Amazônia
e as Eleições 2014:
Oportunidades e Desafios para o Desenvolvimento Sustentável
Amazônia
e as Eleições 2014:
Oportunidades e Desafios para o
Desenvolvimento Sustentável
Sobre os autores
Paulo Barreto
Pesquisador Sênior do Imazon. Engenheiro Florestal (Ufra) e
Mestre em Ciências Florestais (Universidade Yale, EUA)
Adalberto Veríssimo
Pesquisador Sênior do Imazon. Engenheiro Agrônomo (Ufra)
e Mestre em Ecologia (Universidade Estadual da Pensilvânia,
EUA).
Mauro Oliveira Pires
Sociólogo e Mestre em sociologia (UnB).
Valmir Gabriel Ortega
Consultor em Gestão Ambiental. Geógrafo.
Paulo Moutinho
Pesquisador Sênior e Diretor Executivo do IPAM. Doutor em
Ecologia pela Universidade de Campinas.
Roberto Smeraldi
Jornalista, Diretor de Políticas da OSCIP Amigos da Terra Amazônia Brasileira.
Elis Nice Araújo
Pesquisadora Assistente II do Imazon. Advogada (UFPA) e
especialista em Bioestatística (UFPA).
Daniel Silva
Pesquisador Assistente I do Imazon. Economista (Unama).
Os dados e opiniões
apresentados neste
documento são de
responsabilidade dos
autores e não refletem
necessariamente a opinião
dos patrocinadores da
preparação do documento.
Sumário
Por que o Brasil precisa se preocupar com a Amazônia?. .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . 4
Propostas para um desenvolvimento sustentável na Amazônia. .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . . 10
❶ Por uma política energética racional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
❷ Por uma infraestrutura e uma economia de serviços para o desenvolvimento local. . . 12
❸ Por unidades de conservação protegidas e integradas à economia local . . . . . 14
❹ Por um agronegócio eficiente, próspero e sustentável . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . 17
❺ Por uma agricultura familiar mais produtiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
❻ Por uma economia florestal sustentável. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
❼ Para assegurar os serviços ambientais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Por que o Brasil precisa se
preocupar com a Amazônia?
A Amazônia brasileira é superlativa em
recursos naturais e importância ambiental. A
região abriga cerca de um terço das florestas
tropicais e a maior bacia hidrográfica do planeta. É rica em recursos minerais e em potencial
hidrelétrico. Suas florestas cumprem papel fundamental na conservação da biodiversidade, no
ciclo do carbono e regulação do clima. Também
prestam um serviço crucial para os brasileiros:
a produção de cerca de 20 bilhões de toneladas
de vapor d’água por dia, que são transportadas
em nuvens e geram chuvas para o Centro-Sul
do país.
A Amazônia é, assim, uma questão nacional. O desafio de promover o seu desenvolvimento deve ser encarado como uma questão de
Estado, a ser debatida e assumida pelo governo
e pela sociedade brasileira. Ao mesmo tempo,
essa tarefa requer uma perspectiva e prioridades
regionais considerando a população local e a diversidade socioeconômica da região.
As riquezas da Amazônia têm gerado
poucos benefícios sociais e econômicos para a
grande maioria dos seus mais de 24 milhões
de habitantes. A ocupação da região tem sido
fortemente marcada pelo desmatamento, pelo
uso predatório dos recursos naturais e por conflitos sociais. Esse processo começou na década
de 1960 e se intensificou a partir da década de
1970 com os investimentos em larga escala do
governo militar em estradas, hidrelétricas, mineração e colonização agropecuária. O desmatamento acumulado, que era inferior a 1% do
território amazônico até início da década de
1970, atingiu quase 19% dele em 2013 – cerca
de 760 mil quilômetros quadrados.
•4•
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
AS VÁRIAS AMAZÔNIAS
Região representa 60% do território nacional e pode ser definida de três formas:
Divisão político-administrativa. Área total: 5 milhões de quilômetros quadrados
9 estados (Amazonas, Amapá, Acre, Tocantins, Mato Grosso, Pará,
Rondônia, Roraima e Maranhão)
AMAZÔNIA
773 municípios
LEGAL
24 milhões de habitantes, ou 13% da população brasileira
72% vivendo em cidades
170 povos indígenas (400 mil pessoas)
BACIA
Região de drenagem do rio Amazonas. Área total: 7 milhões de quilômetros
AMAZÔNICA quadrados, sendo 50% no território brasileiro.
BIOMA
Região com predomínio de florestas. Área total: 4 milhões de quilômetros
AMAZÔNIA
quadrados
•5•
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Acontece que o desmatamento tampouco gerou benefícios para o povo da Amazônia.
O PIB da Amazônia Legal tem se mantido em
torno de 6% a 8% do total nacional nas últimas
duas décadas, e seu PIB per capita é cerca de
metade da média brasileira.
A realidade social é dramática. A Amazônia
está atrás do Brasil no cumprimento das metas do
milênio e no Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH). Além disso, o recém-publicado Índice de
Progresso Social da Amazônia revela que 98,5%
dos 772 municípios da região têm uma pontuação
de progresso social inferior à média nacional: seus
habitantes convivem com saneamento precário,
acesso limitado à internet, educação básica de baixa qualidade, educação superior insuficiente e insegurança. Alguns de seus municípios estão entre
os mais violentos do Brasil.
Brasil
Amazônia
67,73
57,31
71,60
58,75
Nutrição e cuidados médicos básicos
80,01
72,46
Moradia
92,03
72,48
Índice de Progresso Social – IPS
Dimensão 1. Necessidades Humanas Básicas
Componentes
Água e saneamento
74,87
Segurança pessoal
39,49
Dimensão 2. Fundamentos para o Bem-estar
Componentes
70,42
54,72
64,84
Acesso ao conhecimento básico
67,13
60,61
Saúde e bem-estar
68,35
70,57
Acesso à informação e comunicação
63,44
Sustentabilidade dos ecossistemas
82,76
Dimensão 3. Oportunidades
Componentes
35,35
61,18
53,36
74,85
48,33
Direitos individuais
65,39
45,22
Tolerância e inclusão
63,59
64,58
Liberdade individual e de escolha
81,99
Acesso à educação superior
33,76
64,41
19,10
Fonte: www.ipsamazonia.org.br
A carência de serviços públicos é a tônica
na região amazônica para a grande maioria da
população. A disparidade entre o gasto médio
em saúde e educação entre a região amazônica e o restante do país é um forte indicador do
quanto será necessário um investimento con-
tinuado na área social, ao longo dos próximos
quatro anos, para aproximar a região das médias
nacionais. Por exemplo, para igualar a Amazônia à média do resto do Brasil na ampliação do
número de leitos e número de médicos (área de
saúde) bem como na elevação do número de
•6•
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
professores (área de educação), os investimentos nos próximos quatros anos deveriam alcançar um montante de R$ 8 bilhões.
