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A QUESTÃO DO MÉTODO NO PROCESSO DA CRISE DO ENSINO DE HISTÓRIA
Larissa Camacho Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é perscrutar a grande incidência da categoria Metodologia do Ensino
de História na bibliografia especializada sobre a temática a partir dos anos 80 até o ano de 2004. Este
problema surgiu de um primeiro levantamento bibliográfico realizado de forma virtual (com o auxílio
da Internet e de Bibliotecas virtuais de universidades do Estado do Rio Grande do Sul) onde se
percebeu que, dentre as onze categorias que ganharam destaque, a que obteve maior incidência de
alocações (mais de quarenta por cento) foi Metodologia do Ensino de História. Desta primeira
observação realizada em fins do ano de 2002, advieram questionamentos atinentes ao porque dessa
incidência. Desta forma, deu-se continuidade a pesquisa, mas, agora, direcionando os olhares para a
observação inicial relativo à Metodologia do Ensino. Desta forma, durante o ano de 2003, foi realizada
a análise de uma amostra da bibliografia que havia sido levantada pelo esforço inicial de pesquisa. Os
textos dos mais significativas dos anos 80 e 90 referentes ao Ensino de História foram lidos, sondados,
analisados, categorizados e perquiridos na tentativa de compreender a questão da Metodologia no
contexto do Ensino de História. Neste caminho de pesquisa, verificaram-se questões que perpassam
grande parte dos textos analisados. Assim é que vimos o olhar dos textos, ou melhor, dos autores que
escrevem os textos, a respeito das universidades e as alterações desse olhar da década de 80 para fins
dos anos 90. Também pudemos verificar as denúncias dos autores relativamente à Função Social do
Ensino de História de antes da abertura do regime político brasileiro e o que se queria com este Ensino
a partir dos anos 80. Vimos qual era o lugar do professor de História do atual Ensino Fundamental e
Básico nos textos analisados desde os anos 80 e as respectivas alterações de espaços ocupados ao
longo dos anos até 2003. Por fim, alcançamos o objetivo central que levou à pesquisa aqui apresentada
que é a questão da Metodologia do Ensino de História. O caminho percorrido até o tema específico
levou à compreensão de que novas Metodologias do Ensino de História faziam-se necessárias para que
se pudesse alcançar os novos objetivos formulados pelos autores dos textos estudados para o novo
Ensino de História que se queria a partir dos anos 80. Ou seja, havia (talvez ainda haja) a necessidade
de se fazer um ensino diferente, de utilizar outros modos de ensinar história a fim de que não mais
tivéssemos um Ensino de História produtor de indivíduos adaptados ao país onde vivem, mas não
conscientes de sua cidadania, inconscientes de suas identidades, ausentes da história por não se
afirmarem como seres que produzem história e fazem parte dela. Quando tratamos da Metodologia do
Ensino de História, é inegável ser esta a principal preocupação da bibliografia sobre Ensino de
História nos anos 80, nos anos 90 e nos nossos dias. Essa inquietação ocorre num processo de
modificações, ou seja, nos anos 80 ela foi apresentada sob a forma de como fazer: a metodologia do
Ensino de História era vista como um processo que abarcava apenas o modo de dar aulas, o chegar em
sala de aula e aplicar os textos da forma como era proposta pela bibliografia. Em meados dos anos 90
já podemos observar que a metodologia começa a tornar-se uma questão a ser discutida, os autores
percebem que não basta avaliá-la apenas do ponto de vista do como fazer. Eles iniciam, então, a
discutir os limites da metodologia, criticam os anos 80 (embora o valorizem por ter sido o momento
onde se deu o primeiro passo para as discussões sobre os problemas do Ensino de História), e propõem
metodologias embasadas em teorias da época em voga. Atualmente, continuam ocorrendo análises
críticas sobre o Ensino de História; aliás, cada vez mais críticas. Porém, como a caminhada já é longa,
busca-se por uma compreensão do Ensino de História relacionada ao todo da educação brasileira, não
deslocada do contexto sócio-histórico em que vivemos, não somente preocupada com a metodologia.
Hoje em dia, os autores que tratam do Ensino de História têm mais perguntas do que respostas a
respeito desse objeto de pesquisa.
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TRABALHO COMPLETO
O presente texto constitui uma síntese de meu trabalho monográfico defendido em janeiro
de 2004 no curso de História Bacharelado da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Este, por
sua vez, é fruto de um projeto iniciado anteriormente com um grupo de pesquisa sobre o Ensino de
História na cidade do Rio Grande1 alocado na mesma instituição de ensino.
