REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
FORMAÇÃO
DOCENTE
Volume 05 n. 08 jan.-jun. 2013
Desenvolvimento profissional docente: um termo guarda-chuva ou um novo
sentido à formação? DÁRIO FIORENTINI, VANESSA CRECCI
Formação continuada de professores da educação infantil: possibilidades,
desafios e perspectivas LIDIANE GONZAGA CHIARE, RITA BUZZI RAUSCH
A docência universitária em palavras... MARIA REGINA DE CARVALHO TEIXEIRA DE
OLIVEIRA, REGINA MAGNA BONIFÁCIO DE ARAUJO
A crise não reconhecida: identidade docente de professores do ensino fundamental 2
SELMA OLIVEIRA ALFONSI, VERA MARIA NIGRO DE SOUZA PLACCO
A formação do professor alfabetizador: em busca da prática
DENISE POLLNOW HEINZ, ROSANA MARA KOERNER
Fóruns de EJA como espaço de formação continuada de professores: análise
por meio de grupos de discussão RAQUEL SILVEIRA MARTINS
Concepções de estágio e ação docente
MARTA NÖRNBERG, IGOR DANIEL MARTINS PEREIRA
A relação entre a formação do professor e a identidade do ensino religioso
SÉRGIO ROGÉRIO AZEVEDO JUNQUEIRA, EDILE MARIA FRACARO RODRIGUES
Interventoria: uma proposta para o acompanhamento de estagiários de pedagogia
MARINA CYRINO, SAMUEL DE SOUZA NETO
Sumário
Linha Editorial
p.2
Conselho editorial
p.4
Normas Para Submissão de Artigos
p.7
EDITORIAL
Apresentação – José Rubens Lima Jardilino
p.9
ARTIGOS
Desenvolvimento profissional docente: um termo
guarda-chuva ou um novo sentido à formação?
p.11
Dário Fiorentini, Vanessa Crecci
Formação continuada de professores da educação infantil:
possibilidades, desafios e perspectivas
p.24
Lidiane Gonzaga Chiare, Rita Buzzi Rausch
A docência universitária em palavras...
p.40
Maria Regina de Carvalho Teixeira de Oliveira, Regina Magna Bonifácio de Araujo
A crise não reconhecida: identidade docente de professores
do ensino fundamental 2
p.62
Selma Oliveira Alfonsi, Vera Maria Nigro de Souza Placco
A formação do professor alfabetizador: em busca da prática
p.80
Denise Pollnow Heinz, Rosana Mara Koerner
Fóruns de EJA como espaço de formação continuada
de professores: análise por meio de grupos de discussão
p.92
Raquel Silveira Martins
Concepções de estágio e ação docente
p.109
Marta Nörnberg, Igor Daniel Martins Pereira
A relação entre a formação do professor e a identidade
do ensino religioso
p.121
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Edile Maria Fracaro Rodrigues
Interventoria: uma proposta para o acompanhamento
de estagiários de pedagogia
Marina Cyrino, Samuel de Souza Neto
p.136
1
Linha Editorial
A “Formação Docente” – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, publicação
digital, veiculada semestralmente, é de responsabilidade editorial do Grupo de Trabalho “Formação de
Professores” (GT08), da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em
co-edição com a Editora Autêntica.
A criação do GT08 – inicialmente d­enominado “GT Licenciaturas” – teve como cenário o final da década
de 1970, início de 1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma mais
vigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões
do Estado autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento,
os movimentos sociais conquistaram alguma abertura democrática o que permitiu investidas, ainda que
descontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasião, uma crise se enveredava pelas
Licenciaturas visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao chamado “currículo mínimo nacional”.
Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo tecnicista de formação de
professores e passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente. Tais ações impulsionaram
a mobilização de alguns profissionais da educação que, durante o I Encontro Nacional de Reformulação
dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, em Belo Horizonte, em novembro de
1983, firmaram um acordo com membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse a
tratar das questões que afetavam a formação de educadores.
Lançada a proposta, o “GT Licenciaturas” se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7ª Reunião Anual
(RA) da ANPEd, em Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para elaborar propostas
de formação para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princípios e orientações
contidos no documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em São Paulo,
a 8ª RA. Nesta, o GT estruturado de forma mais compatível com as recomendações da ANPEd, organizou
uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto.
Em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-metodológica para o Grupo de Trabalho que passou
a chamar-se GT08 “Formação de Professores”, delineando o ethos do renovado GT.
As primeiras idéias sobre a Revista “Formação Docente” surgiram no começo da década 2000, no entanto, foi na 30ª RA que se conferiu maior materialidade à idéia e, em 2008, por ocasião do XIV Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, pesquisadores do GT08 encaminharam decisões substantivas sobre sua editoração.
A “Formação Docente” pretende ser um canal de divulgação da produção na área específica, em diálogo interdisciplinar com as contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que tratam da
mesma temática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercâmbio nacional e internacional do seu
2
tema objeto. A Revista é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das áreas de
Educação e ciências afins.
Seguindo as práticas editoriais, a partir de critérios elegidos pelo grupo fundador, a política editorial do
periódico é executada por um Conselho Editorial Executivo e um Conselho Editorial Consultivo (nacional
e internacional) de diversificada representatividade. Os artigos são apreciados quanto ao mérito científico
por meio do sistema de Dupla Avaliação por Pares – DAP (Double Blind Review).
É com imenso prazer que apresentamos, então, ao público interessado, a “Formação Docente” – Revista
Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores e esperamos uma participação efetiva dos colegas pesquisadores para que este periódico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produção
acadêmica nesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própria formação de educadores
em nosso país.
Os Editores
3
Conselho editorial
EDITOR
n
José Rubens Lima Jardilino
Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-doutoramento pela Universidade Laval, em Québec, no Canadá. Professor da Universidade Federal
de Ouro Preto e Presidente do comitê científico da editora da UFOP.
CONSELHO EDITORIAL EXECUTIVO
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n
Júlio Emílio Diniz-Pereira
Doutor em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos
Estados Unidos. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenador da Coleção Docência - Editora Autêntica.
Conselho Editorial Executivo
Márcia de Souza Hobold
Professora Dra. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE.
Joana Paulin Romanowski
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.
ASSISTENTE EDITORIAL
n
Maria Fernanda Silva Barbosa
Graduada em História e pós-graduanda em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto.
CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (NACIONAL)
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Betânia Leite Ramalho
Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Professora
do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de
Produtividade de Pesquisa do CNPq – Nivel 2.
Eduardo Adolfo Terrazan
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq – Nível 1D.
Emília Freitas de Lima
Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com pós-doutoramento pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Associada da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).
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Iria Brzezinski
Doutora em Administração Escolar pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento
pela Universidade de Aveiro, em Portugal. Professora Titular da Universidade Católica de Goiás (UCG).
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.
Laurizete Farragut Passos
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Assistente da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).
Leny Rodrigues Martins Teixeira
Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP),
com pós-doutoramento pela Universidade de Paris V, na França. Professora Titular da Universidade
Católica Dom Bosco.
Luis Eduardo Alvarado Prada
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com pós-doutoramento
pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Márcia Maria de Oliveira Mello
Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela
Universidade do Minho, em Portugal. Professora do Programa em Pós-graduação da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE).
Marília Claret Geraes Durhan
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-doutoramento pela Fundação Carlos Chagas (FCC-SP). Professora do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Metodista de São Paulo.
Marli Eliza Dalmazo Afonso de André
Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, com
pós-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados
em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Menga Ludke
Doutora em Sociologia da Educação pela Universidade de Paris X, na França, com pós-doutoramento
pela Universidade do Estado da Califórnia, em Berkley, nos Estados Unidos. Professora Titular da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq – Nível 1A.
CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (INTERNACIONAL)
n
n
Carlos Marcelo Garcia
Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha.
Cecília Maria Ferreira Borges
Professora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canadá.
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Clermont Gauthier
Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Laval, em Québec, no Canadá.
Emílio Tenti Fanfani
Professor Titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA),
na Argentina.
Kenneth M. Zeichner
Professor Titular da Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.
John Elliot
Professor Emérito da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.
Maria do Céu Roldão
Professora e pesquisadora da Escola de Educação da Universdade Católica de Santarém, em Lisboa,
Portugal.
Rafael Ávila Penagos
Professor e pesquisador em Educação pela Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia.
Rui Fernando de Matos Saraiva Canário
Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,
em Portugal.
Normas Para Submissão de Artigos
Os artigos submetidos à Revista “Formação Docente” serão apreciados pelo Conselho Executivo quanto
à pertinência dos mesmos à Linha Editorial do periódico, sua adequação aos requisitos da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e às demais instruções editoriais.
Os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na língua materna.
Os artigos recebidos em outro idioma serão submetidos à tradução e publicados com a autorização do
autor. Os autores assumem o compromisso de não submeter simultaneamente o texto a outras revistas
da área e cedem à “Formação Docente” o direito de indexação (nacional e internacional). A Revista, ao
seu juízo, pode reeditar artigos internacionais de grande relevância teórica ou metodológica para a área,
que tenham sido publicados em outros veículos de divulgação acadêmica, com a devida autorização de
quem detém os direitos autorais.
O Conselho Executivo poderá sugerir aos autores modificações de ordem técnica nos textos submetidos
e aceitos, a fim de adequá-los à publicação.
É de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opiniões e idéias veiculados nos textos.
Todos os textos aceitos para publicação serão submetidos à avaliação de pares acadêmicos e lidos por,
no mínimo, dois paraceristas – ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo
e um ad hoc. A Revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas.
ASPECTOS FORMAIS DO TEXTO
Os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaços) digitados no Word ou programa compatível de editoração, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. O texto deve ser alinhado
à esquerda e as margens não devem ser inferiores a 3 cm. As palavras estrangeiras devem ser grafadas
em itálico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre ‘aspas’ simples.
Os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1
e 2. Devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. O primeiro arquivo deve constar a identificação do(s) autor(es): nome(s), instituição(ções) de origem e endereços, físicos e eletrônicos; e resumo
expandido de até mil caracteres (aproximadamente, uma página) e respectiva tradução em língua inglesa
(abstract). Ambos acompanhados de, no mínimo, três palavras-chave (e as respectivas keywords). No
segundo arquivo, constará o texto na íntegra a ser publicado.
As normas de referências bibliográficas seguidas pela Revista são as da ABNT e devem se restringir ao
material citado no corpo do texto. As citações de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no
corpo do texto (AUTOR, data, página). As notas, quando necessárias, devem seguir no final do texto com
numeração seqüencial em algarismos arábicos e antes das referências bibliográficas.
As referências de material e fontes eletrônico/digitais devem citar o endereço (Web Site ou Home Page)
seguida da data de acesso (Acesso em: 25 Fev. 2009).
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Todos os textos deverão ser enviados para o endereço eletrônico da Revista “Formação Docente” ([email protected]). Após o envio do artigo, o autor receberá a confirmação do recebimento
da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequação (ou não) do mesmo às
normas técnicas. Após, aproximadamente, 40 dias, o autor receberá uma nova mensagem informando
sobre o resultado da avaliação acadêmica do artigo.
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EDITORIAL
Volume 05, número 08, jan./jun. 2013
APRESENTAÇÃO
Prezados colegas pesquisadores do campo de estudos sobre a Formação de Professores em suas mais
diversas abordagens:
É com prazer que lhes apresento o número 8 da Revista Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa
sobre Formação de Professores (RBPFP). No número anterior, nosso colega Júlio E. Diniz-Pereira, editor
responsável à época, narrava em sua apresentação as dificuldades que um periódico atravessa desde sua
fundação e, de igual modo, nos apontava os avanços que a revista tem alcançado em sua tão curta trajetória.
Em 2014 assumi a editoria da revista com iguais desafios, com a intenção de avançar em 2015, juntamente com o Conselho Editorial (executivo e consultivo), principalmente no sentido de a revista atingir os
parâmetros necessários para sua “qualisficação”, além dos demais indexadores nacionais e internacionais
que credenciam a nossa produção, animados pelos avanços da nova posição no ranking dos periódicos
no Brasil (Qualis).
Quero, pois, em primeiro lugar, agradecer a colaboração dos colegas da área, desde os pesquisadores
seniores, com amplo acesso a canais de publicação, e que, no entanto, nos têm enviado o resultado de
suas pesquisas para publicação na revista, até os jovens pesquisadores que, a despeito da posição da
revista no ranking, vêm creditando-lhe apoio e publicando os resultados de suas pesquisas nos últimos
oito números da RBPFP. Entendemos que somente com o reconhecimento dos pesquisadores da área
será possível a este periódico avançar em qualidade e periodicidade, elementos necessários para se
tornar referência na divulgação científica dos avanços desse tão amplo campo de estudos, a Formação
de Professores.
Nesta palavra introdutória do editor, pleno de alegria por executar tarefa tão digna, agradeço a todos os
colaboradores, deste e dos demais números, e, ao mesmo tempo, convoco-os a dar continuidade ao
empenho que viemos emprestando a essa publicação, a fim de que a Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores não seja somente mais um periódico da área, mas que venha a se tornar um
portal da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil.
Este é o número 8 e se refere a 2013. E gostaríamos de anunciar que já se encontram em processo
de produção os números 9, 10 e 11 (os dois últimos referentes a 2014), os quais pretendemos, graças
ao esforço e empenho da Autêntica Editora nessa alvissareira parceria, publicá-los ao longo de 2015.
Tal empreitada corrobora para o processo de indexação da revista em vários portais, bancos de dados e
plataformas web que dão visibilidade às nossas pesquisas. De antemão lhes informamos que a RBPFP já
se encontra indexada no Sistema Regional de Informação em Linha para Revistas Científicas da América
Latina, Caribe, Espanha e Portugal (Latindex), com processo iniciado na Rede de Revistas Científicas de
América Latina e Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc), bem como nas publicações online em Educação
da Fundação Carlos Chagas (Educ@), aguardando apenas alcançar o critério de periodicidade para sermos
incluídos nessas plataformas de divulgação científica.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 9-10, jan./jun. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
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De igual monta, outra importante tarefa está sendo a inclusão da Revista no Sistema OJS/SEER. A Autêntica
Editora não tem medido esforços na parceria com o GT 08/ANPEd para adequar a revista aos padrões de
exigência do mundo editorial acadêmico. Os números de 2015, cuja chamada todos receberão em breve,
já se beneficiarão desse recurso técnico e de gestão de periódicos científicos.
Após essas informações iniciais, apresento ao leitor o vol. 5, nº 8, da Revista Brasileira de Pesquisa sobre
Formação de Professores, que trata de questões relevantes para o debate nesse campo. Organizamos o
número em três blocos de artigos. O primeiro bloco de três artigos trata da temática do Desenvolvimento
Profissional Docente (DPD) e da Educação Continuada. O texto dos professores Dario Fiorentini e Vanessa
Crecci sobre DPD traz uma discussão sobre o sentido da formação, os impasses do conceito de DPD
e seu uso no nosso campo de pesquisa. Segue-se o artigo de Rita Buzzi e Lidiane Chiere, que trazem
para o debate a questão da formação continuada de professores da Educação Infantil, com dados de
uma pesquisa realizada na rede pública de um município do sul do país. Fecha esse bloco o trabalho das
professoras Regina Araújo e Regina Oliveira sobre a docência no contexto do ensino superior apontando
os impasses do DPD na carreira universitária.
O segundo bloco de artigos trata da identidade docente e das práticas de formação em vários níveis da
educação brasileira. Vera Placo e Selma Afonsi discutem a crise de identidade dos docentes da Escola
Básica no ensino fundamental 2 em São Paulo. Denise Heinz e Rosana Koerner trazem para o debate a
formação do professor alfabetizador, também apresentando dados de pesquisa numa rede educacional do
sul do país. Raquel Martins apresenta um trabalho sobre formação de professores da EJA, uma discussão
sobre espaços não formais como ambientes de formação em Minas Gerais.
Por fim, o terceiro bloco de artigos trata do estágio, tema sempre recorrente nas pesquisas sobre formação
inicial de professores, e apresenta a discussão de um tema transversal, pouco presente nas discussões
do campo, que é a formação do professor para o ensino religioso nas escolas públicas. Marta Nörnberg
e Igor Pereira discutem o estágio a partir das concepções dos futuros professores, baseando suas análises nos relatórios de estágios de licenciandos. Mariana Cyrino e Samuel Neto apresentam os resultados
de sua pesquisa sobre as várias modalidades, nomenclaturas e tipos de acompanhamento de estágio
na literatura no Brasil e no exterior para discutir o estágio na perspectiva da interação e da intervenção.
Finaliza este número da revista o artigo de Sérgio Junqueira e Edile Rodrigues sobre esse provocativo
tema da formação de professores para o Ensino Religioso (ER). O artigo, a partir dos dilemas da presença
do ER na escola básica brasileira, procura compreender o processo de formação e profissionalização dos
docentes, e aponta aspectos da formação dos profissionais da educação e sua identidade docente com
fins de traçar um paralelo com a formação do professor de Ensino Religioso.
Desejamos a todos e a todas uma boa leitura.
José Rubens Lima Jardilino
Editor
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 9-10, jan./jun. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
ARTIGOS
Desenvolvimento Profissional DOCENTE: Um Termo
Guarda-Chuva ou um novo sentido à formação?1
Dário Fiorentini
Vanessa Crecci
RESUMO: O conceito de desenvolvimento profissional docente (DPD) foi introduzido para enfatizar o
processo de aprendizagem e desenvolvimento do professor ao invés de seu processo de formação. O DPD
surge, portanto, para demarcar uma diferenciação com a ideia de formação docente baseada em cursos
que não estabelecem relação com o cotidiano e com as práticas profissionais. Entretanto, o termo DPD
tem recebido múltiplas significações e vem sendo utilizado e associado a diferentes processos e atividades
que não rompem com o conceito tradicional de formação, além de não contribuírem com a problematização
e transformação das práticas escolares e com a emancipação dos professores. Diante dessa problemática,
o presente artigo tem o propósito de desenvolver um ensaio teórico com o intuito de discutir o conceito de
DPD relacionado à profissão docente, tendo por base os usos e significados que têm sido estabelecidos
na literatura e na pesquisa. Para isso, é feita uma revisão bibliográfica de estudos e documentos sobre o
tema, dando destaque, de um lado, aos aspectos contraditórios sobre o uso e o significado desse conceito
no contexto brasileiro e, de outro, a alguns contextos e práticas indutores ou catalisadores de DPD, como
a pesquisa do professor e sua participação em comunidades investigativas.
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento profissional; formação docente; comunidades investigativas.
Teacher professional development: an umbrella term or a new
meaning to the teacher education?
Abstract: The concept of teacher professional development (TPD) was coined to emphasize the process of learning
and teacher development rather than its formation process. TPD appears, therefore, to delimit a distinction through the
idea of teaching based on training courses that do not establish a relationship with the professional routine and practice.
However, in practice the term TPD has received multiple meanings and has been used and associated with different
processes and activities that do not break off the traditional concept of training and do not contribute to the questioning
and to the transformation of school practices and empowerment of teachers. In face of such issue, this article aims
to develop a theoretical discussion about the TPD concept related to the teacher profession, based on the uses and
meanings that have been established in the literature and in research. In this regard, a review of studies and documents
on the subject was conducted, remarking, on one hand the conflicting aspects about the use and the meaning of this
concept in the Brazilian context and, on the other hand, some contexts and practices that are TPD inducers or catalysts,
such as the teacher’s research and their participation in investigative communities.
Keywords: Professional development; teacher education; inquiry communities.
Este estudo tem como ponto de partida um recorte do projeto de doutoramento da primeira autora, sob a orientação do segundo autor, com
financiamento da Fapesp (Processo 2013/12927-1) e faz parte também de um projeto maior do segundo autor, financiado pelo CNPq (PQ 1D –
Processo 307476/2010-3), que tem, entre outros objetivos, o propósito de discutir, de modo conceitual e empírico, o desenvolvimento profissional
e a constituição da profissionalidade docente em comunidades investigativas. Uma primeira versão deste artigo foi apresentado nos Anais do II
Congresso Nacional de Formação de Professores e no XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores.
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
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INTRODUÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO INICIAL
Em decorrência de mudanças sociais, econômicas e culturais ocorridas nas últimas décadas, a educação
tem sido destaque nas agendas de governo de diversos países. Entre os temas que se destacam,
encontramos as discussões sobre o desenvolvimento profissional docente (DPD), termo guarda-chuva
para vários tipos de atividades, processos e concepções de formação docente (SOWDER, 2007).
Citando as instituições indutoras de DPD, Oliveira (2012) aponta que o conceito de desenvolvimento
profissional foi trazido para a agenda global e regional nos últimos anos por influência de organismos
internacionais, tais como: a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO); a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e
a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em relação ao contexto brasileiro, cabe destacar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996) prevê o envolvimento de professores na participação de atividades relacionadas ao
planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional. Nesse contexto, nos últimos anos, diariamente
temos notícias de novos projetos voltados para supostas melhorias do ensino e da aprendizagem que
incluem iniciativas dirigidas ao desenvolvimento profissional de professores.
Ao propor projetos de indução ao DPD, Sowder (2007) aponta que muitas vezes os recursos são
direcionados para oficinas e workshops que proporcionam aprendizagens superficiais e descontínuas
aos professores. Na contramão dessas perspectivas, Darling-Hamond e Lieberman (2012) destacam
que, em diversos países, consolidam-se práticas formativas articuladas ao desenvolvimento curricular,
tais como planejamento colaborativo, Lesson Studies2 e realização de diferentes tipos de pesquisa-ação.
No Brasil, também encontramos estudos, como os de Fiorentini et al. (2011) e Passos et al. (2006), que
desenvolvem análises de práticas indutoras ou catalisadoras de DPD que inter-relacionam formação docente
e mudança curricular em um contexto de colaboração e investigação entre formadores da universidade
e professores da escola básica.
Diante desse contexto de diferentes sentidos e significados atribuídos ao DPD, nosso intuito, neste artigo,
é discutir teoricamente esse conceito e suas concepções. Para isso, realizamos uma revisão bibliográfica
de estudos e documentos sobre o tema, dando destaque, de um lado, aos aspectos contraditórios do uso
e significado desse conceito no contexto brasileiro e, de outro, a alguns contextos e práticas indutores ou
catalisadores de DPD, como a pesquisa do professor e sua participação em comunidades investigativas.
UMA BREVE DISCUSSÃO CONCEITUAL ACERCA DO DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DOCENTE
O conceito de DPD surgiu na literatura educacional para demarcar uma diferenciação com o processo
tradicional e não contínuo de formação docente (PONTE, 1998). O termo “forma-ação” profissional
denota uma ação de formar ou de dar forma a algo ou a alguém. Essa ação de formar −, sobretudo, na
formação inicial − tende a ser um movimento de “fora para dentro”. O formador exerce uma ação que
supõe necessária para que o aluno adquira uma forma esperada pelas instituições ou pela sociedade,
De acordo John Elliot (2012), o conceito de Lesson Studies surgiu no Japão e compreende a elaboração coletiva de aulas, por professores e especialistas, as quais são depois observadas, documentadas e analisadas por eles.
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013.
Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br
para atuar em um campo profissional. Por isso, o termo “formação” tem sido geralmente associado a
cursos, oficinas e treinamentos.
O DPD remete também ao processo ou movimento de transformação dos sujeitos dentro de um campo
profissional específico. Nesse sentido, o termo desenvolvimento profissional (DP) tende a ser associado
ao processo de constituição do sujeito, dentro de um campo específico. Um processo, portanto, de vir a
ser, de transformar-se ao longo do tempo ou a partir de uma ação formativa. André, ao discutir o campo
de estudo sobre formação de professores, aponta que tem encontrado, em anos mais recentes,
[...] o conceito de desenvolvimento profissional docente em substituição à formação continuada
(NÓVOA, 2008; IMBERNÓN, 2009; MARCELO, 2009). A preferência pelo seu uso é justificada
por Marcelo (2009) porque marca mais claramente a concepção de profissional do ensino e
porque o termo “desenvolvimento” sugere evolução e continuidade, rompendo com a tradicional
justaposição entre formação inicial e continuada (2011, p. 26).
Entretanto, cabe destacar que o próprio conceito de formação possui diferentes acepções, algumas delas
próximas ao conceito de DPD, como mencionamos anteriormente, e outras mais distantes.
Larrosa (1999), por exemplo, concebe a formação como uma ação de “dentro para fora”, uma ação
protagonizada pelo próprio sujeito sobre si − autoformação −, para que venha a adquirir uma forma projetada
pelo próprio sujeito da formação, tendo em vista seus desejos e projetos de vida. Esse processo, entretanto,
é condicionado pelas circunstâncias sociais e políticas. Para Larrosa, uma experiência autenticamente
formativa pode ser comparada metaforicamente a uma viagem aberta, na qual pode acontecer
[...] qualquer coisa, e não se sabe onde vai chegar, nem mesmo se vai chegar a algum lugar.
[...] E a experiência formativa seria, então, o que acontece numa viagem e que tem a suficiente
força para que alguém se volte para si mesmo, para que a viagem seja uma viagem interior
(1999, p. 52-53).
Esse sentido de formação se aproxima, portanto, daquele anteriormente atribuído por alguns
autores, como Ponte (1998), apenas ao DPD. Embora nós tenhamos também assumido a acepção de
Larrosa para o termo formação, optamos por continuar utilizando o termo desenvolvimento profissional
para destacar o processo contínuo de transformação e constituição do sujeito, ao longo do tempo,
principalmente em uma comunidade profissional.
Assim, temos assumido que os professores aprendem e se desenvolvem profissionalmente mediante
participação em diferentes práticas, processos e contextos, intencionais ou não, que promovem a formação
ou a melhoria da prática docente. Fiorentini, por exemplo, tem concebido o desenvolvimento profissional
docente “como um processo contínuo que tem início antes de ingressar na licenciatura, estende-se ao
longo de toda sua vida profissional e acontece nos múltiplos espaços e momentos da vida de cada um,
envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais” (2008, p. 45).
Day (1999) por sua vez, concebe o desenvolvimento profissional como um processo que envolve múltiplas
“experiências espontâneas de aprendizagem”. O autor considera que essas experiências são marcos na
descrição do desenvolvimento do professor e uma resultante de sua participação em atividades planejadas
conscientemente e “realizadas para benefícios, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola”
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(1999, p. 20). Segundo Day, essas atividades contribuem ainda para a qualidade da educação na sala de
aula. Além disso, ao apontar alguns indicadores do desenvolvimento profissional dos professores, o autor
os descreve como um
[...] processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam
e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais
do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens
e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma
reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas
profissionais (DAY, 1999, p. 20 e 21).
Almeida (2000) complementa destacando que o desenvolvimento profissional pressupõe a ideia de
crescimento, de evolução e de ampliação das possibilidades de atuação dos professores. O último aspecto
é fundamental à manutenção do DPD em uma comunidade profissional:
[...] há que se compatibilizar duas dimensões, que se manifestam como inseparáveis na prática
docente: a qualificação do professor e as condições concretas em que ele atua. Isso é confirmado
pelas linhas de pesquisa mais recentes, que, ao buscar compreender a atividade docente e
propor alternativas à preparação dos seus profissionais, apontam para a inseparabilidade entre
formação e o conjunto das questões que historicamente têm permeado o seu fazer educativo:
salário, jornada, carreira, condições de trabalho, currículo, gestão, etc. (ALMEIDA, 2000, p. 2).
Apesar de o conceito ser relativamente amplo, alguns autores, de forma propositiva, apontam práticas
que julgam eficazes ao desenvolvimento profissional dos professores. Esse é o caso de Sowder (2007)
que, em vasta revisão bibliográfica, sintetiza que as perspectivas bem-sucedidas de desenvolvimento
profissional de professores de matemática compreendem: a participação dos professores para decidir
aspectos sobre a intervenção pedagógica; o apoio das várias partes interessadas; o envolvimento na
resolução colaborativa de problemas ao longo do tempo; a avaliação formativa e a adequada instrução.
Nessa mesma perspectiva, Darling-Hammond et al. (2009) destacam que as práticas eficazes de
desenvolvimento profissional: a) ocorrem de modo intensivo e contínuo; b) são conectadas às práticas
docentes; c) o foco de atenção incide sobre a aprendizagem dos alunos; d) são planejadas para atender
aos conteúdos curriculares específicos; e) são alinhadas às prioridades e às metas de melhoria do ensino
e f) são projetadas para construir relações fortes entre os professores.
No Brasil, desde o final dos anos 1990, tanto a teoria como a prática do desenvolvimento profissional
de professores de matemática, articulados ao desenvolvimento curricular, vêm sendo contempladas
e despertado o interesse de alguns grupos de pesquisa. Esse é o caso, por exemplo, dos grupos de
pesquisa: Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM), Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação
de Professores de Matemática (GEPFPM) e Grupo de Sábado (GdS), todos com sede na Unicamp.
Nossa trajetória de trabalho e pesquisa no Brasil tem consistido em articular os problemas e
desafios da formação e do desenvolvimento profissional de professores com o desenvolvimento do
currículo escolar. Isso nos trouxe a convicção de que pesquisadores de universidades, professores
da escola e futuros professores podem juntos, constituir uma comunidade profissional, onde
aprendem a lidar com a diversidade e heterogeneidade da escola, visando à qualidade de uma
educação possível para o grande contingente de alunos de classes menos favorecidas. Nessa
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comunidade, os professores da escola trazem seus problemas e desafios e os formadores de
professores e futuros professores tentam atuar/trabalhar em função dessas demandas. [...] Essa
inter-relação entre formação docente e mudança curricular, nos levou [...] a assumir uma postura
política e epistemológica, que consiste em reconhecer e investir na capacidade de os professores
promoverem o conhecimento profissional, as mudanças curriculares e o desenvolvimento
profissional, de forma colaborativa e investigativa (FIORENTINI et al., 2011, p. 214-215).
Passos et al. (2006) desenvolveram uma pesquisa meta-analítica sobre 11 dissertações e teses acadêmicas
produzidas no Brasil que tiveram como objeto de estudo o desenvolvimento profissional de professores de
matemática. Nesse estudo, foram identificados e analisados pelo menos três diferentes tipos recorrentes
de práticas consideradas potencialmente catalisadoras de desenvolvimento profissional: as práticas
reflexivas, as práticas colaborativas e as práticas investigativas.
Embora não exista um conceito único de desenvolvimento profissional, há estudos nacionais e internacionais
que concordam sobre a necessidade da participação plena dos professores, seja na elaboração de
tarefas e práticas concernentes ao próprio desenvolvimento profissional, seja na realização de estudos e
investigações que tenham como ponto de partida as demandas, problemas ou desafios, que os professores
trazem de seus próprios contextos de trabalho na escola.
Por outro lado, Sowder (2007), ao discutir o significado genérico de DPD, apoia-se nos estudos de LoucksHorsley, para apontar, entre outras coisas, que o termo pode significar em determinados contexto: a)
implementação de currículo; b) seleção de materiais didáticos; c) participação em redes de profissionais
ou grupos de estudo; d) pesquisa-ação; e) estudos de caso e f) participação em oficinas e seminários, etc.
ASPECTOS CONTRADITÓRIOS DA UTILIZAÇÃO DO CONCEITO DE DP NO BRASIL
Os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 1998), divulgados pelo MEC, compreendem a
formação do professor como um processo contínuo, sendo o desenvolvimento profissional parte integrante
de toda a carreira docente:
A formação é aqui entendida como processo contínuo e permanente de desenvolvimento
profissional, o que pede do professor disponibilidade para a aprendizagem; da formação, que o
ensine a aprender; e do sistema escolar no qual ele se insere como profissional, condições para
continuar aprendendo. Ser profissional implica ser capaz de aprender sempre (BRASIL, 1998, p. 63).
O MEC (BRASIL, 2002) também propõe que secretarias estaduais e municipais apostem em uma
perspectiva de desenvolvimento profissional na qual professores e gestores se engajem em estudos
coletivos, na avaliação dos resultados e no planejamento pedagógico dentro das próprias escolas nos
horários dedicados à jornada extraclasse.
Apesar dessas orientações oficiais, o estudo de Fiorentini e Crecci (2012) aponta que o Horário de Trabalho
Pedagógico Coletivo (HTPC), institucionalizado na rede estadual paulista desde o final da década de 1980,
tornou-se um espaço controlado burocraticamente pelos gestores escolares, sendo geralmente obrigados
a reportar, às diretorias de ensino, relatórios, por exemplo, sobre o desempenho de alunos nas avaliações
externas. Logo, as políticas vinculadas às avaliações e aos testes têm comprometido o desenvolvimento
profissional dos professores que ficam à mercê de uma política de prestação de contas, em detrimento
da realização de estudos que tomam a prática de ensinar como objeto de reflexão e investigação.
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Ainda acerca do modo como ocorre o desenvolvimento profissional docente em estados e municípios
brasileiros, Davis et al. (2011) investigaram as práticas de desenvolvimento profissional docente em algumas
secretarias municipais e estaduais, e identificaram duas perspectivas predominantes: a individualizada, que
tenta suprir os déficits da formação inicial dos professores por meio de cursos e oficinas, e a colaborativa,
que enfoca atividades realizadas predominantemente nas escolas, com ênfase no trabalho compartilhado.
Nesta pesquisa, os resultados apontaram que grande parte das instituições investigadas centram suas
políticas em “cursos preparados por especialistas para aprimorar os saberes e as práticas docentes. A
literatura a respeito (IMBERNÓN, 2010; SZTAJN; BONAMINO; FRANTO, 2003; FULLAN, 1995, 2006;
CANDAU, 1997) questiona esse formato pelo fato de ser, entre outros fatores, basicamente instrumental”
(DAVIS et al., 2011, p. 838). Assim, no Brasil, o modelo majoritário de práticas indutoras ou catalisadoras de
desenvolvimento profissional pode ser considerado ainda fortemente alinhado ao modelo da racionalidade
técnica.3
No contraditório contexto brasileiro, chama a atenção o não cumprimento, por diversos estados e
municípios brasileiros, da Lei nº 11.738 que prevê um piso nacional aos professores e 1/3 da jornada de
trabalho dedicada a atividades extraclasse. Os professores de diversas partes do país reagiram ao não
cumprimento da lei. Para citar apenas um exemplo, os professores do Grupo de Sábado (GdS) organizaram
um manifesto4 dirigindo críticas à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seesp) que, em vez
de cumprir a jornada prevista na lei e apostar na capacidade dos professores de se organizarem em
espaços de formação contínua, oferecem cursos parcialmente presenciais de especialização, geralmente
descontextualizados da prática docente. De acordo com o manifesto, esses cursos “não tomam como
referência os desafios postos ao professor de matemática na escola atual, não acompanham de perto a
implementação de alternativas metodológicas e o desenvolvimento curricular nas unidades escolares”
(GRUPO DE SÁBADO, 2010).
A opinião desses professores acerca dos cursos que a Seesp oferece vai ao encontro do que Fiorentini
(2008), tendo por base Nóvoa, aponta como modelo estrutural de formação continuada. Nessa perspectiva,
a formação estrutura-se sob a concepção da racionalidade técnica, pressupondo apropriação prévia de
conhecimentos, geralmente distanciados das práticas dos professores, para depois serem aplicados na
prática escolar.
De outra parte, o modelo construtivo de formação docente, conforme Fiorentini (2008), pressupõe a
existência de um processo contínuo de reflexão interativa e contextualizada sobre as práticas pedagógicas
e docentes, articulando as práticas formativas com as práticas profissionais. É comum, nessa concepção
de desenvolvimento profissional, a constituição de grupos de estudo e de pesquisa-ação, os quais analisam
as práticas vigentes e inovadoras, elaboraram conjuntamente projetos de intervenção na prática, seguidos
de momentos de registro/documentação das atividades educativas e de reflexão/análise sistemática
dessas atividades. Dessa forma, no modelo construtivo, o ponto de partida e de chegada da formação
docente são as práticas e os saberes que os professores trazem, produzem e mobilizam nos diferentes
contextos do ambiente escolar.
Para Schön, a racionalidade técnica: “é uma epistemologia da prática derivada da filosofia positivista [...] [no ponto de vista da racionalidade
técnica] os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos
específicos” (2000, p. 15).
3
Nesta análise teórica, tomamos esse manifesto como um documento para a análise do desenvolvimento profissional docente na perspectiva de professores que ensinam matemática. Disponível em <http://www.grupodesabado.blogspot.com.br/search/label/Manifestos>. Acesso em: 5 jan. 2014.
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Esse modo construtivo de compreender a formação continuada de professores está de acordo com as
reivindicações dos docentes do GdS quando indicam a possibilidade de criação de grupos colaborativos
para discutirem e investigarem “as práticas em sala de aula, permitindo não apenas a relação entre teoria
e prática, mas também momentos para a reflexão dessas relações” (GRUPO DE SÁBADO, 2010).
A perspectiva desses professores encontra suporte nos estudos de Cochran-Smith e Lytle (2009), pois
pressupõe uma relação dialética entre teoria e prática, de forma que ambas possam ser mutuamente
problematizadas, compreendidas e transformadas pelos profissionais de comunidades investigativas
locais que mantêm interlocução crítica com as comunidades globais.
A PESQUISA E AS COMUNIDADES INVESTIGATIVAS COMO CATALISADORAS DO DPD
O estudo de Passos et al. (2006) apresenta, como uma das principais conclusões, que a prática reflexiva
do professor ganha força e poder de desenvolvimento profissional se ela for compartilhada e desenvolvida
em uma comunidade colaborativa que assume a investigação como postura e prática social. Nessas
comunidades, os professores da escola têm oportunidade de compartilhar experiências e conhecimentos
e, nesse processo, desenvolvem-se profissionalmente. Configura-se, assim, a ideia de que a aprendizagem
docente e o desenvolvimento profissional resultam de empreendimentos coletivos que podem envolver
parceria entre universidade e escola, ao invés de iniciativas individuais, seja por parte do professor da
escola ou do formador da universidade em uma perspectiva que muitas vezes consiste em tentativas de
colonizar a prática escolar e seus professores.
Na contramão das políticas públicas, cabe ressaltar que iniciativas como essas têm surgido no Brasil,
principalmente após os anos 1990. Elas envolvem a parceria entre professores universitários e professores
da escola básica que se dedicam à reflexão sobre as práticas de ensinar e aprender na sala de aula.
Tendo por base os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2009), os grupos de estudos que congregam
acadêmicos e professores da escola básica desenvolvem reflexões e investigações sobre a própria prática
pedagógica. Esses grupos podem ser considerados como comunidades investigativas locais. Fiorentini
destaca que grupos com as características apontadas acima têm se constituído em uma “alternativa para
o desenvolvimento profissional de professores e de produção de um repertório de saberes profissionais
fundamentados em investigações sobre a prática de ensinar e aprender” (2010, p. 577).
Quando professores se expõem perante seus colegas, Cochran-Smith (2012) denomina esse movimento de
desprivatização das práticas. Isso ocorre à medida que professores participam de contextos colaborativos,
como nas comunidades investigativas nas quais podem contar com o apoio mútuo de colegas, gestores
escolares e pesquisadores.
Em uma comunidade investigativa local, seus membros buscam e constroem novos conhecimentos ao
examinarem os modos de ensinar e aprender nas escolas. Assume-se, então, que os professores aprendem
e se desenvolvem profissionalmente “quando geram conhecimentos locais da prática através do trabalho
em comunidades investigativas para teorizar e construir seu trabalho, conectando-os ao contexto social,
cultural e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p. 2465).
Dessa maneira, o desenvolvimento profissional em comunidades investigativas ocorre à medida que
os professores realizam, conjuntamente, questionamentos sobre suas próprias práticas, teorizam e
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sistematizam sobre elas. A partir de práticas investigativas em comunidades, os professores podem
planejar atividades que serão realizadas em sala de aula, desenvolver material didático e escrever narrativas
sobre os modos de ensinar e aprender. Podem ainda compartilhar e analisar atividades desenvolvidas
em sala de aula, realizar estudos a partir de questões emergentes da prática pedagógica e ressignificar
a literatura da área, etc.
Sobre a natureza das comunidades, cabe destacar que toda comunidade investigativa é também uma
comunidade de aprendizagem e de prática. Mas nem toda comunidade de aprendizagem, mesmo que seja
reflexiva, é por decorrência uma comunidade investigativa. A prática reflexiva difere da prática investigativa
por esta última exigir um processo sistemático de tratamento de um fenômeno ou problema educativo.
A prática investigativa do professor, ou futuro professor, pressupõe um processo metódico de coleta e
tratamento de informações. Exige que o professor-investigador, a partir de uma determinada perspectiva
(recorte, foco ou questão investigativa), faça registros escritos, organize suas ideias, revise e analise suas
práticas, buscando e produzindo, para, assim, atingir uma melhor compreensão do trabalho docente. E,
no final desse processo, “apresente publicamente um relatório final escrito do estudo desenvolvido”
(Fiorentini; Lorenzato, 2009, p. 75).
Desse modo, investigar a própria prática é uma aprendizagem que ocorre mediante a participação em
comunidades de postura investigativa (CRECCI; FIORENTINI, 2013). Fiorentini, tomando por base a
perspectiva da teoria social da aprendizagem em comunidades de prática, desenvolvida por Lave e
Wenger, aponta que:
[...] toda aprendizagem é situada em uma prática social que acontece mediante participação ativa
em práticas de comunidades sociais e construção de identidades com essas comunidades. Os
saberes em uma comunidade de prática (CoP) são produzidos e evidenciados através de formas
compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, as quais resultam de dinâmicas de
negociação, envolvendo participação ativa e reificação de sua prática (2013, p. 157).
Nesse sentido, “a participação se baseia sempre em negociações e renegociações de significados situados
no mundo. Isso implica que o entendimento e a experiência estão em constante interação – de fato, são
mutuamente constitutivos” (Lave; Wenger, 2002, p. 168 e 169). Compreende-se, assim, a participação
como um processo pelo qual os membros de uma comunidade compartilham, discutem e negociam
significados sobre o que fazem, falam, pensam e produzem conjuntamente (Fiorentini, 2009).
Tomando por base os estudos de Wenger, Fiorentini compreende que reificação “significa tornar em coisa,
a qual não se refere apenas a objetos materiais ou concretos (textos, tarefas, materiais manipulativos).
Refere-se também a conceitos, ideias, rotinas, registros escritos e teorias que dão sentido às práticas
da comunidade” (2013, p. 157).
Tendo em vista essa perspectiva de aprendizagem situada em comunidades de prática, uma possibilidade
para pesquisar o desenvolvimento profissional e a aprendizagem docente de professores que participam de
comunidades investigativas tem sido a análise narrativa sobre a experiência de participação de professores
nesses espaços (FIORENTINI, 2013).
Dessa maneira, compreender de modo narrativo as práticas e a vida de cada professor implica narrar “os
processos de constituição de sua profissionalidade docente, destacando, em uma perspectiva diacrônica, as
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singularidades, tensões e circunstâncias ao longo de sua trajetória de vida e prática pessoal e profissional”
(Fiorentini, 2012, p. 15). De forma diversa, “a aprendizagem situada em uma comunidade pode ser
captada mediante descrição e análise dos processos de participação e reificação dos participantes nessa
comunidade” (FIORENTINI, 2013, p. 163). Nesse sentido, para investigar os processos de constituição
das(s) identidade(s) dos professores em comunidades investigativas, é necessário dar-lhes voz e vez. Uma
possibilidade para isso tem sido a análise de materiais escritos pelos próprios professores, bem como a
textualização de entrevistas e a pesquisa praticante, em que os professores tomam seu desenvolvimento
profissional e sua aprendizagem docente como eixos analíticos.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como discutimos neste texto, o termo “desenvolvimento profissional” tem sido com frequência utilizado
e apropriado com diferentes acepções pelas políticas públicas e pelos acadêmicos. Nesse sentido, André
alerta que “ao se decidir adotar o desenvolvimento profissional docente como objeto da área de formação
de professores, deve-se ter em mente sua amplitude e, portanto, assumir todas as consequências que
essa opção acarreta” (2011, p. 26).
Desse modo, observamos que cada um se apropria desse conceito de acordo com seus interesses,
concepções e conveniências. Assim, muitas práticas promotoras de DPD têm sido projetadas e
implementadas por instituições como secretarias municipais e estaduais de educação, universidades e
ONGs. A maioria dessas instituições é influenciada pelas campanhas e políticas do Ministério da Educação
(MEC) e, mais recentemente, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
– Educação Básica.
Há, também, iniciativas mais independentes de formação de grupos colaborativos ou de comunidades
investigativas locais, como mostramos neste artigo. Este é o caso dos estudos de Cochran-Smith e
Lytle (2009) e Fiorentini (2010, 2013), entre outros no Brasil, em que os professores da escola e futuros
professores desenvolvem investigações sobre suas práticas de ensinar e aprender e os pesquisadores
da universidade investigam o processo de DPD dos participantes nesse contexto. Também tentamos
discutir modos de investigação desse movimento de desprivatização das práticas, mediante participação
em comunidades investigativas.
Em relação às políticas públicas, merece destaque a iniciativa da Capes – Educação Básica, que promove
e coordena o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)5, oportunizando, assim,
uma formação profissional de futuros professores e de professores em exercício na escola básica, sob a
perspectiva do DPD. De acordo com André, programas de iniciação à docência que incluam estratégias
de apoio, acompanhamento e capacitação, podem “fazer com que os iniciantes se convençam de quão
importante é a adesão a um processo contínuo de desenvolvimento profissional” (2012, p. 116). Estes
programas e seus projetos, entretanto, necessitam de maior acompanhamento, investigação e avaliação
sobre suas possibilidades e contribuições ao DPD. Esta é uma tarefa dos centros de pesquisa em educação
e, principalmente, dos grupos de pesquisa sobre formação de professores.
Por outro lado, observa-se que ainda persistem cursos e oficinas esporádicos de formação docente,
oferecidos de tempos em tempos, muitos de curta duração, nos programas de formação continuada
induzidos ou contratados pelas secretarias de educação. Esses cursos e oficinas são, muitas vezes,
chamados equivocadamente de desenvolvimento profissional, pois, na verdade, pouco contribuem ao
DPD e à emancipação cultural e profissional dos professores, principalmente porque não abrem espaço
para os professores explorarem e problematizarem suas próprias práticas.
Enfim, como modo de resposta à pergunta título “O termo DPD representa apenas um termo guardachuva ou um novo sentido à formação?” podemos afirmar que tanto a comunidade acadêmica quanto
a comunidade profissional de professores que atuam nas escolas, precisam aprofundar o estudo e a
5
Os projetos devem promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola.
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compreensão de programas e políticas de formação docente, sobretudo, em relação aos pressupostos e
concepções formativas que os sustentam. Isso implica, de um lado, desvelar os sentidos e significados
que estão subjacentes às pesquisas, aos programas e às suas normatizações discursivas e, de outro,
mobilizar os próprios professores e formadores de professores para que projetem e desenvolvam práticas
alternativas de formação profissional que sejam capazes de realmente promover e catalisar o DPD.
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013.
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ARTIGOS
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
DA EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADES,
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Lidiane Gonzaga Chiare
Rita Buzzi Rausch
RESUMO: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo desvelar as
possibilidades e os desafios da formação continuada, observados em um Centro de Educação Infantil
pertencente à rede pública municipal de Blumenau (SC). De cunho qualitativo, a coleta de dados foi
realizada por meio da observação dos encontros de formação continuada realizados no interior da
instituição no decorrer do ano 2010, e de entrevistas realizadas com profissionais integrantes dessa
formação. Como possibilidades figuram o estudo de situações práticas decorrentes de seus contextos de
trabalho e o exercício da reflexão docente, que têm lhes permitido avaliar criticamente ações pedagógicas
já praticadas e, ao mesmo tempo, tomar decisões relacionadas às suas ações pedagógicas futuras. Em
contrapartida, os desafios que permeiam sua realização apontam para a ampliação do tempo e das
condições sob as quais a formação continuada é praticada no interior da instituição. Como perspectiva
para a superação desses desafios, destacamos a necessidade de que se assumam as responsabilidades
de todos os sujeitos envolvidos – pais, gestores e profissionais – frente a uma gestão compartilhada da
Educação Infantil, que busque a elaboração de políticas de formação eficientes, permitindo consolidar a
formação continuada de maneira integral e permanente entre as atividades desenvolvidas na instituição.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; formação continuada; Educação Infantil.
Continuing education for teachers of early childhood education:
opportunities, challenges and prospects
Abstract: This article presents the results of a research that aimed to uncover the possibilities, challenges and
perspectives in continuing education verified in a municipal public Early Childhood Center in Blumenau (SC). Data
collection was qualitative-oriented and conducted through continuing education meetings held within the institution
during the year 2010, as well as interviews with six professionals of that institution. As possibilities, the professionals
pointed out the study of practical issues arising from their work contexts, and the exercise of teacher reflection,
which have allowed them to critically evaluate educational activities already practiced, and at the same time make
decisions regarding their future educational activities. However, the challenges that permeate their achievement point
to the extension of time and conditions under which continuing education is practiced within the Early Childhood
Center. As a possible perspective to overcome those challenges, we highlight the need of taking the respoin face of
a shared management of Early Childhood Education that seeks the development of effective training policies, fully
and permanently consolidating the training activities developed by the institution.
Keywords: Teacher education; continuing education; early childhood education.
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INTRODUÇÃO
O objeto de estudo desta pesquisa volta-se à formação docente no campo da Educação Infantil. Nesse
sentido, entendemos ser importante, inicialmente, apresentar brevemente a situação dessa etapa da
educação básica no cenário brasileiro. Vinculada a um passado de práticas predominantemente assistencialistas e compensatórias, a Educação Infantil brasileira passou a se constituir como “direito da criança”
a partir da Constituição Nacional de 1988. A década de 1990 se configurou em um período de discussões
sobre esse direito, tendo como marco principal o reconhecimento da Educação Infantil como a “primeira
etapa da educação básica” na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (BRASIL, 1996).
