1. INTRODUÇÃO
Historicamente, o valor das mais variadas expressões artísticas nas
civilizações humanas é bem conhecido, pois permite ao homem expressar-se e
ao mesmo tempo perceber os significados atribuídos à vida, em sua eterna
busca de equilíbrio com o meio em que ele está inserido. Desta maneira, a
arte, com sua função simbólica, é necessária para o homem conhecer e
transformar o mundo, situar-se, envolvendo-o em seu inerente fator de magia
(ANDRADE, 2000, p. 13-14). Com a arte, vem a possibilidade de criar, que é
basicamente, formar, é poder dar uma forma a algo novo. O ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a de
relacionar, ordenar, configurar e significar (OSTROWER, 1989, p. 9).
A Arteterapia é uma profissão assistencial ao ser humano. Ela
oferece oportunidades de exploração de problemas e de
potencialidades pessoais por meio da expressão verbal e nãoverbal e do desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e
emocionais. Portanto, a utilização da arte como terapia implica
que o processo criativo pode ser um meio tanto de reconciliar
conflitos emocionais, como também facilitar a autopercepção e
o desenvolvimento pessoal (CARVALHO apud CHIESA, 2004,
p. 38).
Desta maneira, o trabalho do arteterapeuta exige muita atenção e o
estar presente em cada momento com o seu paciente para que o mesmo
possa ajudá-lo a superar as dificuldades e sofrimentos, como também
reconhecer o potencial criativo no contato com as diversas ferramentas
artísticas. Assim como é a afetividade do terapeuta e sua atitude frente às
emoções e à dos clientes procurando a função positiva para auxiliá-los na
possibilidade de mudança, de encontrar outra forma, um novo significado, ou
seja, a possibilidade de transformação. (CHIESA, 2004, p. 40).
O objetivo deste trabalho é poder compartilhar o meu percurso como
Arteterapeuta e da minha construção enquanto profissional, ou seja, da minha
visão de arteterapeuta (a jardineira), das ferramentas que ela utiliza (materiais
10
expressivos), do elemento que ela auxilia a “despertar” (a criatividade) e da
relação com os seus pacientes (uma relação de amor).
1.1. A DESCOBERTA DO MEU JARDIM
Desde criança sempre ouvi meus familiares contando histórias de suas
vidas, eram encontros de manhã, tarde e noite e até mesmo de dias nos quais
nos encontrávamos e um deles contava situações e como havia chegado até
aquele momento.
Como sou uma apreciadora de estórias e acredito que aquilo que somos
“hoje” vem de nossas escolhas passadas e presentes, ouvir esses contos era
como estar naquela época e ao mesmo tempo estar fora compartilhando aquilo
que cada um tem para ensinar.
Essas estórias não estavam em livros renomados, ou eram famosas,
eram estórias de pessoas reais que apenas gostam de compartilhar de forma
sábia aquilo que os outros, talvez, quisessem aprender.
O vasto universo pessoal de cada um, muitas vezes mescla com um
universo coletivo da humanidade, situações, pessoas e acontecimentos nos
levam para fatos muitos parecidos com estórias de outros indivíduos e até
mesmo alguns encontros que facilitam a nossa percepção a respeito de nosso
destino como a frase de Clarissa Estés, em seu livro Mulheres que correm com
os lobos, que diz:
As sementes são contadores que, segundo o que o mestre
espera, irão preservar a tradição como a aprenderam. Como as
“sementes” são escolhidas é um processo misterioso que
oferece um desafio a uma definição exata, pois ele não se
baseia num conjunto de normas, mas sim, num
relacionamento. As pessoas escolhem-se mutuamente, às
vezes elas vêm ao nosso encontro, mas com maior freqüência
tropeçamos umas nas outras e nos reconhecemos como se
nos conhecêssemos há séculos. (1994, p.567-568)
São momentos mágicos nos quais jamais me esquecerei...
11
Sempre considerei a minha avó uma artista, a maneira a qual ela lida
com as pessoas, no modo de desenhar suas roupas e depois costurá-las e em
seguida o “brilho no olhar” quando a obra estava completa, foi a minha
inspiração. Além de gostar de cantar e dançar, talvez a arte fosse o meu
caminho, mas naquele momento ela ainda atuava de maneira “fecunda”
esperando o momento certo para que pudesse agir.
Cresci e era chegada a hora de escolher uma profissão. Era um
momento de decisão daquilo que me identificava e daquilo que gostaria de me
responsabilizar. Foi então que optei pela Psicologia, estudar o comportamento
humano e seus contextos.
No decorrer da minha aprendizagem, o contato com a arte foi
começando a tomar forma, eram em Congressos, Eventos Musicais (nos quais
eu participava), trabalhos apresentados, contatos com profissionais da área e
teorias que comecei a aprender como Gestalt terapia, Psicologia Analítica
(Jung) e a Psicanálise (Winnicott), os quais eu admirava.
Porém, na faculdade ainda sentia “um espaço a preencher”. Que nem
nas teorias e nos atendimentos davam essa possibilidade. E essa questão
ficou comigo até o quinto ano da faculdade, o qual iria acompanhar uma
paciente por um ano e começar a minha aprendizagem do ser “terapeuta”.
Gosto muito das palavras citadas por Basso & Pustilnik em seu livro
Corporificando a Consciência que define:
Ser terapeuta é ser aquele que cuida de si mesmo, dos seus
clientes, de seus colegas e da própria escola, se consideramos
a dimensão vertical, ao cuidado com o meio ambiente, com o
ambiente no qual atuamos e, na outra ponta, com a
espiritualidade, com nossa parte não condicionada, com a
Consciência. Somos não apenas profissionais da cura, mas
acima de tudo, discípulos da Vontade Divina. (2000, p. 134)
Comecei assim, o atendimento com a paciente e construímos, no
decorrer do tempo, o vínculo que considero essencial para que haja um espaço
de confiança, cuidado e respeito. Entretanto, um dos atendimentos me chamou
12
a atenção, quando propus a minha paciente (transição pré-adolescente para
adolescente) a utilização da caixa lúdica e nesta ela optou pela utilização do
grafismo. Após esse dia o desenvolvimento das sessões tomou outro rumo e a
mesma apresentou melhoras em seu quadro clínico.