As preocupações que motivaram a análise realizada advieram de um levantamento
bibliográfico inicial a respeito da temática onde pude perceber que a categoria metodologia e didática
do ensino de história fazia parte das preocupações de quase metade dos textos que tratavam sobre
Ensino de História2. Desta primeira observação advieram questões que conduziram as reflexões
presentes no trabalho monográfico que aqui serão expostas.
Inicialmente percebi que há uma crise do Ensino de História anunciada tanto na
bibliografia sobre a temática quanto nos relatos de professores de história coletados por pesquisas
anteriores ou em conversas informais. E a questão da metodologia surge como uma alternativa para a
alteração desse quadro “crítico” por que passa o Ensino de História.
Até os anos 80 vivíamos no Brasil um modelo político que influenciava decisivamente os
rumos de todos setores da sociedade, não excetuando a Educação. E a partir deste período é possível
perceber alterações significativas nos escritos, nas reflexões e nos relatos de pesquisadores/professores
de História a respeito do que se vivia com o Ensino até o momento, a respeito da função social do
Ensino de História e do que se queria com isto tudo. Ou seja, os pesquisadores/professores
questionavam para que havia servido a história até aquele momento e pensavam o que queriam com
ela a partir de então.
Podemos perceber, assim, várias denúncias com relação ao que se ensinava nas escolas,
com a homogeneização promovida pelos currículos, pelos livros didáticos, pelo Ensino de história
propriamente dito, pela linearidade com que era contada a história dos heróis, dos vencedores, e
outras. Da mesma forma, com o andar das reflexões, pude ver o olhar destes que escreviam sobre a
temática a respeito das universidades, do “discurso competente” (expressão utilizada por um dos
autores e muito bem definida por Marilena Chauí3), onde a academia era vista como a entidade
produtora de conhecimento a ser transmitido para aos professores do Ensino Básico que, por sua vez,
os transmitiria aos alunos.
O ensino de história, como os das outras disciplinas, encontrase estruturado de tal forma que à universidade, ou 3º grau, compete a
produção do conhecimento histórico (ou seja, é o espaço do chamado
'discurso competente'), enquanto às escolas de 1º e 2º graus cabe a sua
reprodução. Há, por conseguinte, uma definição de competências e
privilégios do 3º grau em relação aos 1º e 2º (hierarquia que, de modo
geral, se reflete no status profissional e salarial...). Há toda uma relação de
poder do 3º grau em função dos outros dois; sedimenta-se, assim, a nítida
separação de atribuições de atividades e de responsabilidades em relação à
'ciência', de graves conseqüências.4
1
A história deste grupo bem como os passos seguidos por ele nas análises conjuntas de seus integrantes a
respeito do Ensino de História podem ser encontrados em: CARVALHO, Larissa Camacho; QUADROS, Milena
Silvester. Levantamento bibliográfico sobre ensino de história – anos 80/2000. In.: ZARTH, Paulo Afonso;
GERHARDT, Marcos. Anais da 9° Jornada de Ensino de História e Educação: o ensino de História no
continente americano: as novas relações entre as nações e suas repercussões na educação. Ijuí: d. UNIJUÍ, 2003.
2
Para maiores considerações ver CARVALHO, Larissa Camacho. A questão do método no processo da crise do
ensino de história. Monografia de Conclusão do curso de História Bacharelado da FURG. Rio Grande, janeiro de
2004.
3
CHAUI, Marilena de Souza. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 7ª ed. São Paulo:
Cortez, 1997, pág 7 e segs.
4
CABRINI, Conceição; CIAMPI, Helenice |et al|. O ensino de história: revisão urgente. 3ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 19 e 20.
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Nos anos 80 haverá algumas modificações referentes às reflexões a respeito das
universidades, porém, ela não deixará de ser vista pelo filtro de um sentimento de abandono ou
imposição de idéias de uma posição superior aos demais.
O lugar do professor do Ensino Fundamental e Médio nas discussões sobre o Ensino de
História também foi motivo de exame. Estes ocupavam, nos anos 80, o lugar do relato de experiências.
