DO CAMPO
À CIDADE:
SOLUÇÕES PARA
O DESPERDÍCIO
DE ALIMENTOS
ESPECIAL MEIO
AMBIENTE 2013
ECOD PRODUZ ESPECIAL
COM SOLUÇÕES PARA O
DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS
Motivadas pelo tema da ONU para o Dia Mundial do
Meio Ambiente de 2013, as reportagens mostram
como se dão as perdas e contam histórias de atitudes
sustentáveis adotadas por diversos setores da sociedade
Inspirado na campanha “Pensar. Comer. Conservar
- Diga Não ao Desperdício”, realizada pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e
a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO), o Instituto EcoDesenvolvimento (EcoD)
produziu o especial “Do campo à cidade - Soluções
para o desperdício de alimentos”. Acompanhando o
trajeto da comida dos brasileiros, da lavoura aos pratos,
o informativo traz estatísticas, histórias e mostra as
soluções possíveis já adotadas por diversos setores
da sociedade, entre produtores e distribuidores de
alimentos, além dos cidadãos comuns.
Para isso, a redação do portal ouviu agricultores,
professores universitários, a Embrapa, a organização
internacional Oxfam, representantes de redes de
supermercado, líderes de ONGs e gente comum, que
tem história para contar, de Guaíba, Rio Grande do Sul,
à Ceasinha do Rio Vermelho, em Salvador.
Ao escrever esse especial, esperamos levar a
você, leitor, as informações e exemplos capazes
de conscientizar e transformar a nossa realidade.
Acreditamos que a informação é a maior ferramenta de
mobilização e que problemas como o desperdício de
alimentos devem ser debatidos por toda a sociedade.
Somente assim poderemos reduzir os impactos
ambientais e sociais gerados por um problema que pode
ser solucionado em todas as suas etapas.
Produtores, transportadores, distribuidores,
vendedores, cozinheiros, consumidores - todos são
responsáveis por essa transformação. Leia, discuta,
leve o tema para seu trabalho, escola, faculdade,
comunidade, amigos e familiares. Avalie as atitudes
que você pode mudar e fazer a diferença. Vamos juntos
acabar com o desperdício de alimentos no Brasil.
EXPEDIENTE
Isaac Edington
Diretor Presidente do Instituto
EcoD e Publisher do Portal EcoD
Fábio Góis
Diretor de Conteúdo e
Serviços do Instituto EcoD
Ines Carvalho
Relações Institucionais
do Instituto EcoD
Redação
Clara Corrêa
Murilo Gitel
Jessica Sandes
Lise Lobo
Raíza Tourinho
Karina Costa
Design e Criação
Person Design
Marcus Bonfim
LOGÍSTICA INTEGRADA
REDUZ PERDAS DO
CAMPO AO CONSUMIDOR
Planejamento é a principal saída para a redução do
desperdício de alimentos. Especialista destaca os
processos para que a comida chegue à mesa do brasileiro
Por Karina Costa
A
cada dez toneladas de alimentos produzidos
no Brasil, quatro chegam aos pratos dos
brasileiros, o que representa uma montanha
de 39 mil toneladas de comida que acabam no
lixo, por dia. Tudo isso poderia alimentar 19 milhões
de pessoas todos os dias, com as três refeições
básicas: café da manhã, almoço e jantar. Em termos
financeiros, o dado representa um montante de R$ 12
bilhões anuais jogados fora.
E mesmo produzindo tanta comida, o país é o
sexto colocado no ranking mundial de desnutrição
e abriga milhares de pessoas em situação de
insegurança alimentar, aquelas que não têm as fontes
de nutrientes suficientes e preservados.
Para a organização internacional Oxfam,
idealizadora da campanha Cresça, um dos fatores de
contribuição para perda de alimentos é a quantidade
de etapas entre o campo e o prato do consumidor.
“Menos etapas, menos desperdício”, define Muriel
Saragoussi, coordenadora de campanhas da entidade,
que visa promover Justiça Social.
“A maçã que chega à sua geladeira hoje pode
ter sido colhida há um ano”, conta o professor André
Lacombe, do departamento de administração da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Uma montanha de 39 mil
toneladas de comida vão para
o lixo, por dia, no Brasil
(PUC-Rio). Este exemplo ilustra o longo caminho da
produção ao consumo. Por isso, cabe aos setores
de logística do produtor e do distribuidor planejar,
minuciosamente, toda trajetória para levar os alimentos
com a melhor qualidade e evitar que se tornem lixo.
Aproximar a agricultura familiar das grandes
redes de supermercados é uma das saídas
sugeridas pela Oxfam para a redução das perdas.
Mas ainda assim, haverá uma logística. E enganase quem pensa que a colheita é o primeiro passo
deste processo. “Tudo começa ainda na plantação.
É quando se planeja para quem e quando o material
será vendido”, detalha Lacombe.
O especialista garante que, sem o planejamento
dos polos de venda, as chances de desperdício
são ampliadas nas estradas. Mais cuidadoso ainda
deve ser o momento da colheita, quando ocorre
o manuseio. “Se o trabalhador corta a banana no
lugar errado, aquela fruta vai ficar na prateleira. Por
causa de uma marca, uma mancha, não vai ser
vendida”, exemplifica.
Passado o ponto delicado do manuseio, o produto
colhido é armazenado e conduzido para a seleção.
“É preciso segmentar a maçã que vai para a prateleira
(geralmente maior e sem danos) daquela que vai
ser vendida a uma fábrica de geleia (menor e com
pequenas ‘avarias’)”, explica o especialista.
Uma vez selecionados, acondicionados nos
caminhões ou cargueiros, vem a fase do transporte.
Só que antes do motorista seguir o seu rumo, cada
etapa já foi planejada, considerando os pontos de
FOTO: SXC
Entre a armazenagem e o transporte são desperdiçadas cerca de 3,1 mil toneladas de alimento
descanso, tempo de viagem e local ideal para que o
veículo tenha suporte de energia elétrica (e possa manter
as câmaras frias nas temperaturas ideais).
O objetivo é que os alimentos cheguem às Ceasas,
mercados e indústrias com o menor número possível
de materiais perdidos. Todo esse processo gera 8% de
perdas de alimentos, segundo o Instituto Akatu. O valor é
equivalente a cerca de 3,1 mil toneladas/dia.
Ao chegar a uma indústria, que transformará
as maçãs menores em geleia ou suco, ocorre mais
15% do desperdício. A montanha diária de comida,
desejada por quase um bilhão de pessoas que
passam fome em todo mundo, segundo a ONU,
aumenta em mais 5,8 mil toneladas.
Já no varejo, supermercados e restaurantes, a perda
é de 390 toneladas ao dia. Entretanto diversas parcerias
e iniciativas têm sido criadas para ligar quem precisa ao
que poderia ser perdido, como o Banco de Alimentos, o
Mesa Brasil e o projeto Satisfeito.
