EDUCAÇÃO SUPERIOR EM DEBATE
Volume 1
Avaliação Participativa
Perspectivas e Debates
Coordenação-Geral de Avaliação Institucional e dos Cursos de Graduação
Iara de Moraes Xavier
Coordenação-Geral do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
Amir Limana
Coordenação-Geral de Estatística da Educação Superior
Jaime Giolo
Coordenação-Geral do Simpósio “Educação superior em debate”
Dilvo Ristoff
Jaqueline Moll
Palmira Sevegnani de Freitas
Organização do Simpósio “Avaliação participativa: perspectivas e debates”
Dilvo Ristoff
Vicente de Paula Almeida Júnior
Coordenação-Editorial
João Luiz Horta Neto
Brasília-DF | Inep | 2005
Coordenadora-Geral de Linha Editorial e Publicações
Lia Scholze
Coordenadora de Produção Editorial
Rosa dos Anjos Oliveira
Editor-Executivo
Jair Santana Moraes
Coordenadora de Programação Visual
Márcia Terezinha dos Reis
Revisão
Luísa Guimarães Lima
Capa
Marcos Alfredo Hartwich
Diagramação e arte-final
Roosevelt Silveira de Castro
Tiragem
1.500 exemplares
Editoria
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC)
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4º Andar, Sala 418
CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fones: (61) 2104-8438 e (61) 2104-8042
Fax: (61) 2104-9812
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Distribuição
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC)
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4º Andar, Sala 414
CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fone: (61) 2104-9509
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http://www.inep.gov.br/publicacoes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Avaliação participativa: perspectivas e desafios / Organização: Dilvo Ristoff,
Vicente de Paula Almeida Júnior. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005.
240 p.
(Coleção: Educação superior em debate, v. 1).
1. Educação superior. 2 Avaliação. 3. Comissão Própria de Avaliação. 4
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. I. Ristoff, Dilvo. II.
Almeida Junior, Vicente de Paula.
CDU 378.146(81)
Sumário
Apresentação
Eliezer Pacheco....................................................................................... 7
Introdução
Dilvo Ristoff........................................................................................... 9
Parte I – Contribuições
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento
da sociedade democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
José Dias Sobrinho.............................................................................. 15
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs): ações desenvolvidas e perfil dos coordenadores
Vicente de Paula Almeida Júnior...................................................... 39
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias
de Avaliação (CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES),
visando à Implementação do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Sinaes)
Wagner Bandeira Andriola................................................................ 57
Parte II – Debate
Apresentação dos participantes......................................................... 73
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 15/12/2004. Debate Manhã....................................................... 75
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.......................................................... 99
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 16/12/2004. Debate Manhã..................................................... 155
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 16/12/2004. Debate Tarde........................................................ 201
Apresentação
Eliezer Pacheco*
Este Simpósio, de reflexão teórica e de diálogo, reúne pessoas que têm
a tarefa de construir a educação superior em nosso País. Na verdade, o
presente evento resgata a função do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) como centro de estudo e reflexão, tanto
no âmbito da educação superior — por meio da Diretoria de Estatística e
Avaliação de Educação Superior (Deaes) — quanto no âmbito da educação
básica.
Desse modo, o Inep alcança dois grandes objetivos: o de desenvolver
o trabalho pelo qual é mais conhecido, a saber, divulgação dos grandes
censos, execução das grandes avaliações em todos os níveis de educação,
com exceção da pós-graduação stricto sensu, realizada pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e o de promover
o estudo e a crítica sobre as grandes questões e tendências relacionadas à
educação superior brasileira. Com isso, não visamos apenas a realizar o
censo de educação básica e o censo de educação superior, mas também
analisar, estudar, refletir sobre os dados coletados para contribuir com a
construção de uma educação de qualidade; particularmente, uma educação
pública de qualidade, sobre a qual o governo tem uma responsabilidade
e um compromisso maior.
Dado que este é o primeiro Simpósio, penso que iniciamos por um
tema da maior relevância, justamente a questão da avaliação participativa.
* Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/
MEC).
|
Todos nós sabemos que qualquer política pública em educação começa
por uma boa avaliação. É a partir dela que traçamos o rumo de nosso
trabalho e definimos as políticas que queremos implementar. Se a
avaliação não é bem conduzida, todas as demais ações acabam tendo
um vício de origem, que pode colocar vários obstáculos e gerar grande
confusão na sua aplicação.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) é um
avanço extraordinário, em termos de concepção avaliativa em nosso País.
Passamos de um modelo extremamente limitado, no que diz respeito à
avaliação — não só dos estudantes, mas das instituições e dos cursos — para
um modelo mais sofisticado, mais complexo e amplo. E mais democrático,
dado que o seu processo se inicia pela auto-avaliação das instituições.
A auto-avaliação é fundamental. A partir dela construímos um diálogo
com as instituições, com os cursos e estudantes, mostrando que a avaliação
não é um instrumento de punição ou uma ferramenta para mostrar a
posição das instituições em um ranking, mas um processo de apoio à
melhoria da qualidade da educação.
|
Introdução
Dilvo Ristoff *
Quero agradecer ao Professor Eliezer, presidente do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
pelo entusiasmo com que recebeu, neste Instituto, há vários meses atrás,
a idéia de realizar o conjunto de simpósios que iniciamos hoje.
Agradeço, em nome da equipe, da Diretoria de Estatísticas e Avaliação
da Educação Superior (Deaes), especialmente por meio de Amir Limana,
coordenador-geral do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade); Ilton Benoni, coordenador-geral de Estatística de Educação
Superior e da professora Iara Xavier, coordenadora-geral de Avaliação
Institucional e de Cursos de Graduação. Em nome da Diretoria, agradeço,
ainda, a cada um dos participantes por aceitarem, tão prontamente,
participar deste primeiro Simpósio.
Nesses últimos meses, em função da demora da aprovação, no
Congresso Nacional, da lei que instituiu o Sinaes, o Inep obrigou-se
a concentrar muitas atividades. A demora da tramitação do Sinaes,
do seu processo de regulamentação, da elaboração dos instrumentos,
da viabilização e da realização do Enade, enfim, de toda uma gama
de questões, está relacionada a esse processo. Além de tudo, neste ano,
foram realizadas 26 avaliações por dia útil. Ao todo, foram agilizadas
2.700 avaliações de cursos.
Devo registrar que, de certa forma, foi um milagre conseguirmos
realizar o Simpósio neste ano. Tínhamos planejado três simpósios e, de
repente, tornou-se uma questão de honra realizar pelo menos um, diante
* Diretor da Diretoria de Estatística e Avaliação da Educação Superior (Deaes/Inep/MEC).
|
de todo o conjunto de atividades que relatei acima. Por isso, agradeço
a todos os participantes por terem ajudado-nos a dar esse pontapé
inicial nesse conjunto de estudos que, no meu entender, resgata o papel
do Inep, que é de ser não somente um Instituto que faz avaliações,
mas um Instituto que faz, promove e coordena estudos e pesquisas
educacionais. Estamos, pois, recuperando, no âmbito da educação
superior, especificamente, esse aspecto.
O objetivo deste Simpósio é aprofundar a análise e a crítica das
questões relativas à educação superior e, em especial, no nosso caso, ao
processo de construção e implantação do Sinaes, especificamente no que
diz respeito à questão das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs).
Entre outros temas planejados, começamos com a avaliação
participativa, focando, em especial, o papel das CPAs. Planejamos
realizar simpósios sobre a reforma da educação superior; sobre ética e
avaliação; sobre avaliação institucional externa; sobre democratização do
acesso à educação superior e permanência na educação superior; sobre
financiamento da educação superior; sobre autonomia e avaliação; e
outro, que eu estou chamando simplesmente de Universidade Cidadã; e
mais dois: um sobre modelos de educação superior e outro sobre formação
pedagógica de docentes para a educação superior.
São sugestões de temas que levantamos, por enquanto, na equipe,
mas que estão abertos, dado que pretendemos continuar com esse tipo
de simpósio nos próximos meses do ano de 2005.
Temos a convicção de que com as CPAs inauguramos um novo
momento na história da avaliação no nosso País, criando, efetivamente,
as condições fundamentais, não todas as condições, mas as fundamentais
para que se construa uma avaliação democrática e para que se construa
uma educação superior mais cidadã, de melhor qualidade acadêmica e
social.
Os seminários ocorridos nos últimos dois meses, com a participação
de quase duas mil instituições, com representantes de CPAs, com todos
os pesquisadores institucionais, as pessoas que preenchem o censo da
educação superior, também de duas mil instituições, com pró-reitores de
graduação das Instituições Federais de Educação (IFEs) e os pró-reitores de
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graduação (cada um pôde selecionar dois coordenadores de curso e trazer
para discutir o Sinaes conosco), tudo isso é resultado da lei aprovada em
14 de abril de 2004, que cria, com cada instituição de educação superior,
o canal legal, formalizado, público e reconhecido, para a auto-reflexão, a
auto-avaliação e a autoconsciência. Esse é o sentido com que se pensou,
originalmente, as CPAs.
E a consciência sobre os nossos afazeres diários, dentro de cada
instituição, sobre os projetos e os desafios futuros, é a base para a
autonomia institucional, para o “empoderamento” institucional.
Se imaginarmos que o sistema de educação superior não pode se
esgotar em instituições de natureza culinária – expressão do crítico
Wolfgang Iser –, ou seja, aquela unicamente preocupada com o gosto
dos consumidores do momento presente, mas sim em instituições que
tenham horizontes e expectativas que superem o presente e o existente
e se projetem, também, para o futuro e o que ainda não existe, então, a
construção das bases para o empoderamento institucional é fundamental
e extremamente importante.
Quero falar sobre o formato deste Simpósio. Em princípio, reunimos
em torno desta mesa 15 pessoas e não mais; por isso a denominação
de simpósio e não de seminário. Reunimos pessoas profundamente
envolvidas com a questão da educação superior e da avaliação da
educação superior. Entre elas, alguns especialistas em avaliação, com
grande produção teórica, e outros com a prática ou a obrigação de fazer
a avaliação acontecer no campus. Durante dois dias, estaremos reunidos
em torno de uma mesa, discutindo o tema proposto.
Convidamos, para este Simpósio, três pessoas como motivadores,
no caso específico, o professor José Dias Sobrinho, o professor Wagner
Andriola e o professor Vicente de P. Almeida Júnior. Seus objetivos são:
fazer alguns relatos, algumas reflexões e algumas provocações sobre o
tema. Após a apresentação desses relatos, reflexões e provocações, serão
iniciadas, então, as discussões, coordenadas pelo Inep.
As regras básicas são pouquíssimas. Listei três regrinhas. Primeiro,
como já disse, os motivadores farão a apresentação dos papers
encomendados, para dar o pontapé inicial na discussão; segundo,
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começam as intervenções dos participantes. Não há limite de tempo para
as manifestações individuais, o que deverá possibilitar que cada pessoa
desenvolva o seu raciocínio e conclua o seu pensamento sem atropelos;
terceiro, serão obedecidas as regras parlamentares básicas, regras do bom
convívio, do bom diálogo e da boa prática acadêmica do intercâmbio de
idéias que todos nós conhecemos. Então, são essas as únicas três regras
que eu listei, não sendo necessárias mais do que isso.
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Parte
CONTRIBUIÇÕES
I
Avaliação como instrumento da formação cidadã
e do desenvolvimento da sociedade democrática:
por uma ético-epistemologia da avaliação
José Dias Sobrinho*
Complexidade e papel social da avaliação
A avaliação da educação superior é um terreno complexo. Não há
muitos entendimentos sobre o que deve ser a educação superior (suas
funções, suas formas, seus objetivos e filosofias), conseqüentemente,
tampouco sobre a avaliação. Que é avaliação, qual, para qual sociedade:
as dificuldades e contradições são de caráter epistemológico, político,
técnico, ético, etc. Toda epistemologia está banhada em visões de mundo,
toda visão de mundo justifica e induz comportamentos, na vida privada e
na pública, e busca a construção de um certo tipo de sociedade, um certo
tipo de futuro. Toda avaliação opera com valores, nenhuma avaliação
é desinteressada e livre das referências valorativas dos distintos grupos
sociais. Toda avaliação se funda em alguns princípios, está de acordo com
determinadas visões de mundo e busca produzir certos efeitos, ainda
que esses pontos de partida, ideologias e objetivos nem sempre estejam
claramente explicitados.
Entretanto, é preciso deixar claro que complexidade não é sinônimo
de complicação. Trabalhar com a complexidade não significa que os
instrumentos e procedimentos de avaliação devam ser complicados, nãosimples. Simplicidade e clareza são alguns dos procedimentos virtuosos
da ciência, mas isso não significa que, ao fazer ciência, com o intuito de
descomplicar, se deva a cada vez reduzir a realidade complexa a um só de
seus elementos. Simplicidade e complexidade, em termos de epistemologia,
*
Professor aposentado, professor titular, colaborador voluntário da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), professor do mestrado em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso),
editor da revista Avaliação.
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não precisam ser termos antagônicos. Os procedimentos podem ser
simples, sem destruir a complexidade, sem produzir os reducionismos que
desconsideram as redes de significados dos fenômenos humanos.
É amplamente reconhecida a capacidade de transformação que os
processos avaliativos possuem. Por isso, os Estados, em geral, inicialmente,
os mais desenvolvidos, e, agora, também muitos dos em desenvolvimento,
não abrem mão de ter suas agências e seus mecanismos de avaliação, em
vista de mudanças que querem produzir na administração pública, nos
programas sociais, nas instituições e nos sistemas educativos, etc. Essas
agências estão em diferentes ministérios dos respectivos países; muitas
são transfonteiriças, estão em organismos multilaterais (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE; Banco Internacional
para a Recontrução e o Desenvolvimento — Bird; Banco Interamericano de
Desenvolvimento — BID; Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura — Unesco) e em associações interinstitucionais. Mas,
há agências de avaliação também em organizações de caráter privado. Por
exemplo, são muitas as agências privadas que executam, como nos EUA e
alguns outros países, a acreditação de programas e de instituições educativas.
Juntamente com o selo de qualidade que atribuem a programas e instituições,
contribuem para consolidar um conceito de qualidade e de fé pública.
Nisso tudo há o reconhecimento de que a avaliação ultrapassa em muito
os limites de uma sala de aula, de uma instituição, de um programa e até
mesmo de um país. Toda avaliação está ligada a um quadro de valores e
interesses que tem a ver com os destinos das pessoas e das sociedades. Num
mundo enredado pela globalização econômica, de competição generalizada,
muitos dos interesses dominantes são transnacionais ou pertencem às
grandes corporações mercantis. Não se estranha, então, que as avaliações
conduzidas pelas agências governamentais ou multilaterais carreguem uma
forte orientação econômica, e até mesmo economicista.
Cada avaliação afirma determinados valores, conforme os objetivos que
lhe são atribuídos, denegando os valores opostos. Por exemplo, ao afirmar
só os interesses de mercado, tende-se a deixar em segundo plano os valores
mais amplos da sociedade. A avaliação contribui para a transformação não
apenas de seu objeto mais imediato; estende seus efeitos a todo o feixe de
relações desse objeto avaliado. Por exemplo, ao pôr em foco um determinado
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
curso, a avaliação contribui para transformar não apenas essa realidade mais
diretamente tomada como objeto, mas a totalidade da instituição educativa
da qual esse curso faz parte, e, integrando-se a outros conjuntos de avaliação,
acaba interferindo em todo o sistema educativo. Essas transformações
correspondem a concepções filosóficas, orientações valorativas e objetivos
dos grupos que detêm o poder de determinar as políticas educacionais.
A avaliação age sobre as mentalidades e as filosofias educativas, e, a
partir disso, define estilos de gestão, fornece elementos para tomadas de
decisão, fixa determinados tipos de currículo, valoriza programas, legitima
saberes e práticas, instrumenta políticas de regulação, de seleção social e de
financiamento, etc. Por isso, é um campo em disputas, dentro e fora do
âmbito propriamente educacional. Como muitos são os valores envolvidos,
é comum que a avaliação seja determinada nem tanto pelos educadores, mas,
sobretudo, por grupos que detêm o poder político e econômico.
As principais disputas não se referem a aspectos técnicos da avaliação.
Mesmo quando são os elementos técnicos que se tornam mais visíveis nas
discussões, em realidade são valores políticos, filosóficos, éticos ou, até
mesmo, interesses marcadamente mercantis que realmente estão em questão
e dificultam os acordos.
A complexidade da avaliação inscreve-se num campo de conflitos e de
contradições, como tudo o mais que é social e político. Não há consensos
sobre o tipo de sociedade desejada, sequer há consensos sobre a educação
superior, porque os valores sociais são contraditórios e os interesses mercantis
são competitivos entre si. Conseqüentemente, quando se ultrapassa a mera
dimensão técnica, não pode haver consensos absolutos no campo da
avaliação, apenas entendimentos relativos.
Duas concepções contraditórias, mas não opostas
As duas concepções principais de avaliação que serão logo mais
apresentadas, de alguma forma, se filiam a duas visões mais gerais de
Usarei também o termo paradigma, com o significado de um modelo conceitual constituído por
um conjunto de crenças, valores, percepções, princípios e hipóteses fundamentais que sustentam
e dão sentido aos sistemas de explicação, aos discursos e pensamentos predominantes em um
dado momento histórico.
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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mundo. Uma delas corresponde ao modo de conhecimento da ciência
positivista. Esse é, em casos extremos, o domínio do conhecimento
objetivo, elaborado pelas ciências duras e “puras”, mundo do objeto
fragmentado, reduzido, separado e independente de quem o conhece. A
outra forma de conhecimento privilegia de modo fundamental a relação
do sujeito com o objeto. Esse é o terreno do pensamento complexo,
da filosofia, das ciências que tratam das práticas sociais, das artes, das
escolhas e dos conflitos éticos, em que o objeto se constitui também
pela intuição, pela sensibilidade e pela reflexão do sujeito.
Esses dois extremos, quando tomados como mutuamente
excludentes, devem ser evitados, não só porque, separadamente, não dão
conta da complexidade, mas, também, porque inevitavelmente ambas
perspectivas emergem de ideologias. As práticas humanas, como por
exemplo a ciência, não podem ser totalmente explicadas de modo puro,
como se fossem fragmentos de uma realidade intemporal e matrizada
por um pensamento exterior, duro e esquematizador. A avaliação de
uma prática social não pode se passar por uma técnica sem qualquer
ligação com o sujeito que dela se ocupa. Entretanto, também não é
apropriado tentar compreender as práticas humanas sem levar em conta
alguns dos recursos explicativos das chamadas ciências duras.
Não se pode confundir avaliação com ciência, tampouco se há de
esperar que seus resultados coincidam com a “verdade científica”, mesmo
que essa “verdade” não passe de uma noção ideológica alimentada
especialmente nos campos da ciência dura pelos quantitativistas
puros (VIAL, 2001: 7). Contudo, a avaliação contém elementos de
conhecimentos que só podem ser obtidos mediante procedimentos
científicos. A avaliação não é ciência, em sentido estrito, mas, ao
mesmo tempo e, necessariamente, comporta dimensões científicas,
normativas, técnicas, da mesma forma que ideológicas, filosóficas,
éticas e políticas.
Toda avaliação corresponde e quer servir a uma certa concepção de
educação, que, por sua vez, está integrada a uma idéia de sociedade. Desse
modo, a avaliação é um fenômeno ético-político. Direta ou indiretamente,
afeta a todas as pessoas, na medida em que diz respeito a toda uma
sociedade. E também tem um caráter prospectivo; é um processo de
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
construção do futuro. Ao construir as idéias gerais sobre as ações políticas e
as relações que existem entre elas, nesse mesmo processo de conhecimento
o sujeito também está construindo a sua própria identidade e suas formas
de participação na vida social.
Relativamente à educação superior e sua avaliação, embora seja necessário
admitir a existência também de zonas híbridas, duas são as concepções mais
marcadamente contraditórias, que dão diferentes respostas à seguinte questão:
educação é bem público ou negócio? Evidentemente, essas concepções não
guardam uma relação mecânica com as perspectivas epistemológicas da
explicação (ciências duras) e da compreensão (ciências da complexidade)
anteriormente apresentadas.
É importante levar em conta que não há uma relação mecânica entre
uma epistemologia e os valores efetivamente vividos pelos indivíduos em
suas relações cotidianas. Por exemplo, não há incoerência se alguns dos
quantitativistas duros adotarem uma postura humanista, da mesma forma
que uma avaliação formativa poderá eventualmente estar a serviço da
pedagogia por objetivos, do planejamento gerencialista, do funcionalismo.
Entre epistemologias e ideologias pode haver cruzamentos e mútuas
implicações. No entanto, também é preciso considerar que há tendências
gerais que podem influenciar as ideologias e experiências concretas, as quais,
por sua vez interferem nas escolhas e nas concepções epistemológicas.
Segue-se um breve exame de duas tendências gerais de pensamento que
por fim interferem nas opções de avaliação que a cada uma correspondam. É
preciso insistir que não se tratam de formas fechadas de entender a realidade,
como se a realidade fosse monolítica e singular, tampouco as opções se fazem
mecanicamente e livres das experiências de vida dos sujeitos.
Para aqueles que concebem uma instituição educativa como constitutiva
da República e instrumento da democracia, a formação tem sentido de
cidadania plena, em suas dimensões privadas e públicas. Nesse caso, as
instituições educativas destinam-se a produzir conhecimentos e a formar
cidadãos autônomos para a vida social e os processos de construção de
nações livres e desenvolvidas.
Coerente com essa concepção de educação como bem público, a
avaliação estará voltada à melhoria da formação da consciência crítica,
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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do fortalecimento da autonomia dos sujeitos históricos e da identidade
nacional, da produção de conhecimentos que interessam à população em
geral, enfim, da promoção dos significados públicos e sociais da educação.
Em outras palavras, nessa perspectiva, a avaliação é um instrumento para
melhorar o cumprimento da responsabilidade social da educação superior,
isto é, basicamente, um processo que ajuda a promover o avanço do
conhecimento e a formação de cidadãos, tendo em vista o desenvolvimento e
o fortalecimento da sociedade democrática. A avaliação terá como postulado
básico o questionamento, a problematização e a produção de sentidos, muito
mais que as medidas, as quantificações e as racionalizações explicativas. Longe
de abolir as incertezas e os problemas, essa perspectiva assume as contradições
e a complexidade como significados essenciais da realidade social.
Para outros, segundo outra ideologia, a referência não é a sociedade e o
social, e sim a economia e o sucesso individual. Aí a instituição educativa
é considerada uma empresa e a formação inscreve-se no amplo mercado
dos negócios e dos interesses de lucro, produzindo o benefício individual
e não o bem comum. A educação, nesse caso, está em função do lucro, das
redes mercantis interdependentes, da competitividade e dos interesses dos
indivíduos. Nessa perspectiva, a avaliação assume os postulados da medida,
da seleção, da comparação e da racionalização, em função do aumento da
competividade e da gestão eficiente.
Para uns e outros, a avaliação, então, será bem diferente. Porém, antes
de seguir adiante é importante registrar que a crítica ao economicismo não
significa que a educação superior não deva colaborar para o fortalecimento
da economia. O problema não está em ela fortalecer a economia,
produzir eficiência, desenvolver capacidades empreendedoras, aumentar
as competências gerenciais. Essas são funções importantes que a educação
superior não pode depreciar e denegar. O problema está no fato de que as
práticas economicistas e os efeitos que produzem não são empreendidos
na direção do bem comum e da elevação espiritual e material de toda a
sociedade, e, sim, como tendência, em benefício de indivíduos e grupos e
em detrimento da maioria.
Sempre lembrando que, na realidade, há cruzamentos e hibridismos de
tendências e cruzamentos de características; pode-se, contudo, distinguir as
principais diferenças entre uma e outra concepção.
20|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
As duas concepções de avaliação aqui tratadas se filiam a duas
epistemologias distintas, ainda que não de forma pura. Essas
epistemologias, embora em geral se apresentem como contraditórias
e irredutíveis, não devem ser encaradas como um dualismo acabado e
de todo irreconciliável. De todo modo, fundam instrumentos que são
adequados a objetivos políticos que se estabelecem mais de acordo com
uma ou outra visão de mundo.
Uma delas corresponde ao modo de conhecimento da ciência clássica,
como já anteriormente mencionado: conhecimento objetivo, muito a
gosto das ciências duras e das técnicas, o sujeito do conhecimento estando
ao abrigo das intuições, uma visão predominantemente mecanicista a
constituir o objeto como algo fragmentado, tornado independente de
quem o conhece e imune à complexidade.
A outra forma de conhecimento, que também se relaciona com
uma visão de mundo e com atitudes ante a vida, privilegia de modo
fundamental a relação entre o sujeito e o objeto, pela qual ambos se
constituem. Nessa perspectiva, que não é mecanicista e analítica, porém
complexa e holística, mais que as explicações das partes isoladas, busca-se
uma compreensão global, mediante as operações que visam compreender
as relações entre as partes e o todo. Para além da explicação, aqui prevalece
a implicação.
A epistemologia que sustenta a avaliação educativa em particular
ou que se ocupa com o mundo humano em geral é essencialmente
uma “ético-epistemologia” (FERRY, 1997: 72). Isso porque o sujeito da
avaliação se constitui na e pela relação com o objeto da avaliação. Esses
objetos são práticas humanas e, em muitos casos, são outros sujeitos.
A avaliação é, assim, uma relação intersubjetiva, inscreve-se num
processo de comunicação pleno de conteúdos valorativos, associando
ética e epistemologia como dimensões irredutíveis e inseparáveis.
A ética é o terreno de emergência da subjetividade, é na ação pública e
na comunicação que se constroem os sujeitos das práticas sociais.
Segundo essa concepção, a avaliação tem, preponderantemente, uma
função ético-política de formação de cidadãos, isto é, de expansão dos
processos de emancipação social e de aprofundamento da democracia.
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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Esse paradigma prioriza a problematização dos sentidos, a compreensão
dos processos, os procedimentos heurísticos, qualitativos e subjetivos, sem
contudo deixar de considerar, de modo combinado, os procedimentos
quantitativos e enfoques objetivos, isto é, estabelecendo uma aliança
entre explicação e implicação.
É preciso ter em conta que a educação pertence ao campo da
complexidade humana. Portanto, das incertezas, da multirreferencialidade,
das contradições. Como a realidade humana é muito mais complexa que
aquilo de que os métodos da demonstração e da verificação são capazes,
é necessário trabalhar com paradigmas mais abertos e que concebam a
complexidade como um sentido indescartável da realidade humana. É
preciso ir além e afirmar que a história humana é uma construção dos
sujeitos sociais. Ainda que também determinados pelas contradições
da vida social, os agentes sociais são sujeitos e, então, problematizam
e atribuem significação ao mundo. A educação apresenta um sentido
mais forte, portanto, quando dinamiza os processos de subjetivação, ou
seja, quando atua fundamentalmente para a transformação efetiva de
indivíduos em sujeitos sociais.
Em suas diversas formas, as ciências são um modo de ler o mundo,
quem sabe para contribuir para otimizar a realização das tarefas da
história humana. Então, elas não podem eliminar a experiência primária
e complexa da subjetividade. Dar sentidos, significar os objetos de
conhecimento e de ação, sejam dados ou fatos, constituem o sujeito que
faz ciência, que conhece, age e avalia.
O ser que conhece é também um ser que avalia. Avaliar implica ler o
mundo, interpretar e produzir sentidos. A avaliação não é, pois, propriedade
privada de uma disciplina especializada; é uma cultura plural inscrita em
sistemas dinâmicos de comunicação e de práticas sociais. Não é, então,
simplesmente derivada de uma razão pura, mas sobretudo de um pensamento
constituído do relacional e qualitativo, do movente e emergente, do
imprevisível e incomensurável, do simbólico e polissêmico.
A tradição ocidental moderna em temas de ciência tem valorizado o
pensamento lógico, formal, analítico e uma certa concepção mecanicista
a que se associam as correspondentes atitudes ante a vida.
22|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
A concepção mecanicista corresponde a uma explicação do complexo pelo
simples, a uma redução dos fenômenos a um conjunto de eventos elementares.
A composição dos eventos elementares seria essencialmente aditiva; haveria
justaposição dos elementos simples. O determinismo que rege os fatos que
observamos seria essencialmente do tipo lógico. A uma tal concepção corresponde,
do ponto de vista da pesquisa, uma coleta de dados segundo um procedimento
analítico em função de um recorte lógico da realidade (BERBAUM, 1982: 43).
Esse tem sido o mais presente paradigma a gerar um modelo e
uma concepção de avaliação, de caráter predominantemente objetivo,
técnico e instrumental, especialmente quando o protagonismo é mais
das instâncias economicistas que propriamente educativas. Esse modelo
de avaliação exerce preferentemente uma função técnico-burocráticoeconomicista, de gestão e planejamento, tendo em vista os objetivos de
maior produtividade, eficiência e controle legal-burocrático. Utilizam-se
amplamente instrumentos de medição, quantificação dos produtos,
verificação de resultados e rendimentos, elaboração de escalas de
hierarquização.
Essa avaliação objetivista e experimentalista, derivada do pensamento
formal-analítico e que guarda estreitas relações com a concepção
mecanicista da vida, pende a se propor como técnica independente
de quem dela se ocupa, supondo-se isenta de valores e subjetividades.
Assim, seria portadora de verdades acabadas. Detendo-se na explicação
dos fatos, dispensa a crítica e o questionamento. Seus resultados e
informações seriam plenamente confiáveis, verificáveis, incontestáveis,
justos, exatos e, portanto, aptos a orientar os governos e sobretudo o
mercado, os clientes, os consumidores. A eficiência e a qualidade em
educação seriam medidas e induzidas pelas práticas da examinação, da
notação, da checagem, da verificação, do uso de escalas comparativas
e de estatísticas, para efeito de seleção social, controle institucional e
hierarquizações.
A objetividade da avaliação entendida de forma absoluta produz uma
homogeneização das quantidades, para possibilitar as comparações e as
hierarquizações. Nesse caso, as partes acabam assumindo o significado
do todo e os instrumentos se confundem com o objetivo mesmo
do objeto e dos fins da avaliação. Por exemplo, uma prova assume
as dimensões do próprio processo de ensino, seus conteúdos e suas
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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formas se identificam com os conteúdos e formas ideais do currículo,
seus resultados definem a qualidade do ensino e — equívoco maior — da
aprendizagem. A norma preestabelecida acaba definindo a direção e a
dimensão daquilo que, do ponto de vista lógico, deve ser realizado, e,
por transposição, acaba adquirindo legitimidade moral. O mecanismo
funciona assim: a norma é correta e válida por si mesma, deve apenas
ser cumprida, não requer reflexão e não se submete a dúvidas; sendo
logicamente válida e moralmente valiosa, deve ser praticada.
E se a realidade é constituída de elementos justapostos, a avaliação
analisará as partes isoladas e os eventos fragmentados: resultados e
rendimentos separados de análises das condições de produção, ensino sem
conexão com a pesquisa e com a socialização do conhecimento, agentes
segmentados e desligados dos processos relacionais, práticas partidas e
sem vinculação com as concepções de conjunto. Cada elemento, avaliado
separadamente, basta-se a si mesmo.
Para as instituições, aumenta a responsabilidade de demonstrar eficiência
e produtividade, que deveriam ser asseguradas pelas adequadas práticas
gerenciais e por mecanismos de controle burocrático, em conformidade
com parâmetros exteriores e previamente estabelecidos. Eficiência e
produtividade seriam valores intrinsecamente bons, fins em si mesmos,
alcançáveis mediante uma gestão eficiente e baseada num planejamento
bem feito, sem necessidade de problematização e relacionamento com os
princípios e fins da educação. A ética põe em questão os sentidos das ações,
mas na ideologia eficientista isso não conta, e sim os modelos racionais
que devem ser utilizados para a obtenção de mais eficiência, ainda que
os ganhos da eficiência não sejam postos em foco de conceitualização e
problematização.
A avaliação objetivista tende a transformar em objeto tudo aquilo que
avalia, inclusive os agentes sociais, como se não houvesse nenhuma conexão
entre epistemologia e ética, e nenhuma relação existisse entre os produtos,
suas causas e seus contextos. A avaliação objetivista e analítica, pretendendo
acima de tudo ser rigorosa, limita os significados, “enclausura” o sentido.
Algumas práticas recorrentes podem dar uma idéia clara desse fechamento
dos sentidos. Por exemplo, quantifica-se o número de estudantes formados
24|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
ou de publicações, sem levar em conta as condições nas quais isso foi
produzido e, muitas vezes, o valor relativo desses produtos e resultados. Sua
significação é genérica e não se refere às realidades específicas e concretas,
por exemplo, das instituições e dos cursos em particular. Assim, podem
ser úteis para fornecer algumas informações aos consumidores e clientes,
segundo a lógica do mercado, ou ao governo, especialmente quando está
em causa a distribuição de recursos, mas, não alimentam e, menos ainda,
fundamentam os debates e as ações sobre os processos educativos e as
questões de fundo sobre a formação em vista dos sentidos da sociedade.
Outro exemplo: é bastante recorrente a prática de “verificação de
aprendizagem” efetuada por provas, testes, exames, cujos resultados se
classificam por notas. Como costume geral, nem essa prática, nem seus
resultados, tampouco o objeto que se pretende medir, isto é, a coerência ou
distância entre o idealizado e o realizado, são postos em linha de reflexão
e questionamento. É como se essa prática e seus resultados valessem por
si mesmos e não precisassem ser problematizados. É como se o próprio
instrumento, o exame, fosse imune a erros e imperfeições. Como se a
notação fosse um instrumento capaz de dar conta de todos os significados,
inclusive das dimensões imprevisíveis, pessoais e incomensuráveis dos
processos de aprendizagem.
Essa questão pode ter outro tratamento. Numa avaliação de caráter
heurístico e qualitativo, que rompe com a pretensão da neutralidade,
um amplo campo se abre para a produção de múltiplos sentidos. Para
além da mera examinação e a correspondente notação, pode-se pôr
sob interrogação os significados da formação, do ensino, dos processos
individuais de aprendizagem, das relações sociais, pode-se refletir sobre
os impactos econômicos, políticos, culturais, os valores científicos, as
causalidades dos problemas, as possibilidades e as potencialidades de
superação e melhoramento e assim por diante. Não se trata de medir uma
aprendizagem, mas de lhe conferir um valor ou um sentido.
Entretanto, é preciso não errar o foco da crítica. O que deve ser recusado
é o objetivismo, não a objetividade. O objetivismo crê que a objetividade
seja a própria verdade. No limite, acredita que tudo aquilo que não é
quantitativo e mensurável não existe, que fora dos números não há ciência,
não há verdade e nada que realmente possa importar. Igualmente, o excesso
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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está no experimentalismo, como ideologia e explicação única da realidade,
e não no método experimental, que é o grande responsável pelo avanço da
ciência moderna e deve continuar sendo praticado como uma démarche
de conhecimento.
Ciência e tecnologia, sem reflexão e auto-crítica, são máquinas cegas.
Sem reflexão, pode-se acumular muitos conhecimentos, mas não alcançar a
sabedoria. A objetividade que elimina totalmente a subjetividade não pode
assegurar a cientificidade e a verdade. O que é objetivo não é automaticamente
neutro, justo e verdadeiro. Toda escolha de caráter epistemológico liga-se a
uma concepção de ciência e a uma visão de mundo.
É preciso equacionar isso que se apresenta como um impasse, muitas vezes
como obsessão, mas em realidade são duas dimensões não opostas que fazem
parte das formas gerais do pensamento humano. Objetividade e subjetividade
constituem o pensamento, as concepções de mundo e respectivas atitudes
diante da vida de uma maneira co-essencial e não excludente. A avaliação
educativa não deve escolher uma ou outra via, como se paralelas, como se
a opção por uma devesse implicar a negação da outra.
É sempre um sujeito, imerso nas contradições sociais, que faz ciência:
escolhe os temas, seleciona materiais e métodos, opera com significações,
elabora hipóteses, processa resultados, etc.; isso nunca é completamente
isento de valores. A escolha dos objetivos que orientam a direção de
nossos atos é uma questão ética. Os princípios científicos, portanto,
também a objetividade como idéia regulativa, o rigor, a construção
de representações consistentes fundadas em dados empíricos, devem
ser farta e criteriosamente utilizados, porém não de forma excludente.
Especialmente quando os fenômenos da realidade humana é que
estão em questão, esses paradigmas duros da ciência objetiva devem
ser praticados em articulação com outros paradigmas do pensamento
complexo que valorizam as dimensões sociais, históricas e relacionais
do conhecimento.
Trata-se aí de propor uma relação que transforme as quantidades em
qualidade, de fazer brotar dos números brutos os significados dos dados,
e de fazer emergir dos dados a complexidade dos sentidos. É muito
importante que, como parte das avaliações educativas, se façam controles
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
de conformidade e se meçam os desempenhos e aquisições em termos de
competências. Mas isso será muito mais importante quando aliado a práticas
de avaliação formativa e qualitativa de alargamento dos sentidos, de dinâmicas
de desenvolvimento individual, institucional, estrutural, que ocorrem em
processos de comunicação e negociação dos valores (VIAL, op. cit.: 6).
A educação é um fenômeno complexo, cruzado de ideologias, demandas
e valores contraditórios. A realidade é dinâmica, aberta, polissêmica, sua
percepção é sempre relativa às experiências humanas e nem tudo pode ser
compreendido pelos recursos da ciência, da técnica e das medidas. Assim,
a avaliação deve incorporar também os recursos heurísticos, as atitudes
reflexivas, interpretativas, comunicacionais, qualitativas, subjetivas, o que
implica necessariamente comunicação e negociação de valores e sentidos.
O grande objetivo da avaliação educativa é melhorar a educação. Como a
construção da qualidade educativa é sempre social, a avaliação também deve
ser um processo que requer a participação ativa da comunidade educativa
em processos de comunicação e de reflexão conjuntos, que são sempre muito
ricos de significação formativa. Então, utilizando-se, sempre que necessário,
os procedimentos de quantificação, de medida e verificação, como pontos de
sustentação, mas não se limitando a isso, a avaliação educativa deve alimentar
as reflexões e debates sobre o valor dos processos e dos produtos e sobre as
causalidades e as possibilidades de superação dos problemas.
Toda avaliação há de cumprir uma função reflexiva. Mas, a avaliação tem
também função de controle; não o controle que se quer passar como sendo a
totalidade da avaliação, mas como exigência de rigor, precisão e transparência.
As significações das práticas sociais, como é o caso da avaliação, ultrapassam
sempre as possibilidades das explicações, pois são sempre dinâmicas e plurais.
Mesmo assim, explicar é ainda um nível relativamente simples, uma vez que
toma por objeto os fragmentos de uma dada realidade.
Nenhuma realidade cabe em suas explicações, mesmo porque são
sempre moventes. Avaliar não se resume a explicar, esclarecer, comparar.
Entretanto, toda compreensão precisa passar pelas explicações.
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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A avaliação é também uma relação de sujeito a sujeito que tem por projeto a
interpretação do valor daquilo que se faz. Isso porque o avaliador é alguém que
diz, que vive, que é articulação teoria/prática, ele jamais está em uma ou em outra
somente. (ibidem: 17).
Enfim, é preciso trabalhar com a contradição e a articulação, e não
com a oposição e a disjunção entre esses termos e essas lógicas.
Participação
“A avaliação é uma dimensão que põe, aos atores, o problema do
sentido daquilo que eles fazem” (ibidem: 94). Trata-se, então, de uma
negociação de sentidos num processo social de comunicação. Entre as
diversas características da avaliação educativa, nesses processos sociais de
negociação e comunicação, portanto, a participação merece uma particular
consideração. As formas, as posturas e os sentidos da participação também
variam de acordo com o paradigma de avaliação adotado.
1. Participação, nos paradigmas experimentalistas e quantitativistas:
os indivíduos e as instituições são basicamente fornecedores de
informações. Por exemplo, estudantes submetem-se a provas
ou exames para provimento de informações sobre a qualidade
dos cursos; professores e administradores preenchem relatórios
e questionários, informando sobre dados físicos, atividades
e produtos das instituições, etc. A comunidade de uma
instituição, seus estudantes, professores e técnicos, bem como
a comunidade externa, nesses paradigmas, não participam da
formulação do projeto, da discussão dos critérios, dos objetivos,
dos instrumentos e das metodologias da avaliação, não emitem
juízos de valor, nem apresentam sugestões e tampouco se
sentem intrinsecamente comprometidos com as conseqüências
da avaliação ou com as ações que daí decorrem. Em geral, isso
é concebido externamente, em âmbitos que não são aqueles
dos que fornecem as informações, e as formulações provêem
de técnicos da burocracia governamental ou de especialistas
especialmente contratados. Do mesmo modo, as informações
prestadas são processadas externamente, sem a interferência dos
respondentes e segundo critérios que nem sempre coincidem com
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
os dos educadores. Por isso, a comunidade não se coloca como
agente de mudanças e como responsável pelas ações de melhora
da instituição e do sistema de educação superior. O sujeito, aqui,
é uma entidade fechada, um objeto exteriormente concebido.
2. Participação, nos paradigmas heurísticos e qualitativos: os
defensores desses paradigmas heurísticos, qualitativos, holísticos
sustentam que os sujeitos dos processos educacionais são os que
têm mais autoridade intelectual e profissional para avaliar as
atividades e os resultados das práticas educativas. Isso significa
que seriam os professores, os pesquisadores, os estudantes e os
técnicos os principais responsáveis pela avaliação, desde a sua
concepção filosófica, a elaboração dos meios, a execução das
práticas, até a interpretação das informações e o estabelecimento
de ações de correção e melhoramento. São agentes ativos, que
participam em vários momentos dos processos avaliativos,
não só fornecendo as informações e sendo avaliados, mas,
principalmente, interferindo ativamente na avaliação, de
forma organizada e segundo propósitos socialmente definidos.
À participação ativa na avaliação corresponde um compromisso
com as ações requeridas por esses processos. Os participantes
se tornam solidariamente responsáveis pela melhoria. São
sujeitos situados no campo da problematização, da negociação
dos sentidos, das contradições. Aqui se introduz uma noção de
autonomia, não como poder absoluto, mas como capacidade
de compreender e de assumir os limites pessoais e sociais.
Esses processos participativos têm duas dimensões. No plano da
subjetividade, fortalecem o desenvolvimento da autonomia pessoal
e pública dos participantes. A avaliação participativa é, então,
formativa, pois, nesse caso, é também um processo de socialização e
de democratização. Assim como o “eu” se constrói sempre em relação
com o “outro”, a avaliação, como processo relacional, tem também
duas dimensões, que não se opõem, antes, se completam: a auto e a
heteroavaliação. A auto-avaliação é um autoquestionamento que passa
pelo outro, nos processos de heteroavaliação, e retorna ao sujeito,
enriquecida com novas aprendizagens, em um patamar diferente de
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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experiências. Dessa forma, a auto-avaliação — exercida no campo das
relações interpessoais e dialógicas, portanto, combinada com as visões
externas — é um importante processo de individuação e de socialização,
ou seja, de constituição do sujeito humano.
Um dos mais fortes argumentos da validez da avaliação participativa
baseia-se no fato de ela ser uma construção coletiva do conhecimento
por uma comunidade constituída de sistemas comuns de comunicação
e aprendizagem e voltada aos objetivos e valores — ainda que não
homogêneos — da formação humana e do desenvolvimento da sociedade.
Mais que uma verdade absoluta, indiscutível, neutra, prevalece, nos
processos participativos, a “verdade social”, relativa, contextualizada
e fruto dos entendimentos possíveis em cada comunidade. Esses
processos que requerem a participação dos sujeitos em ações relacionais
e comunicativas não consistem em simples balanço, nem se restringem
a controle, nem têm como produto uma pura objetividade. Aí não se
trata de uma verdade dada e pronta, porém, mais propriamente, de
uma construção jamais acabada, socialmente empreendida, portanto,
amplamente participativa e plural, de uma busca da compreensão dos
significados, em cujo processo todos os sujeitos da educação se assumem
como co-responsáveis.
Condições para a boa realização da avaliação
participativa
•A primeira grande condição é a garantia de liberdade
comunicativa. Os sujeitos da avaliação devem poder ter livre
voz para as suas manifestações, entendendo, por outro lado,
que sua participação deve obedecer aos critérios e às normas
estabelecidas pela sua comunidade.
•Para que haja permanente motivação, os participantes precisam
sentir que a avaliação tem valor, conseqüências, utilidade, não
só para a instituição, mas, sobretudo, para todos os membros
da comunidade.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
•Os participantes devem assumir o compromisso de fazer da
avaliação um fecundo processo de aprendizagem, de crescimento
social e de melhoramento institucional. Mesmo que a maioria
dos participantes não tenha conhecimentos técnicos e
experiências anteriores como sujeitos ativos de avaliação, deve
haver o compromisso geral de aprender o suficiente para o
desenvolvimento de um rigoroso e justo processo.
•Por parte da instituição, devem ser assegurados os meios
necessários, não só de infra-estrutura e tempo, como também e
principalmente de liberdade de expressão.
Relações da avaliação participativa com a regulação
A avaliação participativa é fundamental para a socialização e
democratização dos processos que visam ao fortalecimento institucional
e, sobretudo, à dinamização da educação a partir de conhecimentos
coletivamente adquiridos e de compromissos comuns bem fundamentados.
As reais e mais duradouras transformações em educação só se realizam
quando há um envolvimento dos agentes, isto é, quando os membros de
uma instituição educativa se sentem solidariamente comprometidos com
as mudanças qualitativas. Os processos de reflexão, crítica e discussões
coletivos são um exercício de aprofundamento da autonomia cidadã
e institucional. Por outro lado, nenhuma transformação consistente e
duradoura pode haver em educação se simplesmente vier impulsionada
por dispositivos legais e burocráticos e não contar com a adesão e o
comprometimento dos sujeitos concernidos para a solução dos problemas
que lhes dizem respeito.
Uma instituição educativa é, por princípio, uma instituição destinada
à construção e ao aprofundamento da cidadania. O princípio da igualdade
democrático-republicana garante a todos o acesso ao conhecimento e à
formação como bens públicos e condição primeira de cidadania, pela qual
os sujeitos sociais participam ativamente da produção de uma sociedade.
O exercício da cidadania é uma prática de produção da autonomia,
tanto individual como social, que é ao mesmo tempo a construção dos
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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significados públicos de uma sociedade regida por leis e movida por projetos
democráticos. Esses projetos incluem o desenvolvimento material, mas
também o fortalecimento das dimensões psicossociais e éticas do sujeito
social. Há uma relação de mútua implicação entre a esfera privada da
cidadania, que consiste nos direitos de ação individual nos limites da lei, e
da cidadania pública, que diz respeito à participação política dos cidadãos,
isto é, segundo Habermas, o “direito de participar nos processos de formação
comum da vontade política” (HABERMAS, 2003: 41).