Comecei então a me questionar a respeito do “poder” de transformação
em que a arte tem sobre as pessoas, de elas descobrirem suas potencialidades
e novas habilidades que até então estavam lá, mas não sabiam que havia
outras possibilidades de atender pacientes, além da Psicologia convencional.
Observei que à medida que elas percebiam sua capacidade de criar, iam
“florescendo” para uma nova consciência, e entram em um mundo de novas
possibilidades de escolha.
Por conta disso, quando acabei a minha graduação em Psicologia, eu já
sabia que queria fazer especialização em Arteterapia e através de muitas
coincidências cheguei ao Alquimy Art, onde, através da vivência, pude
conhecer e escolher a Arteterapia para minha vida.
Desta maneira como objetivo de vida e para minha vida, escolhi
experimentar, aprender e vivenciar a Arteterapia. E hoje me encontro, com
outros questionamentos que sei que é um processo interminável, que na
verdade são ciclos de vida (ciclos de aprendizagem), pois no término de um,
outro está prestes a começar.
E, como havia colocado inicialmente, aquilo que somos, parte de nossas
vivências e escolhas, não posso dizer com certeza que nossas escolhas são
certas e/ou erradas, mas são aquelas que podemos tomar como melhor em
dado momento de nossas vidas. Portanto são eternas aprendizagens e
continua para aqueles que mantêm o “coração aberto” e percebem que são
protagonistas de sua própria estória. Como diz a frase de Carlos Castañeda
apud Buscaglia em The teachings of Don Juan:
Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto
algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo
quando assim ordenar o seu coração. (...) Olhe cada caminho
com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas vezes
julgar necessário...
13
Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta:
Possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o
caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui
importância. (1995, p. 71)
Acredito estar construindo a minha estória pessoal e profissional que
não tem fim e que, na verdade, está apenas começando. É como uma “flor”
que começou a desabrochar, outras “sementes” que foram plantadas no
decorrer desta aprendizagem ainda estão “fecundando”, esperando o momento
certo para nascer.
Por isso, acredito que esta jornada é o início de uma nova etapa em
minha vida, na qual estou disposta e feliz em desbravar e assim fazer a minha
estória na Arteterapia, pois a vida nada mais é que a arte de viver.
14
2. A JARDINEIRA
OS CEGOS DO CASTELO
Eu não quero mais mentir
Usar espinhos que só causam dor
Eu não enxergo mais o inferno que me atraiu
Dos cegos do castelo me despeço e vou
A pé até encontrar
Um caminho, o lugar
Pro que eu sou
Eu não quero mais dormir
De olhos abertos me esquenta o sol
Eu não espero que um revólver venha explodir
Na minha testa se anunciou
A pé a fé devagar
Foge o destino do azar
Que restou
E se você puder me olhar
E se você quiser me achar
E se você trouxer o seu lar
Eu vou cuidar, eu cuidarei dele
Eu vou cuidar
Do seu jardim
Eu vou cuidar, eu cuidarei muito bem dele
Eu vou cuidar
Eu cuidarei do seu jantar
Do céu e do mar, e de você e de mim
Eu não quero mais mentir
Usar espinhos que só causam dor
Eu não enxergo mais o inferno que me atraiu
Dos cegos do castelo me despeço e vou
A pé até encontrar
Um caminho, o lugar
Pro que eu sou
Eu não quero mais dormir
De olhos abertos me esquenta o sol
Eu não espero que um revólver venha explodir
Na minha testa se anunciou
A pé a fé devagar
Foge o destino do azar
Que restou
E se você puder me olhar
E se você quiser me achar
E se você trouxer o seu lar
Eu vou cuidar, eu cuidarei dele
Eu vou cuidar
Do seu jardim
Eu vou cuidar, eu cuidarei muito bem dele
Eu vou cuidar
Eu cuidarei do seu jantar
Do céu e do mar, e de você e de mim
(NANDO REIS,1997)
15
A primeira vez que ouvi essa música da banda Titãs, comentei que
acreditava que esse seria o papel desempenhado pelo arteterapeuta: a
Jardineira.
Em uma das oficinas vivenciais da construção do meu personagem
como Arteterapeuta, após muitas escolhas de materiais e contato com esse
profissional dentro de mim, veio a figura de uma jardineira.
O termo terapeuta vem do grego therapeuin = servir, cuidar, servidores
de Deus. Desta maneira, o foco principal da nossa profissão é servir ao
próximo. Ou seja, confiar e descobrir as novas possibilidades de seus
pacientes.
Segundo Jean-Yves Leloup apud Basso, o termo terapeuta é utilizado
para designar aquele que serve, que cuida, que trata, que sabe orar pela saúde
dos que sofrem. Além disso, o terapeuta cuida também de sua ética, vigia os
seus desejos a fim de ajustar ao fim que fixou para si, com isso poderá ter
como resultado a felicidade sendo um sábio. (2000, p. 134).
Da maneira que nos fala Borges apud Valladares a respeito do trabalho
do Arteterapeuta:
Não é um intérprete, nem um resolvedor de conflitos. É por
excelência um jardineiro, um cuidado que se importa, que
cultiva e vê desabrochar. É um observador, tarefa simples mas
das mais difíceis, atento aos períodos de fertilidade e aos de
necessária sedimentação de conteúdos apreendidos. É um
provedor de materiais, de idéias, de propostas, responsável
pela nutrição do ser em desenvolvimento. É um facilitador, que
busca a adequação dos procedimentos e técnicas a cada
indivíduo ou grupo, possibilitando a canalização de sua energia
para a ação criadora. É um ouvinte interessado, um continente,
um vaso aberto, essencial para a cumplicidade, que espera
com paciência pelo vir-a-ser, pelos frutos que quando
amadurecidos poderão ser compartilhados. (2001, p. 23)
O terapeuta o qual chamo de “jardineira”, no convite de ajudar aquele
que sofre a encontrar o seu “jardim” que o leva de volta a si mesmo (seu lar),
possui o compromisso com o autodesenvolvimento que envolve cultivar
qualidades descritas por Basso (2000, p. 136) como:
16

Integridade;

Responsabilidade;

Coerência;

Ordem e Ritmo;

Beleza;

Harmonia;

Tolerância;

Discrição;

Alegria;

Propósito claro de vida;

Amor a si mesmo;
Adolf Guggenbuhl-Craig apud Basso diz que “somente o analista
apaixonadamente envolvido na sua própria vida, poderá auxiliar seus pacientes
a encontrarem seu caminho” e, ainda, complementando sua citação com Jung
“que o analista só pode dar a seus pacientes aquilo que possui.” (2000, p. 136).