Tudo isso, no entanto, não evita o mais caro e
danoso dos desperdícios: aquele que ocorre em
sua casa. “Quando chega à geladeira, a sua maçã
já utilizou a energia elétrica da refrigeração durante
a armazenagem, gasolina do transporte, poluiu as
estradas, utilizou mão de obra, muitas vezes barata, para
virar lixo. No topo do processo, quando não poderia ser
mais cara, ela é perdida”, lamenta André Lacombe.
No entanto, os movimentos Slow Food e o Favela
orgânica mostram que é possível mudar a realidade.
Esses movimentos contemplam a ponta do processo
da logística integrada, indicada como o caminho para o
melhor aproveitamento dos alimentos. “Mas este processo
tem que ser de educação e conscientização, incluindo o
produtor, a pessoa que trabalha na colheita, os motoristas,
o varejista e, mais importante, o consumidor, que é quem
paga pelas perdas”, propõe o educador.
“A maçã que chega à sua
geladeira hoje pode ter
sido colhida há um ano”
André Lacombe, professor
de Administração da PUC-Rio
Diversas parcerias e medidas têm sido
criadas para ligar quem precisa aos
alimentos que iriam para o lixo
DEZ COISAS QUE VOCÊ
PRECISA SABER SOBRE O
DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS
01 Por ano, uma a cada três toneladas da comida
produzida mundialmente é perdida ou desperdiçada, o
equivalente a 1,3 bilhão de toneladas/ano.
02 Países ricos e pobres desperdiçam na
mesma proporção, mas de forma diferente: nos
subdesenvolvidos, cerca de 40% é perdido na colheita
e transporte, já nos países desenvolvidos o mesmo
percentual é desperdiçado no consumo.
03 Os consumidores dos países industrializados
desperdiçam quase a mesma quantidade de alimentos
(222 milhões de toneladas) que a produção total da África
Subsaariana (230 milhões de toneladas).
04 Enquanto cada consumidor norte-americano e
europeu desperdiça de 95 a 115 kg de alimentos por ano,
na África Subsaariana e no sudeste asiático somente 6 a
11 kg são jogados fora anualmente pelo consumidor .
05 No sudeste da Ásia, as perdas na colheita
de arroz podem chegar a 80% da produção.
06 A quantidade de comida perdida ou desperdiçada,
anualmente, equivale a mais da metade da colheita anual
de cereais (2.3 bilhões de toneladas em 2009/2010).
07 A perda de comida significa desperdício de outros
recursos, como água, terra, energia, mão de obra e
capital, sem contar a emissão de gases de efeito estufa.
08 Nos Estados Unidos, 30% de toda a
comida, equivalente a 48,3 bilhões de dólares,
é desperdiçada todos os anos.
09 Já os consumidores do Reino Unido jogam no
lixo 32% da comida que compram: são 6,7 milhões
de toneladas de comida todos os anos.
10 No Brasil, a estimativa é que desperdiçamos o
equivalente a 39 mil toneladas por dia, quantidade
suficiente para alimentar 19 milhões de brasileiros
com as três refeições básicas.
DO CAMPO PARA
AS PRATELEIRAS
O fortalecimento da agricultura familiar,
por meio de programas como o Clube dos
Produtores, estimula o empreendedorismo e
minimiza as perdas de alimentos no campo
Por Murilo Gitel
O
s agricultores gaúchos Itamar e Adriane
Barbosa de Campos passavam mais tempo
na rua para vender seus produtos do que
na própria lavoura, em Guaíba, região metropolitana
de Porto Alegre. A notícia boa é que eles sabiam
que seus espinafres, alfaces, rúculas, rabanetes,
cebolinhas e couves eram mais vistosos do que os
oferecidos nos supermercados.
A água límpida com que o casal lava a produção
que colhe de seu 1,5 hectare de horta vem de poço
artesiano. Dali é recolhida e enviada para os açudes.
Dos açudes, vai para a irrigação da horta. “Nada vai
fora”, destaca com entusiasmo Adriane. O esterco
serve de adubo, não há uso de agrotóxicos e a
correção do solo se faz com calcário.
O apoio à agricultura familiar, por meio de
mecanismos como o associativismo e cooperativas é
defendido por Antônio Gomes Soares, pesquisador
da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Segundo
ele, embora o campo responda por apenas 10%
do total das perdas de alimentos no Brasil, esse
desperdício não pode ser desprezado.
“A perda começa no campo, na seleção de
sementes e mudas, no preparo do solo e na
adubação”, destaca o químico, doutor em Ciência
de Alimentos. Na opinião de Antônio, a agricultura
familiar é importante porque fixa o homem no
campo e agrega valor. “Ele produz e você incentiva
essa produção”, salienta.
Agricultura familiar vs perdas
Para minimizar o desperdício nessa área, ele propõe
medidas como a reeducação e treinamento de todo
o pessoal envolvido (desde o campo até a póscolheita), manejo adequado e melhoria no tratamento
antes, durante e depois da produção, sobretudo com
frutas e hortaliças, que tem perdas aqui no Brasil de
30% e 35%, respectivamente.
Um estudo da organização não governamental
Oxfam propõe novas maneiras de se consumir
alimentos com base em princípios que incluem
também o apoio a agricultores familiares. O
desperdício é um problema global. Dados da
Segundo dados do Walmart, o
Clube dos Produtores completa
11 anos em 2013 e atende a
cerca de 10.000 famílias, de
380 municípios distribuídos
pelo Brasil. Mais de mil itens
referentes ao programa vem da
agricultura familiar (hortifruti,
fiambreria, padaria, açougue,
peixaria e padaria). O valor
arrecadado com as vendas é
superior a R$164 mil
Organização das Nações Unidas para Alimentação
e Agricultura (FAO) informam que 1,3 bilhão de
toneladas de comida são jogadas fora por ano.
O Brasil aparece no levantamento, publicado em
julho de 2012, como um país onde 70% dos alimentos
consumidos são provenientes da agricultura familiar. “É
dela que vem o alimento que está na sua mesa e na
minha, mas eu preciso saber como isso é feito e me
importar em apoiar os agricultores familiares”, observa
Muriel Saragoussi , coordenadora da campanha
Cresça, da Oxfam no Brasil.
Produtores-fornecedores
Em 2009, o casal de agricultores aderiu ao programa
Clube dos Produtores, da rede varejista Walmart. A
iniciativa, que teve origem no Rio Grande do Sul, em
2002, busca ser um canal de comercialização pelo
qual os trabalhadores do campo vendem diretamente
ao grupo, que por sua vez fornece ao consumidor
final, sem atravessadores.
À época, Adriane procurou o Nacional (bandeira
do Walmart na cidade) e disse que queria ser
fornecedora. Em seguida, a propriedade do casal foi
avaliada por Ari Biondo, gerente comercial da rede.