Portanto, a autonomia da comunidade educativa não é absoluta nem
auto-referida. Educação é um fenômeno que interessa a toda a sociedade. Por
isso, as instâncias públicas de cidadania e do Estado têm não só o direito
como também o dever de conhecer e avaliar os agentes, as instituições, as
atividades, os processos, as idéias, os programas, enfim, tudo o que diz respeito
à educação, bem como estabelecer demandas normas, critérios, objetivos e
políticas. Há uma relação de interatuação entre a autonomia e a heteronomia,
uma dimensão não existindo sem a outra.
Assim, as avaliações internas, protagonizadas pelos sujeitos de uma
comunidade educativa, devem ser complementadas por avaliações
externas, protagonizadas pelo Estado, com a colaboração dos setores
concernidos à sociedade civil. Ao Estado, cabe elaborar e executar as
políticas de avaliação com fins de conhecimento e de regulação do
sistema educativo, para assegurar a qualidade e os objetivos requeridos
pela sociedade. Para pôr em prática os processos de avaliação e regulação,
o Estado cria suas agências apropriadas e conta com a colaboração técnica
e política de membros da comunidade acadêmica e científica, e mesmo
de outros agentes sociais que tenham condições de colaborar com esses
processos, tais como participantes de sindicatos, políticos, professores
de educação básica, etc.
Quanto mais ampla, qualificada, organizada e intensa for a participação,
maiores as possibilidades de a avaliação ser útil e produzir os efeitos desejados.
Para assegurar a motivação, é importante que a comunidade educativa
sinta confiança nas lideranças institucionais. Quanto mais se consolidam
os processos avaliativos, mais possibilidades surgem de fortalecimento dos
códigos de legitimidade técnica e ética, de aprofundamento da concepção
social da instituição e de produção de acordos a respeito dos objetivos
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
comuns. As divergências e contradições só enriquecem o processo, pois são
aspectos essenciais dos processos sociais de construção dos indivíduos e das
comunidades.
Dessa forma, estabelece-se uma interatuação entre agentes internos e
externos, entre avaliação formativa e regulação. A avaliação assim concebida
é responsabilidade de todos, porém, de forma organizada e com normas e
regras que sejam do conhecimento geral, respeitando sempre os respectivos
papéis, as competências e os objetivos, bem como as formas e instrumentos
adequados a cada processo.
Articulação
As idéias anteriores sugerem que a avaliação participativa é, em vários
sentidos, um importante instrumento de articulação. Ela é um processo
relacional que articula o corpo social, as diversas funções, dimensões e
estruturas institucionais, os meios e os fins, os instrumentos e os momentos,
etc. Como atitude heurística, a avaliação busca compreender, por meio de
aproximações, a totalidade de uma instituição. Não que o todo institucional
vá se desvelar com toda a clareza e em plenitude àqueles que participam da
avaliação. O que se espera é produzir alguns conhecimentos e julgamentos
sobre as diversas dimensões — corpo social, ensino, pesquisa, extensão, infraestrutura, gestão, relações com a sociedade, projetos e realizações, etc. —, não
isoladamente, mas articuladamente.
A expectativa é de constituir uma imagem mais ou menos unitária
e global a respeito de uma instituição ou de um curso, estabelecendo as
relações de compreensão entre as partes e o todo. Se “tudo está em tudo
e reciprocamente”, segundo a fórmula de Pascal, não se pode conhecer
bem as partes, sem considerar o todo, e vice-versa. Kosik diz o seguinte a
respeito dessa relação todo-partes:
A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram
em relação de interna interação e conexão entre si com o todo, mas também que
o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto
que o todo se cria a si mesmo na interação das partes (KOSIK, 1986: 42).
A educação superior, se não pode descurar das urgências das
demandas imediatas, uma delas a capacitação técnica, não pode deixar
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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de realizar-se como um projeto de largo prazo. O tempo da educação é
o tempo alargado da produção do presente e da construção do futuro,
então, da tessitura de sentidos, que nem sempre podem ser conhecidos
objetivamente e tampouco são claramente previsíveis.
Por exemplo, o ensino deverá ser visto em suas relações com a
pesquisa, com a missão institucional, com a responsabilidade social e
assim por diante. Assim, não será objeto somente de verificação ou de
medida, mas se deve buscar avaliar os meios e os resultados do ensino
em relação à filosofia educativa da instituição, à formação de cidadãos
e profissionais, à relação entre professores e estudantes, à produção de
conhecimentos e o seu valor social e científico. A avaliação do ensino
deve pôr em questão a articulação da graduação com a pós-graduação
e com a extensão, a coerência do currículo, as relações de um curso
com outros, etc. A avaliação, então, não deve isolar aspectos que só
poderiam ser compreendidos se relacionados com os demais. Pelo ato
de simplificar, separar, eliminar os problemas que extrapolam o objeto
reduzido a uma só de suas dimensões, só se vê aquilo que o paradigma
positivista determina restritivamente que se veja.
A articulação não se refere somente ao objeto da avaliação, mas também
aos instrumentos utilizados e aos sujeitos. Instrumentos iguais podem servir
a objetivos diferentes. Por isso é que se deve considerá-los vis-à-vis de seus
princípios e de seus objetivos. Também os tipos de atuação dos sujeitos
precisam ser considerados em face das bases epistemológicas e filosóficas e
dos objetivos políticos da avaliação. Esse tema já foi ligeiramente tratado
anteriormente, quando foi apresentada a importância e as características da
participação. Aqui caberia acrescentar algumas palavras a respeito do sentido
formativo dos processos de avaliação. A idéia principal a ser destacada é
que a avaliação, como processo social, tem uma grande potencialidade de
socialização e, portanto, de formação de sujeitos sociais ou de cidadãos. Por
isso, deve fazer parte essencial dos processos gerais de formação que uma
instituição organiza.
A avaliação assim se constitui também em mais um espaço de crítica
e um processo de formação que inclui dimensões técnico-científicas e,
principalmente, ético-políticas. Muito mais que medir, constatar, verificar
e checar, a avaliação deverá, coletivamente, interrogar e construir respostas,
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
ainda que não definitivas. Poderíamos, então, considerar a avaliação não
como um simples programa — algo que fixa os atos em conformidade ao que
já foi pensado antes e não suportam bem as mudanças e as incertezas —, mas
como estratégia, que projeta valores e age tendo em conta as interveniências
e as modificações que ocorrem por força das ações.
São os processos vitais, comunicacionais, que constroem os significados,
que alimentam a consciência do sujeito em relação com o objeto. Nessa relação,
sujeito e objeto modificam-se. Nela emergem sentidos não evidenciados
previamente, o campo se enche de incertezas e se amplia em múltiplas
referências e contradições, ou seja, sentidos de mútuas implicações.
Entender o humano como complexo implica admitir que o
conhecimento e a formação, bem como as relações do sujeito com a
sociedade, jamais podem caber em esquemas de explicação simples e de
medidas de quantidade. Lá onde as medidas e as explicações encerram o
pensamento, também pululam as incertezas, as questões pertinentes ao
mérito e ao valor, enfim, as negociações de sentido. Só com a emergência
das interrogações, e com as produções de significados que articulam
diferentes dimensões, se realiza plenamente a avaliação.
A educação superior, se não pode descurar das urgências das demandas
imediatas, uma delas a capacitação técnica, não pode deixar de realizar-se como
um projeto de largo prazo. Assim, não basta verificar o que já foi produzido,
mas é importante atentar para seus sentidos em relação ao que ainda não pode
ser observado. Os significados dos eventos, dos produtos e das ações postos
à análise não devem conceber-se fora dessa dimensão prospectiva de futuro.
Quais são os valores científicos e sociais que estão sendo promovidos no
ensino, na produção de conhecimentos, na extensão? Como essa instituição
está respondendo às principais demandas da sociedade ou da comunidade
local? Enfim, que tipo de formação e de compromisso social está sendo
produzido? Que futuro se espera construir por meio dessas atividades
formativas?
A avaliação pode constituir-se em um importante instrumento de
conhecimento da realidade institucional e de organização das potencialidades
e das ações pertinentes a levar a instituição educativa a exercer, com mais
qualidade e eficácia, as suas funções científicas e sociais. Para isso, é muito
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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importante que haja uma ampla e democrática participação da comunidade
universitária e que os processos avaliativos tenham um forte sentido de
integração.
Isto coincide com o determinado no artigo 4ª da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN): a União “instituirá o Sistema Nacional
de Avaliação e estabelecerá os mecanismos necessários ao acompanhamento
das metas constantes do Plano Nacional de Educação”. Por sua vez, o Plano
Nacional de Educação definiu 23 objetivos e metas para a educação superior,
entre os quais: “institucionalizar um amplo e diversificado sistema de avaliação
interna e externa que englobe os setores público e privado, e promova a
qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica”.
A articulação efetivamente realizada constrói um sistema, isto é,
um conjunto coerente de idéias, processos, procedimentos e sujeitos
interdependentes e em constante interação, buscando alcançar objetivos
comuns. A construção de um sistema nacional de avaliação da educação
superior, segundo princípios democráticos, entre os quais o respeito à
diversidade e à identidade das instituições, requer um trabalho de construção
de mundos de sentidos contextualizados.
Essa construção de sentidos empreendidos em cada uma das
instituições é sempre um processo aberto de comunicação entre
sujeitos. Portanto, não pode ter a pretensão de oferecer a palavra da
verdade definitiva e universal, que nega as verdades que se inscrevem na
polifonia e nos consensos locais e parciais e impede as possibilidades
de renovação dos diálogos. Antes de ser uma palavra final que encerra
qualquer discussão, a avaliação deve ser um processo que energiza uma
ecologia de idéias, interrogações, valores, interpretações do mundo. Os
processos de comunicação, como é o caso da avaliação, que sempre se
inserem numa rede social de discursos e conhecimentos, extravasam os
limites das concepções tecnicistas.
Como processo de conhecimento e interpretação do mundo gerado
em contextos dinâmicos de comunicação, portanto, como processo
científico, cultural e político, a avaliação é socialmente construída. Assim,
incorporando como essenciais a negociação de sentidos, as diferenças
e a subjetividade, a avaliação constrói processos sociais ao mesmo
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
tempo que por eles é construída. O sujeito cognitivo nem é totalmente
passivo ante o objeto, nem é todo poderoso para construir livremente o
conhecimento da realidade posta como objeto. Como construções sociais,
os processos avaliativos são produzidos por comunidades científicas,
culturais e políticas. Dentro dessas comunidades, as interações não são
lineares, a linguagem não é unívoca, os valores não são homogêneos,
os significados não são fechados. Longe de isso ser negativo à ciência, é
sua ampliação e seu enriquecimento. Os questionamentos e as reflexões
sobre os problemas são fonte importante de renovação e transformação
das culturas institucionais.
Os projetos humanos construídos socialmente abrem o presente
para o futuro e isso, ao mesmo tempo, é um processo de construção da
subjetividade humana. “Tornar-se um ser humano consiste em participar
em processos sociais compartidos, nos quais emergem significados,
sentidos, coordenações e conflitos”. (SCHINITMAN, 1996: 17).
Ao se referir à educação, portanto, à elevação da condição humana
e à construção da sociedade, a avaliação há de ser democrática. Deve ser
uma prática coletiva, amplamente participativa e plural — inserida nos
processos de construção da comunidade educativa — a envolver, como
co-responsáveis, todos os sujeitos da educação. Nesse sentido, a avaliação
assume-se como processo de construção de sujeitos críticos e ativos,
mas também conscientes dos limites da vida social. Essa pode ser outra
maneira de dizer que a avaliação tem um papel ético-político e contribui
para a construção da autonomia e da cidadania.
Avaliação como instrumento da formação cidadã e do desenvolvimento da sociedade
democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação
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KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
SCHINITMAN, Dora Fried. Introdução: ciência, cultura e subjetividade.
In: SCHINITMAN, D. F. (org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade.
Porto Alegre: Artmed, 1996.
VIAL, M. Se former pour évaluer. Se donner une problématique et élaborer
des concepts. Bruxelles: De Boeck Université, 2001.
38|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
O processo de implementação das C omissões
Próprias de Avaliação (CPAs): ações desenvolvidas
e perfil dos coordenadores
Vicente de Paula Almeida Júnior*
Introdução
A proposta de criar um órgão de representação acadêmica para conduzir
a avaliação interna (ou auto-avaliação) das instituições de nível superior
surgiu em agosto de 2003, a partir dos estudos realizados pelos membros da
Comissão Especial da Avaliação da Educação Superior (CEA) — presidida
pelo professor José Dias Sobrinho —, cujos resultados estão sintetizados no
documento Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes):
bases para uma nova proposta da educação superior.
Nesse documento, a CEA recomendou uma comissão — vinculada ao
órgão colegiado superior da instituição, responsável pela avaliação interna —,
denominada de Comissão Central de Avaliação (CCA). E também a
criação de Comissões Setoriais de Avaliação (CSAs), para as instituições que
possuem atividades mais complexas e em muitas áreas do conhecimento.
De acordo com a proposta formulada naquele ano, cada instituição
desenvolveria uma auto-avaliação, que se completaria a cada três anos,
sendo o primeiro instrumento a ser incorporado ao conjunto de
instrumentos constitutivos do processo global de regulação e avaliação. Na
base dessa proposta, concebia-se que o processo de auto-avaliação era de
responsabilidade da instituição e, por isso, dependia da efetiva participação,
nas discussões e nos estudos, da comunidade interna e de setores sociais
mais diretamente envolvidos com o trabalho das Instituições de Educação
Superior (IES).
* Doutor em Educação pela Unicamp/FE. Consultor Especialista em Avaliação Institucional
Inep/MEC/Unesco.
|39
Da proposta inicial, elaborada e apresentada pela CEA em agosto
de 2003 ao ministro de Estado da Educação, até a aprovação da Lei
10.861 de 14 de abril de 2004, que instituiu o novo Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), ocorreram algumas
mudanças resultantes das contribuições dos diferentes segmentos
da sociedade, mas que não alteraram os princípios e as diretrizes
substanciais especificadas na proposta formulada.
Os procedimentos avaliativos do Sinaes, regulamentados pela
Portaria nª 2.051 de 9 de julho de 2004, integram três modalidades
de instrumentos de avaliação, aplicados em momentos diferenciados:
Avaliação das Instituições de Educação Superior (Avalies); Avaliação
dos Cursos de Graduação (ACG) e Exame Nacional de Avaliação
de Desempenho dos Estudantes (Enade). O Enade aplica-se aos
estudantes do fim do primeiro e último ano do curso, utilizando
procedimentos amostrais. A ACG avalia cursos de graduação por
meio de instrumentos e procedimentos que incluem visitas in loco
de comissões externas.
A Avalies, por sua vez, desenvolve-se em duas etapas principais:
a auto-avaliação, coordenada pelas Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs), com a função de conduzir os processos de avaliação internos
das Instituições de Educação Superior (IES), públicas ou privadas; e
avaliação externa, realizada por comissões designadas pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Ambas as etapas, assim como o Enade e a ACG, são realizadas segundo
diretrizes estabelecidas pela Comissão Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Conaes).
Os requisitos básicos para a auto-avaliação, com base nas
orientações apresentadas pelo Inep e pela Conaes, por meio do
documento Roteiro de auto-avaliação institucional 2004, são:
existência de uma equipe de coordenação; participação dos integrantes
da instituição; compromisso explícito por parte dos dirigentes das
IES; informações válidas e confiáveis e o uso efetivo dos resultados.
A partir desses requisitos, cada IES, segundo a sua especificidade e
dimensão, organiza o seu processo interno de avaliação, prevendo
algumas etapas, entre as quais:
40|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
•primeira � preparação (constituição da CPA, sensibilização e
elaboração do projeto de avaliação);
•segunda � desenvolvimento (ações, levantamento de dados e
informações, análise das informações);
•terceira � consolidação (relatório, divulgação e balanço crítico).
O presente texto foca a primeira etapa, ou seja, a constituição
das CPAs. Seu propósito é o de levantar alguns dados e informações
acerca da constituição dessas Comissões. Para isso, reúnem-se — a
partir de documentação impressa e eletrônica, cadastro eletrônico
enviado pelas IES, observação e participação nos diversos seminários
regionais promovidos pelo Inep — algumas informações e questões
relacionadas, concretamente, com o processo de implementação
das CPAs.
O que ora se apresenta, busca registrar das ações desenvolvidas
à preparação e constituição das CPAs e os resultados obtidos até o
presente momento, em especial: (i) posição dos cadastramentos; (ii)
perfil dos coordenadores; (iii) avaliação da etapa de sensibilização
— seminários regionais e (iv) principais questões ou dificuldades
levantadas pelos participantes envolvidos no processo.
Ações desenvolvidas
As ações realizadas para a implementação das CPAs ocorreram em diferentes
momentos, que podem ser registrados em algumas etapas, entre elas:
•cadastro eletrônico das CPAs;
•etapa de sensibilização — os seminários regionais.
Cadastro eletrônico das CPAs
De acordo com o disposto no art. 11 da Lei nª 10.861/2004, cada
instituição, independentemente de sua categoria administrativa, pública
ou privada, deve constituir uma CPA com as atribuições de coordenar os
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|41
processos de avaliação interna da instituição, de sistematizar e de prestar
as informações solicitadas pelo Inep.
Para efetivar essa etapa de formação das Comissões, e ao mesmo
tempo efetivar um canal de comunicação contínuo, todas as Comissões
Próprias de Avaliação (CPAs) são cadastradas mediante o preenchimento
de um formulário eletrônico disponibilizado no sítio do Inep. Por
meio dele, o pesquisador institucional de cada IES fornece os dados e
informações da composição da CPA, como por exemplo, informações
sobre o coordenador da CPA, nome da IES a que pertence, segmento que
representa, escolaridade ou titulação do coordenador, endereço eletrônico,
telefone, tipo e número do documento que institui a Comissão, data de
publicação, data do cadastramento no sítio do Inep, unidade federativa,
região, categoria administrativa e sobre o número total dos membros que
compõem a Comissão por segmento.
A composição de cada CPA, segundo a Portaria nº 2.051/2004, deve
incluir a presença de vários segmentos da comunidade acadêmica (docente,
discente e técnico-administrativo) e da sociedade civil organizada. As
definições quanto à quantidade de membros, forma de composição, duração
do mandato, dinâmica de funcionamento e ao modo de organização das
atividades devem ser objeto de regulação própria e aprovadas pelo órgão
colegiado máximo da instituição.
Etapa de sensibilização: os seminários regionais
Com o objetivo de orientar as atividades para a execução do processo
de implementação do Sinaes, a Conaes e o Inep promoveram seminários
regionais sobre a avaliação da educação superior. Esses seminários destinaramse a reunir os coordenadores das CPAs para sensibilizá-los em relação aos
aspectos teórico-conceituais, éticos, legais e operacionais contidos no Sinaes,
enfatizando, especialmente, o processo de auto-avaliação.
O principal objetivo foi o de assegurar aos coordenadores das CPAs
a compreensão do novo sistema de avaliação, por meio de:
•conhecimento dos textos legais, Lei nª 10.861/2004, Portaria nª
2.051/2004;
42|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
•conhecimento e estudo dos documentos, entre eles, Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes): da
concepção à regulamentação, Diretrizes para a avaliação das
Instituições de Educação Superior, orientações gerais para o
roteiro de auto-avaliação das instituições;
•palestras com especialistas em avaliação da educação superior;
•debates entre os coordenadores das CPAs, da Conaes e do Inep;
•trabalhos em grupo com os coordenadores durante a realização
do evento para tratar, em específico, da operacionalização
(organização e planejamento) do processo auto-avaliativo nas
IES.
No segundo semestre de 2004 o Inep, com a Conaes, realizaram, nas
diferentes Regiões do Brasil, quatro seminários: Centro-Oeste (na cidade
de Brasília); Regiões Norte, Nordeste e Sudeste – menos o Estado de São
Paulo (na cidade de Belo Horizonte); Região Sudeste (somente para o
Estado de São Paulo) e região Sul (na cidade de Florianópolis). Além da
participação da Conaes, do Inep e da equipe de técnicos e consultores
especializados, participaram desses eventos, aproximadamente, 1.600
coordenadores. Em média, foram 400 por evento, representando as 2.162
instituições existentes no País.
A programação dos seminários, comum em todos as regiões, dividiuse, durante a sua realização, em dois dias de atividades. Nesses dias,
ocorreram palestras, reuniões dos grupos de trabalho e a avaliação do
evento pelos próprios participantes.
As palestras foram proferidas por diferentes especialistas, entre eles:
os professores Dilvo Ristoff (diretor Deaes/Inep), Hélgio Trindade
(presidente Conaes), José Dias Sobrinho (membro Conaes), Silke Weber
(UFPE), Amir Liama (Inep), Iara Xavier (Inep) e Ilton Benoni (Inep).
Trataram, em geral, sobre os princípios, a concepção e as dimensões do
Sinaes, destacando o papel da auto-avaliação.
Dados da CPA – Posição dos cadastramentos – Deaes/Inep/MEC, 2004.
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|43
A reunião dos grupos de trabalho teve a presença de um membro
assessor da equipe organizadora do seminário e de 20 coordenadores de
CPAs, sendo um deles coordenador e um outro, relator do grupo.
Num primeiro momento, os membros do grupo relataram as
experiências com a avaliação institucional, a situação do Sinaes nas IES
e a forma de composição das Comissões.
Num segundo, organizaram um planejamento, prevendo cronograma
até o fim de dezembro de 2004, para desencadear ações a serem
desenvolvidas nas IES com o objetivo de sensibilizar a comunidade e
legitimar a projeto de auto-avaliação. Os diversos grupos, por meio de
seus relatores, sistematizaram, cada um ao seu modo, o planejamento.
Esse foi encaminhado à plenária geral, explicitando as ações previstas e
relatando as principais questões ou dificuldades levantadas. Finalmente,
num terceiro momento, os participantes realizaram a avaliação do
seminário, mediante o preenchimento de um formulário impresso
contento questões acerca do evento.
Principais questões
A lista, a seguir, expõe, de um total de 189 questões formuladas, as
dez mais citadas em relação ao processo de implementação das CPAs
— explicitam, no seu conteúdo, as reflexões, dúvidas e dificuldades
levantadas.
1. A formação das CPAs é fundamental no desenvolvimento da
avaliação na instituição. Haverá um acompanhamento para
assessorar a formação delas ou consideram que essa representação
aqui presente venceu essa etapa?
2. Como será a relação entre o poder das mantenedoras e a
autonomia das CPAs?
3. Até que ponto as comissões de avaliadores externos considerarão
os resultados da auto-avaliação na avaliação institucional?
4. As CPAs são os olhos do MEC dentro das IES?
44|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
5. Haverá subsídios financeiros para as IES públicas, como um
meio de viabilizar o processo de avaliação institucional?
6. Como será a relação entre o Sinaes e os Sistemas Estaduais
de Ensino? Quais os procedimentos a serem adotados pelas
instituições vinculadas aos Sistemas Estaduais?
7. Como cobrar a participação do membro da sociedade civil
organizada?
8. Como fazer para que as mantenedoras apóiem os trabalhos das
CPAs, garantindo recursos necessários?
9. Como sensibilizar a comunidade acadêmica para a autoavaliação em prazo tão curto e, ainda, considerando a visão
“patrimonialista” das mantenedoras?
10. O fortalecimento da Instituição não ficou enfraquecido em
razão do poder do Estado no acompanhamento das IES?
Avaliação dos seminários regionais
Além da exposição das questões, ou dúvidas, levantadas durante a
plenária geral, os coordenadores realizavam a avaliação dos seminários por
meio de questionários. Cada um contém nove perguntas, tratando sobre
vários aspectos do seminário, como os objetivos, programação, palestras,
instalações, etc. Após o seu preenchimento, esses são encaminhados à
equipe organizadora do evento, totalizando 769 questionários, sendo: 276
no seminário realizado em Brasília; 275 em São Paulo e 218 no seminário
realizado em Belo Horizonte. As informações contidas na tabela 1
informam o número e a porcentagem de satisfação dos participantes em
relação aos propósitos do evento.
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|45
Tabela 1 — Número e porcentual da avaliação
dos seminários regionais/2004
Em nada
Muito pouco
a) O objetivo do
Parcialmente
Seminário foi
Muito
alcançado?
Plenamente
Sem informação
Total
Em nada
Muito pouco
b) A programação foi Parcialmente
adequada em relação Muito
Plenamente
ao objetivo?
Sem informação
Total
Em nada
Muito pouco
c) As palestras
Parcialmente
contribuíram para
Muito
o objetivo do
Plenamente
Seminário?
Sem informação
Total
Em nada
Muito pouco
d) Os grupos de
Parcialmente
trabalho contribuíram
Muito
para o objetivo do
Plenamente
Seminário?
Sem informação
Total
Em nada
e) O Seminário
Muito pouco
proporcionou
Parcialmente
compreensão sobre
Muito
Plenamente
as diretrizes do
Sem informação
Sinaes?
Total
Número
5
61
312
289
98
4
769
7
99
315
253
88
7
769
14
80
248
283
131
13
769
4
45
159
341
211
9
769
4
35
201
339
184
6
769
%
0,6%
7,9%
40,5%
37,5%
13%
0,5%
0,9%
12,8%
40,9%
33%
11,5%
0,9%
1,8%
10,4%
32,2%
36,9%
17%
1,7%
0,5%
5,8%
20,6%
44,4%
27,5%
1,2%
0,5%
4,5%
26,1%
44,1%
24%
0,8%
continua
46|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
conclusão
f) O Seminário
possibilitou a
compreensão sobre as
dimensões do roteiro
de auto-avaliação
institucional?
g) O Seminário
possibilitou a
compreensão de
outros instrumentos
de avaliação do
Sinaes?
h) Você ficou
satisfeito com
o trabalho
desenvolvido no
Seminário?
i) As instalações
estavam adequadas
ao tipo e ao tamanho
do evento?
Em nada
Muito pouco
Parcialmente
Muito
Plenamente
Sem informação
Total
Em nada
Muito pouco
Parcialmente
Muito
Plenamente
Sem informação
Total
Em nada
Muito pouco
Parcialmente
Muito
Plenamente
Sem informação
Total
Em nada
Muito pouco
Parcialmente
Muito
Plenamente
Sem informação
Total
14
75
271
289
112
8
769
18
125
313
238
66
9
769
07
74
288
306
86
8
769
116
244
175
118
112
4
769
1,8%
9,8%
35,2%
37,6%
14,6%
1%
2,3%
16,4%
40,7%
31%
8,5%
1,1%
0,9%
9,6%
37,4%
39,9%
11,2%
1%
15%
31,7%
22,8%
15,4%
14,6%
0,5%
Fonte: Deaes/Inep/MEC.
Destacando-se os maiores números de cada item ou pergunta
formulada por meio dos questionários, observa-se:
a) 51,7% afirmaram muito e plenamente que o objetivo do
seminário foi alcançado e 47,2% muito pouco e parcialmente;
b) 40,9% responderam que a programação não estava adequada
aos objetivos do seminário;
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|47
c) mais da metade dos participantes respondeu que as palestras
contribuíram para o objetivo do Seminário;
d) o maior número de participantes avaliou positivamente os
trabalhos de grupo. Somando os resultados muito e plenamente,
esse número aumenta para 71,9% em contraposição aos 26,4%
que responderam muito pouco e parcialmente;
e)44,1% afirmaram que o seminário possibilitou a compreensão
das diretrizes sobre o Sinaes;
f) 52,2% entre muito e plenamente responderam que o seminário
possibilitou a compreensão do roteiro de auto-avaliação
— em contrapartida, 45% responderam muito pouco e
parcialmente;
g) 40,7% responderam que o seminário proporcionou parcialmente
o conhecimento dos outros instrumentos de avaliação;
h) com relação ao número de satisfação aos trabalhos desenvolvidos
no seminário, 51,1% responderam muito e plenamente e 47%
muito pouco e parcialmente;
i) grande insatisfação com as instalações físicas onde se realizavam
os eventos.
Perfil dos coordenadores das CPAs
Encontram-se cadastrados, até o fim de dezembro de 2004, 1.831 CPAs,
o que equivale a 84% das instituições de todo o sistema de educação
superior. Nas IES sem cadastro (16%), incluem-se as recentemente
credenciadas e as instituições vinculadas ao Sistema Estadual, onde está
em andamento, em parceria com a Conaes, acordo de cooperação para
integrar ao Sinaes. As tabelas apresentadas nas próximas páginas deste
texto informam sobre o perfil dos coordenadores.
Em anexo está o cruzamento das tabelas construídas.
48|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Pode-se observar que a maioria dos coordenadores de CPAs cadastrados
é de instituições privadas (90%). Os coordenadores de instituições públicas
representam 10% do sistema. Isso pode ser explicado a partir dos dados
revelados pelo Censo 2003, cujos resultados informam que as instituições
de nível superior brasileiras, de acordo com a sua categoria administrativa,
são, em sua grande maioria, instituições privadas (88,9%).
Tabela 2 — Número e porcentual de coordenadores
de CPAs por categoria administrativa/2004
Coordenadores
por categoria
administrativa
Instituição privada
Instituição pública
Federal
Estadual
Municipal
Total
Número
%
1664 90%
167 10%
84
5%
46
3%
37
2%
1831 Fonte: Deaes/Inep/MEC.
De acordo com a organização acadêmica, 1.348 membros coordenadores
são de faculdades isoladas e institutos de educação superior, geralmente
instituições de pequeno porte, representando 74% das instituições.
Tabela 3 — Número e porcentual de coordenadores
de CPAs por organização acadêmica/2004
Coordenadores
por organização
acadêmica
Faculdades isoladas
Instituto de Educação Superior
Universidade
Centro de educação tecnológica
Faculdades integradas
Centro universitário
Total
Número
%
1176 64%
174 10%
157
8%
121
7%
110
6%
93
5%
1831 Fonte: Deaes/Inep/MEC.
Ver Censo da Educação Superior: 2003 – resumo técnico. Brasília: Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2004.
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|49
Quanto ao número de coordenadores por Região, a Região Sudeste
concentra 50% dos cadastros, com 911 coordenadores. Em seguida,
aparecem as regiões Sul com 322, Nordeste com 290, Centro-Oeste com
204 e a Região Norte com 104 coordenadores cadastrados.
Tabela 4 — Número e porcentual de coordenadores
de CPAs por Região/2004
Coordenadores
por Região
Sudeste
Sul
Nordeste
Centro-Oeste
Norte
Total
Número
%
911 50%
322 17%
290 16%
204 11%
104
6%
1831 Fonte: Deaes/Inep/MEC.
Considerando o segmento que representa, observa-se que 62,3% dos
coordenadores são docentes.
Tabela 5 — Número e porcentual de coordenadores
de CPAs por segmento/2004
Coordenadores por
segmento
Docentes
Administrativo
Sociedade civil
Discente
Total
Número
1142
658
26
5
1831
%
62,3%
36%
1,4%
0,3%
Fonte: Deaes/Inep/MEC.
Em relação ao grau de escolaridade ou nível de titulação, nota-se
o predomínio da presença de coordenadores docentes com o título de
mestre, seguidos pelos especialistas e doutores.
50|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Tabela 6 — Número e porcentual de coordenadores
de CPAs por escolaridade ou titulação/2004
Coordenadores por
escolaridade ou
titulação
Mestre
Especialista
Doutor
Graduação
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Número
%
771 42,1%
551 30,1%
276 15,1%
204 11,1%
24 1,3%
3 0,2%
2 0,1%
1831 Fonte: Deaes/Inep/MEC.
O número total de coordenadores em relação ao gênero é quase
equilibrado, predominando, por pequena diferença, o gênero masculino
(4% a mais em relação ao gênero feminino).
Tabela 7 — Número e percentual de coordenadores
de CPAs por gênero/2004
Coordenadores
por gênero
Masculino
Feminino
Total
Número
%
952
52%
879
48%
1831 Fonte: Deaes/Inep/MEC.
Por último, constata-se que a Portaria é o principal documento
expedido pelo dirigente máximo das IES para registrar o cadastro dos
coordenadores de CPAs.
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|51
Tabela 8 — Número e porcentual
de CPAs por documento encaminhado/2004
Coordenador
por documento
encaminhado
Portaria
Ata
Resolução
Ato administrativo
Ofício
Total
Número
%
1268
69%
241
13%
169
9%
115
6%
38
2%
1831 Fonte: Deaes/Inep/MEC.
Considerações finais
As ações desenvolvidas permitiram levantar alguns números e
informações a respeito da posição dos cadastramentos das CPAs, do
perfil dos coordenadores, das principais questões levantadas durante a
realização dos seminários e da avaliação realizada pelos participantes da
etapa de sensibilização. São informações iniciais de uma das etapas da
avaliação da educação superior — portanto, inacabadas — para subsidiar
o acompanhamento e a reflexão do processo de implementação do novo
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
Referências Bibliográficas
COMISSÃO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR (CONAES/MEC). Diretrizes para a avaliação das instituições
de educação superior. Brasília: 2004, 48 p.
COMISSÃO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR (CONAES/MEC); INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS
E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP/MEC).
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes): roteiro
de auto-avaliação institucional 2004. Brasília: 2004.
52|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS
ANÍSIO TEIXEIRA (INEP/MEC). Comissão Própria de Avaliação (CPA):
posição dos cadastramentos. Brasília: 2004.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP/MEC). Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes): da concepção à
regulamentação. 2. ed. Brasília: 2004, 155 p.
Anexos
Coordenadores: segmento X organização acadêmica
Docentes
Administrativo
Sociedade civil
Faculdades isoladas
Universidade
Instituto de Educação Superior
Centro de educação tecnológica
Faculdades integradas
Centro universitário
Total
Faculdades isoladas
Instituto de Educação Superior
Centro de educação tecnológica
Faculdades integradas
Universidade
Centro universitário
Total
Faculdades isoladas
Instituto de Educação Superior
Centro de educação tecnológica
Faculdades integradas
Universidade
Centro universitário
Total
Número
%
728
64%
128
11%
85
7%
68
6%
67
6%
66
6%
1142 100%
422
64%
87
13%
51
8%
42
6%
29
4%
27
4%
658 100%
22
84%
2
8%
1
4%
1
4%
0
0%
0
0%
26 100%
continua
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|53
conclusão
Faculdades isoladas
Centro de Educação Tecnológica
Instituto de Educação Superior
Universidade
Faculdades integradas
Centro universitário
Total
Discente
4
1
0
0
0
0
5
80%
20%
0%
0%
0%
0%
100%
Coordenadores: segmento X titulação
Docentes
Administrativo
Sociedade civil
Mestre
Especialista
Doutor
Graduado
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Especialista
Mestre
Graduado
Doutor
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Especialista
Graduado
Mestre
Doutor
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Número
%
591
52%
290
25%
219
19%
40
4%
0
0%
1
0%
1
0%
1142 100%
249
38%
172
26%
156
24%
54
8%
24
4%
2
0%
1
0%
658 100%
9
35%
8
31%
7
27%
2
7%
0
0%
0
0%
0
0%
26 100%
continua
54|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
conclusão
Discente
Especialista
Doutor
Mestre
Graduado
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
3
60%
1
20%
1
20%
0
0%
0
0%
0
0%
0
0%
5 100%
Coordenadores: titulação X organização acadêmica
Faculdades
isoladas
Instituto de
Educação
Superior
Universidade
Mestre
Especialista
Doutor
Graduado
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Mestre
Especialista
Graduado
Doutor
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Mestre
Doutor
Especialista
Graduado
Médio completo
Livre-docente
Fundamental completo
Total
Número
%
491
42%
390
33%
153
13%
128
11%
13
1%
2
0%
2
0%
1176 100%
60
34%
46
26%
40
23%
17
10%
11
7%
0
0%
0
0%
174 100%
66
42%
63
40%
22
14%
6
4%
0
0%
0
0%
0
0%
157 100%
continua
O processo de implementação das Comissões Próprias de Avaliação (CPAs): ações
desenvolvidas e perfil dos coordenadores
|55
conclusão
Mestre
Especialista
Graduado
Centro de educação Doutor
Livre-docente
tecnológica
Médio completo
Fundamental completo
Total
Mestre
Especialista
Graduado
Doutor
Faculdades
Livre-docente
integradas
Médio completo
Fundamental completo
Total
Mestre
Especialista
Graduado
Doutor
Centro
Livre-docente
universitário
Médio completo
Fundamental completo
Total
56|
60
50%
39
32%
14
11%
7
6%
1
1%
0
0%
0
0%
121 100%
43
39%
33
30%
24
22%
10
9%
0
0%
0
0%
0
0%
110 100%
49
53%
21
23%
15
17%
6
7%
0
0%
0
0%
0
0%
93 100%
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Desafios e necessidades que se apresentam às
Comissões Próprias de Avaliação (CPAs) das
Instituições de Educação Superior (IES), visando à
implementação do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Sinaes)
Wagner Bandeira Andriola*
Destacam-se, entre as reflexões acerca das principais dificuldades
da educação superior brasileira: o debate em torno da reforma da
universidade; a preocupação pelo estabelecimento de cotas para
descendentes afro-brasileiros e minorias; o dilema do ensino público
versus privado; o baixo nível de financiamento do ensino público e seu
conseqüente sucateamento e as tendências e os modelos da avaliação
educacional. São, todos eles, aspectos que vêm provocando discussões
nos diferentes fóruns, encontros, seminários e conferências — dos quais
participam importantes atores educacionais. Diante dessa gama de
desafios, pretendemos refletir acerca dos fundamentos e da concepção
do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), já que
a avaliação educacional é temática, ordinária e corrente, em particular,
no campo da educação superior.
Acerca do Sinaes, cabe citar Jaguerline Gama, que destaca:
O Sinaes é um sistema autônomo de supervisão estatal que busca integrar
dimensões internas e externas, particulares e globais dos diversos objetos e objetivos
de avaliação, propondo-se a ser somativo e formativo, quantitativo e qualitativo.
Sua função, explicitamente regulatória, tende a suprir a ausência do Estado, no
que diz respeito ao aprimoramento das IES, seus objetivos e funcionamento, e à
reorientação do Sistema de Educação Superior, de modo a atender à necessidade
de uma nação democrática e soberana. Sua vigência implica criar novas regras de
entrada, de permanência e de saída do sistema, comprometendo-se a não operar
*
Doutor em Educação pela Universidad Complutense de Madrid. Professor do Departamento de
Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do Núcleo de
Avaliação Educacional (Nave) do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC. Coordenador
de Análise Institucional e Avaliação (Pró-Reitoria de Planejamento).
|57
com a ideologia da competitividade, da concorrência e do sucesso individual,
admitindo explicitamente estar impregnado pela vontade de ajudar a construir
uma concepção de educação superior socialmente comprometida, em seus
objetivos e funções, oferecendo a garantia de se balizar, em termos conceituais
e políticos, por um conjunto de princípios, tais como o de que a educação é um
direito social e um dever do Estado. E que a vida das instituições de educação
deve se pautar por valores sociais historicamente determinados. Preceitua, ainda,
que a avaliação implica em regulação e controle e que sua prática social global,
legítima, contínua e educativa deve ter respeito à identidade e à diversidade.
Nesse âmbito de debates, em torno dos problemas supra-referidos, que
são levados a cabo pelo Ministério da Educação e pelos organismos de
financiamento da educação, o texto traz à baila reflexões acerca dos princípios,
objetivos, critérios e as das características mais marcantes do Sinaes, que,
enquanto modelo avaliativo, permitirá construir uma consciência nacional
em prol da implantação de uma nova cultura da avaliação institucional, a
partir da integração das dimensões interna e externa, particular e global,
somativa e informativa, quantitativa e qualitativa e os diversos objetos e
objetivos da avaliação, conforme o documento citado, do Sinaes.
Ao longo do estudo sobre o Sinaes, nota-se, facilmente, que esse se
fundamenta em princípios e objetivos ligados diretamente aos interesses
sociais da educação superior, cuja implementação deverá ser, portanto,
ensejada por todas as instituições de ensino superior, sejam de caráter público
ou privado.
Por exemplo, no caso da auto-avaliação das instituições de ensino superior,
essa atividade deverá ter caráter marcadamente participativo e democrático,
isto é, haverá que se buscar ampla mobilização dos setores componentes
dessas instituições educacionais para que, assim, seja possível a atuação
contundente dos seus membros: os docentes, os discentes e os servidores
técnico-administrativos.
Outros princípios que merecem destaque: busca pelo conhecimento
global da realidade educacional, que deve ser avaliado por meio de diversos
procedimentos metodológicos; adoção de indicadores quantitativos e
qualitativos, por conta da complementaridade e da riqueza de ambos;
preocupação pela ética da ação dos protagonistas, que deve estar
presente durante todo o desenrolar da atividade avaliativa; afirmação da
prescindibilidade de comparar-se as Instituições de Ensino Superior (IES),
58|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
ou seja, a comparação que se deve fazer entre o estado atual das IES
e o seu passado imediato, com vistas ao planejamento das suas ações
institucionais futuras.
Outrossim, cabe destacar que o Sinaes integra três diferentes
métodos, ou instrumentos, para avaliar aspectos ou dimensões da
realidade educacional. O primeiro deles é a avaliação dos cursos de
graduação — avalia os cursos de graduação por meio de instrumentos
e procedimentos que incluem visitas, in sito, de comissões externas.
O segundo é a avaliação do desempenho dos estudantes — o Exame
Nacional de desempenho dos Estudantes (Enade) aplica-se aos
estudantes no fim do primeiro e do último ano do curso, estando
prevista a utilização de procedimentos amostrais.
O terceiro deles — a avaliação das instituições de educação superior,
que é o Centro de Referência e Articulação do Sistema de Avaliação —
desenvolve-se em duas etapas principais. A primeira delas é a autoavaliação, que deve ser coordenada pela Comissão Própria de Avaliação
(CPA) de cada IES. E a segunda etapa, a avaliação externa, deverá ser
realizada por comissões designadas pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), segundo diretrizes
estabelecidas pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Conaes).
Sendo coordenador da CPA – modéstia à parte – e de respeitável
instituição federal de educação superior, a Universidade Federal do
Ceará (UFC), que é referência no âmbito das Regiões Norte e Nordeste
do Brasil, enfocarei, a partir de agora, os desafios, as conseqüências
e as necessidades que se apresentam, ou que se vislumbram, nesse
momento, antecedente à auto-avaliação ou à avaliação institucional
propriamente dita.
Antes, porém, abordarei alguns aspectos inerentes às CPAs.
Funções e papéis das CPAs
De acordo com o documento da Conaes intitulado Diretrizes para
a avaliação das instituições de ensino superior, publicado em 26 de
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES), visando à implementação do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
|59
agosto de 2004, as Comissões Próprias de Avaliação integram o Sinaes.
Estabelecem as CPAs um elo com este último, ou seja, permitem associar
seu projeto específico de avaliação institucional ao conjunto do sistema
de educação superior do País.
Esclarece-se, ainda, no mencionado documento, que as CPAs são
responsáveis pela condução dos processos internos de avaliação, da
sistematização e da prestação das informações que venham a ser solicitadas
pelo Inep. Emerge, então, o papel crucial das CPAs na elaboração e no
desenvolvimento da proposta de auto-avaliação, em consonância com
os interesses da coletividade acadêmica. Ressalte-se, nesse momento, que
a CPA é um órgão de representação acadêmica e não da administração
da instituição educacional. Sendo assim, para assegurar sua legitimidade
perante a comunidade acadêmica, é recomendável que os partícipes ou
atores institucionais sejam consultados durante o processo de escolha
dos seus membros — o que me parece que não ter sido o caso, na maioria
das nossas instituições. Tal se faz necessário, pois sem o envolvimento
da comunidade, já a partir da escolha dos membros da CPA, a avaliação
deixará de caracterizar-se como atividade democrática e participativa.
Ainda no tocante à sua composição, deverá a CPA contar com a
participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica, bem
como de representantes da sociedade civil organizada. Aclare-se que
os órgãos colegiados superiores da instituição educacional definirão o
modo de organização, a quantidade de membros e a dinâmica do seu
funcionamento.
Após haver sido constituída a CPA, o seu funcionamento deverá prever
estratégias que levem em consideração as características intrínsecas da
instituição, seu porte e as experiências anteriores, no campo da avaliação
institucional.
Desafortunadamente, o caminho da CPA será bastante difícil, com
obstáculos, dificuldades e desafios inerentes à larga caminhada que se
vislumbra até a consecução da auto-avaliação institucional. A seguir, são
abordados alguns desses desafios.
60|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Principais desafios que se apresentam às CPAs
Como mencionamos, inúmeros desafios se apresentam à atuação das
Comissões Próprias de Avaliação, nesse caminhar rumo à execução da autoavaliação institucional. O primeiro deles, refere-se à imperiosa necessidade
de sensibilizar a comunidade interna acerca da temática. O segundo, tratará
do incentivo ao engajamento democrático dos atores institucionais.
Sensibilização da comunidade interna
A sensibilização da comunidade interna acerca da relevância da
avaliação institucional, deverá dar prioridade ao alcance de dois objetivos
absolutamente imprescindíveis ao seu êxito. O primeiro deles: incrementar
o grau de informação a respeito da nova sistemática avaliativa e, por
conseguinte, do novo paradigma teórico que a fundamenta.
Segunda exigência: destruir o mito da avaliação educacional como
sinônimo de punição e estabelecimento de ranking, conforme a nossa
colega Mara — ontem eu anotei suas palavras. Quer dizer, vai significar
um reaprendizado, uma reeducação dessa comunidade, a destruição de
antigas aprendizagens, descontaminação, desaprendizado.
Observamos, desse modo, que a tarefa de sensibilizar a comunidade
interna implicará, quase necessariamente, ou necessariamente, melhor
seria dito, em reeducá-la acerca dos fundamentos epistemológicos, teóricos
e éticos da avaliação educacional, dos seus conceitos e das funções
implícitas ou explícitas nesse ato. A sensibilização da comunidade interna
transforma-se, portanto, em atividade de natureza educativa.
Compreendemos a sensibilização como a atividade que ultrapassa a idéia de negociação, conforme
proposto por Requena. Segundo essa autora, a negociação é o critério inicial que deve ser enfatizado
quando se fala de avaliação institucional, caracterizada pelos diálogos e acordos subjacentes ao
processo avaliativo, cujos sujeitos implicados são os avaliadores e os atores institucionais. As
negociações deverão ser estabelecidas durante todo o processo de avaliação, com o objetivo de evitar
rejeições, reticências, prejuízos e falsas expectativas dos distintos coletivos da instituição educacional,
objeto da avaliação. A sensibilização tem todas essas características, porém é acrescida do princípio
da ação pedagógica, isto é, a idéia de que ao mesmo tempo em que se abrem espaços de discussão
entre os vários atores institucionais, aproveita-se para formá-los, numa visão humanista, ética e
técnica da avaliação educacional, desfazendo mitos e extinguindo estereótipos acerca da mesma.