Delmanto alerta para uma qualidade importante no profissional, para ela
a presença da coragem para entrar nas relações com inteireza e confiança
quando o mesmo sentir em suas profundezas que a situação é propícia. Ela
afirma:
A presença do medo de errar ou de fracassar e o receio de
pecar podem bloquear o acontecer desses preciosos encontros
especiais. A colheita dos frutos de uma vivência só vai poder
ser reconhecida após ter acontecido. Existe sempre a presença
de riscos assim como a possibilidade de erros nos caminhos da
vida. (2008, p. 53)
Como também Oaklander apud Allessandrini relata da importância de
“estar presente” do arteterapeuta no atendimento, pois
“às vezes estes
momentos passam tão depressa que, a menos que o terapeuta fique
sintonizado para captá-los, o momento fértil lhe escapará” (1996, p. 96).
Outra atitude do terapeuta em relação ao seu cliente, ressaltada por
Lusebrink (1990), também pode ser não-diretiva ou estruturada, ou seja, a
17
criatividade é reforçada em alguns casos se há a aceitação incondicional como
indivíduos assim como suas criações. Como também há casos nos quais o
encorajamento do terapeuta no sentido de que eles coloquem para fora suas
frustrações e trabalhem de forma estruturada auxilia no processo criativo.
Neste sentido, a arteterapeuta (a jardineira), não estimula suas
sementes a crescerem rápido. Também não negligencia ferramentas e
cuidados sendo distante e frio, a “terapeuta jardineira” está junto, presente em
cada momento, observando, apreciando e aguardando. Ela interage e discute
ciclos antigos com o seu paciente, avalia as sementes que já nasceram,
aquelas que iniciaram e estão em processo, estimula a seguir novos ciclos e
para quando ele precisar descansar, muitas vezes oferecer o seu próprio jardim
como repouso.
18
3. FERAMENTAS, SEMENTES E CICLOS
Não colha agora o botão
Que, somente amanhã, promete desabrochar.
Dá seiva à roseira
Que por si só,
a rosa se abrirá num sorriso
a te oferecer
suas pétalas...
seu perfume...
Dócil e integralmente.
(CLAUDIA BOTELHO apud CARDELLA, 1997/1998, p. 3)
Uma boa jardineira que preza pelo seu jardim, suas flores e cores, fica
atenta a cada detalhe do solo, das sementes e dos outros seres que se fazem
presentes no mesmo. Além do ciclo individual de cada flor, como também os
cuidados que exige cada estação de sua vida.
Para isso, a jardineira conta com as escolhas certas de suas
ferramentas para que possa preparar a terra e assim permitir que novas
sementes nasçam e outras se desenvolvam.
Ser “jardineira” implica em perceber, intuir cada momento e a sentir a
necessidade de suas sementes e cuidados com cada flor. Desta maneira, os
materiais que neste caso são as ferramentas, são essenciais para “tocar” na
seiva criativa e auxiliar no “floreSer” de cada uma de maneira saudável e
natural.
Para ser “jardineira” é necessário atenção, cuidado, amor, paciência e
intuição para perceber qual elemento se faz necessário ou que pode agregar
naquele ciclo.
Fazendo uma analogia dos materiais com o processo que acontece com
o desenvolvimento das flores, poderíamos pensar da seguinte forma:

Os materiais secos e a colagem seriam o primeiro contato, o
momento de preparar a terra, conhecer e experimentar, onde
ainda não se possui conhecimento suficiente acerca de cada
semente e/ou flor;
19

Os materiais fluidos seriam como regar o jardim presente, como
se a água se adaptasse da totalidade daquele Ser e ele
começasse a lidar com aquilo que carrega dentro de sua seiva
(Self).

Os materiais tridimensionais, após começar a lidar com os
sentimentos e emoções, a forma começa a surgir, suas pétalas
são moldadas e suas cores se revelam.
Desta maneira, possuir um conhecimento prévio de cada ferramenta é
essencial para que haja um desenvolvimento do processo criativo e uma boa
colheita.
Portanto, descreveremos cada instrumento e sua funcionalidade de
acordo com Urrutigaray (2003):
3.1. O MATERIAL SECO
Este tipo de material constitui-se em elementos de fácil manuseio e
controle, tanto por iniciantes quanto por portadores de deficiência. Além de ser
um elemento de fácil controle, pois coloca à disposição do manuseio de quem
utiliza, entrega-se a este, demovendo a possibilidade de ansiedade frente à
tarefa a ser realizada, ou a coloca em posição não ameaçadora à integridade
pessoal. Esse material transmite segurança reforçando a sensação de
equilíbrio e de bem-estar facilitando o encontro com o material a ser projetado.
3.1.1. O LÁPIS
Os lápis grafites já são dotados de estados de diferenciação quanto ao
grau de dureza específico. Sendo assim, a escolha de grafite é um bom
indicativo projetivo já que podem propiciar indicativos de necessidades
adaptativas de afirmação, de tendências firmes e fortes ou tênues, ou de
ausência de marcações de assertividade.
20
A forma como o lápis é segurado também dará um resultado formal. Ou
seja, quando seguro como para escrever produz traços finos. Os lápis
permitem efeitos de gradação de cor produzindo o contato com elemento de luz
e de sombra, de claro ou de escuro. A gradação permite um encontro, um
destaque, um realce. Com isso, as misturas de cores novas, surgem novas
possibilidades, e emergem novas visões, confrontos, ou seja, transformações.
O carvão ou o bastão de grafite proporciona grandes efeitos,
favorecendo a projeção de intensidade e de afirmação de afeto. A sujeira
surgida nas produções constitui-se em provocações excelentes à manifestação
de sentimentos pessoais de ajuste a situações complexas de adaptação ao
instrumento e consequentemente, ao meio cultural.
3.1.2. CANETAS HIDROGRÁFICAS
Sua utilização envolve princípios semelhantes ao da aquarela. São muito
fáceis de utilizar. É um material que expande e libera afetos e impulsos,
também mantém sobre controle pessoal a sua utilização, os seus resultados,
dando uma orientação à manifestação dos afetos.