“Foi um salto”, lembra Adriane. “Começamos
a entregar a produção em fevereiro de 2009 e
dobramos de tamanho. Dobrou a irrigação, a
potência dos motores, o número de itens. Dobrou até
o salário”, conta a produtora.
Por meio do programa, os produtores assumem
uma lista de compromissos, que tratam de
responsabilidade socioambiental, rastreabilidade,
atendimento à legislação, aos aspectos sanitários
e sustentabilidade comercial. Em troca, seus
produtos ganham visibilidade nas prateleiras dos
supermercados, além de um selo que atesta a
adesão à iniciativa.
Para Alain Benvenuti, vice-presidente comercial
de perecíveis do Walmart, o programa propicia
aos produtores o conhecimento e a aplicação
de princípios de sustentabilidade. “No Clube, os
produtos dos agricultores ficam mais vistosos, as
exigências legais passam a ser observadas à risca,
investem em tecnologia, contratam empregados,
aumentam a produção, as vendas e a qualidade do
que é ofertado às famílias.”
CLUBE DOS PRODUTORES
EM NÚMEROS:
Mais de 1.000 itens recebidos
da agricultura familiar
• Hortifruti (frutas, legumes, verduras,
flores, chás, cogumelos, frutas secas
e amêndoas): 480 itens;
• Fiambreria (embutidos, salgados,
defumados, doces artesanais, passas,
conservas, queijos variados e massas
artesanais): 195 itens;
• Padaria (biscoitos, doces,
cucas e ingredientes): 99 itens;
• Açougue (carnes especiais
e embutidos): 74 itens;
• Peixaria (peixes, crustáceos e
moluscos de cativeiro): 57 itens;
• Mercearia (sucos, conservas,
geleias, palmito, açúcar mascavo,
mel, cereais e derivados): 144 itens.
NÚMERO DE FAMÍLIAS
ATENDIDAS ATÉ JUNHO DE 2012:
10.106
VALOR ARRECADO
R$ 164,692,550
BRASIL PODE AUMENTAR
PRODUÇÃO SÓ
REDUZINDO PERDAS,
SUGERE PESQUISADOR
“A perda começa no campo, na
seleção de sementes e mudas, no
preparo do solo e na adubação”
Antônio Gomes Soares,
pesquisador da Embrapa
O
pesquisador da Embrapa Agroindústria
de Alimentos, Antônio Gomes Soares,
regressou há poucos dias da África,
onde tem contribuído para uma parceria BrasilNigéria voltada à transferência de tecnologia no
campo. Apesar do potencial agrícola que possui,
o país africano desperdiça atualmente cerca de
50% do que produz. Enquanto isso, boa parte da
população passa fome.
Aqui no Brasil o problema também existe e
preocupa, embora em menores proporções. Segundo
o pesquisador, o campo responde, em média,
por 10% do total desperdiçado. Em alguns casos
específicos, como o das frutas e hortaliças, tais
perdas chegam a 30% e 35%, respectivamente.
“Você pode aumentar a oferta de produtos sem
aumentar a área plantada, só reduzindo perdas”,
destaca o especialista, em entrevista ao EcoD.
De acordo com o químico, doutor em Ciência de
Alimentos, o país precisa passar por uma mudança
de cultura para aproveitar melhor o que produz.
EcoD: O fato de a ONU estar trazendo o
desperdício de alimentos como tema da Semana
Mundial do Meio Ambiente 2013 reflete que a
situação está cada vez mais complicada?
É um alerta de que nós ainda temos tempo para
debater esse problema. Os países, de modo geral,
têm trabalhado para gerar alimentos a fim de atender a
necessidade da população mundial, entretanto, várias
nações, inclusive o Brasil, ainda apresentam problemas
relacionados aos alimentos. Desde a colheita no
campo até a chegada à mesa há uma grande perda
desses produtos. E isso é inadmissível à medida que
temos tantas pessoas passando fome e desnutridas.
E a raiz do problema está no campo?
Existe toda uma cadeia. Claro que o campo tem
problemas, mas não são os mais expressivos. As
maiores perdas são registradas depois da colheita,
inerentes a produção, mas podem ser minimizadas
por meio de uma série de técnicas, como o
manuseio, manejo e o controle.
O que pode ser feito para evitar
o desperdício no campo?
Desde o manuseio das sementes, adubação do
solo, controle das doenças (que inclui evitar o uso
indiscriminado de substâncias nocivas), propostas
que podem ser aplicadas para evitar uma perda
exagerada. Existem tecnologias e técnicas para
isso, a questão é fazer com que elas cheguem aos
produtores que precisam.
Essas tecnologias são comercializadas? O governo
deveria subsidiá-las ao homem do campo?
De certa forma, o governo já faz isso. Muitas vezes
paga as pesquisas. A transferência de tecnologias
demanda um custo que não é oneroso para um
pequeno produtor, levando-se em conta que ele
pode integrar uma cooperativa ou associação, e
aí esse valor é diluído e geralmente não é caro.
Até mesmo o produtor, individualmente, realiza
treinamentos conosco e também consegue. Temos
muitos casos aqui na Embrapa. A questão é: a
informação está alcançando a quem de direito?
A transferência tem sido feita? Porque nós temos
muitas pesquisas: de seleção de sementes, mudas,
manejo, preparo do solo. Mas onde está parando
isso? Muitas vezes não está chegando.
Esse problema é registrado no Brasil atualmente?
Sim, mas para alguns tipos de produtos. As
commodities têm mais visibilidade e muitas vezes
estão relacionadas a grandes empresas, então elas
empregam tecnologia. Mesmo assim às vezes têm
problema, porque vemos alguns armazenadores
com temperatura e umidade relativas não
adequadas àquele grão. No transporte de soja, por
exemplo, os caminhões ficam parados e a soja fica
caindo, porque não estão corretamente vedados. Aí
temos a perda daquele produto.
“O Brasil produz 185 milhões de
toneladas de grãos. Se, em média, as
perdas forem de 20%, você tem aí 37
milhões de toneladas jogadas fora”
Antônio Gomes Soares,
pesquisador da Embrapa
É mais barato fazer o errado?
Sim, porque a perda de quem comercializa é menor.
Ou não tem perda. Aumenta o preço e tem gente
que paga. Quem vai perder é o produtor, que não
vai receber. E falta cultura, porque se considerar
o que é realmente perda, vale o investimento em
um sistema de refrigeração, porque é comum ter
perdas enormes. Se 30% de uma carga é imprópria
para consumo, você perdeu dinheiro e o produtor
também. O varejista, no final das contas, coloca
uma marca dele com um preço que compensa
o que deixou de vender. As cargas de leites são
refrigeradas. Se você faz isso para um produto
que tem custo elevado, por que não fazer com
os demais também? São produtos que têm valor
agregado bom. Poderíamos ter um produto mais
barato no mercado. Do contrário, o produtor vai
perdendo o incentivo de continuar produzindo.
Os Estados Unidos usam muito a refrigeração.
