ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA DO PROFESSOR DE
MATEMÁTICA DO ENSINO BÁSICO: o cálculo diferencial e integral as
estruturas algébricas no ensino de funções e equações
Josinalva Estácio Menezes
1. [email protected]
Resumo
Neste trabalho objetivamos discutir a importância da disciplina Cálculo I e das Estruturas
Algébricas na formação do professor de matemática que vai atuar no ensino básico, enfocando
o ensino de funções e a resolução de equações algébricas que são abordadas nesse nível de
ensino. A discussão é feita em dois momentos. Inicialmente, são mostrados alguns
encaminhamentos históricos sobre funções, a evolução do conceito e a abordagem do ensino
em especial os gráficos, junto com alguns equívocos na referida abordagem. Em seguida
faremos algumas considerações sobre como o Cálculo I pode auxiliar nesse processo. Noutro
momento, abordaremos o ensino das equações e as conexões entre os passos da resolução com
as propriedades de estruturas algébricas como os anéis e os corpos. Cada momento, referente a
um tópico, mostraremos uma ilustração com exemplos que reforçarão a importância dessas
estruturas concernentes ao Cálculo I e à Álgebra. Concluiremos reafirmando nossa crença
inicial.
Palavras-chave: ensino de matemática, estruturas algébricas, equações, gráfico, função.
Abstract
In this work we aimed to discuss the importance of discipline Calculus I and Algebraic
Structures in forming the math teacher who will act in basic education, focusing on the teaching
duties and solving algebraic equations that are discussed in this level of education. The idea and
development of this work is arising from our activities as elementary school teacher and later
the discussions and reflections in classroom teacher in our everyday in the Bachelor's Degree
in Mathematics. The discussion is made in two stages. Initially, they give some historical
referrals about roles, the evolution of the concept and the approach to education in particular
the graphics, along with a few mistakes in this approach. Then we will make some
considerations about the Calculus I can help this process. In another time, we will discuss the
teaching of equations and the connections between steps of the resolution with the properties
of algebraic structures such as rings and bodies. Each time, concerning a topic, show you an
illustration with examples that reinforce the importance of these structures concerning the
Calculus I and Algebra. We conclude reaffirming our initial belief about the possibilities of
how some topics of Calculus I and Algebraic Structures can assist the math teacher's work in
practice to address these two basic education contents. Thus, maturing ideas, the licensing with
a view to acting as teacher, must have at Calculus I and Algebra powerful tools empowering
ideas to be discussed with their students to carry out their teaching work.
Keywords: teaching math, algebraic structures, equations, graph, function.
Introdução
Neste trabalho objetivamos discutir a importância da disciplina Cálculo I e das Estruturas
Algébricas na formação do professor de matemática que vai atuar no ensino básico.
Amadurecemos a idéia que levou ao desenvolvimento deste trabalho a partir de nossa atuação
enquanto professora do ensino básico e, posteriormente das discussões e reflexões feitas em
sala de aula no nosso cotidiano de professora em curso de Licenciatura em Matemática.
Assim sendo, focaremos no ensino de funções e na resolução de equações algébricas que são
abordadas nesse nível de ensino.
Aqui temos uma “via de mão dupla”. Por um lado, funções e resolução de equações são
requisitos para um curso de cálculo I. Por outro lado, para o estudante de licenciatura, o Cálculo
I deve levar ao amadurecimento das ideias subjacentes a esses conteúdos para a sua formação
e ensino posterior quando profissional.
Apresentaremos a forma mais tradicional de abordar o ensino de funções e alguns equívocos
quanto ao conhecimento matemático. Em seguida, concretizaremos essa idéia ilustrando com
um exemplo. Depois discutiremos como os conteúdos do cálculo vão estar relacionados à
prática do professor no ensino das funções.
Quanto às equações algébricas, abordaremos as teorias dos Anéis e dos Corpos para mostrar a
relação entre as definições e propriedades e o ensino de resolução de equações polinomiais;
apresentaremos exemplos de como essas definições e propriedades poderão reforçar a
organização do trabalho docente, ilustrando com dúvidas e questões que alunos costumam ter,
quando do ensino do conteúdo em foco no ensino básico.
Comentaremos também como definições e ideias abordadas de forma frágil poderão levar a
erros de aprendizagem e de formação de conceitos, o que se constituirá em problema no futuro.
Consideramos ser importante o professor levar em conta esses aspectos, ao organizar as ideias
matemáticas que irá abordar em sua prática, novas para os alunos, e as formas de apropriação
e aprendizagem dessas ideias, o que leva à necessidade de uma boa e sólida construção mental
no tocante à apresentação das mesmas.