As canetas de pontas finas servem tanto para a realização de contornos
quanto para o preenchimento de superfícies pequenas. Já as de ponta redonda
(grossa ou normal) são indicadas para obtenção de traços estreitos, largos e
pinturas de superfícies pouco extensas. Já as de ponta chanfradas, em todas
as suas especificações (estreitas, normal ou larga), são indicadas para colorir
áreas grandes e produzir efeitos diferentes em termos de espessura.
A análise dos contornos ajuda o arteterapeuta a verificar as sensações
relacionadas às disposições de vitalidade, de iniciativa, de decisão, por um
lado, e, por outro, de emotividade, de insegurança, de falta de confiança em si
mesmo, e de ansiedade.
Desta maneira, é um material o qual possibilita que as projeções possam
ser liberadas sem restrições, por ser um material que flui, sem deixar que
escorra pelos dedos os conteúdos surgidos.
21
3.1.3. LÁPIS DE CERA
Material relativamente fácil de manusear, de controlar. Por ter
capacidade de amolecer com o calor das mãos de quem utiliza este material
transforma-se num meio de fusão de forças. Apesar de sua aparência ser dura
e firme, ele se ajusta à intenção e a pressão de seu condutor, dotando-o
simbolicamente de sensações de domínio e firmeza. Sua rigidez entendida pela
sua dureza funde-se à rigidez e a maleabilidade, frente à dureza de
sentimentos mais intensos.
Como também, por parecer firme ao seu manuseio, permite que
personalidades mais distanciadas de seus afetos também consigam manifestálos.
3.1.4. PASTEL OLEOSO E PASTEL SECO
Os materias oleosos apresentam o elemento resistência ao trabalho,
possuem cores fortes, são fáceis de controlar, mas requerem mais esforços
para sua utilização. A utilização de aguarrás pode facilitar a sensação de
fluidez, o que favorece o trabalho. Uma vez que materiais mais resistentes
provocam o abandono da tarefa por parte de clientes ansiosos, impacientes ou
com baixa autoestima.
Quanto ao material seco é mais fácil que o oleoso, pois desliza melhor
no suporte utilizado para imprimir o grafismo. Porém, por ser constituída de
elementos secos, a produção final pode facilmente ficar borrado, porque estas
partículas presentes no material tendem a elevar-se. Portanto, a possível
promoção de levantar-se do suporte pode provocar frustrações pela impressão
de desfazer-se. Ou pode promover a sensações de exatidão, tornando-se num
provável “aliado” para manifestações de sentimento: idealizados, pueris, sutis
ou mais elevados.
22
3.2 AS TINTAS
Trata-se de um material essencialmente fluido, o que proporciona um
excelente meio para a manifestação das emoções. Porém, por ser um
elemento líquido traz em sua característica a dificuldade para ser controlado.
Desencadeando assim, situações ondulatórias entre a tensão, como um estado
de alerta para conduzí-lo, e a gratificação pelos efeitos produzidos e pelo
emergir de uma energia sensual provocada pelo material.
Portanto, o principal objetivo da pintura é poder experimentar seus
afetos e poder conhecê-los melhor, ampliando o conhecimento de si mesmo.
3.2.1. AQUARELA
É um material difícil de manipulação e impossível de serem consertados
os erros surgidos por seu uso. Ela precisa ser dissolvida em água para ser
utilizada. Portanto é a quantidade de água presente no pincel que determinará
a variações dos tons, dos mais fortes aos mais fracos.
Em âmbitos psíquicos, poder retirar o excesso de conteúdos investidos
na projeção (imagem criada), proporciona uma regressão de libido necessária
ao movimento de introspecção e de reintegração da emoção exteriorizada.
Além do fato de ser impossível corrigir os erros, apenas amenizá-los, é um
estímulo à aceitação de dificuldades pessoais, aprendendo a conviver com
elas.
3.2.2. TINTA EM PÓ
É um material barato de custeio, porém costuma fazer muita sujeira para
conseguir a consistência desejada, se não for bem misturado, pode conseguir
efeitos indesejados. Algumas granulações resistentes à solução podem ser
instrumentos para interessantes amplificações interpretadas pelo sujeito, pois
mobilizam suas projeções.
23
3.2.3. TINTA PARA PINTURA A DEDO
Por possuir uma textura grossa, é um material de ótima performance
tátil, pois possibilita o ajuste ou a coordenação motora necessária para o
resultado. Favorece o retorno a estados regressivos, sendo indicado para
criança e, em adultos, para despertar a criança interior.
3.3 MATERIAIS TRIDIMENSIONAIS
O entalhe que se realiza no material provoca psiquicamente um
emergir de algo que surge do interior, como se a experiência
interior percebesse seu eco no material, sendo este o elemento
facilitador de sua descoberta e da consequente experiência de
sentido
quando
moldado,
formado,
materializado.
(URRUTIGARAY, 2003, p. 62).
3.3.1. PLASTILINA E MASSA DE MODELAR INDUSTRIALIZADA
São materiais de fácil manuseio e são indicadas preferencialmente para
crianças. Sendo assim, viabiliza o desenvolvimento da coordenação motora, a
expressão da imaginação e produz sensações, principalmente nas crianças, de
algo mágico. Ou seja, a possibilidade de trocar de forma com uma intensa
rapidez traz em si a vivência do poder ser em diferentes maneiras, contudo
sem perder a noção de si mesmo.
3.3.2. ARGILA
Deus fez o homem a sua imagem e semelhança. Esta ideia traz
em si a semente como gérmen, obtida pela ideia de ser o barro
a matéria-prima em que repousa o segredo básico do homem e
na qual Deus se espelharia. (GOUVÊA apud URRUTIGARAY,
2003, p. 64)
O material mais próximo de um sentido visceral, devido a seu aspecto,
traz em si uma modalidade com foco no trabalho das mãos.
