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Desenvolvimento
Brasil não pode perder sua chance
Para alcançar nível das nações ricas, país deve ser rápido, diz ex-chefe do Banco Mundial em
Brasília. Por Sérgio Léo De Brasília
Quinta-feira, 8 de dezembro de 2005, página D6
Ao deixar o Brasil, onde chefiou o escritório do Banco
Mundial nos últimos quatro anos, o economista indiano
Vinod Thomas decidiu organizar, em livro, uma espécie
de manual de explicações sobre o país e seus desafios
para o futuro, para estrangeiros interessados em
trabalhar com a realidade brasileira. Ao apresentar o
resultado do trabalho ao ex-ministro do Planejamento
João Paulo dos Reis Velloso, ouviu, encantado, que
havia escrito uma obra de enorme interesse também
para os próprios brasileiros.
Interessa aos brasileiros saber o que pensa Thomas, não
só por suas idéias, mas também pelo poder que terá em
suas novas funções no Banco Mundial: ao deixar o
escritório no Brasil, ele assumiu, em Washington, a
diretoria geral do Departamento de Avaliação de
Operações, o que faz com que esse economista, com
PhD na Universidade de Chicago, deixe de se subordinar
ao presidente da instituição, Paul Wolfowitz, e responda
diretamente à diretoria executiva do Banco, formada por
representantes dos governos. No posto, será
responsável pela avaliação e crítica do desempenho dos
programas do Banco Mundial em todo o globo.
Foto: Marisa Cauduro/Valor
Para Vinod Thomas, programas
sociais eficazes podem contribuir
para o desenvolvimento brasileiro
Thomas mostra, no livro, por exemplo, que não se deixa seduzir por enormes resultados
positivos nas contas fiscais do governo; ele defende que, "além do superávit primário, é de
grande importância o modo como ele é gerado", e que está na hora de se começar a analisar os
impactos, sobre as perspectivas de crescimento, dos saldos nas contas públicas brasileiras. Não
para reduzir os superávits, mas para enfatizar a qualidade do ajuste nas contas do governo.
No livro "O Brasil Visto por Dentro", lançado este mês pela José Olympio, a tese central de
Thomas, que também aproveitou o conhecimento adquirido como professor de economia urbana
na Universidade de São Paulo, na década de 80, pode ser resumida em um alerta: o Brasil tem
uma pequena janela de oportunidade para chegar, em pouco tempo, ao nível dos países mais
desenvolvidos; mas tem de agir rápido, e incluir, nas políticas públicas, a preocupação com a
qualidade, hoje tão ou mais urgente que a atenção às metas quantitativas que orientam a
atuação do governo.
O livro relaciona exemplos para mostrar que o Brasil, mais que a China, a Índia ou o México, é o
país em desenvolvimento com maior potencial para elevar substancialmente o padrão de vida de
sua população nos próximos cinco a dez anos, diferentemente do que pensam outros analistas
estrangeiros, que classificam o Brasil entre os países com perspectiva de crescimento
"moderado".
"Mas tem de agir rápido", apressa Thomas, ao comentar o livro para o Valor, em português
fluente. Como resume Reis Velloso, que assinou o prefácio do livro agora lançado pelo executivo
do Banco Mundial: "É chegada a hora de promover uma verdadeira revolução na produtividade
do Estado e uma revisão de sua estrutura; algo semelhante ao que aconteceu, nos anos 90, no
setor privado, em termos de competitividade".
Muitos dos diagnósticos e soluções apontados pelo Banco Mundial e autoridades do governo
são endossados e reproduzidos na obra de Thomas, como seria de se esperar, mas ele vai
além, e chama a atenção para aspectos nem sempre levados em conta nos textos, discursos e
manifestações políticas sobre os desafios encontrados pelo Brasil para garantir a sustentação do
crescimento.
Assim, ao lado da conhecida proposta de focalização de gastos sociais e de reforma da
Previdência Social, Thomas dá forte ênfase à necessidade de políticas de preservação da
Amazônia e de atenção à pequena produção em agricultura, como forma de evitar a degradação
do meio ambiente e gerar riqueza capaz de sustentar o crescimento. Ao lado da exigência de
marcos regulatórios mais claros para os investimentos em infra-estrutura, sugere prioridade ao
aumento dos controles de qualidade sobre gastos sociais. "É especialmente relevante a
defasagem do Brasil em termos de ensino médio", critica.
