Uso do Prediderm® (prednisolona) no tratamento de dermatopatia e uveíte resultantes de
alergia alimentar em cão da Raça Akita: relato de caso
Júllio da Costa Batista ParenteI; Bruna Pinto CoutinhoII
1. Introdução
A alergia alimentar é uma reação orgânica adversa aos alimentos, que envolve em seu
mecanismo etiopatogênico, uma resposta alérgica(1). Estima-se que ela representa um por
cento de todas as dermatopatias em cães e, dentre as alérgicas, é a terceira mais comum nessa
espécie, precedida apenas pela dermatite alérgica a picada de ectoparasitas e dermatite
atópica(2).
A resposta alérgica frente a diferentes constituintes alimentares pode determinar
alterações em diversos sistemas orgânicos como pele, trato gastrointestinal, trato respiratório,
sitema nervoso central, sistema urinário e olhos(3,4). Entretanto, as manifestações cutâneas são
as mais comumente obervadas, tendo como principal sintoma o prurido não sazonal,
acompanhado ou não de lesões dermatológicas(1,2,5).
O diagnóstico da alergia alimentar baseia-se na história clínica e nos resultados de
exames complementares, como raspado cutâneo e micológico de pelame, histopatológico de
pele, testes intradérmicos e provas sorológicas. Entretanto, o diagnóstico definitivo é baseado
na resposta a terapia, obtida através da administração de uma dieta de eliminação, seguida
pela exposição provocativa ao alimento que o animal costumava comer(1,5). Nos casos
positivos para hipersensibilidade alimentar, os sinais clínicos desaparecem durante o período
em que o animal está se alimentando de dietas hipoalergênicas, mas eles reaparecem com a
reexposição provocativa(3).
O tratamento dessa enfermidade consiste na introdução de uma dieta hipoalergênica
caseira ou comercial, no controle mensal de pulgas e carrapatos, no tratamento de infecções
secundárias, e na administração de corticóide quando o animal apresenta intenso prurido(1,3,5).
1
I.
Aluno do quarto ano do curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Ceará (UECE),
Fortaleza-Ceará.
II.
Médica Veterinária da Unidade Hospitalar Veterinária da UECE, Fortaleza-Ceará.
A uveíte é uma síndrome que acomete o trato uveal, freqüentemente observada em
(6)
cães , tendo como principais causas doenças infecciosas, neoplasias, traumas e doenças
imunomediadas(7,8,9), podendo, em raros casos, resultar de alergia alimentar(4). Os principais
sinais clínicos de uveíte incluem “flare” no humor aquoso, congestão dos vasos
circuncorneanos, hiperemia conjuntival, edema corneano, diminuição da pressão intraocular,
diminuição da visão, hifema, hipópio, alteração na coloração da íris, precipitados ceráticos,
miose, dor, granulomas, descolamento de retina, hemorragia retiniana e opacidade vítrea(8, 9).
Os objetivos primordiais do tratamento da uveíte consistem em parar o processo
inflamatório, minimizar as sequelas, manter a integridade da barreira hematoaquosa, diminuir
a dor e preservar a visão. Para isso, são utilizados midriáticos, corticosteróides tópicos e
sistêmicos, e antiinflamatórios não esteroidais. Quando a causa inicial é diagnosticada, o
tratamento específico para a enfermidade de base deve ser realizado(9).
Por ser raramente observado, este trabalho teve como objetivos relatar um caso de
uveíte associada à dermatopatia, resultantes de alergia alimentar, e avaliar a eficácia do
Prediderm® no tratamento dessas enfermidades.