A partir desse fato, as discussões sobre as necessidades formativas específicas para o profissional que
atua com a criança pequena vêm crescendo a cada ano. Essas discussões vão desde a formação inicial
oferecida em nível de graduação nos cursos de Pedagogia até a oferta de formação continuada para esses
profissionais, como prática a ser garantida pelas redes de ensino. Conforme preceituado no artigo 62,
inciso 1º da Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 1996), “a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em
regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério”. No Referencial para a Formação de Professores (BRASIL, 2002, p. 68), a formação
continuada é definida como
[...] necessidade intrínseca para os profissionais da educação escolar, e faz parte de um processo permanente de desenvolvimento profissional que deve ser assegurado a todos. A formação
continuada deve propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas educacionais e apoiar-se
numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de autoavaliação
que oriente a construção contínua de competências profissionais. [...] a perspectiva de formação
continuada que aqui se propõe está intimamente ligada à existência dos projetos educativos
das escolas de educação básica (de educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens
e adultos), e pode acontecer tanto no trabalho sistemático dentro do espaço da escola quanto
fora dela, mas sempre com repercussão em suas atividades. A formação continuada feita na
própria escola acontece na reflexão compartilhada com toda a equipe, nas tomadas de decisão,
na criação de grupos de estudo, na supervisão e orientação pedagógica, na assessoria de profissionais especialmente contratados, etc.
Embora a oferta de formação continuada seja um direito garantido pela legislação aos profissionais da
educação básica e esteja contemplada em documentos de âmbito nacional, o acesso e as condições
sob as quais ela é ofertada aos profissionais de Educação Infantil ainda se configuram, atualmente, como
desafios a serem superados. Kramer (2006, p. 804) aponta que:
A formação de profissionais da educação infantil – professores e gestores – é um desafio que
exige a ação conjunta das instâncias municipais, estaduais e federal. Esse desafio tem muitas
facetas, necessidades e possibilidades, e atuação, tanto na formação continuada (em serviço ou
em exercício, como se tem denominado a formação daqueles que já atuam como professores)
quanto na formação inicial no ensino médio ou superior.
Candau (2007, p. 140) também destaca que a discussão acerca da formação continuada “tem estado
presente em todos os esforços de renovação pedagógica promovidos pelos sistemas de ensino ao longo
dos tempos”. Entretanto, apesar dos esforços empreendidos para consolidar essa prática, o que se tem
observado na maioria dos projetos realizados nos diferentes sistemas de ensino e centros de formação
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de professores é a formação continuada praticada sob a perspectiva clássica (CANDAU, 2007). Quando
praticada nessa perspectiva, a formação continuada é caracterizada pela realização de atividades que enfatizam a reciclagem profissional, que consiste no ato de “refazer o ciclo, atualizar a formação recebida”
(CANDAU, 2007, p. 141). Entre as possibilidades de reciclagem figuram, de acordo com a autora, os cursos
promovidos pelas Secretarias de Educação e a participação em simpósios, congressos e encontros que
orientam, de alguma forma, o desenvolvimento profissional dos professores. A perspectiva clássica de
formação continuada está atrelada à presença dos profissionais nesses espaços, “considerados tradicionalmente como o locus do conhecimento”, e tem sido “o sistema habitual de formação continuada dos
profissionais do magistério” (CANDAU, 2007, p. 141).
No presente artigo, trazemos tais questões para a realidade do município de Blumenau (SC), no qual
realizamos nossa pesquisa. Nesse município, tem sido possível identificar, entre as práticas da rede pública municipal, a oferta de formação continuada aos profissionais que atuam na Educação Infantil. Sob
diferentes nomenclaturas e gestões públicas, a formação continuada tem sido ofertada aos profissionais
de educação infantil sob a perspectiva clássica de formação, tradicionalmente organizada no formato de
palestras, seminários e cursos. Entretanto, os resultados da pesquisa que aqui apresentamos incidem
sobre uma proposta de formação instituída recentemente nos Centros de Educação Infantil municipais,
intitulada Projeto de Formação no CEI. Essa modalidade de formação continuada vem sendo praticada no
interior dos Centros de Educação Infantil de Blumenau desde o ano 2006 e tem veiculado aos profissionais de Educação Infantil a possibilidade de formar-se a partir de seus contextos de trabalho, contribuindo
para a superação do modelo clássico de formação até então predominante entre as práticas de formação
continuada instituídas no município.
A formação continuada centrada no ambiente das escolas é uma perspectiva defendida por Nóvoa (1995).
Para o autor, “as situações que os professores são obrigados a enfrentar apresentam características únicas,
exigindo, portanto, respostas únicas” (1995, p. 27). Nesse sentido, as práticas de formação instituídas
nos espaços educativos devem tomar como referência as dimensões individuais e coletivas da profissão
docente, num movimento que compreenda o compartilhamento de experiências entre pares e a autonomia
de cada professor acerca “da responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional” (1995, p. 27).
Nóvoa aponta a necessidade de passar a formação de professores para “dentro” da profissão, tomando
como base as situações vivenciadas em contextos escolares, conferindo aos professores a oportunidade
de dialogar entre pares em sua própria instituição, na busca de soluções que venham ao encontro dos
dilemas e das experiências de cada equipe de ensino em sua realidade singular. Remetendo esse pensamento ao contexto da Educação Infantil, isso implica oferecer aos profissionais espaços de avaliação
e discussão entre as demais atividades desenvolvidas nas instituições, para que a formação aconteça
como um processo contínuo e integrado ao cotidiano, configurada não somente como necessidade, mas
como direito e premissa para a oferta de uma Educação Infantil de qualidade.
Nossa pesquisa insere-se nesse contexto. O artigo que apresentamos aqui é parte de uma pesquisa
mais ampla que resultou na dissertação de mestrado intitulada Formação continuada de professores:
desvelando a trajetória constituída no interior de um Centro de Educação Infantil de Blumenau – SC. Um
de seus objetivos foi expor as possibilidades e desafios da formação continuada, constituída e praticada
no interior do “CEI Movimento”, nome criado pelas pesquisadoras no intuito de preservar a identidade da
instituição. E é exatamente a produção voltada a esse objetivo que será relatada neste artigo. Apresentamos
a seguir os caminhos metodológicos percorridos para a realização dessa investigação e, na sequência, a
análise dos dados, que foi organizada em três categorias: o investimento no estudo de situações práticas;
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o exercício da reflexão docente; e os desafios frente ao tempo e à organização da formação. Ao final,
pontuamos, a partir dos resultados, perspectivas para a formação continuada dos profissionais que atuam
na Educação Infantil.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
A abordagem desta pesquisa é de caráter qualitativo. Esse tipo de pesquisa, conforme destacam Bogdan
e Biklen (1994, p. 47-51), caracteriza-se quanto
[...] à fonte dos dados, que na pesquisa qualitativa é o ambiente natural onde acontecem as
atividades educativas; ao caráter descritivo da investigação; ao interesse do investigador pelo
processo, não simplesmente pelos resultados ou produtos; pela tendência a uma análise indutiva
dos dados; pela importância vital do significado.
Tal modelo metodológico de investigação adotado nesta pesquisa possibilitou a compreensão mais
abrangente dos fenômenos educacionais observados no contexto real do CEI, e permitiu que nos preocupássemos mais com o processo que com o produto da investigação, e que ficássemos atentos aos
seus significados.
O campo de investigação foi um Centro de Educação Infantil (CEI) definido pela Secretaria Municipal de
Educação como uma instituição com movimentos formativos de vanguarda constituídos em seu interior.
Em conversa com a direção do referido centro, constatamos que, no ano 2010, o Projeto de Formação no
CEI foi programado no calendário da instituição para acontecer bimestralmente entre os meses de abril
e novembro, perfazendo a carga horária total de 20 horas, dividida em cinco encontros de quatro horas.
Embora o projeto fosse uma atividade orientada pela Secretaria Municipal de Educação, cabia a cada CEI
a elaboração de seu calendário, com autonomia para a escolha dos temas e da modalidade de formação
que seria adotada em cada encontro. A seguir apresentamos o cronograma, cujos temas foram selecionados pela instituição para serem refletidos nos encontros de formação no CEI Movimento no ano de 2010:
QUADRO 1 – CRONOGRAMA DOS ENCONTROS DE FORMAÇÃO NO CEI MOVIMENTO
Encontros
Datas
Temas
1º
11/05/10
Conhecendo novos espaços – visita ao CEI “W”
2º
08/06/10
Um encontro com a música
3º
17/08/10
Indissociabilidade entre o educar e o cuidar
4º
05/10/10
Conhecendo novos espaços – visita ao CEI “Y”
5º
23/11/11
Reflexão, avaliação, ressignificação do Projeto de Formação
no CEI
FONTE: Informações coletadas junto à Direção do CEI Movimento.
Como o fechamento da instituição para a realização de encontros de formação não é autorizado pela
Secretaria Municipal de Educação, os encontros foram organizados no sistema de revezamento, ocorrendo
simultaneamente ao atendimento das crianças matriculadas. Por esse motivo, a equipe de profissionais
foi organizada em dois grupos e os encontros de formação foram ofertados em períodos alternados.
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Fomos autorizadas pela instituição a participar dos cinco encontros de formação do período vespertino
planejados para 2010, dos quais participaram dez profissionais do CEI.
Além da observação, realizamos entrevistas semiestruturadas com seis profissionais do CEI, com o intuito
“de obter dados comparáveis entre os vários sujeitos” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 135). Convidamos as
seis profissionais que possuíam mais tempo de carreira na referida instituição. Tal escolha se deu pelo fato
de entendermos que essas profissionais poderiam nos fornecer informações sobre a trajetória de formação constituída no local. Apresentamos a seguir alguns dados referentes às profissionais entrevistadas:
QUADRO 2 – INFORMAÇÕES SOBRE OS SUJEITOS ENTREVISTADOS
Sujeito
Função
Anos de serviço
Anos de serviço no
na Educação
Centro de Educação
Infantil
Infantil Movimento
6
3
Formação Acadêmica
Graduação em Pedagogia e
S1
Educadora
S2
Educadora
Graduação em Pedagogia
18
16
S3
Educadora
Graduação em Pedagogia
13
13
S4
Educadora
Graduação em Pedagogia
16
14
S5
Educadora
Graduação em Pedagogia
12
12
20
15
Especialização em Artes
Graduação em Educação Física,
S6
Diretora
Especialização em Gestão,
Orientação e Supervisão Escolar
Fonte: Dados da pesquisa.
Consideramos relevante destacar que, embora todos os profissionais entrevistados sejam do sexo feminino, a designação do termo “sujeitos” para nominá-los foi adotada como procedimento para preservação
de suas identidades, aspecto que foi solicitado por eles no ato das entrevistas.
Apresentamos a seguir a análise do estudo, organizada em categorias definidas a posteriori, a partir das
recorrências nos dizeres das profissionais entrevistadas, bem como nos registros das observações dos
encontros de formação. Os dados foram organizados em três categorias: o investimento no estudo de situações práticas; o exercício da reflexão docente; e os desafios frente ao tempo e à organização da formação.
O INVESTIMENTO NO ESTUDO DE SITUAÇÕES PRÁTICAS
Compreendemos que a formação continuada adquire maior sentido quando possibilita a interlocução,
entre os profissionais que dela participam, de saberes manifestados por meio da interação dialogada
acerca de situações enfrentadas por eles no cotidiano. De acordo com Nóvoa (2009), as respostas para
as situações práticas que os professores vivenciam podem ser encontradas mediante a articulação de
conhecimentos teóricos com os saberes adquiridos por eles através do exercício da profissão. Nessa
perspectiva, a formação continuada deve ser o espaço favorável para esse exercício.
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A relevância dessa questão pode ser observada ao nos voltarmos para o nosso contexto de pesquisa. No ato
das entrevistas que realizamos com seis sujeitos, dois se manifestaram sobre o estudo de situações práticas
como possibilidade a ser contemplada na formação atualmente praticada no interior do CEI Movimento:
“Eu penso que o importante da formação é trazer pessoas que conheçam a realidade, que falem
de algumas situações da sala, pois é interessante pra poder trocar com a gente uma experiência. Porque se a pessoa vai lá na frente e fala e a gente só escuta, se ela não relaciona com a
realidade do dia a dia, da prática, não fica tão interessante.” (S1)
“Eu gosto da formação quando ela... é lógico, que a teoria e a prática, elas andam juntas, e
eu gosto assim, quando fala da teoria, mas sempre demonstrando como se reflete na prática.
Porque assim se discute mais. Porque, às vezes, tu vais nas formações por aí, e o palestrante
tá lá, falando, falando... e tu tens que só ficar ouvindo. Então, isso pra mim, não. Eu acho que na
formação aqui dentro tu tens que poder falar junto, dar a tua opinião, ouvir é claro, mas também
falar da tua prática. Pra mim é isso.” (S4)
Entre os aspectos mais significativos da formação constituída no interior do CEI Movimento, S1 destacou
em seus dizeres que a possibilidade de abordar as situações práticas vivenciadas pelos profissionais no
cotidiano como conteúdo a ser tratado na formação contribui para que ela se torne mais significativa. A
valorização das situações práticas foi enfatizada também nos dizeres de S4, ao mencionar que a teoria deve
ser vinculada, no ato da formação, às demandas que emergem a partir das vivências dos docentes. Sobre
essa questão, Nóvoa (2009) postula que o estudo de casos concretos, embora derive, essencialmente, das
práticas docentes, deve ser resolvido por meio de análises que mobilizem, também, conhecimentos teóricos.
Assim, compreendemos que investir no estudo de situações práticas nos processos formativos não diz
respeito apenas a “adotar derivas praticistas, nem de acolher tendências anti-intelectuais na formação
de professores” (NÓVOA, 2009, p. 30), desinvestindo o saber teórico; trata-se de articular esses saberes.
Por meio da formação, precisamos que se originem conhecimentos pertinentes “que não sejam mera
aplicação prática de qualquer teoria” (NÓVOA, 2009, p. 32), mas sim saberes construídos por meio de
esforços coletivos de reelaboração, dos quais os professores participem ativamente.
A participação ativa dos professores nos momentos de formação foi outro aspecto que se destacou entre
os dizeres de S1 e S4. Esses sujeitos enfatizaram a possibilidade de interação como um aspecto positivo e
que agrega significado à formação, permitindo aos participantes mobilizar saberes adquiridos ao longo do
exercício da profissão por meio de interlocuções com seus pares e com o próprio formador. Seus dizeres
sinalizaram, ainda, uma crítica a modelos de formação em que os participantes assumem a condição de
meros receptores de conteúdos transmitidos por um único sujeito. Destacamos, então, a perspectiva
de Imbernón (2011), quando, ao levantar discussões em torno dos formadores de professores, refere-se
a esses sujeitos como “assessores de formação”, cujo papel é promover intervenções de acordo com
as demandas reveladas pelos docentes a partir dos contextos em que trabalham, envolvendo-os em um
processo de reflexão na ação. Nessa perspectiva, cabe aos formadores
[...] o papel de guia e mediador entre iguais, o de amigo crítico que não prescreve soluções
gerais para todos, mas ajuda a encontrá-las dando pistas para transpor obstáculos pessoais e
institucionais, e para ajudar a gerar um conhecimento compartilhado mediante uma reflexão
crítica (IMBERNÓN, 2011, p. 94).
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Por meio de nossa inserção nos encontros de formação continuada decorrentes do Projeto de Formação
no CEI, desenvolvido no CEI Movimento no ano de 2010, presenciamos momentos em que os profissionais participantes dos encontros de formação tiveram a oportunidade de movimentar experiências e os
saberes adquiridos em suas trajetórias pessoais e profissionais, alcançando reflexões que movimentaram
o coletivo docente. Observamos, também, situações em que os participantes se expressaram em relação
aos seus fazeres, levantando questionamentos e partilhando situações com diferentes interlocutores –
formadores, os próprios colegas de trabalho e profissionais de outras instituições. Em seus dizeres, S5
comentou a participação dos profissionais do CEI Movimento nos momentos de formação:
“Assim, tem coisas na formação que a gente se identifica mais, como por exemplo, na formação
de música que a gente teve. Ela [a palestrante] interagia o tempo todo. Por que quando não é
assim, quando é só com slides, tudo passando no slide e não interagindo com o grupo, é muito
cansativo. Agora, normalmente, as formações que são aqui dentro do CEI, geralmente as pessoas
vêm e interagem, nós participamos, nós contribuímos pra formação com a nossa experiência,
que veio da nossa prática, e elas passam a experiência da prática delas pra gente. Há essa troca, isso é muito rico, eu acho... essa troca de experiências das práticas que cada um traz.” (S5)
Os dizeres desse sujeito também reforçam a importância da interação nos momentos de formação, destacando ainda a possibilidade de partilhar as experiências adquiridas por meio da prática docente, aspectos
que se aproximam dos dizeres de S1 e S4 destacados anteriormente. De acordo com Tardif (2011), os
saberes docentes adquiridos por meio da experiência, que se originam da prática e do confronto com as
condições encontradas no exercício da profissão, não representam certezas acumuladas individualmente
ao longo da carreira docente, mas sim saberes que se objetivam quando partilhados pelos professores
nas relações com seus pares. Nessas situações, o docente “não é apenas um prático, mas também um
formador” (TARDIF, 2011, p. 52), na medida em que seus saberes experienciais se transformam em um
“discurso da experiência capaz de informar ou formar outros docentes, e de fornecer uma resposta aos
seus problemas” (TARDIF, 2011, p. 52). Os dizeres dos sujeitos coadunam com as proposições de Tardif
acerca dos saberes experienciais constituídos por meio da prática docente, que, quando manifestados
pelos professores na relação com seus pares, expandem-se, contribuindo para a formação de todos os
sujeitos envolvidos. Portanto, inferimos que o estudo de situações práticas, quando examinadas pelo viés
da experiência concreta dos professores nos momentos de formação, contribui significativamente para
os processos de formação individual e de coletivo docente envolvido nessa atividade.
O EXERCÍCIO DA REFLEXÃO DOCENTE
Favorecer o processo de reflexão docente é um dos objetivos a se alcançar por meio da formação continuada. De acordo com García (1995), mobilizar o conceito de reflexão na formação de professores implica
criar condições de cooperação entre esses profissionais, no intuito de facilitar a aplicação de modelos e
estratégias reflexivas que incentivem o pensamento docente nos níveis individual e coletivo. Remetendo
esse aspecto a esta pesquisa, a possibilidade de exercitar a reflexão sobre a prática docente por meio
dos encontros decorrentes do Projeto de Formação no CEI foi um item destacado nos dizeres de dois
entre os seis sujeitos que entrevistamos.
“A formação é bom aqui no CEI, assim, porque a gente para um pouquinho pra pensar, refletir
sabe... eu faço a formação, saio pensando daqui... daí quando eu estou em casa, eu penso
assim... até nas palavras, nas palavras que eu falei durante o dia, no jeito que eu trabalhei com
as crianças... eu chego a pensar nisso né, pra ver assim o que eu posso fazer, melhorar...” (S2)
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“Enquanto tá na formação, você já tá pensando: eu faço isso? Como eu tô fazendo isso? Podia
ser diferente... Depois você volta pra sala, olha ao redor e pensa que pode fazer assim, ou
assado... pensa no que o palestrante disse, no que as colegas falaram, e no que você também
falou. No fim você acaba pensando bastante, e às vezes isso muda o jeito como você faz o seu
trabalho.” (S5)
Para esses dois sujeitos, a reflexão desencadeada por meio da participação nos encontros de formação
continuada decorrentes do Projeto de Formação no CEI resultou em momentos de autoavaliação sobre
o seu desempenho profissional, ou seja, esses profissionais avaliam criticamente ações pedagógicas já
praticadas e, ao mesmo tempo, tomam decisões relacionadas às suas ações pedagógicas futuras. Ao
tratar dos processos reflexivos pelos quais passam os professores, Wels e Louden (1989 apud GARCÍA,
1995) identificaram quatro formas de reflexão, a saber: a introspecção, que diz respeito a uma reflexão que
ocorre de maneira interiorizada e pessoal, por meio da qual o professor reconsidera seus pensamentos
e sentimentos em uma perspectiva mais distanciada de suas atividades cotidianas; o exame, que caracteriza uma forma de reflexão mais próxima da ação do professor, visto que implica uma referência acerca
de acontecimentos ou ações ocorridos no passado ou que possam ocorrer no futuro; a indagação, que
possibilita aos professores a análise de suas práticas e a identificação de estratégias para melhorá-las,
introduzindo um compromisso com a mudança e o aperfeiçoamento de seu fazer pedagógico; e a espontaneidade, que diz respeito à reflexão praticada pelo professor durante o ato pedagógico e que lhe permite
tomar decisões e redirecionar o curso das ações pedagógicas em seu decorrer, ou seja, no momento da
aula. Com base nessa teoria, podemos afirmar que os dizeres de S2 e S5 revelaram aproximações com os
processos de exame e indagação propostos por Wels e Louden (1989 apud GARCÍA, 1995). As reflexões
alcançadas por esses sujeitos durante e após a formação os levaram a considerar ideias de adequações
e mudanças a serem implementadas em suas práticas docentes por meio de avaliações de situações
passadas e considerações sobre ações a serem praticadas no futuro.
As observações decorrentes de nossa inserção nos encontros de formação continuada nos permitiram
identificar momentos em que a reflexão se fez presente entre os participantes da formação. Os dizeres
de S3 elucidam um desses momentos:
“Assim: aqui dentro na nossa formação a gente foi fazer as visitas a outros CEIs, e visitando a
outros CEIs, outras realidades, outros momentos... a gente para e pensa que tem muitos que
fazem o que a gente já faz. E, às vezes, faz até a gente pensar no que podemos corrigir. Nessa
hora tu para e dá uma pensadinha. Como a poluição visual, por exemplo, será que eu não tenho
que rever a minha sala? Por que de repente também pode estar assim. Eu não consigo ver
porque eu tô vivendo aqui dentro, e eu não consigo ver isso, aí se tu olhas lá fora, te faz pensar
e daí tu te toca: ‘Meu, que poluição visual’. Ou de repente tu chegas num local e a sala tá tudo
muito vazia, e tu já pensas: será que a minha sala lá também não tá assim? Isso... Isso é uma
das coisas que eu vejo, que faz pensar.” (S3)
Os dizeres desse sujeito fazem referência a uma atividade realizada no contexto do Projeto de Formação
no CEI, realizado no CEI Movimento no ano 2010, que consistiu na realização de visitas a outras duas
instituições de Educação Infantil pertencentes à rede municipal de ensino. De acordo com seus dizeres,
as observações efetuadas nas visitas a outros CEIs configuraram um significativo momento de reflexão.
O exercício de transitar por diferentes contextos de trabalho permitiu que os profissionais levantassem
considerações sobre as situações observadas naqueles espaços, tecendo relações entre elas e seus próprios contextos de atuação. Tais reflexões possibilitaram avaliar, além dos aspectos relativos à organização
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e aproveitamento de ambientes, estratégias e ações pedagógicas que viessem a contribuir para as práticas
dos docentes do CEI Movimento.
Além dos aspectos que observamos por meio de nossas visitas aos CEIs, a presença nos outros encontros
do Projeto de Formação no CEI também nos permitiu identificar a existência de atitudes reflexivas dos
profissionais participantes em relação aos temas abordados nos encontros. As reflexões foram possíveis
devido ao fato de acontecerem interlocuções estabelecidas entre cada profissional com os formadores e
os demais participantes dos encontros. Essas interlocuções permitiram que os profissionais, ao passo em
que partilhavam suas experiências ou expunham seus questionamentos, refletissem sobre seus fazeres.
Nesse sentido, mencionamos Alarcão (1996, p. 182), quando, ao tratar dos processos de reflexão pelos
quais passam os professores, menciona que,
[...] após a descrição do que penso e faço me será possível encontrar as razões para meus
conceitos e para minha actuação, isto é, interpretar e abrir-me ao pensamento e à experiência
dos outros para, no confronto com eles e comigo próprio, ver como altero – e se altero – a
minha práxis docente.
Os dizeres da autora reforçam a perspectiva de uma reflexão que se efetiva a partir de diálogos estabelecidos entre os sujeitos e seus pares. Ao falar sobre sua prática, os profissionais estão, simultaneamente,
examinando-a, processo que pode favorecer o desencadeamento de novos posicionamentos e decisões
que venham qualificar a atuação docente. Os encontros de formação que presenciamos favoreceram
esse exercício para os profissionais que dele participaram, e por isso inferimos que o exercício da reflexão docente tem figurado entre as possibilidades da formação continuada desenvolvida no interior do
CEI Movimento.
OS DESAFIOS FRENTE AO TEMPO E À ORGANIZAÇÃO DA FORMAÇÃO
Além das possibilidades apresentadas, compreendemos que a formação continuada praticada no interior
do CEI Movimento também contempla desafios que incidem sobre sua realização. As implicações dos
fatores tempo e organização destinados à realização dos encontros de formação foram aspectos evidenciados nos dizeres de cinco entre os seis sujeitos que entrevistamos. Iniciamos as análises destacando
os dizeres de S1 e S2:
“Pra acontecer a formação, eu acho que o maior desafio é essa questão do tempo, sabe. De ter
que sair da sala e deixar a tua parceira sozinha, acho que esse é o maior desafio de fazer essa
formação. É assim, talvez se fosse de outro jeito, se pudesse, a gente renderia mais, aproveitaria mais as coisas, porque daí a gente tá na sala, tá cansada, fica um período sozinha, daí de
tarde vai pra formação ou ao contrário. Isso é um pouco complicado assim, principalmente na
turma dos pequenos.” (S1)
“Desafio? Deixa-me ver... Será que é o tempo pra se organizar com o grupo? O tempo de ficar com
as crianças sozinhas pra outra colega participar, é isso? Por que isso é, assim, um desafio.” (S2)
Os dizeres desses sujeitos revelaram aproximações com a questão do tempo, que, em ambos os casos,
foi apontado como um desafio para que a formação acontecesse no interior do CEI Movimento. Essa
condição está associada ao fato de que os encontros de formação nessa instituição acontecem em horários simultâneos ao atendimento às crianças. Por esse motivo, essa atividade ocasiona a necessidade de
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uma organização diferenciada de rotinas, horários e ajustes na própria dinâmica de trabalho dos profissionais, que se revezam, nos períodos matutino e vespertino, entre a participação nos referidos encontros
e o atendimento às crianças em seus respectivos locais de trabalho. Essa organização diferenciada das
atividades no interior da instituição gera consequências para o atendimento às crianças, situação que
também foi comentada por S3, S4 e S5:
“Então, organizar tudo é um desafio. Por alguns momentos, eu acho muito rico, por outros
momentos, eu acho que peca. Por que a gente diz que o foco principal é a criança; em muitos
momentos, a gente acaba deixando as crianças de lado. Porque assim, ó, esse ano: quando a
gente vem fazer a formação, acabam essas crianças ficando com uma pessoa... se há necessidade de trabalhar em 3 pessoas pelo grande grupo, naquele momento uma só fica com essas
crianças... não só na formação aqui dentro, como também na formação fora... então, assim, eu
sou a favor da formação, mas sou contra isso.” (S3)
“Desafio... dificuldade? Dificuldade é o tempo, são as salas, a nossa dificuldade é que tu tens
que sair das salas. As vezes a sala tá cheia, né, as vezes a outra fica sozinha, então isso é uma
coisa que mexe com a gente, né... tu tá ali na formação, pensando lá na sala... sei lá, não é a
mesma coisa.” (S4)
“Como eu tô trabalhando no Maternal I este ano, nós damos conta até de ficar sozinha na hora
da formação e fazer tudo. É complicado dar alimentação? É, mas eu penso muito no Berçário.
No Berçário, era necessário que tivesse um curinga [profissional substituta] pra estar auxiliando
quando temos formação. Eu acho assim, que organizar isso que é o ponto mais complicado,
mas formação é bom, então sempre tem que estar dando um jeitinho ou outro pra resolver
isso também.” (S5)
Os dizeres desses três sujeitos revelam que a prática de revezamento entre os profissionais tem representado uma fonte de angústia em relação às condições do atendimento prestado às crianças. Isso acontece porque, nos dias e horários programados para a realização dos encontros de formação decorrentes
do Projeto de Formação no CEI, apenas um profissional permanece na sala de aula, enquanto outro se
ausenta para participar da atividade programada.
Essa condição parece gerar certa inquietação para ambos os profissionais envolvidos: para o profissional que permanece em sala, dobram as responsabilidades em relação às demandas de atendimento às
crianças, e o profissional que vai à formação, carrega consigo a sensação de dívida com as crianças e
seus respectivos colegas de trabalho.
Por meio das observações, tivemos a oportunidade de presenciar essa condição. Nos cinco encontros
dos quais participamos houve revezamento entre profissionais para que se pudesse realizar a formação:
enquanto um profissional permanecia atendendo as crianças em sala, o outro se dirigia para a formação.
O revezamento interferiu, também, no aproveitamento do tempo destinado aos encontros de formação,
pois apesar de estarem previstas quatro horas de duração, três entre os cinco encontros de formação
foram realizados no período de duas horas, devido às demandas referentes ao atendimento às crianças.
Nos encontros em que foram realizadas as visitas a outras duas instituições de Educação Infantil – que,
originalmente, incluíam um momento para socialização das observações efetuadas no ato das visitas –,
elas não foram concluídas porque havia dificuldades quanto à organização de datas para envolver toda a
equipe em novos revezamentos, os quais seriam necessários para a conclusão do processo.
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De acordo com as diretrizes do Projeto de Formação no CEI (BLUMENAU, 2009), o fechamento da instituição e a dispensa de crianças são ações não autorizadas pela Secretaria Municipal de Educação de
Blumenau (SC). Assim, compreendemos que as alternativas para sua realização seriam duas: permanecer
sendo praticado simultaneamente ao horário de atendimento da instituição, mediante o esquema de
revezamento já mencionado; ou ser realizado no período noturno, mediante a adesão espontânea dos
profissionais envolvidos. Acerca dessa segunda possibilidade, destacamos os dizeres de S2, S3 e S5:
“Formação tem que ficar dentro do horário de serviço, porque é complicado fora. Porque daí
envolve a família, né, então à noite eu dou prioridade para a família. Eu levei pra casa o livro da
resolução e... Eu não li! Por que à noite é mesmo complicado.” (S2)
“Porque assim, ó... hoje os meus filhos são mais velhos, mas se a gente fizesse essa formação à noite, eu teria que deixar a minha família também de lado, os meus filhos, pra estar aqui
fazendo essa formação. Querendo ou não, a gente perde um pouco com isso. Porque são os
nossos filhos, também... eles também precisam, eles também têm prioridade com a gente. Se
tu vir à noite, que também não deixaria de ser uma ideia, a gente perde com os filhos da gente
em casa. Ficar assim é melhor.” (S3)
“Mas assim, à noite é complicado. A formação é interessante pra gente? É. É necessária? É.
Mas só que no meu ponto de vista todo mundo tem família, todo mundo tem seus afazeres.
Você trabalha 8 horas aqui dentro, na verdade a gente passa a maior parte do tempo da nossa
vida aqui dentro. Sai e a gente também tem filho, tem marido, tem outras coisas extras, alguns
estudam, outros fazem curso, todos têm uma programação. E ainda passar mais 4 horas à noite
é complicado. A gente viria e tudo, mas se todas as formações fossem à noite seria puxado,
então eu acho melhor deixar assim como está.” (S5)
A possibilidade de realizar os encontros de formação decorrentes do Projeto de Formação no CEI no
período noturno foi mencionada por esses sujeitos como uma alternativa inviável, pois isso conflitaria
com interesses de cunho pessoal, relacionados a outras situações de estudos, cursos e, em especial,
questões familiares. Reunir-se para realizar as atividades de formação continuada no período noturno parece ser compreendida, por esses profissionais, como uma justaposição a outros compromissos diante
dos quais também se tem responsabilidades. Seus dizeres revelaram uma nova questão em torno da
formação constituída no interior do CEI Movimento, especialmente no que concerne aos critérios de
participação manifestados por esses profissionais. Embora a formação seja uma atividade reconhecida
como significativa e necessária, o critério adotado por esses sujeitos para aderir ou não aos encontros se
encontra vinculado a uma condição específica, relativa ao horário em que esses são realizados. Mesmo
existindo dificuldades no que concerne à organização da formação no horário simultâneo ao atendimento às crianças, seus dizeres sinalizaram o interesse de que ela permaneça concentrada nesse período,
evitando, assim, que os profissionais disponibilizem horários alternativos para participar dessa atividade.
Pudemos identificar, em seus dizeres, outro desafio referente à formação continuada constituída no
interior da instituição analisada, que se refere ao comprometimento de cada profissional frente ao seu
desenvolvimento profissional contínuo. De acordo com Nóvoa (2002), estar em formação compreende
um processo a ser assumido pelos docentes como um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo
de cada indivíduo em relação aos seus próprios percursos formativos. Remetendo essas ideias ao nosso
contexto de pesquisa, isso implica que os profissionais empreguem esforços individuais convergentes
à realização dos encontros de formação continuada, o que demanda a disponibilização de tempo frente
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à realização das atividades formativas. Inferimos que as manifestações dos esforços individuais de cada
docente em relação à formação continuada poderiam consolidar ações que, ao serem praticadas, melhorariam o aproveitamento dessa atividade. O estabelecimento de um acordo entre os profissionais da
instituição para o agendamento dos encontros de formação no período noturno seria, em nossa compreensão, uma perspectiva possível para concretizar esse objetivo.
Dois sujeitos entrevistados manifestaram outras perspectivas para a realização dos encontros de formação
no interior do CEI Movimento:
“Sobre a formação, eu acho que seria bom assim: de repente essa questão de estar repensando
horários ou uma outra forma. Eu sei que tem que ser dentro do nosso período de trabalho, mas
de repente, dispensar as crianças um dia, ou um período, e fazer mais horas, porque às vezes
a formação é tão boa, tão legal, mas é, tipo... pouco tempo... aí tu quer ficar mais, tem mais
meia hora e é meio apertadinho, às vezes têm temas que levaria... nossa... levaria mais tempo
pra gente aprender.” (S1)
“Olha, pra formação, eu sugeria de voltar ao esquema de como eram as nossas Paradas
Pedagógicas. Porque daí nós teríamos de novo dias pra formação que não são com as crianças,
que daí nós viríamos no CEI só pra isso. Só pra fazer formação.” (S4)
Em seus dizeres, S1 e S4 sugeriram a revisão do modelo do Projeto de Formação no CEI praticado atualmente: a primeira sugestão apontou para a dispensa das crianças e, consequentemente, a ampliação
das horas destinadas aos encontros de formação; a segunda fez menção a uma modalidade de formação
praticada no interior da instituição no passado, intitulada Parada Pedagógica. Tal modalidade consistia no
fechamento da instituição em dias regulares letivos quatro vezes ao ano, permitindo que os profissionais
se reunissem para momentos de formação e estudo no espaço do próprio CEI. Assim, de acordo com
ambos os dizeres, a proposta compreendida como mais adequada implica o fechamento da instituição e a
consequente dispensa das crianças nos períodos que seriam destinados exclusivamente para a formação.
Essa perspectiva compreende um novo elemento passível de discussão, relacionado ao impacto que essas
modificações trariam para as famílias atendidas pelos serviços educacionais prestados pela instituição.
De acordo com Kramer (2005), entre os diversos benefícios trazidos pela Educação Infantil à criança figuram
questões relacionadas à melhoria das condições econômicas das famílias. Ao atender as demandas de
educação e cuidado das crianças de 0 a 5 anos, a Educação Infantil contribui para a inserção das mulheres no mercado de trabalho, trazendo, como consequência, o aumento da renda familiar, o que por sua
vez, impacta na melhoria da qualidade de vida das crianças. Essa condição impõe à Educação Infantil um
caráter de serviço essencial, visto que grande parte das famílias depende, exclusivamente, da garantia do
atendimento nas instituições para poder trabalhar. Esse fator implica também a minimização de interrupções no atendimento prestado às famílias no decorrer do ano letivo. Dessa forma, compreendemos que
o fechamento das instituições de Educação Infantil com a finalidade exclusiva de realizar os encontros
de formação continuada é uma perspectiva que requer uma avaliação criteriosa das necessidades das
famílias atendidas nesses espaços, envolvendo diferentes instâncias: os profissionais, as famílias e as
secretarias responsáveis por essas instituições. No ato das entrevistas, esse fato foi mencionado por S6:
“Pra fazer a formação seria muito bom poder fechar o CEI, mas isso não depende só da nossa
vontade. Precisaria que a secretaria autorizasse, né, pra que daí então a gente organizasse direitinho, falasse com a comunidade, pra eles se organizarem, como a gente já fazia no passado.
Seria toda uma mudança de proposta, que levaria tempo pra modificar.” (S6)
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Em seus dizeres, S6 destacou os procedimentos que seriam necessários para efetuar modificações no
atendimento, garantindo o fechamento da instituição para realizar os encontros de formação. Em primeira
instância, as mudanças dependeriam dos encaminhamentos dados pela Secretaria Municipal de Educação,
mantenedora dos CEIs e responsável por autorizar ou vetar a proposta; a seguir, dependeriam da ação
dos profissionais do CEI Movimento, a quem caberia a conscientização das famílias e a obtenção do seu
consentimento para efetivar o fechamento da instituição; e, por fim, da ação das famílias, no sentido de
buscar meios alternativos para suprir suas necessidades de atendimento nos períodos determinados
para o fechamento. Essas ações representam perspectivas possíveis para que se estabeleçam propostas
de formação continuada que ampliem a possibilidade de tempo destinado para estudos e que atendam
satisfatoriamente às necessidades formativas dos profissionais de Educação Infantil, sem causar prejuízo
no atendimento às famílias. Entretanto, o acesso a tais possibilidades vem caracterizado por outro desafio
contemporâneo: a constituição de uma política de gestão pública para a Educação Infantil. Sobre essa
questão, destacamos a seguinte reflexão proposta por Kramer (2007, p. 452-453):
Se perguntarmos a uma criança pequena o que ela acha que quer dizer a palavra “gestão”,
provavelmente ela nos dirá que gestão quer dizer “gesto grande”. E provavelmente os adultos
que escutarem isso vão rir dela. Mas pensando bem, a gestão tem a ver exatamente com isso:
com os gestos grandes que somos capazes de fazer [...]. Refletindo sobre essas questões,
assumimos uma posição e dizemos sim a objetivos, valores e à clara responsabilidade social. É
nosso entendimento que o principal papel que desempenhamos como professores, professoras
e como gestores de políticas e ações públicas – não só na educação infantil, mas em todos os
setores – é um papel de humanização comprometido com a ética e com valores humanos que
contribuem para a educação de crianças, jovens e adultos [...]. Esses temas são mais fáceis
de estudar e discutir do que de praticar. Mas trazem possibilidades muito interessantes para o
trabalho nas creches, pré-escolas e escolas. Enfrentá-los pode contribuir para uma gestão, de
fato pública, com as crianças, os jovens, as famílias e com os adultos, professores e demais
profissionais, homens e mulheres que merecem também um tempo e um espaço para pensar
na sua própria história e em modos de alterá-la.
As reflexões propostas pela autora apontam para uma perspectiva de gestão pública da Educação Infantil
que se constitui por meio do sentido de responsabilidade social a ser partilhado entre os diferentes agentes
que atuam nesse cenário. Professores, pais e gestores das redes de ensino constituem-se como sujeitos
ativos de um processo de gestão que se edifica a partir de esforços conjuntos, a serem aplicados na luta
por uma educação democrática e comprometida com o desenvolvimento integral das crianças atendidas
nas escolas e instituições de Educação Infantil. Compreender que a gestão da educação passa por um
olhar atento aos seus diferentes processos, entre os quais a formação continuada, deve ocupar espaços
significativos de discussão. Assim, a ampliação das condições de oferta e do direito de acesso à formação
continuada – bem como a garantia de sua prática a partir de perspectiva contínua e contextualizada –, figura
como aspecto presente nos discursos de gestores, professores, pais e pesquisadores em educação. A
gestão da formação continuada pode ser assumida mediante uma perspectiva compartilhada, articulando
políticas, interesses, vozes e necessidades manifestadas por todos os seus agentes, em prol da promoção de uma Educação Infantil pública de qualidade para as crianças de 0 a 5 anos e do desenvolvimento
contínuo de seus profissionais.
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REFLEXÕES FINAIS
Os resultados obtidos por esta pesquisa se desdobraram entre possibilidades e desafios da formação continuada no interior do CEI Movimento e praticada por meio do Projeto de Formação no CEI.
Compreendemos que este projeto é uma atividade de formação que tem possibilitado aos profissionais o
estudo de situações práticas decorrentes de seus contextos de trabalho. O exercício da reflexão docente
tem permitido aos profissionais avaliar criticamente ações pedagógicas já praticadas e, ao mesmo tempo,
tomar decisões relacionadas às suas ações pedagógicas futuras.
Em contrapartida, os desafios que permeiam sua realização apontam para a ampliação do tempo e das
condições sob as quais a formação continuada é praticada no CEI Movimento. Como perspectiva possível para a superação desses desafios, figura a necessidade de que se assumam as responsabilidades
de todos os sujeitos envolvidos – pais, gestores e profissionais – frente a uma gestão compartilhada da
Educação Infantil que busque a elaboração de políticas de formação eficientes, que permitam consolidar
a formação continuada de maneira integral e permanente entre as atividades desenvolvidas na instituição.
De acordo com Kramer (2005), a vontade política destinada à elaboração de propostas de formação continuada eficientes está relacionada às concepções de formação, de educação, de criança, de infância e
de Educação Infantil que norteiam as propostas das redes municipais de ensino e, consequentemente,
influenciam as práticas de seus profissionais. Contudo, observa-se que as mudanças na gestão pública
dos municípios fazem com que haja modificações nas concepções de Educação Infantil e formação que
norteiam o trabalho das redes de ensino, visto que a cada administração são ignorados os projetos e as
conquistas da gestão anterior.
A superação desse modelo visa constituir um movimento no qual “os interesses individuais não se sobreponham ao plano coletivo, visto que a história se constrói por sujeitos coletivos, que dialogam com
aqueles que o antecederam” (KRAMER, 2005, p. 120). A superação da descontinuidade de propostas é um
processo que envolve não somente os gestores, mas evoca o engajamento dos profissionais que atuam
nas instituições de Educação Infantil. “[...] avanços e retomadas fazem parte do processo de formação e
demandam enfrentamentos e atuam como geradores de crises, exigindo posicionamentos específicos”
(GROSCH; SILVA, 2010, p. 61). A clareza de objetivos frente às concepções de educação e de Educação
Infantil que se deseja promover é uma ferramenta emancipadora, que apropria gestores, pais e profissionais
de conhecimento em torno das finalidades e necessidades inerentes ao trabalho educativo nessa etapa
de ensino. É preciso formá-los para o enfrentamento dos desafios que ainda se impõem não somente
à formação continuada, mas à conquista de uma Educação Infantil pública que caminhe continuamente
para a qualificação de seus fazeres e do atendimento das crianças em todas as instituições.
Em suma, como perspectiva possível para a superação dos desafios da formação de professores da
Educação Infantil, destacamos a implementação de esforços conjuntos entre secretarias, pais e profissionais no sentido de articular propostas de formação ancoradas na perspectiva de uma gestão pública
de educação orientada para a qualificação dos profissionais. Para isso, é importante que sejam superadas
as descontinuidades que se instauram entre os projetos das diferentes gestões municipais e que seja
garantida a execução de propostas ancoradas em concepções claras e definidas de criança, infância, formação, educação e Educação Infantil, partilhadas e assumidas pelas redes de ensino e seus profissionais.
Finalizamos apontando que os resultados alcançados por meio de nossa pesquisa refletem as possibilidades, desafios e perspectivas que se fizeram presentes no contexto específico investigado. Contudo, esses
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resultados também podem configurar indicadores de questões que permeiam cenários mais abrangentes
e que circulam entre as discussões contemporâneas das práticas de formação continuada destinadas aos
profissionais de Educação Infantil. As considerações que tecemos em torno da implementação de políticas
de formação, das condições de acesso à formação continuada constituída no interior do CEI Movimento
e das implicações dessa prática para o desenvolvimento contínuo de seus profissionais se caracterizam
como possíveis contribuições. Essas, na medida em que se integram a outras pesquisas que discutem a
formação continuada dos profissionais de Educação Infantil, somam esforços para a consolidação dessa
etapa de educação que, recentemente inserida no sistema educacional e fazendo parte da educação
básica, urge por ocupar novos espaços de discussão nos territórios profissionais e científicos.
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ARTIGOS
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA EM PALAVRAS...
Maria Regina de Carvalho Teixeira de Oliveira
Regina Magna Bonifácio de Araujo
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar a docência universitária a partir de expressões e
tipificações feitas pelos próprios professores universitários, em vários momentos de sua carreira, colhidas
em uma pesquisa. Usando a metodologia quantitativa e qualitativa, a pesquisa de campo teve como
instrumento um questionário com perguntas abertas e fechadas, aplicado a 86 pesquisados, divididos
em quatro grupos: entrantes (mestrandos e doutorandos); professores com cinco anos de experiência;
professores com vinte anos de carreira; professores com trinta anos de atividade docente. As descrições
das atividades docentes e dos perfis feitas por esses diferentes grupos revelaram variações significativas
de percepção sobre a profissão docente universitária e sobre o perfil desse profissional. Conclui-se que
as identidades profissionais e as carreiras dos docentes universitários são construídas e reconstruídas
de maneira dinâmica, passando por mudanças nos últimos trinta anos. As expressões e terminologias
utilizadas pelos participantes revelam uma confusão entre o que o professor universitário é e o que ele faz,
dificultando uma caracterização ou identidade profissional. Percebe-se uma forte influência da formação
específica na graduação e uma presença de aspectos técnicos e relacionais definindo a atuação, mas
pouca ênfase na preparação ou na formação essencial pedagógica das pessoas que desempenham essa
atividade. Conclui-se também que, na carreira docente, deve ser dada atenção especial aos processos de
acesso, de profissionalização, de suporte para o desenvolvimento e de avaliação do trabalho do docente.
Visa-se com isso melhorar a qualidade da formação de novos profissionais, a atuação do docente no
magistério, na pesquisa e na extensão, e a própria universidade como preparadora de cidadãos e de
competências para o atual mercado de trabalho competitivo e mutável.
PALAVRAS-CHAVE Identidade profissional; carreira; docência no ensino superior.
Universitary teaching in words...
Abstract: This article aims to analyze university teaching from expressions and typifications made by university
professors themselves in various occasions in their careers, collected in a survey. Using quantitative and qualitative
methodology, field research utilized a questionnaire with open and closed questions, answered by four groups of 86
surveyed: incoming masters and doctoral students; teachers with five years of experience; teachers with a twenty-year career, and teachers with thirty years of teaching activity. The descriptions of teaching activities and of profiles
made by these different groups revealed significant variations in perceptions of the university teaching profession
and of the profile of such professional. It is concluded that the professional identities and careers of academics are
constructed and reconstructed in a dynamic way, having undergone changes in the last thirty years. The terms and
terminologies used by participants reveal some confusion between what the professor is and what he does, making
it difficult to make a professional characterization or identity. A strong influence of specific academic education in
undergraduate courses and the presence of technical and relational aspects defining the performance were indicated,
but little emphasis on essential teaching preparation or education of persons conducting such activity. We also concluded that in the teaching career it should be given special attention to the processes of access, professionalisation,
support for the development and evaluation of the work of teachers. The aim is thereby to improve the quality of the
education of new professionals, the performance of professors in their teaching, in research and in extension, and to
improve the university itself as preparer of citizens and skills for the current, competitive and changeable work market.
Keywords: Professional identity; career; teaching in Higher Education.
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INTRODUÇÃO
A identidade profissional é entendida, analiticamente, como identidade ligada à atuação profissional, relacionada à perspectiva de autoconhecimento e que leva a escolhas e especializações na formação e no
desempenho profissionais. Nesta pesquisa, a identidade profissional é entendida como aquela vinculada
ao trabalho e, principalmente, a uma projeção de si no futuro, isto é, à antecipação de uma trajetória de
emprego e a uma perspectiva de aprendizagem, na elaboração da formação escolar (DUBAR, 2005). As
escolhas na vida do indivíduo são subjetivas e a sua sequência traça uma dinâmica que é refletida nos
desenhos de trajetórias de carreira (DAVEL; MACHADO, 2001).
Ao construir suas trajetórias, as pessoas hoje não guiam suas escolhas profissionais por padrões estabelecidos antecipadamente. Muitas vezes, prevalecem as oportunidades surgidas. Nessas trajetórias, as
identificações do indivíduo com seu trabalho assumem novos rumos (MOTTA, 2006).
A carreira do docente do ensino superior vem sendo sistematizada entre definições da lei e reivindicações da classe. Nesse processo, durante certo tempo, o docente do ensino superior era um profissional
quase sempre com dedicação exclusiva. Ele ingressava na atividade com a intenção de ser um professor
universitário de determinada instituição, na qual fazia toda a sua carreira.
Os profissionais vivenciam muitas mudanças durante sua trajetória profissional. Entre as alterações
na carreira de docente do ensino superior estão as transições do perfil de professor, com demandas
pedagógicas, para um perfil de pesquisador, com exigências de publicações. Essas mudanças trazem
consequências para as identidades profissionais.
Este artigo, extraído dos estudos de doutoramento de uma das autoras, apresenta uma pesquisa para a
qual se escolheu a perspectiva do construtivismo social (BERGER; LUCKMAN, 1996). Seu objetivo é dar
sentido ou interpretar significados que as pessoas têm e dão para o mundo, e especificamente nesse
caso, para o mundo do trabalho docente universitário.
Tomando como referência quatro momentos diferentes da trajetória da carreira docente universitária: entrantes
(mestrandos e doutorandos) com cinco anos de trabalho, com vinte anos e com trinta anos, extraíram-se,
dos dados encontrados nesta pesquisa, palavras e expressões significativas na definição da docência, e na
visão dos participantes. A partir delas, organizaram-se as temáticas e em seguida, as análises.
Na carreira docente universitária, têm-se duas frentes de investimentos: a construção legal e estatutária
e os aspectos de preparação didático-pedagógicos. O professor universitário necessita de sólidos conhecimentos na área em que pretende lecionar, mas também de habilidades pedagógicas suficientes para
tornar o aprendizado mais eficaz. “O ensino de didática tem sido bem aceito nos ensinos básico e médio,
mas não no superior; a maioria das críticas em relação aos professores refere-se à falta de didática” (GIL,
2006, p. 2).