Referencial Teórico
Neste tópico vamos apresentar a discussão das principais idéias teóricas que fundamentam
nosso trabalho. Assim, discorreremos brevemente sobre a evolução do conceito de função, as
formas de abordagem deste tema no ensino básico e possíveis equívocos. Depois, discorreremos
sobre o ensino das equações polinomiais do primeiro e do segundo graus junto com as
implicações da Teoria dos Anéis e dos Corpos neste ensino, junto com os possíveis equívocos
gerados pela não consolidação das ideias. Apresentaremos um exemplo em cada caso, para
ilustrar e reforçar as idéias discutidas.
Funções: breve histórico do conceito, formas de abordagem de funções no ensino básico e
possíveis equívocos
Segundo Rego (2000), de acordo com a História da Matemática, Kleiner (1989) e
Youschkevitch (1976) descrevem em seus estudos os diversos estágios da evolução do conceito
de função, partindo da concepção de funcionalidade, presente nas tabelas formuladas por
astrônomos babilônios ou em estudos geométricos acerca de determinação de áreas, nos gregos;
eram idéias acerca de relações especiais, entre elementos específicos, quase sempre, entes
geométricos.
No século XIV, e no XVI, já se estudava casos de dependência de quantidades através de
descrições verbais, relações numéricas e gráficas, aí ficando subjacente a idéia de dependência
entre as quantidades variáveis. Neste contexto, usava-se coordenadas apenas para
representarem variáveis a pontos de curvas específicas e não a pontos arbitrários do plano.
De acordo com Boyer (1974, p. 193), por volta de 1360, Nicole Oresme (1323 -1382), sugeriu
a representação gráfica dos diferentes graus de intensidade das variáveis velocidade e tempo,
relacionados em um fenômeno. Após 1500, com a extensão do conceito de número, da evolução
da álgebra simbólica e da trigonometria, desenvolveu-se uma idéia mais geral de função. Estas
funções podem ser divididas ou selecionadas de acordo como seu comportamento: afim, linear,
quadrático, exponencial, etc.
Para Lima et all (2001), temos casos de relações que podem ser modeladas por diferentes
famílias de funções, as funções com comportamento linear e mais geralmente as afins,
denominadas erroneamente de funções de primeiro grau, modelam fenômenos em que o
crescimento é constante. Por exemplo, o cálculo do custo de certo alimento, por exemplo; um
quilograma de alimento custa um valor e “n” quilos é um múltiplo do valor do quilograma.
Os gráficos constituem-se numa das formas de representar uma função, por permitirem uma
visão mais global da relação. Através deles é possível classificar e analisar uma função.
De acordo com Braz (2007), no ensino básico, abordamos o estudo das funções dentro de cada
uma das famílias: afim, constante, quadrática, modulares, exponenciais, trigonométricas,
logarítmicas e hiperbólicas. É a caracterização e as propriedades que cada função possui que a
classifica dentro de uma determinada família, o que permite a modelagem de alguns fenômenos
por uma função de uma determinada família.
Associando a estas idéias a transposição para o nível básico, temos as implicações na prática
do professor.
Equações polinomiais: abordagem da resolução e as teorias dos anéis e dos corpos
Segundo Garbi (2010), “equações algébricas são aquelas em que a incógnita aparece apensas
submetidas às operações algébricas...” que são as operações numéricas conhecidas.
É sabido também que ao resolvermos uma equação algébrica, por exemplo uma equação do
primeiro ou do segundo grau, por exemplo, com a incógnita x, o que fazemos é escrever uma
série de equações equivalentes (sentenças), cuja (s) última (s) delas é (são) da forma “x = ...”,
apresentando valores de x que são as soluções da referida equação.
No ensino básico, o professor apresenta um algoritmo para a equação do primeiro grau ou a
chamada “fórmula de Bhaskara” para a equação do segundo grau, e passa a resolver equações
no “passo a passo”.
A questão é: que base matemática permite afirmar que a última sentença referida no parágrafo
anterior dá a mesma solução que a equação original? Ou que todas as equações anteriores?
A busca de resposta a estas perguntas consiste numa consolidação das ideias subjacentes à
resolução de equações.
A insegurança sobre este aspecto pode levar professor ao seguinte impasse:
Mecanicamente, o professor costuma dizer, no momento de “transpor os termos semelhantes
para um mesmo lado da equação”: o que está positivo “vai para o outro lado negativo, e viceversa.”
Lembramos que neste contexto, fala-se em princípio aditivo, segundo o qual “Se b = c, então a
± b = a ± c”, e do princípio multiplicativo, no qual “se b = c, então b.a (b/a) = b.a (b/a), desde
que tenhamos a ≠ 0 (no entanto, isto é tão implicitamente aplicado, que não é escrito).