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES), visando à implementação do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
|61
O segundo ato da sensibilização implicará um esclarecimento
à comunidade acadêmica de que a avaliação educacional, no novo
paradigma inaugurado com o surgimento do Sinaes, não significa
punição. É sinônimo, isto sim, de reflexão e de discussão coletiva,
revestindo-se, desse modo, no ponto de partida para o aprimoramento
institucional. Em outros termos, cabe aos atores institucionais buscar a
melhoria ou a otimização da realidade educacional, a partir de profunda
reflexão acerca dos resultados dessa atividade.
Deve-se destacar, ainda, que a reflexão acerca dos resultados revestese, por si só, em atividade propiciadora de certos câmbios individuais.
Por exemplo, pode-se imaginar o coordenador do curso de graduação
que, deparando-se com dados comprometedores acerca dos níveis de
evasão discente e reprovações verificadas em seu curso, adote posturas
diferenciadas tais como: tentar engajar mais fortemente os seus colegas
docentes na tarefa de acompanhamento dos recém-ingressados; planejar
atividades que visem a incrementar o grau de informação dos recémingressados acerca do curso, do currículo, das atividades de investigação,
extensão e monitorias; rever os conteúdos curriculares à luz das novas
tendências e necessidades sociais e do mercado de trabalho local, regional
e nacional; tentar fazer com que os colegas reflitam acerca da sua práxis
docente, visando a dotá-la de maior grau de compromisso institucional
e responsabilidade acadêmica.
Enfim, o exemplo representa os câmbios ou modificações que
poderão vir a ser observados e efetivados no nível micro, isto é, no nível
das individualidades e dos microespaços. No entanto, necessitamos que
essas transformações se dêem no nível macro. Como consegui-lo é o
que tentaremos abordar por meio da discussão presente no próximo
tópico.
Incentivo ao engajamento democrático dos atores institucionais
Efetivar mudanças na consciência institucional acerca do papel e da
relevância da avaliação educacional significará, na minha opinião, buscar
ampla mobilização acadêmica nas discussões que deverão acontecer no
âmbito interno da IES.
62|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Os espaços destinados aos seminários e encontros internos deverão
integrar, de modo democrático, os três grandes segmentos representativos
da IES, quais sejam, os discentes, os docentes e os servidores técnicoadministrativos. Buscar o apoio desses três grupos de atores institucionais
é tarefa imprescindível, que marcará a diferença entre o processo avaliativo
transparente, democrático e participativo e outro obscuro, centralizador
e antidemocrático.
As discussões internas que visem a dotar a comunidade acadêmica de
um rol de relevantes informações acerca da avaliação educacional, do seu
papel, das suas funções e dos seus princípios trarão consigo a mobilização
dos agentes dessa mesma comunidade. Fazendo a metáfora dessa situação
com o preparo de uma boa comida, é como se os ingredientes que dão
aroma e sabor começassem a ser adicionados pelo cozinheiro, aos poucos,
aos elementos básicos do prato em preparo. O aroma começará a revelar
sinais olfativos aos comensais, que deverão salivar e desejar saboreá-lo.
O sabor será observado somente após o preparo do prato. Nessa ocasião,
os comensais poderão deliciar-se com o mesmo.
Em tempo: o cozinheiro é a CPA e o prato principal é o resultado da
auto-avaliação institucional. Como um bom cozinheiro, a CPA deverá
preocupar-se em não deixar a comida queimar, ficar demasiadamente
salgada ou apimentada. Para tal, deverá intervir durante todo o processo
de seu preparo. Vê-se, portanto, outra relevante função da CPA: corrigir as
estratégias adotadas para a auto-avaliação institucional, durante a marcha
do próprio processo avaliativo. Para tal, há que se buscar a participação
dos atores institucionais, mediante a mobilização. Mobilizar significará,
assim, estabelecer estratégias de engajamento que possibilitem a efetivação
de mudanças que deverão ocorrer no âmbito dos macrossetores da
instituição.
Assim, por exemplo, a mobilização dos agentes acadêmicos
responsáveis por um curso qualquer afetará positivamente, assim o
esperamos, os cursos circunvizinhos e, por seu turno, contaminarão
esferas superiores, tais como os departamentos acadêmicos, os centros, as
faculdades, as pró-reitorias, etc. A bola-de-neve começa, então, a mover-se
e a engrossar.
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES), visando à implementação do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
|63
Essa bola-de-neve chama-se “consciência institucional”. Quando estiver
em movimento, significará que os câmbios advindos da mobilização
começam a surtir os efeitos desejados, quais sejam: despertar, nos atores
institucionais, a necessidade do engajamento e da participação ativa,
sem os quais o processo de avaliação institucional negará a desejável
característica de atividade participativa e democrática. Terá engrossado o
suficiente, a tal bola-de-neve, quando a ampla maioria dos agentes e dos
atores institucionais converter-se, de fato, em co-participes do processo
de avaliação institucional; quando essa maioria estiver atuando de modo
diferenciado, em sua práxis cotidiana; quando estiver comentando acerca
dos resultados da avaliação institucional; quando estiver refletindo
acerca das propostas e aprimoramento institucional; quando estiver
cobrando dos gestores as saídas visualizadas. Estamos falando, portanto,
da mais visível conseqüência da avaliação institucional: o incremento da
consciência política dos atores institucionais, aspecto que abordaremos
em seguida.
Conseqüências políticas derivadas da avaliação institucional
Todo e qualquer ato avaliativo gera efeitos políticos. Assim, num
primeiro momento, a avaliação institucional ocasionará, à comunidade
interna, maior clareza quanto à realidade educacional e, por conseguinte,
maior grau de consciência político-institucional.
Tal fenômeno deverá refletir-se em maiores cobranças direcionadas,
sobretudo, aos gestores, pois, com melhor e maior quantidade de
informações à sua disposição, a comunidade interna poderá debater
e discutir os temas que lhes interessa, com maior grau de clareza e
conhecimento de causa.
Desse modo, a mais visível conseqüência política da avaliação
institucional será o municiamento da comunidade interna, com valioso
arsenal de informações, ocasionando, desse modo, maior grau de clareza
acerca da institucional educacional e, por conseguinte, maior participação
nas discussões que abordem os problemas e as dificuldades da mesma.
Caso isso, de fato, venha a ocorrer, terá a avaliação institucional cumprido
importante papel educativo, pois terá proporcionado o aumento da
64|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
consciência política e cidadã dos atores institucionais. Trata-se, portanto,
de uma tarefa eminentemente formativa.
Num segundo momento, a avaliação institucional deverá servir ao
aprimoramento da realidade educacional avaliada. Claro, sua função
primordial é, ademais, conhecê-la e valorá-la — melhorá-la naquilo que
for possível.
Alguns aspectos da realidade institucional podem e devem ser
aprimorados sem, no entanto, haver aportes adicionais de financiamento.
São exemplos: a mudança da consciência da comunidade interna acerca da
importância da avaliação; o engajamento dessa mesma comunidade nas
discussões e na busca de soluções inovadoras para alguns dos problemas
institucionais detectados; a maior eficácia na gestão; a maior facilidade no
planejamento estratégico, à luz das informações brindadas pela avaliação
institucional; a mudança geral da práxis dos atores institucionais,
discentes, docentes e funcionários técnico-administrativos.
Não obstante, haverá muitas outras dificuldades institucionais que
só poderão ser solucionadas a partir de maior financiamento dessa
instituição, tais como: melhoria na estrutura física da instituição;
construção de mais salas de aulas e laboratórios; manutenção e reposição
dos equipamentos de informática, áudio-visuais, bibliográficos, culturais,
etc.
Nesse segundo caso, haverá a imperiosa necessidade de mudança na
relação entre a IES e sua mantenedora. No caso das IFEs, a relação com
a mantenedora — o Ministério da Educação — deve sofrer algum tipo de
câmbio qualitativo, isto é, há que se buscar a sensibilização dessa última
com respeito a um insuficiente financiamento das primeiras. A alteração
nessa visão significará a redefinição do papel estratégico nacional das
nossas IFEs, que desempenham relevante função social no combate às
inúmeras mazelas sociais, resultantes do nosso subdesenvolvimento
político.
De qualquer modo, é preciso dar ênfase: a auto-avaliação institucional
deverá ocasionar conseqüências políticas importantes, seja no âmbito
interno da instituição, seja na relação da mesma com a sua mantenedora
e com a sociedade civil. No caso interno, com maior consciência
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES), visando à implementação do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
|65
intelectual da comunidade acadêmica, advirá maior cobrança dos gestores
por aprimoramentos institucionais que se façam necessários. No caso
externo, implicará mudanças no relacionamento com as mantenedoras,
ocasionando a sensibilização das mesmas para os problemas de natureza
material e/ou estrutural, que exigirão maior aporte financeiro para as
suas respectivas resoluções.
Ainda no âmbito externo, as relações da IES com a sociedade civil
também deverão sofrer importantes alterações. Passará, essa última, a
contar com valiosas informações acerca do papel social da IES, cobrandoa, quando for o caso, de modo mais efetivo e com maior conhecimento
de causa.
Para finalizar, é preciso que os gestores das IES tenham clareza das
conseqüências políticas advindas do autoconhecimento institucional
e, desde logo, preparem espíritos e mentes, na busca de estratégias
inovadoras, baratas e eficientes, que possam repercutir positivamente
no âmbito interno e externo da IES.
Feitas essas considerações, passemos às principais necessidades que
se apresentam às CPAs.
Principais necessidades que se apresentam às
CPAs
Para vencer os desafios e as dificuldades que lhes são apresentados, as
CPAs devem ter clareza de algumas necessidades que devem ser supridas.
A primeira delas refere-se ao apoio incondicional da administração central
da IES. Nesse caso, há que se aclarar alguns aspectos que revelam certo
paradoxo.
Ao mesmo tempo em que se ressalta a imprescindibilidade da
autonomia da CPA diante da IES — no tocante à sua práxis ou ao seu
agir —, fica patente a necessidade de contar com um mínimo de apoio
dessa mesma IES. Em outras palavras, a CPA tem autonomia no seu agir,
na busca pelas informações ou dados que lhe sejam convenientes para
cumprir com a avaliação das dimensões institucionais presentes no Sinaes,
conforme o roteiro de auto-avaliação institucional. Porém, necessita de
66|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
apoio mínimo, para executar as funções que lhes foram atribuídas, conforme
prevê o artigo 11 da Lei 10.861, regulamentado pela Portaria 2.051, de 9 de
julho de 2004, em seu artigo 7ª.
Apesar de ser um elemento de característica marcadamente política, não
há como garantir a realização da auto-avaliação institucional participativa
e fidedigna sem contar com o mencionado apoio administrativo, digamos
assim. Assim, necessário faz-se a existência de pessoal de apoio, espaço
físico para reuniões, equipamentos de informática para a produção de
textos, arquivo para documentos oficiais, textos relevantes de leitura, atas
de reuniões, etc.
Vê-se, portanto, que também os gestores devem ser sensibilizados e
aclarados acerca da importância de apoiar a atuação das CPAs. No meu
caso, numa universidade que eu considero de médio porte, a CPA não conta
com um espaço físico, está funcionando numa pró-reitoria. E os colegas de
outras pró-reitorias queixam-se de certa contaminação pela gestão da IES.
Ademais, há que se enfatizar para os gestores o valor político, ético,
técnico e profissional da atividade de avaliação institucional, pois há
inúmeras possibilidades quanto ao uso dos seus resultados. Mais uma
vez revela-se, assim, a imprescindibilidade da formação educativa ou
pedagógica, que é uma atividade inerente à fase de sensibilização, segundo
a necessidade que se apresentam às CPAs. Tempo mínimo para maturação
dos membros das CPA, acerca da visão de avaliação institucional, que
subjaz ao Sinaes. Como um bom vinho necessita de um tempo mínimo
para atingir a qualidade idealizada pelos enólogos, o mesmo ocorre na
avaliação educacional.
No âmbito interno da CPA, isto é, no nível micro, faz-se necessário que
haja um período adequado para as conversas, os intercâmbios de idéias e
opiniões, a troca de experiências acerca da avaliação institucional, pois tal
atividade caracteriza-se como ato político.
Ademais, no âmbito macro, isto é, no contexto institucional, também
haverá necessidade de tempo mínimo para discussões, nos espaços de
representação dos diferentes segmentos organizados: as coordenações de
cursos, os departamentos, centros de faculdades, as pró-reitorias, os conselhos
universitários, os sindicatos, entre outros.
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES), visando à implementação do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
|67
Sendo assim, faz-se necessário que as percepções ideológicas acerca da
atividade avaliativa sejam afinadas, limadas e buriladas para que, desse
modo, visões diferenciadas sejam aproximadas; estereótipos acerca da
avaliação institucional sejam extintos; medos e temores individuais sejam
demovidos; dinâmica propícia ao trabalho em grupo seja construída,
solidificada e implementada.
Enfim, faz-se mister que um período mínimo probatório seja posto
em marcha, sob o perigo de que a dinâmica do grupo, interna e externa
à CPA, não seja a mais propícia ou a mais desejada ao tipo de atividade
que se vislumbra implementar.
Terceira necessidade: desejável seria, segundo o meu ponto de vista,
contar com pessoas com sólida formação humanista e técnica à frente
das CPAs. Esse binômio — composto pela formação humanística somada
à formação técnica em avaliação educacional — resultará, não tenho a
menor dúvida, em processos avaliativos de elevada repercussão interna
e externa.
Internamente, haverá clareza em onde se quer chegar (finalidade).
Mediante que meios (informações e procedimentos), contando com que
recursos (materiais e humanos, sobretudo), com a ajuda de quem (atores
institucionais) e com que normas (a ética do processo). A clareza em como
deve ser executado o processo avaliativo, no seu todo, permite, na minha
opinião, engajar com maior facilidade os atores institucionais.
Externamente, poderá haver o reconhecimento, por setores
organizados da sociedade civil e outros segmentos sociais, da preocupação
institucional com a regulação das suas atividades acadêmicas. Isso
significará sinalizar, para essa mesma sociedade, da qual faz parte a IES,
a preocupação por implementar uma visão institucional da educação
como bem público, a adoção de transparência na gestão dos recursos
financeiros, o engajamento coletivo na busca de maior justiça social na
região, a formação de consciência institucional ética e comprometida com
o constante aprimoramento institucional, conforme Dias Sobrinho.
Porém, não sejamos ingênuos, dada a extrema dificuldade de
contarmos com recursos humanos com o perfil supramencionado, será
inevitável a implementação de estratégias alternativas. Desse fato, resulta
68|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
a quarta necessidade das CPAs: intenso intercâmbio de experiências, na
área da avaliação educacional. Partindo do suposto de que as IES são
heterogêneas quanto aos seus princípios, às suas atividades acadêmicas,
aos seus compromissos sociais e às suas visões de sociedade, também
os membros das CPAs refletirão essas diferenças.
Haverá casos, sem sombra de dúvidas, em que a IES não conte com
nenhuma experiência prévia, na área da avaliação educacional. E, sendo
assim, provavelmente os membros da sua CPA também se ressintam
da mesma experiência. Portanto, os gestores e os componentes da CPA
deverão submeter-se, com certa freqüência, a situações de características
marcadamente educativas e formativas.
Desse modo, os encontros e os seminários regionais devem ser encorajados,
incentivados e apoiados, pois permitirão salutar intercâmbio de idéias e
opiniões, ademais da cooperação entre as IES, encorajando a construção
de nova consciência coletiva acerca da avaliação institucional.
À guisa de conclusão
Nesse novo contexto político-educacional pelo qual passa o Brasil,
faz-se necessário que as instituições federais de ensino superior participem
ativamente da implementação do Sinaes. Possuidoras de ampla massa
crítica, cabe às IFEs mobilizar setores acadêmico-científicos no âmbito
nacional, para discutir e refletir sobre esse novo paradigma teórico e
epistemológico da avaliação educacional, vislumbrado no Sinaes. Justificase a última afirmação por vários aspectos a seguir enumerados.
Primeiro: concepção de avaliação como atividade que visa a aprimorar
a realidade educacional valorada.
Segundo: julgamento da realidade educacional em todo o seu espectro,
visão holística, e complexidade; uso de indicadores quantitativos e
qualitativos, a partir a reflexão de toda a comunidade interna à IES, em
torno aos dados avaliativos.
Terceiro: idealiza a participação de todos os afetados pela IES
avaliada. Comunidade interna — docentes, discentes, servidores técnicoadministrativos; e externa — sociedade civil.
Desafios e necessidades que se apresentam às Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs) das Instituições de Educação Superior (IES), visando à implementação do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
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Quarto: tem como objetivo comparar a IES consigo mesma, o que
ela foi, no passado recente, e o que poderá vir a ser, no futuro.
Sexto: possibilita intercâmbio de idéias entre as IES, germinando,
assim, o ideal da cooperação entre as mesmas e a ausência de ranking
para as IES.
Nesse contexto, cabe destacar, ademais, a idéia da avaliação interna,
ou auto-avaliação, como elemento unificador das informações ou
dados institucionais, resultantes das ações das mais distintas unidades
componentes da IES.
Desse modo, no caso particular da UFC, deverão os responsáveis
pela Pró-Reitoria de Planejamento, setor que lida diretamente com a
organização dos dados institucionais, por meio da Coordenadoria de
Análise Institucional e Avaliação, debruçarem-se sobre esse manancial de
informações educacionais para, assim, refletirem, planejarem e orientarem
os gestores na tomada de certas decisões institucionais.
Dessa maneira, a avaliação interna lança as bases para o planejamento
estratégico institucional, a partir dos dados obtidos. Bem, talvez aqui me
tenha faltado a idéia do planejamento estratégico participativo.
Trata-se, desse modo, de verdadeira revolução, que aponta para uma
salutar mudança na cultura interna da UFC, sobretudo quanto às visões de
avaliação, planejamento e gestão. Revela-se, portanto, momento ímpar na
vida da cinqüentenária, porém jovem, UFC, que parece estar despertando
e reconhecendo a relevância da avaliação institucional.
Nesse cenário, são vislumbradas perspectivas positivas, no que diz
respeito à implementação de profundos câmbios qualitativos na vida
universitária, resultantes da proposição de novo paradigma teórico
epistemológico, orientador das principais políticas nacionais destinadas
à relevante área da educação superior.
Finalizo, mencionado o célebre poeta brasileiro, Tiago de Melo, que
afirmou: “quem sabe onde quer chegar encontra o caminho certo e o
jeito de caminhar”.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Parte
DEBATE
II
Apresentação
dos participantes
Dilvo Ristoff: graduado em Letras, mestre em Letras pela UFSC,
doutor em Letras pela University of Southern Califórnia, pós-doutor pela
University of North Carolina. Professor da UFSC e diretor de Estatísticas
e Avaliação da Educação Superior do Inep.
Ilton Benoni: graduado em Filosofia, mestre em Educação pela Unijui,
doutor em Educação pela UFSC. Professor da Universidade do Extremo
Sul Catarinense.
José Dias Sobrinho: graduado em Letras, doutor em Educação pela
Unicamp, pós-doutor pela Ecole dês Hautes Etudes em Sciences Sociales.
Professor do programa de mestrado da Uniso, Sorocaba, e professor
aposentado e colaborador voluntário da Unicamp.
Vicente de P. Almeida Junior: graduado em Filosofia, mestre e doutor
em Educação pela Unicamp. Secretaria de Educação de Catanduva, SP.
Wagner Andriola: graduado em Psicologia, mestre em Psicologia pela
UnB, doutor em Educação pela Universidad Complutense de Madrid.
Professor da UFC.
Antonio Joaquim Severino: graduado em Filosofia, mestre em
Filosofia pela Universite Catholique de Louvain, doutor em Filosofia
pela PUC-SP. Professor da USP.
Walter Frantz: graduado em Pedagogia, doutor em Sociologia pela
Universitat Munster (Westfalische-Wihelms). Professor da Unijui.
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Nilce Nazareno da Fonte: graduada em Fámácia Bioquímica, mestre
em Ciências pela UFPR, doutora em Agronomia pela UFPR. Professora
da UFPR.
Mara Regina Lemes de Sordi: graduada em Enfermagem, mestra em
Enfermagem pela USP, doutora em Educação pela Unicamp. Professora
da PUC-Campinas.
Aluízia Aparecida Cadori: graduada em Educação Física e mestra em
Administração pela UFSC. Professora da UFSC.
Neuza Aparecida Ramos: professora da PUC-PR.
Cristina Helena R. Augustin: graduada em Geografia, mestre em
Geografia pela Sheffield University. Professora da UFMG.
Jésus de A. Bastos: graduado em Pedagogia pela Universidade Gama
Filho, mestre em Educação pela UFF, doutor em Educação pela Universite
de Paris V (René Descartes). Professor da UFF.
Mariluce Bittar: graduada em Serviço Social, mestre em Serviço Social
pela PUC-SP, doutora em Educação pela Ufscar.
Zenilda Botti Fernandes: professora da Unama.
74|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 15/12/2004
Debate Manhã
Professor José Dias Sobrinho: antes de mais nada, é uma grande
satisfação participar deste evento e trazer algumas idéias para discutirmos.
Eu pediria que os meus amigos fossem bastante críticos em relação ao meu
texto Avaliação como instrumento da formação cidadã e desenvolvimento
da sociedade democrática: por uma ético-epistemologia da avaliação, pois
assim eu poderia aprimorá-lo. Eu tenho dúvidas a respeito de como fazer
esta apresentação. Como se trata de um texto, e porque as pessoas aqui
presentes ainda não o leram, eu acredito que nós possamos iniciar com
a leitura e ir apresentando comentários. Por favor, me interrompam,
quando for o caso. Claro que, no final, haverá uma oportunidade maior
para o debate, mas algumas discussões já podem ir acontecendo ao longo
da leitura do texto. Pode ser assim?
Professor Severino: eu só queria fazer uma primeira intervenção,
justificando o porquê de minha presença e de meu interesse em participar
deste Simpósio.
Durante a reunião da Anped, eu tive um contato com o professor
Dilvo e com o professor José Dias, que, por sinal, fez uma brilhante
abertura da Assembléia. E trocamos algumas idéias, porque eu integro
um subgrupo do Fórum dos Coordenadores de Pós-Graduação. O Fórum
criou um Grupo Gestor, que está encarregado de elaborar um documento
sobre a questão da avaliação na pós-graduação.
O professor José Dias disse que há um esforço mais abrangente da
educação superior em trazer a tarefa da avaliação para os educadores.
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É interessante que foi essa a argumentação que usamos, há uns anos atrás,
na discussão dentro do Fórum. Sempre me pareceu estranho que na
pós-graduação, que tem a tradição de avaliação pela Capes, não tivesse a
participação da comunidade dos educadores, incluindo aí os teóricos da
avaliação – eu sou de formação filosófica, mas sempre ouvi, desde a minha
formação e, depois, como professor, que é gente da área de educação que
produz uma teoria da avaliação. Então, sempre acompanhei os trabalhos
da Ana Maria Saul, da Clarilsa, depois desta Comissão e das publicações
da Revista Avaliação (Raies).
Parece-me que no modelo de avaliação da Capes, sentimos falta
um pouco dessa presença. De acordo com o que eu era informado,
esse modelo de avaliação nascia, muitas vezes, das áreas científicas que,
evidentemente, são educadores, mas não são os especialistas que teorizam
a educação.
Então, argumentamos, no âmbito da Anped que, em vez de ficar,
a cada avaliação, protestando, recorrendo, reclamando das avaliações,
identificando falhas naquelas avaliações trienais, porque que não nos
reuníamos e não discutiríamos, como comunidade da área de educação,
um modelo alternativo de avaliação, que pensássemos e trouxéssemos,
para a comunidade e para a sociedade, um modelo alternativo que
pudesse ser posto na mesa para ser debatido com todas as áreas de
conhecimento.
E o Fórum dos Coordenadores aceitou essa proposta, e estamos
tentando elaborar esse documento, obviamente, mediante um lento e, às
vezes, difícil processo de interação com os programas — dado que queremos
um trabalho coletivo. O grupo gestor, constituído pelo professor Osmar
Fávero, pela Clarilsa e por mim, está trabalhando nisso.
Com a divulgação do documento sobre o Sinaes, da proposta do
Sinaes, achamos que seria importante que procurássemos alguma
articulação com essa proposta. A primeira leitura muito nos agradou e
nos traz ricas sugestões para pensarmos, também, a questão da avaliação
na pós-graduação.
Ao trocar essas idéias com o professor Dilvo, ele me falou do Simpósio,
convidando-me a participar. Queria, então, agradecer em público e dizer
76|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
que, a partir dessas colocações teóricas que o professor José Dias acabou
de expor, já estou avaliando o quanto de inspiração e de subsídios está
trazendo para a nossa proposta.
Não nos parece muito adequado que para cada nível de ensino se tenha
um paradigma específico de avaliação, como se fossem coisas isoladas,
mas precisamos, no mínimo, ter um sistema de vasos comunicantes, para
que possamos fazer um trabalho conjunto. Os objetivos da educação,
como o José Dias tão bem colocou, não se diferenciam intrinsecamente,
só por causa do nível. É um objetivo único, justamente o da construção
do humano.
Quero reiterar os meus agradecimentos e explicar um pouco o porquê
de eu estar participando deste simpósio tão significativo.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: o que eu gostaria de propor é
uma reflexão, em conjunto, sobre o que justamente está sendo complicado
para nós, dentro desse mar de reflexões que o professor José Dias nos
traz, e o tema do Simpósio, Avaliação Participativa.
O que vou falar tem muito a ver com a minha própria formação,
somado ao meu trabalho com a teoria da complexidade: a necessidade
da reflexão é algo sobre o que insisto muito, tanto na graduação quanto
na pós-graduação.
Dentro da teoria da complexidade, o autor que mais acompanho é
Edgar Morin, que também trabalha com transdisciplinaridade. Tenho
percebido que as pessoas confundem muito esse tema, apesar de usaremno com freqüência. Na concepção da transdisciplinaridade, para uma
pessoa fazer transdisciplinaridade, ela tem que “ser transdisciplinar”. E
o “ser transdisciplinar” passa por alguns valores que são muito pessoais.
Por exemplo, saber ouvir, saber trabalhar em conjunto, etc. Ou seja, há
que se interiorizar, assumir uma nova cultura e postura.
Por outro lado, falamos em avaliação como cultura! Estamos tentando
desenvolver um processo de avaliação que se torne cultural, que se torne
“parte”, independentemente de gestões. Entretanto, o que vivenciamos
é que conforme mudam as gestões, conforme os interesses, conforme os
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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entendimentos, pode-se perder todo um trabalho, que depois se reconstrói
– ou não. A avaliação deve ser discutida como um processo que realmente
provoque transformações, que seja interiorizado por todos. Por isso,
também a pertinência da expressão “avaliação participativa”, que além
de contar com a participação de todos, que faça parte das pessoas, que
provoque uma transformação e que esteja atrelada à reflexão.
Outro ponto a refletir, refere-se ao que costumamos dizer sobre
todos serem co-responsáveis. A reflexão que proponho tem a ver com o
direito de as pessoas não participarem. Vou tentar exemplificar: quando
eu chego lá na minha universidade, lá no “chão de fábrica”, e vejo quais
são as dificuldades que encontramos, de implantação e até de discussão
sobre avaliação, vejo que isso passa também por não querer participar,
no direito garantido, sob a “sombrinha” da autonomia, de simplesmente
não querer participar, de não querer refletir.
Envolvida com educação, fico às vezes muito triste quando vejo a
dificuldade dos alunos em refletir, em escrever e produzir textos e, pior,
dos próprios professores, independentemente do nível — sabemos muito
bem que título não garante qualidade. Muitos pós-doutores têm uma
dificuldade tremenda de refletir.
Esta semana passei por uma situação dessas: sou tutora de um dos
Programas de Educação Tutorial, do MEC (PET) da minha universidade,
e propus, para a seleção, um tema para fazer análise crítica. Costumo
propor exercícios de provocação de reflexão, por exemplo, apresentando
situação/tema e solicitando ao aluno que procure apontar cinco
argumentos a favor e cinco argumentos contra o que propõe o texto. Os
textos que eu estava, especificamente, propondo tratavam de dois temas:
reforma universitária e reforma da educação. Fui então conversar com os
professores da banca de seleção e ouvi deles relatos como: “mas, Nilce;
eu não tenho condições de avaliar, porque é muito difícil, inclusive para
mim, pensar”. Vejam o paradoxo: os professores falando dessa dificuldade
e eu tentando exigir isso dos alunos do primeiro ano!
Vejam, por exemplo algumas justificativas dos meus colegas
professores: “eu sou técnico! Entenda que eu trabalho em laboratório,
meu curso é muito técnico, é Farmácia. Meu “negócio” é contar células
78|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
em microscópio, ou fazer leituras em aparelhos, eu não estou acostumado
com outra coisa, eu não gosto disso”. Essa é a nossa realidade – ou falo
algo que só eu conheço? O nosso “chão de fábrica” é esse!
Estamos discutindo sobre a avaliação participativa. Assim, percebo que
todas as dificuldades que tenho na minha universidade passam por tudo
isso que o professor José Dias elencou, ou seja, que estamos nos defrontando
com um “ideal”, mas que para isso temos de encarar o “real”.
Seguindo nessa análise, vou acrescentar mais um ponto: às vezes sou
chamada a participar de grupos informais que tentam discutir as realidades
em que vivemos, da graduação e da pós-graduação, as dificuldades e
facilidades, o que acontece. E sempre falo a mesma coisa: “do meu ponto
de vista vivemos um excesso de autonomia individual, onde não se cobra
nada”. E excesso de autonomia permite com que, dentro de uma instituição
como a nossa, responsável pela atividade pensante do País, as pessoas tenham
o direito de não pensar.
Resumindo, eu vejo como um dos grandes problemas que temos, quando
discutimos a avaliação participativa, esse ponto relativo à reflexão: as pessoas
querem participar mas não querem refletir, ou sentem dificuldade, ou não
estão acostumados.
Quando eu li esse texto do professor José Dias pensei, imediatamente, em
divulgá-lo para todos – para meus colegas da CPA, meus colegas professores,
para os estudantes e servidores técnico-administrativos. Mas sei que muitos
não vão querer ler. Porque acham difícil! Porque é mais cômodo não ler!
E como sensibilizar? Nós, nas CPAs, temos de realizar um processo de
sensibilização. Mas não sei se todos estão tendo esta mesma dificuldade que
nós temos, além dos diferentes interesses relacionados ao tema, a própria
dificuldade de reflexão.
Finalizando, então, trago essa reflexão, como uma contribuição.
Professor Luiz Fernandes Dourado: eu vou tentar fazer uma
abordagem focada em dois pontos. Um primeiro tem a ver com a
questão que já foi colocada anteriormente, pelo professor Severino, que
é a discussão acerca da avaliação, numa dimensão de política de Estado
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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e de política de governo. Eu acho que essa é uma questão emblemática,
a ser tensionada. E ressaltaria que neste ano, particularmente, por ser um
ano de avaliação do Plano Nacional de Educação, portanto avaliação de
um plano de Estado, algumas ações vêm sendo desencadeadas. A própria
Câmara Federal está avaliando o Plano Nacional. O Conselho Nacional
instituiu grupo nesse sentido. E eu estou participando da coordenação
da atividade que o Inep está fazendo a avaliação do Plano Nacional.
Mas também gostaria de chamar atenção para um momento da
discussão, no que se refere ao plano de governo. Na minha exposição
inicial, eu esqueci de fazer referência à oportunidade rica de conviver
com o professor Dilvo, na época em que assumi a Coordenação Geral de
Estatísticas Especiais do Inep, e de acompanhar a materialização concreta,
no campo governamental, desse campo de disputa, que é a avaliação.
Este simpósio, além dessa possibilidade de discussão ampla, de
forte densidade política da avaliação, traduz um sentido político muito
importante, no que se refere a uma articulação de ações e programas
— nessa linha da constituição de sistemas. Certamente é o resultado do
esforço de uma equipe, destacando o papel do professor Dilvo, no sentido
de garantir uma outra concepção de avaliação nessa seara, nessa discussão
no plano governamental. Esse processo de construção traduz a tessitura
entre o plano de governo e a materialização dessas políticas.
E isso, certamente, nos leva a compreender a necessidade de voltarmos
à própria discussão do Plano e da legislação como um todo, que sinaliza
para um Sistema Nacional de Avaliação. Eu acho um avanço a proposta
de um Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior.
Nós, certamente, temos concepções distintas, no tocante à avaliação,
quer seja da educação básica, quer seja, por exemplo, da pós-graduação,
e da eventual integração entre essas perspectivas, no que concerne ao
Sinaes.
A meu ver, o esforço, em termos da dinâmica, neste evento é torná-lo
um espaço de construção de uma perspectiva mais ampla de avaliação.
A exposição do professor José Dias é bastante propositiva, pertinente e
de grande envergadura para essa discussão, sinalizando quais seriam os
elementos articuladores ou princípios, concepções, que, certamente, vão
80|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
retratar prioridades no âmbito das comunidades acadêmicas, prioridades
das ações governamentais, dos programas, do estímulo à avaliação, e
certamente, compromissos.
Acredito que a questão que a colega colocou, enfatizando a perspectiva
de sensibilização, tem de estar articulada a um compromisso de todos
nós, na construção de uma outra dinâmica e de uma lógica de avaliação,
que, certamente, vai encontrar, como embate, a própria lógica cartorial,
patrimonial do Estado brasileiro, de uma cultura autoritária.
É fundamental vivenciarmos o exercício de um aprendizado do jogo
democrático, no sentido de um exercício do convívio com os pares. E
todos nós, na universidade, sabemos das dificuldades concretas. Mas, por
outro lado, construímos luta política que se encaminha dentro de uma
perspectiva de construção de uma outra educação superior, de uma outra
universidade. E isso tem sido uma luta histórica. E, talvez, o processo de
sensibilização vá encontrar eco exatamente nessa dinâmica.
Seriam essas as questões mais gerais. Acho que o texto do professor
José Dias recupera, com muita propriedade, esse campo em disputa, ao
ressaltar o caráter epistemológico, político, técnico e ético. E ao discutir
a centralidade conferida à questão dos aspectos técnicos, que em um
dado momento ganhou relevo.
Chamaria a atenção para a importância de, já dialogando com o texto,
de colocar que a avaliação não se reduz aos aspectos técnicos, mas não
pode prescindir deles. Eu acho que no texto, talvez, esse adendo fosse
interessante, porque, aí, o que muda é o norte, de fato, a centralidade
conferida a esses aspectos.
Essa perspectiva relacional, por sua vez, alia-se ao caráter epistemológico,
político, técnico e ético. Eu acho que toda a discussão do texto, ao
sinalizar a educação e a própria avaliação como uma prática social,
articula a discussão da avaliação às políticas mais globais, no campo da
educação e, particularmente, da educação superior.
Gostaria de chamar a atenção, também, para um aspecto importante.
Em que medida o sistema é indutor e contribui para estimular ações,
programas e perspectivas que intervenham, de maneira propositiva, na
cultura institucional?
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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Acredito que a mudança de cultura é uma questão importante para o
exercício da avaliação. Sobretudo para a internalização de valores, dentro
de uma perspectiva ampla de cultura e de gestão democrática. Eu diria
não só de valores, mas para a internalização da própria avaliação com
o sentido político mais abrangente, e para chegarmos ao que propõe o
professor José Dias como movimento formativo, no que concerne às
mentalidades e às filosofias educativas. Ou seja, para discutirmos, de
fato, a centralidade da educação, como constitutiva e constituinte das
relações sociais, é fundamental discutirmos o norte da avaliação e como
democratizar esse processo.
A discussão do poder é fundamental. Saindo de um horizonte
positivista, de poder como coisa, como mera delegação para uma idéia
de exercício cotidiano. Isso implica rediscutir as bases de democratização
das instituições, particularmente das instituições universitárias. Passa,
certamente, por recuperar questões que foram realçadas, como a educação
como bem público, a centralidade do conhecimento e a formação da
cidadania. Nessa direção, o texto constrói-se a partir de um conjunto
de questões cuja ênfase recupera, no campo da avaliação, o que seria a
problematização e a produção de sentidos, bem como a historicidade
dessa produção de sentidos.
Acredito que essas seriam as questões mais gerais, importantes para
refletirmos. Faço algumas questões mais pontuais, no sentido da reflexão
e num horizonte de questionamentos.
Uma delas refere-se a uma discussão sobre a dinâmica entre uma avaliação
mais standartizada e uma perspectiva de uma avaliação educativa mais ampla,
de acordo com a própria lógica de avaliação educativa proposta. O texto,
num dado momento, discute a avaliação educativa em contraposição a essa
lógica vigente no campo, de avaliação standartizada, meritocrática, etc.
A partir dessas considerações sugiro a revisão da afirmação contida
no texto: “nessa perspectiva, que não é mecanicista e analítica, porém
complexa e holística”. A minha sugestão é que o analítico fosse revisto,
porque, a rigor, a própria perspectiva do complexo em holística será
analítica. Não se trata de uma contraposição mas de ratificar a perspectiva
de um olhar analítico.
82|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Acredito que o texto é de uma riqueza e de uma propriedade muito
grandes. Serve como um demarcador na área, como outros textos do
próprio professor José Dias, e que contribui para garantir nesse processo
de disseminação, elementos para a constituição da cultura, para que se
compreenda qual era a lógica que presidia a perspectiva de avaliação
anterior e quais são as sinalizações, qual o horizonte de construção dessa
nova concepção.
Minha segunda observação tem a ver com a afirmação da avaliação
objetivista. Extrapolando um pouco o texto, eu gostaria de refletir sobre
como o Sinaes tem sido recebido por aqueles que, de alguma maneira,
formularam uma concepção política de avaliação, centrada basicamente
no Exame Nacional de Cursos (Enade), e numa perspectiva de testes.
Ora, ao discutir essa nova proposição de avaliação, há sempre uma
sinalização de que ela é subjetivista. Acho que, no texto, deva haver
diferenciação entre subjetividade, objetivismo e objetividade.
E, nessa direção, quero dizer, ao discutir esse par – objetividade e
subjetividade –, toda a dinâmica do texto vai mesmo nessa articulação.
No primeiro parágrafo está escrito: “esses processos participativos têm
duas dimensões. No plano da subjetividade, fortalecem o desenvolvimento
da autonomia pessoal e pública dos participantes”. E, depois, mais
embaixo: “no plano da objetividade, a construção coletiva”. O texto faz
uma articulação entre objetividade e subjetividade na construção e na
tessitura da avaliação. O fortalecimento da autonomia pessoal e pública
tem relação tanto com a subjetividade quanto com a objetividade.
Minha sugestão é no sentido de fortalecer, no texto, a referida
articulação. Estou fazendo uma inferência que é externa ao texto, mas
com uma preocupação política, de somar esforços com o Sinaes e
romper com essa leitura, equivocada, a partir de uma lógica política de
desacreditação, que coloca o Sinaes como uma avaliação subjetivista.
Eu não concordo com essa abordagem. Acho que a ênfase deveria
ser na compreensão de que os processos participativos articulam em seu
horizonte as dimensões da subjetividade e da objetividade, ao fortalecerem
o desenvolvimento da autonomia pessoal e pública, no sentido de
construção coletiva do conhecimento.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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Considero que é o sentido do texto e, talvez, essa minha advertência
não seja mesmo pertinente, mas aí estou fazendo uma inferência externa
ao texto, com a preocupação política, que é de pensar a idéia dos sistemas
mas, ao mesmo tempo, dialogar com uma leitura enviesada que tem sido
colocada a ele.
O último aspecto, refere-se, sobretudo às partes finais – e aí vamos
onde está escrito: “relações da avaliação participativa com a regulação”.
Continuando, no último parágrafo, diz: “assim, as avaliações internas,
protagonizadas pelos sujeitos de uma comunidade, devem ser
complementadas por avaliações externas, protagonizadas pelo Estado,
com a colaboração dos setores da sociedade civil”.
Pensando um pouco a própria lógica do Sinaes e da discussão do
texto, o aprendizado que eu tive com o texto, eu penso que a idéia não
é tanto de complementação e mais de articulação, ou seja, pensando a
própria constituição do Sinaes, a ênfase deve ser no processo avaliativo
e não num somatório de componentes.
Pulando duas páginas, no parágrafo que começa: “as idéias anteriores
sugerem que a avaliação...”. No meio do parágrafo está escrito: “o que
se espera é produzir alguns conhecimentos e julgamentos sobre as
diversas dimensões”. E, aqui, eu fiquei pensando, esse seminário tem
uma proposição, também de encaminhamento concreto, ou seja, nós
temos a proposição do Sinaes e uma perspectiva de materialização a ser
efetivada.
O processo de avaliação tem relação com os fundamentos que
constituem o próprio Sinaes e as concepções que o balizam. Nessa ótica,
a palavra “julgamentos” me pareceu inadequada, pois ela tem uma forte
tradição de ranqueamento, no campo da própria avaliação, ainda que
esse seja polissêmico. Assim, me pareceu que talvez a indicação fosse
a definição de parâmetros analíticos básicos. Mas a sugestão aqui é
muito pontual, pois eu estou fazendo uma leitura entendendo a idéia
do julgamento como ranqueamento, ainda que a questão não seja esta.
O texto não coloca dessa maneira, mas como eu imagino que esse será
disseminado nos diferentes rincões deste País, talvez fosse oportuno
pensar um pouco mais nessa linha, nessa diretriz.
84|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
A seguir, destaco uma questão que aparece na discussão do Sinaes e
que deve ser problematizada nestes dois dias de seminário. A questão
refere-se à necessária articulação e construção de uma avaliação com
amplos setores, segmentos, mas sem prescindir do que seriam as diretrizes
nacionais de avaliação. Eu acho que este é um dos grandes méritos do
Sinaes: fazer avaliação a partir de uma construção ampla. Ou seja, pensar
a avaliação, mas sem prescindir da discussão da dinâmica da participação,
da disseminação das diretrizes a serem cotidianamente aperfeiçoadas. Mas
pensando, também, a lógica nacional. E aí está o link com a regulação.
Nessa discussão do que seriam essas diretrizes, nós precisaríamos
pensar um pouco mais sobre o que seria esse engajamento democrático
proposto pelo Sinaes.
Há um dado de realidade muito concreto. A própria repercussão
e a participação no Enade constituem dados de realidade política que
demonstram que há, por parte da comunidade acadêmica, do movimento
estudantil, uma sensibilidade e até uma compreensão, ainda que limitada,
do processo. De que há uma outra cultura de avaliação. Acho que a
adesão ao Enade é um dado que merece ser amplamente explorado, no
sentido de fazer valer o caráter complexo, da própria avaliação, para a
indução de comportamentos.
Para finalizar gostaria de agradecer ao professor José Dias por mais
essa oportunidade da discussão de um texto, com alta qualidade, que
contribui muito para nós aprendermos a lógica de avaliação, ressaltando
a cultura existente nas instituições, como resultado de uma acomodação
institucional. Ao mesmo tempo, apontando para a necessidade de
efetivação de uma outra lógica de avaliação por meio do engajamento
democrático.
E cumprimentar o Inep, particularmente o professor Dilvo, por esse
momento e por essa discussão. E, ao mesmo tempo, desculpar-me se faço,
aqui, pontuações que absolutamente não tenham pertinência.
Professora Mara Regina: primeiramente, um cumprimento ao José
Dias, não pela qualidade do texto — algo que sempre está presente em
suas produções —, mas pela persistência na apresentação dos princípios
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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que devem reger os processos de avaliação institucional. É verdade,
eu acho isso muito importante, porque pode parecer, num primeiro
momento, que já se ouviu isso em algum lugar. Mas, como se diz, o
óbvio descumprido merece ser posto em causa. Devem existir razões
que expliquem a necessidade de recuperar sempre o tom da conversa,
os fundamentos, porque se a gente sabe, mas não aplica, talvez a gente
não saiba o suficiente. Saber e não fazer, acho que ainda é não saber.
E creio que a sua voz tem sido sempre a de, teimosamente, provocar a
reflexão e retomar a necessidade de fixar os princípios para, superando
as contradições existentes, conseguirmos avançar no limite do possível.
Minha fala vem num sentido que pode parecer, para alguns, até um
pouco pessimista, mas eu não diria que ela o pretenda ser. Acredito na
idéia de que esse Simpósio pretende tocar no real, refletir sobre a realidade
das Instituições de Educação Superior (IES) e examinar essa questão da
avaliação, aproximando a teoria e a prática, para que não fiquemos aqui,
de novo, apontando o que deveria ser. Mas que nos debrucemos sobre
as razões que explicam os porquês daquilo que ainda não está sendo
possível operacionalizar.
Assim como houve desgastes de vários termos, no campo educacional,
eu tenho muito receio que uma proposta, tal como a do Sinaes — cuja
seriedade no enfrentamento das contradições do sistema é louvável —,
encontre um terreno bastante fértil para a apropriação leviana de seus
princípios. Porque as palavras servem para uma porção de coisas.
Nós temos vivido nas instituições uma situação interessante. Vou falar
na posição de quem está “lá” e não como quem está “aqui”, na condição
favorável de refletir. Os “especialistas” devem buscar aproximar-se da
realidade. Nós nos reunimos aqui exatamente para promover esse salto, e
buscar nos textos as formas mais adequadas para superar as dificuldades
que vão aparecendo, encontrar mecanismos que favoreçam a compreensão
daqueles que estão atuando na base. Se a teoria não se aplica à prática,
podemos interrogar se é porque ela não dá conta da complexidade do
real. Ou também, refletirmos que a teoria não se aplica porque na prática
ela não convém. O fato é que tem alguma coisa aí que pega, que faz
com que não avance. E precisamos lidar com isso com mais seriedade
para evitarmos cair no descrédito..., para podermos provocar impactos
86|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
e construir táticas de emancipação, para enfrentarmos essa questão dos
interesses que estão em jogo.
Essa questão é séria. Por quê? Creio que as instituições estão meio que
contaminadas com a cultura de avaliação de resultados que vivenciaram
nos últimos anos E elas vão ter de desaprender essa cultura, se desapegar
desses princípios e de suas lógicas, que, mesmo invisibilizados, mantêm
os seus efeitos. Essa troca rápida de roupagem e esse esforço de mudança
de lógica encontram dificuldades. As IES comportam-se como se fossem
alunos. Procuram descobrir quais são as novas formas das respostas corretas
desejadas pelo sistema. Isso é um perigo, porque rapidamente, tal qual
um camaleão se adapta às novas regras —, “Bom, então é assim? Então,
assim será.” Mas no fundo, nem entendem, de fato, o porquê de se estar
mudando.