24
Para URRUTIGARAY, a manipulação deste material provoca no sujeito
diversas posturas, desde a mais profunda rejeição, dada as questões
regredidas que o material aporta, ligadas aos aspectos referentes às sujeiras
internalizadas, adquiridas tanto pela dimensão cultural como aquelas
resultantes de experiência pessoais tidas como inaceitáveis, não adequadas,
desprezíveis, insuportáveis e odiosas (2003, p.63). Já para Chiesa, o contato
com o barro (argila) desperta a sensibilidade, alivia as tensões e satisfaz os
mais profundos e primitivos instintos humanos da natureza criativa. À medida
que vamos modelando o barro, temos a oportunidade de resgatar uma antiga
atividade humana. (2004, p. 50 e 51).
Sendo assim, a argila provoca o emergir de emoções, sendo recipiente
de projeções para as experiências do indivíduo, favorece as descargas
emocionais, muitas vezes com efeito calmante. Por permitir que o trabalho seja
feito e refeito, a argila também promove o desenvolvimento da autoconfiança
de quem a manipula.
3.4. COLAGEM
O trabalho com a colagem, que é feito através da seleção de imagens
em revistas, jornais ou em outros, acrescidos da tarefa de ordenação das
mesmas, pode facilitar o ambiente terapêutico, ou seja, um bom clima para
estabelecimento de vínculos mais firme para futuras tarefas realizadas com
outros materiais.
Além de favorecer a organização de estruturas pela junção e pela
articulação de formas já prontas. Como também, é uma técnica que atua sobre
o padrão: ordem constituída no cultural e coletivo (figura selecionada); recorte
do que interessa para aquele indivíduo, a particularização ou subjetivação
(atenção; destruição do antigo e coletivo, mas sendo a construção inerente a
uma necessidade e interesse de um sujeito para uma nova forma como
interpretação pessoal dos aspectos culturais. Sendo assim, refazendo o
esquema de ordem, desordem e nova ordem.
25
Para fazer um bom uso do material, é importante que o arteterapeuta
tenha experimentado suas ferramentas, a fim de que saiba vivencialmente, o
que aquele material pode oferecer para determinado caso, podendo assim
sugerir o material mais adequando para “floreSer” o ato criativo do indivíduo,
assim como auxiliar em possíveis dúvidas técnicas.
Neste sentido, a Arteterapia é um facilitador por ser lúdico, pois permite
que o indivíduo expresse de forma espontânea com os recursos que ali estão.
Pois ao dar forma a sentimentos, percepções, sensações e por meio do objeto,
o paciente pode revelar seus segredos, olhar seus medos, partilhar e elaborar
suas percepções e sentimentos.
Como diz Norgren, “é dada ao cliente, a
possibilidade de integrar e estruturar sua própria experiência, criar seu próprio
eu, participar de sua ‘cura’” (1995, p.34).
Sendo assim, ainda utilizando as palavras ditas por Norgren “os
processos de execução estão intimamente ligados às características físicas
dos materiais, mas não são restritos à ela. O arteterapeuta deve ser capaz de
usar sua criatividade e poder compor novas formas de uso (...). O terapeuta
deve criar um ambiente físico e psicológico onde a liberdade se torne
verdadeiramente possível, encorajando a experimentação (...), a fim de que a
experiência seja a mais enriquecedora possível” (1995, p. 35), mostra a
importância do jardineiro “estar presente” com suas flores, observando cada
passo de seu desenvolvimento e crescimento, preparando aquilo que ainda
está por vir, o processo criativo.
26
4. FLORESER – O PROCESSO CRIATIVO
Criar não é um processo mágico. É florescer de imagens (...)
desinibidas, subjetivas, fluidas. O processo criativo é o
processo de mudança, desenvolvimento e evolução na vida
interior, mas a jornada do Ser “si mesmo” não é simples:
descobrir o Ser Criativo dentro de você significa trilhar um
caminho. E, muitas vezes, a beleza dessa construção interna
vem carregada de coragem, emoção, sentimento e lágrima
que emergem diante de nossos próprios bloqueios e
resistências. É importante desenvolver uma atitude de força
criadora diante do que nos provoca dor ao aflorar à
consciência. (ALLESSANDRINI, 1997/1998, p. 33).
Desde os primórdios, o homem possui a necessidade de criar. De
acordo com Ostrower (1989, p. 9), o ser humano possui um dom singular: mais
do que homo faber ser fazedor, o homem é um ser formador, pois se relaciona
com os eventos que o cerca interna e externamente. Portanto, configura esses
eventos em sua experiência do viver e lhe dá um significado.
Assim como nos fala Urrutigaray:
Quando observamos a cultura humana, verificamos que o fazer
do homem, ao longo dos séculos, sempre revelou uma
necessidade de expressão típica e comum presente em todas
as sociedades. Como uma tendência à manifestação de algo
diferente da realidade empírica experimentada, mas que revela
outra coisa pertencente a uma outra dimensão mais
envolvente, misteriosa, poderosa, sagrada. Essa necessidade
pode estar vinculada à intenção de reintegração de suas ações
executadas no ambiente com a de afirmação de seu ser;
sentida como um retorno a um “estado paradisíaco” o estado
de Criação (2003, p. 35).
Sendo assim, a criatividade é inerente ao homem, mas a criação é a
escolha de cada um. Para isso, Ostrower aponta as diferenças entre elas:
a criatividade poderia ser caracterizada como um potencial de
sensibilidade (e, na sensibilidade, eu incluiria todas as
vivências do sensível, num amplo leque abrindo-se do sensorial
ao intelectual, vivências estas que levem à compreensão de
ordenação dinâmicas, explícitas ou implícitas, e a visões de
27
coerência e beleza). É um potencial que aprofunda nosso
raciocínio consciente, ligado-o ao intuitivo (ou até mesmo ao
inconsciente), e que permite vivenciarmos nosso ser e agirmos
criativamente (1995, p. 218). Já do momento em que se trata
de criação, nada mais se apresenta em termos gerais. A
criação se dá em atos concretos e específicos (1995, p. 219).
E ainda, “a realização das potencialidades criativas de uma pessoa
envolve, portanto, um caminho de vida, cujas etapas não podem ser
queimadas; elas têm que ser vividas. Envolve a realização da própria pessoa.
Só a vida mostrará até que ponto alguém terá esta capacidade de crescer” (p.
218).