O equívoco que pode surgir com essa expressão de “passou para o outro lado, troca de sinal”,
que costuma se tornar automática na fala do professor, é que após falar tão repetidamente, pode
gerar a seguinte dúvida: se 3x = 12, então x = 12 – 3, pois 3 é positivo e vai mudar de lado; por
que não fica negativo?
Matematicamente, perguntamos: o que nos permite passar de uma equação a outra? Como
explicar ao aluno esta situação? Lembrando que o aluno está no nível básico, apenas lida com
estruturas numéricas, e não outras.
Para refletir sobre estas questões, iniciamos por lembrarmos as definições e propriedades dos
anéis e corpos em álgebra. Ambos correspondem a uma estrutura formada por um conjunto
munido de duas operações (no caso dos números com os quais os alunos lidam, podem ser os
racionais ou reais), digamos + e ., os conjuntos munidos, respectivamente, de um elemento
neutro e uma unidade, digamos 0 e 1, tendo a primeira operação, para cada número, um inverso
no conjunto, cujo resultado da operação entre o número e seu inverso é o neutro, e a segunda
operação, no caso dos corpos, um inverso com relação à segunda operação cujo resultado
análogo é a unidade.
As outras propriedades destas estruturas – comutatividade, associatividade da segunda operação
com relação à primeira, etc., permitem alterar e reorganizar convenientemente os termos
envolvidos na equação para obter o resultado desejado de forma mais simples.
É claro que quando aparecem números fracionários é necessário recorrer ao estudo das classes
de equivalência. Fala-se automaticamente, neste contexto em “calcular o MMC dos
denominadores”. Para que? Não podia resolver a equação sem calcular o MMC? É claro que
sim, mas isso não é nem cogitado.
Ilustraremos essa discussão com um exemplo mais adiante.
Metodologia
Após a discussão teórica, apresentamos dois exemplos ilustrativos. Os exemplos foram
baseados em observações da prática de professores do ensino básico em escolas de uma capital
nos últimos dez anos. As turmas referentes a esses conteúdos em particular são de sétimo ano
do ensino fundamental e primeiro ano do ensino médio Em cada exemplo, fazemos a discussão
da abordagem comumente feita, a ilustração e as implicações junto com possíveis equívocos.
Depois discutimos os encaminhamentos.
Resultados
Passamos a discutir dois exemplos de abordagem do ensino de funções e da resolução de
equações, e suas ligações com o cálculo I e as estruturas algébricas
Sobre o Cálculo e o ensino de funções
No ensino de funções, geralmente, o professor inicia, de acordo com a maioria dos livros
didáticos, o ensino de função para as famílias citadas, apresentando a definição em termos de
f: →, que a cada elemento x do conjunto  associa um único elemento f(x) do conjunto .
Apresenta alguns exemplos do tipo f(x) = 2x – 3 ou f(x) = x2 – 3x +1. Em seguida anuncia qual
a forma do gráfico da função.
Como o gráfico representa o conjunto dos pares de elementos da função, o professor ensina a
construir uma tabela com alguns pontos e os liga esses pontos para “formar” o gráfico
anunciado.
No caso da função do primeiro grau, o gráfico da função é uma reta. Como geometricamente
uma reta é definida por dois pontos, bastam então dois pontos da tabela para definirem o seu
gráfico.
Ora, uma função como essa contém um conjunto infinito de pares de números e a simples
“ligação” de dois desses pares no plano cartesiano torna-se inconsistente para se poder afirmar
ou convencer um aluno mais inquiridor que o gráfico da função é uma reta apenas porque o
professor afirmou. Dificuldade maior advirá caso o “esboço” do plano cartesiano não traga a
maior aproximação possível das distâncias entre dois pontos indicados em cada eixo.
No caso da função do segundo grau, o professor precisa “sugerir” a lista dos pontos ou tentar
obter pontos dos dois lados da parábola, pois em geral somos levados a atribuir para x valores
como -2, -1, 0, 1, 2, etc. Como está no início do assunto, não pode falar em encontrar o vértice
e depois dois pontos à direita e à esquerda da abscissa do vértice.
Nestes casos e em todos os demais, o cálculo I auxilia o professor com a construção do gráfico
a partir da análise do comportamento da função. Dificilmente o estudante do ensino básico que
entra em contato com a função, “enxergaria” uma reta na expressão f(x) = ax +b ou uma
parábola na expressão f(x) = ax2 – bx +c.