Desde o campo até o consumidor. E o produto deles
é mais barato. E o salário maior que o nosso. Explica
isso... Não é só imposto. É a margem de lucro para
compensar as perdas que eles têm. Imagine fazer
frete de cinco toneladas e só vender três.
Há estudos que identificam quais são os
principais alimentos desperdiçados?
A Embrapa tem vários estudos em seu site, até
porque conta com unidades temáticas sobre
diversos produtos. Muitas vezes, passamos esses
trabalhos para os mercados, setor produtivo, e eles
não são utilizados. Ficamos sem entender... Temos
a cultura do perde e joga fora, mas eu acredito
que isso não vai continuar, porque aumentando
a produção haverá aumento de perdas. E aí será
destruída a mata ciliar e as florestas, porque
terão que aumentar a área plantada. Você pode
aumentar a oferta de produtos sem estender a área
plantada, só reduzindo perdas.
Quais dados o senhor pode destacar?
Nós temos cerca de 7 milhões de toneladas de frutas
jogadas fora por ano. Ricas em vitaminas e minerais.
O brasileiro consome, em média, 115 quilos/
ano, se considerarmos que 85 milhões de pessoas
comem, realmente, teremos cerca de 10 milhões
de toneladas, e estamos produzindo 24 milhões de
toneladas de frutas. O que está acontecendo com
os outros 14 milhões? Não exportamos tudo isso...
E os dados que eu tenho são de 2000. A produção
aumentou muito até 2013. É inadmissível que
tenhamos pessoas passando fome.
Uma vez realizado o estudo científico
da Embrapa, de quem é a obrigação de
fazê-lo chegar ao produtor?
A Embrapa tem uma área de transferência de tecnologia.
Esse momento de transferência é feito por uma equipe
especializada que realizada treinamento técnico, de
campo. Temos tecnologias para o desenvolvimento de
sementes e mudas, para produtos orgânicos (frutas,
hortaliças, até carne), tecnologias para embalagens,
processamento mínimo de frutas e hortaliças, entre
outras. Para ter acesso a esse portfólio basta entrar em
contato com a Embrapa Brasília, que através de seu
SAC estará vendo qual é a unidade específica mais
adequada para atender a essa demanda.
Qual é a sua opinião sobre agricultura famíliar
em relação ao desperdício de alimentos?
O fortalecimento da agricultura familiar é muito
importante, porque fixa o homem no campo e agrega
valor, ele produz e você incentiva essa produção. Por
meio de cooperativas fica mais acessível. É preciso
incentivar o associativismo entre os produtores.
EVITE DESPERDÍCIO
DE ALIMENTOS NO CAMPO
N
o Brasil, 10% dos alimentos
são desperdiçados ainda no
campo. Em outros países,
como a Nigéria, esse número chega
a 50%. Para se ter ideia do tamanho
do problema, cerca de 30% das frutas
e 35% das hortaliças produzidas se
perdem ainda na fase de produção,
segundo dados da Embrapa.
Antônio Gomes Soares, pesquisador
da Embrapa Agroindústria de Alimentos,
listou para o EcoD algumas dicas de
como reduzir essas perdas.
CAUSAS:
O desperdício de alimentos
no campo começa quando
as sementes não são
adequadas à determinada
região daquele produto.
O manejo e a adubação também
não são adequados. Alguns
estados têm empresas de
assistência técnica rural que
ajudam os produtores nesse
sentido. Deveria haver maior
integração dessas empresas.
Manuseio inadequado na hora
da colheita. As instruções
resultantes de pesquisas
já existentes deveriam ser
passadas aos produtores.
DICAS:
1- É preciso ter controle de doenças
de forma adequada, sem o uso de
agentes nocivos ao ser humano;
2- Uso da agroecologia (orgânicos) e produção
integrada, com utilização racional de compostos
químicos para o controle de pragas e doenças;
3- Melhoria no tratamento pré e
pós-produto, como frutas e hortaliças;
4- Adequação do ponto de colheita em relação ao
mercado consumidor. Se você tem um mercado
próximo, pode deixar o produto mais tempo no
campo, mas se o mercado for distante terá de
colhê-lo antes de maduro, para que aguente o trajeto;
5- Utilização da embalagem adequada à manutenção
da qualidade do produto. Isso deveria ser definido
por todos os agentes de comercialização.
Produtores, atacadistas e varejistas deveriam
trabalhar juntos nesse sentido;
6- Reeducação e treinamento de todo o
pessoal envolvido, desde o campo até a póscolheita, visando à melhoria da manipulação
e a movimentação de cargas;
7- Padronização, seleção e classificação dos
produtos, que atendam as necessidades do
mercado. Muitas vezes o produto precisa ter
determinado tamanho, calibre, além de
determinada forma e cor.
NADA FICA NO CAMINHO:
AS SOLUÇÕES PARA O
TRANSPORTE DE ALIMENTOS
O armazenamento, o embarque e
desembarque das mercadorias são momentos
cruciais para evitar o desperdício
Por Jessica Sandes
T
odos os dias, a diarista Doralice dos
Santos, de 60 anos, vai ao Mercado do Rio
Vermelho, mais conhecido como Ceasinha,
em Salvador, por volta das 7h e passa, em média,
seis horas no local. O objetivo? Recolher os
alimentos que são descartados quando descem dos
caminhões que abastecem o centro.
“Nem perfeitos e nem estragados”, frisa Doralice.
Os alimentos geralmente estão maduros demais
ou foram “machucados” no trajeto, mas quase
sempre são jogados nos diversos baldes de resíduos
espalhados pelo local. “A gente toma o cuidado de
limpar direitinho, tirar a casca para poder comer, mas
esse é o nosso ganha-pão. Não tem por que deixar
esses alimentos irem para o lixo”, desabafa a diarista.
Doralice representa milhares de brasileiros
que recolhem alimentos que, por passarem
por atravessadores, em vez de irem direto ao
consumidor final, acabam não resistindo à fase de
transporte e são descartados.
No Brasil, todo o desperdício enfrentado durante
essa fase se deve ao fato de as cargas alimentícias
geralmente serem transportadas por rodovias e,
por vezes, não receberem os cuidados necessários
para a conservação da integridade das mercadorias,
sobretudo na hora do embarque e no desembarque.
Os alimentos ficam sujeitos a variações externas,
como temperatura e sujeira.
Para melhorar o quadro de perdas há uma
logística diferente de armazenamento e transporte
para cada produto. A soja e os grãos em geral, por
Cada produto requer
uma logística diferente
de armazenamento
e transporte para o
melhor aproveitamento
das mercadorias
exemplo, devem ficar em um silo armazenador, com
controle de temperatura e umidade relativa para não
serem contaminados por micro-organismos, pois
eles percorrem grandes distâncias em rodovias e
ferrovias. Na chegada ao local de destino, o ideal é que
o produto não seja descarregado manualmente – as
sacas, quando arremessadas de um lado para outro,
podem cair e estourar. O desperdício nesses casos é
considerado pelo gerente da Imam Consultoria, Antonio
Carlos Rezende, como “absurdamente grande”.