Esse baixo progresso social da Amazônia
é fruto direto de um ciclo vicioso de desenvolvimento. Trata-se do padrão conhecido como
“boom-colapso”, no qual o uso predatório dos
recursos naturais eleva o bem-estar de poucos
num primeiro momento, para gerar pobreza para
a grande maioria assim que o recurso se esgota.
As primeiras tentativas de quebrar tal
padrão e reduzir o desmatamento ocorreram
no final dos anos 1980, com o lançamento do
programa Nossa Natureza. Na década seguinte,
houve avanço na criação de Unidades de Conservação (UC) e demarcação de Terras Indígenas (TI), o que protegeu imensas áreas das ameaças de grilagem. Na década passada, a tentativa
de implementar o Plano Amazônia Sustentável
(PAS), como iniciativa conjunta de governos federal e estaduais, foi logo abandonada e esquecida, junto com as promessas de uma agência
de desenvolvimento regional. Foi só a partir de
2004, com o lançamento do PPCDAM (Plano
de Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia), que o governo federal começou de
fato a enfrentar de forma mais ambiciosa e estruturada a questão, apesar de seus componen-
tes econômico e de infraestrutura – que visavam
o médio e o longo prazo – terem sido também
abandonados.
O PPCDAM teve resultados iniciais
promissores, tendo ajudado a reduzir a taxa
de desmatamento em cerca de 80% entre
2004 e 2013[1]. Isso foi possível com a melhoria na fiscalização (monitoramento em tempo
real, confisco de bens, prisão de infratores), a
criação de UCs (cerca de 500 mil quilômetros quadrados criados entre 2003 e 2006, o
equivalente à área da Espanha) e a restrição
de crédito para os desmatadores ilegais. Além
disso, houve pressão sobre o agronegócio para
eliminar o desmatamento ilegal de sua cadeia
de produção e ou fornecimento. Campanhas
públicas lideradas por ONGs e ações do Ministério Público Federal tiveram papel decisivo nessas iniciativas.
Um efeito colateral importante dessas
medidas foi demonstrar que o desmatamento não é necessário para desenvolver a região
– a agropecuária tem potencial para crescer na
Amazônia sem novos desmatamentos. Com
efeito, juntamente com o declínio das taxas de
corte raso na última década, o valor da produção agropecuária na região continuou subindo,
como mostra a figura a seguir.
Entre 2005 e 2008 coincidiram dois vetores contra o desmatamento: as políticas públicas (criação de áreas protegidas
e fiscalização) e a redução dos preços de mercadorias agrícolas. Pesquisa da PUC do Rio de Janeiro estimou que, nesse
período, cerca de 50% da redução deveu-se a cada vetor (Disponível aqui: http://climatepolicyinitiative.org/wp-content/
uploads/2012/03/Deforestacion-Precos-ou-Politicas-Sumario-Executivo-Portuguese.pdf ). Entre 2009 e 2012, o desmatamento continuou a cair, apesar da subida dos preços de mercadorias agrícolas.
[1]
•7•
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
27,8
25,4
21,7
17,3
12,5
1999
18,2
18,2
25,0
19,0
18,5
15,7
13,0
2000
18,0
14,3
12,8
2001
11,7
2002
2003
2004
25,7
21,7
21,2
17,7
24,4
2005
2006
2007
12,9
2008
7,5
7,0
2009
2010
Valor total da produção agropecuária (Bilhões de R$)
Milhares de Km2 desmatados por ano
Fonte: Barreto, P., & Silva, D. 2013. Como desenvolver a economia rural sem desmatar a Amazônia? (p. 56). Belém: Imazon.
O desafio que se coloca diante da Amazônia, da sociedade e dos próximos dois mandatos
presidenciais e de governos estaduais, até 2022,
é o de manter essa combinação entre menos desmatamento e mais produção, revertendo, enfim,
a lógica do boom-colapso. Isso só ocorrerá com
uma mudança estratégica do Estado brasileiro
e da população para a Amazônia. As conquistas obtidas até aqui ainda estão sob ameaça de
estagnar ou retroceder. Um exemplo é a elevação de 29% na taxa de desmatamento em 2013,
após cinco anos de queda, além de uma série de
outros fatores.
É importante registrar que mesmo com a
redução observada, a taxa de desmatamento da
Amazônia ainda é uma das maiores do mundo tropical: somente em 2013, cerca de 5,8 mil
quilômetros quadrados de mata foram destruídos, o equivalente a quase quatro vezes a área
da cidade de São Paulo. Além disso, uma parte
expressiva da floresta remanescente já sofreu
danos por exploração madeireira predatória e
fogo. Ano após ano, o crescimento da devastação acumulada vai comprometendo a capacidade da região de prestar serviços ambientais,
como a “produção de água” para o Centro-Sul.
•8•
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
As atividades sustentáveis que poderiam substituir o desflorestamento têm dificuldade de ganhar escala: o uso da terra ainda é marcado pela
exploração predatória e ilegal de madeira, à qual
se segue a pecuária extensiva de baixa produtividade (80 kg de carne por hectare/ano) e a
agricultura de corte e queima.
A invasão e a grilagem de florestas públicas voltaram a crescer nos últimos anos, favorecidas pela falta de destinação de terras públicas
– só de terras federais são 38 milhões de hectares, parte dos quais poderiam ter sido alocados
para a criação de novas UCs.
Por fim, o governo brasileiro atua na
Amazônia de forma contraditória. Por um lado,
formula e executa estratégias para conter o desmatamento. Por outro, realiza investimentos
com potencial de ampliar o desmatamento e a
degradação e agravar os conflitos sociais.
