Estudo aponta que milho Bt é inócuo para joaninhas
Para Lúcia de Souza, a pesquisa é importante para apoiar decisões sobre transgênicos.
Por Lúcia de Souza
Um bom estudo científico começa na elaboração cuidadosa do experimento, e
a sua qualidade é fundamental para garantir resultados corretos. Este importante
alerta é mais uma vez enfocado na recente publicação de lvarez-Alfageme e
colaboradoresi. Esse grupo de cientistas mostrou que estudos de toxicidade em
laboratório com Cry1Ab e Cry3Bb1, as duas proteínas Cry mais comumente expressas
em variedades de milho Bt, não causam efeito adverso em larvas de joaninha-de-duasmanchas (Adalia bipunctata).
Uma pergunta óbvia é: por que esse estudo é importante? Estudos científicos
são frequentemente usados para apoiar as decisões políticas relacionadas aos
transgênicos. Antes da liberação comercial, os produtos transgênicos são submetidos a
uma avaliação de risco para garantir que eles não causem efeitos prejudiciais
inaceitáveis. No caso de variedades transgênicas resistentes a insetos, um foco da
avaliação de risco é o potencial impacto negativo sobre insetos não-alvos. Vários
estudos para fins de regulamentação indicaram que não há efeito nocivo sobre
joaninhas. Porém Schmidt e colegasii relataram recentemente que Cry1Ab e Cry3Bb
foram tóxicos para larvas de joaninha-de-duas-manchas (Adalia bipunctata) em
experimentos de alimentação direta, estudo citado para justificar a proibição do milho
Bt (MON 810) na Alemanha.
O estudo de Schmidt e colaboradores foi criticado por vários especialistas
independentes devido a deficiências metodológicas que tornam questionáveis se os
efeitos observados foram realmente relativos à toxicidade direta das duas proteínas.
Por exemplo, nesse estudo as proteínas Cry estavam depositadas fora dos ovos do
inseto, porém as larvas das joaninhas-de-duas-manchas não consomem presas
inteiras, fazem uma punção na presa sugando apenas o conteúdo, ou seja, é
questionável se os insetos testados realmente ingeriram as proteínas inseticidas e,
caso tenham ingerido, provavelmente só poderia ser em quantidades muito pequenas.
Além disso, o controle, ou seja, as larvas que não foram tratadas com a toxina,
teve uma mortalidade muito alta (21%), indicando a inadequação do bioensaio. Diante
das dúvidas levantadas, o grupo de cientistas, lvarez-Alfageme e colaboradores,
resolveu avaliar se o efeito das duas proteínas na joaninha-de-duas-manchas poderia
ser detectado em rotas de exposição mais realistas, ou seja, mais próximas ao pior que
seria possível de ocorrer na natureza. Usaram ácaros de aranha que haviam se
alimentado com milho Bt (eventos MON810 e MON88017) para expor as larvas jovens
desses insetos (A.bipunctata) a altas doses biologicamente ativas de Cry1Ab e
Cry3Bb1.
A ingestão das duas proteínas Cry por A. bipunctata não afetou a mortalidade
larval, o peso ou o tempo de desenvolvimento. Algumas substâncias podem ser
benéficas ou tóxicas dependendo da concentração, e mesmo quando uma proteína é
tóxica, é importante verificar se os organismos podem ser expostos na natureza, e se a
concentração de exposição é suficiente para causar danos. Schmidt e seus colegas não
quantificaram a exposição, que é um fator extremamente importante para saber se o
resultado tem alguma relevância.
Em um experimento posterior, lvarez-Alfageme e colaboradores alimentaram
diretamente as larvas de joaninhas-de-duas-manchas com uma solução de sacarose
contendo proteínas purificadas, dissolvidas em concentrações aproximadamente 10
vezes maiores que as medidas em ácaros em plantações de milho Bt. Mesmo assim,
não houve nenhuma evidência de que as larvas são sensíveis a ambas as proteínas Cry,
ou que o milho Bt expressando tais proteínas possa afetar negativamente esse
predador.
As avaliações de toxicidade iniciais são realizadas sob condições controladas de
laboratório e adotam critérios de qualidade a fim de garantir que o estudo possa ser
reconstruído e os resultados possam ser razoavelmente interpretados e repetidos.
Estes critérios incluem confirmação da validade do procedimento de teste (por
exemplo, baixa mortalidade no controle - organismo não tratado), bem como
informação sobre o composto de teste (por exemplo, a concentração testada e
atividade biológica da proteína inseticida). Os resultados sugerem que os efeitos
nocivos aparentes de Cry1Ab e Cry3Bb1 relatados por Schmidt e colegas eram
artefatos resultantes de um desenho e um procedimento de estudo deficientes.
Portanto, é importante que as decisões políticas considerem a avaliação da qualidade
de cada um dos estudos científicos, e não que sejam considerados todos como de
qualidade igualmente rigorosa e relevante.
Lúcia de Souza é bióloga, doutora em bioquímica e membro da Public Research and
Regulation Initiative (PRRI).
i
Álvarez-Alfageme, F.; Bigler, F. and Romeis, J. 2010. Laboratory toxicity studies demonstrate no
adverse effects of Cry1Ab and Cry3Bb1 to larvae of Adalia bipunctata (Coleoptera:
Coccinellidae): the importance of study design. Transgenic Research (2010) DOI:
10.1007/s11248-010-9430-5. O artigo completo está disponível para livre acesso no
http://www.springerlink.com/content/5n7758gj612x0125/
ii
Schmidt JEU, Braun CU, Whitehouse LP, Hilbeck A (2009) Effects of activated Bt transgene
products (Cry1Ab, Cry3Bb) on immature stages of the ladybird Adalia bipunctata in laboratory
ecotoxicity testing. Arch Environ Contam Toxicol 56:221–228
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