Já as frutas e hortaliças devem ser mantidas
refrigeradas para que o produto mantenha sua
qualidade até o mercado consumidor. “Um produto
originário do Norte para chegar ao Sul, dependendo
da época do ano e das condições de tratamento,
pode perder sua qualidade ou ser completamente
desperdiçado se os procedimentos corretos
não forem adotados”, explica o pesquisador da
Embrapa, Antônio Gomes Soares.
Deixar as portas dos caminhões abertas durante o desembarque das mercadorias reduz o prazo de validade dos alimentos
O controle da temperatura é muito importante
também para alimentos congelados. “Cada vez
que um produto, com 90 dias de validade, que
deveria estar com a temperatura -20ºC vai para -5,
ele perde vida útil”, diz Rezende. O exemplo é uma
das causas do alerta feito pelo gerente da Imam
Consultoria: “Os profissionais responsáveis pela
descarga dos alimentos não podem esquecer a porta
dos caminhões abertas durante o desembarque dos
produtos. Um caminhão frigorífico tem temperatura
controlada e isso deve ser respeitado, mas a
fiscalização é muito precária ainda”.
O governo brasileiro possui uma Lei, de 1969,
que aponta que todo veículo envolvido no transporte
de alimentos deve possuir licenciamento sanitário
emitido pela secretaria de saúde. O Estado do Rio
de Janeiro, por exemplo, elaborou um documento
com instruções de fiscalização para os técnicos da
Vigilância Sanitária, o qual defende que “os veículos
destinados ao transporte de alimentos para o
consumo humano, refrigerados ou não, devem dispor
de condições suficientes para garantir a integridade e
a qualidade do produto”.
Apesar da fiscalização ainda ser precária, as
empresas de médio e grande porte têm fiscais,
geralmente fixos, nos pontos de embarque. Mas é
durante o trajeto que a monitoração dos produtos fica
comprometida, pois não há como saber se os motoristas
pararam ou desligaram o frigorífico do caminhão.
Para a solução deste problema há o tacógrafo,
um aparelho que mede o tempo de uso, a distância
percorrida e a velocidade desenvolvida pelo
caminhão. “Algumas empresas já adotaram essa
medida, mas ainda não é obrigatório”, afirma o
gerente da Imam Consultoria.
Menor tempo possível
Na busca da redução do desperdício das
mercadorias, a empresa Sítio Barreiras tem
caminhões próprios para levar as frutas do campo ao
consumidor no menor tempo possível.
A instituição, que tem sedes na Bahia e
no Ceará e abastece as cidades de Belém,
Fortaleza, Recife, Feira de Santana e Salvador,
não entrega frutas em processo de maturação
ou “machucadas”. Esses alimentos voltam para
o centro de distribuição, onde são destinados a
instituições filantrópicas, como creches e orfanatos
das regiões em que a empresa possui sede.
O vendedor e promotor Antônio Carlos Ferreira, que
é também motorista dos caminhões do Sítio Barreiras,
observa que as frutas são extraídas antes da fase de
maturação para que, no ponto de chegada, estejam
em excelentes condições de consumo. Segundo ele, o
principal produto da empresa é a banana, que é colhida
ainda verde e transportada em uma carreta dotada de
um sistema de refrigeração.
“Geralmente a nossa perda não é no transporte
da fazenda para cá, mas sim quando chega ao local
de destino, que não recebe os cuidados necessários
ou simplesmente não suporta um novo processo de
armazenamento”, comenta Ferreira.
Após a realização correta do transporte dos
alimentos no trajeto do campo aos centros de
distribuição, é a vez dos estabelecimentos varejistas
cuidarem da integridade dos produtos que chegarão
aos consumidores finais, já que as mercadorias passam
por outros processos de refrigeração e climatização.
A partir daí, cabe aos supermercados e restaurantes a
missão de buscar estratégias e programas para o maior
aproveitamento dos alimentos.
A instalação de
um tacógrafo
nos veículos
pode auxiliar
na monitoração
dos produtos
durante o trajeto
do campo aos
centros de
distribuição
Frutas em processo de maturação voltam para o centro de distribuição
AS PRATELEIRAS
REAPROVEITADAS
O que o varejo tem feito para reduzir o
desperdício. Alguns programas aproveitam os
alimentos desprezados pelos consumidores
Por Raíza Tourinho
D
epois que chegam aos supermercados e
centros de distribuição, os alimentos ainda
precisam vencer novas barreiras para
não serem desperdiçados. Desde aquele tomate
manchadinho até o quiabo “sem rabo”, muitos
sofrem com a desvalorização comercial, fator que
mais contribui para que as redes varejistas descartem
milhares de toneladas de perecíveis diariamente.
“Conta muito a aparência, mesmo sabendo que a
beleza deriva dos produtos químicos”, afirma a dona
de casa Amanda Marinho, 30 anos.
Embora representem cerca de 40% do faturamento
das redes de supermercado, os alimentos perecíveis
são responsáveis por 70% das perdas no setor,
conforme dados da 11ª Avaliação de Perdas no Varejo
Brasileiro, de 2010. Nos últimos anos, o desperdício
fez com que 4,5% do movimento financeiro dessas
empresas acabassem no lixo. Para tentar reverter
este quadro, aos poucos, as grandes redes varejistas
têm criado programas para aproveitar os alimentos
desprezados pelos consumidores.
No ano passado, a Walmart evitou que mais de 37
mil toneladas, o que corresponde a 52% dos resíduos
sólidos de suas operações, fossem destinadas
aos aterros, direcionando-os para reciclagem,
compostagem e produção de ração animal. “A meta
global do Walmart é acabar com o envio de resíduos
sólidos de suas operações e aterros sanitários até
2025”, explica a assessoria de comunicação da rede.
Outras lojas ainda apostam em soluções mais
simples, mas eficientes, para resolver a questão. O
Grupo Carrefour, por exemplo, afirmou adotar medidas
preventivas para evitar o desperdício. “Em primeiro
lugar, a empresa atua no correto dimensionamento
da demanda. As áreas comerciais acompanham
rigorosamente a necessidade de cada unidade para
atender de forma apropriada os consumidores,
evitando que haja sobras”, diz, em nota.
Segundo a empresa, os fornecedores de perecíveis
são selecionados “cuidadosamente” e seus processos
passam por supervisão para evitar que os alimentos já
cheguem às prateleiras sem valor comercial. O grupo
informa ainda que os funcionários das lojas passam
por uma formação técnica para “garantir o mínimo de
desperdício e ao mesmo tempo o encaminhamento
correto dos alimentos”.
Os alimentos perecíveis são
responsáveis por 70% das
perdas no setor varejista
Reaproveitamento
A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São
Paulo (Ceagesp), maior centro de abastecimento da
América Latina, há dez anos procura reduzir ao máximo
os resíduos gerados pela comercialização de perecíveis.
