derivados da teoria da difusão social e com
procedimentos também baseados nessa teoria bem como na literatura sobre mensagens comunicativas
eficazes e processos de mudança comportamental. Uma característica atraente do modelo LOP é a
natureza intuitiva e baseada no senso comum da abordagem e sua aplicabilidade transcultural.
Entretanto, essa característica intuitiva não minimiza a importância de um planejamento cuidadoso das
intervenções LOP, mantendo fidelidade aos componentes conceituais centrais do modelo e conduzindo-as
de maneira a promover seu sucesso em níveis práticos.
Agradecimentos
Este estudo foi financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, Estados Unidos, mediante a
subvenção P30-MH57226. O autor estende seus agradecimentos a Steve Pinkerton, Janet St. Lawrence,
Willo Prequegnat, Allan Hauth e Yuri Amirkhanian pelos seus comentários.
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