A instalação de grandes projetos de infraestrutura – usinas hidrelétricas, linhas de
transmissão, rodovias, portos e expansão de
projetos minerais – é um exemplo. Somente na
usina hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), estão sendo investidos R$ 32 bilhões.
Outros R$ 40 bilhões estão sendo investidos
no projeto SD11, para a extração de minério
de ferro na região de Carajás. Esses investimentos podem agravar a situação ambiental e
social, pois as obras não têm sido precedidas
de investimentos sociais e de mitigação dos
impactos ambientais. Na bacia do rio Tapajós,
considerada uma das ricas em biodiversidade
do planeta, há planos para um conjunto de novas hidrelétricas. Para viabilizá-las, o governo
reduziu oito UCs que haviam sido criadas
para estancar o desmatamento ao redor de outro projeto de infraestrutura, a BR-163.
Este documento reconhece que o desenvolvimento sustentável da Amazônia traz desafios em dimensão também amazônica. Mas
parte da constatação de que o país já provou
que tem condições de resolvê-los – se aplicar
à tarefa o conjunto certo de políticas públicas e investimentos. Isso requer uma decisão
política (incluindo as três esferas de governo
e sociedade civil) em prol de uma política de
desenvolvimento da Amazônia, que priorize
círculos econômicos virtuosos que fortaleçam
os mercados regionais e tornem o território
organizado um fator estratégico de competitividade e de sustentabilidade (a economia
de baixo carbono é um exemplo). A política
não deveria enfocar produtos, e sim formas de
produção e serviços que possam sobreviver aos
ciclos rapidamente esgotáveis de uma ou outra
commodity.
Aponta-se aqui um caminho exequível
para chegar lá, zerando o desmatamento na
maior floresta tropical do mundo em 2020. As
decisões que tomarmos sobre a Amazônia nos
próximos anos definirão o futuro da maior floresta tropical do mundo e em grande medida a
qualidade do desenvolvimento do Brasil.
•9•
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Propostas para um desenvolvimento
sustentável na Amazônia
❶ Por uma política energética racional
O governo brasileiro está executando um
ambicioso plano de expansão de geração de
energia elétrica, que inclui a construção de 30
hidrelétricas (UHE) na Amazônia até 2023.
Segundo esse plano, as seis maiores hidrelétricas em construção ou em estudo na bacia amazônica seriam responsáveis por quase 50% do
total de energia previsto para ser adicionado à
matriz brasileira entre 2010 e 2020. Apesar dos
avanços previstos para as outras fontes, como
eólica e biomassa, a energia hídrica ainda será a
principal fonte da nossa matriz.
Os argumentos do governo para privilegiar as hidrelétricas incluem o baixo custo da
produção e a suposta baixa emissão direta de
gases do efeito estufa. Entretanto, o plano de
expansão das hidrelétricas na região tem sido
contestado por cientistas, sociedade civil e Ministério Público. O custo da produção se revela muito maior após a construção das obras,
quando as empresas não conseguem entregar a
energia nos prazos e pelos preços estipulados na
hora do leilão, o que obriga o governo a assumir
enormes custos adicionais para não quebrar as
concessionárias. A situação dos empreendimentos de Jirau e de Santo Antônio é emblemática.
Os impactos negativos decorrem, em
grande parte, do rápido inchaço populacional
nos municípios onde as obras estão situadas e
da demora ou insuficiência do planejamento e
execução de medidas mitigadoras. Por exemplo,
cerca de 90 mil pessoas devem migrar para a região de Altamira até o término da usina de Belo
Monte, o que dobraria a população residente.
Os efeitos já são notados: a taxa de homicídios
em Altamira aumentou 136% após a emissão
da licença prévia da hidrelétrica. O estudo de
impacto ambiental desse projeto mostra que,
em 20 anos, o risco do desmatamento indireto pode ser cerca de dez vezes maior do que a
área que será inundada[2] e, consequentemente,
comprometer a capacidade de geração futura
Barreto, P.; Brandão Jr. A.; Martins, H.; Silva, D.; Souza Jr. C.; Sales, M.; & Feitosa, T. (2011). Risco de Desmatamento
Associado à Hidrelétrica de Belo Monte (p. 98). Belém: Imazon.
[2]
• 10 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
de eletricidade[3].Além disso, o governo federal
não criou as UCs recomendadas que poderiam
reduzir parte desse risco. As obras penalizam os
governos locais, que não recebem compensação
ou investimentos suficientes para lidar com o
aumento de demanda por serviços públicos.
Para que o país não tenha de fazer uma
escolha entre produzir a energia hidrelétrica,
respeitar os direitos das populações locais e
conservar os ecossistemas amazônicos, sugerimos o seguinte:
Investir em eficiência energética e priorizar as fontes com menos impactos socioambientais. Pesquisadores do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica)[4] avaliaram que o
replanejamento do uso e da geração de energia
dispensaria a contratação de novas hidrelétricas
até 2022, o que até lá permitiria um debate mais
aprofundado sobre o impacto desse tipo de obra
na região.
Primeiro, seria necessário investir em eficiência energética. O estudo do ITA cita que os
investimentos em eficiência energética no Brasil
resultaram em uma oferta de energia com custo
de R$ 24,6/MWh. Portanto, seria cerca de quatro a cinco vezes mais vantajoso poupar do que
gerar energia nova de fonte hidrelétrica.
Segundo, a geração de energia deveria
ampliar o uso das fontes disponíveis de menor
impacto ambiental, incluindo eólica e solar (fotovoltaica) e biomassa. Combinando ganho de
eficiência com o uso de outras fontes disponíveis
seria possível ganhar tempo para uma avaliação
mais criteriosa de projetos como o Complexo
Hidrelétrico do Tapajós.
Remunerar justamente as regiões produtoras de energia. Mesmo com uso de outras fontes e ganhos de eficiência, é provável
que algumas hidrelétricas ainda precisem
ser construídas na região no futuro. Quando isso for necessário, seria justo compensar
os Estados produtores de energia hidrelétrica com recursos necessários para custear o
aumento de demanda por serviços públicos
decorrentes da migração. Essa compensação
poderia ser oriunda da economia que o restante do país obtém pela geração hidrelétrica
em comparação com outras fontes de energia
firme, como as termelétricas. Por exemplo,
a geração de energia de Belo Monte gerará uma economia para o restante do país de
cerca de R$ 10 bilhões/ano. Parte deste valor poderia ser usado para uma compensação de “economia hidro” e seria adicionada
às compensações já existentes aos Estados
geradores de energia (como a Compensação
Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos
e Compensação Ambiental).