Em média, 172 toneladas de frutas, pescados, legumes
e verduras são destinadas mensalmente a 150 entidades
cadastradas no banco de alimentos da instituição, o
que já ajuda a reduzir para apenas 1% a quantidade
de lixo que sobra das 300 mil toneladas de alimentos
comercializados mensalmente no local.
FOTO: BLOG MILTON JUNG
Ceagesp ainda joga no lixo três mil toneladas de alimentos por mês, muitas vezes reaproveitados por catadores independentes
A nutricionista do programa, Alessandra Figueiredo,
explica que o banco de alimentos é abastecido com
produtos já sem valor comercial, mas próprios para o
consumo humano. “Como são alimentos já maduros, o
prazo de validade é muito curto. Assim, a logística tem
que ser muito rápida para evitar perdas”, observa.
Questionada se é possível zerar a quantidade de
perecíveis que vão para o lixo, Alessandra define a
tarefa como “um trabalho bem complexo”. Ela explica
que os alimentos são recolhidos quando o banco é
acionado por uma das 1.200 empresas que atuam
com perecíveis na Ceagesp. “Não diria zerar, mas é
possível minimizar ainda mais, se todos tiverem mais
consciência”, assinala.
Doações
Outras redes também trabalham com a doação dos
alimentos não comercializados. Em 357 lojas do
Extra e do Pão de Açúcar, cerca de 530 toneladas
de alimentos deixam de ir para o aterro todos os
meses e são destinados a aproximadamente 290
instituições em todo o país. O Walmart doou, apenas
em 2012, mais 1.100 toneladas de alimentos para
o programa Mesa Brasil - maior banco de alimentos
do país. O Cencosud também doou ao projeto mais
de 160 toneladas de comida no ano passado.
“Conta muito à
aparência, mesmo
sabendo que a beleza
deriva dos produtos
químicos”
Amanda Marinho,
dona de casa
Já o Carrefour, por meio do programa “Parceria que
Alimenta”, distribuiu alimentos próprios para o consumo
para mais de 30 bancos de alimentos cadastrados. As
136 lojas da rede participantes do programa já
distribuíram mais de mil toneladas de comida e a
expectativa é que a iniciativa, criada em 2009, esteja
presente em todas as lojas da rede até o final de 2013.
Além de ajudar quem precisa, as organizações
também perceberam outras vantagens da doação,
como a redução de custo no transporte para o
descarte. “É uma oportunidade de contribuir de forma
responsável para a melhoria da qualidade de vida
da coletividade, mantendo um forte laço regional
com nossos stakeholders”, ressalta Fábio Oliveira,
coordenador do Instituto Gbarbosa.
Apesar do crescimento, os bancos de alimentos
ainda são vistos com desconfiança, uma vez que
a legislação brasileira vigente impõe medidas
judiciais à companhia caso o alimento cause algum
mal à pessoa que o consumir. Com isso, alguns
estabelecimentos preferem descartar produtos em
bom estado a doá-los. Mesmo com 18 anos de
atuação do programa, a coordenadora de projetos
do Grupo Pão de Açúcar, Adriana Castellani, pondera
que a adesão ainda não é a ideal. “Estamos abertos,
mas poucas instituições nos procuram”, conta.
FOTO: ARQUIVO SESC
SAIBA MAIS
No Reino Unido, a cadeia de
supermercados Tesco foi além
e mudou a política interna do
negócio: desde a forma como as
datas de vencimento são exibidas,
até a restrição das grandes
promoções, que estimulavam o
consumo desnecessário.
Parceria com bancos de alimentos garante doação de alimentos
bons para o consumo, mas sem valor comercial
SOCIEDADE DE MÃOS
DADAS CONTRA O DESPERDÍCIO
Iniciativas da sociedade civil ajudam a evitar as
perdas de alimentos e amparar quem tem fome
Por Clara Corrêa
FOTO: ONG BANCO DE ALIMENTOS
Projetos como o Banco de Alimentos ajudam a criar pontes entre o desperdício e a fome
O
Brasil é o quarto maior produtor de
alimentos do planeta e, ao mesmo tempo,
o sexto colocado no ranking mundial de
desnutrição. Se de um lado há fome, do outro há
alimento de sobra. Para solucionar um problema
que aparenta ser tão óbvio, diversas organizações
trabalham para criar uma ponte entre o alimento que
iria para o lixo e quem precisa comer.
Uma delas é o programa Mesa Brasil. Presente
em todas as capitais brasileiras e em centenas
de cidades do interior, a maior rede de bancos de
alimentos privada do país percorre diariamente mais
de três mil empresas parceiras e leva os alimentos que
seriam jogados no lixo para mais de 6 mil entidades
sociais. Com essa iniciativa, a organização já ajudou
a complementar as refeições de 1,6 milhões de
pessoas com mais de 280 milhões de quilos de
alimentos desde 2003, ano em que foi criada. Além
da distribuição de comida, o programa desenvolve
práticas educativas por meio de cursos e palestras
nas áreas de nutrição e serviço social como forma de
treinar cada vez mais multiplicadores comunitários.
Projeto semelhante é a da ONG Banco de
Alimentos. Todos os dias, membros da organização
realizam “colheitas urbanas” em supermercados, feiras,
agricultores e indústrias. Os alimentos recolhidos
vão direto para pessoas que vivem em situação de
insegurança alimentar, ou seja, quando o alimento
disponível não fornece nutrientes suficientes
ou não estão em bom estado de conservação,
prejudicando a saúde do indivíduo.
A ONG também realiza oficinas educativas com
dicas de receitas, manipulação e armazenamento
correto dos alimentos como forma evitar o
desperdício. “Nosso intuito é educar a população
como tratar o alimento. De nada adiantaria ir buscar
os produtos que iriam para o lixo e entregá-los em
uma instituição que, sem orientação, poderia fazer
o mesmo”, explica a coordenadora de projetos
educacionais, Camila Rezende.
Outra ação do Banco de Alimentos busca atingir
a população que não passa fome, mas desperdiça.
“Fazemos palestras, oficinas culinárias, workshops e
eventos para passar esses conhecimentos e fechar um
ciclo onde todos são atingidos pela informação”, conta
Camila. Desde 1999, ano em que foi criado, o Banco
de Alimentos já ajudou a evitar que mais de cinco
milhões de quilos de comida deixassem de ir para o
lixo e, em vez disso, seguissem para as 43 instituições
beneficiadas que ajudam jovens, crianças, idosos,
pessoas portadoras de deficiência física ou mental e
dependentes químicos.
FOTO: JOHNNY MAZZILLI/DIVULGAÇÃO
Os pratos na versão “Satisfeito” são reduzidos em quantidade para evitar o desperdício e parte
do valor vai para instituições que cuidam de crianças em situação de insegurança alimentar
“Fala-se muito em desperdício de
água e luz, no entanto, ainda temos
dentro de casa a ideia de que não
existe problema em desperdiçar um
pouco de comida”
Camila Rezende, coordenadora
de Projetos Educacionais do
Banco de Alimentos
Consumidores satisfeitos
O Instituto Alana foi buscar nos restaurantes a
solução para o problema do desperdício de alimento.