2. Relato de caso
Uma canina, da raça Akita, quatro anos, pesando 24 kg, foi atendida no setor de
clínica de pequenos animais da Universidade Estadual do Ceará, com histórico de apresentar
há seis meses lesões ao redor dos olhos, secreção ocular, alopecia periocular e em outras
regiões, prurido intenso e eritema generalizados, perda de peso progressiva e quadros
frequentes de diarréia, apesar de alimentar-se bem e só de ração. Foi relatado que o animal
havia sido subetido a vários tipos de tratamentos tópicos e sistêmicos a base de antibióticos e
antifúngicos, mas o quadro clínico só agravava. O proprietário também informou que haviam
sido realizados exames de sangue e sorologia para leishmaniose e os resultados encontravamse dentro dos parâmetros de normalidade. Ao exame clínico, a cadela apresentava uveíte,
secreção ocular purulenta, blefarite e alopecia periocular bilateral (Figura 1A). Ela
encontrava-se hidratada, com temperatura 38,3 ºC, mucosas normocoradas, apática, baixo
escore corporal, linfonodos poplíteos aumentados, e com áreas de eritema, alopecia e
rarefação pilosa por todo corpo. (Figura 1B). Não foram encontrados ectoparasitas. No
atendimento foi realizada coleta de sangue para hemograma e bioquímicos, raspado de pele e
pêlo para exame direto e cultura fúngica, teste de schirmer e fluoresceína. Foi solicitado
2
punção medular e de linfonodo, e biópsia de pele. Os resultados dos exames de sangue, do
teste de schirmer e de fluoresceína não demonstraram alteração. O raspado de pele e a cultura
deram negativos. Não foram observados parasitas na punção medular e de linfonodo. Com
esses resultados, o animal foi submetido à biópsia de pele das lesões localizadas nas
pálpebras, lábio e em membro pélvico direito. Os achados histológicos permitiram concluir
tratar-se de um quadro de dermatite alérgica com padrão misto em todos os fragmentos
coletados, e associado à infecção fúngica nas lesões palpebrais, tendo como principais
suspeitas alergia alimentar ou atopia em conjunto com a dermatomicose. Logo após a biópsia
de pele, devido ao intenso prurido e quadro de uveíte, foi prescrito Prediderm® 20 mg
(prednisolona) na dose de 1 mg/kg a cada 12 horas.
A
B
Figura 1: A. Alopecia periocular com despigmentação palpebral e uveíte devido à alergia alimentar.
Note flare, edema corneano, neovascularização, mudança na coloração da íris, e secreção ocular. B. Áreas de
alopecia em membros e rarefação pilosa com presença de pêlos opacos e quebradiços por todo corpo.
Após 15 dias de tratamento com o corticóide o animal retornou para receber o
resultado do histopatológico e reavaliação. Nesse momento o mesmo já apresentava melhora
significativa no quadro de uveíte (Figura 2A) e das lesões de pele, resultantes do uso do
Prediderm® (Figura 2B), mas ainda permanecia com quadros intermitentes de diarréia. De
acordo com o proprietário essa melhora já era notável a partir do sétimo dia de tratamento.
Com o resultado da biópsia, foi precrito ração hipoalergenica, itraconazol (10mg/kg-SID, 30
dias), colírio de tobramicina e dexametasona, (1 gota a cada 8 horas, 15 dias), e o NEOpet®
20-40 kg (fipronil) a cada 30 dias para manter o controle de ectoparasitas. O Prediderm® foi
mantido, mas a partir desse momento iniciou a remoção gradativa dessa medicação, durante
os 10 dias seguintes. 21 dias após início do tratamento com as demais medicações e a nova
dieta, a cadela não apresentava uveíte, nem prurido, as fezes estavam normais e ela ganhou
peso (Figura 3A e 3B). Após seis semanas com a dieta hipoalergênica, o animal foi submetido
3
à exposição provocativa e em sete dias ele voltou a apresentar prurido nas regiões periocular e
abdominal, lesões cutâneas e flare corneano, confirmando o diagnóstico de alergia alimentar.
B
A
Figura 2: A e B. Melhora nos quadros de blefarite e uveíte, e das lesões cutâneas, respectivamente, após 15 dias
de tratamento com Prediderm®.
A
B
Figura 3: A e B. Remissão total da uveíte e sinais dermatológicos, respectivamente, 21 dias após a
associação das demais medicações e introdução da dieta hipoalergênica.
3. Discussão
Apesar de não haver predisposição etária, cerca de 68% dos pacientes com alergia
alimentar ficaram expostos ao alimento por pelo menos dois anos antes de apresentar os sinais
clínicos(2,5). Neste relato a cadela começou a apresentar alterações oftálmicas, dematológicas e
gastrointestinais aos três anos de vida. Dentre os principais diagnósticos diferencias de alergia
alimentar encontram-se a atopia e dermatite alérgica a picada de ectoparasitas(2). Por isso, foi
prescrito aplicação do ectoparasiticida NEOpet® 20-40 kg mensalmente, a fim de se evitar
interferências diagnósticas.