Isso precisa ser explicitado, inclusive para que as próprias Comissões
Próprias de Avaliações (CPAs) não acabem sendo responsabilizadas pela
incapacidade de fazer mudar uma instituição que ficou refém dessas
políticas, que teve os seus processos internos de reflexão completamente
arrebentados, que perdeu a condição de encontro, de discussão, de reflexão,
de problematização, na medida em que deviam forçosamente “produzir”
resultados rapidamente, para provar sua competência, sua qualidade ao
sistema (mercado), sem tempo e espaço para discutir esse conceito fluido,
e construir seu pacto do que fosse qualidade para aquela IES.
Quando se tentou organizar coletivamente esse pacto de qualidade
na construção dos projetos políticos pedagógicos, na verdade o que
se observou foi uma decretação de consensos que receberam nomes
bonitos simbolizando avanços produzidos no coletivo, mas que não
necessariamente espelharam as contradições existentes, quando não
fizeram com que fossem silenciadas essas contradições em função do
tempo de conclusão da tarefa.
Temos de lidar com isso, para começar a trabalhar, senão vamos,
também, nos enganar com a questão da participação. Como o texto
bem aponta, essa é uma palavra que serve para tudo. Existem formas e
formas de participar e níveis e níveis de participação. Depende também
de quem eu chamo para participar e em que nível.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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Existem atores institucionais cujas participações no processo são,
simplesmente, para produzir resultados, fornecer dados que serão
consumidos e interpretados por outros. Assim, para alguns fica a tarefa
de fornecer dados para outros avaliarem sem, necessariamente, levar em
conta o contexto da produção desses dados.
Fico muito intrigada porque se queremos qualidade no ensino de
graduação, teremos de articular qualidade e condição de produção dessa
qualidade. Um conceito que pode parecer estranho, — mas é assim que
hoje nosso grupo de pesquisadores da Unicamp tem pensado sobre o
processo de avaliação da qualidade — é este: qualidade é o melhor que
se produz nas condições que me são oferecidas para a execução de meu
trabalho. Essa é a realidade que a gente tem vivido, nas instituições hoje.
Avaliar implica pensar de forma integrada essas variáveis. Isso implica
participação em todos os níveis, e não apenas na etapa de fornecer dados,
mas tomar decisões em cima dos resultados do processo de avaliação.
Por isso que eu digo: não é um discurso pessimista da Mara. Talvez
eu até o devesse ter um. Já levei meus cartões amarelos, estou quase no
vermelho. Então, óbvio, eu estou um pouco mais pessimista. Mas eu não
perco a esperança. Por isso que eu comecei minha intervenção realçando
o trabalho do José Dias, porque eu pensei: “nossa, se ele permanece na
luta por que eu não? Também estou, não é?” Então é isso, estamos aqui
de novo.
A avaliação, se não for participativa produzirá resultados que não
mudam a realidade das nossas salas de aula, não mudam nossas IES,
sejam elas privadas ou públicas.
Participar, refletir, problematizar implica mais do que ter espaços
físicos para atender às exigências dos avaliadores externos. Penso que
os espaços universitários precisam tornar-se lugares de encontro de
pessoas para pensar coletivamente. Mas onde estão as pessoas das IES?
Não existem encontros públicos nas nossas universidades. Não existem
mais as pessoas.
Então, participar de que forma? Participam aqueles são chamados para
desempenhar um papel. Mas a grande massa dos atores institucionais,
hoje, está totalmente esgarçada. Temos de sensibilizar? Claro. Mas temos
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
de considerar essas condições de precarização que ocorreram e que fazem
com que as pessoas se desencantem com a vida universitária
Elas voltarão? Acredito que sim. Acho que existem coisas que estão
aí e que chamam a atenção da comunidade. Mas, aí, a questão que o
professor Severino levanta é crucial: recuperar essa articulação da avaliação
da graduação com os outros níveis de avaliação do sistema educacional
em que os professores são, também, avaliados. Na instituição privada,
os professores não se encontram. Quando se encontram, estão sempre
correndo, porque estão correndo atrás de horas-aula para compor salário.
Nas públicas, eles também não se encontram porque estão correndo atrás
de publicações, nas revistas mais prestigiadas. Por quê? Se os professores
realmente resolverem levar a sério o ensino de graduação, e consumir
o seu tempo com os estudantes, nos processos internos de avaliação
institucional, eles serão mal classificados, porque não produziram.
Esse confronto de interesses e de lógicas precisa ser superado, do
contrário, nós vamos ficar falando de uma teoria – e aí eu não estou
querendo dizer que o texto do José padece disso, pelo contrário –, mas
de uma teoria que não se aplica. Isso não é conveniente, para aqueles
que decidem — os que estão hoje tentando implementar o Sinaes. Temos
de produzir algo que nos diferencie, para que as pessoas não falem:
“lá vem a turma de novo com essa questão do que deve ser a avaliação
institucional, como deve ser feita”.
Precisamos reconfigurar esse paradigma de avaliação, levando em
conta a realidade da IES, e isso implica o embate, não é, José? A questão
é, sobremaneira, política. É política mesmo. E, aí, não há forma de você
encontrar muito acordo, não é? Porque se puxa por um lado, isso implica
conseqüências no outro. Há reações.
E penso que a saúde, a qualidade, a robustez do nosso trabalho nesse
simpósio e, mais ainda, a vitalidade do Sinaes, vai estar na razão direta
da coerência que mantiver com aquilo que ele diz que quer ser.
Essa é a reflexão que eu queria fazer. Peço, assim, realmente, que as
pessoas não tomem o que eu disse como de alguém que está desencantada.
Defender que só se faz qualidade com envolvimento do ator local, para
quem os dados devem ter significados. E, aí, reaparece a questão da
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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complexidade. Os dados resultantes do processo de avaliação precisam
tornar-se um discurso acessível à comunidade. Devem ter simplicidade,
para que as pessoas não se intimidem diante deles e possam falar sobre
coisas que conseguem entender, para poder participar do processo de
decisão.
Os relatórios que chegam falam de grandezas que, ao professor, ao aluno,
ao corpo social, parecem destituídos de significados. Temos de resolver
isso, esse embate da complexidade/simplicidade, usando nossa condição
de especialistas, nossa competência para tornar isso compreensível, para
tocar as pessoas. Porque, do contrário, nós vamos continuar fazendo da
avaliação institucional um discurso estranho, do tipo “mudos falando
para surdos”.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: eu começo agradecendo a
oportunidade de estar aqui ao professor Dilvo, com quem eu partilhei
a Pró-Reitoria de Graduação nos primeiros cinco anos da década de 90,
quando tivemos, com a participação do professor José Dias Sobrinho, a
implantação do Paiub.
A minha fala não é pessimista, mas vai na linha de quem trabalha de
duas formas. A minha vida pautou-se, nos últimos 30 anos, na universidade,
sempre entremeada entre a administração superior da universidade e a
vida acadêmica. E hoje, até, com a participação na Secretaria da Anped e,
também, no Conselho Superior da Faperj. Por sinal, até encarregado de
fazer, logo no início do ano, uma avaliação dos investimentos em pesquisa,
no Estado do Rio de Janeiro, para uma realocação do orçamento, no ano
que vem.
Eu vejo algumas dificuldades, em relação à questão da gestão. Avançamos
muito. A contribuição do professor José Dias Sobrinho e, também, a
inflexão por ele trazida, o trabalho feito pelo professor Severino e pela
equipe, em fórum de coordenadores, traz um crescimento qualitativo muito
grande para o aprofundamento da ação, para a fundamentação da ação.
Agora, me preocupa muito como que nós vamos fazer isso, na
totalidade das instituições universitárias. Quando digo a totalidade, vejo
as diferentes áreas, que já é um embate muito forte.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Pessoalmente, vou fazer um teste com esse texto na Faperj,
porque faço parte de uma comissão cujos profissionais são médicos,
engenheiros, pessoal de exatas, sendo eu a única pessoa de ciências
humanas. E terei de avaliar a questão de investimento.
Não posso deixar de falar, assim, das minhas últimas vivências. No
ano passado, fui convidado a fazer uma avaliação dos investimentos
na área de educação em Portugal, na área de pesquisa. Achei muito
interessante porque foi um trabalho que marca o processo de avaliação,
que o professor José Dias deixou muito claro, um processo que não é
acabado. Nós não vamos chegar um dia, e dizer: “bom, é aqui, e aqui
parou”. Acho que é uma situação em movimento e no qual entram
diferentes ações. Diferentes ações do conjunto.
E aqui cabe uma reflexão minha sobre a questão da gestão da educação
nacional. Um entrosamento necessário, a comunicação necessária entre
as diferentes ações que compõem a gestão educacional, por exemplo,
de um ministério. Os vasos comunicantes entre a avaliação da Pós,
entre as ações do ensino superior e a estrutura e o funcionamento da
universidade brasileira.
Vivemos, na universidade federal pública, uma situação, realmente,
muito difícil. Temos de nos alimentar de uma utopia, mesmo estando
numa posição de certa forma, privilegiada, de ser um professor que
fez o seu doutorado, seu pós-doutorado, tem os seus financiamentos
de pesquisa, etc. Mas não é essa a realidade de toda a universidade
federal.
E, com isso, eu entro em uma preocupação importante sobre como
é que essas ações serão implementadas, como elas serão conduzidas.
Percebi, em todo o texto, um crescimento importante no trabalho.
Conheço o texto que foi proposto para o fórum, no Fórum de
Coordenadores, quando fala na área de educação. Agora, a minha
pergunta é como fazer isso na universidade, com a sua totalidade?
Essa é uma complexidade que ela, além de ter todos esses
componentes que eu chamaria da análise teórica, ela tem uma situação
de visão prática. Como é que isso vai ser feito?
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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E, aí, surge algo que me parece importante. Percebi esse crescimento
nas instituições. Há, já, realmente, um clima favorável. Pelo menos
clima mais favorável para o processo de avaliação. Isso em relação
à década de 90. Considero isso positivo e, por isso, não tenho um
discurso pessimista.
Tenho, sim, situações, que precisam ser devidamente coordenadas
e definidas, a respeito dos dados utilizados para a avaliação. Que
dados são esses, que dados serão esses, para se ter uma confiabilidade
nos dados? Parece-me que é algo que ainda é um gargalo — devido
ao número grande de relatórios que as instituições e os próprios
docentes têm de fazer.
Nós estamos no fim do ano e, por exemplo, quem trabalha na
pós-graduação tem o Relatório Capes, o Relatório da Pró-Reitoria de
Planejamento, o Relatório da Faculdade — uma série de relatórios.
E, ultimamente, uma coisa curiosa que observo: os relatórios
pedidos pelo Tribunal de Contas da União. Eu nunca tinha visto
isso numa universidade. Estão nos questionando, inclusive nos
convocando. Eu mesmo fui um dos convocados para, perante
vários técnicos do Tribunal de Contas da União, explicar certos
investimentos da universidade.
Uma das coisas curiosas que eu vivi foi essa avaliação no ano
passado em Portugal. Lá, nós visitamos todas as instituições, todos os
centros. Isso é uma coisa impossível de se fazer no Brasil, uma equipe
de avaliadores sair visitando, por exemplo, suponhamos, na própria
área de educação, 75, 80 programas. Nós não temos como fazer isso. Lá
foi o contato olho no olho, com as equipes dos diferentes centros.
Mas o que eu achei curioso foi como a educação era vista pela
administração das universidades. E como havia uma diferença enorme
entre a educação e determinadas administrações da Universidade. Não
vou citar aqui, mas foi uma experiência extremamente rica, no sentido
de ver a educação no contexto dessa totalidade. E, assim, falar que
eu participei, eu fui o único, naquele momento, o único brasileiro
que estava na equipe. O restante era cada um de um país: Inglaterra,
França, Espanha e Portugal.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
E, por uma curiosidade, até das outras áreas, que vinham para assistir,
nós tínhamos de falar em inglês, e não falar em português. Coisa que
eu questionei, até, como língua materna e própria de Portugal, até pela
valorização da língua portuguesa. Mas, toda vez que vinham pessoas de
outras áreas, nós tínhamos de falar em inglês e não em português, isso
estando em plena avaliação em Portugal.
Minha angústia é com relação às ações a posteriori. Como é que nós
vamos encaminhar isso? Como é que não vamos simplesmente fazer
a comparação entre o Provão e a nova proposta? Como nós vamos
implementar a nova proposta, em termos operacionais bem concretos?
Porque se eu chegar com tudo isso, eu vou fazer a experiência e vou
dar, depois, o retorno ao professor José Dias. Vou chegar para a equipe
da Faperj, que está encarregada, e vou dar o texto para leitura. É claro que
eles vão pedir uma aula, eu tenho certeza disso, para explicar. Depois de
dada a aula, e dado um tempo, a minha expectativa é que eles vão chegar
com questionamentos de ordem de fundamentos, é claro. Vai ter gente
que vai questionar os fundamentos. Vai ser ótimo, eu imagino.
Mas, depois, entra numa parte objetiva, que interessa exatamente a
quem gere, a quem tem obrigação de fazer também a avaliação. Eu tenho
de chegar com um documento, em abril, na Faperj, para dizer assim:
“olha, no ano passado, nós investimos tanto, tanto assim, a avaliação foi
feita, não corresponde a isso, os resultados foram mínimos, etc.”
Bom, com isso quero dizer que são angústias, que são situações que
eu estou aqui junto para refletir. E eu acho que nós estamos aqui, um
grupo de acadêmicos com gestores, e a minha angústia é essa. Eu acho
que nós temos de ir, quer dizer, se tiver outro Simpósio, e outro, e as
coisas têm de ir caminhando.
Tem toda uma reestruturação das universidades. E eu, aqui, ficava me
perguntando, quando eu lia, ficava me perguntando sobre todo o projeto
de inovação, que vai mexer com as estruturas, com várias estruturas,
sobretudo das áreas de exatas, tecnológicas e médicas das universidades.
Como é que a gente vai trabalhar agora, por exemplo, concretamente,
a questão da avaliação? É um dado novo, no funcionamento das
universidades, um projeto de inovação.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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Eu, pessoalmente, acho muito interessante. Acho que a universidade
não tem de ficar parada, ela tem de ser dinâmica. No entanto, é um
desafio que vai modificar toda uma situação de trabalho, de acordos, de
compromissos existentes em todas as áreas da instituição.
São minhas angústias. Eu queria parabenizar o José Dias pelo texto,
que eu acho interessante. Vai um comentário do Jésus para o amigo e
colega José Dias. Acredito que esse texto é mais didático, servindo como
embasamento para as diferentes CPAs, nas universidades.
Professor José Dias Sobrinho: o que a Nilce e a Mara colocam, e um
pouco também o Jésus, são preocupações muito importantes e a gente
tem de levar em conta essas dificuldades. Não podemos fechar os olhos
e nem a nossa reflexão a essas preocupações. Elas são reais, são concretas
e a gente precisa trabalhar bem isso.
Mas eu não vou responder agora, porque isso vai fazer parte de outros
momentos. Eu acho que quando estivermos debatendo sobre as CPAs,
esse tema vai voltar.
Agradeço ao Jésus e a todos que se manifestaram a respeito do meu
texto. Jésus, essa questão da Faperj eu acho que ela é outro tipo de avaliação.
Aqui se trata de uma avaliação educativa para instituições e de um sistema
nacional de avaliação de educação superior. Os objetivos são diferentes.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: e houve um grande investimento
na iniciação científica, bastante populista, não é? Não vou entrar
na questão do governo do Estado do Rio, como é a política lá nesse
momento. Mas houve um investimento maciço, em matéria de iniciação
científica, e isso eles querem avaliar, isso está ligado à questão da qualidade
do ensino da graduação.
Então, só para não confundir, as ações da Faperj, apesar de serem
fundações e co-irmãs, por exemplo a Fapesp, a situação da Faperj é muito
diferente, por exemplo, em relação a uma fundação que eu considero de
maior respeito, que é a Fapesp.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Então, uma ação da Faperj vem muito com a chamada “novos
talentos”. Então, nós estamos dando bolsa, por exemplo, para o ensino
médio; estamos dando bolsa de iniciação científica em massa. É um tipo
de política, assim, bem populista, assim tipo auxiliar, lá na base, para
outros dividendos políticos, coisa que não acontece, por exemplo, pelo
que eu conheço, numa fundação como a Fapesp, é outro estilo, outro...
Tipo: é a pesquisa, realmente, de ponta. E aí vem a diferença, que eu não
vou entrar aqui. A diferença específica da situação de São Paulo e do Rio
de Janeiro, em termos de pesquisa.
Mas só para dizer que quando eu falei Faperj, e esses meus colegas
são todos, eu diria assim, a maioria, defensores da manutenção desse
viés da graduação e do ensino médio.
Professor José Dias Sobrinho: eu vejo alguns pontos de contato entre
uma avaliação da Faperj e uma avaliação de IES. Mas, os objetivos são
outros, os critérios devem ser outros e assim por diante.
A questão da avaliação de uma instituição educativa, no nosso caso,
tem uma relação com o Estado, com a nação e não simplesmente com a
questão do financiamento. Então, isso dá outra dimensão à avaliação.
Mas eu agradeço as suas preocupações, a sua análise toda. O Luiz,
também, eu acho que fez uma boa leitura do texto e também sou grato
pelas críticas. Já anotei aqui. Quanto ao analítico, eu posso retirar, sem
nenhum problema, como você está sugerindo ou, simplesmente, colocar
“puramente analítica”, ou “meramente analítica” — essa era a intenção. Eu
não estou, obviamente, negando o caráter analítico de um processo.
Essa questão de objetivista, subjetivista, é uma preocupação muito
grande em todo o texto. Eu acho que eu estou preocupado, exatamente,
em reforçar: o objetivo e o subjetivo, não o objetivista e o subjetivista. O
sufixo “ismo” e o “ista” é que complicam, não é? Mas, eu vou repensar
e ver se há necessidade de alguma outra alteração.
A expressão “complementadas”, de fato, não está bem. Se bem que
ao longo do texto, em outras partes, existe a palavra “inter-atuação”,
alguma coisa assim. E julgamento, juízo de valor. Talvez a palavra esteja
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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marcada com uma conotação que eu não quis dar, mas, também, vou
repensar isso. Agradeço. É só isso, para ser breve.
Professor Wagner: bem, serei breve, também, nas minhas palavras, dado
o adiantado da hora. Só, a primeira coisa, gostaria de desculpar-me pelo
atraso, mas houve um pequeno problema no meu vôo, de Fortaleza para
cá. Agradeço ao convite que me foi formulado pelo professor Dilvo e pelo
professor Dias Sobrinho. E, bem, eu vou só repetir, aqui, algumas coisas que
os colegas, tão bem, já enfatizaram, não é?
Eu creio que tenho dito isso na Comissão Própria de Avaliação da
Universidade Federal do Ceará — um espaço heterogêneo, aí a preocupação
de alguns colegas nossos. Há pessoas de diferentes ramos do conhecimento,
pessoas com diferentes visões de avaliação, pessoas que pensam a avaliação
com aquela preocupação de execução: “bem, se temos de fazer, vamos executála”. Não, nós não vamos executá-la, nós vamos discutir essa concepção, o
que está aqui por trás. Vamos desvendar, desvelar os princípios que estão aí,
por trás do Sinaes.
Eu apresentei isso ao Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão. Tivemos
lá um pequeno debate e os conselheiros acharam por bem uma outra sessão.
O dia todo vamos debater o Sinaes, os princípios, o que está aí por trás.
Eu acredito que o novo paradigma inaugurado pelo Sinaes tem uma
característica marcante, o que já foi ressaltado aqui pelos colegas. A avaliação,
como ato político, serve a alguém, serve para algo, ao contrário do paradigma
anterior, que realçava a técnica em si. Nunca nos chegaram ponderações
acerca do que se faria com os resultados da avaliação. O novo paradigma
inaugurado, entre outras coisas, caracteriza-se por isto: por colocar em relevo
o ato político da avaliação, serve a alguém e serve para algo.
Eu creio que dada essa heterogeneidade das instituições, no seio das
CPAs, de quem está à frente da avaliação, enfrentamos dificuldades para
deslanchar o processo de avaliação do Sinaes. Eu não estou preocupado
em deslanchá-lo, em executá-lo, senão em discutir sobre ele, em discutilo. Porque, sem essa discussão, não haverá participação, não haverá
mobilização.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Eu costumo, Nilce, diferenciar participação de engajamento. Eu
procuro o engajamento dos meus atores, dos meus atores institucionais:
técnicos, discentes, docentes. Vamos engajar-nos, vamos “pôr o piano
nas costas”. É uma tarefa árdua, hercúlea. Creio que a discussão teria
duas vertentes as quais trabalharei no meu texto: a informação e a
formação.
É preciso, o que a Mara tão bem colocou – eu anotei, aqui, as palavras
dela: “é preciso que nós apresentemos um antídoto à contaminação
dessa comunidade interna. É preciso que eles desaprendam um sentido
anterior de avaliação”. Eu acho que esse é o nosso grande desafio. Tem de
haver uma ruptura com as idéias preestabelecidas, às vezes equivocadas,
de avaliação.
Eu creio que o nosso principal desafio, dos que estarão à frente da
avaliação, é sermos coerentes em relação ao que estamos dizendo e o
que estamos fazendo.
Quero relatar aqui um fato que aconteceu na minha instituição.
Houve um evento interno ligado à avaliação institucional — com
a presença do professor Dias Sobrinho e do professor Dilvo —, com a
participação funcionários técnico � administrativos e dos professores,
até mesmo daqueles que fazem parte da administração.
De certa maneira, foi chamada a minha atenção: “como é que você
vai fazer um evento unindo dois segmentos que são distintos?”. Eu
digo: “olha, se nós queremos fazer uma avaliação pautada no princípio
da participação, eu não posso ter um discurso com esses atores e uma
ação diferente”.
É esse espaço em que deve haver essa confraternização, essa união,
no sentido de dar uma visão única à avaliação. Eu preciso contar com
os técnicos, eles não são menos importantes do que os docentes em
determinadas atividades.
Se nós vamos fazer uma avaliação preocupada com o princípio
holístico, da globalidade, preocupados com o princípio da participação,
do engajamento, eu não posso promover eventos independentes, na
minha visão. Muito pelo contrário, eu tenho de procurar unificar esses
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Manhã.
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atores em torno de uma discussão, em torno de um intercâmbio de
idéias, para que tenhamos a possibilidade de burilar essas diferenças,
essas discrepâncias de visões, de formações. Somos heterogêneos, porque
temos uma formação diferenciada, valores diferentes, visões de mundo
diferentes. Mas eu creio que será no espaço da discussão, e indo pelo
caminho da informação e da formação.
A avaliação, enquanto tal, tem um caráter pedagógico, tem
um caráter educativo. E eu creio que, como falei, para encerrar, o Dias
Sobrinho põe isso em relevo. O princípio ético, a meu ver, é o princípio
que deve ser muito bem enfatizado por nós. Teremos de ter cuidado para
não sermos incoerentes em relação ao que estaremos dizendo — entre o
que estaremos apregoando e as nossas ações — se quisermos um efetivo
êxito. E há um desafio muito grande na implementação do Sinaes, nós
devemos ser coerentes nos nossos discursos e nas nossas ações. Creio que
esse é o grande princípio, o norte será esse princípio ético, a coerência
entre o dizer e o fazer.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 15/12/2004
Debate Tarde
Professor Dilvo: queria pedir ao professor Vicente, então, que fizesse
a exposição sobre o que aconteceu, nesses últimos meses, com relação
ao trabalho do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) no sentido de tentar implementar a avaliação
participativa.
Professor Vicente de Paula Almeida Júnior: o texto que apresentamos
teve como principal intenção expor algumas ações, alguns dados e algumas
informações a respeito do processo de implementação das Comissões
Próprias de Avaliação (CPAs). Esse processo foi desencadeado pelo Inep
com o propósito básico de induzir o processo de auto-avaliação, ou
avaliação interna, aqui denominado também de avaliação participativa,
nas Instituições de Educação Superior (IES), por meio das CPAs.
O título do texto — O processo de implementação das Comissões Próprias de
Avaliação (CPAs): ações desenvolvidas e perfil dos coordenadores — justifica essa
intenção. Sabemos que toda política social e/ou educacional se desenvolve em
algumas fases: construção da agenda, formulação da política e, posteriormente,
implementação — a execução da política propriamente dita. A palavra
“processo” indica a nossa preocupação em captar o “movimento” da política,
vale dizer, das ações desencadeadas e não apenas do seu resultado. Portanto,
focamos aquilo que está em curso. Por sua vez, a palavra “implementação”
corresponde a uma fase ou momento dessa política educacional, em nosso caso
da política de avaliação da educação superior, legalmente instituída em 14 de
abril de 2004, com a aprovação da Lei 10.861, que criou o Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
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Professor Ilton Benoni: eu quero cumprimentar o Vicente, dentro das
atividades que realiza, e que tem uma importância grande, especialmente
agora, na origem do trabalho das CPAs. É o trabalho que fizemos também
com todos os pesquisadores institucionais, no Brasil inteiro. É o pessoal que
organiza as bases de dados e, também, fornece informação para o cadastro
da CPA no Inep. Portanto, este trabalho estará produzindo subsídios para
todas as etapas da avaliação institucional, especialmente para esta primeira
etapa, da auto-avaliação, na qual as CPAs estão, ainda, em alguns dos casos,
tateando, tentando compreender e formular proposta.
Os pesquisadores institucionais também serão um suporte importante
para ajudar a organizar o trabalho das CPAs. Isso porque, em alguns
casos, e não são poucos os casos, a figura do pesquisador institucional
coincide com a do próprio coordenador da CPA.
Realizamos uma rodada de 15 encontros, envolvendo mais de mil
pesquisadores institucionais de todo o Brasil. O trabalho foi feito em
grupos menores justamente para haver interação, para responder às
inúmeras perguntas técnicas, e também para poder construir variados
indicadores para a produção de base de dados. Com certeza, esse trabalho
rico dará um bom resultado para a base da sustentação das CPAs.
Professora Aluízia Aparecida Cadori: como sugestão — quando nós
fizemos o cadastramento dos integrantes das CPAs, os coordenadores e demais
integrantes, nós colocávamos a qualificação e outras informações também dos
integrantes. Então, eu penso que daria para complementar esse seu trabalho
com um perfil de quem são os integrantes das CPAs. No seminário sobre a
capacitação dos coordenadores de CPAs, ocorrido em Florianópolis, tive um
pouco de dificuldade para entender quem são os integrantes das CPAs.
Quando falam dos diferentes instrumentos, em momentos de
avaliação do sistema, o Inep diz que nós temos o número um, que é a
avaliação institucional, que se divide em “A” e “B”. “A”, avaliação externa,
por avaliadores externos. “B”, a auto-avaliação pela CPA. O dois seria a
avaliação de cursos e o três seria o Enade.
Esta era a dificuldade que nós tínhamos e discutíamos: que se nós
colocássemos o número dois, avaliação de cursos, e subdividíssemos
100|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
também, o Enade ficaria dentro dessa avaliação de curso. Ele ficaria
não dentro da própria avaliação de curso. Mas como a gente dividiu a
avaliação institucional em “A” e “B”, poderíamos dividir a avaliação de
cursos também. E entraria o número três, o que nós utilizamos como
instrumentos de regulação, que seria o Censo, e outros instrumentos.
Penso que ficaria mais fácil entender dessa maneira. E isso foi algo
que eu pensei, e a CPA também deu algumas contribuições. Ficaríamos
com o um, a avaliação institucional dividida em “A” e “B”; a divisão
para avaliação de cursos, colocando o Enade nesse bloco. E o número
3, que seria o Censo, que colabora para o desempenho da avaliação
institucional.
Eu não sei se vocês podem explicar, isso é uma dúvida que trago. Por
que não pode ser desse modo que apresento? Por que foi da maneira
apresentada aqui, o Sinaes.
Professor Dilvo: a avaliação de curso é exatamente isso, é uma avaliação
que vai envolver o que nós chamamos de avaliação de curso de graduação
propriamente dito. É um instrumento de avaliação in loco, ao qual será
incorporado o Enade como uma dimensão. O Enade não é a avaliação de
curso. O Enade é uma das dimensões, como as outras são. Legalmente, não
dá para fazer ranking com o Enade. Legalmente não dá, por quê? Porque
o Enade, de acordo com a legislação, corresponde a uma das dimensões do
Sinaes vinculada à avaliação de curso de graduação.
Professora Aluizia Aparecida Cadori: não, mas entendendo dessa maneira
que tu estás colocando, quando apresenta um Sistema Nacional que divide,
quando põe o número 2 só para avaliação de curso e o 3 só para o Enade.
Foi nesse sentido.
Professor Dilvo: talvez pudesse ter sido apresentado de outra maneira.
Mas na lei está expresso que o resultado da avaliação do desempenho do
estudante fará parte do conjunto das dimensões da avaliação do curso.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Tento colocar em três pilares, para simplificar. Didaticamente: nós estamos
olhando para o edifício, que é a avaliação institucional; estamos olhando para
o apartamento, que é a avaliação de curso, e olhando para o morador, que é
o Exame.
Essa distinção didática se torna necessária porque o Enade, de certa forma,
acaba sendo um substituto do Provão. Uma outra razão para fazermos essa
distinção é que nós estamos trabalhando contra uma cultura que está instalada,
que acha que a avaliação institucional é fazer, por exemplo, a avaliação do
docente pelo discente. As dimensões estabelecidas pela lei, a meu ver, não foram
compreendidas por muita gente. Mas ficou muito claro que as três avaliações
são diferentes. Quer dizer, a avaliação institucional é uma coisa, a avaliação
do curso é outra e o Enade é outra. Como é que eles se incorporam? Bom,
o Enade entra na avaliação do curso, os cursos, evidentemente, contribuem
para a avaliação institucional. Agora, o olhar para o edifício institucional é
um olhar que está definido nas dez dimensões da lei.
Professora Cristina Agostim: eu gostaria, em primeiro lugar, de ver nesses
espaços de reflexão o lugar onde a gente vai ter a oportunidade de ajustar
erros e detectar eventuais problemas de concepção. Às vezes, no intuito de
melhorar, a gente acaba... Essa discussão de competência, habilidade e atitude,
por exemplo, é a mesma coisa: você tira para poder tornar mais claro e, no
fundo, vira um problema de compreensão e, às vezes, de entendimento de
como o processo deve acontecer.
Num segundo momento, eu queria, realmente, parabenizá-lo, professor. Seu
texto me deu dor de cabeça. A gente fica tão envolvida... Isso é um elogio.
Mas há uma série de questões que, depois, eu até gostaria de voltar, por
isso que eu perguntei, antes de nos ausentarmos, se poderíamos voltar. E num
terceiro momento, Dilvo, acho que com relação a esse assunto específico, eu
teria algumas questões para serem colocadas, muito mais do que debater o
seu documento, algumas questões que eu acho que seriam interessantes para
que a gente se debruçasse sobre elas. E eu gostaria de perguntar se, inclusive,
vocês conseguiram perceber, a partir dessa avaliação e dessa contextualização,
alguns elementos como: as instituições entenderam o papel das CPA? Essa é
uma primeira questão.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
A segunda, na concepção da CPA, o fato de elas terem sido propostas
com essa independência não causou um conflito de interesses, dentro
das instituições? Porque essa foi a tônica principal daquela reunião
do Inep com os pesquisadores institucionais em Brasília.
Há momentos em que está se chegando ao ponto de as CPAs
não terem uma legitimidade, porque elas começaram, ou elas foram
montadas, como se fossem um apêndice, dentro da estrutura, hoje,
da universidade, que é a estrutura de poder da universidade.
Então, ninguém vai dar bola para a CPA. Vai continuar
funcionando o Conselho de Mestrado, o Conselho de Ensino e
Pesquisa (CEP) o Coordenares de Colegiado e assim por diante.
Eu estou falando em algumas, não estou dizendo que em todas.
Alguns tiveram o bom senso de tentar aproximar essas estruturas.
Eu acho que Florianópolis, por exemplo, é um dos lugares onde
está havendo essa sensibilização.
A sensibilização, ela não adianta passar só pelo reitor, pelos próreitores, a sensibilização é nas universidades, e eu estou falando das
públicas. Elas têm uma forma de condução do poder e formas de
aferição que está acontecendo, que lhes é própria. E se você impõe
um outro modelo e não alerta que esse modelo tem de ser próximo
daquilo, ele pode se tornar um apêndice. Irá morrer por falta de
funcionalidade. Ou, então, vai vir dentro de uma perspectiva que
vai responder ao mecânico, ao aspecto puramente pragmático de
pegar os dados e entregar os dados aqui, para o MEC.
Eu estou sentido isso porque eu estou vendo com os pró-reitores,
em reunião de pró-reitores, a dimensão desse conflito. Quem faz o
levantamento dos dados? Normalmente são as Pró-Reitorias, porque
nós é que dialogamos com os coordenadores de Colegiado. Vai a
CPA pegar alguma coisa diretamente com os coordenadores de
Colegiado: eles simplesmente vão desconhecer, como desconhecem
a pós-graduação, como desconhecem qualquer outro.
A aproximação da CPA com os diferentes atores tem de ficar clara. E,
talvez, aí esteja o papel do Inep perante os dirigentes. Quando eu digo
dirigentes, refiro-me aos reitores. Mostrar como essa aproximação pode
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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ser feita, deixando mais claros os papéis de cada parte dessa estrutura,
mesmo que a CPA tenha independência.
Que independência é essa? É coleta? É da reflexão? É do feedback para
coleta? É do feedback para o Inep? Daí aquela pergunta, a desconfiança:
é um olho do MEC nas instituições de ensino superior, já que elas são
tão independentes? E eu estou dizendo isso porque o nosso CEP exigiu
que não saia nenhum dado, nenhuma avaliação sem que o CEP diga:
“é isso mesmo”, ou “vai para o Inep, mas nós não estamos assinando
embaixo”.
Para mim, isso é a sensibilização — eu estou voltando a sensibilização
para vocês. As universidades, como a gente pode ver, ou as instituições
de ensino superior, elas são tão diversas, e as formas de funcionamento
são tão diversas que, ao colocar um modelo e uma forma de estruturação
de uma coisa que se quer que dê certo, tem de haver um indicador de
como vão dialogar esses poderes ou, pelo menos, ouvir como que isso
pode ser feito, dentro de um mínimo de instrumentação às instituições,
para que isso funcione.
Considero que não fica claro, pois o processo de reconhecimento
e, no caso das particulares, e nós, fora da sede, pois seja autorização,
reconhecimento, renovação de reconhecimento, isso continua sendo
feito e vai ser feito por quem? Como que isso se conecta, essa etapa se
conecta com a CPA?
Acredito que não está claro ainda, para o sistema, pelo menos
para o sistema público, com quem eu converso. Ontem, nós tivemos
reunião em Belo Horizonte, com algumas universidades públicas, e essa
questão continua em aberto. Parte da crítica acontece porque não se tem
claramente definido o que se quer com esse processo.
Qual é a leitura que vocês acreditam que as instituições estão fazendo,
com relação à CPA? Eu acho que esse é um momento interessante para
a gente discutir. E sem querer polemizar ou tirar toda a importância
do sistema, nós estamos querendo contribuir para que ele realmente
se aprimore e que ele consiga atingir os objetivos para os quais ele foi
proposto.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Professor Wagner: eu estava debruçando-me sobre os dados e eles vão
na direção do que a professora Cristina, acaba de abordar. Se olharmos o
cruzamento que o Vicente fez no seu texto, segmento versus organização
acadêmica, nós observamos que coordenadores desempenhando a função
docente são 1.141, de um universo de 1.830. Eu só quero chamar a atenção
para esses dados. Vamos fazer de conta que o administrativo é, realmente,
o técnico administrativo, supondo que esse dado reflete isso. O que eu
quero que nos debrucemos é que o fato de o coordenador ser uma pessoa
que está ligada à docência pode significar que aquela instituição tenha
uma determinada visão do que seja a avaliação.
Quando eu tenho como coordenador um professor eu tenho, por
trás desse ato, uma concepção de avaliação. Quando eu tenho alguém
que está ligado à administração, não sendo apenas um técnico ou um
professor, mas ligado à administração, à gestão, eu creio que é uma outra
visão de avaliação.
Então, esses dados aqui demonstram visões distintas do que seja a
avaliação, que vai um pouco no que tu questionavas, Cristina. Quer
dizer, que tipo de visão essas instituições têm, a respeito da avaliação, a
respeito da constituição dessa CPA? Acho que esses dados aqui refletem
um pouco esses questionamentos.
Professor Walter Frantz: quero manifestar-me a partir de uma
pequena experiência minha, que tive com as universidades, no período
da sensibilização, da constituição dessas Comissões.
Claro, é uma leitura de segmento e, digamos assim, de Região. Então, não
pode ser tida como uma expressão de peso maior do que isso. No entanto,
penso que nós estamos frente à situação do ensino superior, no Brasil, mas
da educação de modo geral, num momento muito interessante.
Venho, há mais tempo, olhando com uma certa preocupação para
o campo da educação, como sistema público, porque ele nasceu, na
verdade, formalmente, em função – vamos abreviar assim – da Revolução
Industrial e depois, então, aos poucos, perante a frustração daquilo que
parecia ser a promessa dessa revolução, começou a incorporar um certo
questionamento, também da educação, diante disso.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Num primeiro momento, se nós olharmos para as críticas de alguns
pensadores, nós poderíamos dizer: “bom, a educação não tem nada a
mais, nenhum sentido a mais do que, simplesmente, reforçar isso que
aí está”.
Mas, ultimamente, nós temos observado que a educação pode ter um
espaço muito importante, que a gente poderia chamar de emancipação, de
transformação das estruturas sociais, que não são adequadas, no sentido
de atender à maior parte da população adequadamente.
No entanto, ultimamente a educação passa por um novo período
de ocupação, de colonização, por parte do capitalismo. E isso
me deixava muito desapontado, muito preocupado. E não temos,
também, penso, nenhuma grande perspectiva, ainda, de solução desse
problema.
Porém, penso que no Brasil estão acontecendo algumas coisas novas
que eu quero tomar como uma nesga de esperança. O Provão me parecia
ser uma continuação do processo histórico. Alguns, evidentemente,
justificavam isso, que não tem outra saída mesmo, então você tem
de aperfeiçoar e tudo o mais. Penso que ele trouxe algumas coisas
importantes, coisas interessantes, não há como desprezar todo o
Provão, mas o que tenho vivenciado, percebido, agora, com o Sinaes,
é que, parece-me, se institui uma nova oportunidade, que se procura
dar uma nova oportunidade de discussão sobre essas questões todas
da educação.
E, na implantação das CPAs, isso parece ficar claro. Exatamente
as pessoas que, de certa forma, se sentiam perdedoras, nesse processo,
começaram a ter, novamente, uma oportunidade de discussão. É uma
coisa muito pequena, mas ela aparece, digamos assim, como uma forma
de confronto ou de explicitação das contradições de poder que está
dentro das instituições.
Na organização das CPAs pode ter havido, digamos assim, um
certo aparelhamento daquilo que já está constituído e isso a gente
poderia criticar. Mas, no momento em que se tem que fazer uma
auto-avaliação para aprofundar o debate, foi possível perceber, pelo
menos por onde eu andei, que está surgindo uma oportunidade de
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
participação e as pessoas estão tendo, novamente, uma recuperação
de um certo entusiasmo, de uma certa perspectiva crítica na discussão
sobre a educação. E penso que disso não se sobressai tanto o medo
de se produzir dados, de fornecer dados ao MEC quanto uma nova
oportunidade de debate, talvez de explicitação, das contradições dentro
das próprias instituições.
É possível, claro, que esses dados dos quais a colega falou, se passados
sem muita crítica interna ao MEC, eventualmente, poderiam reforçar
algumas tendências, pelo menos sob minha ótica, de estabelecimento
de controle, cada vez maior, centralizado, das instituições.
No entanto, penso que esse processo, se encaminhado nas
instituições adequadamente, poderá produzir muitos outros resultados
além de, simplesmente, reforçar alguma coisa que a gente, talvez, pudesse
chamar de controle maior.
Pelo contrário, percebi, por onde estive, que na composição das
CPAs se instituiu um processo de crítica e, às vezes, até essa crítica
aparece bem como uma explicitação das contradições internas das
instituições.
Vejo que o sistema de avaliação, hoje, está proporcionando uma
nova oportunidade de se rediscutir o sentido, talvez, até da educação,
das universidades, e, talvez, mais especificamente, o poder dentro dessas
instituições.
Existe esse lado positivo, apesar do risco de reforçar o controle que,
se entendi bem...
Professora Cristina Agostim: eu não falei isso, o senhor me desculpe.
Eu não estou contra. Eu estou querendo saber é como a gente faz para,
realmente, se ter um perfil, para que não seja um mero responder de
questionário e perder o sentido político de pacto sobre a instituição.
Eu acredito que uma coisa é coleta e o trabalho, e outra coisa é o
que significa, em termos de política institucional. Não adianta passar
por fora, tem de passar pela constituição dos Conselhos e da forma
como a universidade se vê nesse tempo e nessa estrutura. Mesmo que
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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não fosse, se não fosse efetivo esse jeito de funcionar, esses Conselhos
teriam acabado.
Não fiz crítica, nem estou achando que não devo fazer. E que se abram
as contradições. Não é esse o ponto. O ponto é que a estrutura pode esvaziar
esse aspecto importante, que é de trazer as contradições, de se fazer, discutir,
voltar, para que a gente reflita sobre o que está sendo feito. E eu, mais
do que ninguém, que tanto participei do Paiub desde o início, vejo que a
avaliação é um elemento importante. Então, vamos aprimorá-la.
Agora, ao se transformar isso num instrumento, por exemplo,
meramente de coleta de dados ligado, às vezes, a um setor administrativo,
vai estar esvaziado, vocês podem ter certeza que vai. Vai ser uma coleta
para entrega ao MEC, burocrática.
O pensar e a visão de se rever e de se questionar passa pela forma como
a universidade se vê estruturada. Mesmo que isso leve a eventualmente
desfazer a forma como a gente hoje se estrutura. Mas uma coisa é você
responder o questionário, está lá, em vários lugares, por exemplo, é a PróReitoria de Planejamento que vai fazer. Em alguns outros lugares, a PróReitoria Administrativa. Qual o diálogo que a Pró-Reitoria Administrativa
tem com os colegiados acadêmicos? Nenhum.
Meu medo é esse. De repente, fica um diálogo de cumprir uma
determinação e chega lá em cima e pronto, os dados estão aí. Outra coisa é
a produção de dados e a possibilidade, nessa produção, de trazer as próprias
contradições, de verificar onde a gente tem de, eventualmente, com o MEC
ou sem o MEC, corrigir as nossas próprias distorções. Isso passa por uma
leitura que é acadêmica, e que está organizada, em nossas universidades,
de uma forma que são os colegiados, que são as pró-reitorias.
Então, professor, me desculpe, eu em nenhum momento estou contra. E
eu só estou dizendo como vamos aprimorar o processo para que, realmente,
nós possamos ter o efeito desejado.
Professor Walter Frantz: quando me inscrevi, queria dar o
testemunho do que percebi, bem no chão de fábrica, no processo de
sensibilização. O que acontecia. Depois, então, claro, a senhora tinha
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
falado e só quis relacionar os assuntos, quer dizer, nós temos aspectos
muito positivos que, como disse, não podem ser representativos
porque eu apenas tenho essa vivência regional. Então esse não é um
dado, digamos assim, para ser generalizado.
Mas, de fato, são dados bem concretos, bem representativos, de
que esse debate que se instituiu, por meio do Sinaes, a sensibilização,
na fase em que nós estamos, está tendo um efeito muito interessante,
dentro das instituições.
Porque, na minha leitura, e penso que de mais pessoas, o que vinha
acontecendo era o reforço de uma sensação: “perdemos o jogo”. Agora,
cada vez mais, o sistema da educação vai ser colonizado, aparelhado.
E nós sabemos que, talvez, esse seja um dos espaços onde hoje se faz
um maior esforço de penetração, por parte do sistema de mercado
capitalista. Ao se falar apenas de mercado, é até um pouquinho mais
branda a coisa. Mas onde se penetra, efetivamente, com toda a força,
hoje, é no campo da educação porque é um dos espaços, digamos, da
sociedade que ainda não está totalmente tomado.
E penso que o sistema de avaliação nos está dando, a quem quer
resistir a tudo isso e construir alternativas, a grande oportunidade.
Está no começo, mas a fase de sensibilização parece que já mostrou
isso. Essa foi uma percepção minha, mas já mostrou que é possível,
sim, construir alternativas. As pessoas, normalmente, sentem-se
chamadas a serem sujeitos de um processo, quer dizer, está dado um
sinal de que se quer construir alguma coisa diferente e nova.
Agora, o que esse processo vai ser lá na frente, nas outras etapas,
na operacionalização, eu também não saberia dizer. Eu só quis dar
esse testemunho, da fase da sensibilização, já que estamos falando
nisso. Quis falar do que se passava no chão de fábrica.
Como não sou de uma comissão, como não estou no dia-a-dia
da avaliação, apenas entrei nessa questão porque sou professor
universitário e acabei, sei lá, por algumas razões, sendo convidado por
universidades para falar sobre isso. Entrei no debate sobre avaliação,
simplesmente, por essa via, que não é torta, mas também não é bem
paralela, mas eu acabei entrando nesse processo de avaliação. E aceitei vir
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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até aqui porque comecei pensar: “porque que eu tenho de me ocupar
com isso agora? Bom, mas se sou professor, tenho de me ocupar com
isso!” Eu fui tirado, digamos assim, de certo modo, da letargia.
Mas estou, cada vez mais, percebendo que no debate, em função
da avaliação institucional, nós podemos, sim, recuperar a expectativa
de se fazer alguma coisa diferente das nossas universidades, do que
simplesmente ir pelo caminho do processo de colonização que
vinha se pregando e que parecia ser uma coisa tão forte que você
não tinha como se contrapor. E essa é minha grande expectativa:
que o sistema de avaliação, esse que está sendo implantado, possa,
realmente, acordar, novamente, as universidades brasileiras, ou
devolver a esperança às pessoas que estão tentando fazer uma coisa
diferente na universidade de simplesmente instrumentalizar, de um
modo absolutamente atualizado, o sistema de mercado capitalista. Se
nós falarmos apenas em mercado, então isso, segundo Galbraith, é
bastante brando. Não é uma coisa tão ruim, assim, quanto aparelhar
o capitalismo.
Professora Neuza Aparecida Ramos: gostaria de retomar um
pouco a parte da manhã. Primeiro, cumprimentar o professor José
Dias pelo texto. É, sem dúvida, um belo texto, denso, que conduz a
uma reflexão e que evidentemente, não seria com uma leitura rápida,
como fizemos, ainda mais saltando algumas páginas, que se poderia
usufruir o que de melhor o texto oferece.
Imagino que o mesmo poderá ser bastante utilizado pelas nossas
instituições, como um texto norteador ou orientador para o trabalho
de avaliação.