Por meio do programa Satisfeito, realizado em
parceria com o grupo Egeu, o projeto busca reduzir o
desperdício enquanto ajuda a financiar programas de
combate à insegurança alimentar infantil.
Segundo Luiza Esteves, coordenadora da ação,
a ideia surgiu a partir de um incômodo: “Muitas vezes
a gente vai a um restaurante e quando pedimos um
prato, vem muito mais do que gostaríamos. Aí das
duas uma; ou deixamos sobra de comida e ficamos
sentidos por causa do desperdício, ou a gente acaba
comendo tudo e passa mal porque comemos além do
que deveríamos”, observa.
O programa funciona assim: o cliente chega
ao restaurante e lhe é oferecido o cardápio com
opções de refeição na versão “Satisfeito”. Esses
pratos são servidos com 1/3 a menos de comida
do que a versão tradicional. Ao fazer essa opção,
o consumidor paga o mesmo preço pelo prato e o
valor economizado pelo restaurante é repassado
integralmente para organizações que ajudam
crianças em situação de insegurança alimentar.
A iniciativa foi lançada em dezembro de 2012
e já conta com 14 restaurantes em operação, oito
em fase de implementação e três organizações
beneficiadas: duas brasileiras e uma sul-africana. De
acordo com Luiza, até o momento, já foi repassado
às instituições o equivalente a 7 mil refeições que
seriam desperdiçadas. Ainda em 2013, o projeto deve
se estender por mais 100 restaurantes internacionais,
além de ganhar um aplicativo para celulares.
Um projeto que tem buscado dar uma nova
destinação às sobras dos restaurantes vem da rede de
fast food McDonald’s. Um programa desenvolvido pela
empresa pretende abastecer os caminhões da rede no
Brasil com biodiesel produzido a partir do óleo de cozinha
utilizado nos próprios restaurantes. “Em um processo
de logística reversa, os caminhões, ao entregarem os
produtos, recolhem o óleo de cozinha utilizado nos
restaurantes da rede. Este óleo é encaminhado a uma
usina de transformação, onde é convertido em biodiesel,
e os veículos são abastecidos com esse combustível”,
pontua a assessoria do McDonald’s, que informou ainda
que o projeto está em fase de testes.
Poder da sociedade
Apesar de iniciativas animadoras, o poder da
sociedade continua sendo a peça fundamental
para a solução dos problemas. É o que defende a
coordenadora do projeto Satisfeito, ao lembrar que
o grande diferencial do programa é lidar diretamente
com a escolha dos consumidores. “O programa, na
verdade, funciona como um facilitador de uma doação
que quem faz é o consumidor”, aponta. Segundo
Luiza, as pessoas que escolhem as refeições reduzidas
o fazem porque percebem que, com isso, estão
ajudando a resolver os dois lados do problema: o
desperdício e a criança passando fome. “E ao mesmo
tempo, o cliente se sente atendido pelo restaurante
porque houve a opção. E todos nós deveríamos ter a
opção de não desperdiçar”, defende.
Para Camila Rezende, é justamente a
conscientização dos consumidores o maior desafio
para combater o problema do desperdício. “Falase muito em desperdício de água e luz e hoje
vemos que todos entendem o porquê e tentam de
alguma forma prevenir. No entanto, o desperdício de
alimentos é pouco falado e a ideia que ainda temos
dentro de casa é da fartura de alimentos sobre a
mesa e que não existe problema em desperdiçar
somente um pouco de comida”.
Luiza reforça o papel das organizações e
acredita que elas podem contribuir compartilhando
conhecimentos e boas práticas. “Temos que unir
forças e nos apoiar porque o objetivo é comum e
existe bastante sinergia”. A ideia é compartilhada pela
coordenadora do Banco de Alimentos, que defende
que as ONGs levem seus conhecimentos para a
população e conscientizem sobre a importância do
consumo consciente. “Assim, cria-se uma corrente
de informação, onde todos podem transmitir essa
ideia a fim de diminuir estes índices tão absurdos que
vemos hoje”, conclui.
FOTO: ONG BANCO DE ALIMENTOS
Para especialistas, a conscientização dos consumidores é o
maior desafio para combater o problema do desperdício
HÁBITOS QUE DÃO
FIM AO DESPERDÍCIO
DE ALIMENTOS EM CASA
Aproveitar o máximo dos alimentos e gerar menos resíduos
são conquistas que podemos ter com pequenas mudanças
de comportamento. O Slow Food e a Favela Orgânica são
dois exemplos de como alcançar esses objetivos
Por Lise Lobo
A
s mesas de nossos lares significam o
fim do percurso dos alimentos? Enganase quem pensa assim. Ao chegar às
nossas casas, 20% dos alimentos adquiridos pelos
consumidores brasileiros vão parar no lixo, segundo
dados do caderno temático “A nutrição e o consumo
consciente”, do Instituto Akatu.
Mas não estamos só falando daquela comida
que sobra no prato. O desperdício está nas compras
excessivas, fruto de falhas no planejamento
doméstico, do armazenamento incorreto e de partes
de alimentos que deixam de ser aproveitados, pois
acabam vistas como sem utilidade, a exemplo das
cascas e dos talos.
O desperdício pode ser combatido individualmente.
Grandes mudanças começam com práticas simples,
como naquele ditado que diz: “O exemplo vem
de casa”. É o que faz o estudante baiano Marcos
Aurélio, de 24 anos. Em 2010, o jovem decidiu
zerar seu desperdício. “Não precisei fazer grandes
transformações, mas mesmo se precisasse não
pensaria duas vezes”, garante Marcos.
Em casa, onde mora sozinho, a lixeira não vê nem
sinal de cascas e muito menos de sobras ou alimentos
estragados. Entre as mudanças de hábito, ele revela
que passou a frequentar o mercado semanalmente e
sempre com uma lista. “Além de comprar apenas o que
vou usar no cardápio da semana, eu observei que o
valor gasto no mercado diminuiu, já que evito compras
desnecessárias, sem falar do ganho de tempo, pois já
sei exatamente o que comprar”.
As frutas e verduras que serão consumidas são
bem lavadas por Marcos, no intuito de tornar possível
o consumo total dos alimentos. Ele lembra ainda que
não abre mão de consumir apenas orgânicos.
A decisão do estudante de mudar os hábitos contou
com ajuda do movimento Slow Food, que conheceu
por meio da internet. “Quando decidi que queria evitar
o desperdício, comecei a pesquisar maneiras de tornar
isso possível. Vi nos princípios do Slow Food o incentivo
que precisava para levar minha decisão adiante”, explica.