Talvez como conseqüência do seu próprio lugar na hierarquia do ensino apresentada no momento onde
o professor universitário era o responsável pela produção de conhecimento, sobrando aos professores
do atual Ensino Básico relatarem suas experiências de novos métodos de ensino, novos instrumentos,
ferramentas e etc. É bastante visível a alteração deste lugar do professor nos anos 90. O professor
começa a ter outros espaços nas reflexões a respeito do Ensino de História, ocupa mesmo o nicho
“elitizado” da produção de conhecimento. Uma das razões para isto está no fato de muitos deles
estarem ingressando na pós-graduação e por ter sido aberto um espaço mais amplo de diálogo entre os
vários setores da pesquisa e do ensino de história com a criação de grupos de discussão bastante
heterogêneos para tratar a temática.
Permeiam, ao longo de todas essas reflexões, as propostas de novas metodologias para o
Ensino de História. Eram necessárias para se ter algo diferente do que se tinha até então, para se
modificar o modo como se ensinava história e os resultados que se estava obtendo até o momento. Era
vista – a metodologia –, por assim dizer, como uma âncora de salvação da crise do Ensino de História.
Mudando a metodologia teria-se mais possibilidades de êxito com este ensino. Mas o debate a respeito
das novas maneiras de ensinar é permeado por uma porção de embates, de variáveis que dizem
respeito ao Ensino de um modo geral: Os currículos, os livros didáticos, a formação de professores, as
teorias historiográficas e outros. O fato é que todas essas questões dizem respeito à metodologia. Não
é possível analisá-las sem tratar de novos modos de ensinar história.
Parece-nos, então, que o como fazer é realmente o centro das atenções com relação ao
problema do Ensino de História5. E esse como fazer é a Metodologia do Ensino de História de que
tanto falam. Claro que envolta em vários aspectos, revestida de várias alternativas em variados setores
da estrutura intrínseca ao Ensino − em sala de aula, os livros, o cotidiano, os programas − e também
nos setores da estrutura exterior à sala de aula − girando em torno das condições de ensino do
professor como carga horária, trabalho em várias escolas diferentes, baixos salários. Mas isso ocorre
especialmente nos anos 80 até meados dos 90. As análises mais recentes percebem o grande erro que
foi, na década de 80, apenas propor novas metodologias, novos como fazer como "tábua de salvação"
para os problemas do Ensino de História, ou melhor, para a crise do Ensino de História.
Como se fazia? A denúncia ao passado, ao antigo, tem a ver com o modo como a história
era contada, com as omissões que eram feitas na narrativa, com a linearidade, com a factualidade, com
a construção de heróis nacionais, com a homogeneização, com os conteúdos de história sendo levados
prontos e acabados para a sala de aula, com a ausência de possibilidades de discussão a respeito da
história por parte de alunos e mesmo professores. É esse fazer que se quer mudar. É essa metodologia
do Ensino de História que se propõe repensar. Aliás, como a professora Selva já afirmava: "Podemos
caracterizar os anos 80, como tempos de repensar".6
Marcos Silva, no livro Repensando a História coloca que "(...) esse espaço das coisas já
feitas, ditas e pensadas não precisa mais ser feito, dito nem pensado, donde o clássico desinteresse
5
Izabel Andrade Marson no artigo Controvérsias da História do Brasil: uma história controversa apresenta de
forma evidente essa preocupação quando fala das motivações para a realização do projeto de construção de
novos materiais para as aulas de História: "Em primeiro lugar, a premente busca de renovação das práticas
teóricas e didáticas com que se defronta o ensino de História, preocupação que tem levado centenas de
professores, pedagogos e alunos a procurar alternativas mais criativas que possam substituir os falidos métodos
e objetivos tradicionais. (...) O espaço e o sentido da História como prática educativa de formação profissional
e da cidadania desgastou-se imensamente nos últimos anos, e de especial maneira a partir da criação de
Estudos Sociais, OSPB e EMC, (...)". In.: MARSON, Izabel Andrade. Controvérsias na história do Brasil: uma
experiência controversa. In.: SILVA, Marcos A. (org.). Repensando a história. 6ª ed. São Paulo: Marco Zero,
1984, p. 135.
6
FONSECA, Selva Guimarães. O Ensino de História e a Construção da Cidadania. In.: SEFFNER, Fernando;
BALDISSERA, José Alberto. Qual história? Qual ensino? Qual cidadania? Porto Alegre: ANPUH, Ed. Unisinos,
1997. Em III Jornada de Ensino de História, Unisinos, São Leopoldo, 29 a 31 de maio de 1997, p, 16.
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dos alunos pela História ser menos um fracasso que um retumbante sucesso do ensino excludente"7.