Como os critérios de avaliação dos docentes mudaram e passaram a ser guiados pelos órgãos de fomento
à pesquisa, para os professores universitários a prioridade hoje é a produção escrita. Com muita intensidade, discute-se atualmente sobre o que fazer para tornar mais eficaz o ensino proporcionado pelas
instituições de ensino superior e sobre a preparação dos professores universitários que deve ocorrer,
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principalmente em cursos de Pós-graduação. Mas, em sentido estrito, esses cursos visam a preparar
pesquisadores (GIL, 2006).
A literatura pesquisada sobre docência do ensino superior discute a atividade tendo como base os componentes didático-pedagógicos que envolvem questões concernentes ao ensino, à pesquisa e à extensão,
às características individuais ligadas ao comportamento, às relações, à ética e aos valores sócio-históricos-culturais, políticos e econômicos da carreira.
CARREIRA E CARREIRA DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR
Na história do ensino superior no Brasil, observa-se o foco na formação de profissionais para o mercado
de trabalho, mesmo em universidades que cultivam a pesquisa. As mudanças observadas no século XX
voltam-se para quatro aspectos: processo de ensino, incentivo à pesquisa, parceria e coparticipação envolvendo professor e aluno no processo de aprendizagem e o perfil docente (MASETTO, 2003).
Deixa-se uma postura de transmissão de informações e experiências e, aos poucos, inicia-se um processo que busca proporcionar aprendizagem aos alunos, melhorar a capacidade de pensar as relações
professor-aluno, de dar significado ao que é estudado e de desenvolver a capacidade de construir seu
próprio conhecimento. A ênfase atual é no aluno que busca nos cursos superiores desenvolver competências e habilidades esperadas de um profissional da área do curso escolhido.
Com as mudanças citadas, o perfil do professor teve que se alterar de “especialista” para “mediador de
aprendizagem”. Ele é exigido em pesquisa e produção de conhecimento, atualização e especialização. O
aluno exige coerência entre o que o professor ministra em sala de aula e sua área de pesquisa. Mudou o
cenário de ensino, e o papel do professor mudou de um especialista que ensina para um profissional da
aprendizagem que incentiva, funcionando como ponte entre o aprendiz e a sua aprendizagem.
A didática do ensino superior não pode ser tratada apenas a partir de procedimentos voltados para facilitar
a aprendizagem dos estudantes. Segundo Gil (2006), as principais dificuldades com as quais se deparam
os professores de ensino superior não dizem respeito especificamente à formulação de objetivos, à
seleção de conteúdos, à determinação das estratégias de ensino ou a procedimentos a serem adotados
na avaliação de ensino. Elas se referem mais a maneira como os professores se relacionam com os estudantes, com seus colegas, com a instituição e com a própria disciplina que lecionam.
No caso do professor universitário, muitos trabalham em tempo apenas parcial, desenvolvendo outra atividade,
vista em muitos casos como a principal, pelo menos em termos de dedicação e rendimentos. Ao pensarem
em um código de ética, a primeira imagem que lhes vem à mente é da sua outra profissão (GIL, 2006).
No que tange ao ensino da disciplina, o principal cuidado que o professor deve ter prende-se à necessidade de assegurar-se de que o conteúdo da disciplina que ministra esteja atualizado, seja significativo
para os estudantes, compatível com o seu nível e ajustado aos propósitos do curso. É importante que
o professor tenha competência pedagógica e saiba formular objetivos apropriados e dominar métodos
e técnicas de ensino, escolhendo os mais adequados, e que desenvolva suas atividades considerando
a diversidade crescente dos estudantes. Essas são ações difíceis, especialmente para professores que
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não obtiveram formação pedagógica e que devem, portanto, buscar suprir essas deficiências mediante
a leitura de obras especializadas e a participação em conferências ou cursos (GIL, 2006).
Confirmando a posição de vários autores mencionados, um dos papéis do docente de ensino superior é
coordenar o aprendizado de conteúdos, mas o seu papel de formador, de educador, seu compromisso
com as pessoas, é, muitas vezes, o que fica mais forte na lembrança dos alunos.
O desenvolvimento da atividade docente universitária apresenta aspectos comportamentais e de valores
essenciais para uma boa avaliação profissional, os quais estão diretamente relacionados com a identidade
profissional.
A IDENTIDADE PROFISSIONAL
A identidade do trabalho ou identidade profissional refere-se a construção do eu pela experiência do
mundo do trabalho e pela articulação dos papéis disponíveis nas organizações. Envolve a experiência da
estratificação social, das discriminações étnicas e sexuais e as desigualdades de acesso às diferentes
carreiras profissionais. Segundo Sainsaulieu (1985), para que aconteça a construção biográfica de uma
identidade profissional é necessário que os indivíduos entrem em relações de trabalho, participem de
atividades coletivas em organizações e façam intervenções, pois funcionam como atores em “representações” (as rotinas de trabalho). Dadas essas condições, o autor define a identidade profissional como
[...] maneira como os diferentes grupos no trabalho se identificam com os pares, com os chefes
e com os outros grupos; a identidade no trabalho é fundada sobre representações coletivas
distintas, construindo atores do sistema social empresarial (SAINSAULIEU, 1985, p. 342).
As relações de trabalho oportunizam experiências relacionais e sociais de poder. Essas experiências são importantes para a identidade. A identidade, então, é resultado de um processo relacional de investimento de
si, no qual ser ator de si é um investimento que questiona o reconhecimento recíproco dos parceiros. Essas
transações acontecem nas situações de trabalho, nas empresas, podendo influenciar diretamente as identidades de quem se envolve ou é envolvido nelas (SAINSAULIEU, 1985). Essas relações levam à mudanças.
Segundo o mesmo autor, a identidade no trabalho se dá também nos planos afetivo e cognitivo, porque
viver sob uma estrutura institui uma espécie de mentalidade coletiva. Com essa mentalidade, o indivíduo
se conforma, assimilando suas regras e normas de comportamento e criando vínculos afetivos com as
pessoas com as quais convive no trabalho. Identificações por parte do indivíduo podem surgir desse
processo, e elas podem conter significados distorcidos.
A identidade no trabalho determina muito o processo motivacional e participa também da construção de
uma autoestima positiva. Consequentemente, a realização do trabalho e a esfera social organizacional
são positivamente afetadas, podendo resultar em formas de trabalho mais criativas, que contribuem para
integrar a subjetividade, a socialização e o trabalho (SAINSAULIEU, 1997).
A identidade profissional básica surge de características do mercado de trabalho, como o fato de a incerteza estar atingindo todas as faixas etárias, mulheres e homens, estudantes em qualquer nível de
escolaridade, diplomados ou não −, como, por exemplo, a alta taxa de desemprego. Com o risco de exclusão do emprego estável e a demanda por criação de estratégias pessoais e de apresentação de si, não
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são mais suficientes a escolha da profissão e a obtenção de diplomas. Torna-se necessária a construção
pessoal de uma estratégia identitária que conjugue uma dinâmica eficiente à imagem de si, à avaliação
das capacidades e à realização de desejos dos indivíduos (DUBAR, 2005).
A universidade enquanto local de trabalho oportuniza socializações e o desenvolvimento de carreira,
tendo como base a atividade docente. No caso das universidades públicas, as carreiras estão mais definidas,
estabelecem progressões e deixam claras as atribuições a serem desenvolvidas e os critérios de avaliação.
Nelas, o foco docente está na docência, na pesquisa e na extensão, e cada um desses direcionamentos da
ação docente demandam características diferentes.
A carreira docente pública envolve o empenho e o desenvolvimento individual, como também favorece
a participação em questões coletivas no que tange à atuação em cargos administrativos e à participação
em ações de políticas públicas e de classe.
O ensino universitário vem sendo objeto de estudo por vários motivos, entre eles: acesso de um número
maior de pessoas, perfil de profissional que a universidade deve formar, indagações a respeito de como
tornar o ensino superior mais eficaz e quais as tecnologias mais adequadas a ele. Poder-se-ia acrescentar
o conhecimento de como têm acontecido as identificações das pessoas que têm trabalhado na atividade
docente universitária e sua identificação com essa atividade.
Nesse sentido, é importante preparar esses professores universitários que vêm procurando os cursos
de mestrado e doutorado com esse objetivo. As pós-graduações, hoje, visam, prioritariamente, à formação de pesquisadores, não oferecendo em sua maioria disciplinas relacionadas ao desenvolvimento de
habilidades pedagógicas (GIL, 2006).
A maneira como o ensino superior está organizado no Brasil sempre privilegiou unicamente o domínio de
conhecimentos e experiências profissionais como requisitos para a docência de nível superior. O modelo
implantado aliado à noção de que “quem sabe, sabe ensinar” desprezava a didática do professor e voltava-se para a formação de profissionais que exerceriam determinada profissão, com disciplinas específicas.
No modelo francês, experiências e conhecimentos profissionais eram transmitidos pelo professor aos
alunos que não sabiam e que faziam, depois, uma prova, referência principal da avaliação (GIL, 2006). Na
universidade, o ensino de didática continuou, até a década de 1950, privilegiando os objetivos, os temas
e as metodologias tipicamente escolanovista (o aluno aprende melhor por si próprio). Com base nessa
proposta, o trabalho pedagógico acaba por confundir-se com o psicológico e torna-se secundário. O importante é ajudar o aluno a se conhecer, a se relacionar, a se autorrealizar (GIL, 2006).
A profissão de professor e a avaliação de seu desempenho são bastante complexas porque envolvem
sua atuação em muitos papéis. Logo, caracterizar os papéis de professores universitários é sempre tarefa
arriscadamente incompleta. Esses papéis tendem a se alterar frequentemente, aumentando a complexidade. Por muito tempo, o principal papel do professor era ensinar, mas hoje ele é visto como alguém
que facilita e promove o aprendizado.
De forma especial, o ensino superior é tipicamente muito dinâmico, podendo os papéis dos professores universitários serem ampliados e ganharem certa complexidade. Os primeiros passos na profissão
docente são os pessoais: são apaixonados e dirigidos para a missão de professor, são positivos e reais
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(humanidade, empatia, respeito e justiça), e são professores-líder (afetam positivamente a vida de estudantes, pais e colegas), de acordo com Gil (2006).
Em seguida, vêm os traços relacionados aos resultados pretendidos: estão sempre alertas ao que ocorre
na sala (administração e organização da classe, engajamento dos estudantes e administração do tempo);
têm estilo (manifestação de estilo pessoal e único); são motivadores (confiam em sua própria habilidade
para fazer a diferença na vida dos estudantes, mantendo expectativas e comportamento altos); e apresentam eficácia institucional (comunicadores competentes com habilidades essenciais).
Os últimos referem-se a vida intelectual: detêm conhecimento teórico (dominam o conteúdo e os resultados
pretendidos pela escola e pela sociedade); possuem a sabedoria das ruas (conhecimentos da experiência
diária, dos estudantes e da comunidade); têm muita capacidade intelectual (são metacognitivos, estratégicos,
reflexivos, comunicativos e responsivos).
As abordagens voltadas para traços pessoais recebem críticas por deixarem perceber que bons professores “já nascem feitos”, mas ainda são creditadas (GIL, 2006). Desta forma, para o autor, mudanças na
concepção das características do professor do ensino superior refletem as seguintes consequências: não
são mais suficientes a comunicação fluente e o bom nível de conhecimentos relacionados à disciplina a
lecionar e o estudante de nível superior não precisa de nada a mais de seus professores.
Muitos desses professores exercem duas atividades: a profissional de determinada área (principal) e a
docente. Em sua maioria, esses professores não dispõem de preparação pedagógica e usam frequentemente as aulas expositivas, nas quais os próprios professores são a principal fonte sistemática de informações.
Eles aprendem a ensinar por ensaio e erro, estimulam a memorização, avaliam por meio de provas e usam
a nota como ferramenta de autoridade (GIL, 2006).
Recentemente, os professores universitários têm se conscientizado de que seu papel docente exige capacitação, própria e específica, e competência pedagógica no exercício da educação (MASETTO, 2003). Para
esse autor, a prática do professor universitário se embasa em três aspectos: conhecimentos específicos
relacionados à matéria, suas habilidades pedagógicas e sua motivação. Sabemos que o desenvolvimento
de habilidades pedagógicas do professor universitário dá-se por cursos específicos ou por leituras individuais e que um dos fatores complicadores é que professores universitários, frequentemente, sentem-se
desmotivados, porque são inibidos quanto ao uso de posturas mais criativas.
Na sala de aula, o profissional de docência deve combinar suas habilidades pessoais com as exigências do
ambiente e as expectativas dos estudantes, favorecendo o aprendizado mais agradável e eficiente. Deve ter
conhecimentos e habilidades relativos à didática do ensino superior (GIL, 2006). Tem-se, em grande parte,
a transferência da ação educativa do ensino para a aprendizagem, e o professor torna-se um facilitador da
aprendizagem (GIL, 2006). Isso tudo demanda postura e comportamentos mais identificados com a atividade que desenvolve, uma vez que suas ações vão além da simples técnica de dar aulas ou de pesquisar.
O QUE DIZEM OS PARTICIPANTES DA PESQUISA?
Na perspectiva da abordagem qualitativa, este estudo trabalhou com a interpretação dos sujeitos de
pesquisa sobre as suas construções identitárias profissionais. Considerando-se o critério de classificação
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de pesquisa proposto por Vergara (2010), quanto aos fins esta pesquisa é descritiva, e quanto aos meios
ela se caracteriza como uma pesquisa de campo.
A técnica utilizada para a coleta de dados apoiou-se em um questionário, enviado aos sujeitos selecionados
como representantes dos grupos de docentes envolvidos na pesquisa, por meio eletrônico. As questões
abertas foram analisadas utilizando-se o método de análise de conteúdo. As respostas foram analisadas a
partir de sua frequência, organização e sentido comparado. O questionário foi formatado segundo o modelo
do Google Docs. A pesquisa foi desenvolvida de forma amostral, não probabilística, selecionando profissionais
que se dispuseram a responder ao questionário proposto. Logo, foi uma amostra intencional por acessibilidade.
Os sujeitos desta pesquisa são representantes de quatro grupos, considerando os momentos da carreira
docente: mestrandos e doutorandos de quatro instituições, representando os entrantes; professores selecionados a partir da característica principal de terem cinco anos de docência universitária em instituição
pública; profissionais com aproximadamente vinte anos de docência; e professores que se aposentaram
ou estão ainda na ativa após trinta anos em instituição pública.
Esses sujeitos apresentam as seguintes características:
• grupo 1: formado por 55 respondentes que pertencem a 26 diferentes profissões e têm idade
variada entre 22 e 64 anos;
• grupo 2: formado por 8 respondentes, entre 29 e 40 anos;
• grupo 3: formado por 14 respondentes, entre 36 e 60 anos;
• grupo 4: formado por 9 participantes, entre 56 e 74 anos.
Sobre a dimensão Identificação com a atividade docente, perguntou-se aos participantes “Quem é você?”,
com o objetivo de verificar aspectos de sua percepção como docente, a partir de palavras identificadoras
de sua pessoa.
À primeira vista, percebeu-se certa confusão ou dificuldade em reconhecer se as respostas se tratavam
do que eles eram ou de como eles eram, Os participantes identificaram em si características, mas não
papéis, fato que chama a atenção por si mesmo, dificultando percepções específicas de identidade.
Entre os papéis citados, o número foi baixo em termos de lugares básicos, estruturantes, inclusive como
mulher, mãe, pai. O único participante que citou ser pai colocou essa palavra em quinto lugar (3 respondentes mencionaram a palavra mulher, 2 respondentes a palavra mãe, 2 respondentes a palavra esposa, 1
respondente a palavra pai, 1 respondente a palavra estrangeiro e 1 respondente a palavra gente)). O Quadro
1 mostra as cinco respostas de cada participante do grupo dos entrantes, para dizer quem é ele (a).
QUADRO 1 – “QUEM É VOCÊ?” – ENTRANTES
Resposta 1
“Sou uma professora muito querida
pelos estudantes”.
Aprendiz
Família
46
Resposta 2
Resposta 3
“Tenho muita paciência
“Sou competente
no ato de ensinar”.
porque estudo muito”.
Sensata
Responsabilidade
Resposta 4
Resposta 5
“Sou muito séria e
comprometida com o
Conversador
Persistente
trabalho que realizo”.
Calma
Observadora
Dedicação
Aperfeiçoamento
Amizade
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Resposta 1
Resposta 2
Resposta 3
Resposta 4
Resposta 5
Responsável
Dedicação
Otimismo
Objetividade
Persistência
Ético
Parceiro
Incentivador
Positivo
Persistente
Sonhadora
Trabalhadora
Companheira
Pontual
Flexível
Justo
Responsável
Comunicativa
Atenciosa
Preocupada
Impaciente
Inteligente
Dedicada
Consciente
Sistemática
Segura
Consciente
Altruísta
Pesquisador
Um pouco omisso
Empático
Simples
Honesto
Estrangeiro
Simpático
Educado
Paciente
Estudioso
Teimoso
Professor
Companheiro
De bem com a vida
Amizade
Capaz
Resolvido
Consciente
Pai
Mulher
Inteligente
Ambiciosa
Estudante
Aventureira
Alguém feliz
Quase realizada
Tranquila
Solidária
Às vezes radical
Amorosa
Fervorosa
Sensível
Verdadeira
Indecisa
Compromisso
Seriedade
Estudiosa
Forte
Com metas
Educador
Esforçada
Compreensiva
Responsável
Focado
Equilibrado
Estudiosa
Responsável
Ansiosa
Organizado
Estudiosa
Amigos
Humilde
Disciplinada
Presente
Gente
Esposa
Disciplinado
Correto
Perseverança
Negra
Pobre
Honesto
Perseverante
Colaboradora
Independente
Prestativo
Comprometida
Atuante
Interessado
Justiça
Determinado
Trabalho – trabalhador
Alegria
Conhecimento
Pesquisadora
Honestidade
Mãe
Professora
Professora
Professora
Professora
Guerreira
Realista
Educadora
Inovadora
Intelectual
Companheiro
Pesquisadora
Vitoriosa
Tranquilo
Profissional
Perfeccionista
Controlado
Estrategista
Realizada
que busca a
Gosta da docência
Amizade
Orientadora
Desconfiado
qualificação
Com vontade de
Sistemática
Sem ambição
Consultora
Esposa
mudar muitas coisas
Tento ser franca
Solidária
Sou autêntica
Multidisciplinar
Idealista
Gosta de fazer
no mundo
Elegante
Alguém que quer ser
Gosta da pesquisa
AMIGOS
Tento ser: justa
Prática
Focado
Sou sincera
Estimulada
FELIZ
Tento ser disponível
Consciente
Fonte: Dados da pesquisa.
No primeiro grupo, dos 55 participantes, 13 não responderam a essa questão. Nota-se que algumas palavras apareceram mais vezes, embora em alguns casos em posições de importância diferentes, como
é o caso de dedicado; responsável; perseverante e esforçado. Não se pode definir se são aspectos
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de personalidade ou necessidades mais relativas ao momento em que vivem, mas sabe-se que são entendidas como características marcantes para esse grupo. Ainda assim, pode-se refletir que, apesar de
serem as mais citadas, não existe muita homogeneidade nas respostas desse grupo de respondentes.
Os participantes do grupo dos entrantes responderam questão sobre identidade docente usando expressões que podem ser organizadas nos seguintes subitens:
a) Relativas às relações interpessoais e à personalidade como, por exemplo: equilibrado, correto,
humilde, sensata, calma, otimista, positivo, incentivador, sonhadora, idealista, altruísta, empático,
simpático, educado, simples, segura, teimoso, comunicativa, atenciosa, preocupada, impaciente,
resolvido, de bem com a vida, ambiciosa, aventureira, verdadeira, amorosa, fervorosa, sensível,
forte, às vezes radical, compreensiva, ansiosa, indecisa, alegre, colaboradora, entre outras. Notase que são características importantes para o profissional, para a pessoa com dada formação
profissional, mas não especificamente para a docência.
b) Relativas mais especificamente ao trabalho foram citadas: disponível, presente, atuante, com
metas, aprendiz, competente, observadora, em aperfeiçoamento, objetivo, pontual, flexível, um
pouco omisso, capaz, em busca de qualificação, gosto pela docência e pesquisa.
No grupo dos docentes com cinco anos de trabalho, as respostas para a questão “Quem é você?” estão
relacionadas no Quadro 2.
QUADRO 2 - “QUEM É VOCÊ?” – DOCENTES COM CINCO ANOS DE EXPERIÊNCIA
Resposta 1
Resposta 2
Resposta 3
Resposta 4
Resposta 5
Amável
Lutadora
Responsável
Dedicada
Exigente
Dedicada
Comprometida
Alegria
Empreendedora
Atencioso
Envolvida
Dedicada
Amiga
Estudioso
Competente
Honestidade
Disciplinada
Disciplinada
Responsável
Confiável
Pessoa consciente
Feliz
Persistente
Generosa
Justa
Planejamento
Flexibilidade
Sociável
Leal
Sincera
Fonte: Dados da pesquisa.
Destaca-se, nesse quadro, terem surgido duas vezes cada uma das seguintes palavras: dedicada, disciplinada, amiga e responsável. Nota-se uma expressão diversificada, com usos de adjetivos e de substantivos. E, ainda, a repetição de algumas características, mesmo que em graus de importância diferentes,
como é o caso de dedicada.
No grupo de professores com vinte anos de exercício, as respostas à pergunta “Quem é você?” estão
relacionadas no Quadro 3.
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QUADRO 3 - “QUEM É VOCÊ?” – DOCENTES COM VINTE ANOS DE EXPERIÊNCIA
Resposta 1
Resposta 2
Resposta 3
Resposta 4
Resposta 5
Profissional
Apaixonada pelo que
Determinada
Acredito no traba-
Criativa
Educadora
Ser político
acredita
Alegre
lho docente
Apaixonada
Alegre
Alegre
Elétrica
Autônoma
Amiga
Batalhador
Dedicado
Cidadã
Atencioso
Amigo
Capacidade de
Forma
Desafiador
Comprometido
Autodidata
Mulher
Honesta
Compromissado
Determinado
Organizada
Mãe
Cordial
Educado
Persistente
Organizada
Dedicado
Professor
Otimista
Estudioso
Educadora
Gosto do convívio
Servidor público
Sou uma pessoa que
Pesquisador
Perfeccionista
Mãe
Responsável
ama a família
Trabalhadora
Socializadora
Tranquila
Tímido
gestão
Estudiosa
Intolerante com
bajulação
Objetivo
Persistente
Prática
com pessoas
Honesto
Ser político
Preocupado
Tecnológico
Séria em meus
compromissos
Sonhadora
Fonte: Dados da pesquisa.
Nesse Quadro, destaca-se a repetição por duas vezes das seguintes palavras: dedicado, pesquisador,
cidadã e amigo.
No grupo dos professores com trinta anos de trabalho, as características apresentadas em resposta à
questão “Quem é você?” estão relacionadas no Quadro 4.
QUADRO 4 - “QUEM É VOCÊ?” – DOCENTES COM 30 ANOS
Resposta 1
Resposta 2
Resposta 3
Resposta 4
Resposta 5
Alegria
Sinceridade
Compromisso
Lealdade
Seriedade
Ansioso
Compreensivo
Fiel
Amigo
Refletivo
Sensibilidade
Responsabilidade
Respeito
Coerência
Humano
Curioso
Sensível
Provisório
Ativo
Persistente
Determinado
Direto
Intelectual
Comunitário
Professor
Dedicado
Pesquisador
Transparente
Acadêmico por
Muito meticuloso no
Adoto orientandos
vocação
trabalho
como filhos
Universitária
Pesquisadora
Lealdade
Família − membro de
uma família ímpar, que
me ensinou o sentido
do amor
Renomado
Professora
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Desejo de
progredir
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Resposta 1
Resposta 2
Orientadora de trabalho
Autora
científico
Resposta 3
Resposta 4
Resposta 5
Apresentadora de trabalhos em eventos
Insegurança em
Ter curiosidade
face de problemas
Baixa resistência à
que dependem dos
frustração
outros
Fonte: Dados da pesquisa.
A comparação dos quatro segmentos revela um processo progressivo de interiorização do que é ser professor para os participantes desta pesquisa. Acompanhando cada segmento, é como se as características
apresentadas falassem de aspectos mais externos e fossem, aos poucos, sendo internalizadas, aderindo
e compondo a identidade profissional.
De acordo com a teoria analisada, é forte esse sentimento de identificação com uma profissão. Oficialmente,
a atividade docente não se caracteriza como profissão, embora tenha estruturações e legalizações de
carreira. Corroborando Gil (2006), muitos professores universitários trabalham em tempo apenas parcial,
desenvolvendo outra atividade, vista, muitas vezes, como a principal, pelo menos em termos de dedicação e rendimentos. Nesse caso, a primeira imagem que lhes vem à mente é a da sua outra profissão.
Torna-se necessária a construção pessoal de uma estratégia identitária que conjugue a imagem de si
com a avaliação das capacidades e a realização de desejos dos indivíduos (DUBAR, 2005). Isso leva a um
desempenho esperado. Essa questão busca abordar a situação da imagem de si e da imagem construída
pelos outros sobre si. A nota é uma forma simbólica de aprovação ou não e sinaliza aspectos de autoavaliações
dos envolvidos sobre sua atuação na atividade docente. Mas a percepção individual é fundamentada em
algumas justificativas que são expostas a seguir.
QUADRO 5 – PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – ENTRANTES
Expressões sugeridas em 3º
Expressões sugeridas em 1º lugar
Expressões sugeridas em 2º lugar
Experiência
Metodologia
Diálogo
Insegurança
Falta de experiência
Perfeccionismo
Extrovertida
Suscetível
Competente
Aplicação prática do conteúdo
Responder a todas as perguntas dos
alunos
Bom relacionamento
Flexibilidade nas diferenças
Colaboração
Ajuda
Comprometimento/compromisso
Ouvir sempre a necessidade do aluno
lugar
Ter um tratamento mais humano
Conhecimento mediano
Sinceridade
Ensinar o que eles precisam
aprender para se motivarem a SER
Estudiosa
50
Responsabilidade
Vontade
Comunicativo
Atencioso
Calmo
Conhecimento
Comprometimento
Dedicação
Dedicação
Confiança
Incentivo
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Expressões sugeridas em 1º lugar
Expressões sugeridas em 3º
Expressões sugeridas em 2º lugar
lugar
Empatia
Qualidade
Organização
Conhecimento
Preparo pessoal e de aulas
Relacionamento
Respeito
Presença
Capacitação
Experiência
Inexperiência
Empatia
Alegre
Disposto
Inovadora
Disponível
Eterna aprendiz
Falar mais devagar
Solícita e educada
Didática
Clareza na apresentação de ideias
Apenas incentivadora do
e orientações atualizadas
Mais pesquisadora do que
autoaprendizado
professora
Expor melhor as ideias
Maior dedicação
Formação
Conhecimentos metodológicos
Didática
Organização
Falta de prática
Influência organizacional
Imaturo
Afoito
Oratória
Autocontrole
Nervosismo
Perfeição
Aprendizado
Humildade
Pontualidade
Comprometimento
Flexibilidade
Procuro ser educadora
Qualificada
Responsabilidade
Compromissada
Conhecimento
Bom relacionamento
Sempre preciso melhorar
Fonte: Dados da pesquisa.
Algumas expressões ainda podem ser exemplificadas neste primeiro grupo:
“As atividades administrativas na instituição comprometem o meu desempenho como professor” (respondente 37).
“Levo a sério os meus alunos, muito” (respondente 13).
“Somos seres incompletos, em constante formação” (respondente 44).
“Aluno nunca está satisfeito” (respondente 8).
“Somos incapazes de agradar a todos. O aprendizado é diferente para cada um. Considero a
nota uma relação boa” (respondente 18).
Algumas das expressões como dedicação, inexperiência, conhecimento, comprometimento sobressaíram. Entre
outros aspectos que podem ser percebidos nas expressões usadas por esse grupo, nota-se uma sensação de
começo. Alguns sentimentos de docentes entrantes como anseio por conhecimentos metodológicos, afoito,
nervosismo e insegurança, nesse caso, podem ser interpretadas como características pessoais, mas, como
foram citadas por mestrandos e doutorandos, podem ser também entendidas como insegurança de iniciantes.
Ao justificarem as notas atribuídas, os respondentes apresentaram várias expressões representativas de
comportamentos e sentimentos: dedicação, responsabilidade, comprometimento, pontualidade, envolvimento e falta de experiência, entre outras, voltadas para o desempenho docente.
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Relativamente ao desempenho docente, predominaram conhecimento, falta de experiência, organização,
didática, metodologia e aprendizado, como pode ser confirmado nas expressões
“Perspectiva de ser uma eterna aprendiz” (respondente 15).
“Considerar-se apenas incentivadora do autoaprendizado” (respondente 19).
“Sentir-se mais pesquisadora do que professora” (respondente 23).
Alguns problemas foram citados quanto à qualidade no preparo pessoal e das aulas e na capacitação: a
falta de prática, de influência organizacional, de conhecimentos metodológicos e de oratória. A falta de
valores também foi mencionada e, nesse espaço, algumas necessidades foram apontadas:
“Ensinar o que eles precisam aprender para se motivarem a SER” (respondente 22).
“Investimento em formação. Aplicação prática do conteúdo. Responder todas as perguntas dos
alunos” (respondente 34).
“Ter um tratamento mais humano” (respondente 46).
“Ter experiência. Ter clareza na apresentação de ideias e orientações. Ser atualizada. Falar mais
devagar e expor melhor as ideias” (respondente 49).
“Ter atenção ao fato de o aprendizado ser diferente para cada um” (respondente 50).
Alguns desses exemplos estão voltados para a questão do início de carreira, são os entrantes ainda sem
experiência na atividade docente. Alguns deles mostram uma preocupação com diferenças percebidas em
relação ao comprometimento e à seriedade no enfrentamento da profissão. Outros refletem dificuldades
pessoais e receios mais relacionados à própria conduta do professor.
Das respostas dadas pelo grupo de docentes com cinco anos, nota-se que as palavras e expressões citadas exemplificam e caracterizam as respostas relativas à docência e combinam bem com o grupo dos
mestrandos e doutorandos. Eles falaram de suas inseguranças, de suas preocupações e de seus tateios
em relação ao enfrentamento dos problemas práticos da vida do professor universitário hoje. Lançaram
algumas perspectivas, como o diálogo, a comunicação e as posturas calmas, responsáveis e maduras
como apoios para as dificuldades apresentadas. As justificativas são apresentadas no Quadro 6.
QUADRO 6 – PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – DOCENTES COM
CINCO ANOS DE EXPERIÊNCIA
Palavras citadas em 1º lugar
Palavras citadas em 2º lugar
Palavras citadas em 3º lugar
Capacidade
Amigo
Cumprimento do programa
Dedicado
Comprometimento
Estudar mais
Interesso-me pela correlação entre
Formalizar mais
Diferenciar mais os alunos
o que ele vive e os conteúdos trata-
Interesso-me pelo aluno
Domínio do conteúdo
dos em sala de aula
Responsabilidade
Preparação das aulas
Interesso-me por seu aprendizado
Tenho muito a aprender
Tenho pouco tempo de carreira
Responsável
Tenho muito ainda para aprender
didaticamente
Fonte: Dados da pesquisa.
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Conforme analisado no grupo dos entrantes, observam-se expressões relativas ao trabalho e outras
relativas ao comportamento. Os aspectos que refletiam a insegurança e a “entrada” são, aos poucos,
no grupo dos professores com cinco anos de exercício, substituídos por outros termos, como amizade,
interesse pelo aprendizado do aluno e relação entre o conteúdo e a vida. Mantêm-se os aspectos comportamentais de responsabilidade, de dedicação, de comprometimento e de estudar mais, por exemplo.
QUADRO 7 – PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS –
DOCENTES COM VINTE ANOS DE EXPERIÊNCIA
Justificativa 1
Justificativa 2
Justificativa 3
Aprender sempre
Compromissado
Compromisso
Bom relacionamento com alunos
Compromisso
Criativa
Compromisso
Conhecimento
Depende de competência do aluno
para acompanhar a disciplina
Conhecimento
Depende de objetivos do aluno
Ética
Dedicação
Desenvolvimento
Experiente
Dedicado
Honesto
Investimento
Dedicado
Organizada
Jogo de cintura
Depende de comprometimento do aluno
Organizada
Justo
Esforço pessoal, apesar do sistema
Organizada
Realizado
Não possuo experiência
profissional no mercado
Paciência
Relacionamento
Práxis
Responsabilidade
Realização
Seriedade
Fonte: Dados da pesquisa.
A expressão abaixo exemplifica tal situação e nota-se certa ênfase em aspectos comportamentais do
docente e do aluno e nos aspectos relacionais.
“Eu somente saberia reconhecer um bom professor alguns anos depois de ter sido seu aluno.
É difícil dar uma boa nota para quem te faz trabalhar muito acima da média dos demais professores” (respondente 12).
As justificativas para os docentes com mais tempo de exercício profissional são apresentadas no Quadro 8.
QUADRO 8 - PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – TRINTA ANOS DE EXPERIÊNCIA
Justificativa 1
Justificativa 2
Justificativa 3
Competência
Didática
Justiça
Comprometido
Falho
Paradoxal
Dedicação
Conhecimento
Didática
Determinado
Empreendedor
Criativo
Inovação
Organização
Autodidatismo
Interesse
Compromisso
Mobilizo os alunos
Prestativo
Facilitador de contatos
Cuidado com as
necessidades individuais
Sonho
Realização
Necessidade financeira
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Nota-se uma ênfase dividida entre as questões do trabalho e as questões comportamentais. Merece
atenção a situação de necessidade financeira, como dado de realidade da vida pessoal do profissional
entrevistado, aspecto característico dos participantes desse segmento.
Em termos de realização pessoal/profissional como profissional da carreira docente universitária, 23% dos
participantes do primeiro grupo sentem-se felizes, 19%, motivados, 16%, animados, 14%, preocupados,
12%, identificados, 9%, preparados, predominantemente. Dos 55 respondentes, 6% não responderam
a essa pergunta.
Por pertencerem, a maioria dos respondentes, ao grupo de iniciantes, poder-se-ia falar de muitos desses
participantes como felizes e motivados pela escolha, ou pela experiência em um departamento ou como
professor orientador, ou ainda pela perspectiva de se ter uma atividade profissional melhor e não tanto
pela experiência docente efetiva. Observa-se que a maioria dos respondentes que escolheram a opção
“feliz” também marcou a alternativa “preocupado”, ou a opção “despreparados”, algo que remete à insegurança e a perspectivas menos tranquilas de vida profissional.
TABELA 1 – SENTIMENTOS EM RELAÇÃO À ESCOLHA PELA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA
25
DU vinte
anos nº
abs.
3
36
DU trinta
anos nº
abs.
4
33
1
12
2
14
2
22
14
1
12
3
21
2
22
10
19
2
25
2
14
3
33
Insatisfeito
1
2
1
11
Decepcionado
2
4
Resposta
Entrantes
nº abs.
%
DU cinco
anos nº abs.
%
Feliz
12
23
2
Animado
10
18
Preocupado
8
Motivado
Realizado
Sentindo-se
identificado
Sentindo-se
despreparado
Sentindo-se
preparado
Na expectativa
que a negociação
com o governo
estruture a carreira
8
14
1
1
3
8
Estamos muito
mal pagos
Outro
1
%
%
1
12
4
28
4
11
2
25
6
42
3
33
1
12
3
21
4
44
1
12
2
14
14
Fonte: Dados da pesquisa.
No grupo dos professores com cinco anos de trabalho, nota-se a ênfase no sentimento de felicidade em
relação à atividade escolhida, mas eles não se esquecem de trazer a preocupação e as expectativas em
relação a novas e melhores perspectivas para a carreira docente universitária. No grupo dos professores
com vinte anos de exercício, nota-se também a tônica de felicidade pela atividade escolhida, mas aliada
a preocupações e a reclames acerca dos baixos salários. Um grupo maior de docentes incluiu a opção
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“Sentindo-se preparado”, diferentemente dos grupos anteriores, nos quais é percebida uma parcela de
insegurança e de necessidade de mais preparo. Em relação ao grupo de docentes com trinta anos de
exercício, são mais fortes as percepções de felicidade, praticamente citada por todos, que escolheram
as opções: “motivado(a)”, “preparado(a)”, “identificado(a)” e “realizado(a)”. Um deles mencionou a palavra
preocupação.
Considerando os quatro segmentos, percebe-se que o docente universitário participante desta pesquisa é
um profissional feliz com a sua escolha, realizado e motivado, que dá importância ao preparo profissional
e que tem preocupações em relação à carreira. O que muda de um grupo para outro são as proporções
de respondentes que apresentam determinado sentimento, mas não o perfil em si.
O perfil do docente universitário teve, nos quatro grupos, várias características coincidentes. Os dados
desta pesquisa mostram a grande importância atribuída às competências relacionais e de comportamento, reforçando valores pessoais. Por essa ótica, um docente deve ter em seu perfil, caráter, ética e bom
relacionamento, porque essas características fazem diferença para o melhor desempenho do professor
e integram os fatores identitários. Elas são relevantes e decisivas para o desenvolvimento profissional.
A seguir, buscaremos caracterizar a atividade docente em si. Quando solicitados a diferenciar as características do professor e do educador e, ainda, aquelas que se referiam aos dois, os entrantes usaram várias
frases descritas no questionário para fazer as identificações. Foi pela diferença de vezes que cada frase
apareceu para o professor, para o educador ou para ambos que foi possível avaliar as predominâncias.
Nota-se uma diferença sensível entre as pessoas desse grupo. Algumas têm uma visão bem concreta
de professor com base nos aspectos legais de regulamentação da profissão, com tarefas específicas
a serem cumpridas, com um tom de “desconfiança” das intenções dos alunos e uma necessidade de
manter a distância e a autoridade em relação a eles. De outro lado, alguns respondentes deixam bem
clara a ideia do educador ser alguém também responsável pela formação dos alunos, na perspectiva de
cidadania, de pessoa, usando para isso de seu papel de “modelo”, sendo um formador de pessoas para
além de formador de técnicos em determinada área. Essas percepções correspondem a uma identidade
projetada dos papéis de professor e de educador para o docente universitário.
No grupo pesquisado, as características pessoais e de docente universitário favoreceram a montagem
de um paralelo que está apresentado na Tabela 5.
TABELA 5 - COMPARAÇÃO ENTRE A IDENTIDADE DO PARTICIPANTE E A IDENTIDADE
DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO NA PERCEPÇÃO DOS PESQUISADOS
Quem é você?
Palavras
Característica do docente
Iniciantes
Até 5
anos
Até 20
anos
30 ou
mais
Iniciantes
Até 5
anos
Até 20
anos
30 ou
mais
Responsável
14
2
1
-
3
-
1
-
Persistente
8
3
-
-
1
-
-
1
Dedicado
7
6
2
1
10
2
1
-
Companheiro
6
-
2
1
-
-
-
-
Pesquisador
5
-
2
2
9
2
1
2
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Amigo
5
2
3
1
4
-
1
-
Professor
5
1
1
1
1
1
-
-
Persistente
4
1
2
1
1
-
-
-
Estudioso
4
1
2
6
3
3
1
Comprometido
4
1
3
-
8
1
3
1
Esforçado
3
-
-
-
3
1
-
-
Honesto
3
-
2
-
2
-
-
-
Educador
2
-
3
-
7
2
1
-
Disciplinado
2
3
-
-
1
-
-
Organizado
2
-
2
-
2
-
1
-
Compreensivo
1
-
-
1
-
-
-
-
Sonhador
1
-
1
-
1
-
-
-
Conhecimento
1
-
-
-
4
-
1
-
Aprendiz
1
-
-
-
-
2
Relacionamento
-
-
-
-
2
3
1
1
Articulador
-
-
-
-
4
-
-
-
Total
78
20
26
8
63
14
13
7
2
Fonte: Dados da pesquisa.
Na visão dos respondentes, as características citadas por eles sobre quem são compõem o perfil necessário para o professor universitário. Mas, se analisadas mais detalhadamente, um perfil de docente
universitário público, hoje, não se completa com as características percebidas pelos participantes neles
mesmos. Mudanças na carreira docente e nas demandas sobre os profissionais da docência pulverizaram
e diversificaram as características definidoras do professor universitário. Pode-se considerar que o quadro percebido nesse tópico da pesquisa representa um profissional em transição, até porque nele estão
gerações diferentes de profissionais do ensino superior. E é esse o momento revelado pelas respostas
relativas à docência do ensino superior.
No caso dos grupos de professores com trinta anos e vinte anos de trabalho, eles vivenciaram toda a
transição e muitos deles ainda estão trabalhando, sujeitos a novas mudanças. Para quem entrou para a
carreira dentro de um modelo mais tradicional, os ajustes forçosamente tiveram que acontecer em larga
escala no âmbito individual para acompanhar as novas exigências e, mais, sem terem tempo de preparo,
tiveram que mudar durante o exercício da atividade.
Se existem questões de ordem material, como as baixas salariais e as questões administrativas relativas
ao ambiente universitário, essas são lutas a serem empreendidas pela classe, como uma carreira ainda
em construção. Isso, no entanto, não diminui ou tira o significado e a influência do professor universitário
para os alunos, que podem até “não quererem nada com o estudo”.
No grupo dos docentes com trinta anos, foi ainda solicitado que deixassem uma pergunta, uma questão
sugestiva para debate ou reflexão sobre a docência universitária. Assim, finalizando o perfil docente
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universitário e considerando a experiência do grupo mais velho desta pesquisa, deve-se dar atenção a
alguns aspectos da docência universitária hoje. Essas contribuições guiarão as análises finais.
Diante dessa realidade e buscando as reflexões de Maia (2003), uma forte contribuição seria a iniciativa
coletiva de lutar pelos direitos e pelas estruturações de carreira. Se o docente universitário fosse mais bem
valorizado, os reflexos disso seriam um progresso do conhecimento e mais seriedade também do cliente da
universidade, seja ela pública ou paga. Isso porque o aluno não deveria ter a sua vaga de universitário baseada
na noção de quanto vale a aula daquele professor ou quanto é o salário do professor, porque esse deveria, sim,
ser um salário, pelo menos, justo! Mas quanto esse professor contribui para a ampliação do conhecimento?
E quanto dessa ampliação tem ou pode ter a minha participação como aluno? O sentido seria, então, de uma
universidade como local de construção do conhecimento e visto de forma ampla, sendo o aluno e o professor
partes de uma grande estrutura, a universidade, e não números de uma faculdade específica.
“É um ambiente de baixa autocrítica e muita vaidade, uma calamidade. Há apenas alguns professores que realmente merecem o título de PROFESSOR” (respondente 8).
As circunstâncias a que chegaram as universidades em termos de estrutura e de possibilidades oferecidas aos
professores e aos alunos deixam de lado o foco que é o crescimento do saber, das pessoas e da instituição.
Enfatizam aspectos periféricos, que se tornam essenciais à dinâmica universitária. As pessoas que ocupam os
cargos prendem-se, muitas vezes, a uma valorização e a uma competição que se tornam um fim em si mesmas. Um exemplo desse desvio são os conflitos interpessoais que tanto desgastam o dia a dia universitário.
“Excelência das práticas acadêmicas e ampliação do conhecimento científico, buscando sempre a
inovação e o contexto criativo das práticas profissionais para viabilizar a formação do aluno e as necessidades do mercado sustentável” (respondente 3).
Destacam-se as palavras excelência, conseguida mediante qualidade e identificação, aspectos intimamente
ligados; a palavra ampliação, do conhecimento científico com inovação − missão primeira da escola, especialmente a de nível superior –; a criatividade, nas práticas profissionais (atenção dada à tarefa do professor,
seja como pesquisador ou como profissional de magistério). A criatividade está relacionada também às
leituras dos diversos contextos, para ser possível atuar de forma mais adequada, sem padronizações ou
repetições maquinais. Distingue-se ainda a palavra viabilizar relacionada à formação do aluno, pois quem
está se formando é o aluno, apesar de nesse processo o professor também se desenvolver. E por último,
a palavra ver, isto é, olhar para o profissional de docência como alguém que acompanha as mudanças e
pode contribuir para melhorar as realidades física e emocional. Em relação ao objetivo proposto neste
artigo, pode-se afirmar que a construção deve-se mais às características pessoais, às oportunidades, às
influências e à formação acadêmica. Mas, diante de várias situações da vida, as oportunidades acabam
guiando as próprias carreiras e os investimentos pró-melhoramentos na profissão. Até mesmo para as
escolhas profissionais, as pessoas encontram uma forte determinação das influências e das oportunidades, distanciando-se progressivamente da perspectiva de carreira planejada.
As características do professor universitário apontadas não diferem muito de um segmento para outro,
deixando claro que mudaram os contextos, e, por isso, as características identificadoras do professor
estão em transição. Ou, visto por outra ótica, a identidade do docente universitário está em metamorfose,
mas não está completa e dificilmente o estará, porque é dinâmica. Sobre o perfil do docente, a partir dos
dados desta pesquisa, além dessa premissa, acrescenta-se que os próprios docentes têm diferenças
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sensíveis em suas identidades, porque são profissionais de áreas diferentes e não se fazem idênticos
pelo fato de exercerem a docência. Se a carreira docente caminhar para uma melhor estruturação, se
houver uma profissionalização efetiva da carreira docente universitária, a definição do perfil do docente
poderá ser mais reconhecida institucionalmente. Mas, nas atuais circunstâncias, as tendências percebidas
são as pessoas buscarem seguir as oportunidades que mais as favorecem no momento e conjugá-las,
na medida do possível, com o que elas são. As carreiras são mais de cada indivíduo que se constituem
exemplos de carreira docente.
Nesse processo, não se tem ainda um “quem” é o docente universitário, mas “como” é o docente universitário. Ele se constrói e se reconstrói permanentemente como pessoa e como profissional.
“Discutir o papel do docente/educador neste momento histórico de grandes mudanças sociais
e de grandes avanços científico-tecnológicos, que exigem, além do permanente aprimoramento
profissional, uma ampla abordagem de temas voltados para a ética profissional e a bioética. A
discussão de novas metodologias de ensino também deve ser aprofundada, pois vivemos novos
tempos. Estamos vivenciando a reforma curricular de vários cursos, mas nenhuma delas será
mais relevante que a nossa própria revisão de visão de mundo e preservação de valores, redescobrindo o papel de cada um na construção de um mundo sempre em evolução” (respondente 7).
O papel do professor como estimulador de estruturação de visões de mundo e de vida pela força da
construção do conhecimento é algo que combina com as características desse tempo, que apresenta o
mundo de forma multivariada, mas que não acontece ao acaso. Professor e aluno deveriam ser lugares
simultâneos e mútuos, e não competitivos cada um e entre si. A identidade não se forma nem em um
lugar nem em outro, mas na relação. Só serão construídas identidades profissionais de fato quando esses
papéis forem assumidos.
A pesquisa nos processos de formação e atuação dos professores é uma condição da docência.
A isso se agrega o reconhecimento social, o imaginário do professor e a sua valorização salarial.
“O que significa ser docente universitário para você?”, “Ser docente universitário foi sempre
assim, nos últimos 35 anos?”, “O que é ser docente nos anos 60, 70 e 80?”, “E hoje?”, “O fato de
estarmos em greve pode interferir nas minhas respostas?”. Tudo de bom no seu percurso. Seja
qual for o ponto de chegada que ele seja um bom ponto para uma nova jornada (respondente 6).
Essas palavras resumem, de alguma maneira, o próprio papel do docente, colocando a pesquisa como
condição, não legal, mas a ser usada para a ampliação do conhecimento citado anteriormente. A pesquisa
deve ser desenvolvida por alguém que tenha uma boa autoestima, favorecida por um reconhecimento
social e por um salário digno, essenciais para uma identidade profissional.O que significa ser docente
universitário para você? Tal pergunta só tem sentido se a resposta for útil para alguém ou alguma situação.
Ser docente universitário foi sempre assim? Esta questão leva a uma constante mudança, acompanhando
as diferenças do contexto histórico, social, geográfico e econômico. Enfim, uma atuação com bases em
valores firmes e objetivos ajustáveis. O compromisso político é proposto com a pergunta: “O fato de
estarmos em greve pode interferir nas minhas respostas?” (o questionário foi aplicado em período de
greve dos professores), e com a postura de crescimento do outro, por meio do desejo de coisas boas,
independente do ponto de chegada. Lembrando Guimarães Rosa, vale mais a caminhada que propriamente aonde se chega. A mola mestra de toda atuação docente é o fato de que a cada conquista abrem-se
novas perspectivas desafiadoras. O processo é dinâmico e contínuo, nem sempre com resultados visíveis
pelo que possibilitou.
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QUE SEJAM CONSIDERAÇÕES INICIAIS...
A identidade profissional é uma construção subjetiva, que tem como elementos básicos as características
do indivíduo e as características de uma determinada atividade de trabalho. Para que isso aconteça, o
ambiente de trabalho deve ser entendido como algo resultante dos compartilhamentos que se dão nas
interações humanas. Nele deve haver uma sintonia forte e consciente do trabalhador com os objetivos e
os valores da profissão ou atividade desenvolvida. Individualmente, a identidade é um importante fator
da realidade subjetiva, na qual o indivíduo é produto e produtor de sua carreira.
Carreira e identidade profissional são, ambas, construídas a partir das experiências vividas no trabalho e
das circunstâncias sociopolíticas e históricas que formam seu contexto.
O perfil dos professores que escolheram trabalhar com a atividade docente universitária mudou. Se antes
o foco era mais no magistério, na sala de aula, nas relações com os alunos e no acompanhamento do
desenvolvimento de sua formação acadêmica, hoje, a base da atividade envolve a pesquisa e as produções
escritas. As reflexões sobre o papel efetivo do docente universitário, segundo a amostra pesquisada,
não são trazidas aos debates, abrindo espaço para que, aos poucos, reforçadas pelos critérios avaliativos
atuais, sejam preponderantes as tipificações do pesquisador. Também não se oportuniza a real mudança
do papel do aluno como aquele que pesquisa junto com o docente, por exemplo. Em muitos relatos
sobre as influências para a escolha pela carreira docente, notou-se que a participação em projetos de
iniciação científica foi forte instrumento mobilizador. Entretanto, em muitos casos evidenciados nas falas
dos participantes, as ajudas dos bolsistas prendiam-se mais à execução de uma função de secretariado
ou de um secretariado “executivo”. Alguns mencionaram a palavra escravo, o que representa que a tarefa
foi desenvolvida praticamente pelo estudante, que tem nesta pesquisa um papel operacional, pois realiza
as atividades mais demoradas ou mecânicas, bem como a função de planejar e concluir, compartilhando
a autoria com o professor da disciplina.