Stickler et al. 2013. Dependence of hydropower energy generation on forests in the Amazon Basin at local and regional
scales. Proceedings of the National Academy of Sciences. USA. May 2013.
[4]
De Sousa, W. C et al. 2014. Desafios e proposições para a sustentabilidade da matriz elétrica brasileira. In W. C. de Sousa
Júnior (Ed.), Tapajós: Hidrelétricas, infraestrutura e caos (pp.65-87). São José dos Campos: ITA/CTA.
[3]
• 11 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Rever a tributação da energia. A energia hidrelétrica produzida na Amazônia gera
benefícios para os estados consumidores em
outras regiões que cobram o ICMS pelo con-
sumo. Para evitar esta perda será necessário
alterar a legislação para que o estado produtor
tenha o direito de cobrar o ICMS pelo consumo.
❷ Por uma infraestrutura e uma economia de serviços
para o desenvolvimento local
Os investimentos em infraestrutura apresentam uma contradição para a Amazônia. De
um lado, a economia sofre pela deficiente logística no meio rural e a maioria da população é
carente de serviços básicos como saneamento,
energia e pavimentação de vias. Produtores rurais, mesmo em áreas de ocupação antiga, como
a Transamazônica e a Belém-Brasília, têm dificuldade de transportar produtos e de trazer insumos para modernizar a produção. Metade das
20 grandes cidades brasileiras com piores índices de saneamento estão na Amazônia Legal.
Por outro lado, nunca se programou a
aplicação de tantos recursos em grandes obras
na região. Apenas os investimentos públicas nas
áreas de energia, óleo e gás, logística e telecomunicações devem atingir aproximadamente
R$ 130 bilhões até 2020. O problema é que há
descasamento entre as necessidades locais e esses grandes projetos. Isso aumenta os conflitos
sociais e os danos ambientais como nos casos
das hidrelétricas de Belo Monte, no rio Xingu, e
Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira.
O licenciamento ambiental tem sido inadequado para mitigar os impactos. De fato, o
modelo atual de licenciamento é intrinsicamente distorcido por conflitos de interesse similares
aos que levaram à crise financeira internacional
de 2008/2009[5]: quem paga a análise de risco é
o empreendedor, que tem interesse em que os
riscos sejam ignorados ou subestimados. Por
outro lado, os funcionários dos órgãos públicos
que devem avaliar os relatórios não têm o tempo nem os recursos para fazê-lo adequadamente, já que o calendário de licenciamento e leilão
geralmente é elaborado assim que a decisão de
investimento é tomada – não importa o que digam os estudos de impacto ambiental.
Finalmente, mesmo os planos de mitigação não são implantados adequadamente, como
A análise sobre o conflito de interesse na análise de risco financeira é apresentada por Nouriel Roubini e Stephen Mihm
no livro A Economia das Crises.
[5]
• 12 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
tem ocorrido com o plano BR-163 Sustentável, referente ao asfaltamento da Rodovia BR163[6], e os planos associados às obras de Belo
Monte, em Altamira.
Para que as obras de infraestrutura levem
a um desenvolvimento local e reduzam os impactos socioambientais, recomendamos:
Eliminar o conflito de interesse do licenciamento ambiental de grandes obras. Para tornar
a análise de risco de investimento mais isenta,
Nouriel Roubini, economista da Universidade
de Nova York, sugere que os investidores contribuam para um fundo cujos recursos pagariam
as análises de risco sem interferência de quem
emite a dívida. Este conceito deveria ser transplantado para a análise de risco socioambiental.
Assim, os investidores contribuiriam para um
fundo público e os órgãos ambientais e correlatos (Iphan, Funai, Ibama etc.) contratariam
consultorias independentes para avaliar o risco.
A contribuição para o fundo seria estabelecida
com base na escala do empreendimento.
Priorizar investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento local. É necessário
investir em obras que promovam o desenvolvimento local, especialmente em saneamento
básico, estradas vicinais e geração de energia
distribuída (solar, eólica, pequenas centrais hidroelétricas) em comunidades rurais. Segundo o
Instituto Trata Brasil, para universalizar o saneamento na Amazônia, seria necessário investir
cerca de R$ 52 bilhões[7], o que melhoraria os
indicadores de saúde, desempenho escolar, produtividade do trabalho e renda. Só os ganhos
em aumento de renda do trabalhador atingiriam cerca de R$ 20 bilhões por ano. Portanto,
o benefício renda do trabalhador pagaria todos
os investimentos em apenas 2,6 anos.
A priorização dos investimentos em estradas vicinais deveria considerar o desempenho
ambiental das regiões – por exemplo, municípios onde as taxas de desmatamento têm caído
e que possuem maior cobertura de imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural deveriam ser priorizados.
Combinar o planejamento de grandes
obras com investimentos sociais. Para minimizar
de fato os efeitos negativos de grandes obras,
o governo deveria combinar o planejamento e
a execução dos projetos com os investimentos
sociais e ambientais necessários. O governo
deveria antecipar investimentos em regiões de
interesse para grandes obras de forma a minimizar o descompasso entre o avanço das obras
e a atração populacional. Esses mecanismos poderão integrar desde a implementação de planos de desenvolvimento regional até a criação
de fundos de desenvolvimento local, com forte
participação pública e controle social.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/183364-plano-ambiental-falha-e-estrada-no-para-vira-foco-de-queimadas.shtml.
Este cálculo incluiu o total da região Norte e o total de Mato Grosso e Maranhão. O estudo está disponível em http://
www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/expansao/Beneficios-Economicos-do-Saneamento.pdf.
[6]
[7]
• 13 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Apoiar a economia de serviços. O fato de a
Amazônia ter quase dois terços de sua população nas áreas urbanas torna essencial priorizar a
infraestrutura para a economia de serviços. Esse
investimento é estratégico para interromper o
tradicional processo de “exportação” dos benefícios que tem caracterizado os grandes empreendimentos de infraestrutura na região. Isso requer um grande esforço em capacitação e apoio
a micro e pequenas empresas, com prioridade
para as cidades médias no interior.