Isto significa dizer que o projeto implementado na fase anterior pela ditadura obteve sucesso, pois com
a História que era ensinada, os alunos aprendiam a não pensar em sua dimensão histórica e isso era um
sucesso do projeto anterior. Para alterar esse quadro analisado, Marcos continua:
Apesar dessas ressalvas, a crítica ao quadro atual da
aprendizagem de História na escola de 1º e 2º graus não pode renunciar à
análise da produção de conhecimento também como modalidade de poder,
abrangendo sua manifestação na escola e noutros espaços de produção do
saber e do conjunto da vida social e possibilidades de sua superação.
(...)
Nessa perspectiva de reflexão, também é possível repensar
algumas 'evidências' sobre a produção de conhecimento histórico
costumeiramente intocadas.
O contato direto com fontes documentais e a problematização
do concreto em todos os níveis de estudo são espaços ainda escassamente
ocupados pelo ensino de História de 1º e 2º graus e que podem ser
ampliados. (...)
A criação de conhecimento histórico crítico, para além da
reprodutibilidade do estado de relações sociais já existentes, é um espaço a
ser conquistado pelos que estiverem por ela interessados. A recuperação de
historicidades silenciadas pelos grupos sociais dominados em contextos
específicos de sua prática social (greves, eleições, campanhas salariais e
outros) dá exemplo daquela possibilidade.8
Qual, então, a proposta a ser pensada? Novas possibilidades de produção de
conhecimento histórico nos antigos 1º e 2º graus. Colocar nos estudos históricos do Ensino Básico as
histórias dos grupos sociais silenciadas até então, problematizar o concreto, trabalhar com fontes
documentais. Tudo isso tendo em vista as omissões que eram feitas com respeito a determinados
atores sociais históricos (e que naquele momento ainda eram realizadas). Quando Silva diz que o
contato com fontes e a problematização do concreto eram espaços escassamente ocupados pelo Ensino
Básico, ele propõe a ocupação desse espaço como alternativa de mudança. Quando ele fala das
historicidades silenciadas, ele está propondo que se trabalhe as greves, as campanhas salariais,
propondo novos conteúdos para se trabalhar História em sala de aula. Mas isso é propor novas
metodologias? Mais adiante, ele vai dizer: "Sutil nuance dessa interdição à historicidade da
experiência social imediata é invocar 'procedimentos metodológicos' − novos conceitos, novas
técnicas − como saída suficiente por si para superar o ensino excludente da História, elidindo no
debate a questão do poder na aprendizagem e o estatuto do aprendiz em tal processo, perdendo de
vista os vínculos teoria/prática."9
Isto significa dizer que ele não está propondo novos procedimentos metodológicos para
superar a crise do ensino de História − a crise, em sua fala, é vista pelo ensino excludente praticado até
então; visto não ser isso que se queria com o Ensino de História, ele estava em crise , incomodava
quantos não o queriam −, já que os critica. Ele, na verdade, propõe novos conteúdos para os
programas, não diz como trabalhá-los, apenas propõe que com eles se trabalhe. Pelo menos ele faz
uma denúncia. Diz que o que comumente se faz é propor novos procedimentos metodológicos para
solucionar a crise do Ensino de História. E neste mesmo livro que Silva organiza, ao final se
encadeiam uma série de experiências relatadas por professores do Ensino Básico. Nestas experiências
os professores contam tentativas que realizaram de renovação do ensino de História com públicos
variados, desde supletivos noturnos até escolas normais para crianças de classe média. Mas o
organizador, na introdução da obra, afirma que essas experiências não têm a pretensão de serem
7
SILVA, Marcos A. Ensino, ideologia, conhecimento. In.: SILVA, Marcos A. (org.). Repensando a história. 6ª
ed. São Paulo: Marco Zero, 1984, p. 19.
8
Idem, ibidem, p. 22 e 23.
9
Idem, ibidem, p. 20.
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modelos: "Contra a perspectiva de serem transformados em 'modelos', sua apresentação como
experiências enfatiza exatamente a necessidade da criação por educadores e educandos de seus
próprios instrumentos de trabalho a cada novo momento, (...)"10.