Os professores pesquisados gostam da docência e se sentem identificados, em todos os segmentos,
com a atividade profissional. Mas algumas diferenças devem ser destacadas: no grupo dos entrantes, a
docência não é suficiente para que eles se sintam realizados, o que pode ser confirmado pelo número
de respostas que demonstram a disposição dos mestrandos e doutorandos a se dedicarem à docência
ou conjugá-la com outra atividade. Esse último dado, mais forte no grupo dos entrantes, reflete uma
identidade profissional menos focada, na qual os indivíduos mostram-se atentos a novas oportunidades,
abertos a reconstruções e sem a visão de uma escolha feita de modo definitivo na vida. Essa perspectiva
de carreira liga-se bem ao conceito de carreira proteana (HALL, 1996), na qual o foco é a adaptação às novas circunstâncias. Notam-se uma intencionalidade e uma busca de realização por meio de uma atividade
profissional docente mais definida no grupo dos professores com mais tempo de experiência, diminuindo
esse sentido à medida que se tomam os grupos pesquisados mais jovens. Fica clara, assim, a mudança
no perfil do profissional de docência superior: os entrantes não têm as mesmas características, nem os
mesmos objetivos, nem as mesmas pretensões dos docentes de vinte anos atrás. Consequentemente,
seus investimentos na carreira também serão diferenciados. Se aqueles que entram hoje não se envolvem
com a carreira como opção, também a carreira docente deveria moldar-se a esse novo profissional, e vice-versa. Durante as leituras das respostas dos participantes desta pesquisa surgiram algumas reflexões
que podem ser trazidas como futuras questões de pesquisa ou iniciadoras de novos temas, por exemplo:
Será que a docência passará a ser um refugo de profissionais em processo de decisão do que pretendem
fazer? Ou um local de transição e crescimento na área escolhida para permitir que o profissional se prepare
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melhor para o mercado de trabalho? Ou uma oportunidade de reposição do que não foi suficientemente
aprendido na graduação (foi citado que o aluno “não quer nada”!). Ou, ainda, uma oportunidade de fazer
as pós-graduações em condições melhores que os profissionais em atuação no mercado de trabalho (foi
citada a oportunidade de viagens e conhecer outras culturas), como é o caso de muitos mestrandos e
doutorandos? Ou será que a carreira docente tende a se tornar opção de pessoas mais conscientes e
identificadas com as atividades a serem desenvolvidas? Aqui ficam mais sugestões significativas para o
avanço da pesquisa nesta área, depois destes resultados.
Na percepção dos professores pesquisados, eles se acham felizes na profissão, quando considerados na
sua grande maioria. Os professores do primeiro grupo reforçam estar animados, entusiasmados, enquanto
nos outros grupos o tom de preocupação se destaca mais. A interpretação de felicidade é bem subjetiva,
mas aqui tender-se-á a relacioná-la a realização, pelos dados vistos nesta pesquisa. Voltando às análises
anteriores, embora todos os conflitos e todas as insatisfações, as pessoas da área docente se sentem
felizes. Poder-se-ia questionar então: se os alunos não estão dispostos a aprender, como relatado, se as
condições do trabalho e da carreira não atendem às necessidades e se as recompensas são insuficientes, qual é o conceito de felicidade desse profissional? Em algumas respostas, percebeu-se que é muito
difícil manter a motivação quando se tem toda uma dedicação no preparo das aulas, quando se gosta
do conteúdo ministrado e quando se investiu para estar no lugar de professor universitário, mas o aluno
não se interessa e o salário não compensa... Pelos dados desta pesquisa, não se tem clareza de onde
vem essa felicidade, podendo também esse ponto ser objeto de pesquisas futuras, uma vez que essas
ambiguidades perduram já por muito tempo.
As conclusões desta pesquisa podem contribuir para processos futuros de reestruturações da carreira
docente, com vistas a uma maior coerência entre o tipo de profissional que atua na docência e as atribuições que tipificam essa atividade. Se o professor universitário deve ser um educador, como constatado
nesta pesquisa, e se a educação é processo de formação mais que de informação, confirma-se a importância de incrementar a consciência das construções e reconstruções de identidades profissionais em
suas trajetórias de carreira.
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Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 530p. (Título original: Sociologie de L’enterprise.)
VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2010.
Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013.
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ARTIGOS
A CRISE NÃO RECONHECIDA: IDENTIDADE
DOCENTE DE PROFESSORES DO ENSINO
FUNDAMENTAL 2
Selma Oliveira Alfonsi
Vera Maria Nigro de Souza Placco
RESUMO: Este artigo se trata de um relato de pesquisa de mestrado que teve como objetivo investigar
como as exigências que os professores percebem que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, afetam
a sua identidade profissional. A pesquisa foi realizada com 26 professores de uma escola particular de
ensino fundamental 2, em São Paulo. O instrumento utilizado foi o questionário, que visava identificar
o processo de negociação identitária dos sujeitos. A pesquisa foi realizada segundo as concepções
sociológicas de Dubar (2005 e 2009) sobre identidade profissional. Os resultados apontaram que os
sujeitos encontram-se confusos quanto a sua função como professor, em decorrência das múltiplas
atribuições que acreditam lhes serem postas. Além disso, foi possível identificar que estão vivenciando
um momento de crise de identidade, apesar de não se narrarem literalmente nela. A crise é vista, neste
estudo, como uma ruptura com aquilo que os sujeitos acreditavam ser o seu papel.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade docente; identidade profissional; crise de identidade.
Teachers Identity
Abstract: This article shows the results presented in a research which aimed to investigate in what extent the
requirements that teachers realize to be made by the students’ families and by the school affect their professional
identity. Twenty-six teachers from a secondary private school in São Paulo took part in this research. A questionnaire was used in order to identify how the process of identity negotiation was carried out by these teachers. The
analyses were made according to the social conceptions of Dubar (2005, 2009) concerning the professional identity.
According to the data analyses it was possible to identify that teachers are confused in relation to the roles they are
supposed to play, due to the multiple attributions they believe to be required by the students’ families and by the
school. The results also showed that they are undergoing a moment of crises, although they do not literally say it.
Herein crisis is considered as a rupture of what individuals used to believe to be their roles.
Keywords: Teachers’ identity; professional identity; identity crisis.
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INTRODUÇÃO
As rápidas mudanças pelas quais a sociedade brasileira tem passado nos últimos anos, entre elas, o
aumento do número de mulheres no mercado de trabalho e a ida das crianças cada vez mais cedo para
a escola, têm refletido na escola e em seus agentes.
A escola é um ambiente complexo que requer reflexão sobre as muitas contradições existentes, entre a
pessoa e a sociedade, a harmonia e o conflito, a igualdade e a diferença (PERRENOUD, 2001). Apesar da
complexidade dessas relações no ambiente escolar, pensamos ser essencial que os professores, a família
e a escola caminhem juntos para poderem proporcionar ao aluno o seu desenvolvimento intelectual e formativo. Contudo, muitas questões e contradições podem interferir e até mesmo dificultar esse processo.
Sacristán (1991) pontua que a evolução da sociedade afeta a escola, fato que pode ser observado nas
notícias e artigos veiculados pela mídia, quando o desempenho dos alunos brasileiros é avaliado por
exames nacionais e internacionais, quando as empresas reclamam que a escola não está dando conta
de preparar os alunos para o mercado de trabalho ou quando se fala do baixo nível de qualificação dos
professores. Enfim, as cobranças sobre a escola e, consequentemente, sobre os professores, são muitas.
Diante desse cenário, surge um questionamento: nessa sociedade globalizada, na qual tudo muda muito
rapidamente e as demandas são cada vez maiores, principalmente sobre a escola, como ficaria a identidade profissional dos professores que precisam, cada dia mais, desempenhar diferentes funções? Qual
o significado da angústia e insegurança dos professores, que, por estarem inseridos nessa sociedade
mutante, espera deles também mudança de papéis e comportamentos? Qual o significado dessas mudanças em sua identidade profissional?
Nas palavras de Dubar, teórico da Sociologia, que trouxe grandes contribuições para este estudo, “a
identidade de uma pessoa é o que ela tem de mais valioso: a perda de identidade é sinônimo de alienação, sofrimento, angústia e morte” (2005, p. 25). Dessa forma, acreditamos ser importante considerar a
constituição identitária docente nos processos de formação continuada de professores.
Nessa perspectiva, surge a questão: como os docentes têm construído e reconstruído suas identidades
profissionais? O objetivo desta pesquisa, portanto, foi de investigar como as exigências que os professores percebem que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, afetam a sua identidade profissional. A
hipótese que nos norteou foi a de que, quando os professores percebem as demandas que lhes são feitas,
pelas famílias e pela escola, como incompatíveis com o que acreditam ser a função deles, eles tendem
a adaptar o próprio comportamento, a atuação pedagógica e a prática em sala de aula para responder a
essa demanda. No entanto, essa aceitação não significa concordância, tampouco uma identificação com
as funções que, segundo eles, espera-se que desempenhem. Ao procurarem atender a essas demandas,
os professores tendem a mudar as suas práticas pedagógicas, por vezes, a contragosto.
Ao analisar esse movimento de negociação entre o que eles acreditam que lhes é atribuído e sua atuação
profissional, buscamos indicadores que nos revelassem em que medida a identidade profissional desses
sujeitos está sendo afetada de forma a contribuir para os processos de formação de professores.
Na busca de respostas para esta investigação, optou-se por centrar o referencial teórico em dois eixos:
a identidade e a profissionalidade docente.
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O conceito de identidade requer reflexão e uma compreensão que precisa ser, ao mesmo tempo, profunda e abrangente, considerando-se dois fatores fundamentais: os contextos sociais e profissionais e
a trajetória dos indivíduos.
Em seu estudo sobre identidade de professores, Placco e Souza (2010) apresentam a pluralidade de
como o conceito de identidade é apresentado por diferentes autores, como Jacques, Kaufman, Marques
e Ciampa. Segundo esse estudo, a identidade pode ser definida como imagem e representação de si;
como as características de uma população que se constitui como minoria e busca ser reconhecida; como
as representações originadas tanto pelo sujeito quanto pelo meio social, as quais variam conforme os
tipos de sociedade, e como metamorfose, que significa que o indivíduo está em constante transformação.
Apesar de não haver um consenso entre os autores sobre o conceito de identidade, ou uma definição
única, é possível identificar que esses autores se referem a um indivíduo que busca a sua singularidade
dentro das relações, em um determinado contexto social.
Para Dubar, a identidade é o resultado de uma dupla operação: diferenciação, ato de definir-se como
diferente, “o que constitui a singularidade de alguma coisa ou de alguém relativamente a alguém ou a
alguma coisa diferente: a identidade é a diferença” (2009, p. 13), e generalização, que possibilita ao indivíduo identificar-se com aspectos comuns de dado grupo, criando, assim, a sensação de pertencimento
comum. Essas operações, diferenciação e generalização, criam um paradoxo, o que há de único e o que
é partilhado. Sob essa perspectiva, Dubar postula que não existe identidade sem alteridade, ou seja, o
indivíduo se constitui a partir do olhar do outro, em um determinado tempo e contexto. A identidade se
constitui pela negociação que o indivíduo vai fazer com as atribuições sociais, em um movimento dialético.
Por meio das suas experiências com o outro e com o seu contexto social, profissional e familiar, ele se
modifica e, consequentemente, a sua identidade é também modificada.
Dubar (2005) apresenta dois grandes processos – sintetizados neste artigo –, que se relacionam nos
modos de identificação dos indivíduos: o relacional e o biográfico. A construção da identidade segue no
sentido desses dois processos. O processo relacional refere-se às atribuições que o indivíduo recebe,
os reconhecimentos e não reconhecimentos. E o processo biográfico envolve as questões mais subjetivas, ou seja, apesar de tudo aquilo de concreto, objetivo que o indivíduo vivencia durante a sua trajetória
pessoal e profissional, ele tem uma forma subjetiva de interpretar esses acontecimentos em decorrência
de suas experiências passadas e também em função de suas projeções futuras.
Esses dois processos, relacional e biográfico, estarão sempre juntos, mas, em ambos, o indivíduo, como
ator, estará presente; é um movimento de ir e vir. É esse movimento que precisa ser observado, pois a
constituição da identidade não está somente no relacional ou no biográfico, mas sim na interação dos dois.
O autor utiliza dois termos oriundos do alemão, que foram definidos por Max Weber, para nomear duas
formas de identificação: as formas comunitária e societária. A forma comunitária, que está ligada ao
processo biográfico, refere-se à primeira identidade social do sujeito, aquela que está relacionada à sua
família, à sua etnia, à sua classe social, “a agrupamentos chamados ‘comunidades’, consideradas como
sistemas de lugares e nomes pré-atribuídos aos indivíduos [...]” (DUBAR, 2009, p. 15). Referem-se a
questões essenciais de identidade, como o indivíduo se nomeia em função das atribuições que os outros
lhe deram: pai, mãe e a sua formação.
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A forma societária, que está ligada ao processo relacional, refere-se às várias fontes de identificação
do sujeito: casamento, trabalho, e a todos os outros grupos sociais que possibilitam que esse indivíduo
se nomeie e se identifique. No entanto, essa identificação não é definitiva, mas existe por um tempo
limitado e implica escolha. O indivíduo opta por se associar a algo ou a alguém. Esses grupos também
lhe farão atribuições que, ao serem aceitas pelo sujeito, tornam-se ou não uma pertença. O sujeito irá se
identificar ou não com o grupo ou instituição opta por participar ou não desse grupo. As formas societárias “supõem a existência de coletivos múltiplos, variáveis, efêmeros, aos quais os indivíduos aderem
por períodos limitados e que lhe fornecem recursos de identificação que eles administram de maneira
diversa e provisória” (DUBAR, 2009, p. 15). Dessa forma, os indivíduos passam por múltiplas pertenças
que podem mudar ao longo da sua vida, mas será na articulação entre a atribuição e a pertença que
consistirá o processo de constituição identitária do indivíduo.
Dubar propõe, também, outras formas intermediárias de identificação: a forma reflexiva, a narrativa, a
estatutária e a cultural, que apresentamos a seguir, de forma sintética. Faz-se necessário ressaltar que
as formas identitárias foram construídas em decorrência de um profundo mergulho do autor nas obras
de Elias, Weber e Marx. Essas formas de identificações foram construídas e ilustradas historicamente,
em decorrência das mudanças políticas, simbólicas, econômicas e não ocorreram de forma isolada.
Os indivíduos se organizam, prioritariamente, em torno das formas comunitárias ou societárias, como
relatado anteriormente. Quando existe uma associação de um modo de identificação do Nós comunitário,
e de um Eu íntimo, ou seja, quando a subjetividade do indivíduo e as suas questões internas estão mais
fortes, esse indivíduo encontra-se na forma reflexiva, que é “esse modo específico de identificação que
consiste em procurar, argumentar, discutir, propor definições de si mesmo fundadas na introspecção e
na busca de um ideal moral” (DUBAR, 2009, p. 47). Na forma cultural, há um predomínio do Nós comunitário, da etnia, dos traços culturais; o indivíduo se define para e pelo outro. Nas palavras do autor,
“os indivíduos são designados por seu lugar na linhagem das gerações e por sua posição sexuada nas
estruturas de parentesco” (DUBAR, 2009, p. 30).
A forma narrativa não implica uma reflexão interna sobre si mesmo, mas um predomínio da sua ação no
mundo. “Cada um se define pelo que faz, pelo que realiza, e não pelo seu ideal interior. Ela se organiza
em torno de um plano de vida, de uma vocação que se encarna em projetos, profissionais e outros”
(DUBAR, 2009, p. 50). O indivíduo tem uma projeção de si mesmo, que existe apesar das crises, dos
problemas, mas ele se projeta para o futuro, tem planos e busca realizá-los. A sua identificação é pessoal,
mas está voltada para o exterior.
Quando o indivíduo tem uma propensão maior às formas societárias, seu Eu é estratégico e implica a
aprendizagem de “novas maneiras de dizer, de fazer e de pensar valorizadas pelo Poder” (DUBAR, 2009,
p. 38). O indivíduo escolhe estar em determinada instituição porque tem interesses, objetivos e projetos.
Dessa forma, ele cumpre as regras, os estatutos e as atribuições que lhe são feitas, porque o cumprimento das regras é do seu interesse. Nesse momento, ele está mobilizando a forma estatutária. Dubar
não afirma que existe uma forma de identificação única e predominante, e elas não são mobilizadas de
forma estanque, separadas, descoladas, mas sim em um movimento contínuo, e dependem do contexto
e da situação em que o indivíduo está inserido.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que existe um movimento histórico, de processos históricos, coletivos e individuais, que modificam a configuração das formas identitárias. Dessa forma, a identidade é
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compreendida como “resultado, a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e
objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem
os indivíduos e definem as instituições” (DUBAR, 2005, p. 136).
A identidade é um processo de construção, dentro de um contexto histórico-social do indivíduo, na articulação de atos de atribuição (do outro para si), o que eu acho que o outro diz de mim e de pertença (de
si para o outro), o que eu digo de mim, em um movimento contínuo e permanente. O indivíduo vive numa
sociedade, recebe as atribuições que lhe são feitas, vive as suas experiências, aceita ou não as atribuições
que ele percebe que lhe são postas, e se redefine constantemente. Esses processos estão imbricados
num movimento constante e dialético, pois a identidade de uma pessoa não é feita à sua revelia e não
se pode prescindir dos outros para forjar nossa própria identidade. (DUBAR, 2005)
Dubar (2005) denomina os atos de atribuição como sendo aqueles que visam definir que tipo de homem
ou mulher você é, que seria a identidade para o outro. As atribuições percebidas pelo sujeito nos levam
a saber como ele está negociando com elas, como ele vai reagir a elas, como ele as lê e as interpreta. O
indivíduo pode recusar as atribuições sem ter consciência de que está recusando; por exemplo, ele pode
recusar uma atribuição fazendo de conta que está aceitando-a. O sujeito não muda se ele não quiser; ele
é o protagonista, a identidade é dele.
Quando o sujeito não consegue negociar com as atribuições que lhe são postas, ele pode passar por
uma crise. Dubar (2009, p. 20) fala da crise como “ruptura de equilíbrio entre diversos componentes [...]
perturbações de relações relativamente estabilizadas entre elementos estruturantes da atividade [...]”.
Essas rupturas, sejam elas de nível social ou econômico, podem afetar os comportamentos econômicos,
as relações sociais e as subjetividades individuais.
As crises, pessoais, econômicas ou sociais, são inerentes aos processos de constituição identitária, pois
“a crise revela o sujeito a si mesmo, obriga-o a refletir, a mudar, a lutar para ‘libertar-se’ e se inventar a
si mesmo, com os outros. A identidade pessoal não se constrói de outra forma” (DUBAR, 2009, p. 255).
Entendemos que as crises estão presentes, fazem parte da vida de todos e mobilizam mudanças. Como
esta pesquisa visa compreender a identidade docente, essa mobilização de mudanças, para muitos professores, principalmente aqueles que estão no magistério há muito tempo, pode tornar-se um problema
e gerar sentimentos de exclusão. Para outros, no entanto, as crises podem levá-los a refletir e buscar
novas formas de atuação profissional.
Cada professor, como indivíduo e um ser social, tem um movimento identitário próprio. Esse professor
vem para a escola com uma identidade constituída no âmbito social, e vai entrar nas relações desse
contexto profissional. Ele continua mobilizando a sua identidade; uns mobilizam mais, têm uma dinâmica
mais forte, outros têm uma dinâmica reativa, por isso é muito diferente para cada um. Por outro lado, essa
escola tem uma cultura, um contexto próprio, isto é, ela é uma comunidade cultural de formas relacionais,
e dessa forma, a identidade desse professor vai se constituir nesse ambiente.
Ser professor no século XXI implica assumir que, tanto o conhecimento quanto os alunos se transformam
mais rapidamente do que se estava acostumado, e, para responder adequadamente ao direito de aprender dos alunos, é necessário que o docente faça um esforço redobrado para continuar a aprender, pois o
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papel do professor é fundamental nas possibilidades de aprendizagens dos alunos, e precisa compreender
como se configura a sua profissionalidade (MARCELO, 2009b).
Para Roldão (1998), a profissionalidade é aquilo que caracteriza um profissional e o distingue de outro. A
autora afirma que todas as profissões que construíram o reconhecimento de um estatuto de profissionalidade se afirmam, se reconhecem e são distinguidas na representação social, pela posse de um saber
próprio e distintivo. Para a autora, a principal função do professor é a de ensinar, não como simples ação
expositiva e desinteressada da aprendizagem, mas imbricada a ela. Assim, acreditamos que os professores precisam saber qual é a sua função, precisam mobilizar os saberes educativos, saber qual o grau
de poder e de autonomia inerentes à sua função e ter a capacidade de refletir sobre a sua função e as
suas práticas, para poder redirecioná-las.
Sacristán (1991) postula que o ensino é uma prática social e só se concretiza na interação entre professores e alunos; que “a função dos professores define-se pelas necessidades sociais a que o sistema
educacional deve dar resposta” (p. 67). E que diante das constantes mudanças na sociedade, diferentes
aspirações e exigências são formuladas para as escolas, bem como um conjunto cada vez mais alargado
de funções se apresenta. Segundo o autor, “esta evolução da exigência social, especialmente projetada
na educação pré-escolar e na escolaridade obrigatória em geral, conduz a uma indefinição de funções”
(SACRISTÁN, 1991, p. 67). A escola busca responder às necessidades da sociedade, mas vale ressaltar
que as demandas sobre as instituições educativas aumentaram significativamente e as exigências para
que se prepare o aluno para atuar nesse mundo são grandes.
Libâneo (2007) afirma que a função social e política da escola é a de dar ao aluno uma educação geral, que
propicie a oportunidade de dominar os conhecimentos científicos, desenvolver capacidades intelectuais,
aprender a pensar e internalizar valores e atitudes. Nessa perspectiva, o professor precisa adequar-se
rapidamente às mudanças sociais e também às mudanças teóricas, de abordagens metodológicas que
se fazem presentes nas práticas diárias. No entanto, com essa diversidade conceitual, existe a possibilidade de o professor não ter o tempo suficiente para absorver tais transformações, o que pode levá-lo
a um sentimento de instabilidade e até mesmo a uma dificuldade de se narrar, de saber exatamente
qual é o seu papel, o que remete à noção de crise num dos sentidos postulados por Dubar: “Fase difícil
atravessada por um grupo ou indivíduo” (2009, p. 20).
Os professores do ensino fundamental 2I, por serem especialistas e licenciados nas suas disciplinas,
detêm o domínio do conteúdo a ser ensinado. No momento em que a sociedade requer que o professor
dê conta de outras funções, as quais ele julga que não fazem parte do seu papel, o professor pode sentir
que a importância desse conhecimento não tem o valor e o respeito merecidos. Shulman (1986) ressalta
a importância do conhecimento construído pelo professor, ou seja, a base do conhecimento do professor
sobre aquilo que constitui o conteúdo do ensino. Entendemos que ser professor não é uma tarefa simples;
faz-se necessário a articulação de conhecimentos e a mobilização de saberes pedagógicos que tenham
como objetivo principal a aprendizagem dos alunos.
METODOLOGIA
O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário, com perguntas abertas e fechadas, e o
mesmo foi respondido por vinte e seis professores do ensino fundamental 2 de uma escola particular de
classe média da cidade de São Paulo, cujo quadro de discentes é formado, em sua maioria, por alunos
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nipodescendentes. A maioria dos sujeitos da pesquisa está no exercício da profissão há mais de dez
anos. Esse dado é muito relevante para as análises, pois, quando esses professores falam em mudanças ou adequações que são necessárias às demandas atuais, é preciso considerar que, por exercerem
a profissão há muitos anos, eles possuem um grau de experiência que pode respaldar as suas falas, em
decorrência de terem participado de vários momentos de transformações sociais, políticas e econômicas.
Além disso, como docentes, vivenciaram as discussões teóricas e metodológicas que perpassaram a
educação nos últimos anos.
Importante relatar que, para uma melhor compreensão das análises, descreveremos a seguir as perguntas feitas
no questionário. Perguntas fechadas: sexo, idade, graduação, tempo de graduação, disciplinas que leciona.
As perguntas abertas foram:
a) Em sua opinião, qual é o papel do professor?
b) Partindo-se do pressuposto de que os pais têm grande preocupação com a formação acadêmica de seus filhos, o que você acha que eles esperam do professor, além do ensino do conteúdo?
c) Essas atribuições o(a) afetam de alguma forma? Como? Por quê?
d) Você acredita que o seu plano de ensino é alterado ao ter de lidar com outras questões que
estão fora do conteúdo da aula? De que forma?
e) Diante das demandas atuais, o que você acha que a escola espera de você? Essas atribuições
o(a) afetam? De que forma? Por quê?
f) Você acredita que a sua formação acadêmica inicial lhe forneceu ferramentas para enfrentar
essas demandas? Justifique;
g) Como você se sente ao pensar sobre as relações aluno-professor-escola-família?
h) Além das expectativas da família e da escola em relação ao professor, existe alguma coisa
que você queira relatar?
Na articulação da análise das falas com a fundamentação teórica, três categorias de análise foram
identificadas: “Ser professor”, “Profissionalidade: atribuição e pertença” e “Sentimentos”, que serão
apresentadas a seguir.
SER PROFESSOR
Na categoria Ser professor, várias discussões emergiram como, por exemplo, o que os sujeitos entendem por ser professor, em que medida esse “ser professor” é afetado por questões internas ao próprio
indivíduo e por questões de seu ambiente de trabalho, ou seja, pelas circunstâncias e pelas pessoas com
as quais ele precisa interagir.
Para muitos desses sujeitos, a função do professor refere-se, principalmente, a ser um mediador e facilitador da aprendizagem, como pode ser observado nas respostas abaixo:
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“Mediar o conhecimento teórico e prático, adaptando os conceitos ao determinado grupo, um facilitador”
(R., sete anos de magistério).
“O professor também é um facilitador nesse processo, providenciando ferramentas para que
seus alunos possam organizar melhor a forma de pensar [...]” (F., dez anos de magistério).
“Para mim o professor tem a tarefa de mediar, orientar, mostrar o caminho que o aluno tem
que perceber entre o conhecimento e ele mesmo” (C., quinze anos de magistério).
Ao ler essas definições, verifica-se que um número grande de sujeitos entende a função do professor
como sendo um a de um facilitador e mediador da aprendizagem do aluno. Por meio de uma leitura mais
minuciosa do conjunto das respostas, tem-se a impressão de que elas são reproduções de metodologias
popularizadas nas últimas décadas.
Nóvoa (2000, p. 17) diz que “os professores são, paradoxalmente, um corpo profissional que resiste à
moda e que é muito sensível à moda”. Não pretendemos, em momento algum, diminuir a importância
das teorias sobre ensino e aprendizagem e sobre o papel do professor nesses processos. No entanto, é
importante observar que, ao se narrarem como formador, educador, facilitador, utilizam um discurso que
entrará em contradição mais adiante ao responderem outras questões, o que aponta para uma falta de
clareza, ou para uma compreensão um tanto confusa sobre o que é ser professor.
Por um lado, existe a possibilidade de, por atravessarem tantas mudanças, não somente sociais, mas
também metodológicas e de concepção da educação, esses indivíduos não tiveram o tempo suficiente
para elaborar os seus conhecimentos, acomodar esses conhecimentos às suas práticas, refletir sobre
essas práticas, questionar as diversas metodologias e escolher, criticamente, qual o caminho a seguir.
Por outro lado, ao se narrarem como mediadores e facilitadores, eles podem estar tentando mostrar que
valorizam a transmissão do conhecimento, ou seja, o informar, mas ao mesmo tempo estão buscando
outras formas menos tradicionais de levarem esses conhecimentos aos seus alunos, bem como, uma
construção conjunta desse conhecimento. PAREI
Poucos sujeitos utilizaram a palavra ensinar para descrever a sua função, o que nos remete a Roldão,
que acredita, como vimos anteriormente, que a função do professor é ensinar (ROLDÃO, 1998, p. 82).
“O papel do professor é ensinar o conhecimento que contribua na formação do cidadão” (C.,
3 anos de magistério).
“Ensinar os conteúdos importantes para passar de ano, passar no vestibular e que seja de
importância para o dia a dia” (T., 8 anos de magistério)
Outros sujeitos disseram que para eles, ser professor é ser formador.
“O papel do professor hoje, no meu ponto de vista, é o de educador, não só transmitindo conhecimentos, mas também resgatando valores perdidos na família” (M., 24 anos de magistério).
“[...] O professor também é um educador, pois atualmente ele não lida somente com o conteúdo
da disciplina que leciona” (K.,10 anos de magistério).
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“Atualmente o papel do professor mudou muito. Deixamos de ser somente transmissores de conhecimentos, precisamos ser capazes de levar o aluno a questionar” (C., 33 anos de magistério).
Na leitura das falas desses sujeitos, confrontando o conjunto de suas respostas, observamos que eles
se contradizem ao dizerem que ser professor é ser formador, e, logo a seguir, ao responderem se são
afetados pelas demandas das famílias e da escola, dizerem que “perdem tempo” e muitas vezes não
conseguem cumprir o seu plano de ensino do conteúdo por precisarem lidar com outras questões, como
ensinar valores, o que, na opinião deles, seria de responsabilidade das famílias.
“Afetam porque não é possível passar valores morais e éticos quando não há apoio ou reforço
desses valores no âmbito familiar. Como disse, esse trabalho formativo deve ser conjunto entre
família e escola e, sendo muitas vezes unilateral, torna-se exaustivo e às vezes, infrutífero” (L.,
29 anos de magistério).
“Afetam sim. Hoje em dia os pais transformaram muito a educação que os alunos devem
trazer de casa para a escola e isso muitas vezes atrapalha o andamento da aula” (C., 15 anos
de magistério).
“Afetam-me em parte, pois muitas vezes preciso cuidar de algumas atribuições que competem
aos pais e não ao professor” (E., 20 anos de magistério).
“Afetam sim. Hoje em dia os pais transformaram muito a educação que os alunos devem
trazer de casa para a escola e isso muitas vezes atrapalha o andamento da aula” (C., 15 anos
de magistério).
“Sim. Aumentaram as responsabilidades e cobrança. Parte dos objetivos idealizados pelo
professor acaba ficando para segundo plano” (T., 45 anos de magistério).
“Essas atribuições me afetam, pois enquanto ‘tudo’ vai bem, a família está ao meu lado, porém, quando há alguma forma de conflito, seja ele de ordem cognitiva ou de valores, a família
entra em atrito, exigindo retratações inadequadas, pois não compactuam com meus valores,
ou minhas atitudes” (L., 51 anos, 33 de magistério).
“Atualmente os pais têm transferido aos professores não só a responsabilidade de transmitir
os conteúdos aos alunos, mas também a de educá-los moralmente, o que seria a função deles”
(S., 29 anos de magistério).
Percebemos que essas respostas demonstram certo inconformismo desses sujeitos, não somente pelo
fato de terem mais afazeres, mas por não acreditarem, não somente como profissionais, mas como sujeitos, que devam dar conta dessas atribuições. Ao dizerem que “parte dos objetivos idealizados pelos
professores ficam em segundo plano” ou que as famílias exigem “retratações inadequadas, pois não
compactuam com meus valores” evidencia que não concordam com o que estão vivendo. Nóvoa diz ser
“impossível separar o eu profissional do eu pessoal” (2000, p. 17). Essas colocações levam-nos a identificar a existência de uma crise de identidade, de forma que os sujeitos precisam agir de determinada
forma, responder certas demandas, no entanto, o fazem por obrigação.
Ao se verem obrigados a atender a essa demanda, sentem-se angustiados e veem desmoronar suas
convicções. Esses sentimentos de não pertencimento afetam a sua identidade profissional e, consequentemente, a qualidade de sua aula, recaindo inevitavelmente sobre o processo de ensino e aprendizagem.
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Roldão pontua que o professor é herdeiro de um passado, um tanto recente, no qual a sua identidade se
definia pelo domínio de um saber e de um poder socialmente reconhecidos, sendo ele o detentor exclusivo
do saber para ministrar os conhecimentos, mesmo que fossem básicos. No entanto a autora afirma que
o exercício da função mudou, mas que, no essencial, a função profissional não mudou (ROLDÃO, 1998).
Dessa forma, resgatar a maneira como o professor se descreve parece ser um passo importante para o
seu processo de constituição identitária, pois Dubar (2009), ao falar sobre a forma narrativa de identificação, afirma que cada um se define pelo que faz e realiza.
Vários professores se narraram como transmissores de conteúdos:
“O papel do professor é transmitir os conteúdos específicos de sua disciplina, fazendo uso dos
conhecimentos linguísticos, culturais e sociais do aluno a fim de atingir os objetivos propostos”
(F., 15 anos de magistério).
“O professor é um transmissor de informação, mas não apenas isso: é responsável pela formação também dos seus alunos. É um elo entre conhecimento e aprendizagem” (S., 22 anos
de magistério).
“O papel do professor é transmitir ao aluno conhecimentos acadêmicos considerados relevantes
para sua formação e desenvolvimento [...]” (T., 2 anos de magistério).
“Transmitir com segurança os conteúdos das matérias que leciona [...]” (S., 29 de magistério).
Por meio dessas respostas, que parecem ir mais ao encontro de seu contexto de ensino, podemos inferir
que os professores detenham e valorizem bastante os conhecimentos de sua disciplina, como pontua
Shulman (1986). O autor acrescenta ainda que as bases do conhecimento do professor são: o conhecimento do conteúdo, dos conceitos, dos procedimentos e processos; o conhecimento pedagógico do
conteúdo, as analogias, as ilustrações e o conhecimento do currículo propriamente dito. Supõe-se que
esses professores, principalmente por se tratarem de especialistas em suas disciplinas, detenham e
valorizem tais conhecimentos.
Além disso, ao se levar em consideração que esses sujeitos atuam em uma escola que preza pelo conhecimento e pelos conteúdos, não é surpreendente essa preocupação. Entretanto percebe-se que eles
pensam o conteúdo de forma descolada e não integrada, como apresentado por Libâneo (2007), que
entende o conteúdo como uma composição de vários elementos, que incluem o programa, os métodos,
os valores e os modos de enfrentar o mundo. Pode-se inferir que, para esses professores, o conteúdo é
entendido muito mais como apresenta Shulman (1986), do que como entende Libâneo (2007). Tudo indica
que, na compreensão do papel do professor, para esses sujeitos, existe a dicotomia formar e informar.
Essa aparente contradição, entre formar e informar, demonstra o movimento de negociação identitária,
postulado por Dubar (2005), entre a identidade “virtual”, que é aquela proposta por alguém, que nesse
caso seria a de “formar” e a identidade “real”, às quais os indivíduos aderem, e que, no caso da maioria
dos sujeitos, seria a de “informar”. Esse movimento é realizado inconscientemente pelos indivíduos, pois
eles não têm a percepção de que sua identidade está sendo afetada.
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Embora os seus discursos indiquem uma valorização do formar, percebe-se que o informar é mais forte.
De alguma maneira, essa contradição faz com que eles possam suportar a crise, porque utilizam o formar
como sendo o protagonista da sua ação pedagógica, e assim, a sua identidade virtual está, teoricamente,
atendendo às demandas das famílias e da escola. No entanto eles enfatizam o informar e se queixam das
demandas do formar, que são advindas dos pais e da escola e da falta de tempo para lidar com elas. Eles se
definem, mas não se projetam, o que indica uma crise de identidade. Nas palavras de Dubar (2005, p. 140):
A relação entre as identidades herdadas, aceitas ou recusadas pelos indivíduos, e as identidades
visadas, em continuidade às identidades precedentes ou em ruptura com elas, depende dos
modos de reconhecimento pelas instituições legítimas e por seus agentes que estão em relação
direta com os sujeitos envolvidos. A construção das identidades se realiza, pois, na articulação
entre os sistemas de ação, que propõem identidades virtuais, e as “trajetórias vividas”, no interior
das quais se forjam identidades “reais” às quais os indivíduos aderem. [...] Pode ser traduzida
tanto por acordos quanto por desacordos entre identidade “virtual”, proposta ou imposta por
outrem, e identidade “real”, interiorizada ou projetada pelo indivíduo.
Embora os seus discursos indiquem uma valorização do formar, percebemos que o informar é mais forte.
De alguma maneira, essa contradição faz com que eles possam suportar a crise, porque utilizam o formar
como sendo o protagonista da sua ação pedagógica, e assim, a sua identidade virtual está, teoricamente,
atendendo às demandas das famílias e da escola. No entanto eles enfatizam o informar e se queixam das
demandas do formar, que são advindas dos pais e da escola e da falta de tempo para lidar com elas. Ele
se define, mas não se projeta, o que indica uma crise de identidade.
PROFISSIONALIDADE: ATRIBUIÇÃO E PERTENÇA
Na análise dessa categoria observamos que a profissionalidade desses indivíduos está sendo confrontada
entre aquilo que acreditam ser a sua função e as atribuições que acreditam que lhes são postas pelas
famílias e pela escola.
Essas contradições podem ser mais bem exemplificadas quando os sujeitos respondem a questão sobre
o que eles acreditam que os pais esperam do professor.
“Acredito que os pais querem que os professores passem, além do conteúdo, noções de solidariedade e respeito às diversidades” (Y., 5 anos de magistério).
“Os pais esperam que as crianças, além do conhecimento do conteúdo, saibam também resolver
problemas, saibam se comportar diante das situações diversas, ou seja, os pais acreditam que
a escola deva dar a base da ‘formação’ do indivíduo” (I., 24 anos de magistério).
“Acredito que, além da formação acadêmica, os pais também esperam que os professores
ajudem na educação social dos seus filhos” (C., 15 anos de magistério).
“Além do conteúdo, os pais esperam a superproteção aos seus filhos, desejam que a formação
dada aos filhos seja, em geral, parecida com a da família, e não a de um consenso.” (I., 25
anos de magistério)
De acordo com essas respostas, pode-se observar a ambiguidade em que vivem esses professores,
porque, segundo eles, os pais esperam que eles informem e formem. Eles se dizem formadores e transmissores de conteúdos, mas ao serem questionados se essas demandas os afetam, eles são quase
unânimes em responder que sim.
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Como o objetivo desta pesquisa é investigar se as demandas percebidas pelos professores afetam a sua
identidade profissional, podemos verificar que esses sujeitos acreditam que a sua função seja ensinar os
conteúdos, mas, ao serem confrontados por outras questões, eles se mostram confusos. Ao se narrarem
formadores, orientadores, eles estão negociando, de forma consciente ou não, como os estatutos, pois
se é esperado da escola formar, ele tem que formar, apesar de não acreditar que seja sua função. Eles
se nomeiam objetivamente, mas não concordam subjetivamente.
Essa negociação nos remete a Dubar (2009), que fala da forma de identificação estatutária. Essa forma
identitária, como já apresentada, é por adesão. O indivíduo escolhe participar desse grupo social. Como
a maioria dos sujeitos dessa pesquisa é de professores que exercem a profissão há muitos anos, e que,
apesar de não concordarem com o que as famílias esperam deles, acatam objetivamente porque querem
permanecer nesse grupo, apesar de não aceitarem algumas atribuições.
Esse não concordar fica visível quando a professora I. diz que os pais esperam “superproteção aos filhos”
e a professora S. diz que vê a necessidade de formar porque “percebe que os alunos não recebem isso
em casa.” Eles se veem forçados a atuarem como formadores.
Outros sujeitos também demonstraram não concordar, quando falam de transferência de papéis, como
pode ser visto nas respostas a seguir:
“Acho que os pais também esperam que o professor passe aos alunos valores morais e éticos. Na verdade, acho que os pais estão transferindo totalmente essa responsabilidade aos
professores e se esquecem que a formação de seus filhos deve ser compartilhada entre eles
e a escola” (L., 29 anos de magistério).
“Eles nos responsabilizam por toda a formação da criança. Já não existe (raro) aquela educação
que vem de casa. Toda e qualquer atitude, reação, postura da criança, a responsabilidade passou
a ser da escola e consequentemente do professor. (T., 45 anos de magistério).
“A família espera que o professor ‘dê’ a formação de valores para seus filhos. Hoje os pais
transferem toda a responsabilidade da formação de seus filhos aos professores” (L., 33 de
magistério).
“Atualmente os pais têm transferido aos professores não só a responsabilidade de transmitir
os conteúdos, mas também a de educá-los moralmente, o que seria a função deles” (S., 29
anos de magistério).
“Alguns pais deixam sob a responsabilidade da escola, consciente ou inconscientemente, a
educação que os jovens deveriam ter dentro em seus lares, como: boas maneiras e limites. Os
alunos não têm discernimento da função que têm a escola. Não enxergam o professor como
autoridade, alguns alunos veem a escola como a extensão de suas casas, e, como seus pais
não lhes dão limites, agem como se estivessem em suas casas (D., 19 anos de magistério).
Os professores percebem que, com o passar dos anos, os alunos e as famílias mudam. Consequentemente,
as demandas sobre a escola também mudam, exigindo deles o cumprimento de outros papéis, aos
quais a maioria não adere, por se sentirem, de certa forma, menos valorizados na sua função específica
de professor transmissor de conhecimento. Entretanto apesar de eles também valorizarem a função de
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professor formador, percebem que essas mudanças, que demandam que eles exerçam também outras
funções além de transmissor do conhecimento, estão trazendo prejuízo para a própria educação dos alunos
ao retirar o tempo do ensino do conteúdo, já que eles precisam cuidar de questões, as quais esperariam
que fossem assumidas pelos pais.
As falas acima sugerem uma não identificação com o que, na opinião dos sujeitos, lhes é posto pelas
famílias. Dessa forma, esses professores não tornam as atribuições em pertenças, lembrando que, na
teoria de Dubar, esses termos significam: atribuição (do outro para si), o que o outro diz de mim e pertença
(de si para o outro), o que eu digo de mim (DUBAR, 2005).
Ao afirmar que ser professor é também ser formador, mas, ao mesmo tempo, não concordar com a
atribuição de formador conferida a ele pelas famílias, faz com que essa atribuição não se transforme em
pertença, gerando um paradoxo. Percebe-se uma tensão entre a atribuição e a pertença, prevalecendo a
atribuição (PLACCO; SOUZA, 2010). Se a atribuição não prevalecer, ou se a pertença for muito significativa
para o professor, a crise se instala, pois significa que ele não está conseguindo fazer as negociações para
acomodar o que ele acredita ser a sua pertença (de si para o outro), com o que está sendo atribuído a ele.
Dessa forma, ao ler essas respostas e observar que foram escritas por professores que, em sua
maioria, estão no exercício da docência há muitos anos, podemos inferir que eles perceberam que as
demandas sobre o professor se modificaram. Ao falar em transferência de responsabilidade, infere-se
que a responsabilidade de formar não era considerada deles, mas passou a ser, por atribuição de outros,
apesar de eles não concordarem com ela.
Importante ressaltar que, para esses sujeitos, formar significa ensinar boas maneiras, posturas adequadas
ao ambiente escolar. Ensinar limites e o respeito ao próximo, valores morais e éticos.
As variáveis idade e tempo de magistério tiveram uma influência que pode ser considerada significativa
nesta análise, visto que a maior resistência à transferência de papéis é advinda de professores com mais
de 19 anos de magistério e com idade acima de 46 anos. Ao confrontarmos as respostas com o local
onde foi realizada a pesquisa, é possível compreender esse estranhamento por parte dos professores, à
medida que a maioria dos alunos dessa instituição é nipodescendentes, e que, culturalmente, costumam
ter uma educação familiar mais rígida. Sendo assim, os professores não esperam ter que ensinar boas
maneiras ou limites a esses alunos.
Entretanto, vale salientar que os alunos dessa escola pertencem à terceira ou à quarta geração dos imigrantes que inicialmente frequentava essa instituição. É, portanto, natural que mudanças de comportamento aconteçam, em decorrência de vários fatores, entre eles, uma forma menos rígida e conservadora,
adotada pelas famílias mais jovens, de educar seus filhos.
Nóvoa (2000) diz que a construção de identidades é um processo complexo e que “necessita
de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças” (p.
16). Por essa razão, acreditamos na existência de uma crise, pois as respostas dos professores sugerem
uma mudança de referenciais, uma ruptura de equilíbrio e, provavelmente, eles ainda não tiveram tempo
de digerir tais transformações.
Essa aparente contradição entre formar e informar demonstra o movimento de negociação identitária
postulado por Dubar (2005), entre a identidade “virtual”, que é aquela proposta por alguém, que nesse
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caso seria a de “formar” e a identidade “real”, às quais os indivíduos aderem, e que, no caso da maioria
dos sujeitos, seria a de “informar”. Esse movimento é realizado inconscientemente pelos indivíduos, pois
eles não têm a percepção de que sua identidade está sendo afetada. Ao se verem obrigados a atender a
essa demanda, sentem-se angustiados e veem desmoronar suas convicções. Essa crise de pertencimento
afeta a sua identidade profissional e, consequentemente, a qualidade de sua aula, recaindo inevitavelmente
sobre o processo ensino e aprendizagem dos alunos.
SENTIMENTOS
Durante as análises das categorias “Ser professor” e “profissionalidade: atribuição e pertença”, percebemos que as respostas foram permeadas por palavras que indicavam os sentimentos dos sujeitos. Esses
sentimentos eram por vezes positivos, de motivação e de desafio, mas outras vezes de insegurança pela
falta de tempo para estudar ou dar suas aulas como planejado, de angústia pela sobrecarga de atividades
e principalmente de preocupação com as inversões de papéis vivenciadas hoje na escola.
“Sinto que temos uma grande responsabilidade em nossas mãos. A cada ano novas mudanças,
novos desafios, novas realidades” (C., 33 anos de magistério).
“Sinto-me completamente desgastada porque nunca sabemos como agir. Temos que agradar ao
aluno, aos seus pais, à escola, que consequentemente se mostram perdidos, sem convicções
definidas” (L., 29 anos de magistério).
“Sinto-me preocupada, pois percebo que o aluno e a família não respeitam mais a escola/professor, pois questionam muito o trabalho do profissional, mas delegam a educação dos filhos
à escola. (F., 15 anos de magistério).
“Um pouco desconfortável, porque, infelizmente, está cada vez maior o número de pais que
pensam que a escola – e por extensão o conhecimento – é uma mercadoria. Até mesmo algumas
escolas têm essa visão. Dessa forma, encaram-na como uma loja vendedora de diplomas. O
professor fica ‘num fogo cruzado’. A escola quer vender, o aluno quer comprar, e o professor
‘atrapalha’ os dois lados” (T., dois anos de magistério).
“Sinto que essa relação não está muito bem equacionada e as obrigações estão mais voltadas
para a escola e o professor. Estou certa de que essa situação é irreversível e a responsabilidade
maior incidirá sobre o professor, que, acima de tudo, deverá ser um educador” (D., 19 anos
de magistério).
“Preocupada porque hoje em dia parece que a escola e os professores fazem mais o papel da
família do que a própria família” (T., oito anos de magistério).
Vários sujeitos mencionaram a necessidade de ação conjunta entre aluno-professor-escola-família:
“Sinto que essa relação ainda está muito longe do que poderia ser ideal. Se todos trabalhassem
juntos, tenho certeza que a educação poderia melhorar bastante” (K., 10 anos de magistério).
“Tem que andar juntos, ou seja, falar a mesma língua para que ocorra um equilíbrio harmônico
na educação e formação do jovem” (V., 24 anos de magistério).
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“Eu acredito que um bom trabalho só é feito quando há plena integração entre esses elementos.
O apoio e o diálogo entre escola e a família é fundamental” (I., 24 anos de magistério).
“Penso que é uma relação ideal, porém, não é a real. Muitas vezes a corrente pode se quebrar
em um desses elos” (S., 22 anos de magistério).
“Eu sinto que essas relações devem estar muito próximas e que as conexões devem ser feitas
de todas as formas, sem restrições para que o aluno seja o maior beneficiário de todos” (L.,
20 anos de magistério).
As respostas acima sugerem que, se há uma preocupação por essa integração, por esse equilíbrio, é
porque ela não existe. Ela não existindo, não pode haver tranquilidade e autonomia para a execução do
trabalho docente, de forma real, não possibilitando, dessa forma, ao indivíduo projetar-se para o futuro.
A ausência desse equilíbrio irá levar o professor a narrar-se objetivamente, o Nós societário irá prevalecer
e o indivíduo se narra na forma de identificação estatutária. Por consequência, ele rejeita, subjetivamente,
as atribuições que acredita que lhe são postas. Para manter-se no emprego, acaba acatando o que as
famílias e a instituição lhe atribuem, sem, no entanto, se sentir parte integrante desse processo. Para
Dubar (2009, p. 74), “a forma estatutária é inseparável da dominação burocrática, sistêmica, aquela que
muitas vezes esmaga o indivíduo sob o peso das regras anônimas e algumas vezes cegas, que subordina
os dirigidos aos dirigentes”. Assim, uma crise se instaura.
Se o indivíduo é confrontado o tempo todo com mudanças e instabilidades, ele pode se sentir perdido e a
sua negociação subjetiva ser afetada, pois ele não consegue se projetar para o futuro. Esse sujeito pode
procurar fazer algo para mudar esse quadro ou romper com ele e buscar outros modos de identificação.
Dubar (2009), ao estudar a crise identitária de trabalhadores franceses, faz algumas colocações que podem ser aplicadas ao grupo de professores da presente pesquisa, pois são professores, em sua grande
maioria, que estão no exercício da função há muitos anos e que trabalham há muito tempo na mesma
instituição. Dubar, ao falar sobre aqueles trabalhadores, diz que eles não são
[...] respeitados por seus “clientes”, não valorizados por seus “chefes”, sofrem com a falta
de reconhecimento de sua identidade. [...] Essa frustração pode, às vezes, voltar-se contra si
mesma e engendrar formas extremas de desamparo. Assim, a transformação de um ofício
aprendido, transmitido, incorporado, numa “atividade” que se tornou incerta, mal reconhecida,
problemática, constitui o próprio tipo da “crise identitária” no sentido da sociologia interacionista
(DUBAR, 2009, p. 143).