O que estamos fazendo agora é uma reflexão. Passar da reflexão
para a ação, para o fazer, constitui o nosso grande desafio. Mesmo
para aquelas instituições que já têm uma cultura de trabalho
participativo, como por exemplo, planejamento estratégico, projeto
pedagógico e até mesmo com certa experiência com avaliação, não
será uma tarefa fácil sensibilizar os atores a serem envolvidos no
processo de avaliação institucional.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
A Comissão, melhor dizendo as CPAs, vêm trabalhando, creio eu,
satisfatoriamente. A meu ver, o complicador é como levar os estudos
e as propostas a toda a comunidade acadêmica, motivando-a, para
evitar, como dizia a professora Maria Cristina, que essa avaliação se
constitua apenas no preenchimento de um formulário para cumprir
com as exigências legais, correndo o risco de ser somente mais uma
avaliação, sem maiores compromissos.
O professor José Dias já ressalta em seu texto a importância da
participação e do compromisso, quando diz: “à participação ativa, na
avaliação, corresponde um compromisso com as ações requeridas por
esses processos. Os participantes se tornam solidariamente responsáveis
pela melhoria. São sujeitos situados no campo da problematização, da
negociação das contradições, etc.”
A proposta atual de avaliação tem exatamente esse objetivo, chegar
até o nível do compromisso, não só do corpo docente, mas também
do pessoal técnico-administrativo e do corpo discente. O compromisso
deve ser com a melhoria que deve advir após a avaliação, ou com a
manutenção do que há de bom na instituição.
Gostaria também de abordar um aspecto que vimos discutindo em alguns
encontros do Fórum de Pró-Reitores de Graduação. Ao fazermos uma análise
nua e crua de um processo avaliativo, têm-se à primeira vista dois resultados
que levam quase sempre a duas ações: uma punitiva que exigirá na melhor
das hipóteses, retroalimentação dos processos, correção dos defeitos, dos
rumos e outros. A outra, evidentemente, seria de premiação.
Quando se recebe a visita das Comissões de Avaliação de Cursos e o
curso visitado recebe conceito “A”, ou melhor, conceito “MB” nas três
grandes áreas, é com certeza um grande prêmio. Significa que o curso
realmente preencheu todas as exigências.
Quando se toma como exemplo o processo avaliativo utilizado para os
programas stricto sensu, o resultado da avaliação conduz a uma premiação
ou punição imediata. Se um curso com conceito 3 passar para 4, terá
dado um salto importante, com conseqüentes ganhos perante a Capes. E
se o curso tiver, hoje, conceito 5, esse ganho é ainda mais extraordinário,
mesmo para as instituições particulares, pois estas passam a ter o direito
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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de acesso ao Portal Capes, podendo consultar as bases de dados relativas
a seus cursos, significando de imediato uma economia expressiva que
poderá ser direcionada para outras atividades da biblioteca.
O que estamos discutindo é a necessidade de o Ministério da Educação
ter uma política nacional para o ensino de graduação. O ForGRAD
já propôs até a criação de uma agência da graduação, que poderia
contemplar as IES com programas de fomento.
Para os programas stricto sensu avaliados pela Capes, o CNPq e
outros órgãos de fomento liberam recursos para a pesquisa. Para a
graduação, não existe nada, embora se defina que ensino, pesquisa e
extensão sejam indissociáveis. Como essa indissociabilidade poderia
acontecer, se nem para as IES públicas há recursos, quanto mais para as
privadas? O ForGRAD já encaminhou ao secretário da Sesu proposta
de um Plano Nacional de Graduação, onde essa e outras questões são
abordadas.
Quando se planeja implantar um sistema de avaliação institucional, o
maior percentual de contribuição advém da graduação, pois esta constitui
a base, o alicerce, até mesmo a sustentabilidade da universidade.
Essa reflexão foi colocada com o objetivo de ponderar com o Inep,
órgão que está coordenando todo o processo de avaliação e também
aproveitando a presença do professor Dias Sobrinho, membro da
comissão que elaborou o Sinaes, para, quem sabe, quando oportuno,
encaminhar proposta no sentido de ter alguma contrapartida para aquelas
instituições que obtêm melhor conceito na avaliação a exemplo do que
acontece com a pós-graduação stricto sensu e Capes.
Professora Mariluce: eu queria analisar algumas questões que também
lembram o texto do José Dias, eu acho que esse texto será recorrente
aqui, tanto no dia de hoje como no de amanhã.
Primeiramente, eu acredito que este Simpósio está sendo interessante
porque nós temos pessoas, aqui, de várias Regiões do Brasil, e, assim, de
acordo com o depoimento do professor Walter, no sentido do que está
se colocando agora como novo, eu também comungo da preocupação de
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
algumas professoras que me antecederam. Como tenho participado de
algumas reuniões em âmbito nacional, e nessas viagens que fazemos às
universidades, por causa da Anped, discutindo com os colegas de várias
partes do Brasil, a preocupação realmente é com a cultura da avaliação.
Entendo que a avaliação deve se instituir na universidade como uma
questão cultural que permeia todo o fazer da universidade. E não é
isso que a gente está percebendo ainda. É o ponto de vista que eu estou
trazendo de uma Região, mas pode ser percebida em outras Regiões do
País. Em uma recente reunião que fizemos, de todas as Comissões Próprias
de Avaliação das instituições de educação superior de Mato Grosso do
Sul, o que percebemos foi essa preocupação da mudança da concepção
de avaliação, que ainda não está ocorrendo no interior das CPAs, imagine
na comunidade acadêmica em sua totalidade.
O que as pessoas relataram na reunião é que a avaliação ainda está
sendo implementada pelo viés da punição. Da avaliação como punição
ou premiação. É claro que não tivemos oportunidade de avaliar esta nova
avaliação, o Sinaes. Mas nós vivemos, ainda na atualidade, com a idéia de
que a avaliação está servindo para isso, como critério de punição. Digo
isso porque muitas instituições particulares estão demitindo professores
por terem sido mal avaliados nos cursos de graduação, pelos discentes, como
colocava o professor Dilvo, anteriormente. Essa é uma questão que está muito
presente. Há universidades que colocavam o ranqueamento da avaliação
dos professores em lugares públicos, nos corredores das universidades. Isso
serviu como mecanismo de punição, com a demissão daqueles professores
de obtiveram as piores avaliações. Quer dizer, o primeiro critério: tem de
demitir professor? Vai ver a avaliação desse professor na graduação. Se for
uma avaliação ruim, já é um indicativo para ele ser demitido. Eu estou
falando de situações que eu constatei na prática.
Eu entendo que essa questão de mudança, de concepção da avaliação —
e o texto do professor José Dias é muito claro e primoroso nesse
sentido — ainda vai levar tempo. Porque uma outra coisa que eu percebo
é que o Provão ainda está muito instituído na cabeça das pessoas. O
modo como o Provão, ou a avaliação, era feita, continua muito presente
e consolidada na cabeça das pessoas que trabalham diretamente com
a avaliação nas instituições de educação superior. A resistência que eu
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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percebo, de alunos, professores, sobretudo dos professores, é mais nesse
sentido, do medo que isso pode significar para seu futuro profissional.
Portanto, enfatizo que não tivemos tempo suficiente para, realmente,
mudar essa concepção.
Essa é uma questão que leva tempo, é óbvio, leva muito tempo, e
é um processo natural que nós vamos enfrentar, mas eu acho que é
profícuo.
Outra preocupação é a questão que a professora Neuza estava
analisando, do professor que está vinculado à graduação, mas que também
atua na pós-graduação. Porque, por exemplo, o professor que está na
graduação e na pós-graduação, quando ele tem um projeto de pesquisa
financiado, pelo CNPq ou pelas agências estaduais de fomento, esse
benefício também vai para a graduação. Porque o aluno da graduação
é o aluno que trabalha com ele, muitas vezes, na iniciação científica,
portanto, é um processo que não se desvincula, embora, na prática, muitas
vezes, isso acontece. Mas eu penso que esse mecanismo, de articulação da
graduação com a pós-graduação, deve ser pensado mais profundamente,
porque, o professor que está nos dois níveis é avaliado duplamente: pela
avaliação institucional proposta pelo Sinaes e pela avaliação da Capes.
Quando o professor Vicente colocou que a CPA é o olho do MEC na
instituição, na pós-graduação a gente brinca dizendo que o coordenador
do Programa de Pós-Graduação é o olho da Capes no programa e
na universidade. Isso é, os professores nos vêem, muitas vezes, como
pessoas que representam os interesses da Capes e não os do conjunto dos
professores do programa do qual ele faz parte. Essa é uma questão muito
séria que não se desvincula do processo da avaliação. O que significa,
efetivamente, para os professores, para a comunidade acadêmica, o fato de
que o coordenador, no caso, da CPA, é uma pessoa que deve implementar
o processo? Essa mudança de cultura, não é fácil.
Outro problema que precisamos aprofundar bastante, em meu
ponto de vista, é a questão das desigualdades regionais, porque vivemos
diretamente os seus reflexos na pós-graduação. Os dados que foram
apresentados pelo professor Vicente revelam, na verdade, que o censo da
educação superior, apontam para essas desigualdades. O Centro-Oeste
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
está sempre em 4ª lugar; o Nordeste e o Norte em 5ª, na distribuição das
Regiões, em termos de produção científica, de alunos matriculados na
pós-graduação, de professores com titulação, financiamento das agências
de fomento, entre outros. Eu tenho essa preocupação com o olhar de
quem está vivendo uma realidade muito diferente da nossa, ou seja,
um olhar de quem vive mais as realidades do Sul e do Sudeste. Essas
desigualdades regionais devem ser levadas em consideração, porque há
muitas dificuldades.
É claro que eu estou falando da pós-graduação, porque é nela que
eu tenho uma certa experiência. Por exemplo, é muito difícil levar e
fixar um jovem doutor para as Regiões Norte e Centro-Oeste — Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia... Nós temos questões
estruturais, que são pertinentes à Região onde nós estamos vivendo e
onde nós estamos desenvolvendo a nossa prática pedagógica. E é claro
que a problemática da avaliação e da graduação também percorrem a
questão das desigualdades regionais, sim. Na semana passada, saiu em
um jornal diário de Campo Grande uma denúncia de uma instituição
que está vendendo diplomas. Por cerca de R$ 7,8 mil você compra
um diploma de graduação! Mas isso não ocorre só no Centro-Oeste,
é lógico.
Mas o que eu quero destacar é essa relação de “centro e periferia”
das Regiões brasileiras que diz respeito, fundamentalmente, à questão
da qualidade, pois o texto do José Dias reflete sobre isso. Quer dizer,
como é que nós vamos avaliar a qualidade de instituições que estão no
Centro-Oeste, no Norte do País, com enormes dificuldades estruturais?
A Universidade do Acre, por exemplo, tem apenas um programa de pósgraduação, que é um mestrado em Ecologia; para eles criarem programas
de pós-graduação stricto sensu é muito difícil! Portanto, essas questões
estruturais também devem ser levadas em consideração quando falamos
em avaliação institucional.
E, por último, quero destacar a questão dos modelos de universidade; eu
até fiquei contente quando o professor Dilvo disse que um dos simpósios
promovidos pelo Inep, futuramente, discutirá essa problemática. Nós
temos, nesse Simpósio, vários representantes de universidades que são
instituições comunitárias; eu considero que essa questão também deve ser
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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levada em consideração no momento da avaliação, quando se discute a
missão da universidade, a finalidade social da instituição, enfim, o papel
que essa instituição ocupa na Região, no local em que ela se insere. As
universidades comunitárias, que se denominam públicas não-estatais — é
claro que não vamos discutir agora esse conceito, pois não é o momento —,
também estão voltadas para esse princípio da educação como bem
público. No último censo da educação superior, por exemplo, o
professor Dilvo mostrou, na 27º Reunião Anual da Anped, que as
maiores universidades brasileiras, em número de matrículas, são as
universidades empresariais, ou comerciais. São esses aspectos que,
no meu entendimento, devem estar presentes na discussão sobre a
avaliação da graduação que nós queremos e da educação superior que
nós queremos.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: eu queria retomar algumas
questões colocadas pela Cristina, que eu acho que ela foi até muito,
na minha visão, light. Na hora da apresentação desse documento
eu, realmente, acho que nós temos um leão pela frente, em matéria
de avaliação com os dados aqui contidos. A aproveitando a última
observação da Mariluce, quando vem o primeiro dado, é entre
instituição privada e instituição pública.
Quer dizer, dentro da nossa realidade brasileira, isso é uma diferença
enorme. Por exemplo, entre comunitárias e certas comunitárias e as
instituições chamadas empresariais comerciais. Isso tudo está aqui,
dentro desses dados.
Chamou-me a atenção esse primeiro dado e as questões. Agora, me
preocupa algo que eu falei, também, que o professor José Dias falou de
uma maneira muito clara que, muitas vezes, não é o fato de ser pública
que se trabalha de maneira pública, e não é o fato de ser privada que se
trabalha só por... É uma questão, eu diria assim, de perfil institucional,
de cultura institucional.
Eu sempre vejo os esforços serem, independente de outras conotações,
dos diferentes governos, em fazer uma política de totalidade. Mas a
gente não encontra essa costura aqui, no Ministério.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Essa cultura, para mim, realmente se cria aqui dentro, um grupo
que eu chamaria de costuradores, eminências pardas que vão costurar,
estrategicamente, de forma implícita, ou nós vamos fazer políticas
segmentadas.
Nesse sentido, eu já aproveito a fala da professora Neuza, que é da PUC
do Paraná, não é isso? E que eu, por exemplo, conheço a PUC do Paraná
pela iniciação científica, com o professor Bortalozi, não é? Eu estive lá,
na Comissão. E eu vejo que há todo um trabalho, diferente, por exemplo,
de uma universidade empresarial do Rio de Janeiro. Elas estão na mesma
categoria, aqui.
E essas Comissões também. Essas Comissões, por exemplo, se fosse
possível ter, não simplesmente ver os componentes, mas o que significa de
vida delas, eu tenho certeza que há grupos, aqui, que foram constituídos
pelo próprio reitor ou pelo chefe de gabinete do reitor, pelo interesse da
própria situação daquela instituição que vai fornecer os dados.
Eu acho muito pertinente, na fala do professor José Dias, essa questão
do público, também, que é administrado de forma privada. Nós sabemos
isso. E isso acontece, também, nas universidades federais.
Eu mesmo já ouvi um reitor de uma universidade pública — não vou
declinar se é federal ou estadual — dizendo que esses tipo de coisa ele resolve
no gabinete dele, que nós complicamos muito determinadas situações.
Agora, isso pode ser, claro, uma exceção, uma cultura, mas é um jogo de
poder. É a situação que a professora Cristina falou, a questão dos conceitos.
A minha experiência é fortemente na universidade pública, mas eu conheço
a realidade das particulares, já que eu trabalhei um bom período da minha
vida em regime de doze horas na federal e nas particulares. Era a forma do
jovem professor viver na época, porque a gente não podia ter dedicação
exclusiva. Hoje já é diferente, mas na época era assim.
Era um jogo, como o que a Mariluce falou, e eu tinha de fazer o jogo
da instituição. Trabalho em algumas universidades privadas no Rio. Não
vou dizer que eu tinha meu espaço acadêmico em sala de aula, mas em
termos institucionais, qualquer outro tipo de situação, era demissão na
certa.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Existe esse tipo de situação que vai exigir ações dos gestores, no
sentido de explicitar o que se está querendo, qual é o fio condutor
que se quer. É por isso que eu falo que nós estamos com um leão pela
frente.
O fio condutor que nós queremos é esse. E isso vai exigir uma
cobrança, que eu sempre faço. Fiz isso com o professor Abílio,
quando fui pró-reitor de Pesquisa: é preciso uma política integrada da
universidade brasileira.
E afirmo, falo como estudioso da universidade brasileira, isso não
aconteceu nos últimos anos. Nós não tivemos uma política de ensino
superior. Isso foi se desenvolvendo assim. É claro, com vários interesses,
a gente pode analisar esses interesses e chegar a determinadas conclusões,
mas nós não tivemos. Como não tivemos, também, o Plano Nacional
de Pós-Graduação, uma ação efetiva, clara. Tivemos, sim, ações. Mas
nós não tivemos uma ação coordenada, tanto é que não saiu, acho
que isso é um débito governamental, sobretudo do governo anterior,
que não nos permitiu, realmente, avançar num Plano Nacional de
Pós-Graduação. Por quê? Porque quando chegava no planejamento,
não tinha dinheiro. Então, como é que vai fazer o avanço da pesquisa
da pós-graduação?
E, para mim, esse documento, apresenta dados que acho
que precisam ser, certamente, mais trabalhados. Para mim é um
diagnóstico de um desafio enorme a ser enfrentado. Como é que nós
vamos enfrentar?
Volto e vou finalizar com as questões. Como será a relação entre o
poder das mantenedoras e a autonomia das CPAs? A pergunta: “as CPAs
são os olhos do MEC dentro das IES”?
Apenas uma observação. Eu, como coordenador, jamais iria ser
obrigado, inclusive o professor Abílio sabia disso, eu era briguento, como
pró-reitor, dizer assim: nós não podemos ser o representante da Capes na
Coordenação. Nós somos representantes de um grupo de docentes, um
grupo de pesquisadores, dentro de uma política institucional. E olha que
não estou falando do Inep, mas da Capes. Às vezes a Capes transformava
os coordenadores seus em agentes, assim como os pró-reitores.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Como será a relação entre o Sinaes e os sistemas estaduais de ensino?
Como é que seria feito?
E a questão da sociedade civil organizada. É o sindicato? É a indústria?
São as igrejas? São as prefeituras? Existe uma cultura, que eu percebo, por
exemplo, na Região Sul, e em algumas instituições do Sudeste, que tem
uma visão muito interessante do que vem a ser esse tipo de representação da
sociedade civil. Mas no Rio de Janeiro já é outra coisa. E se ficarmos de um
lado da baía e formos para o outro, que é a minha universidade, é outra.
Sociedade civil, por exemplo, na minha universidade, são os sindicatos
dos metalúrgicos. Falar, por exemplo, que a Petrobrás seria, para o Conselho,
eu diria, assim, era um pecado grave, muito mais de um pró-reitor.
Acredito que nós estamos com uma situação: que saída dar a isso em
termos operacionais, de gestão? Porque vão ser feitos seminários, vão ser
feitos os dados, nós vamos trabalhar o que esses dados significam para
nós. Eu não sei responder, mas acho que por aí nós vamos ter um desafio
enorme a ser vencido.
Considero que queria colocar isso porque envolve uma política maior
do MEC, também, nessa totalidade.
Professor Walter Frantz: concordo com essa descrição... eu vejo isso
também, mas, de certo modo, o que quis dizer antes, é que a gente tem
uma certa sensação quase que de derrota, diante dessas questões. Mas
penso que o Sinaes está nos dando sinais de esperança, de retomada de
posições.
Penso que talvez mais do que se organizar operacionalmente, nós
temos uma grande oportunidade — vou usar as palavras velhas, antigas —
de denúncia, de revelação de toda uma situação que precisa ser discutida
e que é muito antiga, que não provém dos últimos anos, que é muito
antiga no Brasil, no terreno da educação.
Vejo tudo isso por esse lado: sei que a coisa não vai ser fácil. E,
operacionalmente, talvez muito difícil. Não sei como é que vai ser.
Agora, nós temos uma oportunidade de fazermos isso. E as pessoas que
fizerem esse debate têm costas quentes, legitimam-se dizendo: está aí o
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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sistema a nos cobrar, nós temos que fazer isso. O que não existia, em
alguns momentos.
Quer dizer, então, simplesmente, o professor, ou o funcionário, ou o
estudante, virava a parte fraca que podia ser... Vai rolar cabeça, certamente,
apesar disso, ainda. Mas é um processo interessante e que vai permitir,
certamente, construir alguma coisa nova, no decorrer do tempo.
Professor Ilton Benoni: eu vou fazer alguns comentários. Obviamente
que selecionei o aspecto das questões que estavam sendo discutidas até
então, para dar um certo encadeamento, uma certa seqüência ao debate.
Primeiro, quero fazer um parênteses para dizer que o professor Walter
é bastante modesto, quando ele diz que não se saiu bem, porque foi
chamado para algumas palestras, algumas discussões com as universidades.
Modesto eu digo porque eu sei da história do professor Walter e do
envolvimento dele e da chancela, do incentivo que ele deu para a origem
e o desenvolvimento de um programa muito importante, o Programa de
Avaliação das Universidades Comunitárias Gaúchas. Depois se articulou,
ainda, ao final do processo, com as Acafianas, de Santa Catarina. Se
originou de uma iniciativa, na época em que o professor Walter era
reitor da Universidade e foram articuladas várias instituições gaúchas
e resultou numa experiência muito intensa, de avaliação participada,
não só internamente, na instituição que o professor dirigia, a Unijui,
mas participado no sentido de que se construiu junto um conjunto de
referências, de princípios de instrumentos, em conjunto com as demais
instituições. Então, foi participada nesse sentido, também.
Esse trabalho foi realizado durante dez anos. Vocês me dão licença.
Eu trouxe junto uma publicação, que é o registro, vamos dizer assim, de
dez anos de experiência de avaliação institucional participada.
E por que eu estou lembrando isso? Não é despropositado. É no
ambiente que nós estamos discutindo aqui, para pensarmos um momento
vivido pela avaliação da educação superior no país. E o momento vivido
pelo Sinaes. O Sinaes vive um momento, talvez o teste mais intenso,
mais desafiador, o momento da implementação, da acolhida no seio das
instituições, na sua operacionalização.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Porque eu reputo, considero, assim, que o Sinaes já nasceu há uns
dez anos, pelo menos, em termos de discussão, de debate, de revisão.
E foi se consolidando como uma idéia, foi se consolidando como
experiências localizadas, umas mais exitosas, outras menos. Mas, de
qualquer modo, vivemos, agora, um momento importante, que tem essas
duas dimensões. Tem uma espécie de otimismo de dizer: finalmente
estamos concretizando, materializando uma reflexão longa. Mas, por
outro lado, é óbvio, precisa considerar a realidade, a dificuldade que
significa implementar e ver resultados efetivos da ação das instituições,
da articulação do próprio Inep, da Conaes, em relação ao que o
professor Jésus levantava, uma série de questões.
Mas vivemos pesando essas duas situações, nós vivemos um
momento otimista, um momento não-ufanista no sentido de ignorar
as dificuldades. Mas otimista no sentido de que temos, sim, uma lei;
temos, sim, um sistema, que é uma possibilidade, como o professor
Walter disse, de se explicitar, por ele, todas as diferenças, as dificuldades,
as diferenças de projetos, de experiências de instituições, que existem
abismos entre projetos e experiências de instituições de educação
superior e todas são instituições de educação superior e formam
pessoas.
No entanto, esse é o primeiro comentário. Então, eu vejo de forma
otimista isso. E, também, porque vi um pouco, acompanhei um pouco
a implementação desse trabalho de avaliação, na época do Paiub em
que, no início nós dizíamos: “bom, mas como mobilizar tanta gente?
Como mobilizar as instituições? Como clarear o papel das CPAs? Que
papel tem as CPAs na vida orgânica das instituições, que não pode
ser atravessada. Não pode a avaliação atravessar a vida, o cotidiano,
da instituição. Ela tem de vir como um elemento de revisitação, de
reflexão sobre o projeto da instituição, e não como algo a mais, ou
algo atravessado à vida da instituição”.
Pudemos viver as CPAs. A auto-avaliação acontecendo, efetivando-se.
Primeiro, uma coisa que eu tenho muito claro, posso ser, aqui,
contrariado, nessa posição. Mas para mim, a CPA não faz avaliação.
Essa é uma primeira questão importante que às vezes se confunde muito.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Isso cria uma certa celeuma sobre o que é a autonomia da CPA, em relação
aos poderes ou às instâncias constituídas da instituição.
Obviamente, se nós pensarmos que a CPA vai absorver e suplantar
outros poderes, isso seria algo realmente impensável, agressivo e fora
de contexto. Mas a CPA não faz avaliação. Quem faz a avaliação é a
instituição, ela se auto-avalia. Obviamente, a instituição tem um projeto,
forja um projeto, implementa um projeto, nas suas várias nuances, várias
dimensões, vários programas, várias atividades, e é ela que faz a avaliação
disso tudo, desse projeto, desde a revisitação dos conceitos, os princípios
fundantes desse projeto até a materialização de cada um dos programas,
de cada uma das atividades.
Mas, então, qual o papel da CPA? Eu acho que na lei está muito claro,
isso. E é nisso que ela tem autonomia, para sistematizar uma proposta de
avaliação e coordenando um processo de avaliação, mobilizando, criando
os momentos, propondo os instrumentos, responsável por chamar as
pessoas, designar, enfim, ir compondo os grupos de sistematização,
criando os momentos de reflexão.
E uma outra coisa importante é que a avaliação não é constituição
de dados, não é nem tratamento de dados. E não é, também coleta de
opinião. Portanto, a avaliação dos docentes pelos discentes não é uma
avaliação nem da disciplina, nem do docente, nem de nada, é apenas a
opinião dos estudantes, que é importante, sobre a atuação do professor.
Isso é uma parte importante da avaliação.
Se nós vamos deslindando isso, nós vamos vendo que a tarefa da
Comissão é, primeiramente, compreender plenamente o sistema, o do
Sinaes, e, assumindo o seu papel, criar as situações de debate, de, vamos
dizer assim, de chancela, de legitimação da proposta, dos instrumentos,
enfim, da avaliação adequada, que cabe àquele projeto de instituição.
Vai desmistificando um pouco essa coisa de uma Comissão
atravancada ou com papéis confusos, em relação às outras instâncias. Os
debates, as decisões, a avaliação das grandes políticas — obviamente que
as instituições têm as instâncias constituídas, e é preciso que elas sejam
determinadas por sujeitos da instituição. Existem os sujeitos individuais,
mas os sujeitos constituídos, articulados, que são instâncias de decisão, de
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
planejamento, de proposição, e são essas instâncias, colegiados, colegiados
superiores, colegiados de administração. Ou grandes seminários que
podem ser criados para debater, debater em torno das pesquisas que
foram feitas antecipadamente, dos subsídios por meio de indicadores,
de pesquisa da modificação histórica dos conceitos, dos princípios que
fundam esse projeto de instituição.
Assim se cria, então, ou pelos canais de instância já existentes ou por
novos e inéditos fóruns de debate onde, efetivamente, acontece a avaliação,
onde efetivamente se toma a posição, se discute o projeto no seu todo, num
determinado momento, de sistematização, mas também nas suas partes,
enquanto projeto de ensino, de pesquisa, de extensão, em cada um dos
microprojetos. Um programa de ensino de filosofia, por exemplo.
Não irei me alongar nisso, mas apenas para uma parte, assim, daquilo
que eu imagino ser nossa tarefa, de estarmos dialogando, permanentemente,
com as CPAs, com as instituições, buscando esclarecer um pouco os
papéis, os momentos, as situações para o processo avaliativo.
E, depois, para não fugir desse debate mais focado da auto-avaliação,
das CPAs, concluo dizendo que nenhuma proposta de avaliação, na vida
de uma instituição X ou Y, será na sua concepção e na sua materialização,
nem a sua execução poderá ser superior, muito superior, àquilo que é o
projeto da instituição. Mesmo se a proposta foi resultado de um canetaço
de algum dirigente, e os processos mais ou menos fictícios, etc.
E, em relação a isso, eu penso que o Sinaes é sábio. Ele busca,
justamente, que cada instituição explicite o seu projeto. E explicita de
várias formas, até mesmo na forma de constituir a CPA, de instituir
os processos, de criar os processos e, por isso, ele é sábio, no sentido
de incorporar outras etapas de avaliação, que se complementam, se
entrecruzam, com este momento inicial, de auto-avaliação, a avaliação
externa, a avaliação. E todo o processo, e toda a sistematização global de
uma leitura, de uma reflexão sobre um projeto de instituição.
Eu acho que a avaliação é, justamente, a possibilidade de os projetos
explicitarem-se, na sua crueza. E, por isso, eu sou otimista. Sou otimista
porque os projetos vão acabar, de uma forma ou de outra, explicitando-se,
pela oportunidade que o Sinaes está criando.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Professora Mara Regina: bom, eu acredito que a proposta do Sinaes revela
um esforço de superação de um modelo de avaliação nitidamente regulatório,
que estava posto e, portanto, o Sinaes vem para superar, deve ser entendido
como essa possibilidade de recuperar questões, superar os limites que já foram
apontados, daí, a positividade que ele contém. Vem para romper com essa lógica
de produto e recuperar a centralidade do processo. E escolhe intencionalmente a
sua centralidade na avaliação institucional, em detrimento do modelo anterior,
que estava muito concentrado nos exames.
E eu entendo, portanto, que o processo da avaliação institucional deve
focar sua atenção nos atores locais, os grandes atribuidores de significados aos
dados. E, assim, poderão caminhar na direção de reafirmação ou de negação
do projeto, e da explicitação, ou não, de suas opções.
Se isso faz sentido para mim, acredito que a gente vai voltar no texto
do José Dias, quer dizer, a avaliação é indutora de alguma coisa. Tudo bem.
Quando ela induz, ela não tem inocência. Ela pretende apontar para uma
direção, fixar alguns valores e negar outros tantos. Então, ela é uma flecha
setada, ela sabe onde que ela quer chegar. Se o sistema adota uma outra
configuração, ele sabe onde ele quer chegar. Ele quer produzir alguma
coisa.
E, aí, eu fico em dúvida quando vejo a questão das CPAs. Não como idéia,
mas acho que precisa ser mais esclarecido, mais concretizado, exatamente o
que é que, efetivamente, se esperava, ou se espera das CPAs, mas traduzindo
isso para a realidade.
Porque não é fácil interpretar essa idéia das CPAs quando se chega no chão
da fábrica. Não é fácil. Por quê? Veja bem, tem momentos aqui, que aparece
a regulação, ou seja, a definição, a constituição das CPAs fica mais ou menos
ao gosto da instituição, à luz da sua cultura, da sua tradição, das suas práticas,
do quão democrática elas são, ou pretendem ser, fica ao sabor do que está
construído ali.
A aposta do Sinaes é que a IES tem valores que são remanescentes, em cima
das experiências do Paiub, etc. E, provavelmente, essa memória do modelo
Paiub é que vai ser fermento para poder recuperar a direção dos processos e
do princípio da participação coletiva. Então, se dá voz de novo, ao que estava
meio ocultado, silenciado.
124|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
No entanto, quando o Vicente apresentou os dados das formas e da
composição das CPAs, eu levei um susto muito grande. Não porque seja
uma surpresa imaginar que nós temos tão poucas universidades e que a
presença da iniciativa privada no sistema educacional superior seja tão
marcante. O crescimento do sistema da educação superior se deu, pela
via da privatização da educação.
As CPAs, hoje, diferentemente de quando começou o Paiub,
encontram uma outra relação, um outro cenário, outras demandas,
outras práticas, outras expectativas, outras cobranças que tornam mais
delicado seu trabalho. Volto a insistir, exatamente porque me é muito
importante a questão do Sinaes, devemos ter muito cuidado com as
CPAs. É fundamental ter em vista o modo pelo qual elas são constituídas,
porque são estratégicas para a construção do processo de avaliação. Seus
integrantes precisam ter legitimidade técnica e política para fazer os
processos de negociação, de repactuação, de confirmação ou, pelo menos,
de explicitação das princípios que o Sinaes quer atingir.
Eu tenho muita preocupação. Eu trago esta quetão para o Vicente:
nós temos uma descrição de perfil dos componentes, mas como o texto
permite, ele é aberto para que as IES possam constituir, à luz dos valores
que quiserem, dos critérios que adotarem o perfil de suas CPAs. Quer
dizer, fica a critério da IES valorizar ou não a escolha de quem tem uma
familiaridade com a questão da avaliação nos moldes emancipatórios.
Fica subliminar a valorização de quem tem uma sensibilidade para a
questão educacional nos moldes do Sinaes. É um risco porque as CPAs
acabam liderando, vão formar opinião. Deveriam fazer isso, espera-se
que cumpram esse papel de construir uma cultura de avaliação diferente
da até então existente.
Pergunto se não deveria ter ficado mais claro no texto, nas indicações
para a composição das CPAs (e poderia ter sido, porque a política de
avaliação é sempre indutora), os critérios mínimos necessários para o perfil
dos integrantes das CPAs. Ora, porque nós, hoje, não podemos assumir
claramente o que queremos induzir e dizer: “olha, vocês escolhem como
vocês quiserem, mas sugerimos que devem atender a esses quesitos claramente
explicitados...”. Porque a maior parte os gestores das IES funcionam assim,
especialmente, quer dizer: “o que será que eles querem, é isso mesmo?”.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Pelo menos, não se acusaria o Sinaes de não ter esclarecido
suficientemente o perfil dos avaliadores, que desejaria ver operar no
cotidiano das instituições. Não se alegaria a ignorância de que era isso
o que o sistema queria. Quando o Sistema avalia como se constituiu
uma CPA, este pode ser forte indicador, um evidenciador, a médio prazo
do que se optou, o que se levou em conta. Isso me permitiria deter o
processo ou, pelo menos, atenuar seus efeitos sobre as pessoas das IES.
Não é suficiente, mas acho que atenua os descuidos na seleção de pessoas
que serão detentoras de algum poder sobre as outras.
As IES que têm prática de avaliação institucional ainda a construir,
a aprender, como é que vão conseguir levar esse processo? Mesmo que
tenham apoio técnico para a área. Mas a centralidade, o discurso, quem
vai estar falando sobre avaliação, quem vai estar emitindo o tom, dando
a ênfase, quem vai estar construindo, quem vai fazer o design, o desenho
do projeto de Avaliação Institucional, é essa CPA. O poder está na mão
dessas pessoas. Não importa se vai ser da equipe técnico-administrativa,
não importa se vai ser o docente, o discente, a depender da cultura, a
depender do quão democrático é aquele projeto pedagógico, isso não tem
a menor importância. Mas se eu não falar sobre isso, eu corro o risco de
não ter quem entenda nada sobre o fenômeno da avaliação.
E a avaliação não é uma questão simples e desinteressada. Não
basta apenas dizer: “eu quero, vou participar, porque sou de confiança,
porque me puseram”. É uma campo de muita delicadeza, porque tem
conseqüências, e conseqüências severas. Pode pôr a perder muita coisa
e aí de nada adianta lastimar: “olha, está vendo? O processo perdeu-se,
foi mal porque se escolheu mal”. Mas os desastres já foram feitos. E eu
acho que isso precisaria ser trabalhado.
Vicente, eu queria até saber se seu trabalho que, é lógico, é ainda um
relato parcial, se também há uma intenção de se agregar a essa apresentação,
aliás muito expressiva, importante, um trabalho rico, mas ainda com um
viés bastante quantitativista, que nos dá uma visão parcial da coisa. Mas
que não coloca um significado para isso. Falta o qualitativo, que esclarece
melhor quem são e como operam as CPAs. Isso vai ser contemplado? Ou
o relatório será pautado em dados numéricos apenas?
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Porque receio que as pessoas não vão saber ler. Nós não temos a
prática de saber ler números e, mais ainda, ler números num paradigma
que a gente não conhece ou não quer conhecer. As pessoas precisam ser
induzidas, porque também, como o José coloca, e todos que estudam a
avaliação concordam, há uma dimensão formativa. Ao nos apropriarmos
de dados de avaliação, os relatórios precisam ajudar a entender as
entrelinhas, saindo das aparências do fenômeno.
Acredito que o sistema não pode se furtar a ser, em toda e qualquer
ação que deflagrar, formativo. Por quê? Acusado de ser regulador ele
já é, mesmo quando ele não pretende sê-lo, pelo menos não de forma
unilateral. Então, já que vai regular, que regule na direção da flecha setada,
raramente posta. Porque, pelo menos, vai ser acusado de ter tentado fazer
alguma coisa. Que de fato pretendia fazer mesmo. Não sei se me faço
clara nesse aspecto.
Considero que a experiência de fazer as capacitações, em todos os
níveis, como tem sido, é louvável e uma demonstração clara (para quem
quiser ver) de uma forma interessante de condução do processo. Como
se dissesse: “olha, é isso que nós estamos chamando de participação”.
Pelo exemplo, eu poderia imaginar que isso seria um processo a ser se
apreendido, interiorizado pelos integrantes das CPAs. Mas que ele também
não se constitua pontual, porque também é um engano que as pessoas,
porque ouviram falar... compreenderam e introjetaram princípios que
são extremamente densos, difíceis.
Se eu considerar que essas CPAs, na sua maioria, por força de como o
sistema está hoje organizado, estão extremamente ligados com a questão
da privatização, que autonomia que elas têm, para pensar diferente do
poder instituído? Eu não sei. Será que esse conceito de autonomia não
tem de ser repensado? Porque fica quase que uma autonomia decretada,
quando ela tem que ser construída. Construída na contradição, na
vivência.
Mas as perguntas que afloraram e foram descritas pelo Vicente
me parecem muito importantes, e que fazem com que toda vez que
discutimos percebe-se que o trabalho coletivo, o trabalho em grupo,
é o que eles, os membros das CPAs, mais apontam como de grande
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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positividade. Esse discurso é revelador da necessidade que as pessoas
estão tendo de poder falar do real, da dificuldade que elas têm de achar
pistas, trocar idéias. E é isso que nós queremos. É verdade. Eu estou
falando porque quanto mais a gente quer que uma proposta dê certo,
mais a gente tem de entrar e submeter a proposta ao exame da realidade.
E temos de abrir espaço para que se fale sobre isso. Lógico, não é que o
sistema tenha que o fazer, não é sua função. Mas não estão ocorrendo
nas instituições, hoje, na grande maioria, eu arriscaria a dizer, isso
está acontecendo. Não há diálogos, não há reflexões coletivas, não há
participação de fato, apenas a formal.
As pessoas estão desejosas disso. E fazem perguntas que são delicadas,
impertinentes, muitas vezes. Perguntas para as quais a gente não tem
resposta, mas que mostram que a coisa corre perigo. Não é tão fácil.
Elas reclamam, elas pedem ajuda. É como se fosse um pedido: não nos
deixem só, porque “aqui” a gente pode falar, “lá” não dá para falar.
Da mesma forma não dá para articular. Não estou dizendo que em
nenhum lugar esteja ocorrendo da forma como foi concebida pelo
Sinaes, mas eu estou dizendo que, como sistema, opera-se, hoje, com
bastante limites.
Esse é o aspecto que eu acho que precisaria ser colocado. E, aí,
volto a insistir: quando a gente fala dessa questão, não é no sentido de
desacreditar o Sinaes. É exatamente, por acreditar na proposta que você
tenta destruir a ilusão — que fique claro que eu falo aqui nesse simpósio
porque esse é o espaço para a crítica possibilitadora do aperfeiçoamento
— de que ele resolve, justamente para manter a esperança de que ele
possa operar submetido a essas contradições.
Porque é bom que não desconsideremos que a avaliação é campo de
força, é relação de poder o tempo inteiro. Hoje nós temos uma certa
prerrogativa de poder falar em cima de um outro modelo avaliatório
a construir. Mas o outro modelo regulatório não está morto. Seus
adeptos continuam resistindo, que era o papel que a gente fazia antes,
quando éramos oposição.
Portanto, há que se reconhecer a necessidade de usarmos táticas para
enfrentar o problema da cultura anterior de avaliação. A gente tem de
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
lidar fortemente com as dificuldades, se quiser deixar marcas, se quiser
tirar algum efeito desse momento tão significativo para o processo de
avaliação no País.
Professora Neuza Aparecida Ramos: sim. Diante do exposto pela
professora — a preocupação, a seriedade, o envolvimento, a introjeção
de todo esse conceito de avaliação proposto pelo Sinaes —, diante
do resultado do levantamento realizado pelo Vicente, aumenta a
preocupação, uma vez que em 26 instituições o coordenador é da
sociedade civil, portanto, um elemento externo à universidade. Até
que ponto esse representante da sociedade civil tem familiaridade com
avaliação?
O docente, de certa forma, sempre trabalha com avaliação, no
mínimo com a avaliação da aprendizagem. Então como é que esse
representante da sociedade civil poderia estar coordenando esse tipo
de trabalho?
Professora Zenilda Fernandes: eu quero cumprimentar o professor
Dilvo, novamente, pela iniciativa de nos reunir, hoje e amanhã, para
discutirmos a viabilidade do Sinaes e como é que ele pode se constituir
num processo de produção de novos significados institucionais.
Também quero cumprimentar o professor José Dias Sobrinho pelo
texto, e dizer a ele que, por todas as suas palavras, eu entendi que o processo
de avaliação tem de se constituir, sobretudo, num processo político, por
ser ético, mas que ele também é dialético.
Como nós vamos utilizar esse texto, eu imagino que ele vá correr o
Brasil e, principalmente, correr as CPAs. Não gostaria de propor, mas
eu gostaria de ter mais ênfase, não nas entrelinhas, dada a constituição
das CPAs, das conseqüências que um processo de avaliação institucional
tem de ter. E que as Comissões entendam que a avaliação é sempre um
ponto de partida para a produção de novos significados.
As nossas reuniões constituem-se como verdadeiros momentos de
catarse. A gente achava só os defeitos da instituição. Depois, a gente
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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saiu desse momento de crise existencial, e começamos a ver: bem, o que
nós fazemos de bom aqui? Então, parametrizados pelo que a gente já
constrói de bom na universidade, vamos corrigindo os rumos do que
não está bom.
E, aliás, um dos nossos instrumentos de construção da avaliação
institucional era exatamente esse. Todos os segmentos respondiam para
todas as 14 dimensões do Crube. O que a Unama faz muito bem? O
que não faz bem feito? O que ela precisa melhorar e o que ela precisa
mudar?
A partir daí — é só para explicar esse processo instituinte —,
descobrimos, por exemplo: o prefeito do campus não tinha noção, não
escrevia nada sobre a área de ensino, pós-graduação, ele só sabia escrever
as questões da área dele.
Os silêncios da avaliação também são avaliações significativas para a
gente descobrir o quanto as pessoas sabem ou não sabem sobre o local
onde elas trabalham. E a gente viu, a Secretaria, ela não se posicionou
sobre nada da pós-graduação. Quer dizer, é um sintoma grave das coisas
que a instituição faz e que a maioria das pessoas não se dá conta.
Eu queria, professor José Dias, que nós pudéssemos acentuar mais
quais são as conseqüências desse processo de participação para, daí, as
pessoas entenderem que é importante haver participação na gestão, mas
que haja também gestão na participação. Eu acho isso fundamental, para
desencadear um processo de avaliação.
E aí as pessoas descobriram que tanto mais o processo de avaliação é
democrático, tanto mais é a entrada — e eu faço diferença entre a entrada
e o acesso. Você pode ter os dados de uma instituição, mas pode não ter
o acesso às explicações e ao porquê daqueles dados. Então, as pessoas
da instituição precisam saber que um processo de avaliação, ele é tanto
mais democrático quanto mais elas puderem participar desse processo
de gestão.
Outra questão que eu queria colocar, a respeito do Sinaes, é que me
parece que, entre todas as suas virtudes, uma delas é a quebra do princípio
da equidade. Não havendo mais ranqueamento, as instituições serão
levadas dentro do contexto regional, que era o que a Professora Mariluce
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
reivindicava na sua fala, há pouco, antes do intervalo. E a quebra do
princípio da equidade é um ponto bastante interessante para nós pensarmos
na viabilidade do Sinaes.
E, lá pela minha Região, eu pude perceber o seguinte: o Sinaes, é um
sistema que tem três âncoras – a avaliação dos estudantes, a avaliação da
instituição e a do curso. No momento, me parece que, por uma questão
de ritmo, para a comunidade, como um todo, o que ficou evidente do
Sinaes foi o Enad.
E houve, na minha Região, uma resistência muito grande. Os centros
acadêmicos mobilizaram-se, atrapalharam bastante a realização do Enad,
porque o imaginário dos professores, de uma maneira geral, e dos alunos,
está povoado de negatividade a respeito de tudo que o sistema propõe, por
ser uma proposta de Estado.
Acrescente-se o fato de que todo processo de avaliação ainda está
vinculado a agências financiadoras internacionais, e a gente vai vendo
configurado que representação negativa é essa, na cabeça deles.
Eu, particularmente, tenho acompanhado o movimento dos estudantes,
e eles têm, agora, debatido: “o Governo Lula apenas mudou de apelido.
O Provão veio, agora, com outro nome”. Então eu sinto que essa
sensibilização tem de ser muito mais trabalhada do que tem sido até
agora.
Quando eu digo que é uma questão de ritmo, porque nós, que estamos
ligados às CPAs e às reitorias, às pró-reitorias, nós tivemos acesso à
leitura de todo o sistema, de todos os seus princípios, e da reiteração da
democratização por esse processo todo. Mas a comunidade dos alunos
que compõem o corpo discente e docente não tem, ainda, essa percepção.
Eu não sei que mecanismos o Inep poderia utilizar para chegar mais
próximo dos docentes, nesse processo.
Acho que isso é uma questão do ritmo imposto, porque o que
apareceu, primeiro, foi o Enad, como se o sistema de avaliação fosse,
novamente, uma reinvenção. E eu tenho uma preocupação de que nós
estejamos falando do Sinaes como um dos ingredientes da reforma
universitária, sem que tenha havido uma reforma da universidade.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Tenho me preocupado muito com esses aspectos. Até mesmo porque
eles estão acentuados no imaginário dos alunos. E acredito que o Sinaes é
uma proposta realmente democrática, porque mexe com a instituição. E as
CPAs, em que pese a sua configuração e o perfil dos seus coordenadores,
têm procurado, pelo menos, entender a dinâmica do Sinaes. E isso já
é um ponto de partida. Não é tudo, ainda, porque esse processo vai se
alongar.
Existe uma outra questão que eu vejo como uma questão de ritmo
pois, na medida em que a Lei nª 10.861 foi implementada, foi sancionada,
existiam prazos preestabelecidos para terminar um processo. E isso pode
dar a entender, às pessoas que não têm vivência de avaliação institucional,
que a avaliação vai se resumir à entrega de um relatório para o Inep.
Um dos desafios é pensar que a avaliação é um momento de
resignificação. Enquanto a instituição compreende a sua própria
história, ela vai reconstituindo muitas coisas das quais ela não tinha
noção.
Eu, particularmente, estou coordenando a CPA e já passei por todos
os segmentos da universidade. Fazendo esse processo de sensibilização,
os auditórios têm ficado lotados. Mas o que mais me impressionou foi
a reação dos funcionários e a dos alunos. Eles estão enviando e-mails,
cobrando, se dispondo a colaborar — e eu não vejo essa disposição nos
outros segmentos. Mas os alunos e os funcionários estão me dizendo:
“olha, Zenilda, nós temos coisas a dizer. Nós queremos ajudar para que,
realmente, esse processo seja um processo democrático”.