Um exemplo é a economia do conhecimento, com seus inúmeros desdobramentos,
através dos centros de pesquisa aplicada e avançada sobre biodiversidade e serviços ambientais. Isso requer o adensamento científico-tecnológico e a instalação de parques tecnológicos
em regiões chave, o que permitiria atrair e fixar
pesquisadores nessas áreas. Além disso, é essencial ampliar os investimentos em conectividade
na área rural e em conectividade de alto padrão
nos centros urbanos.
❸ Por unidades de conservação protegidas e
integradas à economia local
As UCs são essenciais para proteger os
recursos que sustentam a economia e a vida
do país. Por exemplo, 62% da matriz elétrica é
abastecida por usinas movidas por água originada de pelo menos um rio dentro de UC[8]. Além
disso, mais de um terço da água para consumo
humano é diretamente captada em UCs ou em
rios que se beneficiam da proteção de UCs[9].
Em 2014, as UCs somavam cerca de 142
milhões de hectares no país, dos quais 111 mi-
lhões na Amazônia. A criação de novas áreas na
região foi um dos pilares da política que reduziu
o desmatamento da região[10] e que fez do Brasil o campeão mundial em reduções de emissões de gases do efeito estufa entre 2005 e 2012
(-36,7%)[11].
Apesar da importância das UCS, várias
têm sido degradadas por atividades ilegais,
como desmatamento e exploração de madeira.
Além disso,[12] em razão de conflitos fundiários
Medeiros, R.; Young; C.E.F.; Pavese, H. B. & Araújo, F. F. S. 2011. Contribuição das unidades de conservação brasileiras
para a economia nacional: Sumário Executivo. Brasília: UNEP-WCMC, 44p.
[9]
Idem nota 1.
[10]
Áreas protegidas criadas entre 2006-2008 (24 milhões de ha) contribuíram com 30% da redução da taxa no período.
Soares, Moutinho et al., 2011.
[11]
Considerando dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases do Efeito Estufa. Disponível em: http://seeg.
observatoriodoclima.eco.br/index.php/page/17-Estimativas-gerais.
[12]
Idem nota 3 (TCU).
[8]
• 14 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
em 5% do território (cerca de 3 milhões de hectares de UCs federais), algumas áreas estão em
situação crítica de desmatamento[13] e são objeto
de iniciativas de revogação (desafetação).
Estimamos que o governo gastaria R$ 1,6
bilhão em indenizações[14] para fazer a regularização fundiária nas áreas protegidas federais.
Esse valor é três vezes maior do que o orçamento do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio) entre 2010 e 2012
(em torno de R$ 500 milhões). Para proteger e
estimular o uso efetivo das UCs, recomendamos
as seguintes políticas coordenadas:
Fazer diagnóstico fundiário das UCs e descontar o passivo ambiental das indenizações. É
preciso refinar a estimativa dos custos de regularização fundiária por meio de levantamentos
dos ocupantes de boa-fé. O valor da indenização dos ocupantes deve descontar o passivo
ambiental, como as multas por desmatamento e
exploração ilegal de madeira.
Priorizar a regularização fundiária das
UCs mais desmatadas e sob maior risco de desmatamento. Como cerca de 3 milhões de hectares
das UCs federais da Amazônia têm problemas
fundiários, é preciso estabelecer critérios para
priorizar as ações. O grau de desmatamento em
cada UC e sua proximidade de obras de infraestrutura em construção e planejadas seriam critérios para priorizar as áreas.
Usar parte dos valores arrecadados com a
venda de terras no programa Terra Legal nas
UCs. Segundo o programa Terra Legal, existem
38 milhões de hectares em glebas federais não
destinadas que estão sendo doadas ou vendidas
por preços abaixo do mercado. A venda de apenas 8% desta área pelo preço médio que o próprio Terra Legal estabelece seria suficiente para
custear toda a regularização de UCs federais na
região. Além disso, se mais 10% das terras fossem também vendidas seria possível formar um
fundo de cerca de R$ 2 bilhões, que poderia gerar cerca de R$ 100 milhões por ano permanentemente para custear a implementação das UCs.
Cobrar efetivamente as multas ambientais e aplicar os recursos arrecadados na implementação das UCs. As multas ambientais emitidas pelo Ibama entre 2009 e 2013 somam
R$15,4 bilhões[15]. Entretanto, a arrecadação é
altamente ineficiente, atingindo apenas 1,8%.
Ver Martins, H., Vedoveto, M., Araújo, E., Barreto, P., Baima, S., Souza Jr., C., & Veríssimo, A. 2012. Áreas Protegidas
Críticas na Amazônia Legal (p. 94). Belém: Imazon. Disponível em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/livros/areas-protegidas-criticas-na-amazonia-legal; e Martins, H., Araújo, E., Vedoveto, M., Monteiro, D., & Barreto, P. 2014. Desmatamento em Áreas Protegidas Reduzidas na Amazônia (p. 20). Belém: Imazon. Disponível em: <http://www.imazon.
org.br/publicacoes/outros/desmatamento-em-areas-protegidas-reduzidas-na-amazonia>.
[14]
Com base em estimativa do ICMBio para terras privadas em UCs na Amazônia que deveriam ser desapropriadas e no
valor médio de preço de terra do Programa Terra Legal (R$ 550/hectare).
[15]
TCU. 2014. Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas do Governo da República. Exercício 2013. Disponível em:
<http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/contas_governo/Contas2013/index.html>.
[13]
• 15 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Se o governo arrecadasse apenas 10% do valor
total dessas multas, seria possível cobrir toda
a regularização fundiária das UCs federais na
Amazônia. Para tanto, o ICMBio propõe mudanças nas regras do Decreto nº 6.514/2008,
de forma a permitir a conversão de multas
aplicadas pelos órgãos ambientais na destinação de recursos para desapropriações[16].