As expressões que podem ser consideradas mais fortes, como “desgastada”, “preocupada”, “situação
irreversível”, emergiram das respostas dadas por professoras, independente da idade ou tempo de
magistério, o que pode indicar que as mulheres são mais afetadas do que os homens, o que não nos
garante que eles também não tenham sentimentos de preocupação, mas as mulheres tiveram uma maior
facilidade em expor o que sentem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na busca por compreender a identidade docente a partir de um grupo de professores de uma escola particular, foi possível observar a complexidade que envolve o trabalho docente e como a identidade
pessoal não pode ser separada da identidade profissional.
Os sujeitos desta pesquisa, em sua grande maioria, exercendo a atividade docente há muitos anos, puderam
sentir não somente as mudanças sociais e econômicas, mas também as consequências dessas mudanças,
que recaíram sobre a escola e os seus agentes. Segundo a percepção dos sujeitos pesquisados, outras
demandas se fizeram e colocaram em choque as expectativas dos professores frente à sua profissão.
Apesar de todo esforço que esses sujeitos procuram fazer para atender às demandas, em muitos momentos eles demonstraram certo inconformismo por terem de dar contas de questões que julgam não
ser de sua alçada, mas de competência das famílias. Por essa razão, utilizaram várias vezes a expressão
“transferência de papéis”.
Pode-se perceber, também, a importância que esses sujeitos dão à transmissão do conhecimento e
pode-se inferir que eles acham que seus alunos perdem em qualidade de ensino quando os professores
precisam despender o seu tempo, que deveria ser dedicado ao ensino, com questões que seriam, segundo eles, de responsabilidade das famílias.
Dubar (2009) entende que toda mudança gera crise e a sociedade está em constante mudança. No entanto as rápidas mudanças na sociedade e na escola não permitem que os professores tenham o tempo
suficiente para elaborar e digerir as diversas demandas e os diferentes papéis que precisam desempenhar.
Como o objetivo desta pesquisa era o de investigar como as exigências que os professores percebem
que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, afetam a sua identidade profissional, pode-se constatar
que as demandas afetam a identidade desses professores provocando uma crise de identidade. Eles se
percebem atravessando, já há algum tempo, períodos difíceis, com falta de autonomia, desvalorização do
seu trabalho e do seu conhecimento. Os sujeitos pesquisados, por se tratarem de professores especialistas em suas disciplinas, sentem que seu conhecimento e sua formação são relegados a um segundo
plano, sentindo-se desvalorizados ao terem de dedicar menos tempo ao ensino de suas disciplinas. Eles
percebem as exigências feitas pela escola e pelas famílias; no entanto, não conseguem perceber em que
medida essas demandas provocam uma crise, que é revelada por meio de suas falas, em sua maioria,
contraditórias, entre o formar e o informar.
A crise provocada pelas demandas os afeta à medida que fazem com que um aspecto de sua identidade
profissional entre em relevo. Em outras palavras, pode-se dizer que o sujeito, ao se narrar formador,
assume uma identidade para si. Entretanto, logo a seguir, ele se narra como transmissor de conteúdo,
ou seja, informador, que também é uma identidade para si. Dessa forma, instaura-se uma crise, pois as
duas funções são importantes, mas ele as vê como paradoxais e mesmo contraditórias.
Talvez esses sujeitos não consigam perceber que, como formadores, possam preparar os seus alunos
para buscarem a informação que lhes faltou, quando for o caso. Pode ser que eles não acreditem que,
como formadores, consigam formar alunos autônomos. Por essa razão o paradoxo formar/informar. Assim,
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a identidade desses sujeitos é afetada pela presença contínua de uma crise, na qual eles veem uma
identidade “virtual” para si narrada, semelhante àquela que lhes é atribuída. No entanto, essa identidade
“virtual” não é condizente com aquilo que eles realmente acreditam, ou seja, com a sua identidade “real”.
A maioria dos sujeitos vivencia a contradição, por isso a crise revelada pelo paradoxo. É difícil se narrar
e viver algo em que não se acredita. Lamentavelmente, essa crise, que se põe contínua, parece ser de
difícil resolução. Como abandonar um lugar em que se trabalha há tanto tempo? Como mudar de local
de trabalho se as exigências não são características de um único lugar, mas, sim, da sociedade como um
todo? Apesar de não haver uma alternativa para reverter essa situação, faz-se necessário reconhecer e
compreender esse processo de crise identitária, pelo qual passam os professores, para que se possam
buscar alternativas para tornar essa jornada menos conturbada e sofrida.
Por meio dos resultados apresentados neste estudo, espera-se ter contribuído para os demais estudos
sobre formação de professores, pois, como entendem Placco e Souza (2006, p. 26), “não é possível
conceber a aprendizagem do adulto, sobretudo do adulto professor, sem considerar o processo de formação identitária”.
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ARTIGOS
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
ALFABETIZADOR: EM BUSCA DA PRÁTICA
Denise Pollnow Heinz
Rosana Mara Koerner
RESUMO: O presente artigo traz resultados de uma pesquisa realizada junto aos professores
alfabetizadores de uma rede de ensino do sul do Brasil e tem por objetivo apresentar as discussões sobre
a formação e a profissão do professor alfabetizador. A pesquisa teve abordagem qualitativa, uma vez que,
a partir dos resultados, objetivou-se a compreensão dos processos vividos por um dado grupo social.
Com auxílio do aporte teórico, foi possível verificar que a literatura nas áreas da formação de professores
está crescendo e permite algumas análises com base em observações e pesquisas realizadas por
autores como Tardif (2002), para o qual os saberes profissionais dos docentes são plurais e amalgamados
aos pessoais e acadêmicos, entre outros. A pesquisa junto aos professores foi do tipo levantamento,
também chamado survey, buscando dados sobre os sujeitos da pesquisa e a implicação dos fenômenos
estudados, em um processo de exploração do campo de pesquisa. O survey obteve retorno de 138
questionários, o que representa 43% dos 318 professores que atuam nos primeiro e segundo anos do
ensino fundamental da referida rede de ensino no ano de 2012. Nas análises, além dos dados adquiridos
no campo da pesquisa, serão retomados os principais aspectos da investigação que envolvem a formação
e a profissão do professor alfabetizador e as práticas pedagógicas dos alfabetizadores. Como principais
resultados destacam-se o elevado índice de professores com pós-graduação e a busca por formações
que impliquem diretamente na sua prática em sala de aula. Os principais autores de referência são Tardif
(2002), Santos (2007), Cochran-Smith e Lytle (1999), entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; professores alfabetizadores; profissão do professor.
Literacy teachers education: searching for practice
Abstract: This paper presents results of a research carried out with literacy teachers in a school system in southern
Brazil and aims to present discussions on literacy teachers’ training and profession. The research had a qualitative approach, considering that we aimed at understanding the processes experienced by a given social group from the results
obtained. With the aid of the theoretical framework we found that the literature in the areas of teacher education is
growing and allows for some analysis based on observations and research by authors such as Tardif (2002), who states
that the professional knowledge of teachers are plural, and are amalgamated to personal and academic knowledge,
among others. A survey was conducted seeking for data on the subjects and on the implication of the phenomena studied in a process of exploration of the search field. The survey achieved a return of 138 questionnaires, 43% of the 318
teachers who work in the first and second years of elementary education of that school system in 2012. In the analysis,
in addition to the data obtained in the research field, the main aspects of the investigation involved the literacy teacher
training and profession, as well as their pedagogical practices. As main results we highlight the high rate of teachers
with postgraduate training and the search for training that directly involve their classroom practice. The principal authors
of reference are: Tardif (2002), Santos (2007), Cochran-Smith and Lytle (1999), among others.
Keywords: Teacher training; literacy teachers; teacher’s profession.
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013.
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INTRODUÇÃO
Durante muito tempo pensou-se que para ensinar bastava saber. A complexidade das relações vividas no
trabalho docente tem alterado significativamente essa visão. Os aspectos moldados no trabalho docente
vêm ao encontro do conhecimento posto em ação, das decisões tomadas no momento da ação educativa, das pequenas escolhas, da postura e dos argumentos que o professor faz uso para validar as suas
ações frente a seus pares. Mesmo nos conteúdos mais estanques, sobre os quais o professor já tem
um repertório de conhecimentos bem fundamentado, novas questões, dúvidas dos alunos e pequenos
desentendimentos podem levar o professor à reflexão, à pesquisa e a uma nova compreensão da matéria
ensinada; portanto, ocorre aprendizagem pela prática profissional e/ou durante ela.
Os estudos mais recentes na área da formação docente, segundo André (2010), têm como foco o professor e as suas opiniões. Conhecer melhor o fazer docente, dando voz aos professores, também traz a
necessidade de se conhecerem os contextos de produção dos depoimentos e das práticas declaradas.
Ainda para André (2010, p. 176), “investigar o que pensa, sente e faz o professor é muito importante, mas
é preciso prosseguir nessa investigação para relacionar essas opiniões e sentimentos aos processos de
aprendizagem da docência e aos seus efeitos na sala de aula”.
A aproximação das pesquisas em educação com os protagonistas dessa área – os professores – mostrou
um crescimento sistemático e positivo nos aspectos sociais, científicos e políticos e um fortalecimento
da identidade profissional dos professores. Os estudos podem fornecer subsídios para os formuladores
de políticas públicas, remetendo ao papel crucial da formação de professores na melhoria da qualidade
da educação.
Pensar nos avanços e lacunas na pesquisa na área da formação de professores mostra a grande responsabilidade dos pesquisadores e daqueles que iniciam suas pesquisas na área da educação.
Delinear como quadro de estudos a educação básica e principalmente o professor que atua nesse nível na
sua formação e atuação profissional leva a estabelecer reflexões em uma perspectiva ampla e multifacetada.
Aproximar as discussões pertinentes da prática com a formação inicial e o desenvolvimento profissional,
investir mais estudos nas políticas de trabalho docente e não ver a condição docente como um dado, uma
forma de ser estática, mas dinâmica, imbricada nos impasses do presente são contribuições necessárias
a todos os níveis da educação.
Busca-se, na experiência do professor e no que ele sabe dizer sobre a sua prática, um momento para
ouvir, refletir e também propor momentos em que a formação inicial e continuada esteja unida à prática
não como um complemento mas como duas partes indissociáveis.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Com o ritmo acelerado de mudanças na educação, pensar na formação inicial do professor, ofertada nos
cursos de graduação, como suficiente para todas as demandas que a escola apresenta não é mais possível. O aprender mais sobre a sua profissão durante a prática educativa e o desenvolvimento profissional
atrelado à formação continuada são requisitos cada vez mais exigidos dos professores.
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Diversos autores, como Tardif (2010), Marcelo (2009), Santos (2007), entre outros, destacam a falta de
ênfase em atividades de sala de aula durante a formação de professores, tanto inicial quanto continuada, e
comentam sobre a necessidade de instrumentalizar o docente para a sua prática. Nos cursos de formação
inicial, muito pouco do saber de prática de sala de aula dos professores mais experientes é apropriado
por aqueles que estão em formação.
Os estudos de Santos (2007) sobre como têm sido estruturados os cursos de formação inicial de professores estão apoiados em três grupos de paradigmas. O primeiro defende a formação de um profissional
mais reflexivo, em oposição ao modelo da racionalidade técnica, que defende a aplicação de técnicas
fornecidas pelos pesquisadores para resolver problemas da prática, com separação entre teoria e prática.
O segundo grupo de paradigmas aponta que diferentes conceitos de formação docente estão presentes
nos cursos de formação de professores, seja de maneira isolada ou combinada. O foco da formação pode
ser o desenvolvimento de habilidades básicas e imutáveis no trabalho do professor; o sujeito professor,
enfatizando a reorganização de percepções e crenças e sua relação com o conhecimento; a bagagem
adquirida na formação; ou ainda a educação como emancipação.
O terceiro grupo de paradigmas discute tradições distintas que orientam o campo da formação de professores. Mas essas diferentes correntes encontram problemas, como as dificuldades para formar um
profissional que tem de dar conta de conteúdos de diferentes disciplinas – no caso dos professores de
séries iniciais – ou a definição de procedimentos a serem seguidos em cada situação na sala de aula,
sem considerar a multideterminação e as especificidades das relações na escola.
Arroyo (2007) faz a defesa de uma formação de professores menos idealizada, mais próxima da realidade da atividade. O “protótipo ideal” de docente, configurado durante a formação inicial e por vezes
justificado dentro de uma concepção sócio-histórica, produz a dualidade entre uma educação crítica e
transformadora e a educação idealizada gerida pela legislação. Arroyo (2007, p. 195) afirma que “saber
mais sobre a docência para a qual se prepara seria um dos saberes mais formadores; seria o norteador
para a conformação do currículo de formação”.
Saviani (2009) apresenta um percurso da formação inicial de professores no Brasil no período de 1827, a partir
da Lei das Escolas de Primeiras Letras, até 2006, com os dez anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB). A discussão passa por fases de ênfase no domínio somente do conteúdo, que são outras fases de
observação da prática, períodos em que, durante a formação de professores, havia o enriquecimento dos
conteúdos com exercícios práticos, com a pesquisa e até as propostas de cursos híbridos, entre outras.
Para Saviani (2009, p. 148),
[...] o que se revela permanente no decorrer dos seis períodos analisados é a precariedade das
políticas formativas, cujas sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela
educação escolar em nosso país.
Percebe-se, como em outras mudanças na educação brasileira, que os períodos históricos e as questões
econômicas e políticas estão sempre fortemente imbricadas nos modelos adotados no ensino, na formação de professores e nas políticas educativas. Segundo Oliveira (2010, p. 30):
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As diretrizes curriculares para os cursos de Pedagogia aprovadas em maio de 2006 centram
a formação do pedagogo na docência, além de atribuir grande ênfase à gestão. Os cursos de
graduação em Pedagogia no Brasil foram se cons­tituindo no principal lócus da formação docente
para atuar na educação básica, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.
Romper com um modelo aplicacionista do conhecimento promovido em geral pelos cursos de formação,
para Tardif (2002, p. 274),
[...] consiste na elaboração de um repertório de conhecimentos para o ensino, repertório de conhecimentos
baseado no estudo dos saberes profissionais dos professores tais como estes os utilizam e mobilizam
nos diversos contextos do seu trabalho cotidiano.
Ainda para Tardif (2002, p. 290), “a pesquisa na área da educação procura esclarecer e potencialmente
melhorar a formação inicial, fornecendo aos futuros professores conhecimentos oriundos da análise do
trabalho docente em sala de aula e na escola”.
Seguindo nas reflexões, pode-se questionar: como, no modelo atual, a formação de professores da maioria
das faculdades e universidades pode ser realmente, como diz Nóvoa (1995, p. 18), “mais que um lugar
de aquisições de técnicas e de conhecimento”, mas também um “momento chave de socialização e de
configuração profissional”?
Contribuindo com a questão do processo de formação e profissionalidade docente, Aguiar (2010, p. 185)
afirma que
[...] o processo de formação de professores visto como um fenômeno social mostra-se extremamente
complexo, exigindo um olhar profundo para questões de várias ordens que envolvem dimensões diversas
relacionadas ao conhecimento, às peculiaridades culturais e aos aspectos históricos, políticos e econômicos.
Cada vez mais são requisitados ao professor constantes atualização, estudo e pesquisa (COCHRAN-SMITH;
LYTLE, 1999; CANÁRIO, 1998). Novos termos e conceitos são criados ou incorporados à educação vindos
de diferentes áreas. A falta de conhecimentos atualizados é colocada como um grande obstáculo para
uma prática pedagógica condizente com as expectativas do mundo atual e com a cidadania. Assim, não
se trata apenas da estagnação profissional; a atuação do professor é entendida como ação sobre outros
indivíduos, profissão de interações humanas e, portanto, as responsabilidades sociais e políticas de cada
indivíduo professor são questionadas e requisitadas como suporte para o desenvolvimento da sociedade.
Em estudo organizado por Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 249), são apresentadas distinções entre três
“imagens” do aprendizado do professor: o “conhecimento para a prática”; o “conhecimento na prática”
e o “conhecimento da prática”. Também defendem que as concepções não podem ser tomadas e apontadas como um “tipo puro”, mas entendidas como integrantes de ideias dominantes em momentos e
contextos específicos.
A primeira concepção, descrita como mais presente na educação de professores, tem como premissa a
existência de um corpus de conhecimentos que fundamenta a profissão e que deve ser dominado pelo
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professor. Esse conjunto de “conhecimentos para a prática” é o que distingue professores de leigos.
Dessa forma, cabe ao professor aplicar os conhecimentos de teorias gerais e descobertas científicas que
adquiriram com especialistas da educação nas formações e momentos de desenvolvimento profissional.
Na segunda concepção, professores mais experientes apresentam modelos de boas práticas. O conhecimento é entendido como enraizado “na prática”, e a complexidade das vivências na escola faz da
experiência em sala de aula um campo para construção de um conhecimento artesanal, para reflexões e
para aprendizados de novas maneiras de o professor ensinar.
O “conhecimento da prática”, foco da terceira concepção, entende que os professores e sua prática são
o eixo das pesquisas e da geração de conhecimentos sobre a educação. Cochran-Smith e Lytle (1999)
defendem o pressuposto de que o conhecimento é construído socialmente e, portanto, os professores
aprendem ao longo da sua vida profissional e também enquanto ensinam. A aprendizagem do professor
também vem das comunidades, dos grupos de estudo e das conversas com outros professores sobre
a educação. Ao apresentarem a investigação como uma postura requerida do professor, os autores não
destacam o tempo de experiência como diferencial, mas valorizam a heterogeneidade dos conhecimentos
produzidos na escola. Os conhecimentos construídos inscrevem-se na concepção de ensino como práxis
e com vistas a uma educação emancipatória.
Em artigo em que afirma que a escola é um dos lugares onde o professor mais aprende sobre a sua profissão, Canário (1998, p. 10), baseado em Lesne e Mynvielle, sustenta que “a formação, como processo
organizado e intencional, corresponde a um aspecto particular e parcelar de um processo contínuo e
multiforme de socialização que coincide com a trajetória profissional de cada um”.
Nesse sentido, Canário (1998) ainda reafirma o poder formativo dos contextos de trabalho, como espaço de reflexões e de múltiplas interações, fazendo do exercício contextualizado do trabalho o referente
principal para a formação e para as práticas educativas. Na reflexividade – momento em que o professor
analisa sua prática – são revistos sentidos, sentimentos e até mesmo a intencionalidade das suas ações.
Trata-se de um período fundamental para questionar se realmente os objetivos estão sendo cumpridos
e se a sua função de ensinar pode ser melhorada.
A reflexão pode não apenas fazer parte da formação inicial, mas também abranger as experiências individuais e coletivas, as situações de trabalho e o desenvolvimento profissional do professor, pois estes
também se constituem de aprendizagens.
METODOLOGIA
O presente estudo é um recorte de uma dissertação de mestrado, ainda em elaboração, intitulada “O
letramento na voz dos professores alfabetizadores”, com o objetivo de compreender como as noções de
letramento estão presentes na voz dos professores alfabetizadores. Os dados apresentados são amplos
e caracterizam o grupo de alfabetizadores atuantes em 2012 na rede municipal de ensino da cidade lócus
da pesquisa, a profissão do alfabetizador e a sua formação.
Quanto à abordagem, a pesquisa apresenta características de um estudo qualitativo, uma vez que, a
partir dos resultados, objetivou-se a compreensão dos processos vividos por um dado grupo social. A
ampliação da escolarização, que no Brasil se deu através do ensino público, foi uma das propulsoras dos
estudos envolvendo processos e instituições educacionais.
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A pesquisa junto aos professores foi do tipo levantamento, também chamado survey, buscando dados
primários sobre os sujeitos da pesquisa e a implicação dos fenômenos estudados em um processo de
exploração do campo de pesquisa. O survey obteve retorno de 138 questionários, o que representa 43%
dos 318 professores que atuam nos primeiros e segundos anos do ensino fundamental da referida rede
de ensino no ano de 2012. O questionário foi composto por questões fechadas e abertas referentes à
formação, atuação profissional e concepções que envolvem a prática de alfabetizar e as práticas sociais
de leitura e escrita do professor. Os dados dos questionários, nas questões fechadas, foram analisados
com apoio do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), um aplicativo de tratamento estatístico e correlacionando com a revisão de literatura e o enfoque da metodologia utilizada. As questões
abertas foram analisadas individualmente, depois de transcritas para o software Word. Como indicador
para a análise, foram selecionadas as unidades representativas presentes na resposta dos professores.
A PROFISSÃO E A FORMAÇÃO DOS ALFABETIZADORES
O questionário enviado aos professores, em sua parte inicial, apresentava questões relacionadas a
aspectos profissionais. Informações de cunho mais pessoal como idade ou sexo não foram solicitadas
para que não sobrecarregassem o professor e por terem sido consideradas irrelevantes para a pesquisa.
A primeira questão foi: “Qual é o seu tempo de serviço na área da Educação?”, com seis opções fechadas.
Do total de 138 professores respondentes, 5 professores (4%) indicaram como sendo o seu primeiro ano
na área da Educação. Obtiveram-se dados semelhantes em todas as outras faixas, sendo que entre 2 e
5 anos foram 26 professores (19%); entre 6 e 10 anos era o tempo de atuação de 25 professores (18%);
entre 11 e 15 anos, de 29 professores (21%); de 16 a 20 anos, de 22 professores (16%); e o maior número
de respostas, mas não muito afastado das demais faixas com experiência, encontra-se na faixa de mais
de 21 anos de atuação na Educação, com 31 professores (22%).
Huberman (1995), em estudo que analisa o ciclo de vida profissional dos professores sob a perspectiva
das carreiras, afirma que estas podem ter alguns elementos comuns, mas enfatiza que não são todas
as carreiras que têm as mesmas “sequências” delimitadas. As “tendências centrais” observadas por
Huberman (1995, p. 47) nas carreiras dos professores apontam para uma primeira sequência ou fase de
exploração/tateamento nos três primeiros anos. A establização ou consolidação de um repertório pedagógico seria alcançado entre 4 e 6 anos. Entre os 7 e 25 anos de atuação, período mais longo apontado
pelo autor, o professor buscaria a diversificação ou o questionamento das suas práticas. A serenidade,
o distanciamento ou mesmo o desinvestimento na sua carreira são as tendências para o período que
sucede 25 anos de carreira. Não foram utilizadas como referência para a elaboração do questionário os
períodos indicativos das fases traçadas por Huberman, mas as suas considerações podem trazer alguns
indicativos consideráveis para a análise das declarações dos professores alfabetizadores.
Os dados apontam para uma maior incidência de professores com alguma experiência na Educação
atuando nas classes de alfabetização. A importância da experiência prática do professor, maior domínio
sobre as inúmeras especificidades da educação e o entendimento da fase da alfabetização como muito
importante para toda a sequência na escolarização, podem ser fatores que se revelam nesses dados.
Também pode reforçar o sentimento de que é um classe difícil, que exige maior experiência do professor.
Os dados referentes ao tempo de serviço na alfabetização, obtidos por meio da segunda questão, “Qual
é o seu tempo de serviço na alfabetização (1º e 2º anos)?”, apresentaram resultados distintos daqueles
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obtidos na primeira questão, na qual a indagação recaía sobre o tempo de serviço na educação. Vinte e
um professores declararam estar em seu primeiro ano (15%), e 51 professores (37%), entre o segundo
e quinto ano – portanto, com pouco tempo de atuação na alfabetização. Esses dados indicam que mais
da metade dos alfabetizadores (52%) estão em uma fase de exploração, como afirma Huberman (1995),
quando fazem uma opção provisória e passam a experimentar um ou mais papéis na educação, até alcançar uma estabilização na carreira.
Segundo Marcelo (2009, p. 127):
A inserção profissional no ensino é o período de tempo que abarca os primeiros anos, nos
quais os professores hão de realizar a transição de estudantes a docentes. É um período de
tensões e aprendizagem intensivas, em contextos geralmente desconhecidos, e durante o qual
os professores principiantes devem adquirir conhecimento profissional, além de conseguirem
manter um certo equilíbrio pessoal.
Observa-se, por meio dos dados obtidos pela questão seguinte, “Qual a sua situação funcional?”, que os
alfabetizadores são selecionados entre professores efetivos na Rede Municipal de Ensino. Entre eles,
96,3% são professores efetivamente concursados, e apenas 5 (3,6%) têm vínculo por contrato temporário
de serviço na rede de ensino, período em que estão substituindo o professor concursado e efetivo na
vaga, afastado por motivo de saúde ou outro qualquer.
Também ligada às condições de trabalho do professor alfabetizador estava a questão “Você trabalha em
mais de uma instituição?”. Responderam de forma positiva apenas 31 professores (22%), e os outros 107
(78%) atuam exclusivamente em uma instituição.
A pouca rotatividade de professores durante o ano, com a incidência da maioria de professores alfabetizadores efetivos na rede e trabalhando em uma única instituição de ensino, tem reflexos não somente no
processo de ensino, mas também na segurança dos professores quanto a sua estabilidade profissional.
Quando perguntado “Qual a sua carga horária semanal?”, uma maioria de 103 professores (75%) alegou
trabalhar 40 horas semanais; outros 35 (25%), 20 horas por semana. A busca por preencher uma carga
horária de trabalho que forneça subsistência costuma ser um fator preponderante entre os professores.
Esses dados nos remetem à condição de trabalho do professor. Segundo Sampaio e Marin (2004), os
problemas ligados à precarização do trabalho do professor não são recentes e passam também pela formação e pelas condições materiais de sustentação do atendimento escolar e da organização do ensino.
O trabalho dos alfabetizadores exige grande proximidade e atenção a cada aluno, que individualmente
precisa apoderar-se de diversas habilidades e conhecimentos necessários para a aquisição da escrita e
da leitura. Pode tornar-se cansativo e desgastante trabalhar o dia todo em turmas que exigem muito da
intervenção e da mediação do professor.
Essa consideração é reforçada quando perguntado aos professores: “No ano de 2012 você atua exclusivamente nas classes de alfabetização (1º e 2º anos)?”. Um total de 29 professores (21%) conciliam o seu
trabalho de alfabetizadores com atuação em outras classes. A maior parte, totalizando 108 respondentes
(78%), atua com exclusividade em turmas de alfabetização no ano de 2012, e um professor não respondeu.
As múltiplas demandas da escolarização inicial, como cita Koerner (2010), podem afastar muitos profissionais
desse nível. Entender a rotatividade entre os alfabetizadores ou a extrema ligação que alguns adquirem
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por esse nível é perceber o professor como alguém que deposita nas suas escolhas profissionais muito
de quem ele é e de como ele está se sentindo naquele momento.
A parte seguinte do questionário teve como foco conhecer a formação do professor alfabetizador. Para a
questão “Qual a sua maior titulação/formação?” foram disponibilizadas alternativas de “Superior completo” até “Pós-graduação: Doutorado”, deixando espaço em aberto para que o professor pudesse registrar
a área de formação.
Observou-se que 125 professores (90%) concluíram pelo menos um curso de pós-graduação. Verificouse ainda um número de 8 professores com titulação máxima na graduação em Pedagogia com curso
presencial (6%) e 3 na modalidade a distância (2%).
Um professor respondeu que possui curso superior completo em outro curso que não o de Pedagogia,
informando se tratar do normal superior, e um professor também assinalou a opção “Pós-graduação:
Mestrado” sem, no entanto, especificar qual o curso. Este mesmo professor indicou no espaço aberto
para complementar informações no final do questionário que ainda não concluiu o mestrado. Nenhum
professor informou ter formação em nível de doutorado.
Romanowski e Martins (2010) discutem os cursos de especialização na formação continuada de professores da educação básica. Afirmam que, com a nova LDB, os cursos de especialização em pós-graduação
assumiram, além de um caráter de aperfeiçoamento para o ensino superior, um caráter de formação continuada de natureza acadêmica, qualificando e especializando professores em todos os níveis de ensino.
A qualificação dos professores, a atualização dos conhecimentos e a ascenção profissional e salarial são
os príncipais fatores que podem estar envolvidos no índice elevado de professores com especialização.
No espaço destinado a responder qual foi o curso de pós-graduação frequentado, apareceram 22 nomeações
distintas, distribuídas em um total de 213 ocorrências (houve situações em que um mesmo professor fez
referência a mais de um curso de pós-graduação). A área de atuação do professor alfabetizador aparece
em 59 ocorrências (44 para Séries Iniciais, 10 em Alfabetização e 5 em Letramento).
As áreas afins na educação, mas que não convergem para o trabalho do alfabetizador (­­­gestão escolar,
educação infantil, inclusão/educação especial, psicopedagogia, práticas educativas, pedagogia empresarial,
musicalização, contação de histórias, pedagogia da infância, interdisciplinaridade, matemática, supervisão
escolar, administração escolar, orientação escolar, metodologia do ensino superior e teologia) totalizam
152 ocorrências. Ainda, 2 professores indicaram que possuem pós-graduação, mas não indicaram qual;
outros 2 professores utilizaram siglas para nomear os cursos frequentados (MEL, PeL e AEE) cujos significados não foram identificados.
Sampaio e Marin (2004, p. 1210), em estudo sobre a situação do trabalho docente, afirmam que
[...] a situação salarial brasileira melhora um pouco com o passar dos anos de atividade docente,
por meio dos incentivos dados como adicionais por tempo de serviço ou de qualificação. Assim
mesmo permanecem em posição bem inferior quando comparados com os incentivos dados
em outros países.
Tais resultados também podem ser entendidos como reflexo do discurso da necessidade constante de
atualização do professor para enfrentar as atuais mudanças no trabalho docente ou ainda como programas
compensatórios, que entendem que a formação inicial não é satisfatoriamente apropriada.
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Ao falar da grande diversidade de usos para os termos “formação continuada”, Gatti (2008) afirma que o
universo heterogêneo que se tem atualmente no Brasil não exige credenciamento ou reconhecimento
na maioria das formações continuadas voltadas para a educação, sendo estas realizadas como extensões
ou pós-graduações. Ainda segundo Gatti (2008, p. 64 -65):
Tudo que é relativo à formação profissional ou definido como “para áreas profissionais” é ignorado pelos educadores e gestores em educação, como se a educação não fosse propriamente
uma “área profissional”, ou não comportasse subáreas especializadas. Por essa razão, temos,
no campo da educação, formações em especialização que não habilitam para funções especializadas, ficando apenas a graduação como delimitadora para esse exercício, sem maiores
aprofundamentos. Os cursos de especialização em áreas específicas de trabalho são objeto
de uma regulamentação exigente, desconhecida de modo geral pelos setores profissionais
da educação. Assim, as normatizações exaradas para essa modalidade são deixadas de lado
pelos gestores educacionais. Os cursos de especialização em educação não especializam com
certificação profissional, como ocorre em outras áreas do trabalho, e, embora contribuam para
aprofundamentos formativos, do ponto de vista do exercício profissional apenas entram como
“pontuação” em carreiras ligadas ao ensino. É esse tipo de curso, sem exigências especiais até
aqui, que prolifera como proposta de educação continuada.
Para a questão “O curso de graduação que frequentou conta com alguma habilitação específica? Qual?”,
apareceram 181 referências, divididas em 11 categorias de descritores diferentes. Alguns professores
informaram cursos com mais de uma habilitação, outros com habilitações em áreas afins na educação, e
alguns informaram até mesmo cursos com habilitações distantes do trabalho do alfabetizador.
A habilitação para Séries Iniciais teve a maior incidência, com 46 ocorrências, seguida pela Orientação
Escolar (22), Supervisão Escolar (20), Educação Infantil (16), Administração Escolar (12), Psicopedagogia
(4) e Educação Especial (2). Informaram o curso (Pedagogia, Magistério) 11 professores respondentes,
ou que o curso frequentado não possuía habilitação (8). Não informaram a habilitação 39 professores e
apenas um afirmou que não recordava.
Gatti (2008) afirma que legalmente são as licenciaturas os cursos que têm o objetivo de formar professores para a educação básica. O professor da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental, denominado “polivalente” pela autora, tem seu valor social, acadêmico e político diferenciado
dos especialistas, professores formados nas demais licenciaturas. A formação menos fragmentada, mas
também mais panorâmica geralmente encontrada nos currículos de formação dos pedagogos, segundo
Gatti (2008), abre margem para a questão da insuficiência formativa para o desenvolvimento do trabalho
com a educação infantil e as séries iniciais.
Nos cursos de graduação em Pedagogia, a existência das habilitações e de diferentes ênfases no curso
vem justificada pela ampliação do mercado de trabalho e pelas maiores oportunidades de atuação oferecidas aos pedagogos.
Quando perguntado “Em que ano se formou na graduação?”, a variação foi de 27 anos entre 1985, o
registro mais antigo, e 2011, o mais recente. Onze professores (8%) não responderam a questão. Entre
os anos de 1985 e 1989 formaram-se 6% dos professores alfabetizadores que participaram da pesquisa,
20% entre 1990 e 1999, 60% entre 2000 e 2009, e entre 2010 e 2011 outros 6% dos professores.
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013.
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Considerando que os estudos de letramento foram incorporados mais recentemente aos programas dos
cursos de graduação, especialmente em Pedagogia, investigar há quanto tempo os professores alfabetizadores estão formados pode dar pistas acerca de sua trajetória de formação inicial e se foram (ou não)
apresentados a tais estudos.
Na questão seguinte, “Participa de formações complementares?”, obteve-se 32% de professores que
responderam que sempre participam, 42% frequentemente, 23% raramente e 3% não participa ou não
respondeu a questão.
Um professor inaugurou uma opção na qual afirmava ter participado de formações “sempre que oferecido
pela SEC”, não prevista no questionário. Percebe-se que é atribuído sempre mais ao professor a busca por
constantes atualizações e que em alguns momentos, como o citado acima, este tenta deslocar o foco
dessa exigência para os órgãos que regem o seu trabalho como professor. Não será esta uma forma de
mostrar como o professor se sente sobrecarregado por exigências de todos os tipos?
Também foi perguntado, “Se participa, quais são as suas principais expectativas nessas formações?”,
com as opções: “Metodologias/práticas”; “Fundamentação teórica”; “Ouvir especialistas da área da educação”; “Encontros com outros profissionais da educação”; “Reconhecimento e ascensão profissional”;
“Outras motivações. Quais?”. Nessa questão, foi possibilitado ao professor assinalar quantas alternativas
desejasse, obtendo-se 315 respostas. O intuito era não só encontrar a maior recorrência, mas entender
todas as opções como importantes nas formações complementares e notar quais os pontos que ainda
não são observados pelos professores.
A busca por “Metodologias/práticas” foi a mais citada, apontada por 103 professores, seguida por “Ouvir
especialistas da área”, presente em 71 respostas, e “Encontros com outros profissionais da educação”,
escolha de 69 professores respondentes. A busca por aquilo que pode impactar diretamente a prática do
professor e a socialização da realidade em sala de aula aparece como grande motivador para a complementação da formação do professor alfabetizador. A busca por fundamentação teórica alcançou apenas
39 respondentes, e o reconhecimento e a ascensão profissionais, 24. No espaço previsto para o registro
de “outras motivações”, a referência à “troca de experiências” apareceu sete vezes e a aquisição ou “reciclagem” dos conhecimentos teve duas referências.
Seriam, de fato, a busca por metodologias e práticas, a troca de experiência e o encontro com outros
profissionais que também atuam na alfabetização, especialmente para os iniciantes, suportes para as
dificuldades que os professores não conseguem vencer na sala de aula?
Como última questão referente à formação, foi perguntado se o professor participa de palestras ou cursos sobre alfabetização. Um professor, como uma nova alternativa, assim se expressou: “Ainda não tive
oportunidade”. Ressalta-se que esse professor estava em seu primeiro ano na alfabetização.
Responderam que sempre participam de palestras e cursos sobre a alfabetização 27% dos professores;
frequentemente, 41%; raramente, 27%; 3% não participam; e 2% não responderam ou anularam a questão.
Como diferença entre a questão que trata das formações complementares em geral – apresentada
anteriormente – e a parte específica de alfabetização observa-se uma leve diminuição do número de
professores que participa “sempre” e “frequentemente” das formações voltadas para tal temática. Será
um reflexo da menor oferta de formações específicas para o alfabetizador?
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apontando alguns resultados, de modo geral, evidenciou-se que os professores alfabetizadores que participaram da pesquisa formam um grupo bastante comprometido com a sua formação e heterogêneo em
sua experiência. As práticas pedagógicas com escrita são variadas, assim como os materiais que servem
de referência. O termo “letramento” parece familiar, compondo a base do que os professores entendem
como conhecimentos necessários para alfabetizar.
Os dados referentes à formação mostram que a maioria dos professores tem pós-graduação e que participa
sempre ou frequentemente de formações complementares na área da alfabetização. Os dados também
são bastante significativos ao revelar que a maioria dos professores que respondeu ao questionário investe
na sua autoformação, o que fica evidente até mesmo nas leituras voltadas para a atuação profissional e
denota a valorização da constante formação por parte dos próprios professores.
Contudo, as múltiplas determinações envolvidas nas escolhas formativas (se é que são sempre escolhas) dos professores ficam evidenciadas pelas amplitudes de especializações e habilitações dos cursos
frequentados pelos professores, nos quais se percebe pouco direcionamento para as especificidades
da alfabetização. Os cursos voltados para a alfabetização ou mesmo para o trabalho nos anos iniciais
do ensino fundamental não são os mais frequentados. Estaria faltando oferta específica de formações
voltadas para a alfabetização?
A participação dos professores em formações continuadas, tanto em pós-graduações como em demais
cursos, poderia ser entendida como atrelada a uma forma de continuidade na escala profissional, ligada
à ascensão salarial e profissional. Mas, ao questionar os professores quanto a suas expectativas relacionadas às formações, percebe-se que a busca por conhecimentos que implicam diretamente no seu
trabalho pedagógico, as metodologias e as práticas são tidas como mais requisitadas. Será que buscar
ou ofertar “qualquer” formação aos professores alfabetizadores vai garantir as metodologias e práticas
que o professor espera?
Aproveitando as oportunidades de crescimento e formação continuada, o educador adquire subsídios para
sua prática docente e isso poderá se refletir em uma melhoria na educação. Propostas que favoreçam
o diálogo entre os agentes educativos, formação continuada de professores e metas comuns entre os
diferentes níveis de educação serão sempre importantes para a educação.
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ARTIGOS
FÓRUNS DE EJA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA DE PROFESSORES: ANÁLISES
POR MEIO DE GRUPOS DE DISCUSSÃO
Raquel Silveira Martins
Resumo: O presente texto discute achados de pesquisa cuja elaboração está ligada ao documento Projeto
de Educação de Jovens e Adultos que descreve uma proposta para a EJA na rede municipal de educação
de Divinópolis/MG. No entanto, ao analisá-lo, percebe-se que foi elaborado por uma comissão de professores que não discutem, no documento, sobre si mesmos ou sobre o seu trabalho. De todo o processo,
ficou-se apenas o produto. A questão principal voltou-se então para o desvelar das experiências formadoras
desses sujeitos. Para alcançá-las, tendo em vista a distância temporal em que se encontram, é necessário
o desvendamento das memórias desses atores históricos, o que foi parcialmente alcançado pela análise
de narrativas escritas. Entretanto, a necessidade de esmiuçar esses relatos fez com que a pesquisa os
reunisse em um grupo de discussão e são os achados desse grupo que serão discutidos neste artigo.
O principal deles está no delinear dos fóruns de EJA como espaços de formação de professores e para
compreendê-los assim, empreende-se uma discussão sobre o conceito de formação, a metodologia do
grupo de discussão e o histórico dos fóruns de EJA no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Fóruns de EJA; grupos de discussão; formação continuada.
Eja forums as spaces for teacher continuing training: analyses through
discussion groups
Abstract: This paper discusses research findings whose production is linked to the document “Draft Youth and
Adults” (EJA in Portuguese), which describes a proposal for EJA in Divinópolis/MG municipal education. However,
its analysis shows that it was prepared by a committee of teachers who do not discuss their own work or the issues
drafted in the text. From the entire process, only the product resulted. The main question then turned to the unveiling
of the education experiences of these individuals. In order to achieve them, in view of the perspective given by time,
it is necessary to unveil the memories of those historical actors, which have been partly achieved by the analysis of
written narratives. However, the need of scrutinizing these reports made them to be gathered in group discussions
and the findings of these groups are discussed in this article. The most important one is the outline of the EJA forums
as spaces for teacher training, and to understand them as such leads to a discussion about the concept of training,
the methodology of group discussion and the history of EJA forums in Brazil.
Keywords: EJA forums; discussion groups; Continuing Education.
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INTRODUÇÃO
O texto que ora apresentamos faz parte da pesquisa sobre formação de professores de Educação de
Jovens e Adultos (EJA).1 Nas primeiras leituras sobre a temática e na leitura dos documentos de pesquisa nos deparamos com o Projeto de Educação de Jovens e Adultos2. É possível afirmar que ele foi o
primeiro motor do foco e da delimitação do objeto desta pesquisa. Tal documento descreve uma proposta
“em caráter experimental para a Educação de Jovens e Adultos – EJA – no Ensino Fundamental da rede
municipal de Divinópolis” (DIVINÓPOLIS, 2006, p. 3). Nesse projeto, que ainda se encontra em vigência
no município, estão descritos e analisados os principais contornos e determinações da EJA municipal
para o nível de Ensino Fundamental.
O texto do documento está ancorado em diversas leis e regulamentações que são concernentes a essa
modalidade de Educação − em especial à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996)
e o Parecer 11/2000 (BRASIL, 2000)3 do Conselho Nacional de Educação −, que garantem uma remodelação em relação a tempos e espaços, de modo a abarcar as especificidades dos alunos da EJA. O
texto foi elaborado a partir de uma comissão composta por professores da EJA e técnicos da Secretaria
Municipal de Educação, sem, contudo, dar informações sobre como e onde essa comissão foi montada
e quais eram os seus membros. De igual modo, o documento não apresenta referência ao trabalho da
comissão, aos sujeitos que elaboraram o texto: não há nenhuma assinatura nele. De todo o processo,
ficou apenas o produto e a invisibilidade do grupo que discutiu e formulou a proposta, o que parece indicar
que foi elaborado de maneira informal em reuniões de trabalho coletivo.
A questão principal da pesquisa voltou-se então para o desvelar das experiências formadoras dos sujeitos
que participaram da elaboração de tal projeto, tendo em vista a ideia de que esse grupo esteve envolvido
em vários espaços e momentos de formação. Saímos à procura, no município, dos professores que haviam
constituído esse grupo. Encontramos quatro sujeitos, os quais compuseram o corpus desta pesquisa.
Este texto foi constituído a partir da análise desse material.
Considerando a distância temporal que se encontra o desencadear dessas ações formativas – anos 2005
e 2006 –, foi necessário o desvelamento das memórias desses atores históricos sobre todo o processo,
o que foi parcialmente alcançado pela escrita de narrativas pelos sujeitos. Entretanto, a necessidade de
esmiuçar os relatos desses educadores indicava que era preciso acrescentar à pesquisa outros procedimentos de construção de dados. Utilizou-se o recurso do grupo de discussão, e são os achados desse
grupo que serão discutidos no presente artigo. Na primeira parte buscamos apresentar sucintas considerações sobre a questão da formação, seguida da discussão sobre as indicações metodológicas a respeito
do grupo de discussão e o método de análise empregado. A terceira parte apresenta alguns achados da
pesquisa em breves análises do grupo de discussão os dados que se referem aos Fóruns de EJA, que
são discutidos em seção separada. Por fim, fechamos o texto com breves considerações sobre o lugar
dos fóruns no processo de formação continuada desse grupo de professores da EJA.
A partir daqui a Educação de Jovens e Adultos será referenciada pela sigla EJA.
1
2
O Projeto de Educação de Jovens e Adultos foi submetido à apreciação do Conselho Estadual de Educação (CEE/MG) pela Secretaria Municipal
de Educação de Divinópolis (SEMED) e aprovado em 16 de julho de 2006.
O Parecer 11/2000 do Conselho Nacional de Educação estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
3
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CONSIDERAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Abordar a formação de professores remete-nos a vários questionamentos: Que tipo de formação esses
profissionais estão tendo? Inicial, continuada? Qual os loci de formação? Universidade, institutos superiores de educação, centros de ensino superior, faculdades isoladas...? (PAIM, 2005, p. 95)
Inicia-se essa discussão com os questionamentos de Paim (2005) a respeito do tema da formação de
professores. Implícitos a ele estão reflexões e questões que o próprio termo formação de professores
carrega nas mais diversas áreas da Educação, desde o próprio caráter da formação, passando pela discussão da formação a distância chegando às políticas públicas que orientam esse processo formativo em
cada tempo e espaço determinados.
Se recorrermos à raiz etimológica do termo formar, sua concepção mais simples e dicionarizada indicará
que formar é “dar a forma a (algo)”. Com uma analogia simples poder-se-ia dizer que formar professores
é dar a forma de professor a alguém. No entanto, o tema da formação de professores vai além da simples e pura ideia de dar forma. Poder-se-iam apontar diversas razões para tanto. Porém, tendo em vista a
discussão que se deseja fazer aqui, salienta-se como a razão mais importante a necessidade de perceber
os diversos saberes que os sujeitos constroem ao longo de suas vivências. Os sujeitos envolvidos no
processo de formação – formadores, licenciados, professores da Educação Básica, entre outros – têm
diversas faces como atores históricos, carregam mais de um tipo estático de conhecimento, ou seja,
estão em constante formação.
Em outra oportunidade, discutindo ainda sobre a formação docente, Paim (2007) apresenta que a formação
de professores, geralmente remete à ideia de que formar alguém é definitivo, e que o modo de fazê-lo
está preestabelecido, convencionado. Para o autor poder-se-ia usar “a metáfora da linha de produção:
a matéria prima (aluno ingressante numa licenciatura) entrou sem saber e deverá sair o produto final (o
professor formado)” (PAIM, 2007, p. 158).
A ideia de dar forma a algo, implícita no verbo formar, leva à ilusória compreensão de que a forma adquirida é
permanente. A metáfora usada pelo autor ilustra bem a transposição dessa noção para a formação docente.
O professor, ao concluir uma graduação, não está pronto, formado. A formação é um eterno fazer-se.
Há, durante toda a carreira, um movimento contínuo de aprendizagem, que acarreta a mobilização e a
constante (re)construção de saberes por meio de desafios que se delineiam na prática, junto aos pares
(ou não) e nos mais diversos espaços que o sujeito transita.
Freitas (2002) assinala que, a partir da década de 1980, os professores passaram a forjar uma nova dimensão da formação docente e acabaram por determinar uma compreensão da profissão. Segundo a
autora, os educadores produziram e evidenciaram concepções avançadas sobre a formação do educador
“destacando o caráter sócio-histórico dessa formação, a necessidade de um profissional de caráter amplo,
com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com desenvolvimento da consciência
crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade”
(FREITAS, 2002, p. 139).
Dentro desse novo olhar sobre a profissão docente, percebe-se uma valorização não apenas do saber
prático, mas também dos conhecimentos e saberes produzidos na prática pelos educadores a partir das
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transformações da própria escola, dentro da sociedade contemporânea que, desde as últimas décadas,
tem-se, numa linha de democratização dos saberes, se constituído numa “Escola para Todos” como
desejava Freire.
Nestes loci de formação – a Escola –, os professores se constituem profissionais da educação, desenvolvem um conhecimento próprio, produto de suas experiências e vivências pessoais e coletivas. Essas
são racionalizadas e muitas vezes passam a fazer parte da rotina desses sujeitos, no entanto, para que
se constitua como epistemologia, à prática é necessário acrescentar a reflexão.
É nesse sentido que algumas questões levantadas por Cury (2009) vêm nos ajudar a compreender politicamente o fenômeno da formação. Para o autor, a certificação responde a uma necessidade de avaliação
do grau de organização dos saberes individuais adquiridos na prática profissional. Para que se obtenha
esse reconhecimento é necessário um órgão de “fé pública capaz de autenticar o saber baseado no fazer
cotidiano. Esse saber necessita de condições para adquirir caráter sistemático. [...] Este novo caráter
nem sempre é obtido exclusivamente por meios autodidatas e para isso existe a formação processual,
contínua, ou seja, a formação continuada” (CURY, 2009, p. 300).
A ideia de formação continuada nesse sentido estreita-se com a noção de que os saberes do cotidiano
precisam ser balizados e “autenticados” por “órgão competente”, por isso, são estruturados em cursos
que discutem as questões emergentes do cotidiano do professor.
No entanto, ao tratar do conceito de educação continuada, Gatti (2008) chama atenção para o extenso
número de atividades que são consideradas sob esse guarda-chuva. A autora assinala que as discussões
sobre o conceito de formação continuada não ajudam a precisar o conceito, pois “ora se restringe o significado da expressão aos limites de cursos estruturados e formalizados oferecidos após a graduação, ou após
ingresso no exercício do magistério, ora ele é tomado de modo amplo e genérico, como compreendendo
qualquer tipo de atividade que venha a contribuir para o desempenho profissional” (GATTI, 2008, p. 57).
No caso específico dos educadores de jovens e adultos, objeto desta pesquisa, ressalta-se que suas
demandas de formação continuada estão estreitamente atreladas às necessidades advindas da prática.
Os desafios que se colocam no cotidiano do educador o mobilizam a buscar formas de compreensão e
modificação dessa realidade. No entanto, o que se percebe como educação continuada voltada para a
EJA está vinculado à realização de eventos ou cursos que de alguma maneira “saneiam”, de forma rápida,
as necessidades imediatas impostas pela realidade múltipla das salas de EJA (MARTINS et al., 2008).
Segundo Paiva (2006), o termo formação continuada foi atrelado a concepções como “treinamento, capacitação, reciclagem, todos assentados em paradigmas de que o conhecimento se produz de fora para
dentro, por transmissão, controlada, dosada e selecionada por aqueles que supostamente conhecem as
necessidades dos formandos” (PAIVA, 2006, p. 78).