Os gráficos que seguem mostram dois exemplos de gráfico de função com base nestas idéias,
sendo o segundo a conseqüência de equívocos na abordagem do ensino deste tema.
x
a
B
f(x)= mx + n
f(a)
f(b)
a)Função afim e gráfico
x
-2
-1
0
1
g(x)=(x
-2)(x1)x(x+1)(x+2)
0
0
0
0
2
0
b) função g(x)=(x -2)(x-1)x(x+1)(x+2) e gráfico de acordo
com a “tabela”
Apresentamos aqui um possível equívoco induzido a partir dessa prática, que pode ocorrer na
extensão para uma função polinomial de grau maior que dois, e é mostrado no caso b.
No caso da função polinomial real g(x)=(x -2)(x-1)x(x+1)(x+2), de grau 5, sabe-se que o gráfico
é uma curva com características específicas. Se for construída uma tabela com os valores
citados acima, vamos encontrar para esses valores de x, f(x)=0, pois são as raízes do polinômio!
Então o gráfico induzido pela tabela será o eixo x, e não o gráfico de fato.
No cálculo I, vemos como estudar o comportamento da função a partir de elementos como
intersecção com os eixos, inclinação da reta tangente num ponto dado e pontos extremos, o que
pode ser mostrado no estudo de funções no ensino básico com os conhecimentos deste nível.
O professor, embasado com estas idéias do cálculo I, poderá fazer a adaptação da linguagem e
conteúdos passíveis de compreensão por parte dos seus alunos.
Sobre as estruturas algébricas e o ensino de equações polinomiais
No caso das equações algébricas, lembramos que o processo de resolução consiste em escrever
uma série de equações equivalentes à equação dada, sendo a última a que expressa(m) o (s)
valor(es) da incógnita. Que embasamento matemático permite afirmar que o valor ou os valores
encontrados na última equação corresponde à solução ou às soluções? Vejamos um exemplo:
2(3x/4 + 1) – 8x = 3 – 6x + 5/6 (propriedade distributiva)
6x/4 + 2 – 8x = 3 – 6x + 5/6 (escolha de representantes adequados da classe de
equivalência)
18x/12 + 24/12 – 96x/12 = 36/12 – 72x/12 + 10/12 (existência do inverso multiplicativo)
18x + 24 – 96x = 36 – 72x + 10(existência do inverso aditivo)
18x – 96x + 72x = 36 + 10 – 24
-6x = 22(existência do inverso multiplicativo)
6x = 22(existência do inverso multiplicativo)
x = 22/6 solução.
A aplicação das propriedades subjacentes as Teorias dos anéis e dos corpos levam ao princípio
aditivo e ao princípio multiplicativo no ensino básico, correspondentes às mesmas. Assim, essas
passagens embasam uma consolidação das idéias do que seja uma solução para uma equação
algébrica e a equivalência de equações pela aplicação de propriedades da estrutura envolvida –
aqui anéis e corpos.
Lembramos que o estudo das equações está inserido no universo de conjuntos como os inteiros,
racionais, reais e complexos, todos com estrutura de anéis e, com exceção dos inteiros, com
estrutura de corpos pela existência do inverso multiplicativo para elementos não nulos.
Esse exemplo com aplicações das ideias da Álgebra possibilitam justificativas mais sólidas para
cada passo. É claro que o professor não vai usar os termos da graduação, mas usar uma
linguagem que seja mais adequada ao nível dos discentes com os quais lida.
Considerações Finais
As discussões teóricas apresentadas e a apresentação e as discussões dos exemplos mostraram
algumas possibilidades de como alguns tópicos do Cálculo I e das Estruturas Algébricas podem
auxiliar o trabalho do professor de matemática na prática ao abordar estes dois conteúdos do
ensino básico.
Amadurecendo as ideias, o licenciando, na perspectiva de atuar como professor, deverá ter no
Cálculo I e na Álgebra poderosas ferramentas fortalecedoras de ideias a serem discutidas com
seus alunos ao realizar o seu trabalho docente.
Referências
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BRAZ, R. A. F. S. Uma proposta de utilização de material manipulativo no aprendizado da
função exponencial. Dissertação de mestrado. Recife: UFRPE-PPGEC, 2007.
GARBI, G. G.. O romance das equações algébricas. São Paulo: Livraria da Física, 2010 4ª Ed..
KLEINER, I. Evolution of the Function Concept: A Brief Survey. The College Mathematics
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September
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(4),
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Disponível
em
www.maa.org/pubs/Calc_articles/ma001.pdf. Acesso 01/03/08.
LIMA et all. Exame de Textos: Analise de Livros Didáticos de Matemática para o Ensino
Médio. Editora SBM. Rio de Janeiro, 2001.
REGO, R. G.. Um estudo sobre a construção do conceito de função. Tese de Doutorado, UFRN,
Rio Grande do Norte, 2000.
YOUSCHKEVITCH, A. P.. The concept of fuction up to middle of the 19th century. In: Archive
for History of Exact Sciences. Editions Springer, 1976, v. 1, n. 1.
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