Mas as pessoas que não têm experiência em avaliação talvez não
saibam nem como apresentar o Sinaes, e digam: “olha, esse é um novo
programa do MEC, do Inep”. Então, a gente tem de ter um olhar
carinhoso, eu diria, sobre as CPAs, porque elas são os elos entre o Inep
e a instituição. E isso se faz necessário. Talvez este Simpósio nos ajude
a criar novos mecanismos e novos meios de comunicação para que
possamos melhorar esse processo.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: volto ao “chão de fábrica”.
Então, em primeiro lugar, eu quero registrar minha profunda alegria
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
por ser reconhecida como pertencente ao “bloco das meninas do chão
de fábrica”, pois ao vir para cá imaginei que exatamente este seria meu
papel. Penso que cada um de nós que estamos aqui temos nosso papel,
e acreditamos muito na avaliação, do contrário não estaríamos aqui. Só
por isso já somos otimistas! Faz parte do meu otimismo querer melhorar
o sistema. E na intenção de melhorar o sistema, eu tenho de trazer o
“chão de fábrica” para a “Diretoria”, mesmo que a “Diretoria” conheça
o “chão de fábrica”. Acredito que dessa discussão conjunta, contando
com diversas visões e pontos de vista, na somatória final, o resultado
será o nosso engrandecimento.
Indo ao título proposto para este bloco: o processo de implementação
das CPAs. Sendo presidente de uma CPA, quero contribuir inicialmente
retomando algumas falas e aprofundando um pouco mais, para que
possamos ter os indicadores do que está acontecendo nas instituições.
Começando pelas facilidades e pontos positivos: a primeira grande
facilidade, na implementação do trabalho das CPAs, é falar em avaliação.
Não há quem ouça e leia sobre o assunto que não diga que ela é óbvia. A
cada leitura da lei, das orientações e diretrizes, dos documentos, não tem
quem seja contrário à avaliação. A não ser que seja insano. O próprio texto
do professor José Dias mostra que é possível se fazer uso da avaliação de
diversas maneiras. Portanto, qualquer pessoa poderá fazer o melhor uso que
quiser da avaliação: ponto positivo.
Segundo grande ponto positivo que eu aponto: o esforço do MEC e do
Inep em fazer todos esses seminários, treinamentos e capacitações. Está se
tentando fazer com que a gente discuta, reflita. O acordar já está acontecendo.
Já acordamos. Qualquer pessoa das universidades brasileiras já acordou, em
algum momento, para a discussão, ou pelo menos para saber que este é um
ponto de pauta. Muito positivo, portanto, pois já saímos da inércia.
Agora: as dificuldades. Quero resgatar a reflexão da professora Cristina
a respeito do questionamento sobre “se o papel das CPAs foi entendido”.
Eu avalio que não foi. Ou, se foi, teve diversos entendimentos. É claro que
não estou querendo propor consenso, pois acredito que consenso absoluto
é pouco inteligente. Entretanto, minimamente algum entendimento nós
teremos de encontrar, em comum, porque, do contrário, não vamos
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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conseguir fazer nada. Por sinal, isto já foi falado hoje pelo professor
José Dias.
Eu vou me fixar em alguns pontos para expor, porque acredito que
o papel das CPAs não foi entendido. Começando, vou fazer o resgate
histórico da constituição das CPAs, que nós já discutimos hoje aqui.
Seguindo o percurso histórico, foi aprovada uma lei que estabelecia 60
dias para o dirigente máximo constituir uma CPA. Então, por força
de lei, o reitor deveria constituir em 60 dias uma comissão, mas... com
quantos componentes? seis, doze, 20 componentes? A única orientação
que se dispunha é de que os três segmentos da universidade deveriam
estar representados, sem maioria de nenhum deles. Então o que os reitores
fizeram foi o que se costuma chamar de “canetaço”, porque assim a
conjuntura exigia.
E por causa disso, há CPAs com oito, com dez, com doze, com 20
membros. Já começamos com divergências que são fruto do próprio
processo. Pode-se dizer então que as CPAs não foram entendidas, já na
sua própria constituição, porque, imagino, não estava claro para ninguém
como deveria ser e, no entanto, havia uma lei que estabelecia 60 dias
para esta constituição.
Para complementar, recebemos uma orientação do MEC dizendo
que o pesquisador institucional deveria cadastrar a CPA. Em minha
instituição, o reitor reencaminhou essa orientação para mim e eu sequer
sabia quem era o pesquisador institucional naquele momento. E eu,
presidente da CPA, não podia cadastrar nossa comissão porque isso exigia
uma senha que estava sob os cuidados do pesquisador institucional.
Então surgiu a seguinte reflexão: “por que o pesquisador institucional
tem de nos cadastrar? Será que ele deveria fazer parte da CPA? Mas...
ele não faz e será que agora seria mais interessante refazer a comissão e
a portaria?” Percebam quantas dúvidas e mal-entendidos, que não são
frutos de maldade, mas sim da própria construção do processo. Todos
mal-entendidos, com “l” e não com “u”.
Eu testemunhei, no treinamento para dirigentes de CPAs realizado
em Florianópolis, a dificuldade das IES particulares, por exemplo,
as quais vivem uma realidade muito diferente da minha. Naquele
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
evento, eu coordenava um grupo de trabalho que tinha 23 ou 24 IES
representadas, sendo eu a única representante de instituição pública —
todas as demais de instituições privadas e pequenas. Fiquei muito
surpresa, chocada até, com a realidade daquelas instituições, que têm, por
exemplo, dificuldade de abrir os seus PDIs para discussão, com receio
de levantar questões consideradas estratégicas e que podem ser levadas,
pelos próprios membros das CPAs, para outras instituições concorrentes —
aqui eu lembro que as instituições pequenas não têm concursos, e seus
professores com freqüência dão aulas em instituições diferentes no mesmo
período. Não podemos, simplesmente, escamotear essa realidade, porque
ela acontece. Eu retomo o questionamento: qual o papel das CPAs? Foi
entendido?
Semana passada eu estava em Brasília, num treinamento para avaliadores
externos, e testemunhei outro fato interessante que quero relatar. Mais
ou menos ao final do evento, depois de todas as explicações sobre o
que estava sendo proposto para avaliação, uma professora fez o seguinte
questionamento: “eu tinha entendido que esse processo era apenas uma
auto-avaliação, mas na verdade são duas, uma formativa e uma regulatória?”
Ela realmente não entendeu, e o que eu quero aqui não é fazer uma crítica
a ela mas sim discutir que essa professora — que passou por uma seleção
onde se inscreveram 3.200 professores e foram selecionados 1.000, que tem
mais de dez anos de docência, com experiência em gestão administrativa
e/ou avaliação, que já leu todos os documentos — não entendeu o que está
sendo proposto. Ela, entre vários outros, não entendeu. Repetindo aquilo
que a professora Cristina falou, a avaliação proposta não foi entendida.
Refletindo por outro caminho, avalio que o papel das CPAs também
não foi entendido, porque há disputa política envolvida, como se a CPA
fosse espaço de poder, um poder enorme. E então as coisas se tornam
obscuras e se misturam, e começa outra confusão. Quero então repetir o
que já expressei em outros momentos, falando aqui de nosso sindicato, e
recuperar o que falamos, há pouco, sobre a avaliação ser um dos pontos da
reforma universitária. Reforma universitária é um tema que tem causado
enorme polêmica. Quando falamos em avaliação, isso é atrelado ao tema
da reforma, e o sindicato posiciona-se frontalmente contra. Alega-se
que a avaliação estará atrelada à autonomia e ao financiamento, que
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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estaremos privatizando a universidade e representando o Banco Mundial,
etc. Mas... quem são as pessoas que dizem isso? São pessoas de nosso
sindicato. Eu mesma já fiz parte da diretoria da APUFPR-Sind, a nossa
seção sindical da Andes. São professores, muitos são doutores, que fazem
parte de programas de pós-graduação, que são titulados, qualificados e
que entenderam a avaliação como “estamos vendendo a universidade
brasileira”. Não entenderam o papel da CPA! E cada vez que se tenta
abrir a discussão, há polêmica. Naturalmente, surgem recomendações
para que haja cautela e não se “crie palco” para outras discussões que não
a discussão que é o fundo, que é a avaliação institucional. Nessas horas
eu fico me questionando: “por que?” Porque essa é a nossa realidade,
esse é o nosso “chão de fábrica”, que eu imagino que é “chão de fábrica”
de todos, aqui.
Seguindo a linha de levantar nossas dificuldades, quero ainda
aprofundar as reflexões da professora Neuza e tratar da velha discussão
de graduação versus pós-graduação. Começo refletindo sobre o que move
as nossas instituições. São três segmentos, mas não podemos negar que
quem move é o segmento docente. O segmento técnico-administrativo
segue, apóia, o segmento discente também, mas quem move, quem traça
as diretrizes, são os docentes. E os docentes são movidos pelo quê? Não
podemos dizer que não é o salário, porque é o salário. E o salário é
movido pelo que, hoje em dia? Pela avaliação da pós-graduação, porque
ela confere pontos que conferem, por exemplo, a GED, que conferem
160% do salário nas instituições federais.
Por isso, me falam sempre que sou louca de estar trabalhando
com avaliação, me questionando se isso está me dando titulação ou
pontos. Sou cobrada para, em vez disso, produzir artigos científicos.
Então eu faço minha auto-avaliação e concluo que não sou tão louca
assim de abrir mão da minha titulação, mas sou louca de abrir mão
da minha família, de meu tempo de descanso e lazer, porque fico
trabalhando aos sábados, domingos, de noite, para conseguir preparar
aulas, para continuar orientando os meus alunos de graduação e de
pós-graduação, continuar com meus projetos — PET e extensão — e
ainda mais a avaliação. Então eu pergunto, quem se dispõe a fazer
isso?
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
O que quero refletir com isso é que nós estamos discutindo uma
filosofia linda, perfeita, maravilhosa, mas o que nos move é uma outra
coisa chamada “pontos”. Então, se a qualidade da educação diz para
eu abrir cinco turmas de dez alunos cada, porque assim será possível
proporcionar uma orientação melhor aos alunos, mas por outro lado
o meu salário diz para eu produzir cinco trabalhos porque isso vai dar
pontos na GED, então eu vou abrir uma turma com 50 alunos e vou
sacrificar a qualidade das aulas. O que é valorizado não é a qualidade
nem quantos alunos eu atendo por vez, mas sim quantos trabalhos
eu publico. E por aí vão as coisas, inclusive a avaliação. Eu não estou
falando grego, estou?
A professora Cristina também falou dos conflitos gerados pelo cuidado
com a transparência. Portanto, devemos ser transparentes e os segmentos
têm de indicar os membros para participar das CPAs. Aproveito para
aprofundar em outra linha. Vou falar da minha instituição e de instituições
parecidas e do que parece que é o pensamento de quem tem a gestão
administrativa na mão. As instituições federais são consideradas grandes
elefantes. São pesadas, naturalmente, sem o Sinaes. Com os Sinaes, ficam
como um elefante carregando cinco elefantes. Eu me explico: imagino
que em diversos locais a CPA vai apontar a necessidade de atualizar o
estatuto, por exemplo, porque está defasado. Isso exige que se estabeleça
uma estatuinte; e falar em estatuinte para qualquer reitor — aqui há vários
reitores, ex-reitores — causa arrepios em função da dificuldade que é, e dos
problemas que daí decorrem. Realmente, eu não penso que isso ocorre
por má-fé, de jeito nenhum, nem porque não se quer que a avaliação seja
feita. Mas pensar em parar o elefante que já é pesado... acaba parando,
ou dificultando, a própria administração. Eu me coloco na posição dos
reitores. Por isso surgem temores no ar: a avaliação produz naturalmente
“panos para manga”. Qualquer ponto pode gerar discussões e polêmicas,
e muita divergência, todos nós sabemos disso. Além disso, há muitas
unidades em cada grande instituição; dependendo de como a avaliação
é coordenada, pode gerar muita confusão. Se o entendimento da CPA,
que está claramente definido nos documentos, está explícito na lei, não é
bem entendido, conforme estamos discutindo, imaginem as outras coisas.
Junte-se a isso a expressão “a avaliação significa os olhos do MEC dentro
das instituições”, já falada aqui. Nesse contexto, a CPA situa-se, não é?
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Por tudo isso, entre outros, sabemos de várias instituições que ainda não
conseguiram aprovar o regimento da CPA, inclusive a minha. Está lá,
pronto, mas não se consegue colocar em pauta.
Há pouco, a professora Zenilda falou do desejo dos segmentos discente
e técnico-administrativo em dizer e cobrar coisas. Imagino que é disso que
qualquer gestão tem medo. Não o medo pelo medo, mas medo de ter a
máquina emperrada. Acredito que a democracia é muito boa e necessária,
mas que para a democracia existir certas coisas são atravancadas. Eu não
estou defendendo a “caneta livre”, nem a ditadura, nem nada, só estou
dizendo como é que funcionam as coisas.
Portanto, se nós queremos fidedignidade, se queremos uma avaliação
formativa, temos de colocar o dedo na ferida e olhar para essas coisas.
Tudo o que estou levantando aqui não significa que eu seja pessimista,
nem que estou querendo ser contra, justamente pelo contrário: eu gostaria
que mais professores fizessem tudo o que nós fazemos e, além de tudo,
discutissem a avaliação.
Finalizando, quero lembrar aquele outro problema, que já discutimos
aqui, sobre a dificuldade de reflexão, ou resistência à reflexão, por parte
de vários professores. Faço uma ligação com o que expôs na semana
passada a professora Letícia, da Universidade Federal da Bahia, durante
o Simpósio para Avaliadores Externos. Nesse evento, ela elencava os três
principais problemas relacionados à avaliação, a partir de um trabalho de
caráter internacional: incompetência, inexperiência e falta de ética. Fiquei
apreensiva diante do panorama que temos de enfrentar: incompetência,
inexperiência e falta de ética! Tudo isso tem de ser avaliado, quando se
avalia a implementação das CPAs e todo o processo seguinte.
Assim, peço desculpas se pareço “chão de fábrica” demais, mas não
posso deixar de fazer o meu papel, de levantar essas questões. Uma vez
que considero que “ainda bem que a avaliação existe”, finalizo esta
intervenção com uma fala positiva: eu defendo, mais do que nunca, esta
bandeira. Obrigada.
Professor Luiz Fernandes Dourado: eu acho que muito do que nós
estamos discutindo aqui traduz um momento novo. Nós só podemos
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
estar discutindo CPAs uma vez que há uma indução no sentido de
constituição das CPAs. Eu gostaria de ressaltar esse primeiro aspecto, e
colocar que muitas das questões que estão e têm uma interface direta com
a questão da avaliação elas, certamente, não se resolvem no horizonte
da discussão da avaliação.
Porque elas têm a ver com a própria lógica e estruturação da educação
superior do País. Uma lógica complexa, como já foi aqui colocado,
heterogênea, e que tem um balizamento numa política deliberada de
expansão sem as condições básicas para que se processasse uma educação
superior de qualidade.
Esse é o cenário desenhado. E o cenário anterior não problematizava,
por meio da avaliação, essa situação. Ao contrário, criava uma estrutura
de ranqueamento para, de maneira muito geral, indicar que estava
instituindo uma avaliação, mas sem uma perspectiva de fortalecimento
institucional.
Entendo que o esforço do Sinaes é o de não negligenciar a
heterogeneidade mas, ao contrário disso, buscar construir uma unidade
que tenha por referência o que seria um padrão de qualidade socialmente
referenciada.
Isso implica enfatizar a fala do professor José Dias, que hoje realçou
a importância do respeito à diversidade e à identidade institucional.
Nesse sentido, uma questão fundamental é: como traduzir nesse campo
a unidade e a diversidade?
Eu estou fazendo essas indicações para colocar que muito do que
nós estamos aqui discutindo, e com muita pertinência, com relação ao
chão da escola, é também própria da constituição da educação superior
considerando a trajetória, a identidade das instituições, bem como, as
possibilidades e os processos de construção que vem se efetivando. Tais
questões estão diretamente ligadas, hoje, a uma discussão nacional da
reforma universitária e, portanto, de um projeto de reestruturação da
educação superior.
Esse projeto da reestruturação da educação superior tem um link com
várias questões que foram aqui pontuadas. A avaliação está recorrente lá,
mas aparece descolada de algumas questões que foram apresentadas pelo
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Vicente. Eu só gostaria que nós fizéssemos sempre um link, talvez até para
adensar a discussão do projeto de reestruturação, buscando desvendar
em que medida aquele projeto retrata esse esforço de constituição do
Sinaes.
Vou chamar a atenção para alguns aspectos que foram aqui pontuadas.
Por exemplo, a questão da relação institucional, a relação mantida e
mantenedora. O projeto de reestruturação traz um dado novo ao abordar
novos horizontes nessa relação, no tocante às instituições privadas.
Essa proposta tem a ver com a questão que foi formulada, relativa à
relação de poder entre mantenedoras e autonomia das CPAs. E eu diria
mais, a discussão é mais ampla, envolvendo a relação entre mantenedoras
e mantidas. Em termos da estruturação e de desenho institucional, o
projeto de reestruturação vai interferir na maneira como vai se processar a
própria discussão da autonomia e o desenho de constituição da educação
superior.
As CPAs são os olhos do MEC dentro das IES? Eu acho que essa é
uma questão importantíssima, e ela retrata um pouco o olhar de quem
está na ponta, que sempre viu o MEC como o direcionador da avaliação.
O desafio de instituir, de fato, uma outra lógica avaliativa , bem como, a
sua a materialização no cotidiano vai possibilitando a vivência de todos
esses dilemas aqui colocados, o que traduz que o Sinaes já se apresente
como indutor de uma outra lógica avaliativa.
Eu gostaria de chamar a atenção para a existência de 1.831
CPAs, segundo os dados apresentados. Esse é um dado de realidade
extremamente importante, que já retrata esse novo momento em que
há uma proposição de se acompanhar o processo. Veja a diferença: se
nós pensarmos na dinâmica anterior de que a avaliação foi decretada e,
como tal, não ocorreu nem mesmo uma avaliação dos resultados, uma
vez que não havia uma disseminação ampla dos indicadores e que só
depois foi possível problematizar o significado dos conceitos “A”, “B”,
“C”, etc. Mas tudo aquilo foi criado, sim, com organicidade, no campo
das políticas, e a partir de um processo de mudanças por Decretos,
Portarias e Resoluções que absolutamente não consideravam a questão
da comunidade acadêmica.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Acho que esses indicadores precisam ser problematizados. Primeiro,
por esse grupo de especialistas cujo desafio é pensar o exercício de
implementação já no seu início. Isso permite uma questão importantíssima, que é um acompanhamento, em termos de série histórica do que
se está construindo, em termos de avaliação. Essa troca de experiências
sobre o processo de avaliação traz à tona questões que são de organização
e de gestão no campo das próprias instituições, e que são esses limites.
Quer dizer, há limites, mesmo no próprio processo dos órgãos colegiados
dessa instituição.
A dificuldade da discussão retrata a miopia e os limites que se
interpõem na constituição dos próprios órgãos colegiados. É óbvio
que eu estou falando de maneira geral e, aí, o campo, também, tem
as suas heterogeneidades. São dificuldades concretas, no interior das
universidades, imaginem nas demais instituições. Trata-se de algo
novíssimo para as faculdades, para os centros integrados, para as
faculdades integradas, para os centros universitários, em que essa questão
não estava no cotidiano dessas instituições.
Acredito que a estruturação das CPAs aponta para uma discussão
interna de sua própria constituição, possibilitando desvendar o que está por
baixo desse tapete. Porque, às vezes, a própria constituição, como foi aqui
colocado, é um tapete diante da comunidade universitária mais ampla.
Mas isso retrata a maneira como as políticas institucionais são
pensadas e são implementadas, na instituição. Então, essa nossa discussão,
aponta para a importância da avaliação como elemento de reflexão no
repensar do cotidiano institucional.
Eu chamo a atenção para o projeto de reestruturação da educação
superior, mas não apenas para a lei de inovação. A lei de inovação tem
uma interface extremamente propositiva com a educação superior.
A Parceria Público-Privada vai intervir na organização, nos processos
de gestão e terá uma interface, certamente grande, com essa discussão
sobre a educação superior.
Um outro ponto articulado a isso tem a ver com a produção
acadêmica. E há um contraponto entre a produção e o produtivismo.
O produtivismo estava espelhado numa concepção de avaliação. E o que
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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se está tentando restituir ou construir, ou consolidar, é, de fato, uma
linha de avaliação que caminhe por uma perspectiva de fortalecimento
institucional, em que a produção acadêmica considere os diversos
processos institucionais.
Certamente, o descompasso, por vezes, entre a graduação e a pósgraduação será dinamizado pela implementação do Sinaes. É importante
chamar a atenção para o produtivismo. A GED, a lógica e a tônica da
GED é expansão do ensino na graduação. Na pós-graduação são outros
os critérios.
Acho que esse tensionamento vai levar àquilo que eu disse pela
manhã: à necessidade de construção de um sistema nacional de avaliação.
Agora, somente se nós conseguirmos, como construção coletiva, a
legitimidade técnica e política, no sentido do enfrentamento a essas e
outras questões.
Nesse sentido, a constituição das CPAs retratam limites e possibilidades
institucionais. Mas já se constitui um momento importante, que já nos
permite, nessa reunião de avaliação, colocar o seguinte: há um conjunto
de equívocos, na constituição das CPAs. Nós não podemos nos esquecer
que elas estão constituídas e que se pode avançar, recuperando, desse
modo, a própria idéia da avaliação como um processo.
Quer dizer, se é processo, entendo que os nossos olhares, aqui, buscam
agregar valor para se consubstanciar o Sinaes como um sistema, e não
apenas como uma medida pontual: a questão da avaliação.
Esse processo nos coloca diante da necessária problematização do
cenário da educação superior. Não se trata de naturalizar um cenário
em que mais de 70% das matrículas estão no segmento privado, onde a
maior parte da educação superior, sobretudo a graduação, se efetiva em
estabelecimentos não universitários, predominantemente em faculdades.
Mas, pensando esse cenário, pensando a lógica das políticas
que consubstanciam ou que venham a consubstanciar o projeto de
reestruturação da educação superior, entendo que é fundamental
avançarmos na questão da avaliação materializada no projeto de reforma
universitária que está sendo discutido, e todos os desdobramentos no que
concerne, entre outras, a mudança que está sendo proposta, no tocante
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
ao processo de diversificação e diferenciação institucional. O projeto
de reestruturação está enxugando aquela estrutura, rompendo com os
institutos superiores.
Existe um conjunto de questões que têm uma interface com as
discussões aqui desenvolvidas. Pela proposta ficariam as universidades,
centros universitários e as faculdades. Qual o impacto disso nessa
dinâmica na avaliação e na própria lógica de financiamento que a todo
momento aqui tem sido colocado?.
Bom, essa questão, então, nos coloca diante de um desafio, que é
de pensar a ação do sistema nacional. Ele já é indutor, e aí eu digo, as
CPAs traduzem isso, mas como assumir interface mais propositiva, no
campo da mudança institucional? A avaliação da própria constituição
das CPAs e o estabelecimento de diretrizes deve se efetivar a partir do
“chão da fábrica”, mas articulado à concepção de educação superior que
se quer instituir, porque senão a gente corre o risco de diluirmos algumas
questões que têm a ver com uma centralidade, que é de qual a concepção
de educação superior que nós estamos querendo e qual é a concepção
que norteia o sistema nacional.
Se nós formos para as ações pontuadas no Plano Nacional de
Educação, ele fornece uma guarida substantiva. Tem, pelo menos, cinco
metas diretamente relacionadas à avaliação. E, nessas metas, o papel da
União é muito claro: a União coordena o processo e, como tal, estabelece
diretrizes para o próprio sistema de educação superior e a interface, aí,
com os sistemas estaduais que está se tentando efetivar, tem uma relação
muito direta.
Bom, essa discussão nos coloca diante de um cenário que é de
problematizar, sim, as CPAs e avançarmos na perspectiva da sensibilização.
E, aqui, eu vou retomar algumas falas. Eu acho que uma delas tem a ver
com se sensibilizar para além das CPAs. Quer dizer, as CPAs se constituem,
como tal, com essa identidade e natureza, mas o processo de sensibilização
deve ser da comunidade universitária e da sociedade.
Então, é fundamental, nessa direção, pensar ações com o Movimento
Estudantil, numa perspectiva tanto de discussão quanto de disseminação
dos processos avaliativos. Aí é questão de concepção e de princípios,
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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destacando a concepção atual de avaliação ressaltando, entre outros,
a própria idéia de processo, de retroalimentação e de coordenação de
esforços.
Por mais complicado que seja, esse é o esforço necessário, nessa
construção. E, historicamente, se nós pegarmos a história da universidade,
muito do que a universidade avançou, ela deve ao Movimento Estudantil,
no sentido de criar trincheiras, de efetivar determinados embates e,
certamente, o Movimento Estudantil foi um aliado extremamente
importante, no sentido de nós avançarmos, até na ocupação de
espaço, numa concepção de avaliação que fosse mais ampla do que a
implementação de testes.
O envolvimento do Conselho de Reitores (Crub), com essas questões,
tem um papel importante porque, acho que foi pontuado pelo colega,
o tempo se colocou como limite nesse encaminhamento. Mas a própria
idéia das CPAs é uma idéia dinâmica. Então, isso pode e deve possibilitar
algumas ações. Eu acho que ações direcionadas ao Crub, no sentido de
sensibilização, também, de realçar esse papel político.
A Andifes, enquanto segmento federal, deve constituir-se em um
importante canal de interlocução e também os segmentos privados,
que na verdade não se constituem como universidades. Outro espaço
importante deve se efetivar por meio da articulação com o movimento
sindical e as sociedades científicas.
Destaco o esforço que o Inep desenvolveu, desde o ano passado, no
processo de construção do Sinaes buscando, desde a sua implementação,
ampliar o espaço de discussão e, ao mesmo tempo, disseminar esse
movimento. Quer dizer, é uma relação de construção onde disseminação
e avaliação da avaliação caminham juntas.
Eu gostaria de retratar o espaço que o Inep ocupou, por exemplo,
na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (Anped) da área
de Educação. Se havia, no âmbito da Anped, um contingente que era
refratária à discussão da avaliação, por um conjunto de desdobramentos
e até pela interface com a questão da pós-graduação. Nos últimos
encontros, e nessa última reunião — em que a discussão da avaliação
ficou no último dia, e não apenas no último dia, mas na última tarde —,
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
houve um grande público interessado. Há um interesse na discussão
da avaliação. Acho que esse processo de sensibilização é extremamente
oportuno.
Bom, agora vou finalizar colocando o que nos motiva, alguém disse
isso, que é a utopia de uma construção de processos de avaliação. E, aqui,
vamos novamente retomar a discussão da heterogeneidade no campo.
Nós temos, na educação superior brasileira, instituições que
vivenciaram o Paiub e que continuaram tentando implementar ações
numa direção mais ampla do que aquelas instituídas no Brasil, sobretudo
após 1995.
Com isso, quero dizer que já tem algum tipo de história, de memória
institucional, na questão da avaliação. Temos outras, que não apenas
absorveram aquela lógica, mas internalizaram a lógica do exame nacional
como o substrato da avaliação, e um conjunto de instituições que
tentaram e que não conseguiram encaminhar uma proposta institucional
de avaliação, mas sabiam que o Exame Nacional não era o seu norte.
Lidar com essa realidade complexa implica entender que não se trata
de uma questão que se resolva sob o crivo regional. Vou usar o que é mais
emblemático para colocar que a Região Sudeste convive com situações
díspares, no tocante à avaliação.
Estou, aqui, tentando problematizar a própria discussão regional, sem
perder de vista a importância de romper com a questão das desigualdades
regionais. Mas colocando que essa heterogeneidade se dá na realidade
brasileira se dá no âmbito regional, e dentro da própria instituição. Quer
dizer, eu acho que esse enfrentamento teria que partir do conjunto de
IES e realidades em que se processam a educação superior por meio de
um projeto de qualidade.
E isso, certamente, passa por um grande movimento, pela discussão
das propostas de reestruturação da educação superior, da construção da
identidade institucional, das finalidades, enfim, do que a gente entende
por educação superior neste País.
Finalizando, eu acho que o Sinaes contribui mesmo. Contribui pela
lógica de constituição, contribui na medida em que criam possibilidades
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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como essa mas, também, poderá contribuir com outras possibilidades
formativas.
E este encontro, certamente, gera um impacto, no sentido de como
proceder, no processo de implementação das CPAs. Tentando analisar,
de maneira mais pormenorizada, esses indicadores retratam as formas
de organização e de gestão, as possibilidades políticas mas que são,
também, históricas.
Eu vou fazer, aqui, o uso de uma conversa que tive, recentemente,
com um diretor de uma instituição que estava saindo da condição de
faculdade integrada e querendo se transformar em centro universitário.
Ele colocava o seguinte: “muito do que vem da determinação oficial
a gente tenta implementar no cotidiano institucional”. Quer dizer, há
uma idéia, uma cultura de uma relação de determinação.
Construir uma outra lógica de relação entre o MEC e as instituições
é fundamental. Não é reeditar o determinismo, mas estabelecer um
processo relacional a partir da construção de diretrizes e de parâmetros
que possam servir ao processo de avaliação e, ao mesmo tempo, para
a avaliação da avaliação.
São essas as reflexões e questões numa perspectiva de alguém que
entende cada um de nós, aqui, como multiplicador, cada um na sua
instituição, nos diferentes espaços. Cada um tendo como função
precípua discutir e disseminar essa nova lógica que se está tentando
construir e instituir. Acho que esse é um desafio, nessa atividade,
sobretudo porque essa prática social, que é a educação, se efetiva
como ato político, partidário, intencional e engajado de alguma
concepção.
A metamorfose por que passaram as instituições educacionais, nesses
últimos oito anos, implica a revisão e implementação de um outro
paradigma para a educação superior por meio de uma dinâmica mais
ampla que envolva questões como financiamento, a relação mantida e
mantenedora, a própria questão da avaliação. Mas, também, de modo
concomitante, a implementação dessas ações.
Obrigado.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Professora Cristina Helena Agostim: eu não sei se eu vou, na verdade,
usar da oportunidade de falar agora ou, talvez, amanhã de manhã.
Porque eu tenho algumas considerações que entram no documento
que foi discutido. E eu acho que já está muito tarde. E eu só gostaria
de pontuar duas coisas que eu acho importantes, que talvez não
tenham ficado tão claras nessa discussão, e só pontuar mesmo. Que
não é a questão só do perfil do presidente da CPA, que é muito mais
da relação de trabalho conjunto dessa CPA, apesar de ela ser um órgão
independente, que ela possa se estabelecer dentro da constituição da
universidade. Ela tem de ter representação.
Então, pode ser até que o presidente da CPA não seja esse grande
avaliador, mas tenha capacidade de diálogo. Se ele tiver isso, a parte
operativa, operacional ele aprende, ele lê, mas ele tem de ter essa
capacidade.
E nós temos de ver como é que a gente insere essas CPAs dentro
da rotina da universidade. É óbvio que a gente sabe que não é a CPA
que faz a avaliação — é óbvio. Mas ela tem de dialogar, se é que ela é
indutiva e se ela tem esse papel que se propõe a ter.
Gostaria de pontuar isso, para que a perpctiva sobre o que tem de
estar no perfil do presidente não seja perdida. E eu deixo para amanhã
a questão da avaliação.
Professor José Dias Sobrinho: há aqueles que mostram as
dificuldades e aqueles que mostram mais otimismo. Aquela velha
fórmula — pessimismo na crítica, na análise, mas otimismo na ação
—, eu acho que é sábia. Está todo mundo sabendo das dificuldades,
dos problemas, mas também todos aderindo a esta idéia, a esta causa.
Isso é positivo.
Eu só quero marcar, também, alguns pontos. Não vou entrar em
detalhes. Primeiro, dizer que existe uma espécie de gramática na avaliação
institucional. Eu trabalho, assim: os sujeitos são potencialmente todas as
pessoas de uma instituição. A gente sabe que, na realidade, são poucas
as pessoas que vão participar efetivamente. Mas, usando a expressão
do Wagner, o importante é o engajamento, o comprometimento, o
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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compromisso que as pessoas têm. Não adianta eu ter todas as pessoas
respondendo o questionário, se essas pessoas realmente não estiverem
envolvidas. Então, o importante é que quem adere, quem trabalha,
quem participa das discussões realmente esteja envolvido com as
conseqüências.
O objeto da avaliação institucional é a instituição toda. Obviamente,
isso está muito abstrato. Precisamos selecionar, ainda, alguns aspectos
dessa realidade tão complexa. Podemos recortar este objeto de diversas
formas, mas nunca perder de vista a finalidade da educação e, portanto,
a finalidade da própria avaliação da educação, que é a formação. A
questão é: que tipo de formação nós estamos promovendo na nossa
instituição, em cada uma das instituições e no sistema, como um todo?
Esse é o objeto.
E o modo de proceder à avaliação é institucionalmente. O processo
de avaliação não rompe a institucionalidade de uma instituição. Os seus
Conselhos, as suas Câmaras, enfim, as suas instâncias democráticas já
constituídas deverão ser chamadas, num determinado momento, a tomar
as suas posições relativamente às matérias, aos assuntos que a avaliação
está trazendo. A CPA não faz a avaliação, mas organiza e articula os
diversos aspectos.
A propósito de uma fala do Benoni, acho que é importante dizer
o seguinte: nós eliminaríamos muito das resistências internas, no chão
de fábrica e faríamos um “empoderamento” muito mais vigoroso da
instituição, se evitássemos avaliações muito individualizadas.
Se nós conseguirmos passar a idéia de que a cultura da avaliação não
é para avaliar o indivíduo, o professor individualizado, o estudante, o
servidor técnico fulano de tal, e, sim, a função, nós estaríamos evitando
muitos problemas. Importante é avaliar a docência e não o docente.
A pesquisa e não o pesquisador individual, e assim por diante. O ensino,
a aprendizagem, essa relação, e não necessariamente o estudante tomado
separadamente.
O Vicente fez um belo levantamento da situação atual, mas quero lembrar
o seguinte: a situação possivelmente já mudou. Muitas das CPAs foram
constituídas há alguns meses atrás, setembro, outubro, desde julho, não é?
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Algumas refizeram e algumas estão refazendo ainda. O que acontece?
É que quando foi colocada a necessidade de constituir essas Comissões,
as instituições não sabiam muito bem o que seria uma CPA e as pessoas
disseram: “tudo bem, eu quero participar da CPA, etc.”
Depois que foram feitos os 4 Seminários Regionais das CPAs, muitas pessoas
ficaram um pouco assustadas, dizendo assim: “bom, eu não sabia o tamanho
da encrenca”. Houve até uma expressão assim: “olha, estou como uma lagartixa
pregada na parede, de olhos arregalados”. Certamente, houve alterações. Seria
interessante ver como é que estão agora os perfis das CPAs.
Foi dito que em poucas CPAs o coordenador é da sociedade civil e
não da IES. Seria conveniente saber se não se trata de algum professor
que se afastou da instituição ou pertence à rede de ensino. Se for isso, é
muito interessante. Agora, se a avaliação não for bem feita, com seriedade,
a instituição será prejudicada, sofrerá alguma conseqüência.
A minha maior preocupação é com as CPAs das pequenas instituições,
novas, privadas — que constituem o grande perfil da educação superior
brasileira. Os docentes dessas instituições, em geral, não têm a tradição
da avaliação, a cultura de uma avaliação participativa, tipo Paiub.
Eu acho que as instituições ligadas à Anaf, por exemplo, mereceriam uma
atenção especial para que implementem adequadamente os processos de
avaliação, mesmo porque isso vai ter conseqüências na regulação. Talvez
nem todas as instituições estejam atentas para isso, neste momento.
Um outro aspecto, para finalizar. Já andamos bastante, porque já
existe cerca de duas mil CPAs no Brasil, um núcleo em cada instituição,
grande ou pequena que, de alguma forma, está convidando a comunidade
a fazer uma avaliação participativa e democrática.
Mesmo que as pessoas não participem, no chão de fábrica, por algum
motivo, pelo menos existe essa questão: olha, existe essa oportunidade de,
agora, a gente participar. E eu tenho dito por aí: o Sinaes será aquilo que
a comunidade acadêmica e científica conseguir e quiser fazer dele.
O Inep já promoveu diversos eventos e mais de 6 mil professores já
tiveram algum contato com este modelo de avaliação, no País. Nunca
ninguém havia discutido, no passado, o que era o Provão ou qual e como
deveria ser a avaliação da educação superior. Agora, estamos colocando nas
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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mãos da comunidade a possibilidade de cada um ser um ator, um agente
da avaliação. Essa possibilidade não é irrelevante. Ela é fundamental na
transformação da educação superior.
E me permitam, também, um pequeno depoimento pessoal. Eu tenho
viajado um pouco por aí, falado em diversas instituições. É evidente que,
quando eu vou a uma universidade que me convida, eu não estou falando
para 100% da comunidade, é apenas para um grupo pequeno, de 100
ou 200 pessoas interessadas no assunto. Mas essas pessoas demonstram
um entusiasmo que me deixa, também, entusiasmado. Eu acho que isso
é uma semente. Acho que precisamos de trabalho e persistência para
construir.
Ocorre-me, agora, a imagem da apoteose, da morte celular. A biologia
diria: uma célula morre para nascer outra. Nós estamos vivendo esse
processo. Nós estamos nesse momento de criatividade e transformação.
É assim que estamos caminhando, nesse momento de criação, de
transformação de um modelo de avaliação a um outro, o Sinaes, que
juntos estamos construindo
Professor Dilvo: para concluir, algumas reflexões — rapidamente. Eu
vou pegar o gancho, aqui, na palavra persistência, que o José levanta.
Eu acho que vou pegar em dois sentidos: primeiro, a persistência do
Paiub. Depois de dez anos, ainda tem Paiub por aí, fazendo relato
de um projeto que se iniciou sem infra-estrutura, apenas com alguns
profetas, que saíram por aí, semeando.
Eu me surpreendo com a resistência do Paiub. Mas o Paiub teve uma
grande virtude. Essa virtude surgiu numa coisa chamada “participação”,
saiu da participação. Porque o Paiub surgiu no âmbito da Andifes, ele
envolveu os fóruns de pró-reitores de graduação, de planejamento, de
pesquisa. O fórum de graduação teve uma participação intensa, naquela
época. Mas, também, o fórum de extensão esteve presente. E, no final,
mesmo que ele tivesse sido, de certa forma, adotado pelo Ministério, ele
nunca chegou a se identificar totalmente como um projeto do Ministério
da Educação. Até porque o Ministério parece que não queria muito, não
é? O que foi lamentável.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Mesmo assim, ele sobreviveu. Ele sobreviveu porque ele tinha
legitimidade nas bases. E eu sempre digo: Olha, tem dois textos que
me influenciaram muito na vida. Um é o diálogo do Platão, chamado
Critão; e outro é o texto do Henry David Torrow chamado Desobediência
Civil. Dois textos, assim, totalmente distantes, no tempo, um com mais
de 2.300 anos, e o outro escrito em 1848.
O que os dois têm em comum? Bom, no Critão o Sócrates está na
prisão, condenado à morte e chega o seu amigo Critão e lhe diz: “não te
preocupes, Sócrates, nós já subornamos os guardas, está tudo resolvido.
Nós vamos te tirar daqui, o navio está chegando, assim, assim. Não tem
problema nenhum”. Sócrates diz para ele: “espera aí, Critão, qual é? Que
história é essa? Senta aqui” – que era típico dele – “vamos discutir esse
negócio. Eu passei a minha vida toda nessa cidade como educador, e
sempre defendi as leis do Estado, até ajudei a fazê-las”. Porque ele, de fato,
foi político, por algum tempo, resistiu, algum tempo, como político. “E
como é que eu posso, agora, a primeira vez que as leis se voltam contra
mim. Erraram, evidentemente. As leis se voltam contra mim, como é que
eu posso deixar de obedecê-las? Não, as leis não estão erradas, houve uma
aplicação equivocada. Que exemplo que eu vou dar como educador, para
a sociedade?”. Essa era a questão que ele estava levantando: “Que exemplo
que eu vou deixar? O que acontece com o Estado, se cada um tomar
as leis para si próprio resolver, resolver do seu jeito?”. O que acontece
com — ele não usou essa expressão, mas é isso: o que que acontece com
o Estado de Direito, o Estados das Leis? É a primeira defesa do Estado
de Direito: “então, eu vou participar e vou morrer, tudo bem, não tem
problema”. E não aceita, e ele morre, é condenado à morte, pelo desejo
de identificação com o projeto que ele ajudou a construir. Bom, certo
ou errado, essa é a idéia.
Em 1848, o Torrow descobre que os Estados Unidos estão fazendo uma
guerra e insuflam um movimento no Texas, para poder fazer o grande projeto
de Nação, que era conseguir um porto no Pacífico para fazer comércio com
a Ásia. Descobre que esse movimento no Texas foi insuflado de propósito
pelo governo, para poder, depois, fazer uma guerra com o México e conseguir
os territórios. Isso faz parte de um projeto do James Madson, pelos idos de
1815. E associado, inclusive, à questão dos escravos.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Torrow diz assim: “eu não vou pagar imposto. Quero ser preso. Eu me
recuso a sustentar essa guerra”. Nisso chega o amigo Emerson para visitálo na prisão e diz: “o que você está fazendo aí dentro?”. Aí ele responde:
“e você, o que está fazendo aí fora? Devia estar aqui dentro”.
A verdade é que o Torrow inspirou o movimento do Gandhi, inspirou
o movimento do Martin Luther King, porque era gente que estava
dizendo: “eu não vou defender aquilo que eu não participei. Porque
eu, como indiano, devo defender os britânicos, as leis dos brancos,
aqui, no meu território?” (...) “Porque eu, como negro, devo defender
as leis do Apartheid, se eu não ajudei a fazer essas leis? Até porque elas
depõem contra mim.” Então, por razões bem diferentes, os dois acabam
defendendo, basicamente, a mesma coisa: eu só posso defender aquilo
do qual eu participo e me sinto parte.
Eu acho que o que nós estamos construindo aqui é justamente essa
idéia da participação. Estamos tentando envolver o máximo de pessoas
num projeto que pode revolucionar a educação brasileira. Eu tenho
essa visão. Eu acho que pode, vai garantir mais qualidade social, vai
tornar essas universidades mais cidadãs, a educação superior como um
todo, ganhando uma nova dimensão. Mas isso só vai acontecer se nós
conseguirmos fazer a avaliação participativa, de fato, com o envolvimento
de toda a comunidade.
Eu não tenho medo nenhum de como fazer, porque o “como” vai se
construindo. De todas essas perguntas que foram levantadas nas CPAs,
eu diria que 90% delas já foram respondidas por si só. O tempo já
respondeu.
Nós, aqui, o Benoni, o Amir, a Iara, o José Dias, que já é parte da
Deaes, embora ele não perceba, em vários momentos, nos perguntamos
qual é o momento mais difícil. Será que o momento mais difícil foi
conseguir aprovar o Sinaes? Ou, se alguém pensa um pouquinho na
história vai se lembrar de coisas como Sinaps, vai se lembrar de Conave,
Conapes, Ides. Vocês se lembram disso?
A própria construção do Sinaes foi um processo de disputa intenso,
não vamos ter ilusões. Foi muito árduo, até o último minuto, dentro
do Senado e da Câmara dos Deputados. Profundamente difícil. Mas
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
eu achava, depois disso, que o momento mais difícil seria o primeiro
encontro com as CPAs, porque eu achava que este era o grande momento
de conseguir sensibilizar para a avaliação. Foram encontros muito
curtos. E quando passaram os encontros com as CPAs, nós respiramos
aliviados.
Veio o Enade: será que nós vamos conseguir passar pelo Enade?
E assim por diante. Passamos por todos eles. E estou convencido de
que os instrumentos, durante a avaliação institucional externa, vão
ser instrumentos... Fizemos um roteiro: o instrumento de avaliação
institucional está em processo de elaboração, na minha avaliação já muito
bom. O instrumento de avaliação de curso vem em seguida, estamos
fazendo isso de forma casada.
Eu não tenho medo disso. Eu me lembro sempre do problema que
eu tive, quando era pró-reitor de graduação — e aí eu vou terminar com
essa história —, quando tínhamos um problema muito simples, que era
conseguir ocupar plenamente as vagas da universidade, em 1993. E nós
não conseguiamos usar plenamente as vagas da universidade.
O curso de medicina começava com 8% de evasão. E o nosso elitismo
instalado, e o burocratismo instalado, e o legalismo instalado, não
deixavam que a gente preenchesse essas vagas. Até que um belo dia uma
professora veio e disse: “professor Dilvo, exijo a vaga para a minha filha,
a vaga do curso de jornalismo, porque eu sei que tem uma pessoa que
está matriculada lá em Curitiba, fez vestibular aqui, fez vestibular lá e
ela não vai fazer aqui, ela vai fazer lá. E a minha filha é a próxima da
lista. Eu exijo que ela seja chamada”. Eu disse: “apóio. Apóio”.
Foi para a Câmara de Ensino, de graduação. Perdeu. E eu disse:
“entra com recurso”. Entrou no Conselho de Ensino e Pesquisa. Perdeu.
Mas porque que perdeu? Porque o burocratismo dizia: “vai ser um caos
administrativo, é impossível. Não dá para fazer. Imagina se o sujeito,
depois, exigir voltar. Nós vamos ter problema de vagas. É direito dele”.
Eu dizia: “pode até ser um direito, mas é um direito monstruoso você
ocupar uma vaga, impedir que o outro estude, se você sabe que não
vai estudar. E se o problema surgir, muito bem, que surja, nós vamos
resolvê-lo”.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 15/12/2004. Debate Tarde.
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Bom, foi para o Conselho Legalicitário, coincidiu que, naquele dia,
eu estimulei. Surgiu uma nota maldosa na imprensa, dizendo: “próreitor quer colocar gente por baixo do pano”. Essa era a nota, uma nota
apócrifa publicada num jornal, por um colunista. Depois ele publicou a
minha resposta, eu tive de conversar uma hora com ele, para ele ver que
eu não estava falando de um caso, que a pessoa que estava ali não tinha
entendido nada. Eu estava falando de todos os casos idênticos àquele,
que eram merecedores de vaga.
Coincidiu que naquele dia o reitor não compareceu ao Conselho
Universitário, o vice também, o pró-reitor mais velho não apareceu
também. Assim eu presidi o Conselho. Conseguimos convencer o
Conselho, por quase unanimidade. Houve caos administrativo? Nada.
Naquele semestre, 80 indivíduos entraram, ocupando aquelas vagas. E hoje
é norma. A universidade segue isso como norma até hoje. Aperfeiçoou a
norma. Está muito melhor hoje do que quando nós elaboramos.