Percebe-se assim que essas ações são criticadas em especial pelo caráter de exclusão do educador como
sujeito ativo de sua própria formação. A noção de que se “treina”, “capacita” e até “recicla” educadores,
como algo descartável, deixa claro que esses sujeitos-educadores são considerados como meros executores de tarefas. Formar apresenta-se sempre como algo externo e que incide sobre o sujeito. Releva-se,
assim, a realidade a que está inserido o docente, não permitindo ainda que esse concretize seu potencial
inventivo, criativo e que faça uso de sua experiência como processo formativo.
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Essas propostas, apesar de guardarem suas potencialidades e importância, não esgotam a necessidade
de formação específica para a modalidade da EJA nem, de algum modo, as dúvidas que emergem no
cotidiano das aulas, uma vez que se compreende que essa realidade é constantemente modificada por
concepções, atores e situações novas.
As discussões que emergem, portanto, quando se discute a formação continuada de educadores de
jovens e adultos são imediatamente identificadas com a prática pedagógica. No entanto, em se tratando
de formação de professores em geral, as reflexões hoje “apontam para uma concepção de formação
como processo, ou seja, não faz mais sentido a dicotomia entre formação inicial e continuada, sendo
indispensável que essa visão seja superada” (NAITO, 2006, p. 36-37, grifo da autora).
A separação entre formação inicial e formação continuada como momentos estanques requer que se
repense a ideia de que, na formação inicial, o sujeito estará formado e pronto para a atuação na sala de
aula. É necessário, também, repensar que, na formação continuada, os conhecimentos adquiridos durante
a atuação em sala de aula serão sempre (re)lapidados por novas teorias e práticas.
A compreensão da formação continuada para educadores de EJA exige adesão a essas concepções e
se insere no bojo das argumentações quanto à própria caracterização dessa modalidade de educação,
considerando a importância das especificidades dos sujeitos e do histórico de lutas desse movimento
da educação desde a primeira metade do século passado.
Nesse contexto, lança-se o desafio de descobrir e esmiuçar outros espaços de formação dos educadores de
EJA a partir de uma questão proposta por Silva (2008) ao final de seu trabalho de pesquisa sobre a vivência
e convivência de sujeitos-educadores nos Fóruns Regionais Mineiros de EJA: “Seria quase que encontrar a
resposta para ‘onde mais se aprende?’ Certamente em diferentes espaços” (SILVA, 2008, p. 187).
O convite imbricado na questão “onde mais se aprende?” levou-nos a reflexões sobre a formação em
espaços e tempos diferentes daqueles engendrados nas formações em curso, seja como formação inicial
ou continuada. A necessidade dessa discussão vai ao encontro das especificidades tanto da modalidade
de EJA quanto dos sujeitos, educadores e educandos, envolvidos num fazer-educacional que é diverso
daquele considerado “regular”. O documento inicial, ainda que formalmente orientado por um órgão executor de política municipal, apontava para lampejos de um processo de “educação não formal”.
Oliveira (2004), ao citar Alves, apresenta que as pesquisas sobre formação no Brasil já demonstraram a
necessidade de compreender que a formação “se dá em múltiplos ‘espaçostempos’, sendo a docência
apenas uma das esferas da intrincada rede de relações em que a formação se dá, no âmbito da prática
social mais ampla” (OLIVEIRA, 2004, p. 2, grifo nosso).
A concepção de formação que norteou a pesquisa que ora se apresenta finalizada vai ao encontro da ideia
de que o educador se forma em múltiplos espaços, em interação com os pares, em outras esferas da
prática social mais ampla que apenas a sala de aula ou na gestão democrática escolar. Assim, considera-se que a formação se dá certamente, em diferentes lugares, não apenas em espaços exclusivamente
acadêmicos ou de formação fechadas em cursos. Um dos espaços formativos para os educadores de
jovens e adultos que trará essa pesquisa são os Fóruns de EJA.
Para compreender melhor os espaços em que os sujeitos da pesquisa transitaram e que se delinearam
como diferentes lugares de formação, utilizou-se como instrumento de pesquisa o grupo de discussão,
e para a análise, o método documentário, os quais serão explicitados a frente.
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USO DO GRUPO DE DISCUSSÃO COMO RECURSO METODOLÓGICO
A utilização dos grupos de discussão está inicialmente associada às pesquisas de marketing, em especial,
como preparação para questionários de pesquisa quantitativa. Surge, portanto, no contexto de uma sociedade
de consumo “onde o grupo, como lugar de desenvolvimento de relações e referências, se torna central em
contraponto ao indivíduo massificado e universalizado da sociedade industrial” (VALVERDE, 2008, p. 60).
Segundo Weller (2006), a utilização dos grupos de discussão na pesquisa social empírica se deu no início
da década de 1950 por integrantes da Escola de Frankfurt. No entanto, somente na década de 1970, esse
procedimento recebeu arcabouço teórico-metodológico caracterizando-se como método.
Com raízes nas pesquisas de opinião, a introdução desse método na pesquisa social trouxe ainda uma
mudança considerável de perspectiva. A compreensão de que a opinião do grupo era a soma das opiniões
individuais dos participantes passa a ser contestada. Foi Mangold o primeiro a criticar a forma de análise
de então, dando “um novo sentido aos grupos de discussão, transformando o método em um instrumento
de exploração das opiniões coletivas e não apenas individuais” (WELLER, 2006, p. 245).
Nesse sentido, as opiniões do grupo não podem ser vistas como o resultado de uma influência mútua
no momento da entrevista. Considera-se que, naquele momento elas são apenas atualizadas. Assim, as
posições dos participantes refletem as visões de mundo do grupo social no qual estão inseridos (WELLER,
2011). Valverde (2008) acrescenta que os grupos de discussão se projetam nas perspectivas dos atores
de forma que esses constituem a sua própria realidade social e por meio do grupo é possível conhecer
a percepção dos sujeitos com intensidade e profundidade.
No entanto, mais do que serem representantes de uma dada realidade e da compreensão dela, por meio
dos grupos de discussão é possível apreender as experiências, as opiniões e “as vivências coletivas de
um determinado grupo (por exemplo, os refugiados), ou as posições comuns de uma determinada classe
social (por exemplo, trabalhadores da indústria do carvão, agricultores, etc.), independentemente de se
conhecerem ou não entre si” (WELLER, 2011, p. 57).
Além da ênfase na possibilidade de alcançar as experiências vividas em grupo, ao tratar de pesquisa com
jovens utilizando os grupos de discussão como método, Weller (2006) destaca outras vantagens desse
método que foram cruciais para a decisão de adotá-lo também nesta pesquisa. A autora argumenta que a
discussão entre integrantes do mesmo meio social permite alcançar detalhes desse convívio, que outras
formas de coleta, como a entrevista narrativa, não são capazes de captar.
Acrescenta ainda que a discussão em grupo exige alto grau de abstração convidando os participantes a
refletir e a expressar suas opiniões sobre temas que nunca consideraram sob esses aspectos. Ao estar
em grupo, a possibilidade de distorção ou até mesmo de invenção de fatos é menor, pois os próprios
membros podem corrigir eventuais falhas, dando ao método um maior grau de confiabilidade.
Ao concordarmos com as reflexões de Weller (2011) de que o método é uma ferramenta para a compreensão de experiências, considerou-se que ao compartilhar lembranças, opiniões e discussões, as
experiências coletivas emergiriam e os sujeitos teriam, mais uma vez, a oportunidade de refletir sobre
elas. Essas foram as principais prerrogativas para a escolha desse método
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Weller (2006, 2011) acrescenta a noção de que a utilização dos grupos de discussão como método de
pesquisa não representa uma “economia de tempo”, uma vez que essas discussões podem se prolongar
por mais de três horas, gerando uma infinidade de dados que muitas vezes é criticada. É nesse sentido
que a preparação do pesquisador é importante, tanto no que concerne à elaboração das questões a serem
dirigidas ao grupo, quanto no momento da execução do grupo.
Uma vez que esse tipo de coleta de dados traz muitos desafios ao pesquisador, pois “existem critérios
para a condução dos grupos que devem ser considerados para que esse método tenha êxito” (SILVA, 2009,
p. 42) é interessante ressaltar a postura do entrevistador na execução dos grupos de discussão; pois embora a presença do pesquisador e do gravador gere uma situação diferente do cotidiano, os participantes
acabam “travando diálogos interativos bastante próximos daqueles desenvolvidos em outro momento”
(WELLER, 2006, p. 250), desse modo o entrevistador passa a ser um ouvinte e não um “intruso” no grupo.
Seguindo ainda as reflexões e discussões de Weller (2005, 2006, 2011), a análise dos dados colhidos por
meio do grupo de discussão é feita tendo em vista as prerrogativas do método documentário que tem
origem nas reflexões de Karl Mannheim sobre a forma de interpretar os objetos culturais, transformando
o conhecimento natural, resultante de experiências cotidianas, em conhecimento teórico. Em sua concepção, as visões de mundo, Weltanschauung, são construídas nas ações práticas e não pertencem nem
ao campo teórico nem ao a-teórico (VALVERDE, 2008).
De modo a compreender como se apresentam as visões de mundo, Mannheim define três níveis de sentido que permitiriam alcançar a sistematização de um conhecimento teórico. O primeiro nível é o sentido
imanente ou objetivo, que já está posto e pode ser interpretado imediatamente. O segundo refere-se
ao sentido expressivo que exige o conhecimento dos atores para ser interpretado. “Por último o nível
documentário que documenta a ação prática e exige que o processo de interpretação envolva a posição
daquele que está interpretando” (SILVA, 2009, p. 44, grifo da autora).
Sobre a análise do sentido documentário, Weller (2005), ao discutir a teoria de Mannheim, acrescenta
que, para além dos objetos culturais, toda ação pode ser interpretada tendo em vista os três sentidos
delineados pelo autor. No entanto a utilização das reflexões de Mannheim sobre os sentidos das ações
exigiu uma diferenciação para a pesquisa social empírica: “ao invés da reconstrução do decurso de uma
ação (nível objetivo ou imanente), passaremos a analisar e reconstruir o sentido dessa ação no contexto
social em que está inserida (nível documentário)” (WELLER, 2005, p. 268). Uma vez que toda frase ou
ato está ligado a um contexto específico, a compreensão do último nível de sentido exige tanto uma
compreensão da realidade social em que foi produzido, quanto uma via de acesso ao conteúdo subjetivo
do outro.
“A análise documentária tem como objetivo a descoberta ou indicialidade dos espaços sociais de experiências conjuntivas do grupo pesquisado, a reconstrução de suas visões de mundo e do modus operandi
de suas ações práticas” (WELLER, 2005, p. 269, grifo do autor). O que se busca alcançar é o impacto
das ações de um grupo no contexto social em que está inserido.
Para alcançar esses objetivos, a reconstrução do grupo de discussão se constitui como uma das principais
ferramentas para a análise documental. A análise processual deve levar em conta “a dramaturgia dos
discursos; estes, por sua vez, são identificados como metáforas de foco. As metáforas de foco referem-se
aos centros de convivência que são comuns aos membros do grupo” (SILVA, 2009, p. 45, grifo nosso).
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Valverde (2008) esclarece que as metáforas de foco são a parte do grupo de discussão que emana da
interação dos sujeitos, sem a intervenção do pesquisador. Além disso, pode ser identificado pelo tempo
que os participantes se voltam ao tema. Importa destacar que o tema alvo da metáfora de foco pode,
muitas vezes, ser díspar dos objetivos da pesquisa, “mas são reveladores e tão importantes quanto
aquele na medida em que nos trazem elementos sobre as experiências coletivas daquele meio social”
(VALVERDE, 2008, p. 77).
O processo de análise inicia-se com a etapa denominada de interpretação formulada. Primeiramente é
realizada uma divisão em temas e subtemas, em seguida selecionam-se as metáforas de foco. Valverde
(2008) esclarece que a seleção das passagens pode ser feita de acordo com os objetivos do estudo, embora
também possa ser baseada no tempo de duração do trecho e da interação existente. No entanto, “orienta-se que não é necessário transcrever toda a entrevista, mas deve-se transcrever a passagem inicial, as
metáforas de foco e os trechos identificados como relevantes para a pesquisa” (VALVERDE, 2008, p. 78).
Após feita a divisão da entrevista em temas e subtemas, esmiuçando ainda a duração das discussões,
as metáforas de foco ficam ressaltadas, aparecem. Nesta pesquisa, apesar de se ocuparem por tempo
considerável em temas que não estavam entre os objetivos – por exemplo, a prática pedagógica na EJA
e as críticas à postura da Secretaria Municipal de Educação – verificou-se, como destacado por Valverde
(2008), que, muitas vezes, os participantes voltam ao mesmo tema, definindo assim metáforas de foco
que auxiliaram a compreender espaços de formação de professores dentro do processo de elaboração
do Projeto de EJA.
A interpretação baseada no método documentário se segue numa segunda fase denominada interpretação
refletida. O objetivo desta é permitir que o pesquisador se aprofunde nas análises, o que “implica uma
observação de segunda ordem, na qual o(a) pesquisador(a) realiza suas interpretações, podendo recorrer
ao conhecimento adquirido sobre o meio pesquisado” (WELLER, 2005, p. 276).
Para o método documentário, a análise comparativa tem por objetivo a apreensão dos aspectos homólogos
entre diferentes casos estudados. Assim, quando a usa como base, a análise do método será estreitamente
por comparações. Na pesquisa em questão o objetivo principal era perceber aspectos de formação nos
diversos momentos de elaboração do Projeto de EJA, alcançados previamente nas narrativas.
Por fim, acrescenta-se que o objetivo da análise documentária é a descoberta ou indicialidade dos espaços sociais de experiências conjuntivas do grupo pesquisado, a reconstrução de suas visões de mundo
e de suas ações (WELLER, 2005). Dessa forma, o método possibilitou que as experiências vividas no
processo de elaboração do projeto de EJA fossem esmiuçadas e delineassem, junto a outros dados, os
espaços que foram para os sujeitos formativos.
EM BUSCA DE ANÁLISE: AS “METÁFORAS DE FOCO” COMO CATEGORIAS
Indicações sobre os sujeitos da pesquisa
Antes de apresentar parte da análise advinda do grupo de discussão faremos breve caracterização dos
sujeitos da pesquisa4 que participaram desse estudo, de modo que fiquem ao menos delineadas suas
trajetórias e a forma como acabam se transformando, em dado momento, em um grupo.
Por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos sujeitos e sob a guarda dos pesquisadores foi autorizada a
revelação da identidade dos sujeitos, por tratar-se de uma pesquisa com narrativas autobiográficas.
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Cláudio Gonçalves Guadalupe nasceu em São João del-Rey/MG em agosto de 1959, mas ainda criança
se mudou para Divinópolis, onde mora e trabalha. Formou-se em Ciências Sociais em 1984, na Fundação
Educacional de Divinópolis (Funedi/UEMG). Possui Pós-Graduação em História e em Educação de Jovens
e Adultos, ambas pela UFMG. Atua como educador há mais de vinte anos, sendo os últimos doze vinculados à EJA.
A sua entrada na EJA está ligada ao movimento político-partidário do qual participa há anos: Cláudio é
filiado ao PCdoB. Em 2000, com a implementação do projeto Semear5 da CUT nacional em Divinópolis,
ele foi convidado a ministrar aulas de Ciências Humanas na zona rural para alunos trabalhadores.
Foi nesse mesmo ano que Geraldo Eustáquio Lara, natural de São Tiago, iniciou a carreira de magistério
na EJA, embora por motivo diferente: precisava dar aulas à noite. Naquele ano, Geraldo completava quatro
anos como licenciado em História pela UFMG.
A transferência de escola, em 2004, foi o que fez Geraldo, o mais novo dos sujeitos, 49 anos, e Hermes
Gualberto da Fonseca, o mais velho, 59 anos, trabalharem juntos num projeto de EJA, na Escola Municipal
João Severino Azevedo. Na época, Hermes, que foi contemporâneo de Cláudio quando cursava a graduação em Ciências Sociais na Funedi/UEMG, trabalhava também como professor de História.
Um ano depois, 2005, Maria Aparecida Alves de Souza se formava em Normal Superior pelo Projeto
Veredas6 e começava a trabalhar no mesmo projeto que Cláudio, o Semear, no entanto, era professora
dos anos inicias. Sua entrada na EJA estava ligada a uma opção pessoal pelo trabalho com os adultos
no projeto Semear.
Oito anos depois, Cida, 50 anos, sente com pesar não trabalhar mais na EJA, pois em 2012 aposentou-se
no cargo em que atuava na modalidade, sendo, na data, vice-diretora da EJA, na Escola Municipal São
Geraldo. No outro cargo em que é professora trabalha com crianças de cinco anos.
Geraldo e Hermes iniciaram uma parceria bem-sucedida na gestão da E. M. João Severino de
Azevedo, sendo, respectivamente, diretor e vice já há alguns anos, tendo contato com a EJA sempre.
Cláudio é um dos membros do grupo de trabalho voltado à inclusão, na Secretaria Municipal de
Educação. Seu trabalho está estreitamente ligado ao projeto de EJA do município, sendo ele a referência
dentro da secretaria para as questões da modalidade.
“A Central Única dos Trabalhadores e a Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional [...] iniciaram, em 1998, o Projeto
Semear. Em caráter experimental, o projeto possibilitou o acesso à educação de pessoas que não tiveram esse acesso e não encontraram, no ensino
tradicionalmente oferecido pelas escolas, um caminho para a melhoria das suas vidas. Além disso, mais do que estimular, gerar e transmitir novos
conhecimentos que ajudaram a promover a cidadania e uma vida mais digna no campo para os (as) educandos (as) que dele participam, [...] o Semear
incorpora inovações institucionais, metodológicas e organizacionais; a construção, de forma participativa, de currículos adequados às necessidades
de cada território; o desenvolvimento de uma prática pedagógica que respeita os conhecimentos e as culturas da população e estimula a aprender;
a promoção de uma forte ligação entre o projeto educacional e as comunidades e, ainda, o controle social fortalecido através da gestão do projeto
por organizações sociais. Essas foram importantes inovações introduzidas na prática educacional pelo projeto Semear” (ARAÚJO, 2006, p. 18).
5
“O Projeto Veredas30 – Formação Superior de Professores foi implementado em parceria com o Programa Anchieta de Cooperação Interuniversitária com objetivo de qualificar os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sob o patrocínio do Governo do Estado de Minas Gerais.
[...] Fomentar a melhoria da qualidade de ensino, promover a compreensão e a consciência intercultural entre os povos ibero-americanos estão
entre as finalidades do programa. [...] Um dos objetivos da SEE-MG para a implementação do Veredas foi a perspectiva de redução do número
de professores da rede pública de Minas Gerais sem formação superior. Destaca-se, também, a valorização do profissional da educação, como
condição para melhoria do padrão de qualidade da escola pública do Estado” (RODRIGUES, 2009, p. 46).
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As Metáforas de foco
As experiências dos sujeitos, constituídas de forma coletiva no grupo de discussão, foram desencadeadas
por algumas questões que estavam contidas no tópico-guia. No entanto, seguindo as reflexões metodológicas já apontadas anteriormente, após a fase de análise de interpretação formulada, em que os temas
e subtemas são delimitados, as metáforas de foco identificadas ligavam-se aos pontos que os sujeitos
sempre se remetiam, embora não sejam os momentos de maior interação. Esses últimos referem-se a
questões que não se buscava abordar na pesquisa.
O objetivo desta seção foi detectar as metáforas de foco, de modo a compreender como os fóruns aparecem como locais de formação pelos sujeitos. Vale ressaltar, entretanto, que muitas vezes os próprios
participantes não os identificam como espaços de formação e que esse caráter fica claro apenas na
análise refletida dos trechos.
Tendo em vista os objetivos limitados deste artigo, as análises que serão apresentadas aqui não seguirão a ideia de comparação − que compõe o relatório final−, intrínseca ao método documentário, o que
se buscará está bem próximo à primeira etapa da análise, ou seja, uma interpretação das reflexões dos
sujeitos em relação às suas experiências e (com)vivências nos Fóruns de EJA, tema deste texto.
As passagens selecionadas remetem a lembranças, aos debates, a pessoas e aos espaços que permearam todo o processo de elaboração do Projeto de EJA do município. Trazem lembranças das discussões
nos fóruns, das temáticas e das atividades propostas nesses espaços e vislumbram uma forma diferente
de observá-los.
A gente veio com uma ideia de que a EJA tinha que ser algo diferente... [murmúrio de concordância do Hermes] então essa ideia sim, nós trouxemos (?), até porque nós mudamos muito a
forma de trabalhar dentro do Novo Cidadão7a partir dos fóruns [eu acho até que não foi muito o
fórum não, Geraldo], mas a Olívia trazia muita coisa, das leituras dos fóruns... (Geraldo)
Ao relembrar sua participação nos fóruns, Geraldo, apoiado por Hermes, menciona que a ideia do que
deveria ser a EJA foi (re)formulada durantes as plenárias do fórum. O sujeito sinaliza ainda que as leituras
que eram feitas junto às discussões, nos fóruns, adentravam o ambiente escolar, provavelmente porque
nesses espaços – tanto os fóruns quanto as salas de aula – engendraram-se discussões e debates que
levaram os sujeitos a refletirem sobre a temática e os seus reflexos na prática.
A fala de Geraldo aponta ainda para outro sujeito: Olívia, supervisora na escola em que trabalhava. Suas
lembranças remetem às discussões que essa trazia do ambiente dos fóruns. O sujeito destaca que os
fóruns trouxeram uma forma nova de pensar sobre o que era a EJA, como deveria ser e ainda as mudanças da prática pedagógica voltadas às especificidades dos educandos dessa modalidade de educação.
Ressalta-se que, por intermédio das falas, percebe-se que para esses sujeitos estavam imbricadas as
noções de EJA como educação ao longo da vida e de respeito aos saberes dos educandos. A prática
pedagógica, portanto, deveria ser diferente do que é normalmente feito no ensino (tido como) regular.
Essas ideias foram, não apenas para Geraldo, mas também para o grupo que participava junto dos debates, disseminadas por meio da participação nos fóruns.
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Nesse ponto, Geraldo faz referência a um projeto voltado a jovens e adultos trabalhadores em que ele e Hermes trabalhavam como educadores.
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Para compreender essa inferência, é importante acompanhar as lembranças do sujeito que, em outro
momento de discussão, dá como exemplo o processo de avaliação do trabalho realizado junto/para/pelos
educandos à época:
A avaliação era diferente, mas porque... [início de fala de Hermes não completada(?)] mas também acho que isso veio também dos estudos...dos fóruns...lá agente é...várias vezes...a gente
estudou sobre avaliação. Nesse sentido a avaliação é um conjunto, né? [murmúrio de aprovação
de Hermes] (Geraldo).
Percebe-se ainda que a própria concepção de avaliação foi repensada. Depois da participação nos fóruns
o processo de avaliação passa a ser compreendido como um conjunto, ou seja, levando em consideração
todos os aspectos da formação do educando.
Reflete-se ainda o modo como a participação nos fóruns é relembrada por Geraldo por meio do verbo que
é usado por ele ao se remeter àquele espaço: “lá a gente estudou”. Ao refletir sobre as três possibilidades
de definições para essa palavra, no dicionário, duas são significativas aqui. Para Ferreira (1993), estudar
é “aplicar a inteligência a, para aprender” e ainda “observar atentamente” (FERREIRA, 1993, p. 234).
Nesse sentido, a participação nos fóruns fez com que os sujeitos – nesse caso Geraldo e Hermes, que
concorda com a fala do primeiro – aprendessem algo sobre a EJA.
Retomando discussão acima sobre a ideia de formação continuada, compreende-se que nesse ponto
a ideia de estudar está estreitamente vinculada à noção de formação por meio de cursos em que são
desenvolvidas palestras e os ouvintes aprendem sobre algo.Acrescenta-se ainda que estudar a EJA
nos fóruns como foi posto por Geraldo, pode se ligar a definição de observar atentamente, nesse caso
observar práticas que ocorriam na EJA em outros espaços com outros sujeitos. É nesse sentido que a
fala de Cláudio é elucidativa:
Teve alguns que eu lembro que a gente fazia muita discussão da prática, né? Prática pedagógica...
práticas que estavam acontecendo na EJA na região. Outros a gente discutia a questão do que
que é a EJA, né? O significado de EJA... então...a suplência...tentando conter...essa visão de suplência. Então teve muita essa discussão, muitas oficinas, a gente trabalhou com muita oficina.
Todos os encontros a gente privilegiava o momento teórico, aí a gente chamava a Analise, chamava
o Leôncio, chama... chamava esse povo que a gente tinha contato, mas depois tinha a parte de
oficinas, práticas mesmo...dentro da matemática, das ciências humanas, discutir prática de debate, oralidade...então isso em todos os encontros. Então isso em todos os encontros. A gente
sempre teve essa preocupação. De ter a parte teórica e de oficina, pro pessoal vivenciar (Cláudio).
As lembranças de Cláudio se voltam mais uma vez às discussões sobre a ideia de EJA. Em suas
palavras, uma compreensão da modalidade que ultrapassasse a ideia de suplência, ou seja, diferente da
ideia de que a EJA deve primar pela diplomação ou ainda pela mera ideia de que o educando deve estar
na escola e não ter suas especificidades entendidas e consideradas. Nesse sentido sua fala está bastante
ligada às de Geraldo, embora tenham sido proferidas em momentos diferentes da discussão.
Por meio de sua fala é importante ainda discutir a dinâmica das plenárias do fórum regional e,
de alguma forma, até é possível inferir sobre uma conceituação do que é formação para esse sujeito.
As discussões teóricas eram advindas da leitura dos intelectuais que discutem a EJA na Universidade,
momentos estes em que o discurso acadêmico adentra e se entrelaça com os dilemas da prática.
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Nesse sentido, ainda é possível compreender que a formação e a discussão estão ligadas ao ambiente
acadêmico e aos debates que esse espaço engendra. Demonstrando a valorização do saber acadêmico
sem, no entanto, depreciar ou negligenciar os saberes, experiências e vivências dos que estavam atuando na sala de aula e cujos saberes são contemplados nas oficinas. A montagem de oficinas favorecia a
interlocução de ideias sobre as práticas que eram desenvolvidas pelos educadores das cidades da região
e visavam à vivência de uma prática pedagógica diferenciada.
A participação nas oficinas é parte das lembranças de Cida, quando relembra que ela foi, a convite de
Cláudio, uma das oficineiras:
Eu participei das oficinas e teve uma que ele...que o Cláudio me convidou pra...pra...trabalhar
com o pessoal sobre a questão da alfabetização, como se dava a alfabetização nos primeiros
anos, né? Então foi interessante, foi uma experiência ímpar (Cida Alves).
A participação nas oficinas aparece como um momento de aprendizagem tanto como participante quanto
como oficineiro e permite a emersão de mais reflexões sobre o caráter de formação desses espaços.
As oficinas eram propostas a partir de questões que emergiam da prática pedagógica, remetendo à
fala de Cláudio, percebe-se que os temas voltavam-se às diversas áreas de ensino, portanto, buscavam
compreender como as especificidades da EJA poderiam ser discutidas e vivenciadas para e na prática.
Desse modo, as oficinas ofereciam a oportunidade de discussão e divulgação de práticas inovadoras entre
os educadores e mais, por serem os oficineiros educadores também, as oficinas ofereciam espaço para
o educador de jovens e adultos expor os saberes de sua prática.
Nesse sentido, bem atrelado às novas compreensões de formação continuada para educadores de jovens
e adultos, como já foi tratado aqui, as oficinas abriam um espaço para que o educador falasse e fosse
ouvido pelos pares, e seu saber e trabalho não era visto como inferior ao que era; na dinâmica do fórum,
antes discutido nas palestras dos convidados, considerado dentro como um momento acadêmico.
Assim, engendra-se algo bastante raro: os saberes da prática sendo considerados tão valiosos quanto
os acadêmicos de EJA.
Os fóruns pra mim ficou mais assim... é como aceitar a educação do adulto, essa (?) até EJA
não se usava muito não, que ele tem direito. Precisa ter! Resgatar que a prefeitura forneça essa
escola. Porque até hoje não tem esse trem ainda, embora fala, mas eu sei que é assim (Hermes).
Os fóruns ainda são espaços de compreensão da EJA como um movimento de luta contínua pela educação como direito. É nesse sentido que o caráter político do fórum se vincula ao caráter formativo. As
reflexões de Tuckmantel (2002) sobre o caráter educativo do ato de educar são importantes, pois para a
autora é impossível negar “o caráter educativo do ato político” (TUCKMANTEL, 2002, p. 33). Na reflexão
da autora, considera-se também o ato político como educativo, formativo, dentro também da perspectiva
de Freire,8 que chama a atenção para o caráter ideológico do ato formativo (FREIRE, 1996) e da educação
como um ato político.
Sobre essa questão ver, principalmente: Pedagogia do Oprimido e Educação como prática de liberdade.
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A partir dessas metáforas de foco brevemente analisadas aqui, compreende-se os Fóruns de EJA como
espaços em que se engendram momentos de reflexão, discussão e convivência que são formativos para
o educador. Neles se entrelaçam vários meandros da compreensão do que é formação, seja seu caráter
vinculado à noção política ou acadêmica. Dessa forma, os Fóruns de EJA podem ser entendidos como
espaços formativos.
O FÓRUM EJA – ESPAÇO DE FORMAÇÃO NÃO FORMAL
Historicamente, o termo latino forum tem sua origem nas grandes cidades romanas, tratava-se de uma
palavra usada para designar o principal local público de encontro. O fórum romano era circundado por outros
edifícios, como templos religiosos, espaços comerciais e de administração. Constituído de um grande pátio
central pavimentado, era o local onde os encontros (comerciais ou não) dos mais diversos grupos de pessoas aconteciam, dessa forma, era um espaço em que todos (podiam e) frequentavam (FERREIRA, 2008).
Segundo Ferreira (2008, p. 56) a noção de forum como espaço de intercâmbio mantém-se ainda hoje,
embora esteja ligada a novos contextos. Fala-se de forum para se designar um espaço físico urbano e
bem delimitado, mas, sobretudo, para traduzir uma possibilidade de interação, de discussão e de troca.
A principal característica que se deve ter com vistas à discussão sobre os Fóruns de EJA é justamente seu
caráter plural e de interação. Ao congregar, em um mesmo espaço, agentes envolvidos com a EJA nas mais
diversas esferas, o fórum passa a ser um espaço de debate aberto, de integração, de discussão e de trocas.
O processo de realização e organização de uma plenária de um Fórum de EJA é bastante complexo e por
meio dele é possível compreender em minúcia o caráter de interação e envolvimento que esse espaço
congrega. Ao tratar especificamente da dinâmica no Fórum Mineiro, Campos et al. (2007) relatam que
as atividades desenvolvidas pelo fórum são definidas por um grupo de pessoas que compõe a Secretaria
Executiva. Em cujas reuniões acontecem as articulações que possibilitam a realização das plenárias do
Fórum, os encaminhamentos para as reuniões entre os representantes dos Fóruns Estaduais com a
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), o Ministério da Educação (MEC)
e também a realização dos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA).
Os temas e atividades a serem desenvolvidos durante a plenária do Fórum são definidos por uma secretaria,
que nada mais é que um grupo de pessoas representantes das mais diversas entidades atuantes na EJA:
universidades, sistema “S”, educadores e técnicos da Secretaria Estadual e das Secretarias Municipais de
Educação. A esse grupo também cabe a divulgação e a organização do evento em si, além da definição
temática e do agendamento de local e horário, o convite e a viabilização da presença de palestrante, as
organizações diversas como lanches, os materiais de papelaria, etc.
A plenária se inicia com a chamada dos representantes das diversas cidades e espaços que estejam
cooperando com as discussões e finaliza-se com uma proposta de tema/atividade de discussão que é
novamente encaminhado para a secretaria. Os membros da secretaria têm por missão transformar essa
sugestão de tema em outra plenária. Dessa forma, os temas e debates são decididos em conjunto e a
secretaria apenas executa.
Sobre o papel da secretaria executiva em relação à organização das plenárias dos fóruns, é elucidativa a
reflexão de Jane Paiva (2005):
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Deve-se entender que os Fóruns não tem “dono”, não são propriedade de nenhuma instituição,
mas resultam dos esforços de várias pessoas/entidades que acreditam na ideia e na possibilidade
de gestão compartilhada e cooperativa para tomar decisões e propor alternativas. Significa dizer
que o poder circula, não é centralizado, não é hierárquico (2005, p. 205, grifo nosso).
Os componentes da secretaria, portanto, são tão membros do Fórum e dos debates quanto aqueles que
vão às plenárias sem intervir em nenhuma das discussões. O argumento da autora é que ao conceber o
poder e o papel de cada um dos membros como horizontal e ainda por ser um espaço de tomar decisões
e propor alternativas, permite-se que a democracia seja vivida na sua plenitude, num espaço em que
todos têm direito de falar e têm suas opiniões respeitadas igualmente.
Campos et al. (2007) seguem apresentando que nesses encontros regulares, as plenárias, acontece a
troca de experiências entre as inúmeras iniciativas desenvolvidas no campo da EJA, além de se estabelecerem diálogos frequentes entre as instituições que, de alguma forma, trabalham com essa modalidade
de educação. É nesse sentido que se compartilha com os autores a opinião de que o surgimento dos
Fóruns criou aos poucos, um movimento nacional com o objetivo de estabelecer uma interlocução com
os organismos governamentais a fim de intervir na elaboração de políticas públicas para a EJA.
Dessa forma, os Fóruns podem ser definidos como “espaços privilegiados de discussão, intercâmbio e
socialização de experiências com o objetivo de contribuir para a formulação de políticas de ação” (CAMPOS
et al., 2007, p. 1).
Troca de experiências e ideias apenas? Não, os Fóruns são, antes de tudo, espaços democráticos privilegiados de discussão e socialização de experiências. Entretanto, guardam também a possibilidade de
intervenção nas políticas públicas. As reflexões dos autores demonstram que nesses espaços engendrou-se
ainda um processo bastante rico de interlocução entre a esfera da sociedade civil organizada e o governo.
Essa última dimensão está estreitamente associada com sua história.
O surgimento dos Fóruns de EJA está intrinsecamente relacionado com o período de transição da política
brasileira – mudança do período ditatorial para uma redefinição civil democrática –, ou seja, entre as décadas
de 1980 e 1990. É nesse contexto que novas demandas sociais e debates/embates político-ideológicos
se apresentam no cenário brasileiro.
Silva (2008) esclarece que o surgimento dos Fóruns se deu junto às mobilizações para a preparação da V
CONFINTEA.9 Convocados pelo MEC, vários representantes foram mobilizados para as discussões que
seriam enviadas à Conferência em nome do Brasil. Ferreira (2008) completa esclarecendo que na ocasião
foi montada uma agenda de encontros que reuniria representantes de diversas esferas que tratavam da
EJA – entre esses, governos estaduais e municipais, universidades e empresas de iniciativa privada. O
autor assinala a ocorrência de dois encontros regionais, um nacional, um latino-americano e finalmente
a Conferência Internacional na Alemanha.
9
“A Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO) e realizada a cada doze anos, é o único evento global de educação de adultos. A primeira foi realizada na Dinamarca (1949),
e as demais no Canadá (1960), no Japão (1972), na França (1985) e, por último, na Alemanha (1997)” (HADDAD, 2009, p. 358). O contexto
assinalado por Silva (2008), então, são os debates para o encontro realizado em Hamburgo, Alemanha, em 1997. Observa-se ainda que em 2009
foi realizada a VI CONFINTEA no Belém do Pará, Brasil.
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Di Pierro (2005) relata que esses seminários acirraram as divergências entre os representantes de segmentos sociais e as autoridades federais que adotando uma postura vertical e delegativa fecharam os canais de
diálogo. A partir de então o movimento adotou nova postura, baseada na ideia de descentralização “mediante
a constituição nos estados de Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, que funcionam como espaços
públicos de gestão democrática e controle social das políticas educacionais” (DI PIERRO, 2005, p. 1130).
Os fóruns nascem, portanto, como uma iniciativa contra o poder e a imposição de posições pelo governo
federal. São uma resposta da sociedade às demandas da EJA e mais um passo pela efetivação ao direito
à educação para todos, promulgado na Constituição de 1988. Paiva (2005) acrescenta a concepção de que
a reunião informal de pessoas e entidades envolvidas com a EJA surgiu como estratégia para a inclusão
do direito à educação para as pessoas adultas e jovens que eram colocadas à margem dos processos
de escolarização.
A partir das discussões dos encontros de preparação para a V CONFINTEA e do acirramento de tensões
entre os grupos, como apontado anteriormente, os Fóruns Estaduais de EJA foram se constituindo, segundo Lima “com motivações diferentes na origem e no percurso de cada movimento local” (2006, p. 51), a
começar pelo do Rio de Janeiro em 1997, seguido pelos dos estados de Minas Gerais, da Paraíba e do Rio
Grande do Norte no ano 1998. Desde então, os outros estados se articularam e constituíram seus Fóruns.
Assumindo ainda o compromisso de articulação dos programas de alfabetização com os níveis mais
elevados de escolaridade, os Fóruns promovem a luta pela efetivação do direito constitucional ao Ensino
Fundamental gratuito para todos. E mais, adere à perspectiva da educação ao longo da vida e reivindica
processos mais longos e ricos de aprendizagem (DI PIERRO, 2005). Assim, os fóruns são lugares não
formais de formação de professores numa concepção de educação como um “ato político”.
À GUISA DE CONCLUSÃO: OS FÓRUNS DE EJA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO
Por meio dos aspectos políticos envolvidos no processo de formação dos fóruns de EJA e ainda o caráter de mobilização, de militância e de efetiva participação na elaboração de políticas públicas, os fóruns
guardam a possibilidade de ser um espaço de formação de professores, seja por meio do acesso às
discussões no âmbito acadêmico, seja nos momentos de troca de experiências entre os educadores ou
ainda na luta por uma educação de melhor qualidade como a esboçada em torno do último Plano Nacional
de Educação (PNE).
Ressalta-se ainda que o processo político em si faz parte da formação do educador, acredita-se, como
Tuckmantel (2002), que a prática coletiva exige reflexão da situação vivida. E essa reflexão produz um
conhecimento da real situação que possibilita a execução de planos e o empenho em sua realização.
Nesse sentido, as lembranças dos educadores, emersas no grupo de discussão, permitem considerar os
Fóruns de EJA como um espaço-tempo de formação. Processo que vai além da concepção de formação
engendrada em cursos, pois conforme nossos dados, discussões, reflexões e embates desse espaço
ao mesmo tempo formativo e político, foi possível observar que os sujeitos que participaram ativamente
desses espaços se conectaram com as reflexões de outros espaços-tempo, mobilizando reflexões, discussões e conceitos de locais da sala de aula e para além dela.
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REFERÊNCIAS
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ao desenvolvimento sustentável. In: TV Escola, Salto para o Futuro. Educação de Jovens e Adultos no
campo. Boletim 15, set. 2006. Disponível em: <http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/172355EJA.
pdf>. Acesso em: 5 jan. 2015.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996.
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ARTIGOS
CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO E AÇÃO
DOCENTE1
Marta Nörnberg
Igor Daniel Martins Pereira
RESUMO: Este artigo apresenta concepções de estágio e ação docente. São resultados de pesquisa
que visa compreender quais são os componentes que formam a ação docente do acadêmico em estágio
curricular. O material empírico foi constituído pelos Relatórios de Estágio. Os resultados da análise de
conteúdo mostram que o estágio é compreendido como espaço-tempo propício para a vinculação teoria
e prática. A ação docente é entendida como experiência e relação com estudantes e professores da
escola básica.
PALAVRAS-CHAVES: Formação de professores; estágio; ação docente.
Conceptions of internship and teaching practice
Abstract: This article presents conceptions of internship and of teaching practice resulted from the research that
aimed to understand what components make up the teaching practice in curricular internship. The empirical material
consisted of Internship Reports. The results of the content analysis show that the internship is understood as a suitable
space and time for linking theory and practice, while teaching is understood as an experience and an opportunity for
building relations with students and elementary school teachers.
Keywords: Teacher education; internship; teaching.
Agradecemos a FAPERGS pelo apoio financeiro. Uma versão preliminar foi apresentada na AnpedSul 2012,
em Caxias do Sul, por Katiane de Almeida Gonçalves e Igor Daniel Martins Pereira.
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INTRODUÇÃO
O desenvolvimento permanente de pesquisas que envolvem os processos de formação inicial e continuada de professores é necessário especialmente quando reformas curriculares e educacionais estão
na agenda. Marli André (2010) adverte que nos últimos anos há uma diminuição gradativa de pesquisas
envolvendo programas e/ou cursos de formação inicial ou continuada de professores quando se analisa
o foco específico de suas abordagens. A partir dos anos 2000, de acordo com a autora, as pesquisas
passaram a ter como foco “o professor, suas opiniões, representações, saberes e práticas, chegando a
53% do total de estudos sobre formação docente em 2007” (ANDRÉ, 2010, p. 176), contrapondo-se aos
estudos realizados uma década antes, nos quais o enfoque eram os cursos de formação inicial. De acordo
com o estudo realizado por André (2010), em 2007, a porcentagem de pesquisas referentes à formação
inicial de professores girava em torno de 18%. A autora justifica o interesse por outras temáticas, em
especial, o professor e sua prática, devido ao fato de que cresceu o interesse dos pesquisadores em
“conhecer mais e melhor os professores e seu trabalho docente”, sobretudo para “descobrir os caminhos
mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade, que se reverta numa aprendizagem significativa para
os alunos” (ANDRÉ, 2010, p. 176).
Pesquisadores do campo da formação de professores têm indicado a ausência de estudos que se ocupem
principalmente em entender o estágio como espaço-tempo propício ao processo de aprendizagem da
docência e de constituição da profissionalização docente. Silvestre (2008) destaca o pequeno número
de estudos que tenham como foco os estágios curriculares supervisionados e, em especial, a ausência
de pesquisas sobre este assunto no âmbito da formação inicial de professores para os anos iniciais do
ensino fundamental. A autora adverte que a óbvia defesa da importância do estágio por meio de ideias
como “contato com a prática”, “iniciação ao ofício”, “aprender pela prática”, “unir teoria e prática” esvaziou
o conteúdo desse componente de formação. Sugere que é preciso conduzir pesquisas que busquem
compreender o porquê de sua presença nos cursos, sua função na formação profissional de professores
e quais modelos de supervisão são mais adequados, para que, por meio de pesquisas, o estágio possa
ser ressignificado (SILVESTRE, 2011, p. 167).
Calderano (2012) informa que entre 201 teses encontradas, a partir dos descritores “formação docente”,
“trabalho docente” e “educação profissional” no banco de teses da Capes, defendidas entre os anos de
1998 a 2009, somente 11 tratavam do estágio curricular no âmbito das licenciaturas. A partir da análise
das teses localizadas, a autora afirma que esses estudos e pesquisas descrevem a coexistência de concepções distintas de estágio e, de formas diferentes, os autores indicam que é preciso superar a visão de
estágio marcada pela racionalidade técnica e/ou racionalidade prática. De igual forma, os estudos indicam
a necessidade de maior articulação entre universidade e escolas-campo-de-estágio e entre os saberes
dos professores envolvidos como condição para superar os isolacionismos encontrados (CALDERANO,
2012, p. 147).
Identificada a presença ou a ausência de determinados estudos nesse campo, entendemos como relevante
conduzir pesquisas que se ocupem com a dimensão formativa do estágio curricular. Sustentamos que é
preciso investigar os processos de formação de professores em contexto de estágio verificando que aprendizagens são favorecidas por meio da ação docente conduzida por professores supervisores da academia e
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da escola, em sua relação com os acadêmicos, futuros professores. Para isso, consideramos que é preciso
valorizar abordagens que contemplem os processos formativos em sua complexidade, avaliando fatores e
condições favoráveis ou não à formação do professor e à qualificação da sua ação docente.
O tempo e as condições reservadas à aprendizagem da docência (MIZUKAMI et al., 2002), principalmente
aquelas que envolvem o acadêmico durante o período de estágio supervisionado, constituem-se desafios
para as instituições formadoras de professores, especialmente porque não raras vezes o número de professores envolvidos com a supervisão de estágio é pequeno, o que fragiliza a qualidade da orientação. O
estágio curricular se constitui numa primeira forma de docência mais sistemática e contínua. Entretanto, o
pouco tempo e as condições de inserção e orientação do acadêmico em estágio nem sempre favorecem
espaços e oportunidades significativas para a aprendizagem da docência de forma a garantir processos
de reflexão ancorados na dimensão teórica.
José Contreras (2002) adverte sobre o perigo e o limite que a racionalidade prática produz nessas situações porque a reflexão desenvolvida no contexto de atuação nem sempre alcança/revela algum conteúdo
pelo simples fato de o professor pensar sobre suas práticas profissionais. Nesse momento, entendemos
que a participação dos professores supervisores de estágio poderá incidir qualitativamente no sentido de
produzir meios de adensamento teórico, definindo o campo de reflexão e os seus limites, o que produziria
condições para o acadêmico reconstruir concepções e práticas pedagógicas, ancoradas na compreensão
teórica, observando quais são os aspectos que condicionam a prática profissional e a própria produção
de conhecimento na sociedade e no espaço escolar.
Pesquisas e avaliações (BROOKE; SOARES, 2008; TORRES, 2001) no campo educacional cada vez mais
revelam e apostam na centralidade da ação docente como um dos fatores de melhoria da aprendizagem
e como condição para a permanência e o sucesso da criança e do jovem na escola. Por essa razão, evidenciar e entender os elementos que constituem a ação docente do professor-formador e do acadêmico
em estágio curricular torna-se necessário porque ainda é preciso investir sistematicamente na definição
de estratégias que permitam qualificar o processo de formação e aprendizado da docência realizado pelo
acadêmico durante o curso de formação.
Diante dessas considerações iniciais, este artigo apresenta e discute dados decorrentes de pesquisa que
teve como objetivo compreender quais são os componentes didático-metodológicos que formam a ação
docente do acadêmico em estágio, verificando suas concepções de estágio. Na sequência, apresentamos
a metodologia de pesquisa e os resultados da análise realizada do material coletado junto aos estagiários
de um dos cursos participantes da pesquisa.
PRODUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DE PESQUISA
A geração dos dados de pesquisa foi feita por meio da produção e análise de conteúdo de Relatórios de
Estágio. O Relatório de Estágio reúne diferentes informações e documentos, tais como: texto de caracterização da escola e da turma de estágio, plano de ensino, planos de aula, instrumentos de avaliação,
materiais e recursos didáticos, descrições reflexivas sobre as atividades realizadas. Os Relatórios de
Estágio analisados foram escritos pelos acadêmicos que cursavam o Estágio Supervisionado IV, do Curso
de Ciências Biológicas da instituição investigada. Nesse estágio, realizam-se as atividades de regência
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de classe no ensino médio. A orientação e a supervisão do estágio eram realizadas de forma conjunta
entre uma professora da Faculdade de Educação e uma professora do Instituto de Ciências Biológicas da
instituição pesquisada. O estágio tinha duração de 102 horas semestrais. Destas, 40 horas eram destinadas à prática de regência de classe, 30 horas para as tarefas de planejamento e registro e 32 horas para
as atividades de orientação de estágio, que eram feitas de forma coletiva e individual, realizados com as
professoras supervisoras da universidade.
Para produzir um conjunto significativo de texto reflexivo sobre o processo vivido, a mobilização dos estagiários foi conduzida a partir da solicitação de que sua escrita deveria contemplar descrições envolvendo
as situações de ensino e aprendizagem experimentadas com os estudantes da turma do ensino médio
na qual desenvolviam as atividades de docência, a indicação dos sentimentos e experiências docentes
construídas, as articulações e referências aos aportes teóricos e conceituais estudados ao longo do curso. Sugerimos que a escrita deveria exercitar um olhar descritivo e crítico sobre as aulas desenvolvidas
e que os registros fossem feitos em diário a fim de subsidiar a organização do Relatório de Estágio. O
convite feito a cada estagiário foi o de lançar-se ao movimento da escrita contínua sobre o que fazia e via
na escola, exercitando reflexões e articulações teóricas. Essas orientações foram feitas pela equipe de
pesquisadores em encontro organizado para tal fim, realizado no início do semestre em que o estágio
supervisionado ocorreria, com a presença das professoras supervisoras da universidade.
A proposição para a escrita do diário foi ancorada nas ideias de Werle e Nörnberg (2006, p. 10). O registro
em diário, além de possibilitar elementos para entender o que se passa e ocorre no cotidiano da sala
de aula, permite uma reflexão sobre o próprio registro, especialmente quando se considera que há dois
tipos de anotações: “a anotação descritiva – quando o professor faz a descrição dos comportamentos,
atitudes, tal como eles se oferecem à sua observação –, e a anotação reflexiva – quando o professor
faz uma pausa para refletir sobre o que observou, o que fizeram com a sua aula e o que ele fez com o
que fizeram com ela”. Ao final do período de estágio, com base nos registros feitos em seu diário, cada
acadêmico organizou seu Relatório de Estágio.
A análise de conteúdo foi o método de apreciação dos relatórios, cujo processo foi amparado pelos estudos de Roque Moraes (1999). Foi realizada a análise de 11 relatórios, o que correspondeu a 45% do total
de acadêmicos em estágio. Para preservar a identidade dos acadêmicos, atribuiu-se, aleatoriamente, a
cada relatório, uma letra do alfabeto. Após leitura flutuante, foram marcados e retirados fragmentos que
apresentavam aspectos relacionados aos temas em investigação – concepções de estágio, características
da ação docente e aprendizagens favorecidas e/ou ampliadas – e que possuíam uma descrição entendida
como “ato mais pedagógico” porque evidenciavam as aprendizagens, as práticas de ensino conduzidas
e as relações estabelecidas pelo estagiário com a classe de estágio e a equipe de professores da escola
e de supervisoras da universidade.