Transformar as UCs em vantagem para
o desenvolvimento local. Uma forma de fazer
isso seria pela destinação de parte dos fundos de participação dos estados e municípios
(FPE e FPM) para os governos locais que tiverem proporcionalmente mais UCs em seu
território. O governo federal poderia aprovar
o projeto de lei complementar (PLS 53/2000)
que destina 2% do FPE aos estados que tenham UCs e TIs demarcadas em seus territórios[17]. Se essa lei já estivesse em vigor, o valor
repassado aos estados amazônicos, no período
de 2010 a 2013, seria da ordem de R$ 2,7 bilhões[18]. O projeto de lei deveria incluir também o FPM.
Acelerar a adoção de PPPs (Parcerias Público-Privadas) para prover infraestrutura e
serviços necessários ao uso público das UCs. As
UCs da Amazônia poderiam gerar empregos e
renda localmente por meio do uso público. Para
tanto, é necessário investir em infraestrutura e
serviços. As PPPs deveriam ser usadas para facilitar a gestão das UCs, aportando-lhes a eficiência do setor privado e gerando receitas que
poderiam ser reinvestidas em conservação em
áreas mais frágeis e ameaçadas. É preciso priorizar e acelerar o processo, já iniciado no âmbito
do governo federal, de PPPs em UCs cujo aproveitamento turístico teria grande impacto sobre
a economia local
ICMBio. 2012. Instituto desapropria 138 mil hectares e acelera regularização fundiária das UCs. Notícia de 05/09/2012.
Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/comunicacao/noticias/icmbio-5-anos/3296-instituto-desapropria-138-mil-hectares-e-acelera-regularizacao-fundiaria-das-ucs.html>. Acesso: 03/07/2013.
[17]
Atualmente esse projeto tramita na Câmara dos Deputados, PLP 351/2002, e está pronto para a pauta no Plenário.
[18]
IPAM. 2014. Recompensando estados pela conservação da biodiversidade e manutenção da integridade funcional dos
ecossistemas.
[16]
• 16 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
❹ Por um agronegócio eficiente, próspero e sustentável
A agropecuária tem crescido expressivamente na Amazônia e é responsável por cerca
de R$ 17,8 bilhões de renda bruta e 2,5 milhões de empregos diretos[19]. Entretanto, este
setor tem sido o principal motor dos ciclos de
“boom-colapso” que marcam a história econômica e ambiental da região. O desmatamento
na Amazônia em 2010, ano da última estimativa oficial, era responsável por 22% das emissões
brasileiras de gases do efeito estufa[20].
A ilegalidade e a baixa eficiência ocorrem
sobretudo na pecuária. Segundo a Embrapa e o
Inpe, em 2010 os pastos mal utilizados na Amazônia somavam cerca de 12 milhões de hectares,
o equivalente a quase três vezes a área do estado do Rio de Janeiro. A produtividade média
da pecuária (apenas 80 kg de carne por hectare
por ano), que ocupa 66% da área desmatada[21],
poderia se quase quatro vezes maior (cerca de
320 quilos por hectare por ano) com moderada
intensificação.
Para que o setor se torne eficiente, rentável e sustentável será necessário investir
em técnicas agropecuárias já disponíveis. Por
exemplo, um investimento de cerca de R$
1 bilhão por ano daria conta de suprir a de-
manda do aumento de consumo de carne até
o ano 2022 melhorando a produtividade de
um quarto da área de pasto mal utilizado. Isso
geraria 39 mil empregos adicionais e de melhor qualidade. O valor adicional na produção
agropecuária seria de R$ 4,2 bilhões por ano,
representando um aumento de 16% em relação
a 2010. Hoje, cresce o entendimento – entre
produtores, indústria, varejo, sociedade civil e
os próprios órgãos públicos – da importância
da integração da cadeia para remunerar o investimento necessário por parte dos produtores, que se traduz em benefício e agregação de
valor. É preciso que o poder público reconheça
e incentive tais iniciativas.
A irregularidade ambiental e fundiária e a
baixa eficiência, no entanto, aprisionam muitos
produtores num dilema do tipo ovo e galinha:
sem regularização eles não conseguem acesso
a crédito. Porém, para custear a regularização,
parte das fazendas devem tornar-se mais produtivas – e, para isso, é preciso tomar crédito
para investir.
Sugerimos duas medidas básicas para estimular o uso mais eficiente e sustentável das
terras na região.
De acordo com Censo Agropecuário do IBGE em 2006.
MCTI 2010 (http://gvces.com.br/arquivos/177/EstimativasClima.pdf ).
[21]
Dado do Terraclass 2010. (http://www.inpe.br/cra/projetos_pesquisas/sumario_terraclass_2010.pdf ).
[19]
[20]
• 17 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Acelerar a regularização das posses, mas
sem subsídios. A legislação atual[22] prevê a regularização das posses de até 15 módulos fiscais
ocupadas até dezembro de 2008 na Amazônia.
Isso deve ocorrer de duas maneiras: por meio
de doação, para as áreas de até quatro módulos
fiscais (que chega a 400 hectares), e venda (valor
abaixo dos de mercado), para as posses entre 4
e 15 módulos fiscais (entre o máximo de 400 e
1.500 hectares). No caso das posses maiores que
15 módulos (acima de 1.500 hectares), a regularização é mediante licitação. O programa Terra
Legal, estabelecido em 2009 para implementar
a Lei 11.952, prometeu entregar títulos para
cerca de 150 mil posseiros. Porém, até 2013,
apenas 8.640 títulos haviam sido entregues, somando 296 mil hectares. Considerando uma
emissão média de cerca de 5 mil títulos por ano
(melhor performance do programa até aqui),
seriam necessários aproximadamente 28 anos
para concluir a regularização.
Para acelerar o desenvolvimento e evitar
novas ocupações, o governo deveria acelerar a
regularização desses imóveis, mas sem subsídios. Pelo menos os posseiros com áreas acima
de quatro módulos fiscais teriam de pagar o preço de mercado pela terra. Se o governo vende
terras abaixo do valor de mercado, atrai mais
posseiros para ocupar áreas ilegalmente na ex-
pectativa de regularização futura. Assim, continua a corrida violenta e devastadora para ocupar
e desmatar áreas na região[23].
A regularização deveria ser priorizada
naqueles municípios que já têm demonstrado
melhor desempenho ambiental – por exemplo,
os que reduziram o desmatamento e têm maior
cobertura de imóveis no Cadastro Ambiental
Rural.