Com certeza, as experiências propostas podem não ter a pretensão de serem modelos, mas
tornam-se, a partir do momento que elas são colocadas, muitas vezes, com os programas em anexo. Há
propostas de outros como fazeres, mas na tentativa de romper com o velho. Se existem professores que
já estão conseguindo fazer diferente na sala de aula de História, porque não apresentar estas propostas
para os outros professores e quebrar o ensino excludente através de uma corrente? Mas e onde fica a
metodologia? Talvez ela não apareça no texto do Marcos, mas nas experiências elas estão presentes.
Os novos modos de fazer podem não ser modelos, mas é o que se enfatiza para ser modificado, pois é
o meio de se combater o ensino excludente11. Trabalhar com fontes é uma proposta pouco explorada e
que serve para quebrar o distanciamento dos alunos em relação ao conhecimento; para fazer com que o
que antes era levado pronto e acabado para as aulas, se aproxime do aluno e ele possa também
participar da construção de seu próprio conhecimento.
As experiências que propõe trabalhos de um semestre inteiro de estudo sobre a Greve
Geral Paulista de 1917 para um público trabalhador que estuda à noite é uma proposta de não
engajamento na linearidade do Ensino de História. As experiências que relatam as aulas de História
com estudos do meio, onde o aluno realiza pesquisas nas regiões circunvizinhas a sua moradia e
trazem para a classe os resultados de questionários e, a partir daí, estuda-se o processo de
industrialização − a qual indústrias fazem parte da paisagem do bairro onde a escola está situada − são
alternativas para aulas de História que não queiram mais trabalhar temas distanciados da vida do
aluno. É trabalhar o próximo, o concreto, o imediato como propõe Silva, e a partir dessas construções
cognitivas que o próprio aluno constrói sobre História, ensinar História. Na verdade, com essas
propostas, pressupõe-se que o conhecimento do educando já está cinqüenta por cento pronto e, ao
professor, cabe modelar esse conhecimento, dar vida e encaminhá-lo.
Estas são as propostas de remodelagem da metodologia do Ensino de História. O modo
como se ensinava História antes, não era mais válido nem aceito pelos professores/pesquisadores de
história. Essas experiências narradas indicam novas maneiras de se ensinar história. Novas
metodologias. Não mais trabalhar com linearidade, com fatos, com heróis, e com os materiais que
legitimam essas variáveis. Que o aluno possa participar da construção de seu próprio conhecimento,
que possa descobrir o novo, descobrir a História e que a História não é somente passado, morto, mas é
também presente e dinâmico.
Assim é que pesquisadores/professores de História se manifestavam a respeito das
práticas que queriam modificar nos anos 80. Imbuídos pela grande vontade de mudar a História
ensinada, de modificar a sociedade brasileira, de democratizá-la, de apresentar as diferenças para lidar
com elas e não homogeneizar negando-as, não se cansavam de denunciar as práticas do Ensino de
História Tradicional, sem acusar professores, pesquisadores ou alunos pela "fracasso" da História, mas
tentando tirá-los todos da apatia em que se encontravam. Natural, assim, que se proponha mudanças
opostas ao que se estava vendo realizar. Romper com tudo o que acontecia e fazer o contrário. Havia
análises a respeito das realidades, do passado, da trajetória do ensino de História até aquele momento,
mas as projeções para o que se queria eram escassas, ou melhor, unânimes: queria-se o diferente. E
propunham como fazer, novas maneiras de dar aula, novos formatos para as aulas de História.
Podemos dizer que a década de 90 foi semelhante à de 80? Posso afirmar que até meados
dos anos 90 o processo foi semelhante, mas a partir desse período há algumas mudanças que merecem
ser analisadas. Isto porque transformações não ocorrem de uma hora para outra. É necessário que se
reflita sobre o que se quer mudar, que os pensamentos sobre determinado assunto amadureçam a fim
de que se tenha o que falar sobre ele, de que se saiba o que e como mudar. Foi o que aconteceu com o
Ensino de História. Nos últimos anos multiplicaram-se os debates sobre essa temática e com isso ele
foi-se tornando cada vez mais competente, os debatedores foram especializando-se, aproveitando o
que os pesquisadores/professores já haviam produzido a respeito e foram sendo construídas críticas em
10
Idem, ibidem, nota introdutória, p. 10.
Esta expressão é utilizada por alguns autores dos anos 80 e significa o ensino que privilegia determinados
saberes, fatos e atores sociais em detrimento de outros.
11
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cima das próprias críticas, análises sobre as análises. Podemos dizer que houve mudanças. Quais
foram essas mudanças?