Os fragmentos extraídos dos relatórios foram compilados num novo texto, denominado documento-fonte, para aprofundamento e realização da análise de conteúdo propriamente dita. Após nova leitura do
documento-fonte, realizou-se o processo de categorização que, segundo Moraes (1999), é um procedimento que consiste em agrupar dados considerando a parte comum existente entre eles. Classifica-se
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por semelhança ou analogia, segundo critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo. No
caso dessa análise, os critérios que definiram as categorias foram estabelecidos a priori.
No campo conceitual, o apoio teórico foi buscado em Selma Pimenta (1999) para definir a expressão “ato
mais pedagógico” como decorrente do processo de reinventar os saberes pedagógicos a partir de uma
prática que ocorre na escola, meio social onde o professor também aprende a ensinar e a construir sua
ação docente. Amparados nos estudos de Edgar Morin (1999), trabalhamos com a compreensão da não
fragmentação do conhecimento e com a importância do pensamento interdisciplinar para compreender
a relação teoria e prática e a articulação informação e conhecimento por meio de práticas de ensino
contextualizadas. Igualmente, recorremos a Jorge Larrosa (2002) quando fala do ato de experienciar
como experiência verdadeira que nos passa e deixa alguma marca para compreender as aprendizagens
favorecidas e/ou ampliadas durante o estágio.
Foi possível perceber que, a maioria, se não todos, dos acadêmicos escreveu de forma reflexiva sobre a
ação docente e as concepções de estágio. A escrita extraída dos Relatórios de Estágio mostra o exercício dos acadêmicos em articular situações vividas com conceitos teóricos que lhes permitiram ampliar,
compreender, problematizar o que experimentaram durante o estágio, exercitando, inclusive, um olhar
crítico sobre sua ação docente e a conduzida pelos professores da escola-campo-de-estágio. O olhar crítico evidenciado na escrita de vários estagiários mostra a prática da leitura “crítica”, defendida por Freire
(1981), que deve preceder a leitura da palavra escrita, o que exige a compreensão do texto, que, quando
alcançada pela leitura crítica, amplia a percepção das relações entre texto e contexto.
Nesse processo, não raras vezes os estagiários teceram críticas às formas de gestão da escola e de organização das salas de aula, à postura e atitude dos alunos e dos próprios colegas docentes, especialmente
no que se refere às atividades de planejamento (ausência) e à falta de orientação por parte da direção em
relação aos processos de funcionamento e organização das atividades letivas (calendário escolar, horário
de início e término das aulas). Alguns estagiários também teceram críticas relacionadas à estrutura física
das escolas (laboratórios inexistentes ou precários, classes danificadas, bibliotecas fechadas) e às condições inadequadas de trabalho e remuneração dos professores. Em alguns registros foi possível localizar
articulações e referências a autores ou estudos do campo das políticas educacionais e curriculares para
sustentar suas críticas e análises sobre a escola.
Na próxima seção, apresentamos a análise dos dados evidenciando as concepções de estágio dos acadêmicos do Curso de Ciências Biológicas, as características da ação docente e, por fim, as aprendizagens
favorecidas e/ou ampliadas durante a experiência de estágio curricular.
CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO, AÇÃO DOCENTE E APRENDIZAGENS
Seguindo as orientações de Roque Moraes (1999), na forma de análise direta, ou seja, quando se escreve
explicitamente sobre a temática em foco, foi delineada a categoria 1: “Vinculação teoria e prática” para as
concepções de estágio; a categoria 2: “Experiência, criticidade, responsabilidade e investigação” como
características da ação docente; e a categoria 3: “Relação e novas experiências com a escola e os alunos”
explicitou as aprendizagens favorecidas e/ou ampliadas durante o estágio. Na forma de análise indireta,
isto é, quando se escreve implicitamente sobre as temáticas propostas, foi identificada uma categoria
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que evidencia o estágio como lugar da “crítica ao ato de ensinar e estar na escola”. Entre as categorias
inferidas de forma direta, selecionamos excertos na forma de frases-chave para ilustrar o conteúdo de
cada uma das categorias, apresentados na Tab. 1.
TABELA 1 – CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO, AÇÃO DOCENTE E APRENDIZAGENS
Categoria
Excertos selecionados
Vincular aspectos teóricos e aspectos práticos. (Estagiário A)
Colocar em prática muitas teorias e aprendizagens construídas durante a graduação.
(Estagiário E)
1 – Vinculação Teoria
e Prática
Oportunizar o exercício da prática de uma teoria que estudamos ao longo de cinco anos.
(Estagiário I)
Colocamos à prova as experiências do percurso acadêmico. (Estagiário J)
Aproximação do meio acadêmico com a práxis pedagógica. (Estagiário K)
Postura não só crítica, mas também reflexiva de nossa prática. (Estagiário A)
Experiências que serão mais bem refletidas para a nossa futura docência efetiva. (Estagiário B)
2 – Experiência, criticidade, responsabilidade e investigação
Consciência da responsabilidade que é ser professor para poder realizar um bom trabalho.
(Estagiário E)
A capacidade de percepção, observação e reflexão deve ser inerente ao professor.
(Estagiário F)
É nesta hora que todos os anseios, medos e expectativas são postos a nossa própria provação.
(Estagiário J)
Adequação da formação com/na escola e universidade. (Estagiário A)
Abordar e investigar alguns temas como, por exemplo, a relação professor-aluno, professorprofessor, professor-comunidade. Aprendi muitas coisas com os alunos. (Estagiário D)
Abertura a novas experiências. (Estagiário E)
3 – Relação e novas
experiências com a
escola e os alunos
Experimentar novas experiências. (Estagiário F)
Eu estava de forma mais participativa, assim como meu envolvimento com os alunos foi bem
maior. (Estagiário H)
Necessidade de mais contatos com os alunos; conhecer determinados comportamentos; refletir
sobre determinadas situações. (Estagiário I)
Os cursos deveriam deixar de lado o “como a escola deveria ser” e trazer para a discussão
“como a escola é e o que pode ser feito para que a mudança ocorra”. (Estagiário K)
Fonte: Documento-fonte dos Relatórios de Estágio Supervisionado IV, 2011.
A análise comparativa e interpretativa do conjunto de relatórios mostra que nos excertos do Relatório
do estagiário G não há referência às categorias inferidas diretamente; apenas foram inferidos elementos
sobre sua concepção de estágio na forma indireta, que contemplam aspectos relacionados ao que os
demais colegas escrevem, como espaço de relação com os diferentes sujeitos da escola: “Na fase de
observação tive a oportunidade de conversar com direção, professores e funcionários sobre a escola e
sobre a educação [...]” (Estagiário G, 2011, p. 6).
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A categoria “vinculação teoria e prática” reúne ideias que mostram o quanto se faz necessário, para os
estagiários, o construir, na prática, um conhecimento que foi armado teoricamente durante a formação
inicial. Entender a prática enquanto práxis é assumir a indissolubilidade entre a teoria e a prática. Ou seja,
significa compreender que, na mesma atividade, coexistem as dimensões teórica e prática da realidade na
qual o professor edifica a sua identidade a partir de um movimento de alternância, que se constrói entre o
saber e o saber fazer, entre a situação de formação e a situação de trabalho (TARDIF, 2002; PIMENTA, 1999).
Por muito tempo a teoria foi vista de forma desarticulada da prática e o estágio foi interpretado como
uma atividade independente, realizada em outro contexto que não o da formação acadêmica e, em geral,
nas últimas etapas do curso para o cumprimento obrigatório de algumas horas que o habilitariam para o
exercício profissional. Era comum entender o tempo de estágio não como espaço de formação, mas como
de testagem da capacidade de exercitar a profissão, restringindo sua dimensão pedagógica e reiterando
apenas sua dimensão certificativa. A formação cujo processo dicotomiza a relação teoria e prática reforça,
nos futuros professores, a ideia de docência em que prevalece a cisão entre teoria e prática. Diversos
fatores são ignorados ou silenciados, tanto pelos professores formadores quanto pelas instituições formadoras, bem como pelos professores que já atuam nas escolas de educação básica. Por isso, segundo
Vieira (2005, p. 20), uma das formas de trabalhar com tais fatores muitas vezes silenciados e ignorados,
como é o caso da dificuldade de realizar o adensamento teórico, seria torná-los visíveis, “fazendo deles
objeto de reflexão e abrindo a discussão às questões do valor da pedagogia da formação”.
Para Pimenta (1999), a educação escolar está assentada fundamentalmente no trabalho dos professores e dos alunos, cuja finalidade é contribuir para o processo de humanização de ambos pelo trabalho
coletivo e interdisciplinar destes com o conhecimento, numa perspectiva de inserção social crítica e
transformadora. Para que essa transformação ocorra, a junção entre conhecimento teórico e prático na
sala de aula da educação básica é necessária. Para isso, é preciso que o estagiário reconheça que, para
a aprendizagem da docência e do tornar-se professor, a dimensão do tempo é fundamental porque seu
processo formativo acontece desde a infância por meio das suas experiências familiares e comunitárias,
e continua na escola e na universidade, onde participa de processos de formação docente, e na própria
sala de aula, onde atua como professor.
É corrente no campo da formação de professores que os conhecimentos são adquiridos durante a trajetória de vida, ampliados no período de formação acadêmica e aprimorados, diariamente, pelo exercício
profissional da ação docente e da participação em situações de formação continuada. Entretanto, se os
professores que atuam como supervisores de estágios, tanto os das escolas como os da instituição de
formação, não auxiliarem os acadêmicos-estagiários a tomarem ciência de que a ação docente em sala
de aula articula elementos da trajetória acadêmico-profissional e da vida pessoal, e que, além disso, eles
encontrarão vários desafios do cotidiano educativo como, por exemplo, situações de fracasso escolar, de
exclusão educativa e social, de deficiências intelectuais, de falta de professores e de recursos didáticos, é
bem provável que os estagiários apenas reproduzirão o que aprenderam em suas escolas, deixando de lado
os conhecimentos científico-culturais e pedagógicos construídos na academia durante a formação inicial.
Maurice Tardif (2002), em sua obra Saberes docentes e formação profissional, indica sínteses de pesquisas que tratam dos conhecimentos, crenças e predisposições dos alunos-professores encontradas por
ele em pesquisas desenvolvidas por Borko e Putnam (1996), Calderhead (1996), Carter e Anders (1996),
entre outros. Esses autores evidenciam o fato de que as crenças dos professores que se encontram
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em formação inicial remetem a esquemas de ação e de interpretação implícitos, estáveis e resistentes
através do tempo. Há a hipótese de que são esses esquemas que dão origem à rotinização do ensino
na medida em que tendem a reproduzir os comportamentos e as atitudes que constituem a essência do
papel institucionalizado do professor.
A análise de entrevistas realizadas por Holt-Reynolds (1992 apud TARDIF, 2002) mostra a visão tradicionalista do ensino que tem raízes na história escolar dos futuros professores, os quais entendem o ensino a
partir de sua própria experiência de aluno no nível secundário. Os alunos falam ter aprendido através de
aulas expositivas, as quais o professor apresentava a matéria de uma forma que despertava e mantinha
o interesse dos alunos. Fora isso, eles julgavam, sempre a partir de suas experiências como estudantes,
que seus futuros alunos seriam incapazes de compreender os livros didáticos ou os textos por si mesmos. Apoiado em Raymond (1993 apud TARDIF, 2002), o pesquisador explica que esses esquemas de
ação e essas teorias atributivas são, em grande parte, implícitos, fortemente impregnados de afetos e
percebidos pelos jovens professores como certezas profundas. Tardif, Lessard e Lahaye (1991) também
mostram que os professores-estudantes resistem ao exame crítico durante a formação inicial, algo que
perdura muito além dos primeiros anos de atividade docente.
Quando realizamos uma análise buscando verificar se os escritos dos estagiários se inseriam em mais
de uma das temáticas em estudo percebemos que, nos excertos dos estagiários B, D, F, J e K, havia
elementos vinculados a, no máximo, duas categorias inferidas. Apenas os excertos do Estagiário A se
inseriam em todas as categorias. A análise de texto mostra que esse acadêmico entende a “relação teoria
e prática” como ação de vincular, o que, segundo ele, exige a não fragmentação entre conhecimento
teórico e prático: “O estágio supervisionado teve o objetivo de observar e aplicar os conhecimentos adquiridos nas disciplinas estudadas, bem como confrontá-los com a prática pedagógica propriamente dita
[...]” (Estagiário A, 2011, p. 3). O grau de importância atribuído à prática pedagógica e aos conhecimentos
adquiridos durante o curso, específicos da área da Biologia ou do campo pedagógico propriamente dito,
foram notadamente evidentes pelo volume de aporte teórico apresentado em seu relatório. Suas ideias
e observações sobre a prática conduzida durante o estágio eram referenciados por conceitos e autores
das duas áreas, expressando relações entre conhecimentos da área específica e do campo pedagógico.
Outro acadêmico que contemplou em seus escritos aspectos relacionados às três categorias foi o
Estagiário E. Anotações descritivas relacionadas à categoria 3 se destacaram: “[...] o estágio também é
um momento de nos colocarmos abertos a novas experiências e aprendermos com nossos colegas de
profissão, mas defendo que nós, estagiários, devemos e temos que defender nossos ideais e caminhos
enquanto aprendizes da futura profissão, mesmo dentro do espaço em que está se estabelecendo os
estágios e mesmo que isso venha causar inquietações em alguns professores” (Estagiário E, 2011, p. 6).
Um aspecto a ressaltar em sua anotação refere-se ao espaço a ser construído e estabelecido pelo estagiário dentro da escola. É plausível sua colocação de que esse espaço deve ser conquistado e não imposto
porque, mesmo sendo o estagiário “a cabeça nova” (Estagiário E, 2011, p. 6), que possui conhecimento
e informações atuais e construídas no espaço acadêmico, também poderá aprender com a prática dos
professores em exercício na escola básica.
Os excertos do Relatório do Estagiário I tratam da questão do estagiário ver-se como professor no exercício
da prática, ou seja, abordam sobre o movimento de ir constituindo-se como professor durante os estágios,
no contato com professores e estudantes. Como bem nos lembra Pimenta (1999, p. 20), “o desafio, então,
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postos aos cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de passagem dos alunos no seu ver o
professor como aluno ao seu ver-se como professor. Isto é, de construir a sua identidade de professor”. A
construção da identidade de professor ocorre por meio das experiências vividas no estágio, do processo
de reflexão e relações estabelecidas com os estudantes. Esses aspectos estão presentes na escrita do
Estagiário I: “[...] como aluno do nono semestre do curso de biologia, sinto a necessidade de mais contatos com os alunos, contatos esses que me possibilitem passar por mais situações diferenciadas como
as que passei nesse período de estágio supervisionado IV” (Estagiário I, 2011, p 22).
Corroborando questões que observam a importância do estágio de docência, Felício e Oliveira (2008)
consideram “a necessidade de privilegiar, também, a dimensão prática nos cursos de formação de professores, entendendo que o Estágio Curricular, se bem fundamentado, estruturado e orientado, configura-se
como um momento de relevante importância no processo de formação prática dos futuros professores”.
Azevedo e Andrade (2011) referem-se ao estágio como tempo de aprendizado marcado pelo período de
transição e pela tarefa e/ou fase de aprender algo, uma profissão. O estágio contribui para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes de aprendizagem no ambiente profissional. As autoras
também afirmam que os professores formadores, responsáveis pelos estágios, desempenham um papel
formativo fundamental, pois podem gerar a qualificação do trabalho dos estagiários, futuros professores,
mediante interação real e colaborativa.
Azevedo e Andrade (2011, p. 152) propõem a supervisão como processo de ensino e aprendizagem,
perpassando dois mundos: o mundo relativo aos processos de ensino e aprendizagem, onde ocorre a
relação entre professor formador e estagiário; e o mundo relacionado aos processos de ensino e aprendizagem que ocorre entre o estagiário e os seus alunos. Nesse contexto, percebemos que os professores
formadores, orientadores de estágio, são extremamente importantes, porque a atividade de supervisão,
quando embasada numa relação entre “supervisor e supervisado” (entendida como espaço de ajuda,
orientação e colaboração, num clima relacional positivo, e pautada num trabalho metodológico variado,
decorrente de uma série de atividades que venha ao encontro das necessidades dos estagiários, por
meio de um procedimento avaliativo permanente e global), favorece condições para o desenvolvimento
da profissionalidade docente.
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Os excertos aqui analisados corroboram tais perspectivas evidenciadas nos estudos referenciados. Mostram
que, para os estagiários participantes da pesquisa, o estágio também foi entendido como espaço-tempo
em que, por meio das relações que se estabelecem com os estudantes, com os professores da escola e
com os professores-supervisores da universidade, aprende-se a vinculação teoria e prática. Evidenciam
que o exercício de constituir-se professor ocorre mediante o desempenhar a ação docente, em contexto
da sala de aula, com os estudantes e professores da escola básica.
ANOTAÇÕES FINAIS
Nota-se, nos excertos de Relatórios de Estágio analisados, a importância dada para as experiências vividas
com os estudantes, em sala de aula, para o processo de aprendizagem da docência. Os acadêmicos reconhecem e afirmam o estágio como espaço-tempo em que se intensificam a vinculação teoria e prática
e a relação com os estudantes. Entretanto, não fica explicitado se isso se refere também aos aspectos
pedagógicos ou se limita apenas ao ensino de um conhecimento específico, como determinado conteúdo
da área de Ciências Biológicas.
Embora o estágio tenha sido reconhecido pelos acadêmicos como um tempo de experiências intensas,
observa-se, nos relatórios, certa ausência de anotações sobre a forma como aconteceu a interlocução
com os professores supervisores de estágio, da Universidade e da Escola, durante o período de estágio.
Com base nos resultados de análise do material coletado, os professores formadores e os professores
da escola foram pouco referidos como parceiros ou como interlocutores centrais no processo de aprendizagem da ação docente.
O estágio é o momento em que o acadêmico se depara com situações distintas das que viveu como
estudante na educação básica; é o espaço-tempo do aproximar-se da realidade escolar, experimentando
certa ansiedade, especialmente ao querer desenvolver e explorar situações didáticas com os estudantes,
envolvendo o conhecimento adquirido na universidade. Além disso, de forma sistemática, o acadêmico
insere-se no universo da burocracia pedagógica que organiza os processos educacionais, como os diários de classe, os pareceres avaliativos, as reuniões com pais, a elaboração dos planos de ensino, o que
geralmente demanda energia e tempo de preparação e trabalho docente.
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No contexto do estágio supervisionado, entendemos que o professor supervisor da instituição de ensino
superior e o professor supervisor da escola possuem aportes teórico-práticos importantes para problematizar com os acadêmicos suas concepções sobre o que significa ser professor e ensinar em determinado
contexto sociocultural em que as formas de estudar e de aprender das crianças e jovens que frequentam
as escolas são distintas e peculiares. Intensificar o apoio por meio das ações de supervisão a fim de problematizar e compreender as dimensões que envolvem a ação docente na escola parece continuar sendo
o desafio e, ao mesmo tempo, uma das alternativas que as pesquisas conduzidas sobre a formação de
professores em contexto de estágio têm apontado.
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ARTIGOS
A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO DO
PROFESSOR E A IDENTIDADE DO ENSINO
RELIGIOSO
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira1 – PUCPR
Edile Maria Fracaro Rodrigues2 – PUCPR
RESUMO: A presença do Ensino Religioso no currículo escolar tem sido atribulada. Daí a importância
de se conhecer a história do Ensino Religioso como componente curricular e compreender o processo
de formação e profissionalização dos docentes. Inicialmente, o artigo aponta aspectos da formação dos
profissionais da educação e sua identidade docente para traçar um paralelo com a formação do professor
de Ensino Religioso. Apresenta pesquisas do tipo “estado da arte”, que compreendem o período entre
1995 e 2010 em relação à oferta de cursos de formação e produção científica. As pesquisas no campo
da formação de professores para o Ensino Religioso no cenário brasileiro discutem com maior ênfase a
formação continuada. Percebe-se a ausência de uma reflexão sistematizada para verificação da atuação
do egresso junto à prática pedagógica. Contudo, fica evidente que o Ensino Religioso se configura como
uma área de estudos e comunidade de cientistas que se empenha na pesquisa e na extensão.
PALAVRAS-CHAVE: Formação Docente; Ensino Religioso; Perfil Pedagógico.
The relationship between teacher’s training and their Religious
Education identity
Abstract: The presence of Religious Education in the school curriculum has been problematic, which shows
the importance of knowing the history of religious education as a curricular component and of understanding the
process of teachers’ training and professionalization. The article starts by indicating some aspects of the Education
professionals’ training and identity as teachers in order to draw a parallel with teachers training in Religious Education.
It presents state of the art of research, in the period between 1995 and 2010 concerning the offer of training courses
and scientific production. The research in the field of Religious Education teacher training in the Brazilian scenario
focuses on continuing education. The absence of a systematic reflection to verify the performance of graduates as
for teaching practices can be observed. However, it is clear that Religious Education is considered as an area of study
and community of scientists that is devoted to research and extension.
Keywords: Teacher training; Religious Education; teaching profile.
Livre-docente e pós-doutor em Ciências da Religião. Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná – PUCPR/PR. Líder do Grupo de Pesquisa Educação e Religião (GPER – www.gper.com.br).
1
Doutoranda em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR/PR. Mestra em Educação. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR/PR. Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Religião (GPER – www.gper.com.br).
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INTRODUÇÃO
A formação dos profissionais da educação é uma temática discutida de várias formas e com vários
objetivos pela literatura educacional. Esse tema tem se constituído em debates, legislação, políticas
públicas educacionais e de planos de cargos e carreiras. Isso é positivo para o processo de construção
da identidade docente.
Em 2009, o Ministério de Educação organizou uma consulta pública para contribuir com a avaliação, a
regulação e a supervisão dos cursos de graduação (bacharelado e licenciatura), com desdobramentos
para a mobilidade e a empregabilidade dos egressos desses cursos. A proposta visava à organização
das ofertas de cursos superiores, uniformizando denominações para conteúdos e perfis similares, de
modo a produzir convergências que facilitassem a compreensão por todos os segmentos interessados
na formação superior, sem inibir possibilidades de contemplar especificidades de demandas por regiões
ou setores laborais do país.
Tal intento teve como objetivo rever os Referenciais dos Cursos que são os descritivos, o perfil do profissional formado, os temas abordados durante a formação, as áreas em que o profissional poderá atuar
e a infraestrutura necessária para a implantação dos cursos de graduação. No caso da formação de professores, esses fatores têm implicação direta na identidade dos professores. Para Tardif (2002, p. 107):
[...] é impossível compreender a questão da identidade dos professores sem inseri-la imediatamente na história dos próprios atores, de suas ações, projetos e desenvolvimento pessoal.
Nossas análises indicam que a socialização e a carreira dos professores não são somente o
desenrolar de uma série de acontecimentos objetivos. Ao contrário, sua trajetória social e
profissional ocasiona-lhes custos existenciais (formação profissional, inserção na profissão,
choque com a realidade, aprendizagem na prática, descobertas de seus limites, negociação
com os outros etc.) e é graças aos seus recursos pessoais que podem encarar esses custos e
assumi-los. Ora, é claro que esse processo modela a identidade pessoal e profissional deles,
e é vivendo-o por dentro, por assim dizer, que podem tornar-se professores e considerarem-se
como tais aos seus próprios olhos.
Entretanto, como cada indivíduo se apropria do sentido de sua própria história pessoal e profissional,
isso se torna um processo complexo. Há a necessidade de acomodar inovações, assimilar mudanças e
aceitar realidades do cotidiano que podem interferir na construção diária dessa identidade. E, talvez, o
ritmo veloz das transformações do mundo contemporâneo e a dificuldade do docente em acompanhar
tais transformações sejam fatores para a desestruturação da identidade profissional docente.
Os avanços no campo do conhecimento centram-se na tecnologia e esse avanço nem sempre é prioritário
para os que atuam no cotidiano escolar. Além dessa inserção tecnológica, também estamos envolvidos
num processo de globalização em que as exigências de aperfeiçoamento também vêm de forma globalizada, em uma visão qualitativa. Entre aquilo que se espera do profissional do terceiro milênio, é possível
mencionar a requalificação dos professores que exercem efetivamente a função docente, a formação em
cursos regulares de forma continuada, e a instrumentalização do professor para atuação mais tecnológica,
exigindo um profissional extremamente qualificado para o exercício de sua função.
E essa visão de aperfeiçoamento vai ao encontro da melhor qualificação do docente, construindo a figura do professor com produção acadêmica, pesquisador e criativo. Assim, além da busca de ações que
confirme o seu espaço, que identifique sua profissão e suas ações pedagógicas, ele pode analisar sua
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prática à luz das teorias existentes para construir as novas teorias, deixando de ser considerado apenas
um repetidor de conceitos já estruturados.
Também há que se considerar o caminho da coletividade na construção da identidade docente. A identidade
pressupõe o relacionamento docente com os seus pares nas escolas, nos sindicatos e nos agrupamentos
de classes, sendo um indivíduo atuante e defensor de suas ideias. E aqui, novamente, é possível sentir
uma das fragilidades que os docentes têm de se identificarem como classe, pela dificuldade encontrada em
estabelecer raízes nas instituições onde atuam devido à constante troca de local de trabalho. Pela necessidade de compor a renda familiar, a carga horária distribuída em várias unidades de ensino fica fragmentada.
Com isso, a reflexão crítica comum ao espaço social sobre as práticas pedagógicas com o intuito de
construir e reconstruir coletivamente sua identidade fica sem corporativismo ou cooperação coletiva,
deixando de ser partícipe de um contingente de pessoas com as mesmas lutas e necessidades e que
buscam os mesmos espaços e reconhecimentos.
Para Imbernón (2009), os novos valores e atitudes dos cidadãos requerem diferenciadas competências profissionais dos professores, pois tais mudanças na maneira de conceber o conhecimento alteram a prática
e a formação docente. Assim, além da formação inicial, exige-se uma proposta de formação permanente,
considerando atualização de aspectos técnicas, de planejamento, programação, objetivos, avaliação constantemente para adequar as contínuas reformas que a sociedade exige dos formadores. Essa formação
deve ser vista a partir de uma perspectiva que considere o que aprendemos e o que nos falta aprender.
Independentemente do nível de formação, a ação do professor só se concretiza no processo de ensino-aprendizagem direcionado para uma dinâmica envolvendo a cognição e a relação entre sujeitos. Esses
saberes constituem ao longo do processo de escolarização, no curso de formação e na prática profissional. E são decorrentes do enfrentamento dos problemas da prática, envolvendo a relato dos professores
com o conhecimento a ser ensinado, portanto, são os saberes da experiência, os saberes pedagógicos
e específicos, são os saberes das lutas cotidianas (ROMANOWSKI, 2006).
Romanowski (2009) aponta ainda a importância da observação do contexto da sala, dos alunos em relação
à diversidade cultural, respeitando suas diferenças, bem como do investimento na atualização científica,
pedagógica e cultural. Ou seja, é preciso estar permanentemente em formação, tendo uma perspectiva
afetiva no exercício da docência, considerando a ética na sua atuação, e também procurar desenvolvê-la junto aos alunos, com a utilização das novas tecnologias da comunicação e da informação, refletindo
sobre seu emprego e as possibilidades na melhoria das aulas.
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO
A reflexão sobre a formação do professor de Ensino Religioso apresenta um desafio ainda maior. A partir
do que já foi apresentado sobre a identidade docente, o que dizer sobre a identidade do professor de
Ensino Religioso diante da formação que ainda está se constituindo? Acrescenta-se a isso a discussão
sobre a necessidade do Ensino Religioso na escola.
A discussão sobre o Ensino Religioso não se dá apenas no Brasil. Teixeira (2006)3 se reporta a uma proposta em estudo interessante realizado na França por Regis Debray, em fevereiro 2002. A preocupação de
Em entrevista à Revista Último Andar, Cadernos de pesquisa em Ciências da Religião/Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião, PUC-SP. 15. ed. São Paulo: EDUC, 2006.
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Debray é a passagem de uma laicidade de incompetência (que se desinteressa radicalmente pelo fenômeno religioso) para uma laicidade de inteligência (que indica o dever de compreender esse fenômeno).
A ausência da cultura religiosa dos estudantes das escolas públicas francesas, decorrente da ruptura dos
canais de transmissão da memória religiosa na tradição secular francesa, estaria tendo repercussões muito
negativas para a formação do estudante e para sua compreensão de fenômenos históricos e culturais.
Por constituir “parte integrante da formação básica do cidadão” (BRASIL, 1996), a ênfase do Ensino
Religioso está na formação cidadã do ser humano, promovendo o diálogo intercultural e inter-religioso
para que seja garantido o respeito à identidade e à alteridade.
O Ensino Religioso no espaço escolar objetiva produzir conhecimentos sobre a dimensão social e aos
poucos vai tomando o seu espaço para desempenhar a sua função de forma pedagogicamente adequada
às urgências e às necessidades da sociedade brasileira.
O conhecimento religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita estar à disposição na escola e
promover aos educandos oportunidades de se tornarem capazes de entender os movimentos específicos
das diversas culturas, cujo substantivo religioso colabora no aprofundamento para a autêntica cidadania.
Considerar todos esses aspectos possibilitará múltiplas relações e interações entre os conhecimentos
dos educandos, os conhecimentos religiosos dos seus colegas e aqueles apresentados pela escola,
estabelecendo um contínuo processo de observação e reflexão, não somente por parte dos educandos,
mas também do professor.
Santos (2000) enfatiza a necessidade de se congregar no mesmo campo cognitivo: discurso científico,
político, estético, religioso. O desafio, portanto, é promover o diálogo desses conhecimentos para a
construção de um saber emancipatório, uma educação que considere a comunicação, a subjetividade,
as reflexões, as ações, as observações, as impressões, as irritações, os sentimentos e também a fé.
O Ensino Religioso como componente curricular e fundamentado numa releitura religiosa do cotidiano
colabora no processo da construção de um cidadão que compreende os “motivos e razões da existência
de múltiplas diversidades, expressões cultuais e paradigmáticas que se criam e recriam por meio dos
seus contextos sócio-cultural, político-educacional, econômico e religioso” (HOFF, 2005, 228).
Rodrigues e Junqueira (2009, p. 64) discorrem sobre o desafio do Ensino Religioso que
[...] está numa formação de professores de Ensino Religioso pautada nos diversos aspectos da
condição humana e de suas potencialidades e que considere dialeticamente a realização pessoal do sujeito e de seu contexto social. Uma formação construída, avaliada e reconstruída para
articular no espaço escolar o processo de educação que promova o reencontro da razão com
a vida, e que considere as necessidades vitais, as aspirações e os conhecimentos de todos os
sujeitos envolvidos nesse processo de educação.
Assim, destaca-se a necessidade de uma leitura crítica das realidades sociais para se buscarem os referenciais para a organização e o redirecionamento da formação do profissional da educação.
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O PROCESSO FORMADOR PARA A DOCÊNCIA DO ENSINO RELIGIOSO
O Ensino Religioso na atual concepção é considerado um componente curricular, pois a partir da Resolução
nº 04/10 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010), o Ensino
Religioso passa a fazer parte das áreas do conhecimento, sendo reconhecido como integrante da formação básica do cidadão.
Garantido no contexto escolar desde a década de 1930, a presença do Ensino Religioso no currículo escolar
tem sido atribulada. Daí a importância de se conhecer a história das disciplinas e compreender o processo
de formação e profissionalização dos docentes, pois, conforme a ótica definida para uma disciplina, existe
uma interferência direta nas instituições formadoras e seus respectivos programas.
Os princípios estruturais do Ensino Religioso nos levam a concebê-lo como:
a) parte integrante da formação básica do cidadão;
b) um conhecimento que subsidia o educando para a vida;
c) uma aprendizagem processual, progressiva e permanente;
d) disciplina que orienta para a sensibilidade ao mistério na alteridade;
e) disciplina que tem uma avaliação como processo que permeia os objetivos, conteúdos e
práticas didáticas;
f) prática didática contextualizada e organizada;
g) uma disciplina dos horários normais.
Um dos nós na educação atual é o conceitual. Se não houver clareza nos conceitos que iremos lidar
no dia a dia da educação, todo o processo pode ficar comprometido. E esse é um grande problema na
área do Ensino Religioso. Basta fazermos uma pesquisa rápida nos trabalhos sobre a área, participar de
congressos, simpósios ou qualquer evento nessa área para o problema ficar em evidência. Falta clareza
conceitual sobre alguns termos como religião, credo, instituição religiosa, fé, crença, mito, rito, ritualização, religiosidade, espiritualidade, devoção popular, transcendência, o sagrado, o divino, secularização,
teologia... Se formos citar todos os termos, a lista será muito extensa.
As deturpações dos conceitos são próprias de uma sociedade de mudanças tão rápidas como a nossa
que, na ânsia de adaptar o todo aos objetivos das mudanças, altera os conceitos para que a ideologia
vigente permeie melhor a consciência das pessoas. Muitos conceitos são equivocadamente usados por
conta de um enfoque essencialmente proselitista, ou seja, a ideia de que há uma única e verdadeira
religião revelada e salvífica.
E o nó conceitual se estrangula nessa questão! Pela formação que os professores do Ensino Religioso
tiveram e pela postura autoritária de alguns conselhos e órgãos ligados às instituições religiosas, ainda não
foi possível entender ou aceitar a diferença entre evangelização, pastoral e educação. O Ensino Religioso
está no âmbito da educação, portanto é um componente curricular que faz parte da formação educacional
do aluno, em nada se diferindo dos outros componentes curriculares.
A educação, assim como a religião, tem por objetivo civilizar o homem, ou seja, torná-lo humano,
afastando-o dos limites e condicionamentos biológicos a que está sujeito. Tornamo-nos humanos a partir
do momento que somos capazes de criar estruturas sociais complexas regidas por valores e normas. É
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justamente nesse ponto que reside a pertinência do Ensino Religioso. Desde os primórdios, as religiões
orientaram os homens no seu processo civilizatório, criando as estruturas que propiciariam a vida em
grupo como as interdições, os tabus, os mitos e as leis, com o objetivo de situar o indivíduo nas suas
relações, consegue mesmo, com o transcendente e com seu semelhante.
Ao longo desse processo civilizatório, existe toda uma mudança permanente de ideais, valores, normas e
conhecimentos, pois nada está pronto e acabado: o processo é extremamente dinâmico. O conhecimento
está em construção, daí as tradições religiosas orientais afirmarem que tudo é movimento, movimento
é vida e o estático, pela sua rigidez, é morte. A importância do Ensino Religioso reside nesse contexto.
Ele deve evidenciar as contribuições das tradições religiosas para o processo civilizatório da humanidade,
assim como se evidenciam na educação as contribuições das outras áreas de conhecimentos.
MODELOS DE FORMAÇÃO DO ENSINO RELIGIOSO
A identidade do Ensino Religioso, construída no início substancialmente pelas legislações, também pode
ser compreendida pelos esforços em estabelecer uma política de formação. A década de 90 é com certeza
um período que marca esse percurso (JUNQUEIRA, 2008).
Antes dessa década, a formação dos professores era organizada em sua quase totalidade pelas instituições religiosas cristãs. Algumas experiências em parceria com os sistemas de ensino, em decorrência da
proposta confessional ou interconfessional, foram adotadas por esta disciplina. Eram cursos denominados
de Teologia, Ciências Religiosas, Catequese, Educação Cristã e outros similares oferecidos por Igrejas,
ficando condicionadas à ajuda financeira do exterior e/ou a recursos do próprio professor.
Essas propostas não graduavam os professores em conformidade com os profissionais da educação de
outras disciplinas, gerando impasses e dificuldades na vida funcional dos mesmos. Os professores das
outras disciplinas tinham suas graduações reconhecidas pelo MEC, dando-lhes direito ao ingresso por
concurso público e, em consequência, de seguir plano de carreira funcional. Os professores de Ensino
Religioso, embora muitas vezes formados por cursos de caráter teológico, não tinham reconhecimento
por parte do MEC. Por imperativo da legislação, eram-lhes negados os acessos funcionais na área do
magistério, sendo apenas permitida a contratação de seus serviços em caráter temporário.
Em decorrência, é possível localizar professores que atuaram na disciplina de Ensino Religioso durante
mais de trinta anos consecutivos sem acesso aos direitos legais trabalhistas como plano previdenciário
de saúde, décimo terceiro salário, contratação nos mesmos parâmetros aos demais profissionais da área
da educação, plano de carreira, aposentadoria por tempo de serviços prestados, entre outros, pois não
tinham acesso ao direito de concurso público para a disciplina de sua atuação.
Isso se deve ao fato de ainda não existirem políticas nacionais para a formação de docentes nessa área do
conhecimento e não estarem instituídas as Diretrizes Nacionais para a Licenciatura de Graduação Plena
em Ensino Religioso, abrindo-se, desta feita, lacunas para tais procedimentos.
Desde a década de 1970, vemos tentativas de estabelecer a profissionalização dessa área do conhecimento
por meio da formação específica do professor para atuar no Ensino Religioso. Entretanto, a partir da segunda
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metade dos anos 1990, o cenário foi alterado com a elaboração final da Lei de Diretrizes que culminou com
a sua homologação, a organização do FONAPER, a alteração do Artigo 33 da LDBEN, e a busca de uma
disciplina que assumisse o perfil da escola implementou a discussão da profissionalização docente.
A mudança de paradigma na concepção do Ensino Religioso, a elaboração dos PCNER e a busca de definição de Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores para essa área do conhecimento
junto ao Ministério da Educação e Cultura passaram a exigir novas propostas de formação docente para
essa área do conhecimento. De tal forma que se registrou o interesse, compromisso, estudo e discussão em busca de parcerias suscitados nas denominações religiosas, na comunidade acadêmica e nos
sistemas de ensino no que concerne aos encaminhamentos previstos em forma de lei para a habilitação
dos professores de Ensino Religioso (JUNQUEIRA, 2002).
A nova redação do artigo 33 da LDBEN nº 9.394/96, prescrita na forma da Lei 9.475/97, veio, portanto,
contemplar ambas as questões, não excluindo a valiosa colaboração das diferentes denominações religiosas, no que se refere à definição dos conteúdos para a disciplina de Ensino Religioso.
Na construção das parcerias para a formação de docentes em Ensino Religioso, o dispositivo legal congrega
os sistemas de ensino que deverão regulamentar os procedimentos para a definição dos conteúdos do
Ensino Religioso e estabelecer as normas para a habilitação e a admissão dos professores. As diferentes denominações religiosas constituídas em entidade civil serão ouvidas pelos sistemas de ensino no
tocante à definição dos conteúdos da disciplina. As instituições de ensino superior, em sintonia com tais
conteúdos, têm a tarefa de habilitar o profissional correspondente, fomentando o ensino, a pesquisa e
a extensão dos mesmos.
O quadro a seguir apresenta o caminho da história da formação de professores a partir de modelos de
Ensino Religioso.
QUADRO 1 – HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ENSINO RELIGIOSO
MODELO
DE ENSINO RELIGIOSO
Modelo Confessional
Este modelo persiste no
século XXI.
FORMAS DE VER
O CONHECIMENTO
FORMADOR NOS
PROFESSORES
Uma informação
reprodutiva sustentada pelo
discurso catequético de
formação de fiéis.
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FORMAS DE VER
A FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES
Um produto assimilável de
forma individual, mediante
conferências ou cursos
ditados.
Este modelo não produziu
subsídios teóricos para
formação de professores.
REGIÕES DO BRASIL
Por todo o país, sob a
responsabilidade das
autoridades religiosas.
Ministrado em instituições
formadoras religiosas, nem
sempre com preocupação
acadêmica.
Cursos para credenciar
professores, encontrados,
por exemplo, no Rio de
Janeiro e Brasília.
127
Modelo Fenomenológico
Podemos considerar o ano
de 1997 com abertura das
Licenciaturas em Santa
Catarina, e 1998 com a
publicação das Diretrizes
como marcos para esta
nova fase.
Com certeza, o fato de
a formação docente ser
realizada na universidade
alterou o perfil do processo
formador, percurso já
iniciado na transição do
modelo anterior.
Desenvolvimento de
conhecimento, construção
coletiva para estabelecer a
identidade pedagógica do
Ensino Religioso como área
de conhecimento.
Elaboração de projetos
de transformação,
com a intervenção de
pesquisadores para
estabelecimento de
uma epistemologia
e fundamentos
visando estruturar a
profissionalização docente.
Este modelo preocupou-se
explicitamente em definir
uma área como as Ciências
da Religião e a produção de
pesquisas e subsídios para
formação docente.
Organização dos primeiros
cursos de Licenciatura no
Estado de Santa Catarina
e, posteriormente, no Pará,
Minas Gerais, Maranhão,
Rio Grande do Norte,
Paraíba.
Os Cursos de PósGraduação assumiram uma
perspectiva acadêmica,
assim como articulação
de cursos de extensão
universitária.
A publicação das Diretrizes
para a formação docente do
Ensino Religioso em 1998
pelo FONAPER colaborou
nesta orientação.
Fonte: Tabela organizada a partir de IMBERNÓN (2009, p. 24) e do Relatório de CARON (1997).
É na compreensão da relação entre os modelos da formação de professores e o contexto brasileiro que
compreenderemos a situação da profissionalização do corpo docente desse componente curricular.
Pensando no processo de formação dos docentes, foi feito um levantamento para reconhecer as ênfases e os temas abordados nos cursos de Ensino Religioso e suas respectivas estruturas organizativas
nas diferentes regiões do país entre 1995 e 2010. O objetivo era compreender as diferentes propostas
formadoras de professores do Ensino Religioso.4
Foram selecionados 106 fôlderes de cursos de formação, impressos e eletrônicos, ofertados nas cinco
regiões do Brasil e distribuídos conforme o quadro a seguir.
QUADRO 2 – CURSOS PESQUISADOS
NÍVEL
MODALIDADE
NÚMERO DE CURSOS
TOTAL
Ensino médio
EAD
01
01
Graduação
Presencial
07 bacharelados e 12 licenciaturas
21
EAD
02 licenciaturas
Presencial
09
EAD
05
Presencial
62
EAD
08
Extensão
Especialização
14
70
Foram pesquisados quinze programas de Teologia e Ciências da Religião e somente três oferecem explicitamente disciplinas que discutem o Ensino Religioso, que são PUC–SP, PUCPR e EST (RS), e são
assim concebidos:
O relatório dessa pesquisa é a tese de pós-doutorado do professor Sérgio Junqueira (2010).
4
128
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Religião e Literatura – literatura, religião e educação – para alunos do mestrado e doutorado
do Programa de Ciências da Religião da PUC–SP, na área de concentração Fundamentos das
Ciências da Religião, e na linha de pesquisa Fundamentos do Ensino Religioso;
Programa de Teologia da PUCPR – para alunos do Mestrado, na linha Teologia e Sociedade, a
disciplina Temas de Educação;
A disciplina Práxis do Ensino Religioso, na EST, explicita aspectos para aprofundar o Ensino
Religioso.
A pesquisa apontou que a leitura e a análise dos temas que orientam os cursos de Ensino Religioso no país
assinala ainda a presença de uma proposta que mescla elementos postos pela legislação do pluralismo
com elementos da confessionalidade religiosa, bem como para a existência de uma adequação entre os
currículos visando a uma escolarização para a formação do profissional docente.
Também indicou que os Estados e a Federação estão buscando alternativas para habilitar o profissional
de Ensino Religioso para o exercício pedagógico da formação humana integral.
Como podemos perceber, o Ensino Religioso assumiu diferentes características e seu modelo implica em
uma formação específica. A seriedade desse componente curricular aponta para a necessidade de uma
formação de professor que possibilite uma visão dessa área do conhecimento que vá além da exposição
de valores, mas garanta uma atuação que leve à criação de um espaço privilegiado de reflexão.
REGISTROS DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
A literatura especializada tem evidenciado de maneira imperativa a necessidade de acompanhar o desenvolvimento, as transformações e inovações que buscam tornar os campos da educação e seus profissionais
cada vez mais competentes para atender, com propriedade, aos anseios daqueles que vêm conquistando
o direito à educação. Neste aspecto os estados da arte podem:
Os estudos de “estado da arte” são sem dúvida, de grande importância, pois pesquisas desse
tipo é que podem conduzir à plena compreensão do estado atingido pelo conhecimento a respeito de determinado tema – sua amplitude, tendências teóricas, vertentes metodológicas. A
relevância de pesquisas do tipo estado da arte está em acompanhar e pontuar o movimento do
conhecimento em um determinado período, permitindo consequentemente compreendê-lo em
perspectivas relacionáveis no que concerne a contextos históricos, políticos e sociais.
Pesquisas “estado da arte” significam uma contribuição importante na constituição do campo teórico de
uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e
prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas
de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução
para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na
área focalizada (ROMANOWSKI, 2006, p. 39).
Para compreender a formação do conceito sobre o Ensino Religioso, foi realizado um levantamento dos
registros da produção científica produzidos no Brasil também compreendendo o período de 1995 a 2010.
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Esse levantamento tinha como objetivo estabelecer a identidade do Ensino Religioso inserido no currículo
escolar das escolas públicas.
O mapeamento foi realizado com apoio de estudantes da graduação com bolsa do programa de iniciação
à pesquisa do PIBIC e por cinco pesquisadores.5 Estes últimos realizaram análise do conteúdo a partir
dos resumos com base em fichas que continham informações sobre título, autor, instituição, objetivo,
metodologia e resultados.
Foram levantados artigos em periódicos e em eventos, teses e dissertações, livros e relatórios de pesquisas. Para a constituição do corpus de análise foram selecionados resumos organizados a partir da
Plataforma do Curriculum Vitae, Banco de Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), Periódicos CAPES, Indexadores como SCIELO, Latindex, Biblioteca Wolfgang
Gruen (GPER), Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Universidade Federal do Paraná.
A pesquisa teve como indicador de busca nos resumos as palavras-chave utilizadas pelos autores das
pesquisas como ensino religioso – ensino religioso escolar – educação religiosa (quando compreendida
como componente curricular).
Foram mapeados 811 documentos (122 dissertações de mestrado, 21 teses de doutorado, 458 artigos em
eventos, 130 artigos em periódicos e 79 livros teóricos sobre o Ensino Religioso). Em relação à formação
de professores, foram analisados 130 documentos, conforme o Quadro 3.
Dissertações
Textos de
Eventos
Eventos de
educação
Eventos de
Teologia/CR
Eventos
de Ensino
Religioso
Artigos em
Periódicos
Livros
TOTAL
Formação de
professores
Teses
Categorias
QUADRO 3 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES
02
18
79
14
15
50
29
02
130
Essa identificação é importante para estabelecer dois percursos: epistemológico e praxiológico (metodologia, didática), que possibilitem a orientação para a formação do profissional que atuará junto a esse
componente curricular.
De forma geral, os diferentes autores produziram seus respectivos trabalhos sobre a história, a identidade, a legislação do Ensino Religioso no contexto brasileiro. Outro aspecto abordado foram os elementos
sobre a questão da metodologia, subsídios, conteúdos para o cotidiano da sala de aula, assim como sobre
a formação de professores, além do trabalho realizado sobre as Escolas Confessionais.
A pesquisa apontou que a formação continuada tem se destacado, visto que há um campo ainda a ser
explorado em decorrência da especificidade das diferentes exigências dos estados brasileiros. Percebe-se
que nas referências existem poucas bibliografias clássicas da área de educação sobre a formação de professores, um campo que está sendo ampliado especialmente pela Associação Nacional de Pós-Graduação
em Educação (ANPED) pelo Grupo de Trabalho (GT) 8.
Bruno Serafim Ferracioli, Isabel Cristina Piccinelli Dissenha, Maria Eunice Rodrigues Chaves e Sérgio Barbosa Rodrigues.
5
130
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O PERFIL PEDAGÓGICO DO ENSINO RELIGIOSO
É preciso ter em mente que os aspectos legais do Ensino Religioso sofrem a interferência das concepções
de educação, escola, professor, currículo e outros segmentos relacionados ao pensar pedagogicamente
o processo de ensino-aprendizagem.
O exercício de elaborar o Perfil Pedagógico do Ensino Religioso no contexto brasileiro está sendo estabelecido a partir da reflexão e operacionalização do seu estudo de acordo com a elaboração de uma proposta de
educação, hoje fundamentada dentro dos quatro pilares propostos do relatório da UNESCO (1999, p. 89-102):
[...] - aprender a conhecer, que pressupõe saber selecionar, acessar e integrar os elementos de
uma cultura geral, com espírito investigativo e visão crítica; em resumo, significa ser capaz de
aprender a aprender ao longo de toda a vida;
- aprender a fazer, que pressupõe desenvolver a competência do saber se relacionar em grupo,
saber resolver problemas e adquirir uma qualificação profissional;
- aprender a viver com os outros, consiste em desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências, na realização de projetos comuns, preparando-se para administrar
conflitos, fortalecendo sua identidade e respeitando a dos outros na busca da paz;
- aprender a ser, para melhor desenvolver sua personalidade e poder agir com autonomia, expressando opiniões e assumindo as responsabilidades pessoais.
Os conteúdos a serem considerados para o Ensino Religioso devem ser articulados e integrados a um
contexto mais amplo e nossas ações pedagógicas organizadas e articuladas, considerando o estudante
como sujeito de sua história e cidadão na comunidade em que está inserido.
Como integrante da base nacional comum na Educação Básica definida pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais, aprovada em 2010 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), conforme o artigo 14, lemos que
[...] o currículo da base nacional comum do Ensino Fundamental deve abranger, obrigatoriamente, conforme o art. 26 da Lei nº 9.394/96, o estudo da Língua Portuguesa e da Matemática, o
conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente a do
Brasil, bem como o ensino da Arte, a Educação Física e o Ensino Religioso (BRASIL, 2010).
Nessa perspectiva, o Ensino Religioso procura viabilizar o encontro da diferença e favorecer a construção da
identidade dentro da diversidade, respeitando o conhecimento revelado do professor e do aluno. Também
discute a complexidade do ser humano e possibilita a percepção da dimensão religiosa como um compromisso histórico diante da vida e do transcendente (OLIVEIRA et al., 2007). Enfatiza, sim, a dimensão
religiosa do ser humano contemplando a sua inter-relação capaz de promover o respeito à diversidade, a
atualização do conhecimento do fenômeno religioso e a reflexão sobre as diversas formas de expressão
em diferentes culturas e tradições religiosas, porém numa perspectiva pedagógica.