Finalmente, antes da titulação de terras
privadas, os órgãos públicos deveriam regularizar
os direitos de populações tradicionais, além de
destinar áreas prioritárias para outros usos de interesse público, como as UCs (ver proposta no 3).
Cobrar efetivamente o Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural. Para coibir a especulação, o governo deveria ampliar a cobrança do ITR. O ITR estabelece alíquotas maiores
para imóveis com baixo grau de utilização, a fim
de evitar que se ocupem grandes áreas sem produzir. Por ser um imposto declaratório, porém,
ele é amplamente sonegado[24]: os proprietários subdeclaram o valor da terra e inflacionam
o tamanho de área isenta (por exemplo, a área
de reserva legal). Para melhorar a fiscalização,
os órgãos envolvidos devem integrar várias informações disponíveis. A Receita Federal deve
atualizar os preços de terra em cada região para
Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009.
Em ação recente, a Polícia Federal prendeu integrantes de uma quadrilha envolvida na ocupação e venda de terras
públicas no oeste do Pará, demonstrando que a grilagem continua http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2014/08/suspeitos-de-crimes-ambientais-no-pa-sao-presos-e-trazidos-para-belem.html.
[24]
Estudo do Imazon indica que a sonegação no Pará pode chegar a mais de 90%.
[22]
[23]
• 18 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
comparar com os valores declarados. O Ibama
deve usar imagens de satélite e os dados do
CAR para comparar com a área de floresta existente com a área declarada.
Para ter resultados mais rápidos, o governo deveria começar prioritariamente a fiscalização naqueles municípios com maiores áreas
subutilizadas. Por exemplo, 46 municípios da
região, como São Félix do Xingu (PA), Juara
(MT) e Aripuanã (MT), somam 50% da área
de pastos sujos em terras com potencial agronômico bom e regular. Estes municípios representavam apenas 10% dos 438 municípios em que
esses pastos ocorriam em 2007.
Realizar a alocação das terras públicas devolutas. Está comprovada a ineficácia paliativa
de processos de “regularização” de posses individuais após a ocupação irregular. Por isso, é
necessária uma abordagem sistêmica para alocar as terras devolutas, dando a elas destinação
ou alienação definitivas, incluindo a criação de
UCs (ver proposta no 3) e reconhecimento de
TIs. Essa abordagem necessitará cooperação e
um sistema único de informação fundiária na
esfera federal e estadual. Só nesse contexto poderá haver efetividade e credibilidade da ação
de regularização individual de títulos privados.
❺ Por uma agricultura familiar mais
produtiva e sustentável
A agricultura familiar na Amazônia, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006,
representa 700 mil estabelecimentos rurais
(86% do total), incluindo os assentamentos de
reforma agrária, e ocupa uma área de 25,4 milhões de hectares (22% da área total dos estabelecimentos).
Os 2.261 assentamentos federais[25] somam mais de 30 milhões de hectares, com
aproximadamente 400 mil famílias assentadas.
Esse território ainda detém 15,8 milhões de
[25]
hectares em floresta, dos quais 13,3 milhões
(84%) concentram-se em apenas 600 assentamentos. No entanto, a grande maioria desses assentamentos tem sido implantada sem
investimentos adequados em infraestrutura,
serviços sociais básicos e assistência técnica. O
resultado, em sua grande maioria, é a combinação de degradação ambiental, conflitos sociais, inviabilidade econômica das atividades
agrícolas ou extrativistas e, consequentemente,
o abandono ou venda ilegal dos lotes. A con-
Este número exclui assentamentos antigos cujos beneficiários já receberam seus títulos.
• 19 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
tinuação do desmatamento nos assentamentos
levou o Ministério Público Federal a processar
simultaneamente o Incra em seis estados da
região em 2012[26]. Em resposta, o Incra criou
o programa Assentamentos Verdes, que visa
coibir o desmatamento e promover a restauração[27], mas que ainda é incipiente.
Para reduzir o desmatamento e induzir a
restauração florestal e gerar renda, uma política pública para os assentamentos na Amazônia
deveria conter as seguintes inovações:
Remuneração da assistência técnica baseada no desempenho. Apesar de o governo federal alocar valores expressivos de crédito subsidiado para os assentamentos, a produtividade
destes não tem evoluído. Para incentivar a melhoria da assistência técnica, recomendamos
que parte do pagamento dos extensionistas
seja vinculada ao desempenho das culturas financiadas. Essa abordagem já vem sendo usada
com sucesso por fundos de investimento e por
empresas do setor rural.
Pagamento por serviços ambientais. Para
estimular a conservação e a restauração florestal,
recomendamos que o governo federal institua
pagamentos por serviços ambientais para os agricultores familiares, conforme já autorizado pelo
novo Código Florestal e de outras fontes de financiamento (ver seção 7). O pagamento deveria
ser feito mensalmente e vinculado ao monitoramento da cobertura florestal por meio de imagens de satélite. Os indicadores de progresso social poderiam ser usados para identificar as áreas
prioritárias para recebimento desses pagamentos.
❻ Por uma economia florestal sustentável
Há pouco mais de uma década o Brasil
iniciou uma transição para usos mais sustentáveis das florestas na Amazônia. O país combateu
a exploração de madeira ilegal, houve aumento
na área de manejo florestal e foi aprovada uma
lei para gestão e concessões nas florestas públicas. Além disso, houve mudança significativa no
mercado de madeira, com substituição de parte da madeira nativa por madeira de florestas
plantadas e por outros materiais. Isso resultou
numa queda expressiva na produção de madeira
na região: a extração caiu de 28 milhões de metros cúbicos de tora em 1998 para cerca de 12
milhões em 2011. O setor de madeira plantada
atingiu cerca de 4 milhões de metros cúbicos de
toras entre 2010 e 2012.
O copo, porém, está apenas meio cheio:
entre 2011 e 2012, a maioria do volume de to-
Detalhes das ações em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2012/mpf-aponta-o-incra-como-o-maior-desmatador-da-amazonia/?searchterm=desmatamento%20incra.
[27]
Ver em http://www.incra.gov.br/incra-apresenta-programa-assentamentos-verdes-ao-ministro-pepe-vargas.