Para fazer parte do movimento
Slow Food e participar das
reuniões, encontros e receber o
material informativo, o interessado
deve se associar através do site
(www.slowfoodbrasil.com).
O valor é de R$ 15,00 por ano
Alimentação consciente
Segundo a gastrônoma Vera Lucia de Almeida Silva,
que difundiu em São Paulo o movimento internacional
criado pelo cozinheiro italiano Carlo Petrini, em
1986, o Slow Food prega uma alimentação
consciente, aliada ao prazer de comer bem e à
responsabilidade pela preservação. Falar dele é falar
em ecogastronomia, conceito pelo qual o alimento
deve ser bom, limpo e justo.
Pratos produzidos com ingredientes doados da feira de orgânicos
“Não gosto da palavra ‘reaproveitar’
porque na verdade estamos
aproveitando alimentos. Cascas e
talos, frutas amassadas, sobras do
almoço, todos são alimentos”
“Quando adquirimos um produto nessas
condições, podemos aproveitá-lo integralmente e
criar receitas deliciosas como, por exemplo, torta
de folha e talos de brócolis, bolos com casca de
banana, doce de casca de melancia e muito
mais”, exemplificou Vera.
Na concepção dela, a adoção dos valores do
movimento já é o primeiro passo para alcançar a
verdadeira solução do desperdício de alimentos em
casa, o que começa com a educação.
“A importância de uma alimentação consciente
deve fazer parte da primeira infância, em casa e na
escola. Nós, adultos, precisamos fazer escolhas
melhores, pois somos coprodutores”, defende Vera,
que complementa: “O movimento Slow Food vem
para contribuir com a melhoria na qualidade de vida
das pessoas por meio de uma filosofia que busca
desacelerar esse ritmo alucinante e fazer pensarmos
o que realmente é importante para nossas vidas”.
A paulistana de 54 anos foi bancária por quase
três décadas e, ao se aposentar, decidiu fazer
faculdade de tecnologia da gastronomia. Atualmente
é professora de ecogastronomia e atua com palestras
em organizações não governamentais e escolas, além
de ministrar, junto ao amigo Ernani Gouvea, oficinas
de plantio e aproveitamento integral dos alimentos.
Ela explica que todo trabalho está sempre
voltado ao objetivo de orientar as pessoas a evitar
desperdícios, aproveitar o máximo dos ingredientes e
gerar menos resíduos ao meio ambiente.
Favela orgânica
Outra alternativa para se evitar o desperdício por
meio do reaproveitamento de alimentos é a Favela
Orgânica. Nesse quesito, Regina Tchelly, idealizadora
do projeto, é mestra no assunto. Mas a paraibana
prefere chamar seu trabalho de ‘aproveitamento’.
“Não gosto da palavra ‘reaproveitar’ porque na
verdade estamos aproveitando alimentos. Cascas
e talos, frutas amassadas, sobras do almoço,
todos são alimentos”.
A paraibana conta ainda que aprendeu com seus
pais as soluções para evitar o desperdício em casa.
“Eles aproveitavam o alimento integralmente. Usavam os
legumes com as cascas e o que não comiam ia parar
na horta ou servia de comida para os animais”, conta.
A educação alimentar que teve no lar, Regina
resolveu disseminar com a criação do projeto Favela
Orgânica. Ela lembra que, ao chegar ao Rio de Janeiro
(onde vive há 12 anos, dos quais 11 trabalhando como
doméstica), se deparou com um grande volume de
desperdício, algo que não estava acostumada a ver.
Em casa mesmo se reuniu com seis mães de família e,
com apenas R$ 140,00 deu início ao que hoje mais ama
fazer: cozinhar, aproveitar e ensinar.
A Favela Orgânica começou como um pequeno
projeto e já chegou ao exterior. Regina relata que, no
início, muita gente dizia “eca” para suas receitas, mas na
hora de degustar todo preconceito ia por “água abaixo”.
Para manter as oficinas, a cozinheira conta com
a ajuda de lanchonetes, restaurantes e feiras da zona
sul do Rio, que doam os principais ingredientes, ou
seja, cascas, talos e alimentos amassados.
“Eu acho que Brasil seria um país de primeiro mundo
se as pessoas comprassem mesmo a ideia da Favela
Orgânica, tendo em vista que dois dos nossos maiores
desafios são a fome e o lixo”, projeta Regina Tchelly.
CARDÁPIO GASTRONOMIA
ALTERNATIVA:
+ croquete de casca de iame
+ salpicão de casca de melancia
+ risoto de casca de abóbora
+ pão de casca de iame
+ brigadeiro de casca de banana
+ doce de bagaço de abacaxi e
hortelã (o que sobra do suco)
DICAS PARA EVITAR
O DESPERDÍCIO
Compre por peso: Quando o produto é vendido por
peso, você pode comprar exatamente o que precisa.
Tente planejar o cardápio: Com o planejamento
semanal das refeições, fica mais fácil mapear os
alimentos que vai precisar. Na hora de sair às compras,
é só levar a lista do cardápio. Dessa forma, você só vai
comprar os produtos para fins específicos, em vez de
simplesmente pegar as coisas das prateleiras.
Não compre por impulso: A variedade de opções
em um supermercado costuma chamar atenção e
aumentar o desejo de adquirir, especialmente quando
falamos em “promoções”. Cuidado! É importante pensar
se, de fato, você precisa do produto.
Vá às compras com mais frequência: Ir mais vezes
ao supermercado pode soar como mais trabalho.
Porém, comprar semanalmente permite que os
perecíveis sejam adquiridos com mais frequência,
diminuindo a possibilidade de perda.
Reaproveite as sobras do almoço: Sobrou comida
do almoço? Então nada de jogar fora. Aproveite o que
restou na janta e evite o desperdício.
Compre a granel: Em vez de comprar alimentos
em embalagens padronizadas, experimente comprar
somente a quantidade que você precisa. Além de evitar
as embalagens descartáveis, você reduz o desperdício
ao levar para casa apenas o que vai usar.
Cozinhe em quantidade e congele: Separe um dia
para preparar várias refeições para todo o mês ou a
semana. Depois basta guardar no freezer e reaquecer
no dia de consumi-la. Essa prática ajuda a economizar
ingredientes e energia.
Use a data de validade como critério: Fique
atento aos rótulos para saber a procedência,
composição e, o mais importante, a data de
validade. Assim é possível evitar a compra de
produtos que não serão consumidos antes do
vencimento e terão como destino o lixo.
Aproveite todas as partes dos alimentos: Na
hora de preparar as refeições, nada de jogar cascas,
sementes e bagaços fora. Todas as partes de frutas,
verduras e legumes podem ser aproveitadas e são
fontes de vitaminas, minerais e outros nutrientes
fundamentais para nossa saúde.
Vera e Ernani, amigos e professores das oficinas de
plantio e aproveitamento integral dos alimentos
SALVADOR
COMERCIAL
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CEP 40.210-245
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