Para Ostrower, não existem “atalhos” para a vida assim como para a
criação, sendo assim, somente com os encontros da vida, nas experiências
concretas e nas conquistas de maturidade, que podemos saber que é a pessoa
e quais os seus reais contornos criativos. Ela diz:
Crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma
necessidade interna. É algo tão profundo, tão nas entranhas do
ser, que a pessoa nem saberia explicar o que é, mas sente que
existe nela e está buscando-o o tempo todo e das mais
variadas maneiras, a fim de poder identificar-se na identificação
de suas potencialidades. No entanto, é só ao longo do viver
que estas potencialidades se dão a conhecer. (1995, p.6)
Para ser criativo se faz necessário que o indivíduo preserve suas
próprias sensações elevando o nível das percepções sensoriais, portanto,
cultivar os sentidos.
De acordo com Lowelfeld & Brittain apud Chiesa, os sentidos seriam a
base para a aprendizagem e o homem aprende através dos sentidos
interagindo
com
o
seu
meio.
E
estes
devem
ser
desenvolvidos,
proporcionalmente, o pensamento, o sentimento e a percepção, para que a
capacidade do potencial criador possa desabrochar (2004, p. 42).
Conforme aponta Allessandrini, “Pensar criativamente é trabalhar a partir
do que há de mais nobre em uma pessoa. É a “fecundação”. A cada minuto,
28
algo nasce e se transforma. O pensamento emerge e precisa se refeito,
reelaborado.” (1996, p. 16).
O potencial criativo seria, como descreve Chiesa:
É um senso maravilhoso de eterna surpresa, de coisas que se
renovam no cotidiano, um diálogo conosco. Uma necessidade
existencial de descobrir nossas próprias potencialidades. O
criativo na pessoa só pode aflorar e manifestar-se
espontaneamente. (2004, p. 44)
Desta forma, para definir o processo criativo, gostaria de utilizar as
palavras do belo poema de Amit Goswami:
Você pode mostrar o produto
De sua criatividade exterior
Como um botão iluminado pelo sol na roseira.
O seu perfume você compartilha com os outros.
Mas você é o botão
Que se abre a partir da criatividade interior
Você meditou,
Aceitou o convite interno?
Siga a trilha da transformação.
Somente depois, ó criativo, você compartilhou o seu ser.
(2008, p. 76)
29
5. O ELEMENTO PRINCIPAL – UMA RELAÇÃO DE AMOR
Um dos grandes poderes do amor é o equilíbrio. Ele nos ajuda
a avançar para a transfiguração. Quando duas pessoas se
reúnem, um círculo antigo fecha-se entre elas. Elas também se
aproximam não com as mãos vazias, mas com as mãos
repletas de dons uma para a outra. Freqüentemente, esses são
dons feridos, que despertam a dimensão da cura do amor.
Quando realmente se ama alguém, faz-se brilhar a luz da alma
sobre a pessoa amada. Sabemos, pela natureza, que a luz do
Sol faz com que tudo cresça. Se olharmos as flores no início de
uma manhã de primavera, elas estão completamente fechadas.
Quando a luz do Sol as atinge, elas confiantemente se abrem e
se entregam a ela. (O’DONOHUE, J., 1956, p. 46)
A citação acima descreve bem o que seria um encontro de amor, um
espaço de troca, de respeito, ou seja, aquilo que Cardella (1997/1998)
descreve como “amor terapêutico”.
Para essa autora apud Cardella (p. 9 e 8), o amor na relação terapêutica
é diferente do amor materno, do erótico, do romântico, do fraterno, mas
certamente é uma forma de amar. Caracteriza-se por um estado de ser
terapeuta, de integração e diferenciação de sua personalidade, que o permite
perceber, aceitar e encontrar o outro como diferente e semelhante em sua
humanidade.
Compreender que o amor é uma presença necessária para que
uma relação entre duas pessoas possa ser fértil. Amor que ele
leva com ele quando se for. Que não é seu, que não é dele.
Que fica com você quando ele se for. Este amor circula por
ANARAPA e os hindus contam que ele está em toda parte.
(BARROS, 1994, p.27).
O amor na relação arteterapêutica atribui um sentido ao trabalho, pois
favorece o resgate da amorosidade do paciente, que muitas vezes quando
chega ao arteterapeuta está apartado de si mesmo e/ou do mundo que o cerca.
Sendo assim, a relação entre arteterapeuta e paciente é transformadora na
medida em que se torna uma oportunidade para que este resgate algo em si
30
mesmo, através de um encontro o qual possibilite vir à tona suas possibilidades
e recursos, que muitas vezes em seu cotidiano, não é possível.
Como podemos observar na citação de Norgren:
Desvendar a obra de alguém implica estar aberto a conhecer
quem se coloca à nossa frente, tendo consciência de que ele é
um ser único. As informações que a linguagem da arte, as
teorias de desenvolvimento e de funcionamento psicológico
possam trazer a respeito de nosso cliente, só poderão ser
validadas através da relação com ele. (1995, p. 35)
E também, como descreve Buber apud Angerami (2002), um ISSO que
se transforma em TU para logo em seguida tornar-se a ser ISSO, porém desse
momento ambos saem enriquecidos por terem contatado com o divino em cada
um deles, só possível a partir da relação.
De acordo, Harry Guntrip apud Hycner (1995, p. 105 e 106) a
psicoterapia visa a cura através do relacionamento verdadeiro entre dois seres
humanos como pessoa. Seria na mudança através da transferência do
paciente com o terapeuta, que esse se torna capaz de estendê-la ao resto de
sua vida. E ainda, no estar o mais completamente disponível para a outra
pessoa num dado momento.
Quanto à Hycner (1995, p. 114), ele
aponta a importância de estar
completamente disponível para a outra pessoa num dado momento, sem
interferência de considerações ou reservas. É a consciência que se dirige
completamente ao “processo de existir” da outra pessoa. Porém, isso requer
que
o
arteterapeuta
esteja
atento
à
experiência
do
paciente,
e,
simultaneamente, atento a sua própria existência. Sendo assim, a tal presença
“exige” que o arteterapeuta fique no “momento fértil” e permita que o encontro
aconteça através disso.
Para que haja um bom desenvolvimento na relação arteterapêutica, o
profissional precisa estar disposto a conhecer o seu próprio mundo interno, ter
navegado pelos seus sofrimentos e dificuldades pessoais, para poder
compreender e aproximar-se do outro. Jamais sair “ileso” nas jornadas
31
empreendidas pelo universo alheio, pois está constantemente sendo “tocado” e
transformado nas relações com seus pacientes.