Mas o que eu quero dizer é que há culturas que têm de vencer. E,
hoje, nós estamos trabalhando contra uma série de resistências, e uma
resistência que vem de redes construídas durante oito anos, não vamos
ter ilusões. Essas redes também têm de ser vencidas. E temos de fazê-las
entender o novo sistema. Nós podemos, até, estar sendo um pouco
ineficazes, na nossa capacidade de comunicação.
Agora, eu quero garantir a vocês: vai melhorar, é possível fazer, é
perfeitamente possível fazer. E nós podemos criar, de fato, por meio das
CPAs. Agora que nós já identificamos boa parte dos problemas, e vamos,
em seguida, ajudar a identificar os caminhos para solucioná-los. Acho que
esse é o encaminhamento natural que nós precisamos fazer: identificar os
problemas, nós vamos tentar identificar quais são os encaminhamentos.
Mas isso é tarefa para amanhã.
Agora, eu queria terminar, aqui, com uma nota de otimismo. Eu
fiquei feliz com o que eu ouvi. Acho que a idéia de colocar gente que
teorizou sobre essas questões com pessoas que têm representatividade
política perante os fóruns e com pessoas que são responsáveis pela
operacionalização, da condução específica de CPAs, por enquanto, está
se mostrando muito acertado, e eu estou muito satisfeito.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 16/12/2004
Debate Manhã
Professor Dilvo: gostaria de lembrar que nós estamos, a rigor,
escrevendo um livro. Estamos debatendo e o que dissermos será depois
transcrito e deverá tornar-se um livro. Não é para tolher a liberdade,
mas eu gostaria que tentássemos, de alguma forma, pensar em termos
dos capítulos que estamos escrevendo. Começamos pelo capítulo
introdutório, teórico. Depois, debatemos um lado mais prático, da
perspectiva da execução do plano governamental. E, agora, caminhamos
para uma visão de alguém que está na ponta, no chão de fábrica, embora
essas coisas se cruzem o tempo todo.
O último capítulo, que nós temos de começar a preparar, deve
incluir as propostas, as conclusões, os encaminhamentos, as sugestões e
as recomendações.
Então, dito isso, vamos à exposição do professor Wagner.
Professor Wagner: inicialmente, quero agradecer ao convite, que me
foi formulado pelo professor Dilvo, para aqui escrever um pouco sobre
a nossa experiência, no chão de fábrica, da Federal do Ceará, sobre o
funcionamento das CPAs.
Então, preparei um pequeno texto, que é esse que os senhores e as
senhoras têm em mãos, cujo título é Comissões Próprias de Avaliação
(CPAs): desafios, necessidades e conseqüências da sua atuação, visando
à implementar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Sinae).
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Eu faço uma primeira chamada de que parte desse texto foi
apresentado no XXI Fórum de Pró-Reitores de Graduação, realizado nos
dias 28, 29 e 30 de novembro de 2004, lá em Fortaleza, no qual algumas
colegas nossos estiveram presentes.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: seguindo a orientação do
professor Dilvo de trabalhar hoje no sentido de elaborar estratégias e de
operacionalização, após nosso trabalho de ontem de diagnóstico, quero
recuperar algumas reflexões para podermos discutir o que fazer. Quero
fixar-me em dois pontos principais, tentando entender o porquê da
dificuldade, do medo ou da resistência.
Primeiro: suponho que é possível afirmar que grande parte das
dificuldades encontradas reside no desconhecimento, puro e simples, da
comunidade. Ontem mesmo, discutimos aqui que as CPAs não têm, ainda,
muita clareza do porquê foram constituídas, visto a diversidade do que está
acontecendo. Portanto, desconhecimento é um problema grande.
Segundo: os interesses divergentes. São inúmeras as pessoas ou
organizações que sabem do real valor da avaliação, que querem trabalhar
a avaliação, mas têm interesses ou objetivos diferentes dos nossos, que
estamos aqui discutindo a avaliação com essas características.
Assim, como estratégia, em primeiro lugar, acredito que temos de
trabalhar com as lideranças – lembrando inclusive daqueles que estão
distantes deste tipo de reflexão, como já discutimos, e que seguem as
suas lideranças. O Inep está fazendo isso, na medida em que realiza
esses seminários, convidando pró-reitores, reitores, presidentes de CPAs,
pesquisadores institucionais, que, na realidade, não são os que estão
causando maior resistência. Volto, portanto, a tocar no assunto dos
sindicatos. As organizações estudantis e os sindicatos, tanto dos servidores
técnico-administrativos quanto dos docentes, têm garantido seu espaço
nessa discussão. Por exemplo, a Andes tem um assento garantido na
Conaes, mas esse assento não foi assumido. Sabemos também que em
algumas CPAs há representação dos sindicatos, que também não foram
assumidos. E nós estamos fazendo de conta que isso não acontece.
Aí está um grande problema no nosso andamento.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Tenho acompanhado, a partir da minha universidade, o que deve
estar acontecendo em todas as universidades federais: nos últimos
meses, está havendo um grande movimento, encabeçado pela Andes, de
construção do movimento contra a reforma universitária. Não se trata
de um movimento de discussão da reforma, mas de um movimento
contra a reforma universitária. Assim, cada vez que nós tentamos fazer
alguma discussão sobre avaliação, surge aquele temor no ar, em função
das repetidas matérias divulgadas no boletim informativo, apontando
que a avaliação está atrelada à autonomia e ao financiamento e que isso
é mau.
No meu entendimento, o que temos de fazer é “trazer para junto”.
Não para construir o consenso, porque o consenso não existe e seria
pouco inteligente, mas para construir um entendimento mínimo. Por
que não tentarmos trazer essas idéias contrárias para nossa discussão? A
discussão só engrandece a todos, tanto o lado que tem medo da avaliação
quanto o lado que defende a avaliação. É óbvio que a discussão vai
só construir! Se nós não trouxermos para a discussão conjunta, essa
resistência vai se perpetuar ad eternum, eu imagino. Ou até o momento
em que alguma coisa seja interessante para o lado que tem resistência, e
aí passe a haver apoio.
Resumindo, esse é primeiro ponto estratégico que proponho. Eu não
vejo porquê a gente continuar desconsiderando a voz que resiste.
O segundo ponto estratégico que proponho está relacionado com o
que discuti ontem, e também com as reflexões da professora Neuza e
da professora Cristina: penso que deveríamos estudar uma maneira de
transformar esse processo de avaliação em obrigatoriedade ou recompensa,
não estou bem certa ainda qual deles. Isso porque sabemos que, em
função da carga de trabalho pesada, somos movidos por prioridades. Se
a prioridade é preencher relatórios, se a prioridade é produzir trabalhos
científicos, se a prioridade é administrativa, é essa a prioridade que vai
ser atendida. A avaliação, se não for prioridade, acabará sempre ficando
de lado. O texto do professor Wagner coloca alguma coisa sobre “tentar”,
o coordenador do curso “tentar”. A gente sabe que muitas pessoas são
simpáticas ao tema, a incorporarem-se ao movimento, a discutir, a fazer,
assumir o bastão da avaliação, na sua unidade. Mas porque a prioridade é
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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outra, a avaliação vai ficando em segundo plano. Discutimos ontem que
nós, professores das universidades federais, somos movidos pela GED e
corremos atrás de pontuação. E a pontuação, hoje, não está priorizando
a avaliação.
Para ilustrar, quero lembrar a época em que foi aprovada a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LBD), em dezembro de 1996, que
propunha algumas idéias novas, como, por exemplo, as diretrizes
curriculares, os cursos seqüenciais, as 300 horas. Na época, em nossa
universidade, chamamos todos os coordenadores de curso para discutir
as diretrizes e houve alguns que disseram que não teriam tempo ou
disposição para isso e que esperariam outros cursos do Brasil fazerem-na,
para então utilizar os resultados da discussão alheia. Na mesma época,
em função das nossas discussões internas, tivemos acesso a pareceres do
Conselho Nacional de Educação, onde se afirmava a dificuldade em
fornecer orientações sobre determinados temas uma vez que o autor
da Lei, professor Darcy Ribeiro, havia falecido e ninguém sabia o que
ele realmente havia pensado quando propôs certas coisas. Hilário, mas
real! Algumas pessoas daqui se lembram disso, não é? Assim, fica fácil
perceber as diferenças de motivação: para alguns o interesse em discutir,
desenvolver e fazer. Para outros, a simples manutenção da rotina.
Resumindo, as duas estratégias de mobilização e de operacionalização
que proponho são trazer os que resistem, efetivamente, para a discussão,
e fazer com que a avaliação seja incorporada à rotina, de alguma forma,
ou por obrigatoriedade, ou por recompensa. O chão de fábrica funciona
assim. Não tem como a gente colocar a peneira na frente do sol, não é?
Professor Walter Frantz: ontem, nós tivemos, aqui, uma belíssima
discussão, a partir do texto do professor José Dias. Eu diria que ele
nos expôs um quadro de reflexão teórica que, de longe, ultrapassa a
própria preocupação com a avaliação institucional. Penso que foi
muito bom.
Depois dele, tivemos dados mais concretos, apresentados pelo Vicente,
do que se fez e como está se fazendo agora, quer dizer, alguns dados mais
específicos com relação ao encaminhamento das CPAs.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Também o grupo mais representativo do assim chamado “chão
de fábrica” fez estardalhaço, colocando sempre as suas preocupações,
tentando puxar as discussões para o real, para o chão, apontando, eu
penso que com muita propriedade, uma série de questões que a gente
poderia chamar até de limites, na questão da avaliação institucional. E
nós fizemos, aqui, a partir destas, digamos, três fontes, uma reflexão
sobre o que seria, então, a avaliação institucional.
Ontem o professor Andriola, ao irmos para casa, foi falando e
apresentando o seu texto. Penso que é um belo texto, também, de reflexão
acerca do sentido do Sinaes, colocando-o dentro do contexto da discussão de
ontem. A partir das dificuldades, a partir de sua experiência prática, parte para
a indicação de encaminhamentos. Penso que por isso é muito valioso.
As instituições todas não têm, certamente, o avanço da discussão
que tem a Universidade Federal do Ceará, não têm o avanço que têm as
instituições que aqui vocês representam.
Por isso, penso que nós vamos ter de ter, também, os pés no chão.
Isso também faz parte da estratégia de não partirmos, digamos, do
nosso nível de visão e de clareza, mas de tentar enxergar um pouco
mais baixo.
O meu envolvimento com Sinaes, como já disse ontem, é muito
pequeno. Aceitei a vir para cá porque eu senti que se dissesse “não”, me
sentiria muito envergonhado, como professor de universidade, porque
esse processo me atinge diretamente e eu não posso fugir disso.
Fui dirigente de universidade e estou aqui também por causa
disso. Nunca gostaria de ter tido sobre os meus ombros toda uma
responsabilidade pela universidade, mas, na época, quando fui motivado
pelos colegas para me submeter à eleição desse cargo, senti, de certa forma,
que seria até covarde em não aceitar trabalhar, como outros o fizeram.
Então, me senti obrigado.
E dessa vez, de novo, me pegaram por esse sentimento de compromisso.
Penso que a gente não pode fugir desse convite ao trabalho, apesar de
que tenho lá minhas preocupações com meus projetos, acho que justas,
nessas alturas, digamos, do terceiro estágio da vida profissional.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Então, em função disso tudo, comecei a juntar meus pensamentos,
hoje pela manhã. Comecei por perguntar: o que tudo isso que discutimos
até aqui me diz? O que, concretamente, poderia fazer e dizer, nos espaços
onde estou ou onde estarei. Até aqui, estive no processo da sensibilização
para a avaliação institucional, em algumas universidades, e procurei
externar algumas idéias.
Agora, lembrando o que escutei de cada um, aqui, tentei fazer uma
pequena reflexão. Uma primeira coisa que me veio à mente ontem, a
partir da exposição do professor José Dias Sobrinho, foi que no campo do
fazer universitário está a sociedade com seu complexo jogo de interesses.
Existe uma relação entre o fazer universitário e a sociedade. Afirmar isso
aqui, é chover no molhado, mas lá na base a gente tem de ter presente
isso. A gente não pode esquecer isso.
E nesse complexo jogo existem, evidentemente, necessidades e interesses
com seus conseqüentes desafios. E é no espaço desse jogo ou relação, que
nós queremos introduzir a avaliação institucional. Introduzi-la como um
processo político. Hoje pela manhã você falou de novo, muito bem, a
partir de seu texto, sobre esse processo político. Isto ficou muito claro na
exposição do professor Dias. Em um instrumento técnico de avaliação
da eficiência e da eficácia do fazer universitário, nós queremos introduzir
a percepção de que se trata de um processo político.
Porém, existem limites para essa introdução. Como processo político
e como instrumento de eficiência e eficácia do fazer universitário, nós
encontramos os limites, mas também as possibilidades do Sinaes.
Nós podemos dirigir o olhar mais para os limites ou mais para as
possibilidades. E, conforme a gente faz isso, lá na fase da sensibilização,
na base, a gente pode ter um clima mais otimista ou menos otimista.
Nós sabemos que não podemos desconhecer nem os limites e nem
as possibilidades. Mas, estrategicamente, talvez, num sentido mais
estratégico, eu penso que a gente deva focar as possibilidades.
Penso que os dois aspectos devem ser levados em conta, tanto os
limites como as possibilidades. Porém, o sentido político do Sinaes parece
ser a defesa do fazer universitário e, como processo, o seu sentido político
é o de afirmação de uma sociedade, no contexto das nações.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Na medida em que nós temos o Sinaes, ao chegar na base, diante de
um contexto de dificuldades, de limites, de possibilidades, posso dizer:
aqui está uma lei, aqui está algo que a sociedade brasileira produziu.
Não é uma questão restrita às universidades, mas foi feita toda uma
discussão. Nós temos um instrumento democraticamente aprovado,
conquistado, como falou ontem o professor Ristoff. Quer dizer, as
coisas não foram fáceis, mas nós temos um resultado democrático e na
República é assim.
Quer dizer, estou respaldado, não preciso mais, agora, me esconder,
como há décadas atrás, quando, para defender algumas idéias a gente
tinha de mergulhar na clandestinidade. Agora posso, abertamente, com
toda a cobertura legal, falar dessa questão. E aí, então, uma primeira coisa
que salta aos olhos, nessa discussão, é de que o Sinaes é, na verdade, a
defesa do fazer universitário como um processo de afirmação de uma
sociedade, no contexto das nações.
Isso se dá pela formação de seus cidadãos, pela produção de
conhecimento e pelo desenvolvimento científico e tecnológico.
Evidentemente, fundado em postura crítica, para evitar a cegueira,
conforme, ontem, nos dizia o professor Dias. Quer dizer, é preciso evitar
a cegueira da ciência, da tecnologia.
Penso que essa é a primeira coisa a ter presente, porque por ali todas
as pessoas irão, mesmo aquelas que foram ou serão críticos com relação
ao Sinaes. Serão, de alguma forma, tocados pela questão, porque nós
temos uma questão muito ampla pela qual a gente, como brasileiro,
pode brigar.
E aí, então, penso que as vozes que ainda resistem poderão aderir.
De algum modo, imagino que isso possa acontecer. Também só
consigo pensar a partir daquilo que vivo, daquilo que conheço. Porém,
não sou representativo da problemática brasileira, mas vivo ela num
determinado lugar. Imagino que a gente pode conseguir, a partir dessa
visão, um certo entusiasmo, uma certa motivação para a briga, se for o
caso. Penso que isso é muito importante. Enfim, não podemos querer
que as coisas sejam feitas, apenas, pacificamente. Esse é o aspecto
político do processo.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Depois vem um aspecto mais técnico. A gestão do Sinaes deve estar
voltada à eficiência e à eficácia do fazer universitário. Não é apenas
técnico. O fazer universitário deve ser entendido no complexo jogo
competitivo do mercado, especialmente, aqui, entendido a lógica
capitalista. Alguns, hoje, entendem eficiência e eficácia imediatamente
amarradas a essa questão. Penso que existem outras questões maiores
que nos vêm da realidade social brasileira e que nos devem orientar
na avaliação. A realidade social é muito maior que a necessidade das
empresas, eventualmente, que esperam da universidade uma contribuição
aos seus interesses, às suas necessidades como empresas, em termos de
ciência e tecnologia, de formação de recursos humanos.
É claro que nós não podemos desconhecer essas questões mais
concretas, de tornar o País, o Brasil, mais competitivo, no contexto das
nações, de dar às empresas respostas às suas necessidades, que vão do
avanço científico e tecnológico à formação de recursos humanos.
Mas, penso que na gestão da universidade, a preocupação com a
eficiência, a eficácia, deve ter, em primeiro plano, a questão mais ampla
que nos vem da sociedade brasileira. Quer dizer, suas necessidades. Por
essa via, nós temos um outro aspecto que poderíamos considerar como
um ganho. Talvez, ingenuamente, imagine isso. Ao se focar questões
mais amplas, seria mais fácil obter o apoio das posições mais críticas
porque nós estaríamos, na verdade, democraticamente, pelo diálogo,
dando ouvido a essas vozes, mas para debater sobre alguma coisa que está
para além do que alguém poderia chamar – essas palavras sempre vêm
– neoliberalismo, ou não sei mais o quê, ou obediência ao Consenso de
Washington, e assim por diante.
Eu julgo que nós temos, facilmente, possibilidades de identificar
aspectos que nos poderiam dar um ambiente razoável de largada de
debate, ganhando essas vozes das quais você falou, que nos fazem
resistência.
Para se chegar à eficiência e eficácia do fazer universitário, então, é
preciso começar pelo seu questionamento, e não tê-lo apenas como algo
dado, instrumentalizado, pelo que se entende ser, no momento, o desafio
prático e utilitarista da economia brasileira, isto é, nós ampliaríamos
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
o horizonte, não olhando apenas para aquilo que, de forma prática e
utilitária a gente precisa, na economia, mas abriríamos para esses aspectos
maiores. E, a partir daí, então, realmente, imagino que a gente poderia
ter uma adesão razoável.
Certamente, muitos desafios, com relação à eficiência e eficácia
nos vêm da economia. E nisso não há mal nenhum. Eu acho que nós
não podemos desconhecer isso. Porém, a gestão do fazer universitário
deve estar submetida à política e não à economia, no meu entender. À
política, no sentido mais amplo. E deve conduzir, então, esta gestão do
fazer universitário a práticas que tenham o compromisso, ou revelem
um compromisso um pouco maior do que simplesmente respostas,
como hoje, muitas vezes – e essa é a minha percepção – se quer dizer:
não temos mais de discutir universidade nesse nível, nós temos de descer
para a realidade, que são as necessidades das empresas e assim por diante.
Quando se quer, de certa forma, minimizar o argumento do outro, se diz
que é sonhador ou utópico. E não sei por que seria sonhador ou utópico
renunciar aos desafios que nos vêm da realidade brasileira, que são bem
mais profundos, mais amplos do que simplesmente os da economia.
Então, sob esse ponto de vista, o Sinaes parece ser um marco
orientador, para se fazer um novo debate, uma nova política de educação
superior, isto é, uma nova política do fazer universitário.
Por isso, mais uma vez, em termos estratégicos e concretos, quero dizer
que toda a discussão sobre a avaliação deveria começar pela retomada do
debate sobre o que é, hoje, o fazer universitário, no contexto desta situação
brasileira. O que é universidade hoje? Isso pode parecer desnecessário
ou muito repetitivo. Pode-se dizer: mas já se falou tanto, se discute isso
todos os dias. Entretanto, talvez, num universo maior, entre as pessoas
que estão envolvidas nas instituições, essa discussão não é tão clara.
Talvez seja demasiadamente simplista, mas o fazer universitário pode
ter um sentido de emprego, de dar aulas, de dar algumas aulas numa
instituição. Talvez não passe muito disso. Para todas essas outras discussões
as pessoas não têm tempo, pois correm atrás das suas necessidades, das suas
dificuldades. E podem não ter feito uma discussão. Além disso, em algumas
instituições, talvez, nem se tenha feito uma grande discussão sobre isso.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Eu me recordo, só para ilustrar isso, de uma oportunidade,
numa comunidade se queria um núcleo universitário. Eu era reitor.
A comunidade era composta por sete municípios que reclamavam
muito, queriam um núcleo universitário. Venho de uma universidade
comunitária, uma comunitária laica. Então, fui lá, conversei com os
prefeitos, com a comunidade. Devia ter umas 200 pessoas reunidas.
Comecei a explicar o que era universidade.
E, de repente, fui interrompido, dizendo que fosse mais objetivo e
dissesse, exatamente, quais os cursos, quais as atividades e o que isso
representaria para os municípios. Eles estavam muito mais voltados a um
projeto, efetivamente, que vinha mais da economia do que, realmente,
de outros aspectos. E eu disse: “não temos como fazer isso aqui sem,
primeiramente, discutir o que é universidade, sob um conceito mais
universal mas, também, depois, mais local. Precisamos saber o que isso
significa”.
Então, sob esse ponto de vista, temos de perguntar pela compreensão
do sentido e da prática do fazer universitário hoje, no Brasil. Penso que
por ali é que a gente vai ter que começar a avaliação, na maioria das vezes.
Talvez isso não seja necessário nas universidades, naquelas que já estão mais
evoluídas, mas penso que, na maioria, talvez, se deva começar por aí.
O que parece estar em crise, hoje, isto é, em questionamento, é o
fazer universitário. Porque nós estamos, cada vez mais, percebendo que a
universidade, o fazer universitário, se tornou um lugar atraente, atrativo
também à penetração do capital. Talvez seja um dos últimos rincões da
sociedade que vem sendo ocupado por aquilo que se poderia denominar,
assim, de interesses do capital. Não é uma questão apenas de mercado, se
fosse só isso... Tenho uma visão de mercado um pouco diferente: ainda
o vejo como uma relação entre necessidades e interesses de pessoas. Se
fosse pelo mercado não seria tão grave, não é?
Mas, o capital, penetrando nesses espaços e submetendo esses espaços,
penso que reduz, demasiadamente, o fazer universitário. E, talvez, seja
essa a nossa questão que nós temos que começar a discutir e a falar, hoje.
Como isso vai ser feito, em determinadas instituições, realmente, não sei.
Mas, algum fio de meada para essa discussão deverá ser encontrado.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
É preciso discutir isso sem, evidentemente, ir às nuvens, sem
enclausurar-se, mas chegar, efetivamente, no fazer universitário. Vamos
discutir como se isso fosse algo que devesse ser desvendado, como se
fosse uma mercadoria, já que está sendo transformado em mercadoria.
Mas, se é uma mercadoria, vamos discuti-la antes de consumi-la, vamos
compreender o que está ou vai por dentro dela.
E nesse processo de abertura, de revelação, vão aparecer, provavelmente,
as contradições. Isso parece ser muito importante, hoje. Já que o ensino
está virando mercadoria, vamos trabalhar no sentido de abrir essa
mercadoria e entender o que vai por dentro dela, o que está acontecendo.
E, talvez, isso nos possibilite um novo início de debate e de consciência,
por parte das pessoas que estão consumindo, por parte do assim chamado
“cliente”, do consumidor do fazer universitário.
Organizar e fazer funcionar uma universidade é constituir um núcleo
de poder na sociedade. Isso a gente também não deve desconhecer. Isso
precisa, a meu ver, ser discutido como um aspecto importante dessa fase
de sensibilização, não mais para instituir as CPAs, essas estão instituídas,
mas para o processo de avaliação, para ganhar, efetivamente, as pessoas
e verem um sentido nisso tudo. Até para perderem o medo, em relação
a esse poder. Para poderem discutir os fundamentos desse poder, de não
enxergar o poder como alguma coisa que paira como uma ameaça, como
um controle sobre suas cabeças.
Penso que essa discussão a respeito do fazer universitário, como
núcleo de poder, poderá levar ao desarmamento dos espíritos, talvez à
superação de medos, de receios. Porque por aí vai se compreendendo
esse processo, esse fenômeno, e vai se compreendendo como o poder é
exercido, qual o sentido desse poder e quem deve exercitar esse poder,
como ele deve ser exercitado. Penso que o Sinaes tem, como um primeiro
efeito, exatamente a desmontagem dos medos.
Isso não vai, necessariamente, ter de ser um ataque a quem, vamos
dizer assim, é empresário da educação. Não. Mas alguns empresários da
educação vão ter de aprender que eles estão num espaço onde você não
pode ser um empresário como em qualquer outro lugar. E acho que essa
discussão vai permitir essa abertura, essa visão.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Finalizando, quero dizer que a avaliação não deve, portanto,
começar por questões técnicas. Estrategicamente, penso que não seria
por aí. Porque senão nós amarramos toda a questão a uma visão que a
gente quer superar. Embora ela passe por aí, não é? Nós não podemos
desconhecer as dificuldades técnicas, operacionais, mas devemos começar
pela compreensão do sentido político desse processo. E só se supera as
dificuldades do processo pela compreensão do sentido político do Sinaes.
Então, me parece que no encaminhamento, agora, lá nas bases, deveria
ser feito assim.
A avaliação, na verdade, deveria aparecer como um processo de
recuperação, de reconstrução do sentido político do fazer universitário, e
talvez, assim, de reencantamento do fazer universitário. Penso que todos
nós, de alguma forma, fomos desencantados. A gente tem de recuperar
essa questão.
Sob esse ponto de vista, vejo que o Sinaes, a avaliação, deve ser a
grande oportunidade de mobilização da sociedade brasileira, em torno
da universidade. Quer dizer, a sociedade brasileira tem de passar a
compreender a universidade não como uma torre de marfim, como
um grupo corporativo, como um grupo privilegiado, como gente que
protesta facilmente, que faz greve, embora isso faça parte. Mas deveria
ver a universidade sob um outro ângulo. Penso que esse ângulo pode ser
construído, evidentemente.
E isso é possível se houver um processo ético-epistemológico – vou me
valer dos termos do professor Dias – interno, a conduzir as relações com a
sociedade. Quer dizer, se nós conduzirmos por aí as relações com a sociedade,
penso que podem ser construídas outras visões de universidade.
E, finalmente, quero dizer que reconheço as dificuldades operacionais
de uma avaliação. Essas foram muito bem apontadas, aqui. Porém, essas
se constituem mais como desafios provocadores, como estímulos, do que
como limites, para mim.
Então, espero que se faça, ao nascer do Sinaes, uma integração mínima,
com relação ao sentido do fazer universitário na sociedade brasileira, entre
os diferentes segmentos que se dedicam ao ensino, à pesquisa e à extensão.
Essa é minha expectativa, esta é minha esperança.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
E, pelo adiantado da vida da gente, embora não sejamos tão adiantados,
não temos mais muito tempo a perder, mais uma vez, com decepções.
Faz parte a dificuldade e, certamente, o Sinaes não vai ser rápido. Esse
processo, vai levar muitos anos. Mas eu acho que nós não deveríamos,
mais uma vez, nos encaminhar para uma uma grande decepção.
Eu tenho muita esperança. Acho que o Sinaes é, efetivamente, a
expressão daquilo que foi fervilhando, todos esses anos, por dentro
das universidades, da sociedade, quando ela tratava da educação. E
está se manifestando agora, sob uma forma de documento jurídico de
mobilização. E, evidentemente, nós estamos, de algum modo, na dianteira
desse processo, pelo nosso envolvimento mais direto. Mas, por isso
mesmo, somos os responsáveis para enxergar a coisa mais pelo lado das
possibilidades do que, eventualmente, das dificuldades.
Agradeço pela atenção. Peço desculpas pela demora, mas tive de
botar para fora um pouco daquilo que me perturba, me preocupa.
Professora Mara Regina: bom, eu vou falar sobre a última reflexão,
tentando esclarecer algumas questões que eu acho que ajudam a entender
a minha fala.
Primeiramente, acredito que para examinarmos uma realidade tão
complexa quanto a da avaliação, é preciso fazer uma opção sobre o modo
de examiná-la. Proponho que seja sempre examinada de uma forma bipolar,
os dois pólos, ali, indissociáveis. Tentando entender o que nós desejamos, o
que a teoria propõe, o que a prática, enquanto condição existente, enquanto
realidade permite perceber, apreender.
E quando trabalhamos isso conjuntamente, dialeticamente, eu entendo
que a gente consegue ganhar condições mais concretas para forjar as condições
para que o desejado possa acontecer. E, talvez eu possa estar sendo redundante,
mas acho que a brincadeira que a gente estabeleceu, aqui, o tempo inteiro,
entre o chão da fábrica, precisa ser recuperada, até para não dar uma sensação
de que existe um momento em que falamos de lugares diferentes.
Eu acho que a questão da avaliação é uma questão de iluminação,
vamos dizer assim. Então, a partir do foco que você coloca, você cria
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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áreas de luz e áreas de sombra. Acho que nós só escolhemos iluminar a
mesma questão sob óticas diferentes, para permitir a apreensão do objeto,
na sua totalidade, e isso só pode contribuir para a questão.
E acho que, pelo menos eu (vou falar em meu nome, que é só o
que me cabe aqui, pois não estou representando ninguém, nenhuma
instituição) acho que nós temos um consenso de que o Sinaes é, realmente,
uma conquista, um espaço que foi duramente conquistado. Quem
acompanhou o movimento, quem acompanhou a luta sabe que ele é
um marco histórico, é uma tentativa de ruptura. É um enfrentamento
no campo da avaliação e no entendimento da educação superior, para
colocá-las, exatamente, numa outra perspectiva, que é de recuperar a
função social do formar, formar alguém, formar pessoas para atuar,
mudando a realidade social, tal como está posta.
Estou entendendo que hoje nós estamos aqui, nesses dois dias, nesse
Simpósio, partindo do pressuposto de que acreditamos no Sinaes, para
observarmos um dos seus elementos, no caso, CPAs, e aí tanto a fala do
José Dias, quanto do Vicente, quanto do professor colocam claramente
que existe, agora, uma necessidade de olhar por dentro como é que isso
está acontecendo, no processo de implementação.
Então, estou imaginando que estamos avaliando as condições de
implementação para, a partir de um bom diagnóstico, ampliarmos as
nossas condições de concretizar, de otimizar essas decisões.
Nesse sentido eu acho que para alargar as condições de operação
do Sinaes, a partir da avaliação institucional que é a sua centralidade,
precisamos assumir a centralidade que a CPA no processo. Porque há um
depósito de confiança de que ela possa, se bem alimentada, bem nutrida,
servir aos fins com que ela foi concebida, teoricamente. Então, esse é o
cenário que eu estou vendo, e é assim que eu vou colocar a minha fala.
Entendo que avaliar esse processo de implementação implica, portanto,
conhecê-lo para aprimorá-lo. Conhecer para agir em conformidade com
objetivos que são amplos, eu diria pretensiosos, no sentido de que vão
contra uma cultura de avaliação. Mas, ao mesmo tempo em que são
pretensiosos, são absolutamente indispensáveis. Então, é campo de luta,
onde se requer intervenção. Então é isso que imagino.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
E nós vamos ter de examinar isso em duas dimensões, superando
a aparência do fenômeno e indo buscar o que está subterrâneo. Nós
estamos falando, quando brincamos sobre o chão da fábrica, do que
ainda está subterrâneo. E, eu diria, quando falo em resistência, não falo
em resistência daqueles que não compreendem ou não querem o Sinaes.
De uma certa forma, ele passou, ou por um motivo, ou por outro, ele
existe, ele é real, está aí.
Preocupa-me, e eu gostaria de uma discussão bastante posicionada
acerca disso, no sentido de alargar as condições objetivas de fazer as CPAs
— que já entendem o significado, o sentido político do Sinaes — poderem
operar em condições um pouco mais favoráveis.
Veja, eu não estou nem discutindo quem ainda não entendeu. Porque,
se é verdade, que há uma tentativa de quem não entende de reproduzir
o que está na moda, o que está posto, o que é legal, nós talvez até que
ganhássemos, por aí. Mas eu estou exatamente imaginando as dificuldades
que possam existir para aqueles que querem, que acreditam e que precisam
de apoio logístico, de condição política para operar, em cima de um
paradigma novo, que não é tão fácil como a gente faz crer.
E, aí, eu vou recuperar um pouquinho, acho que quem já me conhece
sabe que a minha origem, a minha área é a área da saúde, eu sou
enfermeira. Vou voltar um pouco esse meu olhar e dizer: nós estamos
festejando uma porção de CPAs que nascem, que são implantadas e,
portanto, estão aí, instituídas. E eu diria, como uma criança que nasce,
na condição de profissional da saúde, eu tenho medo, é uma criança de
alto risco, eu diria.
E eu diria, ouvindo tudo o que se falou aqui. Eu acho que o texto
foi bastante interessante, porque nos coloca a tensão entre a positividade
e as condições de risco que você chama, de uma forma também muito
adequada, desafortunadamente existe, quer dizer, é um pé na realidade
também, não é?
Eu diria: tão poderosas e tão desarmadas, estão as nossas CPAs.
Poderosas, porque se espera delas que elas façam o que devem fazer:
dinamizar, provocar movimento, articular, aglutinar pessoas, construir
consensos, pactos, na direção de um outro projeto de universidade.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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E desarmadas, porque nascem já com um conflito de identidade. E o
próprio texto vai revelando.
Quer dizer, há dúvidas. Elas nascem praticamente sem saber a quem
devem servir, a quem servem. No texto, devem servir claramente ao sistema,
mas são instituídas por Portaria, não partem necessariamente das bases da
comunidade e então supomos que uma coisa corresponda à outra e isso
lhes dê alguma legitimidade para agir.
Então, para mim, há esse conflito de identidade: a quem que eu sirvo?
Eu sou os olhos do Inep e do MEC? Eu sou os olhos da administração?
Eu vou operar para cima ou para baixo? Devo organizar o processo com
as bases ou com a cúpula? E essa discussão, se operou para o topo ou para
as bases faz nítida diferença.
O texto é soberano, quando fala: participação também é uma palavra
complicada. Porque, a depender do paradigma, eu posso ter zonas de
participação, as que me convém, não as necessárias para fazer o sistema
operar.
Há que buscar conhecer por dentro as formas de adesão. Quer dizer,
a adesão às propostas do Sinaes implicam, também, entender o conjunto
de responsabilidades que são contraídas. Ao se abraçar essa concepção de
avaliação, deve-se abraçar também a concepção de participação democrática,
até as últimas conseqüências.
Isso implica, portanto, empoderar pessoas. E quando ocorre um
empoderamento de alguns, outros podem imaginar que estão perdendo
poder. Toda vez que eu compartilho, que eu democratizo, há riscos que
estão postos. Nós estamos falando em avaliação, avaliação é poder. Então,
eu acho que é um problema.
Então, vejam que essa criança, essas crianças, quantas temos? Mil
oitocentas e poucas. Elas têm, sim, grandes dificuldades, grande necessidade
de cuidado. Porque elas também nascem sem que se possa garantir, a priori,
legitimidade interna, política, para operar. Não estou dizendo que isso é
para todos, estou fazendo um exercício de pensar alto, aqui, sem querer
definir o bem e o mal. Eu estou acreditando na importância das CPAs mas
estou dizendo que vamos ter que construir condições, para que elas não se
esgarcem e não se percam num conjunto de boas intenções.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
A questão da legitimidade técnica, quer dizer, à luz do novo paradigma
que o Sinaes coloca, e que a gente sabe que é um paradigma que ainda
está encontrando dificuldades, tanto de adesão, por convencimento,
por engajamento crítico, como por dificuldade técnica mesmo. Como é
que eu opero em outra base? É uma dificuldade técnica, também. E nós
também temos um vazio: a gente não sabe se as CPAS existentes possuem
competência técnica para conceber os programas internos de avaliação.
Pode ser que tenham, pode ser que não tenham.
E o que se chama legitimidade técnica, aí, não se restringe apenas à
questão do campo da avaliação. À medida que nós estamos trabalhando,
pelos próprios conceitos do José, num campo de negociação, de
construção de pactos, num sistema que tem óticas diferentes, essas outras
competências relacionais, comunicacionais serão fundamentais. E, como
isso não fica claro, pode ser que não tenham também, atentado para
isso, não é?
Vejo que essas questões nos obrigam, agora, a pensar como construir,
no concreto, condições. Porque, veja, se eu delego às CPAs uma
responsabilidade, devo cuidar para que não aconteça um processo de
responsabilização ingênua, também. Ou, até evitar que se tenha uma visão
redentora das CPAs: “ah, agora criamos as CPAs, está tudo resolvido”.
Eu acho que as nossas CPAs foram e estão sendo pensadas como se
operassem dentro da visão de universidade como instituição social. Mas
na verdade, o modelo está funcionando na base da organização social.
Não é assim, uma universidade operacional?
Praticamente, as condições de as CPAs poderem trabalhar na ótica
como estão sendo pensadas implicaria uma grande gestão de tempo,
uma grande qualificação. A categoria tempo tinha de ter uma outra
forma de ser organizada, pensada, planejada. Nós vivemos em tempos
de rápidos resultados, eficiência e produtivismo. O tempo da reflexão,
do questionamento, do envolvimento, ele requer uma valorização do
processo com tudo o que disso advém, também, de responsabilidade.
As CPAs tem dificuldade de agir competentemente numa cultura que
é de resultados. Fatalmente, a construção pelas CPAs de processos de
avaliação democráticos, participativos podem resultar numa leitura de
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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inoperância por parte de administrações que estejam ainda contaminadas
por essa visão, produto-centrada.
Então, se a CPA retarda de um lado, pode ser penalizada porque não
fez. Porque os prazos são políticos e, portanto, o cumprimento das etapas
depende, absolutamente, de cada vida institucional. A opção de cumprir as
etapas no prazo pode levar as CPAs a atropelar, a acelerar, o processo sem que
se tenha respeitado o tempo necessário para firmar os grandes acordos.
Os grandes acordos é que vão conduzir o afinamento conceitual. Saber
o que estamos querendo construir faz nítida diferença nas formas de definir
o processo de trabalho. Não se decreta um afinamento conceitual. Isso exige
um grande trabalho de discussão, de reflexão para ser depois festejado. Mas,
a depender disso...
E, aí, brincando um pouquinho com o seu texto, eu acho que, realmente,
a linguagem que se usou foi bastante interessante, do cozinheiro, do
sabor, a gente foi se colocando, do vinho, que são coisas extremamente
prazerosas. Mas, em tempos de fast-food, as comidas já estão prontas,
não têm sabor marcante, não se tem tempo para parar e comer, não se
tem mais tempo para sentir esses prazeres, que precisam ser recuperados.
Eu não estou concordando, eu só estou dizendo que é essa dialética que
vai fazer com que nossa construção de hoje, politicamente situada, possa
nos auxiliar a operar em bases concretas. Exatamente para não ficarmos,
de novo, lastimando que não conseguimos implementar. Esse é o grande
problema. O papel aceita tudo, nós tivemos um avanço que é esse, o da
lei. Agora, na realidade, nós vamos ter de encontrar forças para instituir
outra realidade.
E eu penso que reunir esse conjunto de professores, de pesquisadores, de
administradores, enfim, que acreditam no Sinaes, vai implicar exatamente
que nos coloquemos a serviço daqueles que estão lá na base e que estão, ou
pelo menos podem estar desabastecidos, inseguros e precisando de pistas,
de organização.
Então, eu proponho – eu poderia continuar falando, mas eu quero,
também, que as pessoas possam se posicionar com mais tranqüilidade
– depois, que a gente ocupe parte dessa reflexão para perceber que é
diferente estar falando aqui dessa forma.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Se eu estivesse falando para um conjunto de professores em uma
universidade, ou em qualquer outra instituição de ensino, em defesa do
Sinaes, o meu discurso teria uma outra melodia. Eu não correria o risco de
colocar os limites que eu estou vendo, as dificuldades, os obstáculos.
Eu estou entendendo que o objetivo dessa reunião é de outra natureza.
E, por isso, eu me coloco com a liberdade, sem censura, de dizer: estou
com medo. Estou com medo porque tenho muita necessidade de que
isso seja verdade. Essa urgência me faz ter medo. E compartilhar num
espaço em que me pareceu fosse esse o produto que nós nos tivéssemos
destinado.
Professora Mariluce Bittar: eu gostei tanto do que a professora Mara
falou, que eu nem sei se o que eu tenho a dizer ainda é pertinente,
mas no sentido contribuir... Aliás, se você não falasse que era da área
da saúde eu diria, com toda certeza, que você era da área da educação,
pelo domínio conceitual que você demonstra. A minha intervenção diz
respeito à constituição das CPAs, com relação aos dados que o professor
Wagner trouxe, que eu vou tentar cruzar com os dados apresentados
pelo professor Vicente.
Talvez essa minha observação possa soar um pouco antipática. Mas,
vejam bem: o professor Vicente trouxe um dado que eu somei, 77%
dos coordenadores das CPAs são mestres ou especialistas e 19% são
doutores. Claro que não foram apresentadas as áreas de formação dessas
pessoas, de titulação. Cruzando essa constatação com o das apresentados
pelo professor Wagner, precisamos refletir sobre a qualificação e tempo
de maturação dos membros das CPAs. Por quê? Porque uma coisa é
o coordenador que tem uma concepção, uma clareza, e um domínio
conceitual sobre avaliação. Outra coisa são os membros que fazem parte
da Comissão e que nem sempre, ou quase nunca, têm leituras sobre o
que é avaliação.
Eu entendo que esse é um entrave. E quando o professor Wagner
refletiu sobre o tempo de maturação, eu escrevi no papel: “é um desafio”!
Como é que nós vamos fazer isso? Nós podemos pensar em termos
das estratégias, pois esse é um grande desafio, porque as Comissões
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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(em torno de 1.900, como foi apresentado) já foram criadas, e não sabemos
exatamente como foram criadas. Você levantou alguns pontos que eu
acredito que sejam verdadeiros, pelo o que eu conheço das universidades
ou instituições de educação superior que visito.
Quando você diz: “olha, mesmo lá na Federal do Ceará, nós não
temos nenhum espaço para a Comissão funcionar”. Pensem numa
federal! Você está citando um exemplo de uma universidade federal!
Pensemos em outras instituições para as quais a avaliação é meramente
instrumento de regulação, de mandar relatórios, dados e formulário
para o MEC! Então eu pergunto: “como é que nós vamos enfrentar esta
contradição?” Por um lado, as Comissões foram criadas, mas por outro,
elas enfrentam esse grande desafio, que é a qualificação, a capacitação
dos membros da Comissão.
Quando eu levantei esse dado, de que uma pequena porcentagem
dos coordenadores é constituída por doutores, é no sentido de que a
avaliação não está pulsando no coração da universidade. Eu faço essa
mesma relação com a função da extensão. A extensão, que para muitos é
a prima pobre do ensino e da pesquisa, não pulsa, não bate, efetivamente,
no coração da universidade, com exceção de algumas universidades que
têm na extensão o seu perfil institucional, a sua identidade institucional,
como é o caso de algumas universidades comunitárias, mas não é a
realidade de todas.
Pelo que nós estamos conversando aqui, desde ontem, o nosso ideal,
os nossos sonhos, digamos assim, e o Sinaes aponta para isso, é quase
como se a avaliação se tornasse uma quarta função: ensino, pesquisa,
extensão e avaliação. Que deveria, no meu entendimento, pulsar no
coração da universidade, e isso não estão acontecendo, ainda! Por isso
eu coloco como um desafio.
Aliás, seria interessante, depois que tentássemos identificar se esses
mestres e, sobretudo, os doutores são de universidades e se são públicas
ou privadas. Por que eu digo isso? Porque a avaliação também tem de ser
campo de pesquisa, objeto de pesquisa dessas pessoas que estão envolvidas
com a avaliação. Porque senão o nosso conhecimento, o nosso saber sobre
o que é avaliação, o que é formar para a cidadania, para a transformação,
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
o que é qualidade que o professor José Dias explicitou tão bem no seu
texto, enfim, todas essas questões ficarão subsumidas pela função que
as CPAs estão entendendo, como a mais imediata que é essa de prestar
contas ao MEC das atividades das instituições, dos dados, etc. Essa é
uma questão que precisa ser aprofundada e, talvez, fazer parte de alguma
estratégia acadêmica sobre o papel das CPAs.
Outro aspecto que o professor Wagner aponta, em seu texto, é não
discutir, ou derrubar, o mito da avaliação educacional como sinônimo
de punição. Eu não entendo que isso seja mito. O que nós vivenciamos,
nesses últimos oito anos, não é mito, é fato! Isso acontece, aconteceu,
e é lógico que nós esperamos que agora não ocorra mais. Portanto, a
necessidade de mudar essa concepção de avaliação, mas aconteceu, é
verdade, é fato, é realidade. Eu sugiro, não sei se você vai rever o texto,
mas isso deveria ser repensado.
Bem, outro aspecto que eu falei ontem e depois foi comentado pelo
professor Luiz Dourado, quando eu citei a questão do regional e do global.
E o professor Wagner cita uma frase do professor Dilvo: “precisamos
conhecer o global da realidade educacional”. O que eu quis dizer é
que esse global implica conhecer o regional. Eu não quis dizer, ontem,
que as questões estruturais vão ser resolvidas no regional. É óbvio que
não. Mas quando se afirma, e isso no Sinaes está claro, que conhecer a
diversidade e a diferença das instituições educacionais, significa que nós
só vamos conhecer a diversidade, diferença e a identidade das instituições
universitárias, implica conhecer, necessariamente, as especificidades
onde cada uma está inserida. E nesse ponto eu enfatizo novamente: o
Centro-Oeste, por exemplo, tem questões específicas que nós estudamos,
que outras Regiões do País não estudam como, por exemplo, a questão
indígena. Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena
do Brasil. E nós estudamos essa questão como campo de pesquisa,
como campo de intervenção, no ensino e na extensão. Ela está dentro
da universidade, nós vivenciamos isso, como algumas outras questões
específicas de outras Regiões brasileiras.
Portanto, quando eu disse que é importante conhecermos as questões
regionais, as desigualdades, que são sociais, econômicas, raciais, geográficas,
enfim, é nesse sentido que a diferença e a diversidade vão aparecer, ou
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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seja, quando estudarmos, realmente, o local, o regional, na perspectiva do
global, do universal.
Eu entendo que essa é uma questão importante para a gente poder
voltar àquilo que o professor José Dias afirma: “a avaliação tem de fazer
sentido”. Por isso, eu penso que as CPAs ainda estão limitadas ao aspecto,
mais burocrático, de responder as solicitações do MEC, e, muitas vezes,
com pouquíssima infra-estrutura — isso ainda não está fazendo sentido
para elas. No âmbito da universidade, no todo da instituição, ainda não
está fazendo sentido. O sentido que ainda está aparecendo é o sentido do
cumprimento de tarefas. Acho que é mais ou menos isso.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: isso que a professora Mariluce
falou agora, das CPAs estarem cumprindo tarefas sem, entretanto, terem
captado ou assumido o “sentido” da avaliação, eu quero complementar
dizendo que não só as CPAs estão apenas cumprindo tarefas como estão
com medo. Por exemplo, está nos documentos que o nosso planejamento,
que temos de entregar, até março, será avaliado pela Comissão de
Avaliadores Externos, em aspectos como coerência e pertinência com os
resultados que serão apresentados no fim de dois anos. Mesmo que não
haja uma conotação de “aprovação” ou “reprovação”, gera medo.