[26]
• 20 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
ras explorado no Pará (74%) e em Mato Grosso
(54% ) teve origem ilícita. Ao mesmo tempo,
a preparação das florestas públicas para a concessão tem sido morosa. As concessões florestais
federais somavam até 2013 apenas 480 mil hectares em cinco Florestas Nacionais.
Hoje existe a oportunidade de desenvolver uma economia florestal integrada, com prioridade para investimentos industriais baseados
na integração lavoura-pecuária-floresta, para
fins de energia, alimentos, fibras, madeira e ração. Esta abordagem integraria as cadeias para
atingir maior produtividade da pecuária, diversificar a produção e reduzir riscos, ao mesmo
tempo em que viabilizaria o uso e a recuperação
de quase meio milhão de quilômetros quadrados de terrenos alterados e abandonados. Para
tanto, sugerimos:
Combater a exploração ilegal de madeira.
Os planos de manejo florestal têm sido licenciados pelos governos estaduais, mas a proporção
de madeira ilegal e predatória é ainda expressiva. Por isso, o governo federal deveria ampliar
sua ação complementar contra a exploração ilegal usando operações integradas do Ibama e da
Polícia Federal. Essas ações deveriam combater
todos os crimes associados à exploração ilegal
de terras públicas, que geralmente envolve lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e sonegação de impostos.
Destinar terras públicas para o manejo florestal. O governo deve proteger e alocar as terras públicas para uso sustentável. Dos cerca de
38 milhões de hectares de florestas públicas não
destinadas pelo menos 15 milhões poderiam ser
destinados ao uso florestal sustentável – de preferência na forma de UCs de uso sustentável.
Para dar conta dessa tarefa, o Serviço Florestal
Brasileiro deveria ganhar maior autonomia e o
ICMBio da Biodiversidade deve ser fortalecido.
Estimular o reflorestamento. O reflorestamento poderia ser estimulado por uma série de
medidas já descritas em outras seções, como a
regularização fundiária, o pagamento por serviços ambientais e o apoio produtivo nos assentamentos de reforma agrária.
Estimular a modernização da indústria.
Deve-se utilizar o Fundo Constitucional do
Norte e outras fontes disponíveis para investir
em modernização do parque industrial florestal madeireiro e outras cadeias de produção. Por
exemplo, com melhoria tecnológica no processamento, secagem e aproveitamento das sobras
de madeira, é possível aumentar o rendimento
no desdobro das toras dos atuais 35% para pelo
menos 50% – em alguns casos podendo chegar
até 60% de rendimento. Isso significa maior
valor agregado na produção de madeira e, ao
mesmo tempo, menor pressão sobre as florestas.
• 21 •
AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
❼ Para assegurar os serviços ambientais
Falta ao país uma política com escala e
eficaz que estimule a proteção de florestas nativas e que restaure áreas degradadas. A seguir
apresentamos sugestões para direcionar recursos para a conservação dos serviços ambientais.
Condicionar os subsídios já existentes ao
desempenho ambiental. Em um cenário de ajuste fiscal nos próximos anos, será difícil criar novos impostos ou contribuições no curto prazo.
Portanto, a forma mais promissora de remunerar os serviços ambientais é condicionar o recebimento de subsídios já existentes ao desempenho ambiental, conforme já determina o artigo
170 da Constituição Federal. Por exemplo, o
setor agropecuário, que é responsável por maior
parte das emissões de gases do efeito estufa do
país (62% incluindo emissões diretas e o desmatamento[28]) recebeu em 2013 desonerações e
subsídio equivalente a R$ 13 bilhões, dos quais
R$ 1,5 bilhão na região Norte[29].
Estes subsídios têm facilitado o desmatamento na Amazônia, apesar de regras e
protocolos (Protocolo Verde) para que os in-
vestimentos públicos respeitem as regras ambientais[30]. Portanto, o governo deveria fazer
os operadores do crédito cumprirem as regras
ambientais e usarem os subsídios para uma política de desenvolvimento sustentável regional.
Isso envolveria, entre outras coisas, capacitar
os funcionários dos bancos públicos, associar
a análise de desempenho dos funcionários dos
bancos públicos ao desempenho ambiental de
suas carteiras de crédito rural e realizar monitoramento independente do efeito do crédito
rural em indicadores ambientais dos imóveis
rurais financiados (restauração e proteção de
estoque ambiental). Tais medidas também são
fundamentais para o Plano ABC, já em execução, que visa reduzir emissões de carbono na
agropecuária até 2020.
Criação da Cide-Carbono. A Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico), um tributo federal que vigora hoje
com alíquota zero, poderia trazer mudanças
em setores com alto impacto ambiental e, ao
mesmo tempo, gerar recursos para a recuperação de passivos ambientais. Por exemplo, uma
Disponível em: http://seeg.observatoriodoclima.eco.br/index.php/page/17-Estimativas-gerais.
Disponível em Demonstrativo dos Gastos Tributários 2013. http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2013/DGT2013.pdf.
[30]
O Ministério Público Federal processou bancos por estarem associados ao desmatamento ilegal: http://www.prpa.mpf.
mp.br/news/2011/noticias/mpf-processa-bancos-por-financiarem-o-desmatamento-na-amazonia. Este é um exemplo de
estudo sobre o efeito do crédito no desmatamento: Hargrave, Jorge; Kis-Katos, Krisztina (2011) : Economic causes of
deforestation in the Brazilian Amazon: A panel data analysis for the 2000s, Discussion Paper.
Series, University of Freiburg, Department of International Economic Policy, No. 17.
[28]
[29]
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AMAZÔNIA E AS ELEIÇÕES 2014: OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
alíquota inicial poderia ser aplicada a cada tonelada de gás carbônico equivalente (CO2eq)
emitida pela queima de combustíveis fósseis
em geral. Com base em uma emissão estimada de 426 milhões de toneladas de CO2eq por
combustíveis fósseis em 2013, a receita gera-
da pela Cide-Carbono seria de R$ 1,3 bilhão/
ano.[31] O impacto desta Cide sobre os preços de combustíveis seria ínfimo (menor que
0,5%). Os recursos gerados seriam utilizados
para subvencionar atividades de recuperação
florestal, que fixam carbono.
IPAM 2014. Política tributária para a sustentabilidade. Relatório de Pesquisa elaborado em parceria com a LCA Consultores.
[31]
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