Casos de uveíte resultantes de infecções fúngicas e alergias alimentares já foram
relatados, sendo este raramente observado(4,9). Neste caso, a paciente apresentava ambas as
alterações, entretanto acredita-se que a alergia tenha sido a responsável pelo quadro
oftálmológico, devido ausência de resposta favorável do animal ao tratamento com
4
antifúngicos e antibióticos anteriormente realizados, já apresentando melhora significativa dos
sinais clínicos somente com o uso do Prediderm®.
De acordo com a literatura, o aparecimento de sinais gastrointestinais associados à
dermatopatia é tido como raro em cães com alergia alimentar(2), sendo ainda mais raro o
desenvolvimento de quadros oftalmológicos(4). No presente caso a cadela apresentava
acometimento desses sistemas concomitantemente.
A dieta de eliminação caseira balanceada é ideal para o estabelecimento do
diagnóstico de alergia alimentar. Entretanto, quando houver impedimento para o fornecimento
desse tipo de alimentação, a ração hipoalergênica torna-se a primeira opção, podendo ser
utilizada no diagnóstico e manutenção dos animais alérgicos(1,10). No presente caso, por
restrições de tempo, o proprietário optou pela dieta comercial. A resposta à corticoideterapia
obervadas nos quadros dermatológico e oftalmológico, confirma os resultados favoráveis
obtidos por Salzo,2009(1) e Fernandes, 2005(2), respectivamente, tornando-se fundamental na
adequada preservação da visão do animal. Além disso, assim como foi observado por esses
autores, mesmo após a remoção do Prediderm®, a melhora obtida pelo uso dessa medicação
perdurou durante todo o período de manutenção da dieta.
Assim como observado por Rosser em 1993(11), em função da gravidade de condições
secundárias, tratamentos concomitantes tornam-se necessários para os estágios iniciais de
avaliação da dieta de eliminação. Neste relato a cadela apresentava infecção fúngica
associada, por isso foi introduzido o itraconazol a terapia, e acredita-se que o exame direto e a
cultura fúngica tenham dado negativos, devido tratamento previamente realizado com
antifúngico tópico e sistêmico. Quando reexposta a dieta provocativa, a paciente apresentou
uma recaída no quadro clínico logo na primeira semana, obtendo-se então, o diagnóstico
definitivo de alergia alimentar, coincidindo com resultados obervados por SALZO, 2009(1).
4. Conclusão
A proposta desse relato foi descrever um caso incomum de uveíte associada à
dematopatia resultantes de alergia alimentar e o efeito do Prediderm® no tratamento. Neste
caso, observou-se que uso de Prediderm® na dose de 1 mg/Kg-BID se mostrou eficaz no
tratamento da uveíte, e melhora dos demais sinais clínicos e dermatológicos resultantes da
alergia alimentar, permitindo a integridade visual do paciente, diminuição significativa do
prurido e permitiu a manutenção do quadro com a ração hipoalergênica após a sua retirada da
5
terapia medicamentosa. Além disso, o NEOpet® demonstrou-se muito eficaz na prevenção de
ectoparasitas, os quais poderiar interferir em nosso diagnóstico.
5. Referências Bibliográficas
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Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v 61, n 3, p 598-605, 2009.
(2) FERNANDES, M.E. Alergia alimentar em cães. 2005. 94f. Dissertação (mestrado) Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública, Universidade
de São Paulo.
(3) JACKSON, H.A. Diagnostic techniques in dermatology: the investigation and diagnosis of
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233- 235, 2001. doi: 10.1053/svms.2001.27599.
(4) AMER, M.D. et al. Uveitis associated with immunoglobulin E-mediated allergic disease.
Clinical & Experiment Ophthalmology, v 35, n 7, p 677-678, 2007.
(5) GASCHEN, F.P. Adverse food reactions in dogs and cats. Veterinary Clinics Small
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(8) GELATT, K.N. Doenças e cirurgia da úvea anterior do cão. In: _____. Manual de
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(10) OLIVRY, T.; BIZIKOVA, P. A systematic review of the evidence of reduced
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(11) ROSSER, E.J. Diagnosis of food allergy in dogs. Journal American Veterinary
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6. Anexos
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