Contudo, o amor na relação arteterapêutica só é possível como
descreve Cardella:
O amor terapêutico é a base da arte de relacionar-se em uma
relação de ajuda dessa natureza. O profissional amoroso faz
de si mesmo instrumento de transformação, pois ao acolher e
aceitar o outro como ele realmente é, cria condições para que o
cliente comece a se perceber como alguém digno de ser
amado e respeitado. (1997/1998, p.8)
E por fim, finalizou com a frase de Carl Gustav Jung, mestre da
Psicologia Analítica, que nos faz lembrar aquilo que parece simples, porém
essencial: "Conheças todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar
uma alma humana, seja apenas outra alma humana."
32
6. A JARDINEIRA E SEU JARDIM – UM RELATO DE CASO
Objetivos e pontos finais importam menos. Aprender é mais
urgente do que acumular informações. Desejar é melhor do que
conservar. Os meios são os fins. A viagem é o destino.
(FERGUSON, 1995, p. 96).
O projeto Adolescência: Construção da Identidade através da Arteterapia
foi realizado no Projeto de uma ONG sem fins lucrativos localizada na Zona Sul
de São Paulo, o qual teve como iniciativa a necessidade de ocupar o tempo de
jovens carentes com diversas atividades e, consequentemente, tirá-los das
ruas.
O público-alvo do projeto era inicialmente um grupo de 3 a 5
adolescentes, porém, com o tempo, o grupo se configurou em uma dupla.
O objetivo inicial foi de avaliar as atividades de Arteterapia dos
adolescentes levando em consideração a realidade em que estão inseridos.
Além
disso,
desenvolver
desenvolvimento
individual,
neles
que
criatividade,
poderão
motivação
levar
a
pessoal
construção
e
do
autoconhecimento e autoconfiança; buscar a compreensão dos aspectos biopsico-social desses
jovens em um espaço de compartilhamento de
experiências e entendimento da dinâmica desses adolescentes; e construção
de sua identidade.
Os encontros ocorreram em um espaço silencioso, bem iluminado,
arejado e confortável para as discussões, este espaço era o local onde
ocorriam os ensaios de balé e capoeira da ONG. Ao lado desse espaço havia
dois banheiros com pia, o que auxiliou na limpeza dos materiais.
Para o desenvolvimento dos encontros foram utilizados materiais como:
tintas; utensílios para manipular tintas; pincéis; materiais secos (lápis de cera,
canetas hidrográficas, carvão e outros); papéis (papel de cores e tamanhos
diferentes, jornal, papel absorvente e outros); papelão (fino e grosso); argila,
massinhas de modelar; materiais para colagem (revistas, materiais com
diversas texturas, tecidos, etc.); tesoura; colas; fitas adesivas e material
33
reciclável (jornal, plásticos, embalagens, etc.). Ou seja, a seleção dos materiais
variavam de acordo com as questões e a proposta da atividade do dia.
Os atendimentos tiveram início no mês de novembro de 2008,
inicialmente com um grupo de 5 adolescentes e pré-adolescentes. Após o
segundo encontro, se configurou em uma dupla de irmãs, com diferença de um
ano de idade e que perderam sua mãe ainda pequenas. Eram criadas pelo seu
pai, que trabalhava no período da noite como segurança de rua.
Neste jardim, podemos observar algumas questões presentes dessas
irmãs, tais como: a relação simbiótica e a falta da figura feminina entre elas. No
individual, notava-se que a irmã mais velha Lis1 (14 anos) sentia-se muito
sobrecarregada e a irmã mais nova Íris2 (13 anos) realizava tudo que a irmã
mais velha pedia, mesmo não concordando.
Nos primeiros encontros e atividades, grande parte das produções de
ambas eram muito semelhantes, o que demonstrava a relação simbiótica e
ficavam somente no superficial, ou seja, casinhas, flores e desenhos bonitos,
como também a utilização somente de materiais secos. Como podemos
observar:
Lis (Ilustração 1A, 2008)
1
2
Íris (Ilustração 2A, 2008)
Nome fictício para preservar o anonimato.
Nome fictício para preservar o anonimato.
34
Lis (Ilustração 1B, 2009)
Íris (Ilustração 2B, 2009)
Como podemos notar, em quase todas as atividades, Íris comparava
suas produções com as de Lis e ao observar, alterava suas criações.
Se prestarmos à dor a atenção devida, ela poderá responder
nossas perguntas mais cruciais, mesmo aquelas que
conscientemente não formulamos. A única forma de escapar a
nossos sofrimentos é enfrentá-los (...). Uma vez que as
enfrentemos, o processo de transformação tem início.
(FERGUSON, 1995, p. 73).
No ateliê arteterapêutico, o “jogo de rabisco” é muito utilizado pela sua
riqueza e soltura, segundo Winnicott apud Allessandrini (1999, p. 40) é um jogo
sem regras, que privilegia a interação, a flexibilidade e a troca entre os
participantes. Uma das participantes recebeu uma folha de papel em branco e
nesse espaço, elas poderiam interferir de maneira aleatória e solta. Sendo
assim, uma começa com um simples traçado, para, observa o resultado e cede
o papel para a próxima participante.
Foi aí que ocorreu uma mudança. Sem poder olhar o que a outra estava
fazendo, cada uma tinha que desenhar dando continuidade na criação da outra
emergindo uma grande briga. Neste dia, para realizar a atividade de pintura
sobre o desenho que haviam produzido, elas escolheram como ferramentas:
aquarela, guache, cola colorida e lápis de cor. O que resultou no trabalho
abaixo (Ilustração 3):
35
(Ilustração 3, 2009)
Dessa forma, ficou claro através da produção a diferença entre elas e
que cada uma tinha gostos e jeitos distintos.
A ferramenta aquarela foi um elemento fundamental nessa atividade.
Uma vez que, anteriormente, todas as produções eram realizadas com
materiais secos (lápis, giz de cera e canetinha). Assim como a própria
atividade, que ludicamente proporcionou a “emergir” os conteúdos que até
então estavam escondidos e contidos através dos materiais concretos.
Sendo assim, a escolha de ambas participantes a respeito do material
aquarela, permitiu que o conflito viesse à tona para ser resolvido, como uma
possibilidade de conscientização.