A partir de meados dos anos 90 é possível identificar rupturas e continuidades nas
pesquisas sobre Ensino de História com relação às preocupações e aos assuntos tratados desde o início
dos anos 80. E também percebemos aprofundamentos nessas questões, ou seja, onde houve
continuidades, buscou-se por uma análise fundamentada sobre o assunto, baseada em teorias históricas
ou pedagógicas. E onde ocorreram rupturas, elas foram em termos de se procurar outras razões, outras
soluções diferentes das anteriores para os problemas e também discussões de novos problemas que
antes foram esquecidos, talvez.
s análises sobre a trajetória do Ensino de História começam a aparecer nesse período.
Antes, as análises sobre essa temática eram realizadas enfatizando a denúncia − embora muitas vezes
de forma sutil − agora, elas possuem o caráter de História do Ensino de História abordando os anos 80
de acordo com uma visão de fase de ruptura, de mudanças, de necessidades e possibilidades de ação e
reflexão sobre o Ensino de História.
Também encontramos continuidades nesse processo como a crítica ao distanciamento do
que é ensinado em sala de aula e o que é percebido pelos alunos fora dela. E em contraposição a esse
problema continuam as propostas da história imediata, daquela que parte do concreto, do mais
próximo para os alunos, do seu bairro, da sua cidade. E isso, muitas vezes, sendo realizado com o
auxílio de relatos de experiências com a diferença fulcral de que essas são embasadas por teorias
pedagógicas, históricas e outras. Assim, elas aparecem em forma de texto iniciando por um suporte
teórico que irá fundamentar o relato. Podemos dizer que são experiências fechadas, blocos contendo
teoria, metodologia e a pesquisa em si em torno de determinado tema.
Há, também, elementos novos nas análises sobre Ensino de História: os instrumentos.
Com a propagação e vulgarização do computador e também, principalmente, do vídeo cassete, estudos
sobre a utilização deste último no Ensino de História aparecem com freqüência. Pesquisas sobre o
cinema e o ensino de história e propostas de utilização de filmes como auxiliares eficientes no Ensino
surgem no âmbito das discussões, diluídas nos textos. Inclusão de história oral, de trabalhos em
museus também aparecem como alternativas para o Ensino. Aliás, no levantamento bibliográfico que
realizamos − trabalho comentado anteriormente − a categoria Técnicas e Instrumentos aparece quase
que exclusivamente a partir dos anos 90, o que é explicado, na análise da bibliografia, pelo aumento de
possibilidades de utilização de novas ferramentas pelos professores.
Mas e a metodologia, onde ela se encontra nos anos 90?
Pode ser identificada com o como fazer anunciado para os anos 80? Em parte podemos
dizer que não. Quando são propostas as pesquisas do período em questão, muitas delas são colocadas
de forma pontual, como instrumentos para auxiliar o professor. Mas por outro lado podemos dizer que
sim: continuam, algumas delas, apontando novos como fazeres como metodologia de Ensino de
História. Mas o que vemos mais, em termos de metodologia, são pesquisas que buscam analisá-las,
perceber a concepção dos professores com relação à elas.
Assim, as pesquisas atuais encontram-se, podemos dizer, pulverizadas, trabalhando vários
assuntos diferentes, alguns apenas dando continuidade às pesquisas dos anos 80 em termos de como
fazer; outros renovando, buscando alternativas teóricas e metodológicas em vários lugares e várias
áreas do conhecimento como podemos verificar com as inúmeras citações de Piaget, Vygotsky, Paulo
Freire, Freinet, afora especialistas em cinema, caricaturas, museus e outros.
Analisar o contexto de meados dos anos 90 até nossos dias, constitui tarefa pouco
confortável. Primeiro porque são trabalhos atuais, pensamentos em construção e, por isso, não nos
permite uma análise fechada, compacta, ou seja, não nos deixa perceber uma orientação única, ou
privilegiada para às análises sobre o Ensino de História desse período como foi realizado com relação
aos anos 80.
Segundo, porque também fazemos parte dessa conjuntura, tanto da sua
contemporaneidade quanto das análises a respeito do Ensino de História − também nos encontramos
analisando esse processo. Assim, os textos atuais, em muitos casos, servem de fundamentação teórica
para as reflexões aqui realizadas o que se torna incongruente com a realização da análise destes. Mas
vale ressaltar que os pensamentos amadureceram, que hoje há muitos debatedores para o que venha a
ser dito sobre Ensino de História, que as reflexões possuem fundamentações em muitos teóricos de
várias áreas e que apenas um pesquisador não dará conta da análise de todos esses pressupostos.