Para Imbernón (2009, 22), o fator da diversidade e da contextualização são elementos imprescindíveis
na formação como a preocupação com a cidadania, o meio ambiente, a tolerância e outros, já que o
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desenvolvimento e a diferença entre as pessoas sempre têm lugar no contexto social e histórico e influi
em sua natureza. O desencadeamento de questionamentos de práticas potencializa a formação a partir
de dentro na própria instituição ou no contexto próximo a ela. É nesse lócus que se produzem as situações problemáticas que afetam os professores. De fato a diversidade e a contextualização permitem um
re-olhar sobre a prática na sala de aula, a formação de professores e todos os componentes curriculares.
O Ensino Religioso socializa o conhecimento envolvendo o educando, levando-o a interagir e a construir
novos significados. É por meio desse movimento que se possibilita ao educando fazer a releitura e
decodificação da experiência religiosa de diversas tradições. Essas reflexões por sua vez propiciam a
construção do conhecimento, o estabelecimento de interações com o mundo, novas experiências de
vida remetendo-o a compreensão de transcendência que está voltada para a sua tradição religiosa,
evitando o proselitismo.
Mais do que acumular conhecimentos, é importante que a aprendizagem seja significativa, para que
novas informações se articulem às informações já existentes na estrutura cognitiva. O desafio, portanto,
é considerar as demandas e articulá-las aos conteúdos do Ensino Religioso.
O referencial metodológico para operacionalizar o Ensino Religioso, nessa perspectiva, precisa permitir
que se ampliem a observação e a reflexão para que o educando possa compreender e dar sentido
ao que sua tradição lhe revela ou aquilo que ainda não compreendeu, aprendendo a saber de si. Por
isso para cada período da educação escolar, o roteiro dos conteúdos precisa criar possibilidades ao
educando de participação de forma reflexiva e crítica, conhecendo a diversidade religiosa presente
na dinâmica social.
Para que esse processo se concretize, torna-se necessário que as aulas de Ensino Religioso transformem-se em espaço de saber significativo, propiciando ao educando uma informação que o ajude
a apropriar-se do conhecimento organizado, passando de uma visão ingênua para uma visão explícita
da realidade, que torne possível reconhecer que o outro percebe o mundo de maneira diferente. Pois
nesse espaço da aula de Ensino Religioso, o fazer e o compreender se integram a um processo em
que a ação e a reflexão se realizam de forma orgânica, para gerar o exercício de respeito nos diferentes
estágios da vida escolar do educando.
A INTERDISCIPLINARIDADE DO ENSINO RELIGIOSO
Atuando em duas grandes áreas: a das Ciências da Religião e a das Ciências da Educação, os professores
de Ensino Religioso estudam e discutem o desenvolvimento do fenômeno religioso e, ao mesmo tempo,
lecionam conhecimentos no campo da sociologia, psicologia, antropologia e outras ciências para crianças
e adolescentes, procurando analisar o movimento religioso em suas diferentes facetas (RODRIGUES e
JUNQUEIRA, 2009).
Quando levamos em conta os fatos pedagógicos de um componente curricular precisamos pensar a
partir de três dimensões:
• Epistemológica: a evolução interna da disciplina em questão
• Psicológica: os dados fornecidos pela psicologia da infância e da adolescência
• Didática: os procedimentos do ensino
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Assim a habilitação desse profissional docente deve se estruturar nesses três pressupostos. E também,
no caso específico do Ensino Religioso, é preciso considerar:
• a complexidade do Ensino Religioso como componente curricular;
• a formação de docentes no Brasil;
• o número de estudos e pesquisas a subsidiar o Ensino Religioso.
Ainda que persistam dúvidas quanto aos conteúdos a serem tratados na escola é preciso encarar que
o Ensino Religioso não pode fugir dessa contextualização. Por isso se faz necessária mais uma vez a
distinção: para a sociedade as religiões são confissões de fé e de crença, mas no ambiente escolar as
religiões são objeto de conhecimento a ser tratado nas aulas de Ensino Religioso. Por meio do estudo
das manifestações religiosas que delas decorrem e as constituem, as diferenças culturais são abordadas
com o objetivo de ampliar a compreensão da diversidade religiosa como expressão da cultura, construída
historicamente e marcadas por aspectos econômicos, políticos e sociais.
Essa atenção especial ao conteúdo abordado pelo Ensino Religioso se dá a fim de considerar a diversidade de referenciais teóricos para suas aulas. É recomendável que o professor priorize as produções
de pesquisadores da respectiva tradição religiosa para evitar fontes de informação comprometidas com
interesses de uma ou outra tradição religiosa. Todo esse cuidado se faz necessário porque o respeito ao
direito à liberdade de consciência e à opção religiosa do educando é também um dos objetivos do Ensino
Religioso como componente curricular que possui uma linguagem própria, um conhecimento específico
e um objetivo a ser atingido.
Partindo da prática social e da realidade vivida em sala de aula, precisamos compreender como ocorre o
processo de aprendizagem, quais os fatores que interferem nesse processo e como atuam os mecanismos
cognitivos. Considerando os diferentes aspectos do ser humano e a compreensão da educação nacional
em cada segmento escolar, a organização das ações pedagógicas será articulada a partir de variáveis que
considerem o estudante como sujeito de sua história, favorecendo a compreensão do conhecimento, para
que possa atuar como cidadão na comunidade em que está inserido (RODRIGUES E JUNQUEIRA, 2009).
Um aspecto a ser ressaltado é que o Ensino Religioso não fique restrito somente em informações e
curiosidades. Há que se preocupar com um esvaziamento se esses conteúdos forem trabalhados somente em nível de informação e curiosidade, pois é a transformação da informação em conhecimento que
proporcionará a consciência cidadã. A educação para a ação transformadora auxilia os alunos a enfrentar
os conflitos existenciais e a desenvolver, orientados por critérios éticos, a religiosidade presente em cada
um, agindo de maneira dialógica e reverente ante as diferentes expressões religiosas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contemporaneidade traz uma série de questionamentos, mudanças e desafios diante do momento
histórico que estamos vivenciando: a transformação de valores, o capitalismo avançado, o consumo
desenfreado, uma sociedade de velocidade, de tecnologia, informatizada e virtual.
As alterações na organização escolar se constituem em outro aspecto a ser destacado, pois as relações
de ensino-aprendizagem e as estruturas curriculares das disciplinas, inclusive para o Ensino Religioso,
passam a assumir uma perspectiva pedagógica exigindo a construção de diferentes concepções epistemológicas, assim como a elaboração de subsídios didáticos para serem utilizados nas aulas.
E isso requer um curso que projete uma formação, pressupondo um perfil profissional, pois um docente
formado por uma determinada escola de pensamento vai formar segundo esses moldes. Educar para
conhecer diversas religiões e compreender as culturas que lhes dão forma, analisar a relação entre presente e passado para produzir um saber histórico, implica em exercitar o diálogo com o diferente, baseado
no respeito profundo e no desejo de preservar a dignidade e direito de existência de cada manifestação
cultural-religiosa.
A reflexão sobre a formação de professores de Ensino Religioso, desde os cursos livres realizados em
espaços das igrejas em parceria com secretarias de educação até os cursos oferecidos por Instituições
de Ensino Superior credenciadas pelo Ministério da Educação, é importante para verificarmos as concepções do Ensino Religioso e as consequências para o cotidiano da sala de aula. A identificação e análise
da legislação, a oferta dos cursos de formação e a produção de conhecimento são importantes para
estabelecer as bases epistemológicas, perfil e tendências para a consolidação do Ensino Religioso como
componente curricular. O salto que ainda se deve dar é a efetivação da prática docente fundamentada
num olhar pedagógico e não religioso.
A pesquisa mais estruturada sobre a formação docente ainda é um campo ainda a ser perseguido. As
discussões enfatizam a formação continuada e percebe-se também a ausência de uma reflexão sistematizada para verificação da atuação do egresso junto à prática pedagógica. Contudo, fica evidente que
o Ensino Religioso se configura como uma área de estudos e uma comunidade de cientistas que se
empenha na pesquisa e na extensão.
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BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional LEI 9394/96. Brasília: MEC, 1996.
BRASIL. Lei nº 9.475 de 22 de julho de 1997. Da nova redação ao artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jul. 1997. (Seção I).
BRASIL. Resolução 07/10. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Fixa Diretrizes
Curriculares nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos. Brasília: CNE, 2010.
CARON, L. Cursos de Formação de professores. Brasília: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, 1997.
DELORS, Jaques. Educação: Um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999.
HOFF, Márcio. O Ensino Religioso e a escola reflexiva. In: Ensino Religioso: Memórias e perspectivas.
JUNQUEIRA, S. R. A.; OLIVEIRA L. B. Curitiba: Champagnat, 2005. p. 227-234.
IMBÉRNON, Francisco. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009.
JUNQUEIRA, S. História, legislação e fundamentos do Ensino Religioso. Curitiba: IBPEX, 2008.
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OLIVEIRA, Lílian Blanck; JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; ALVES, Luiz Alberto Sousa; KEIM, Ernesto
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Religioso. Curitiba: IBPEX, 2009.
ROMANOWSKI. Joana Paulin; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte”
em educação. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n.19, p. 37-50, set./dez. 2006.
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente – Contra o desperdício da experiência. São
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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes. 2002.
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ARTIGOS
INTERVENTORIA: UMA PROPOSTA PARA O
ACOMPANHAMENTO DE ESTAGIÁRIOS DE
PEDAGOGIA
Marina Cyrino
Samuel de Souza Neto
RESUMO: O estudo focaliza o estágio curricular no curso de Pedagogia de uma universidade pública
do interior paulista, tendo como objetivo identificar na literatura as várias nomeações e tipos de
acompanhamento de estágios no Brasil e em outros países; e apresentar e elencar os possíveis
elementos que caracterizam uma proposta de acompanhamento de estágio que segue uma perspectiva
de interação e intervenção. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que se utilizou de fontes bibliográficas
e de entrevistas semiestruturadas com estagiários, professores, coordenadores e responsáveis pelo
estágio na Secretaria Municipal de Educação. Identificamos como formas de acompanhamento de
estagiários a tutoria, a mentoria e a supervisão, sendo que essas nomenclaturas também são utilizadas
para outras áreas. Nomeamos a proposta que sugerimos para o momento de interventoria, e o professor
universitário de estágio foi nomeado de “interagente”. A interventoria, perspectiva reflexiva e crítica
de formação, coloca diretamente a universidade e o interagente em interação com a escola e seus
professores no processo de estágio. Nas considerações, pontuamos que a interventoria permite
compreender o estágio como um campo de conhecimento e possibilita ver a formação de professores
voltada para dentro da profissão.
PALAVRAS-CHAVE: Estágio curricular; interventoria; formação de professores.
“Interventoria”: A proposal to assistance pedagogy student teacher
during pratical training
Abstract: This research focuses on the curricular internship in a Pedagogy course of a São Paulo public university.
The study aimed to identify names and types of following-up internships in Brazil and in other countries, as well as
to present and list the elements that characterize a proposal to follow-up internships that considers interaction and
intervention. It used qualitative methodology with data from bibliographic sources and semi-structured interviews
with teaching-assistants, teachers, school coordinators and the ones who are responsible for the internship in the
Municipal Department of Education. We identified the tutoring, mentoring and supervision as types of following-up
teaching-assistants, these names being also used for other areas. The proposal that we suggested is “Interventoria”,
considering the university professor as being an “Interagente”.The “Interventoria”, a critical and reflexive perspective
for teacher education, places the university and the “Interagente” in interaction with the school and their teachers
during the internship process. It is indicated that the “Interventoria” allows for understanding the internship as a
knowledge field and enables to see the teacher education focused on the profession itself.
Keywords: Practical training; interventoria; teacher education.
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Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013.
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PROBLEMATIZAÇÃO ACERCA DO ESTÁGIO
O artigo apresenta como foco de investigação o estágio supervisionado na formação inicial de professores, centralizando suas discussões no envolvimento da universidade e da escola nesse processo, assim
como sobre seus principais agentes.
Inicialmente, cabe considerar que o estágio curricular supervisionado está presente em nossa realidade desde as escolas normais, passando pelo magistério e permanecendo, posteriormente, no curso de Pedagogia
e no Normal Superior, entre outros, como uma área de conhecimento ou atividade regulamentada.
Transitando na compreensão de que era uma disciplina ou uma atividade, o estágio supervisionado passou por várias concepções de formação, ora conhecido como “prática como imitação de modelos” ou
“prática artesanal”, ora como “prática como instrumentalização técnica” (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 35-41).
No primeiro caso, o estagiário observava bons professores e, acompanhado por um supervisor da instituição formadora, deveria elaborar e executar “aulas-modelo” (PIMENTA; LIMA, 2011). A supervisão de
estágio era centrada no cumprimento ou não dessa tarefa. No segundo caso, os estagiários deveriam
saber “como fazer”, além de desenvolver desde “habilidades específicas do manejo de classe ao preenchimento de fichas de observação, diagramas, fluxogramas” (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 37). Dessa forma,
os conhecimentos científicos eram deixados de lado e cabia ao supervisor observar o desenvolvimento
do estagiário enquanto “bom professor”, ou seja, aquele que sabe lidar com as técnicas de ensino.
O acompanhamento de estagiários seguia uma perspectiva regulatória de supervisão, na qual o supervisor
tinha como objetivo verificar se o estagiário estava realizando o estágio e qual a forma como ele estava
aplicando/desenvolvendo as aulas a que se propôs; ou seja, o supervisor era aquele que, de certa forma,
controlava as ações do futuro professor.
Assim, mesmo que a primeira perspectiva tenha perdurado até os dias atuais em várias instituições de
formação do país, a partir dos anos 80 esse tipo de racionalidade técnica na formação de professores
passou a ser questionada, dando margem para a perspectiva crítica (PIMENTA; LIMA, 2011), para a proposta de uma prática reflexiva (ALARCÃO, 2003) ou para uma prática reflexiva crítica (ZEICHNER, 2013,
1993) no desenvolvimento dessa “prática de ensino”.
No que tange à orientação crítica de formação, Pimenta e Lima (2011) propõem que a formação no estágio
seja baseada em uma postura investigativa, ou seja, que se pense no estágio como uma possibilidade de
pesquisar a própria prática, ao mesmo tempo em que o estágio torna-se uma pesquisa.
A supervisão enquanto prática reflexiva (ALARCÃO, 2003) pressupõe que os futuros professores confrontem a prática exercida no estágio com a teoria aprendida na universidade. Com isso, o supervisor, em vez
de controlar os licenciandos, apresenta questionamentos a fim de que possam revisitar suas concepções
de escola, educação, ensino e aprendizagem.
Zeichner (1993), por sua vez, vai propor o desenvolvimento do practicum reflexivo no estágio que, a
partir de uma visão reflexiva, visa ultrapassar os limites da sala de aula, envolvendo a escola como um
todo nesse processo. Com isso, propõe pensar em escolas de desenvolvimento profissional, as quais
assumiriam a parceria na formação de professores, constituindo-se como lugar de formação, além de
considerar o professor que recebe os estagiários como um tutor.
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Na breve trajetória apresentada, percebemos a presença de um supervisor e/ou tutor, que permanece
entre a prática regulatória e a prática reflexiva. Na perspectiva pontuada por Zeichner (1993), encontramos
com maior ênfase a escola como um espaço formativo, exercendo um papel ativo no acompanhamento
de futuros professores.
Na história do estágio há instituições que já levaram em consideração a colaboração da escola, mas esta não
é uma prática comum em território brasileiro. Outra questão a ser considerada é que o papel do supervisor
é, em poucos casos, uma prática ativa na formação dos estagiários em conjunto com escolas e professores.
Tais apontamentos direcionam nosso olhar para a formação dos professores e para o trabalho docente
considerando tanto o desenvolvimento pessoal como o desenvolvimento profissional dos professores.
Nesse sentido, Nóvoa (2011) nos convida a olhar a profissão docente “de dentro para fora”, esclarecendo
que a sua construção se faz a partir daquilo que o professor é.
No entanto, cabe considerar que é no estágio e na entrada da carreira docente que um dos traços sociológicos da profissão mais se manifesta, pois o professor passa do papel de estudante para uma posição
profissional. Para Nóvoa (1991, p. 91):
No processo de sua entrada na profissão, os docentes efetuam um role-transition ao invés de
um role-reversion e, no começo da atividade profissional, utilizam frequentemente referências
adquiridas quando eram alunos; em certo sentido, pode-se dizer que o período crucial da profissionalização do docente não ocorre durante a aprendizagem formal, mas durante o exercício
do seu ofício.
Nessa direção, Tardif (2002, p. 89) pontua que, na passagem de estudante a professor, há um desafio para
os cursos de formação, pois, principalmente na América do Norte, “percebe-se que a maioria dos dispositivos introduzidos na formação inicial dos professores não consegue mudá-los nem abalá-los”, ou seja:
Os alunos passam através da formação inicial para o magistério sem modificar substancialmente
suas crenças anteriores a respeito do ensino. E tão logo começam a trabalhar como professores,
sobretudo no contexto da urgência e adaptação intensa que vivem quando começam a ensinar,
são essas mesmas crenças e maneiras de fazer que reativam para solucionar seus problemas profissionais, tendências que são muitas e muitas vezes reforçadas pelos professores de profissão.
Pontuamos, portanto, que o estágio na formação inicial de professores pode ter o papel de ressignificar
as concepções e práticas trazidas pelos estudantes. Para tal, um dos elementos necessários é a apresentação de um acompanhamento ativo tanto da universidade quanto da escola.
Essa temática tem sido discutida em pesquisas que realizamos há seis anos, suscitando-nos questionamentos significativos a partir de observações feitas durante estágios de estudantes: Como o professor
universitário de estágio pode tornar a prática profissional uma via de mão dupla entre a universidade e a
escola? Como poderemos envolver os professores de escola, considerando-se que na realidade brasileira
o estágio curricular tem sido visto mais como um momento de aplicação de conteúdos e uma tarefa da
universidade do que um espaço em que se problematiza o que se faz? Em que medida os estagiários
podem se tornar sujeitos ativos desse processo? O processo de acompanhamento de estágio pode ser
mais dinâmico e envolver todos seus agentes?
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Nesse contexto, elucidou-se o problema desta pesquisa considerando que, embora críticas sobre o
desenvolvimento do estágio supervisionado estejam em pauta, há também experiências inovadoras ou
consistentes que demonstram que é possível fazer um trabalho sério no estágio, envolvendo a universidade e a escola em um projeto de parceria.
O CONTEXTO DO ESTUDO E OS CAMINHOS PERCORRIDOS
O artigo que ora se apresenta é também parte de um estudo de mestrado,1 envolvendo um programa de
estágio desenvolvido no curso de Pedagogia de uma universidade pública do interior paulista. O curso
conta com uma professora universitária que exercita o trabalho de parceria com as escolas e com os
professores que recebem os estagiários, oferecendo-lhes um curso de extensão, entre outras estratégias
que visam a uma maior aproximação com os docentes.
Nesse contexto, a investigação envolveu estagiários, professores-parceiros, a professora universitária e a
equipe gestora da instituição escolar, bem como a Secretaria Municipal de Educação. Ao voltar os olhos
para a maneira que o estágio era organizado e para o compromisso da escola na formação inicial de professores, traçamos elementos que pudessem caracterizar uma proposta de acompanhamento de estágio.
Para a dada proposta, traçamos como objetivos: identificar na literatura as várias nomeações e tipos de
acompanhamento de estágios no Brasil e em outros países; apresentar e elencar os possíveis elementos
que caracterizam uma proposta de acompanhamento de estágio que segue uma perspectiva de interação
e intervenção.
Na busca por essas respostas, optamos pela pesquisa qualitativa, utilizando fontes documentais e bibliográficas, bem como pesquisa de campo e análise de conteúdo (GOLDENBERG, 2004; LÜDKE; ANDRÉ,
1986). As fontes documentais dizem respeito às legislações que apoiam a temática em questão. Como
fontes bibliográficas, buscamos, na literatura nacional e internacional, artigos e livros que apontem os
modos de orientação e de acompanhamento de estagiários.
No que tange ao trabalho de campo, realizamos entrevistas semiestruturadas com seis estagiários, seis
professores-parceiros, seis coordenadores de escolas, a docente de estágio e duas pessoas da Secretaria
de Educação do município2. Utilizamos ainda dados de observações realizadas nas seis escolas, na disciplina da universidade e no curso de extensão oferecido pela professora da universidade.
O texto que se apresenta foi organizado considerando, inicialmente, o acompanhamento de estagiários
e os diversos modos como ele pode ser feito. Em seguida, explicitamos o que entendemos por “interventoria”, tanto do ponto de vista do termo quanto das ações que esse processo pressupõe; por fim,
apontamos reflexões acerca da proposta de acompanhamento de estudantes como possibilidade formativa
para estagiários e professores-parceiros.
O ACOMPANHAMENTO DE ESTAGIÁRIOS E OS DIVERSOS MODOS COMO ELE PODE SER FEITO
O processo de acompanhamento de estágios está presente nos currículos dos cursos de formação de
professores, os quais, segundo Borges (2008), seguem dois modelos: o modelo acadêmico de formação
e o modelo profissional de formação.
Concluído em 2012. Financiado pela FAPESP.
1
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do Comitê de Ética.
2
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No primeiro caso a formação é voltada para a pesquisa, sendo que o estágio localiza-se ao final do curso,
tendo, na maioria das vezes, uma perspectiva aplicacionista, ou seja, tudo o que é aprendido na teoria
deve ser aplicado na prática. Assim, o discurso que se encontra ao final do curso é o de que “na prática,
a teoria é outra”.
O modelo profissional de formação tem a prática e a escola como elementos centrais. O estágio ocorre
desde o início do curso, seguindo a perspectiva da alternância, estimulando os licenciandos a refletirem
e a revisitarem a teoria para ressignificar suas práticas.
Em ambos os casos o acompanhamento de estagiários recebe várias nomeações, sendo que as mais
utilizadas são “tutoria”, “mentoria” e “supervisão”. Pretendemos, portanto, neste tópico, esclarecer cada
uma delas, enfatizando especificamente aspectos que se relacionam ao estágio de professores em
formação inicial, pois é importante ressaltar que esses termos também são empregados para outras
finalidades voltadas, por exemplo, para a área empresarial.
O termo “tutoria” significa “função ou autoridade de tutor; exercício da tutela” (HOUAISS; VILAR, 2009).
E a palavra “tutor” refere-se àquele que exerce uma tutela ou que supervisiona (HOUAISS; VILAR, 2009).
Do mesmo modo, Jordão (2005) define que o tutor é aquele que acompanha, tutela, ampara e orienta
os estagiários.
No campo educacional, esses termos são tratados de diversas maneiras nos mais diferentes espaços.
Em trabalhos sobre educação a distância, por exemplo, o tutor é aquele que se encontra disponível na
forma virtual ou presencial para auxiliar os que estão em situação de formação.
Nesse caso, podemos encontrar estudos relacionados ao Projeto Veredas3 (BRAÚNA, 2007; SILVA, 2006),
os quais apontam o serviço de tutoria e o tutor como possibilidades formativas e de ressignificação da
prática, pois tende a superar “as limitações da ausência do professor na educação a distância e rompe
com o possível isolamento do estudante” (SILVA, 2006, p. 13). Braúna (2007, p. 2) nos aponta também
as diversas possibilidades de atuação do tutor, entre elas a
[...] orientação dos cursistas em relação aos guias de estudo, aos memoriais e à monografia;
visitas às escolas onde eles atuam, para acompanhar as atividades pedagógicas desenvolvidas;
participação em todas as atividades presenciais de início de módulo, bem como nas reuniões
mensais com o grupo de cursistas.
Outros estudos reconhecem, da mesma maneira, o tutor no papel daquele que apoia e orienta formandos de educação a distância. Para Souza et al. (2004, p. 6), o tutor é responsável pela motivação dos
estudantes, além da “orientação acadêmica, acompanhamento pedagógico e avaliação da aprendizagem
dos alunos a distância”.
Apesar de o tutor apresentar tais características mais ou menos comuns nos casos apresentados, Souza
et al. (2004, p. 2) afirmam que “a forma como o tutor e o aluno se comunicam e interagem dependerá
do programa e das diretrizes didáticas e educacionais a serem usados”. Em outros estudos brasileiros,
quem ocupa a posição de tutor é o docente da educação básica durante o processo de acompanhamento
de estagiários (JORDÃO, 2005; KIST, 2007).
3
Projeto do estado de Minas Gerais que visava formar e qualificar em serviço professores do ensino fundamental I no ensino superior, com graduação no curso Normal Superior.
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Na literatura internacional encontramos os futuros professores enquanto tutores de alunos em período de
alfabetização (HART; KING, 2007) ou de estudantes do ensino fundamental 2 e ensino médio (HEDRICK;
MCGEE; MITTAG, 2000). No primeiro caso, os estagiários relatam que estar na posição de tutor possibilita
vivenciar situações reais, bem como aplicar o que foi aprendido anteriormente.
No estudo de Hedrick, McGee e Mittag (2000), os tutores apontam que, com a tutoria, foi possível observar
uma diversidade de alunos, modos de aprender e diferentes metodologias a serem utilizadas.
Em estudos que visam a um contexto voltado para a psicologia (MCLACHLAN; HAGGER, 2010), podemos
encontrar o tutor como um estudante universitário. No entanto, o foco da investigação foi avaliar os efeitos de uma intervenção global baseada na teoria da autodeterminação e na mudança de comportamento
desses tutores.
No mesmo contexto da formação inicial, Simão et al. (2008), ao realizarem uma investigação nas universidades de Portugal, destacaram mais de cinco tipos de programas de tutoria que envolvem acompanhamento de estudantes do ensino superior.
Diretamente relacionado ao estágio, McNamara (1995) apresenta o tutor como o formador da instituição
superior que acompanha o estagiário na escola, e o professor da escola como mentor.
Na literatura nacional e internacional os termos “mentor” e “mentoria” também estão relacionados a
diferentes atores e processos. Mentor é a “pessoa que serve a alguém de guia, de sábio e experiente
conselheiro” ou que orienta (HOUAISS; VILAR, 2009). Em alguns estudos podemos encontrar a mentoria
diretamente relacionada ao âmbito empresarial (DAUD, 2008; KIM; ZABELINA, 2011; SANTOS, 2007). Na
área educacional os programas de mentoria estão ligados tanto à formação de professores inicial, voltada
ao estágio supervisionado, quanto à formação de professores em início de carreira ou em serviço.
Neste caso específico, Hobson et al. (2009) tomam como base a mentoria com professores iniciantes.
Os autores realizaram uma pesquisa bibliográfica em bases de dados internacionais a fim de conhecer
com propriedade o campo, além de buscar como a mentoria é tratada sob tal perspectiva. Ao final da
investigação, os autores apontaram a importância da mentoria no desenvolvimento profissional docente,
destacando que em cada realidade ela é realizada de uma maneira diferente, ora oferecendo cursos de
formação aos mentores, ora focalizando as atenções para as estratégias desenvolvidas com os professores iniciantes.
Moran et al. (2012), reunindo vários países, realizaram uma grande pesquisa que visava aproximar escola
e universidade através de workshops, os quais tinham como objetivo qualificar os professores da escola
para a mentoria, ou seja, orientar e acompanhar os estagiários. Nesse caso, a mentoria foi desenvolvida
juntamente com o processo de supervisão de estágios (realizada pelos professores universitários).
No caso da supervisão há diversas formas de concebê-la, com na ideia de controle (HOUAISS; VILLAR,
2009) sobre o que o estagiário está realizando na escola, o contato do supervisor com a instituição escolar e com os professores fica restrito ao pedido de concessão da sala de aula para o estagiário realizar
sua regência. Nesse contexto, a escola é vista como um lugar de aplicação da teoria, pois na história
do estágio supervisionado, essa forma de acompanhamento prevaleceu dentro do modelo observação,
participação e regência.
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Nessa perspectiva, a observação foi compreendida como um período em que o estagiário observava o
professor de classe, muitas vezes enfatizando o que havia de negativo na prática do docente; essa participação era o momento em que o estagiário auxiliava nas atividades didáticas em sala de aula, enquanto
a regência ficava restrita ao momento no qual o estagiário ministrava uma aula, assumindo a sala de aula
(FARIA JR; CORRÊA; BRESSANE, 1982).
Além dessas funções ou estratégias, havia outras possibilidades como o acompanhamento de classes
de reforço ou escolares com dificuldade de aprendizagem, minicursos, propostas de estágio a partir de
temas emergentes, etc. Assim havia também a ideia de a supervisão ser efetuada por um professor capacitado, com o intuito de se evitarem algumas falhas que os alunos-mestres cometiam durante o estágio.
No entanto, no universo do estágio há outra concepção de supervisão nos estudos desenvolvidos por
Alarcão (2003) e Vieira et al. (2010) que transcende a noção de controle, perpassando a perspectiva da
reflexão dos estagiários no momento em que vivenciam o estágio.
Para Vieira (2010, p. 10), a supervisão pedagógica é defendida como “teoria e prática de regulação de
processos de ensino e aprendizagem” e ampliada para o conceito de reflexão, o qual prevê a autonomia e
a emancipação do professor em formação (MOREIRA, 2010). Nesse contexto de supervisão, o supervisor
é aquele que questiona a prática do estagiário, a fim de que reflita sobre suas ações.
Na realidade europeia, Pierón (1996, p. 22) assinala que a concepção de supervisão é compreendida da
mesma maneira que se encontra nas literaturas anglófona ou francófona, provenientes da América do
Norte. Este conceito traduz o que conhecemos como orientação pedagógica:
[...] um processo que permite o aperfeiçoamento dos futuros professores em exercício no quadro
da sua formação inicial ou dos professores em exercício no quadro duma formação contínua ou
no das visitas mais ou menos regulares dum inspetor encarregado duma missão de avaliação
ou de conselho.
Esta orientação pedagógica toma lugar de maneira contínua durante a formação universitária.
Ele põe em presença uma tríade em que é, por vezes, necessário harmonizar as relações: o
estagiário, o professor cooperante (ou orientador do estágio) titular das aulas nas quais a prática
do primeiro toma lugar e, ainda, o formador universitário, responsável pela formação didática,
observador mais ou menos frequente e avaliador no final do processo.
O autor assinala que a supervisão “tem lugar num processo de aprendizagem, de habilidades e de estratégias de ensino” (PIERÓN, 1996, p. 23), e ainda ressalta que supervisionar é ensinar e o ensino é uma
habilidade. Mas cabe também não esquecer que “são numerosos os supervisores que não dispõem de
formação específica como supervisores”; sua experiência escolar está desatualizada ou não existe, ou,
no caso do formador universitário, o conjunto de seus “conhecimentos sobre os resultados da pesquisa
em matéria de supervisão pedagógica” pode ser “extremamente limitado” (PIERÓN, 1996, p. 23).
Nesse itinerário, o termo “supervisão” para uma prática reflexiva ou colaborativa causa estranhamento,
pois, como demonstrado, sua etimologia deriva da palavra “supervisionar”, que significa “dirigir, inspecionando (um trabalho); controlar, supervisar” (HOUAISS; VILLAR, 2009), podendo ficar restrita apenas à ideia
de controle sobre o que o estagiário está realizando na escola. Com base em outros autores, Pimenta e
Lima (2011, p. 115) apontam para a necessidade de utilizar outro termo para o processo de estágio, pois:
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Considerando a forte conotação negativa e autoritária de que se reveste o termo “supervisão”,
herdado da pedagogia tecnicista, que reforçou, inclusive, o estágio como componente “prático”
e isolado das disciplinas “teóricas” dos currículos, vários educadores começam a ressignificar
o termo.
A partir dessa breve compreensão acerca das formas de acompanhamento de estagiários, seus diferentes
termos e, ainda, as diferentes concepções dos termos, pudemos observar que aqueles que se referem
ao acompanhamento específico de estagiários seguem uma perspectiva reflexiva, além da preocupação
com a aprendizagem do futuro professor.
No entanto, como demonstramos, existem diferentes campos que utilizam os mesmos termos utilizados no acompanhamento de estagiários, o que pode, muitas vezes, gerar uma confusão no modo de
concebê-los e desenvolvê-los.
Como saída a tal descompasso, propomos a interventoria como algo que incorpora procedimentos semelhantes à supervisão reflexiva, ou até mesmo à tutoria, mas que também considera, na formação de
professores, a necessidade da interação entre todos os atores envolvidos nesse processo.
“INTERVENTORIA”: UMA PROPOSTA POSSÍVEL?
A ideia de utilizar os termos “interventoria” e “interagente” surgiu a partir de uma pesquisa de mestrado,
realizada com um curso de Pedagogia de uma universidade pública, que apresentava como objetivo principal
analisar o compromisso da escola na formação dos futuros professores, do qual este trabalho faz parte.
Durante o estudo, realizamos observações de como o estágio era conduzido, e pudemos perceber que
não se tratava de um modelo de supervisão tal como relatamos anteriormente, e também não seguia
somente um cunho reflexivo. Notamos que o que ocorria naquele programa de estágio não poderia continuar levando o nome de supervisão, bem como não se caracterizava como tutoria ou mentoria. Surgiu
um questionamento: Como professores supervisores de universidade, professores de escola e a própria
supervisão de estágio podem trabalhar numa perspectiva de interação, ressignificando os seus papéis
no desenvolvimento do estágio?
Essa questão apresenta como pressuposto a possibilidade de o professor de escola e o professor universitário interagirem e intervirem no processo de formação do estagiário. Significa, ainda, serem corresponsáveis pela formação de seus futuros professores e colegas de trabalho.
Assim, a partir de entrevistas com os participantes, observações e análises dos dados, propusemos
uma terceira visão: uma prática de acompanhamento de estagiários que nomeamos “interventoria”; o
professor da instituição formadora responsável pelos estágios, nomeado “interagente”; e o docente da
escola que recebe os estagiários, denominado “professor-parceiro” (SARTI, 2009).
Esses três elementos podem compor o “estágio intervisionado”, proposto pelo professor José Tancredo
Lobo, da Universidade Regional do Cariri, “mais como uma interação do que como simples intervenção,
abrindo-se a possibilidade de uma ação entre a universidade e a escola”, além de “considerar a importância da participação dos professores das escolas que recebem os estagiários nesse processo formativo”
(PIMENTA; LIMA, 2011, p. 115).
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Os termos “interventoria”4 e “interagente” refletem a interação entre estagiário e meio escolar, possibilitada pelo professor da universidade. Desse modo, encontramos na palavra “intervir” algo próximo do
que acreditamos no que concerne ao acompanhamento de estagiários. Assim, no dicionário:
1 t.i.int. ingerir-se (em matéria, questão etc.), com a intenção de influir sobre o seu desenvolvimento; interferir; interceder [...] 3 t.i.int. emitir opinião, contribuir com ideias etc. (em conversa,
debate etc.); falar [...] 5 t.i. estar presente; assistir (HOUAISS; VILLAR, 2009).
Portanto, para além do significado do dicionário, a interventoria carrega modos de agir por parte do interagente, da escola e do professor-parceiro para com os estagiários. E quais são esses modos?
A interventoria é um processo pelo qual se pressupõe interferência e intenção por parte do interagente,
da escola e do professor-parceiro na influência sobre o desenvolvimento do estagiário, além de todos
estarem conscientes do processo.
Arriscamos ainda elementos que podem compor tal proposta de acompanhamento. São elementos que
perpassam a observação das aulas dos estagiários por um período determinado (um ou dois dias); a
intervenção dessas aulas quando necessário; o retorno de como e do que ocorreu na aula; o auxílio do
estagiário na reflexão de sua prática; e a avaliação do processo realizada por cada envolvido (professor-parceiro, interagente e estagiário).
Tal trabalho de interventoria pressupõe ainda a ressignificação da imagem de escola, de ensino, de aprendizagem e de gestão da aula que o estagiário traz de sua vida enquanto aluno.
Já o termo “interagente”, diretamente relacionado ao sentido que atribuímos à “interventoria”, está vinculado à figura do professor universitário que responde pelos estágios. Nós o nomeamos “interagente”
pelo fato de que ele exerce a função de proporcionar aos licenciandos momentos de interação com o
meio escolar; assim, no dicionário remete a este vocábulo:
2. ação recíproca de dois ou mais corpos 3. atividade ou trabalho compartilhado, em que existem trocas e influências recíprocas 4. comunicação entre pessoas que convivem; diálogo, trato,
contato [...] 8. conjunto das ações e relações entre os membros de um grupo ou entre grupos
de uma comunidade (HOUAISS; VILLAR, 2009).
Além disso, é um docente que sai da universidade para estabelecer relação com a escola, que leva possibilidade de interação com a realidade profissional de seus estagiários. Assim, é um agente que intervém,
estabelece relações e interage com os envolvidos no estágio.
A interagente entrevistada define sua função a partir de dois aspectos. O primeiro diz respeito ao estabelecimento de vínculos com outras instituições de ensino (“me vejo como alguém que tem na universidade uma responsabilidade diferente [...] o professor que se ocupa da prática de ensino, dos estágios
supervisionados, ele tem uma responsabilidade específica que é conseguir estabelecer contatos mais
estreitos”) e tem um exercício que ocorre com pessoas que estão fora da universidade (“eu preciso
alimentar os vínculos, eu preciso criar possibilidades de relação, [...] eu tenho que estabelecer contatos
sistemáticos, permanentes, produtivos com agentes que estão fora da universidade”).
Na política, a interventoria é um cargo ocupado por um interventor (agente do governo federal). No entanto, gostaríamos de ressaltar que o que
compreendemos como interventoria não se aproxima do modo com que esses setores o empregam.
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No segundo aspecto, a interagente refere-se ao estabelecimento de vínculos dentro da própria universidade (“estabelecer esse contato também com os alunos dentro da universidade”), além de vivenciar um
constante trânsito entre escola e universidade, relatando que “é um trânsito [...] simbólico, quer dizer,
eu estou a todo tempo pensando como estabelecer estas relações [...] e físico também, então tem essa
característica física de você ter um compromisso fora da universidade [...]”. A interagente aponta ainda
que “é uma função de mediação que é muito difícil de ser realizada, um grande desafio [...]”.
Sendo assim, o papel do interagente pressupõe oferecer, aos estagiários, possibilidades de vivência na
escola, onde possam construir um olhar profissional para o ambiente escolar em vez de ocupar uma
postura passiva de aluno/estudante que cumpre uma tarefa da universidade. O interagente pode ainda
possibilitar a reflexão do estagiário sobre sua prática, bem como oferecer um retorno dessa reflexão,
além do contato que já estabelece com a escola, com os professores e com a Secretaria de Educação.
O professor-parceiro é o professor da escola que recebe os estagiários em sua sala de aula. Para Sarti
(2009), o professor-parceiro é uma figura central no desenvolvimento do estágio, pois é ele quem possui
um contato direto com a prática pedagógica, além de pertencer a uma geração diferente do estagiário:
“Por meio dessa proposta de parceria entre diferentes gerações docentes, busca-se investir no desenvolvimento de uma dimensão mais colaborativa no seio da cultura do magistério” (SARTI, 2009, p. 134).
Reconhecemos, portanto, que o professor-parceiro é aquele que se comunica com o outro, que mantém
uma relação de reciprocidade com o estagiário através de um diálogo sobre o que ocorre durante seu
processo de aprendizagem, havendo ainda trocas de experiências, seguindo a perspectiva de que “quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 25).
Por meio das entrevistas, as estagiárias puderam nos mostrar a importância desse trabalho em parceria
com o professor da escola, como destaca a Estagiária F: “foi em parceria, a gente trocava muita ideia, e
ela aceitava muito do que eu falava. O que ela achava que não era coerente, ela sempre falava que não,
mas ela explicava o porquê”.
Os professores-parceiros também destacaram suas opiniões, colocando que o estágio “é um aprendizado
duplo” (Professor-parceiro G) e “significa troca de experiências” (Professor-parceiro H). Apontam, ainda,
que é uma “troca fundamental de experiências; ela [a estagiária] com a parte tecnológica e de trazer os
áudios e os vídeos, e um pouco da interação com as crianças” (Professor-parceiro K), pois, segundo a
Professora-parceira H, “facilita o seu trabalho porque você tem uma ajudante, uma parceira”.
No caso da universidade participante da pesquisa, no curso de Pedagogia, especificamente, a interagente de
estágio oferece aos professores-parceiros um curso de extensão que visa, além de uma formação continuada,
a uma aproximação com a universidade, bem como a sensibilização para a formação inicial dos estagiários.
A interagente aponta que “o foco nesse curso é [...] o processo de aprendizagem do magistério”, sendo
que “esse processo possibilita a esses professores perceberem os seus saberes, perceberem o seu
processo, e aí a minha aposta é que, perceber o processo do estagiário, e perceber o seu papel nesse
processo do estagiário”.
Com os elementos apresentados, apontamos que a interventoria carrega, desse modo, uma postura
política no que diz respeito ao estágio, pela própria compreensão desse processo que possui, ou seja,
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o entendimento de que o estágio é uma construção, uma aprendizagem e um olhar sobre a profissão
docente. É, ainda, a possibilidade de ressignificação da visão sobre e para a escola. Para a interagente o
desafio é possibilitar aos estagiários esta ressignificação:
[...] os alunos carregam consigo um preconceito com relação à escola que é um preconceito que
está na universidade, está na sociedade, então é um desafio de levá-los pra escola abertos pra ver o
que tem lá, abertos e dispostos pra estabelecer relações de produção, de construção com a escola.
A interventoria pressupõe que os envolvidos no processo tenham consciência de seu papel e que o desenvolvam a partir da perspectiva reflexiva. É uma proposta em construção. No entanto, compreendemos
que os elementos acima apresentados perpassam a base, os princípios da “interventoria”.
Dessa forma, perguntamos: em que a supervisão pode diferir da interventoria? Talvez a postura com que
todos os envolvidos no estágio assumam, não somente a do professor interagente, mas os professores
da escola se reconhecerem como formadores de campo. A escola deve reconhecer que tem um papel
importante na formação de seus futuros profissionais e os órgãos públicos devem tomar o estágio como
um momento de aprendizado e de vivência, levando em consideração aspectos didáticos e pedagógicos,
e não somente de cumprimento de regras burocráticas, como as apresentadas na legislação de 2008
(BRASIL, 2008).
A partir dessas colocações, a interventoria, como um trabalho de vínculo e interação entre escola e universidade, é uma experiência que valoriza tanto os aspectos teóricos e reflexivos quanto os aspectos da experiência e da realidade profissional (TARDIF, 2002), realizando uma interação entre esses elementos, como
pudemos observar no curso de extensão na universidade e no desenvolvimento dos estágios nas escolas.
Porém, existem desafios que impedem ou dificultam o desenvolvimento de uma proposta de estágio
voltada para a intervenção e para a interação. Destacamos dois que julgamos necessários para serem
superados: a distância existente entre a realidade discursiva e a realidade pragmática (SARTI; BUENO,
2007) e os impasses do professor interagente.
No primeiro caso, considerando universidade e escola como principais espaços do estágio, questionamo-nos: como unir ou estabelecer uma relação de colaboração entre essas duas realidades distintas? Como
trabalhar com a questão da teoria e da prática de forma que elas se complementem e não se distanciem?
A interagente relata que a universidade está presa ao seu discurso teórico. Assim, essa ligação é um
desafio para os docentes universitários, principalmente para aqueles ligados à prática de ensino, cabendo
a eles criar estratégias para que haja um vínculo:
É interessante como estamos presos nessa rede discursiva, [...] a universidade não consegue
criar muitas estratégias para lidar, fazer essa articulação com uma dimensão prática de fato, do
fazer diário na escola, nós ainda estamos um pouco distantes disso. (Interagente A)
O vínculo entre escola e universidade é algo imprescindível tanto para os professores que estão na instituição escolar quanto para os licenciandos, como assinala o Estagiário H: “é extremamente importante
essa ligação, porque na universidade você está formando professor pra trabalhar lá e tem que ter essa
ligação, ter essa formação na faculdade e lá na escola”.
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Enquanto possibilidades de aproximação, a coordenadora de uma escola relata que “qualquer grupo de
estágio que venha pra cá [escola] a gente pode pedir pra que essa universidade, esse responsável pelo
estágio venha ao HTPC [horário de trabalho coletivo pedagógico], faça algum tipo de orientação ou sobre
o estágio ou sobre algum outro assunto que a gente queira” (Coordenadora J).
Sob o olhar da relação teoria e prática, outra coordenadora de escola relata: “a universidade pode estar
contribuindo com a gente sim, porque nós ficamos muito longe da parte teórica e de muitas coisas que
são produzidas na universidade” (Coordenadora G).
E a coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação propõe que, para uma troca, a universidade poderia levar seus estudantes ao Simpósio de Educação promovido pela Secretaria, pois “seria um
momento de ter essa troca entre a universidade conhecendo um pouco do nosso trabalho e até depois
disso também estar utilizando nas aulas, na formação lá. Eu entendo que seja essa parceria”.
No segundo caso, apontamos o trabalho do interagente que possui duas funções distintas dentro da
universidade: ele é alguém que deve acompanhar os estagiários na escola e ao mesmo tempo ser pesquisador e professor universitário, ou seja, há um acúmulo de funções de naturezas muitas vezes polares.
Sobre o assunto, a interagente nos relata:
[...] eu tenho 49 estagiários..., impossível eu assistir a aula de cada um. Eu não seria uma professora universitária se eu fizesse isso, porque eu não faria outra coisa. Então, a instituição me
pede outras coisas também, e eu gostaria de assistir pelo menos uma aula de cada um.
Como possibilidade, ela destaca a forma de organização do estágio: “[...] se o estágio fosse organizado
de tal maneira que aquele que supervisiona tivesse um número de alunos condizente com a sua possibilidade de acompanhar o estágio seria bárbaro, porque eu acho que nós poderíamos intervir muito no
momento oportuno”.
Destacamos, portanto, que alguns avanços são possíveis, porém dependem de uma política de estágio
a ser implementada. Um exemplo disso pode ser destacado na entrevista da interagente abaixo, quando
aponta que o professor-parceiro, enquanto figura importante do processo, deveria ter alguns elementos
que pudessem apoiá-lo no momento em que decidisse ser partícipe ativo da formação de um futuro
professor, ou seja, ele deveria
[...] receber pra isto, ser dispensado de atividades pra isso, ter uma infraestrutura que lhe possibilite sair da escola para se ocupar da ideia da formação do professor, das praticas de formação
dos professores, fazer de fato esta articulação. E ser alguém que entende também do processo
de aprender a ser professor e que esteja observando isto, que esteja preocupado com este
processo, que esteja preparado. Então não é todo professor que poderia, porque tem professor
que não está interessado nessa questão.
A interventoria, dessa forma, é composta de um apanhado de necessidades, possibilidades trazidas por
estagiários, professores da escola, equipe gestora, Secretaria Municipal de Educação, bem como pela
relação de proximidade e reciprocidade entre universidade e escola. É uma proposta de acompanhamento
de estagiários que visa superar alguns limites, criar possibilidades e estratégias de formação docente que
possam partir de dentro da profissão (NÓVOA, 2011).
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CONSIDERAÇÕES E POSSIBILIDADES
Com o rol de reflexões apresentadas no artigo, pudemos notar que o acompanhamento de estagiários vem
sendo realizado de diversas formas. Porém, partimos do pressuposto ou hipótese de que as concepções
de formação pautadas na “prática como imitação de modelos”, na “prática artesanal” e/ou na “prática como
instrumentalização técnica” são um obstáculo natural para o desenvolvimento dos estágios curriculares.
Esse obstáculo se traduz em uma das fortes representações que tendem a estar presentes no acompanhamento dos professores em formação no qual aprendem “a ensinar in loco, pela experiência e imitando
os professores mais experientes” (TARDIF, 2013, p. 555). Na realidade brasileira essa crença também se
expressa no slogan de que “os professores se tornam professores sendo professores”.
Por outro lado, a tutoria, a mentoria e a supervisão pedagógica ou reflexiva apontam para um novo modo
de olhar para o estágio, visando superar as antigas estratégias de formação que muitas vezes não surtiam
efeito no momento da prática profissional.
Perez-Gómez (1992, p. 111-113) apresentou um itinerário a ser considerado nesse processo, destacando
quatro elementos: a prática como o eixo central do currículo e do processo de formação; a metodologia;
os formadores; e as escolas de desenvolvimento profissional.
No primeiro elemento, o autor destaca que a prática é vista mais como um processo de investigação que
como um contexto de aplicação, devendo levar ao desenvolvimento do pensamento prático do professor
de modo a capacitá-lo a intervir de forma competente. O que nos leva ao segundo elemento, em que
se priorizam os métodos etnográficos e qualitativos para o estudo de situações divergentes da prática,
visando entendê-la em seu contexto.
No que tange ao terceiro elemento, é dada devida importância aos professores da escola, preconizando-se a presença de professores experientes que possam desenvolver um ensino reflexivo e uma inovação
educativa, assim como cuidar da própria autoformação como profissionais. Nesse sentido, os formadores
(professor supervisor ou professor tutor) assumem, juntamente com a prática, um papel fundamental
dentro do currículo de formação profissional. Rumo a esse processo, são importantes as escolas de
desenvolvimento profissional, quarto elemento, pois nelas se celebra a parceria entre universidade e
escola como lugares de formação.
No bojo dessas reflexões, a interventoria propõe olhar para o estágio como um campo de conhecimento e
não apenas como uma disciplina da universidade. Visa colaborar com essa questão, a partir do momento
em que se colocam novos atores para pensarem juntos sobre o estágio a partir da prática. Porém, é uma
proposta em construção e em consolidação.
Com tais compreensões, a interventoria caminha para uma formação de professores que tem como
ponto de partida o interior da profissão docente, como aponta Nóvoa (2011) acerca da profissionalização
docente. Assim, o que significa essa proposta?
Significa pensar que a formação de professores deve partir do envolvimento e do interesse dos docentes
da escola e da instituição escolar, assim como da própria universidade. Mas é necessário que atuem de
forma consciente, ou seja, que a formação de seus futuros professores e colegas de trabalho ocorra a
partir da escola, e que haja mobilização da própria classe para apontar as melhores condições e maneiras que um professor deve ser formado, podendo a universidade buscar tais elementos para compor a
formação inicial de professores.
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