Após a conscientização das diferenças, demos continuidade com as
atividades de desenvolvimento de identidade.
E as expressões artísticas foram se transformando. Lis relatava “Aqui eu
desenhei uma mão, primeiro eu pensei em uma árvore (...) depois as folhas,
então eu desenhei dessa maneira, vários ramos (...)” e “É como se fossem
galhos secos”. (Ilustração 4)
(Ilustração 4, 2009)
36
Apesar da pouca idade, sentia-se cansada e velha, muitas vezes sem
energia. Com as atividades corporais (aquecimento), que proporcionavam a
autopercepção, a participante retomou uma de suas produções e a transformou
(Ilustração 5) como observamos em sua fala: “Sim, pronto! Parece uma
macieira, agora está com vida, prefiro assim, mais bonita, alegre, com vida!”
(Ilustração 5, 2009)
Assim como Lis, Íris começou a apresentar mais liberdade para realizar
suas atividades de acordo com sua personalidade, quando decidiu que iria
pintar suas unhas com cor mais escura, mesmo sem a aprovação da irmã
(Ilustração 6).
(Ilustração 6, 2009)
Desta maneira, com as diferenças de personalidade, que agora estavam
mais aparentes, demos início a construção de seus próprios corpos
(identidade) através da montagem das produções anteriores (Ilustrações 7 e 8).
37
Com isso, a pesquisadora pretendeu que a identidade das participantes
fosse fortificada, buscando o reconhecimento do “Self” e sua compreensão.
Como podemos notar a seguir:
Lis (Ilustração 7, 2009)
Íris (Ilustração 8, 2009)
No decorrer dos encontros, criou-se um vínculo de respeito, confiança e
amor. Uma relação dialética, onde cada “flor” exigia uma atenção e
diferenciação de seu ciclo. Para que pudessem lembrar-se das transformações
que havia ocorrido em seus jardins, Lis e Íris construíram seus álbuns, com o
objetivo de reflexão e percurso de seus ciclos.
Íris: “Eu me senti voltando ao passado, relembrando os bons momentos que
passamos juntos. Lembrei-me das coisas que fizemos e que passamos.”
(Ilustração 9)
38
(Ilustração 9, 2009)
Lis: “Eu achei muito divertido, relaxamos. Lembramos do passado, trouxemos
ele para o presente, vimos como ele foi bom, brincamos, dançamos,
desenhamos e foi muito bom! Lembranças boas nunca esquecemos e essas
são uma delas que nunca irei esquecer, pois coisas boas nunca podem ser
esquecidas, devem ser lembradas para todo o sempre no coração.” (Ilustração
10)
(Ilustração 10, 2009)
A flor Lis conseguiu retomar sua força interna e aprendeu a viver de
acordo com uma flor de sua idade, apesar de suas responsabilidades, era
nítido o “brilho em seu olhar”. Já a flor Íris pode perceber que tinha pétalas,
cores e cheiro diferentes de sua irmã, podendo viver com mais autonomia.
O contato com o criativo dentro de cada uma e a descoberta que podiam
“criar” resultou em uma descoberta fantástica ao desconhecido, ou seja, “o
39
FloreSer”, entrar em contato com aquilo que estava lá dentro, mas ainda não
estava consciente. A criação de cada encontro possibilitava ir aonde elas ainda
não imaginavam e resgatar aquilo que é importante dentro de cada ser
humano: suas potencialidades.
Em contrapartida, desabrochava em mim minha própria essência e
aquilo que eu acreditava enquanto profissional, que como imagem, vem a de
“jardineira”.
Ao longo do percurso dos atendimentos, pude verificar como alguns
elementos são fundamentais para o desenvolvimento do ateliê arteterapêutico
como: as escolhas dos materiais, a conduta do terapeuta frente a cada
paciente. O estar atento e aberto é essencial para que se possa sentir as
transformações.
Porém, para que isso ocorra é necessário o elemento essencial: “o
amor” que por ressonância é sentida de jardineiro para flor, onde o cuidado, a
intenção e atenção fazem com que cada uma delas possa criar recursos e
floreSer outros e assim viver de acordo com sua essência e verdade.
Sendo assim, pudemos notar o percurso de cada uma em busca de sua
identidade e a minha própria jornada como pessoa e profissional:
Arteterapeuta.
“Há somente uma história que importa, a história daquilo em que você
uma vez acreditou e a história do que passou a acreditar” (KAY BOYLE)
40
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A possibilidade de vivenciar a Arteterapia em minha vida através das
aulas, dos estágios e das mudanças que fui vivenciando ao longo desses dois
anos fez e faz com que eu queira compartilhar cada vez mais os benefícios e
as alegrias que a Arteterapia representa.
A própria escrita deste trabalho, parte de minha escrita criativa, que fui
aprendendo ao desenvolver com o curso, ou seja, do contato com o meu Self,
do encontro que tive com o potencial criativo existente dentro de mim, que
existe dentro de cada um de nós, ou seja, o meu próprio “FloreSer”.
O estágio possibilitou cuidar do jardim de minhas pacientes, cujo
principal objetivo era a construção de suas identidades. Percebo que foi
através desse relacionamento que construí, assim como elas, a minha
identidade como profissional (como arteterapeuta).
Acredito também que, este trabalho não está por aqui terminado, e sim
que é o início de uma longa jornada, pois ainda há muitas sementes esperando
o tempo certo para florescer, outras crescendo e outras que ainda serão
semeadas.
Desta maneira, constato os alcances da Arteterapia. E busco através
dela, semear, plantar e fazer florir esta semente que irá cada vez mais crescer
com a força e o amor daqueles que acreditam e vivenciam em sua vida, a mais
pura Arteterapia!
Enfim, termino com uma poesia de própria autoria, que me remete ao
início, ao desenvolvimento e término de um ciclo de dois anos para o começo
de uma longa jornada:
41
Em movimentos, em ciclos,
Em cores e contornos,
Indo de encontro com o desconhecido,
Indo além do conhecido,
Aguardando, esperando,
Imaginando, criando,
Refletindo, realizando,
Semeando, regando,
Observando, plantando
Colhendo, crescendo
De repente... florescendo!
(Dayana Mori Pereira – 06/09/2009)
42
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45
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10 1. INTRODUÇÃO Historicamente, o valor das mais