Ele se alinha com os que defendem maior flexibilidade nas despesas do governo, com mudança
das regras que vinculam a arrecadação a determinadas despesas. Mas alerta que a
desvinculação, somente, poderá apenas liberar mais dinheiro para grupos poderosos
politicamente, em detrimento dos mais pobres.
"Flexibilidade (no uso do orçamento) não significa automaticamente mais eficiência", lembra,
recomendando "avaliação e monitoramento rigorosos" do uso das verbas liberadas com a
redução das restrições atuais ao uso livre das verbas orçamentárias. Ao defender a reforma da
Previdência, por exemplo, ele sugere o aumento dos chamados gastos de assistência social,
como o Bolsa Família, que, garante, ao vincular os benefícios a medidas como a matrícula de
filhos na escola, tem obtido melhor resultado que outros programas sociais de países como a
China, a Índia e o Egito, baseados em subsídios alimentares e distribuição de cestas básicas.
A América Latina é a região de maior disparidade de renda do mundo, e o Brasil é o país de
maior disparidade na região, nota Thomas. Para garantir o crescimento e bem-estar da
população, será necessário políticas mais abrangentes de inclusão, que levem em conta
indicadores quantitativos, como número de matrícula escolares, mas também quantitativos,
como qualidade do atendimento nos postos de saúde, redução da criminalidade e violência, e
facilidade de acesso a serviços públicos.
Os recentes escândalos políticos levaram o economista a acrescentar adendos ao livro, nos
últimos dias antes da publicação. A corrupção política é um grande e persistente entrave ao
crescimento econômico, "mesmo que o foco imediato dos escândalos políticos que dominaram o
noticiário em 2005 tenha sido sobre pessoas e partidos", afirma ele, no livro. "O escândalo
parece ter emergido quase acidentalmente, mas suas características intrínsecas e dimensões
têm raízes mais fundas." Além das punições aos responsáveis pelas irregularidades, cabe ao
país aproveitar a oportunidade e seguir o exemplo de outros países, que fizeram de crises
políticas pretexto para profundas reformas anticorrupção nos processos políticos, "para melhorar
a governança".
Vinod Thomas insiste que as políticas de crescimento, no Brasil, devem dar prioridade ao
aumento da produtividade, no uso do capital físico, humano e natural do país. Um dos pontos
mais interessantes do trabalho são as sugestões e análises de Thomas sobre a necessidade de
uma política sustentável para o meio ambiente - tema que ocupa boa parte do livro. Após
constatar que a maior parte do desmatamento na Amazônia ocorreu nos Estados de fronteira
agrícola, o economista chega a sugerir "restringir o acesso ao interior" do país, evitando a
pavimentação de algumas estradas das regiões ricas em reservas naturais.
Com mapas e dados de estudos anteriores do Banco Mundial, Thomas argumenta que a
pavimentação da BR-163, de Cuiabá a Santarém, para transporte de soja, aumentará a
devastação da floresta às margens, com a degradação de até 30% da cobertura vegetal, uma
área semelhante à do Reino Unido. Se todas as estradas da Amazônia fossem asfaltadas, em
2050 mais da metade da floresta amazônica original teria sido desmatada, prevê. Thomas
sugere que o Brasil faça maior investimento em pesquisas para o uso sustentado da
biodiversidade, com incentivo ao manejo das áreas naturais e projetos para evitar a conversão
da floresta em área agrícola. O livro traz várias sugestões para que o Brasil explore campos
"não-tradicionais" na economia, como a aposta no eco-turismo como fonte importante de receitas
externas.
É justo que as discussões sobre desenvolvimento se concentrem no tema do crescimento
econômico, mas "também é importante se concentrar nos aspectos mais amplos da qualidade de
vida, que incluem educação básica, saúde, água, saneamento, habitação e um meio ambiente
limpo", preconiza o economista, que considera indispensável incluir uma parcela maior da
população no processo produtivo, se o Brasil quiser crescer 7% ao ano. "Desse modo, os
programas sociais eficazes não serão apenas bons complementos para o crescimento, mas
também contribuirão para o desenvolvimento", avisa.
"O Brasil Visto por Dentro" - De Vinod Thomas, Ed. José Olympio, 206 páginas, R$ 37,50
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