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Contudo, a crise continua. E não é somente no contexto reduzido da sala de aula que a
busca pela superação da crise continua. Ainda quando os textos falem especificamente de propostas
metodológicas que superem os problemas enfrentados pelo Ensino de História eles acabam ressaltando
um outro problema inerente não somente à história ou à sala de aula, mas que circunda todos
profissionais da Educação. Os textos, em sua maioria, não deixam de salientar os problemas externos à
sala de aula, os da instituição escolar, da organização educacional em si. Falam de questões específicas
− como já vimos, em geral, metodologia − mas não deixam de abordar os baixos salários que os
professores recebem o que acaba prejudicando a qualidade do seu trabalho. Também manifestam
descontentamento com a elevada carga horária cumprida por eles em turmas de séries variadas e/ou
em muitas escolas o que limita o tempo de estudo, reciclagem e aperfeiçoamento do professor
acrescentando que até para os próprios familiares ele carece de tempo.
Para ser professore no Brasil é necessário que se tenha amor por aquilo que se faz. Pois
para ganhar menos de uma salário mínimo por mês e andar 10 Km ou mais para chegar a escola,
somente tendo grande paixão por aquilo que faz. Somente com a recompensa de ver crianças lendo e
escrevendo, compreendendo a realidade e criticando-a com clareza e agilidade. No entanto, nem isso o
professor recebe como recompensa. A precariedade é tão grande, e o descaso anda na mesma trilha,
que parece que cada vez menos iremos aprender alguma coisa na escola. Atitudes voluntariosas, por
vezes, esfacelam-se ante a gama de dificuldades que encontram no caminho, tão bem postas que
parecem até propositais. E o governo resolve algumas questões com paliativos que mais parecem
como pasta de dente em queimadura. Finalizando seu texto, a autora Izabel Marson apresenta essas
questões de modo muito claro:
A emergência desta contradição [programa inovador, estrutura
arcaica] paralisou e esvaziou o projeto. No MEC, pelo engavetamento do
material já impresso, pela falta de recursos para encaminhá-lo
adequadamente e pela falta de empenho político para construir as condições
essenciais para o seu sucesso. Nas escolas, pela falta de autonomia e
entraves de toda a ordem. A persistência da política educacional
conservadora, cujas regulamentações regem o ensino de História, por
autoritária e intransigente, frustra, esvazia e denigre qualquer alternativa
inovadora. Quando vindas dos órgãos oficiais, como parte de projetos
centralizados engendrados nos programas políticos, esgotam-se juntamente
com estes projetos nas flutuações das ondas do poder porque, se apoiados e
incentivados enquanto em fase de planejamento, atingem a prática em
momento adverso e se desintegram nas disposições intransponíveis da
burocracia e das regulamentações. Terminam apenas por preencher
relatórios, ocupar verbas, e, o que é pior, desacreditar qualquer proposta
realmente dinamizadora das práticas de ensino.
Por outro lado, quando criadas na experiência particular e
isolada de cada professor em sua classe, permanece ali segregada, sem
divulgação e sem apoio, especialmente por parte das autoridades
competentes da própria escola. Num caso e noutro, perpetua-se uma política
que corrói o sentido mais criativo e gratificante da educação, e reproduzemse as formas autoritárias e repetitivas necessárias à conservação da ordem
vigente.12
Metodologias do Ensino de História, Formação de Professores, Livro didático,
Construção de Cidadania, Função da História, baixos salários dos professores, hierarquia escolar,
excessiva carga horária... Há algum assunto chave a ser resolvido que com ele toda a Crise do Ensino
de História será resolvida, também? Mas se não há, a pulverização destes assuntos e sua respectiva
alternativa para a crise irão resolvê-la de um modo geral? Ficam estas últimas reflexões, abertas, para
que possamos pensar juntos como fazer para termos um outro Ensino de História.
12
MARSON, Izabel Andrade. Controvérsias na história do Brasil: uma experiência controversa. In.: SILVA,
Marcos A. (org.). Repensando a história. 6ª ed. São Paulo: Marco Zero, 1984, p. 141
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13
Para acesso à relação dos artigos – fontes da pesquisa – ver CARVALHO, Larissa Camacho. A questão do
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A questão do método no processo de crise do ensino de história