Entendo que essa ação está em função das solicitações de orientação
por parte de todos, entretanto, é bastante diferente falar em “orientação”
e em “avaliação”. O que está sendo entendido agora é que nossos projetos
serão avaliados, e isso, naturalmente, causa apreensão.
Professor Dilvo: é diferente.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: está no documento de
orientações.
Professor Dilvo: não. O que vai ser, o projeto, a proposta, que nós
estamos chamando vai ser encaminhado agora, até março, vai ser lido
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
por dois avaliadores, mas não vai ser aprovado ou reprovado. Ele vai
ser lido e vai ser feito um parecer em cima dele, com recomendações,
para dizer: “aqui nós entendemos que não estão sendo atendidas as
dimensões previstas, etc.” Mas não se trata de aprovação ou rejeição do
projeto. A liberdade de conduzir é totalmente da instituição.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: então, com certeza. Mas só o fato
de saber que vai ser submetida a uma avaliação está – eu estou falando da
fábrica – está criando...
Professor Dilvo: mas, veja bem, mas isso foi solicitado, inclusive, pela
comunidade.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: pois é. Mas eu acho que está certo.
Está certo, mas gera medo.
Professor Dilvo: mas é engraçado, porque a maioria das pessoas pede isso.
Mesmo antes de a Conaes estar constituída, as pessoas já pediam informações
sobre: “como é que a gente faz o projeto?”, e assim por diante.
Então, há uma demanda muito grande de alguma orientação. E, inclusive,
eu já alertava o presidente da Conaes sobre a necessidade, mesmo antes de
ele ser presidente, de que nós tínhamos de dar algumas instruções. Então,
essa inclusão veio, basicamente, a pedido da própria comunidade, que quer
saber: “sim, mas como é que eu faço o projeto? Qual é a orientação?”
Nós temos de pensar que nós temos mais de duas mil instituições. E as pessoas
querem que seus projetos sejam lidos. Como é que eu sei se o que eu fiz está de
acordo? Então, o que nós fizemos? Foi propor que esse projeto seja encaminhado
ao Inep, eles estão sendo encaminhados, já estamos recebendo vários.
Então, o que que nós vamos fazer? Nós vamos submeter cada projeto
à leitura de, pelo menos, dois candidatos a avaliadores institucionais.
Quando eu digo “candidatos”, é porque nós estamos fazendo uma
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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seleção, nesses seminários de capacitação que nós organizamos, nós
vamos selecionar um pequeno grupo de avaliadores, com, em torno de,
100 avaliadores, para que nós possamos socializar bem os critérios, para
que as leituras sejam bastante homogêneas, para que a gente não tenha
muita discrepância.
Mas só para deixar claro que eu acho que tem um sentimento
ambíguo. Se, por um lado, há o medo dessa avaliação, por outro há uma
solicitação de que os projetos não sejam apenas projetos que ninguém
olha, e que a gente descubra, lá adiante, que não podia ter feito diferente.
Então, esse é o sentido.
Professora Nilce Nazareno da Fonte: orientação é uma coisa, avaliação
é outra. Então, se você pedir uma orientação: “me ajuda”, eu quero essa
ajuda. “Me diga qual é a melhor maneira de eu transformar isso, não
passar do papel”. Isso é uma coisa. A outra coisa é assim: “esse meu
papel vai ser avaliado”.
Professor Dilvo: o projeto não vai ser aprovado ou reprovado. Ponto.
Isso é decisão da Conaes. Não vai ser aprovado ou reprovado. Mas ele
vai ser lido e apreciado, e vai ser devolvido com sugestões, que podem
ser acatadas, ou não.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: em primeiro lugar, quero
reafirmar, aqui, a satisfação de estar nesse Simpósio. Naturalmente que
além da aprendizagem, nós estamos procurando melhorar, eu diria assim,
o ensino superior brasileiro. Isso é um compromisso e é com satisfação
que estou aqui.
Eu diria que a minha cabeça foi a mil, agora pela manhã, não
simplesmente por causa do texto. O texto é extremamente orientador,
para a constituição da Comissão das CPAs. Mas de ver a realidade, e
aqui não estou falando da minha universidade, a Universidade Federal
Fluminense, mas de várias instituições federais, públicas, algumas
estaduais, como vejo hoje e como será essa chamada, essa questão da
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
avaliação, que poderia ajudar a nós, a uma política maior de ensino
superior desse governo, a conhecer faces ocultas – eu chamo de ocultas
porque, muitas vezes, elas não são explicitadas. E são faces difíceis de
serem analisadas, numa avaliação.
O jogo de poder interno das instituições. O verdadeiro Líbano que se
tornaram as universidades, sobretudo as públicas. Todo mundo intervém
nas públicas. Chegando aqui, hoje, eu soube, pelos colegas pró-reitores,
que há uma convocação do Ministério da Saúde para rever o ensino na
área de saúde.
Nós temos complicadores muito sérios, dentro das instituições,
que essas CPAs podem desvelar: a questão do funcionamento dos
Conselhos; as CPPDs, CPPTAs; o caso dos chamados “serviços prestados
na universidade”. Porque, quando se fala numa linha assim, eu fico
imaginando uma instituição em que haja, realmente, uma filosofia, em
que haja diretrizes.
Quase todas as universidades federais, hoje, dependem de serviços
prestados por terceiros. Não simplesmente por empresas mas, muitas
vezes, por pessoas físicas.
Há a série de exigências de relatórios e de leis, que interferem dentro do
funcionamento da universidade. Cito a última, importante, que vai mudar
significativamente, e talvez com mais rapidez do que a gente imagina,
a Lei de Inovação. As Fundações, o funcionamento das Fundações, os
cursos pagos, mestrados profissionalizantes, todas as pesquisas que são
financiadas por instituições privadas que já haviam.
No Rio de Janeiro, nós temos algumas empresas que têm bastante
interesse em pesquisadores, por exemplo, na área do petróleo, na área
da química, na área da metalurgia, e que interferem no funcionamento,
aí, não é só na questão da pesquisa, mas no funcionamento dos cursos,
graduação e pós-graduação. Por exemplo, eu cito, com muito orgulho, que
os nossos engenheiros de metalurgia de Volta Redonda, quando se formam,
imediatamente, são empregados. Então, há uma situação própria, ligada à
Companhia Siderúrgica Nacional, extremamente positiva.
Eu não quero, absolutamente, desfazer disso. Mas quero mostrar,
com isso, que nós temos o que eu chamo um verdadeiro Líbano. Sem
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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falar no próprio Líbano interno. E esse processo de “libanização” da
universidade vem crescendo. E nos quais as Fundações entraram, as que
já existiam e as novas, que foram criadas, ocupando verdadeiros espaços
que seriam os espaços propriamente da própria academia, da própria
instituição universitária.
Eu me refiro, assim, a situações as mais diferentes. Quando eu falei
aqui, por exemplo, da questão da convocação do Ministério da Saúde,
eu acho muito interessante pesquisas que são financiadas pelos diferentes
Ministérios dentro da universidade. O que é interessante, mas sem haver
uma política de ensino superior, que eu acho que não foi constituída nos
últimos anos neste país – quando eu digo nos últimos anos, na última
década, sobretudo – as coisas, realmente, são fragmentadas.
Então, você sai de um laboratório, num determinado hospital
universitário e, depois entra em outro, um é padrão de primeiro mundo e
o outro é padrão do terceiro mundo, quarto, quinto mundo. “Ah, mas esse
aqui é financiado pelo Ministério da Saúde, é para controle X ou Y”.
E o que eu quero dizer é o seguinte: sobretudo nas universidades que
têm um porte avançado no seu perfil, essas CPAs podem ser reveladoras
de situações para a constituição de uma política global de ensino superior.
Eu acho que o Sinaes é extremamente importante. Não será a salvação
mas será, na minha visão, um instrumento extremamente importante,
na constituição de uma futura política maior de ensino superior, neste
País.
Eu, pessoalmente, continuo com esperança que, completando esse
ano 30 anos na Federal Fluminense, que muita coisa venha a mudar,
sobretudo nas universidades federais.
E, para complementar, vejo aqui, discursos bem diferentes, que eu
também até vivo. Por exemplo, antes de entrar para a universidade
federal, trabalhei numa multinacional, fui gerente de treinamento numa
multinacional Era responsável, também, pela avaliação, avaliação de
desempenho de cada um e, depois, de avaliação de desempenho das
diferentes filiais.
Eu me recordo, quando fui fazer o meu mestrado, que eu propus
uma avaliação dos docentes. Eu queria fazer uma tese sobre avaliação
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
dos docentes. Fui altamente desaconselhado. Por quê? Em primeiro
lugar, seria, vejam como que a avaliação, já há 30 e poucos anos atrás,
influenciava: ou você quer ser reitor, então, é o empoderamento, e
aqui dentro nada disso de empresa funciona.
E eu acho interessante até por situação minha, familiar, meus
filhos fizeram vestibular para várias públicas do Rio de Janeiro e,
também, para a PUC, e hoje ambos estudam na PUC, por opção
deles. E eu acho interessante. Primeiro, filhos de casal de professores
universitários, de universidade pública, e vão estudar numa
universidade privada.
Agora vejo a coisa que eles colocam para mim: bom, você vai
trabalhar em janeiro, nós já estamos de férias. Quer dizer, é um
pequeno dado, mas é significativo.
Não vou nem entrar na questão que você entrou, na questão do
sindicato, esse discurso. Isso, também, é difícil, para mim, porque eu
sou orientador de teses sobre avaliação, oriento pessoas que trabalham
essa parte, tanto em nível de mestrado como de doutorado. Há
uma orientanda minha que se eu a indicasse e se ela estivesse aqui,
detonaria toda essa reunião, porque ela estuda uma outra perspectiva,
o que é interessante, e eu, como orientador, tenho de respeitá-la.
No entanto, vejo que determinadas realidades, nós não podemos
hoje deixar de ver. Eu acho que cada coisa que vai aparecendo, desde
esse decreto que interfere na universidade federal – está aí o decreto,
não é? Tudo isso vai interferindo.
Eu, à época de pró-reitor de graduação, tentei implantar, na
universidade, um sistema que eu chamaria, assim, de certa unicidade.
Então, o reitor fazia uma reunião, um café da manhã, nós tomávamos
café na universidade, toda a chamada direção superior. Nós
tomávamos o café da manhã juntos e eu preparava um texto para o
reitor fazer uma leitura como se fosse, assim, a fala do presidente,
para inspirar aquela semana.
Bom, durou seis meses. Depois de seis meses aquilo estourou tudo,
porque a realidade... A realidade da universidade, naquela época, eram os
telex do Ministério. Hoje são os e-mails. Quando eu digo do Ministério,
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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ou melhor, dos órgãos centrais. São os e-mails, o Conselho Nacional de
Educação, todas as situações que interferem na vida da universidade, que
o reitor e sua equipe têm de ficar “apagando incêndio”. E isso vem num
contínuo.
Agora, eu fico reparando numa política maior, nós com os nossos
professores substitutos. Questão, por exemplo, que me parece importante,
numa filosofia. Nós vamos selecionar, o governo anunciou, 6 mil
professores para 2005, para a área federal, não é isso? Qual é a política que
vai ser, não simplesmente do concurso, mas no sentido institucional, que
essas CPAs possam implantar?
Em primeiro lugar, para o professor entrar na universidade e saber que
ele vai ter aquele período probatório, que eu acho que é algo esquecido,
dentro da visão institucional, normalmente aquilo é formal. Uma ou outra
universidade, a CPPD, leva isso um pouco mais a sério. Mas a introdução
na história da universidade, na identidade daquela instituição, como que
isso será feito? Eu acho que na perspectiva que está trabalhando o Sinaes
é de, realmente, criar uma situação de um perfil institucional diferente,
dentro da fala, assim, bastante, eu diria assim, de uma realidade que eu
acho, de uma universidade, mesmo sendo comunitária laica, mas dentro
de uma visão maior, em termos de andamento, de funcionários, etc.
Eu acho que uma situação difícil que nós temos é a própria legislação
do funcionalismo público, como isso interfere, dentro da universidade. E
isso tem implicações que não são dentro da universidade, é do conjunto
do funcionalismo público.
Então, eu acho que esses instrumentos, tão interessantes, vão chegar,
inicialmente, coisas maquiadas, eu acho que vão chegar, sim, situações que
não vão corresponder. Por exemplo, eu vejo em várias situações relativas a
preencher formulários, que existem verdadeiros escritórios especializados
em preencher relatórios, desde relatórios governamentais até os relatórios de
pós-graduação. Eu espero que o clima criado exatamente nessa perspectiva
da sua última fala, nós não vamos fazer ranking, nós vamos incentivar a
melhoria.
Agora, eu frisaria, e aí vai uma angústia minha, que eu quero
partilhar: que isso seja uma peça fundamental para constituir uma
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
política de ensino superior coerente, de totalidade. Porque veja a
totalidade do que está acontecendo. Se o Sinaes ajudar a dar um
passo nisso, ainda até nesse mandato, do governo Lula, eu acho que
a universidade brasileira, sobretudo a universidade federal, poderá
ter uma melhoria significativa. Senão, nós vamos continuar a ficar
no Líbano.
E, quando eu falo no Líbano, a comparação não é desprezível.
Eu trabalhei na Pró-Reitoria, um bom tempo na reitoria e, hoje, eu
trabalho no campus, sou professor no campus. A vantagem, em Niterói,
é que é bem separado. Reitoria em Icaraí, o poder; e o restante são os
campi. Então, há um verdadeiro mal-estar, um verdadeiro desânimo. E
eu percebo isso, como eu fui pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação,
inclusive nos cursos de ponta da Universidade. Quer dizer, há um
desânimo: “ah, não acredito mais nisso, as coisas são assim, são
assado”.
E nós temos o Ministério, com uma política global, ajudar a facilitar
a nossa vida. Vamos tentar, eu diria assim, a fazer um relatório só. É tanto
relatório que a gente preenche. Então, conseqüentemente, quanto dado
não é confiável nesses relatórios.
A gente vê que, por exemplo, no caso da pós-graduação, já foi. Eu
diria, apesar de cada vez sofisticarem mais os formulários, existe, já, um
certo compromisso de mostrar, realmente, o que está acontecendo. Mas
isso nem sempre acontece.
Eu, por exemplo, falo: no meu departamento não tem um funcionário,
porque todos são serviços prestados. Qual é o compromisso que essas
pessoas têm? Na minha pós-graduação, pós-graduação avaliada com nota
cinco, que estamos recorrendo para o seis, temos três funcionários, nenhum
tem compromisso algum com a universidade, todos trabalham mediante
serviços prestados. Como é que vai ser isso?
Você sai dali, você vai para alguns cursos pagos, onde tem os cursos
pagos, por exemplo, na área tecnológica, na área da odontologia, é o
primeiro mundo. Então, há uma diferença enorme. Sem falar na diferença,
o meu medo é de haver uma chamada “isonomia por baixo”, para o
serviço público federal, inclusive para os professores. Porque a gente sabe
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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que há diferença entre os professores. Tem professores que têm a sua bolsa
de pesquisa do CNPq. Tem professor que é cientista do nosso Estado, no
Rio de Janeiro, que beneficia hoje 800 pessoas que recebem R$ 2 mil. Os
que recebem não precisam prestar contas desses R$ 2 mil para encaminhar
o seu trabalho na universidade.
O que isso significa? Significa, é claro, diferenciação. Mas há um
discurso pela isonomia por baixo: “vamos englobar isso tudo no orçamento
da universidade e vamos distribuir isso para todo mundo”. É democrático
isso? Como vai ser? Porque esse também é um processo de avaliação.
Sobretudo”, se houver uma união entre a graduação e a pós-graduação.
Bom, isso é o que eu queria levantar, mas com o intuito de ajudar.
Eu vibro com o SINAES, eu vejo que isso é o fruto de um trabalho que
não foi realizado em Governo anterior. Mas foi gestado por grupos e,
hoje, ele está posto concretamente, e a gente precisa apoiar.
Agora, não será a “salvação da lavoura”, mas será, realmente, algo
muito importante para a mudança institucional. No caso das federais,
se ajudar a diminuir o Líbano vai ser ótimo. Porque o processo de
libanização, no meu modo de entender, é de todo mundo.
Na área da graduação, recentemente, o prefeito do Rio fez um decreto
regulamentando os estágios universitários. Mais uma intervenção.
Então, cada um quer regulamentar, no seu nível. Então, dentro do
Rio de Janeiro, o estágio da cidade do Rio de Janeiro, e criando um
Conselho, uma Secretaria de Ciência e Tecnologia para as Universidades.
Então, no próximo mandato haverá essa novidade, mais uma situação,
que pode ser positiva, no entanto é mais uma interferência. E são
muitas as interferências.
A maior interferência que eu vejo, se não houver uma política maior,
é a Lei de Inovação. Ótima, a Lei de Inovação. Mas vai acabar com
centros de pesquisas na universidade. Não tenho a menor dúvida. A
gente não vai poder receber do governo federal, vamos poder receber
de uma empresa. Então, pela Lei de Inovação, desde que eu faça uma
boa consultoria numa empresa eu, Jésus, vou receber dessa empresa.
Está lá, pela Lei de Inovação, e posso até compartilhar isso com a
universidade.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Então, essa questão de uma lógica, de uma coerência é que eu gostaria
que fosse a perspectiva do trabalho, que fosse nessa linha.
Professora Neuza Aparecida Ramos: estamos muito bem acompanhados.
Já não bastava o Ministério da Saúde convocando coordenadores de cursos,
professores e alunos para discutirem como reformular o ensino de graduação
dos cursos da área de saúde, mas sem conhecimento dos reitores e pró-reitores
de graduação, temos o prefeito do Rio normatizando sobre estágio.
Mas, minha fala tem muito mais a ver com o que a Mara disse. Talvez seja
nossa afinidade profissional, mesma área de formação e trabalho em instituições
assemelhadas. Todavia, o que nos preocupa, depois das palavras do professor
Wagner é com a questão da práxis. Como implementar o que está previsto no
novo sistema de avaliação da educação superior?
A proposta contida no Sinaes, salvo engano, já é aceita por todas as
instituições de ensino superior, mesmo em se tratando de uma nova política
sobre a avaliação.
O grande desafio do momento consiste em descobrir como viabilizar essa
nova proposta dentro das instituições de ensino superior. E o órgão encarregado
de tornar realidade a avaliação institucional é a Comissão Própria de Avaliação
(CPA). Por definição ela é autônoma, mas como a Mara ressaltou, a CPA precisa
de apoio. Então, ela já nasce tendo uma existência contraditória, podendo,
inclusive, ter relação conflituosa com os diferentes órgãos da IES.
Talvez o Wagner, que é psicólogo, pudesse fazer um estudo mais
aprofundado sobre essa situação e nos ajudar. Até porque muitas das CPAs
foram criadas para cumprir a lei e atender ao prazo.
Por exemplo, na minha universidade, são 15 os integrantes da CPA e, uma
maneira que encontramos para garantir maior representatividade dos órgãos
da administração superior foi indicar um representante de cada Pró-Reitoria.
Temos também, evidentemente, representantes da comunidade externa,
sindicato patronal, estudantil, etc.
Voltando à questão da autonomia, creio ser esse um elemento novo
que deverá ser trabalhado pela CPA. Penso então, que a grande tarefa das
CPAs, no momento, é o da sensibilização das autoridades superiores da
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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instituição. Se eles não estiverem convencidos do papel dessa nova política
de avaliação, não vamos conseguir trabalhar com os professores, alunos e
comunidade técnico-administrativa.
Um segundo ponto que eu gostaria de retomar é o do resultado da
avaliação. Embora seja dito que a avaliação não tem caráter punitivo, ela
sempre conduz a dois resultados: bom ou necessitando melhorias, ou ainda,
ruim.
No caso da avaliação institucional não caberá ao Sinaes exercer esse papel
punitivo, mas fornecerá ao Conaes elementos para a ação reguladora do
Estado. Então, se for o caso, haverá punição, o que certamente, em alguns
casos é recomendável.
Antes, porém, de chegar a essa situação, vale a pena analisar o papel da
CPA com relação aos resultados obtidos pela auto-avaliação. Como será o
encaminhamento desses resultados que envolvem melhorias na infra-estrutura
como laboratórios em geral, laboratório de informática, biblioteca, acervo,
desempenho acadêmico, à autoridade superior e qual a influência da CPA
junto ao reitor e à Mantenedora, no atendimento.
Uma das críticas à avaliação é a de ficar sempre levantando, identificando,
situações problemáticas, sem, no entanto, dar solução. Os alunos às vezes se
recusam a responder novo questionário de avaliação, pois dizem estar sempre
repetindo as mesmas coisas, sem que providências sejam tomadas.
Qual então, a força que as CPAs terão diante da autoridade superior na
condução dessas situações. Creio que a grande responsabilidade das CPAs,
no momento, é sensibilizar as autoridades superiores da instituição, caso
contrário, corre-se o risco de estar apenas encaminhando relatórios, sem os
desdobramentos necessários.
E finalmente, dizer que tenho aprendido muito com esses encontros
proporcionados pelo Inep, sendo esta a segunda vez que compareço,
representando o Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades
Brasileiras.
Professora Cristina Agostim: eu gostaria de fazer um contraponto
da questão da CPA, dentro do contexto da avaliação como instrumento
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
formativo, a partir da contribuição do professor José Dias. Eu acho que
nós não podemos limitar a questão da CPA como se fosse um braço
operativo por si próprio que, de vez em quando, dá sinais de vida.
Acredito que há uma contextualização para ser feita. Gostaria
de iniciar essa contextualização, tentando entender que o Sinaes, na
verdade, é um projeto e não um processo. Ele tem processos dentro
dele mas, na verdade, é um projeto de constituição de uma visão do
ensino, de interferência nessa visão e, por isso mesmo, ele precisa ser
constantemente remodelado, rediscutido. O projeto é uma coisa que
você propõe e que você, depois, vai adequando, vai ampliando, vai
sofisticando, vai, de alguma forma, melhorando, ao longo do tempo.
E ele tem dois elementos principais, que é o processo avaliativo.
Então é um processo mesmo. E um processo regulamentatório, que é
um processo também, e tem suas etapas de processo.
E, obviamente, a gente tem de resgatar, e eu gostaria de ver o
processo avaliativo como uma parte separada e, dentro desse processo
avaliativo, as suas partes, para que a gente não se perca dentro dessa
perspectiva de vê-lo como se fosse um pacote único e, na verdade, não
é. E ele tem respostas diferentes e tem pactos diferentes, em cada nível
dessa avaliação.
Gostaria de fazer um pequeno parênteses e dizer que as universidades
sérias discutem e avaliam-se o tempo inteiro: discutem a questão da
perspectiva do ensino, qual é a melhor estruturação, quais são os
conceitos, qual é o papel da universidade. Nós estamos discutindo, as
federais estão discutindo desde a época do Paiub.
E por que que a gente discute? Qual é a função dessa discussão? Nada
mais que melhorar a qualidade de ensino; melhorar a sua interlocução
com a sociedade; melhorar toda a perspectiva de que a universidade é
parte integrante dessa sociedade e ela não se isola. Mesmo porque há
uma pressão constante da sociedade sobre a universidade, a partir de
todas as suas formas organizativas.
Então, a universidade discute-se, sim. Ela se avalia. E se nós pararmos
para pensar, nós temos ‘N’ instrumentos de avaliação, desde a avaliação
do Gied — nas públicas, pelo menos —, até a avaliação da Comissão
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Permanente de Avaliação Docente (CPPD), a avaliação dos nossos alunos,
essa avaliação que acabou restando do Paiub. Então, avaliações, assim,
a todo momento. A Capes não é? O tempo inteiro a gente é avaliado,
sim.
Agora, é importante que, a partir de uma instrumentalização que é de
governo — e que é de Estado mais do que de governo —, essas avaliações
possam ter uma formatação, inclusive como maneira de você ter definido
esse perfil institucional e esse perfil a ser trabalhado.
Gostaria de voltar um pouquinho na avaliação. E vejo que esta
avaliação entra no texto do professor: é o que realmente queremos
avaliar? Quando falamos do Sinaes, o que estamos avaliando no Sinaes?
O segundo: o que queremos avaliar? Qual o objetivo, o sujeito dessa
avaliação e o objeto dessa avaliação?
Quando o professor José Dias falou que o sujeito dessa avaliação
somos nós, individualmente, professores e alunos, fiquei um pouco
preocupada. Eu achava que o sujeito da avaliação era a instituição, era
a instituição que vai ser avaliada, enquanto um perfil definido e os seus
componentes, os docentes, a forma do ensino, etc.
E para que estamos avaliando a instituição? Para saber se ela está
cumprindo o seu papel social, se realmente ela tem essa interação com
a sociedade, se seus produtos, realmente, respondem a essa demanda, se
há uma consciência, principalmente, no sistema público, de que a gente
está colocando perspectivas futuras.
Eu não quero avaliar o que eu fiz. Eu quero avaliar o que eu quero
fazer e eu quero ser avaliada para o futuro. É puxar, mesmo, o carro-chefe,
trazer novas metodologias.
Professora Nilce : eu acho que esse conceito do sujeito, que você está
adotando, é o inglês. Isso, para mim, é o objeto.
Professora Cristina Agostim: não é sujeito, pessoa. É o sujeito inglês
mesmo.
188|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Professora Nilce: é o sujeito da ação, que somos nós. O sujeito da
avaliação. Nós é que vamos avaliar o quê? Aí vem o objeto que, no seu
caso, você está colocando como “subject”.
Professora Cristina Agostim: É do inglês, é “subject”. Porque, na
verdade, o objeto, o que estamos avaliando, enquanto objeto, no sentido
inglês? Isso, o senhor acertou na mosca. O objeto que eu estou entendendo
é essa ação social, essa perspectiva social da universidade, para onde ela
está caminhando.
Gostaria de colocar alguns pontos, com relação à avaliação, que
eu acho que resgatamos, do seu texto, mas que poderíamos pensar
que, na verdade, enquanto processo, tem uma característica, tem um
caráter mecanicista. Não tem como fugir disso. Em algum momento,
ela está se formatando, com caráter de elemento, de parâmetros. Eu
chamo isso de mecanicista. É como você decompõe o que você quer
avaliar em elementos que você vai, de alguma forma, trazer, avaliar
qualitativamente, ou você vai levantar dados e elementos qualitativos
e quantitativos, para você chegar a uma ponderação que vai ser, enfim,
a avaliação. A avaliação é dar esse valor. E, para você dar o valor, você
precisa desses elementos.
Acredito que esse não é o problema principal, de ser ou não
mecanicista, porque vai ser essa mecanicidade que vai me dar instrumento
de comparabilidade, por exemplo. Então, acredito que esse não é o
problema.
Existe um outro elemento que nós não podemos perder de perspectiva,
e eu não estou vendo como dialogar, por exemplo, com a questão da
flexibilidade, para a qual a professora Mariluce chamou atenção. Como
essas especificidades, sejam elas decorrentes da inserção regional, decorrentes
do processo histórico, como essa opção da universidade, não é?
Como é que isso aparece dentro da instituição, e mesmo dentro da
sua natureza jurídica. Porque, enquanto pública, eu posso ter uma opção
qualquer, em termos de ação social e de desenvolvimento, que eu estou
buscando, em direção a um determinado eixo de condução.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Isso é muito importante, para não deixar, por exemplo, o efeito Parker
tomar conta do nosso sistema nacional. O efeito Parker é o efeito do
especialista de vinhos que, na medida em que ele gosta dos vinhos volumosos
e fortes, ele indica para o mundo inteiro que é esse o vinho nota dez e, de
repente, mesmo que você não queira ser daquele jeito, e produzir daquele
jeito, aquele é o vinho.
Então, eu acho esse efeito Parker muito complicado. Por exemplo, quando
você considera um sistema de avaliação, e eu acho que a forma define, às
vezes, o conteúdo, na forma como eu vou ser avaliado, me considero, tem um
parâmetro que diz o seguinte: quais são as suas atividades complementares
na universidade? Entendendo isso como estágio, iniciação científica.
Bem, na minha universidade não é complementar. Na minha
universidade, isso é parte integrante do meu processo de ensino, é um tipo.
Em vez de eu dar uma iniciação científica enquanto disciplina, eu dou uma
iniciação científica enquanto um processo ativo de vivência e aprendizagem
do aluno.
Mas se a cobrança é feita de uma maneira, eu tenho de responder daquela
maneira, embora na minha universidade esse é um outro elemento que é
constitutivo desse processo de ensino.
Um outro exemplo pequeno, mas que é bem exemplificador: conversando,
agora, nesse curso que foi dado, lato sensu, qualquer alteração no nome do
curso, velho curso, entra como curso novo. Mas se entra como curso novo,
eu vou ter de ser avaliada como condições iniciais ou, pelo menos, se ele
for fora da sede, que é o meu caso. Por exemplo, eu dei um curso que é
de agronomia e passou a se chamar, por pressão da própria unidade, de
engenharia agronômica, não mudou nada, é o mesmo curso.
Então, essas pequenas coisas têm de ser pensadas, porque senão elas têm
um efeito devastador sobre essa diversidade. Por isso que eu acho que tem
de haver uma definição do que é a avaliação institucional, o que é avaliação
de curso e quais as dimensões da avaliação do aluno, para que esse efeito
não ocorra.
E, por isso, é importante, em cada uma delas, verificar qual é a
dimensão dessa flexibilidade que cada curso terá que ter. E eu vejo sempre
a avaliação como uma folha grande; zonas, que são zonas brancas, que
190|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
cabem à instituição preencher, por conta e risco dela, e uma zona cinzenta,
que seria o que eu estou chamando uma boa avaliação, é o elemento que
eu chamo de indicadores. Esses, sim, quais são os indicadores que são
comuns a todos e que têm a capacidade de ser facilmente diagnosticados,
repetitivos, e que tenham efeitos sobre aquilo que vai ser avaliado. Então,
vai-se preencher 100 páginas de avaliação. É preciso identificar aqueles
elementos que são representativos do que a gente está querendo medir.
Isso é fundamental, no processo, e eu tenho que chamar a atenção.
Porque, nessa perspectiva, eu chamo o sistema federal todo a transgredir.
Começar, realmente, a falar: “não, isso não tem importância, isso não tem
importância. Nós queremos é ir para lá”. Porque nós queremos propor,
nós queremos ser propositivos.
E, ainda, um outro elemento, só para terminar, é que não foi possível
avaliar isso, mas eu acho fundamental que os dados que são coletados
tenham um diálogo. O que chamo de um diálogo? Não adianta coletar
quantos doutores e quantos cursos de pós-graduação existem na minha
universidade. Quantos professores da pós-graduação estão dando aula na
graduação? Esse é um dado fundamental. Por quê? Porque se não houver
essa indução — e eu acho que é um problema da indução no processo —,
a pós-graduação continua sendo isso que todo mundo levantou, um
sistema à parte, que não tem conexão.
Então, eu tenho de começar a lembrar o que são esses indicadores.
Não adianta saber que eu tenho extensão. A extensão, numa universidade
federal, é imensa. Mas qual é a parte dessa extensão que, realmente, tem
um efeito direto sobre esse papel social e a qualidade do ensino como
um todo.
Então, qual vai ser o diálogo avaliado? Quais serão as correlações que
eu quero buscar, para tornar esse processo avaliativo de significância para
ela? Vejo que isso tem de ser trabalhado numa dimensão que nos permita
ser repensada a todo momento.
E um outro exemplo de como que isso pode desaguar em nada: nós
estamos com uma proposta de pegar o mestrado e transformar, como
parte da graduação, numa formação complementar. Pegamos um ano
de formação complementar; mais um ano, a tese. Pronto, o menino está
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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pronto, vai embora. Como eu enquadro a avaliação, dentro de um modelo
que pode cercear, na hora de fazer o modelo, de fazer a forma?
Acho que deveríamos pensar essas CPAs como um instrumento para
a elaboração dessas perspectivas, que são típicas de cada instituição. E
não só daquela parte que é comum a todas.
Temos de pensar muito nessa perspectiva. E sempre digo que o sistema
público tem de ser induzido, dizendo a ele: “olha, em cinco anos você
tem de apresentar um monte de coisa nova. O que vocês fizeram aí?
Qual foi a orientação? Inclusive com essa visão de impacto social”.
O impacto social não se traduz apenas no fato de eu atender as
empresas. Isso a gente já faz. Não se traduz só no fato de ter uma
extensão representativa, isso também é feito. Ele se traduz, muitas vezes,
na capacidade que nossas instituições têm de perguntar à sociedade coisas
que ela ainda nem pensou.
Então, não é de responder, é de falar: “bem, você quer ser parte de
um país que está se desenvolvendo em que direção?” Vejo que parte
dessa instituição não é propositiva, ela é indutora. Ela é a chata que vai
fazer as perguntas e vai cobrar da sociedade. Porque a universidade está
aí para isso.
Professor Vicente de Paula Almeida Júnior: serei bastante pontual
em minha colocação. Quero retomar o texto do professor Wagner.
Trago como preocupação principal, pela discussão que fazemos aqui,
entender qual é o lugar das CPAs, e, principalmente, a percepção que
temos delas.
Parece-me, em algumas passagens do texto do professor Wagner, que
a CPA é uma estrutura à parte da instituição, como algo exterior a ela,
como um apêndice mesmo.
Por exemplo, nessa passagem que diz: “a CPA tem autonomia no seu
agir na busca pelas informações ou dados que lhe sejam convenientes
para cumprir com a avaliação”. Esse “cumprir com a avaliação” é que
me causou essa impressão.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Se entendermos a CPA como uma estrutura à parte, como um modelo
avaliativo de orientação exógena, com valores externos aos da própria
instituição, acredito que isso acarretará uma série de implicações e
conseqüências estranhas à própria função da universidade, da instituição,
seja ela pública ou privada.
Por isso, vejo a CPA não como o papel do cozinheiro, mas como um
espaço, como um lugar. Portanto, “como cozinha”.
Como enxergar a relação entre planejamento e avaliação se
considerarmos que o planejamento é o lugar da estabilidade, enquanto
que a avaliação é a ação de questionar, de refletir, de transformar? Como
podemos ver essa relação?
Às vezes me parece que a instituição busca a estabilidade, isto é, procura
consolidar os seus valores. De repente, com a avaliação, temos uma outra
sensação, que é a sensação do questionamento e da transformação. Como
vemos tal questão no âmbito do planejamento?
Professor Wagner: essa temática, eu abordei ontem, em conversa com
o professor Walter. Na minha instituição, eu tento vender o peixe de
que a avaliação deve ser a atividade intrinsecamente casada, associada
ao planejar, ao planejamento.
É uma idéia da psicologia, tem uma carga de influência da minha
formação. Algumas idéias do russo Vigotski de zona de desenvolvimento
atual, zona de desenvolvimento proximal.
Parto da premissa de que avaliar significa conhecer algo do seu
passado imediato, ou do seu presente, da zona de desenvolvimento
atual, quer dizer, aonde eu cheguei. A avaliação permite-me, um
diagnóstico: quem sou, naquele momento. E, com base nele, fazer
uma projeção de aonde quero chegar daqui a cinco anos, daqui a
dez anos.
A avaliação deve ser uma atividade intrínseca ao planejamento
estratégico. Faço uma distinção, pelo menos na minha realidade:
estratégico na minha instituição não é sinônimo de participação. Lá
se faz planejamento estratégico. Quem faz planejamento estratégico?
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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Uma cúpula: os pró-reitores. Será participativo quando ouvirem a
comunidade. E quando essa comunidade poderá ser ouvida? Quando
participar ativamente da avaliação, quando adquirir uma consciência
a respeito da própria instituição. Essa comunidade, às vezes, não tem
consciência das atividades que são feitas na instituição.
Às vezes, eu não sei o que o meu vizinho de gabinete está fazendo.
Está pesquisando coisas que tenham, às vezes, a ver com a minha linha de
pesquisa e, às vezes, nos fechamos, nos enclausuramos. Então, a avaliação,
enquanto atividade participativa, é a que permitirá essa possibilidade do
planejamento estratégico participativo.
Casar a avaliação com o planejamento é um campo de batalha
muito exacerbado, lá na minha instituição. Porque há uma visão do
planejamento como espaço burocrático de execução orçamentária.
Pelo menos na minha visão não é isso. O planejamento não é só um
mero executor de orçamento. Deveria ser o vagão principal a puxar a
universidade, a apontar caminhos para a graduação, para a pós-graduação,
para a extensão. Na minha instituição não ocorre isso.
Acredito que o planejamento estaria num nível, digamos, superior, não
superior num nível hierárquico, mas com o olhar do “Big Brother” sobre
todas as demais pró-reitorias, sobre a instituição como um todo, por meio
da avaliação. Planejando estratégias de atuação para melhorar a qualidade do
ensino da graduação e da pós-graduação, melhorar a pesquisa e o impacto
social sobre a sociedade local, regional e, quem sabe, nacional — dependendo
do porte da instituição. Melhorar as atividades de extensão.
É essa a principal característica, a principal função, da avaliação,
na minha perspectiva. Ela deve subsidiar o planejamento estratégico
participativo. Isso, como ideal.
Com respeito à CPA, eu não a vejo como um apêndice, ou como
um espaço exógeno à instituição. A CPA, na minha perspectiva, seria o
cozinheiro mesmo. É ela que vai intervir, dar o norte nessa dinâmica da
avaliação. Uma Comissão, um conjunto de pessoas a nortear, a orientar.
Porque estamos construindo um processo.
A minha instituição é cinqüentenária. Tivemos quatro gestões,
três reitores que, de um modo ou outro, trabalharam com a avaliação
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
educacional. No entanto, nós não temos uma política interna de avaliação
institucional. Quer dizer, ou essas pessoas não tiveram interesse, ou não
eram prioridades. As prioridades eram outras na época das suas gestões.
O fato é que uma instituição de 50 anos não tem uma política interna
de avaliação institucional.
No entanto, há pólos de formação de massa crítica. Eu sou
coordenador de um núcleo de avaliação que funciona há onze anos.
Quer dizer, formamos massa crítica. Essas pessoas estão atuando. Há
inúmeros casos de ex-alunos nossos atuando em faculdades particulares,
na Universidade Estadual do Ceará. Quer dizer, há uma massa crítica.
Isso é um processo lento, agora há uma certa ebulição no Ceará, com
relação à temática, à discussão da avaliação. É um processo lento, os
frutos estão saindo agora.
No entanto, voltando à instituição: apesar de constituído como um
espaço de formação de recursos humanos em avaliação, nós não temos
uma avaliação institucional implementada. Creio que caberá a mim, como
coordenador da CPA, tentar contaminar meus colegas de CPA, tentar
contaminar os três grandes pilares da instituição — docentes, discentes e
funcionários técnico-administrativos — a respeito da avaliação, do papel
que ela tem no planejamento, do papel que ela tem como iluminador e
como carro-chefe desse espaço chamado universidade.
Professor Severino: quero ser muito breve porque eu vim na condição
de aprendiz e de ouvinte. Naquele primeiro momento, eu agradeci muito
ao Dilvo essa oportunidade de participar, na condição de observador e
ouvinte, buscando inspirações para pensarmos também a avaliação, no
caso da pós-graduação.
Ainda que o encontro terminasse agora, já valeu plenamente. Estou
levando subsídios que eu avalio, pessoalmente, como extremamente
relevantes para que eu possa dar continuidade a esse trabalho. E contando,
com a contribuição da Mariluce e do Jésus, que fazem parte do mesmo
Fórum que eu. Vou, até mesmo, incluí-los no grupo gestor.
Queria dizer o seguinte: do que nós já tínhamos pensado e proposto
para o debate, há muita convergência com o que foi colocado aqui.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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E esse debate traz mais esclarecimentos, mais explicitação. Mas eu sinto
que estamos caminhando num caminho muito convergente.
Primeiro, nessa concepção da avaliação como sendo eminentemente
formativa. Eu saio reforçado daqui, porque mesmo em se tratando de
uma avaliação institucional, ela é vista como um processo educacional
mesmo, quer dizer, substantivamente educacional. E, portanto, vinculado
à finalidade da formação humana, da humanização.
E, conseqüentemente, tudo o que o professor José Dias disse, na
sua palestra, na sua intervenção, é o que a gente está batendo. Quer
dizer, é preciso avaliar, a partir de uma concepção de educação e,
conseqüentemente, a partir de uma concepção de homem, de ser humano,
de sociedade. E não é uma coisa puramente técnico-operacional, uma
pura questão de mensuração.
Vejo no Sinaes, que vocês estão implementando, de fato, um novo
paradigma que, no meu entendimento, representa uma efetiva conquista,
um salto qualitativo. E que, portanto, é uma vitória.
Acredito que nós estamos atravessando um momento extremamente
significativo, porque ele representa um teste histórico para o sistema, e
aí incluindo o governo, para as instituições universitárias e até para a
nossa geração de educadores universitários.
Agora nós vamos ter uma prova histórica. Se nós conseguirmos,
realmente, fazer com que esse novo paradigma morda a nossa carne
e impregne o nosso modo de ser, nós vamos induzir a uma mudança
profunda, substantiva, tanto na nossa concepção de educação como na
implementação dessa educação. Nós precisamos dessas mediações. Acredito
que isso vai ser uma marca. Vai ser um “antes” e um “depois”.
O fim desse caráter punitivo da avaliação, desse caráter classificatório,
desse ranqueamento: isso, para mim, é um salto qualitativo impressionante.
E é preciso uma mudança muito radical.
Eu gostaria de lembrar, rapidamente, que em São Paulo (eu acompanho
de longe, não participo) tem sido difícil a introdução do ciclo básico,
na educação fundamental — que quis acabar com essa questão de ficar
repetindo, reprovando o aluno. Os próprios pais vão à Justiça pedir
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
que a escola reprove. É uma mentalidade, nós não conseguimos acabar
com isso.
Na pós-graduação, virou uma paranóia: se o meu programa tirar dois,
eu vou para o limbo, eu vou lá para as trevas exteriores, e vou sofrer.
Quando não devia ser esse o espírito. O seu programa não preenche as
condições mínimas que nós precisamos, o que nós vamos fazer? Nós
vamos te dar um prazo, e dar orientação para que você se recomponha.
Não para te desativar, assim, da noite para o dia. Como eu via um pouco
no Provão, também, pega o cidadão lá na esquina e: “olha, você está
reprovado, vai ser castigado, etc.”
Se nós conseguirmos valorizar a auto-avaliação como eu senti aqui, e,
de fato, a CPA nasce sob este signo, eu acho que é, realmente, uma vitória
e um salto qualitativo. Quer dizer, não é premiação, não é punição, não é
ranqueamento, não é competitividade, como foi dito aqui.
Tenho de me comparar com o meu estágio anterior, não comparar a
USP com a Unicamp; a Unicamp com a Unicid. Não. Cada um tem que
ver como é que ele está fazendo, dentro de um projeto. Não é um sistema,
só. Antes de ser um sistema, é um projeto.
E, para usar uma metáfora, já que a área da saúde está muito forte
aqui, eu estou vendo que o Inep usa uma medicina homeopática,
enquanto que a Capes usa uma medicina mais alopática, não é? Ou vai
ou racha, não é?
Acredito que se o Sinaes conseguir impregnar o funcionamento do
sistema universitário brasileiro, da educação universitária, com esse jeitinho,
capilarmente, homeopaticamente, ele vai ter um grande sucesso. Porque
aí vai garantir a melhoria da qualidade, que é o que realmente nós todos
pesquisamos.
Fazer com que a universidade e a educação superior possa, de fato,
atingir os seus objetivos. Mas o que importa são esses objetivos. Tornar essa
sociedade mais justa, fazer com que todo mundo possa usufruir cultura e
superar toda essa perversidade que a sociedade brasileira revela.
Acredito que, se o Sinaes conseguir ser implementado nessa
modalidade, ele vai atuar, certamente, com muita eficácia. E é essa
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Manhã.
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intervenção homeopática dele que vai gestar uma mudança profunda e
substantiva.
Vejo que vocês estão usando uma cunha. Está sendo fincado uma
cunha em alguma coisa muito sólida, muito estratificada, muito difícil
de mudar, mas que realmente promete.
Acredito que é uma proposta que vai contra a maré. Tudo isso que nós
estamos propondo, que vocês estão propondo — e que está implícito na fala
do José Dias, na fala do Wagner, nos documentos que foram lançados —
mostra que o sistema tem uma outra concepção de educação, uma outra
concepção de sociedade. Acho que tudo o que está vindo em termos de
medidas que foram tomadas — a começar pelas diretrizes curriculares, dos
parâmetros — tem uma outra concepção de educação que não é muito
a nossa concepção.
Então, eu quero fazer votos para que o Sinaes seja uma vacina para
combater a contaminação de um modelo educacional, de um modelo
societal que não é aquele que me parece o mais emancipador. Quer
dizer, como a ética vai ficar, perante o mercado ou o capital? Como é
que nós vamos superar isso? Como é que se vai fazer a luz, o fiat lux
na educação?
Era isso que eu gostaria de deixar, mais com um voto e um
posicionamento de apoio. E para dizer que no que diz respeito a nós,
da pós-graduação, do Grupo Gestor, nós estamos saindo daqui muito
enriquecidos. Vou levar tudo isso para o Grupo. Vocês nos deram
uma grande contribuição. Estão dando uma grande contribuição. E a
gente quer agradecer, mais uma vez, não só pelo teor teórico, mas pela
oportunidade que o Inep e o Dilvo propiciaram a nós, nesse trabalho.
A gente vai ser muito grato, e eu vou fazer questão de registrar isso,
também, para a posteridade.
Professor Walter Frantz: bom, também vou ser muito breve. Eu acho
que nós estamos vivendo um momento em que se está construindo algo
novo. Mas essa construção do novo está acontecendo pela desconstrução,
pela necessária descontrução do velho.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
É isso, apenas isso, que eu percebi nas falas. Antes, eu quis apenas acentuar
que, enquanto estratégia, o que nós vamos fazer, concretamente, chegando
em casa, chegando nas nossas Regiões. Eu acho que uma das primeiras coisas
que nos desafia é reconstruir a confiança.
Realmente, a confiança parece-me um elemento central. A confiança
no Ministério da Educação, por via dos avaliadores que irão até
as instituições. E para que, efetivamente, nós tenhamos sucesso na
construção desse novo que se propõe, nós temos de nos desconstruir,
nas bases.
Mas se as pessoas que chegarão, para a avaliação externa, também
não estiverem desconstruídas, provavelmente, poderá haver um curtocircuito. Quer dizer, nós estamos desafiados a reconstruir, também, os
laços de confiança.
Evitar coisas ridículas que a gente sabe que aconteciam. Em função
disso que transforma, realmente. Se isso fosse dito em público, seria
escandaloso. Por exemplo, eu sei que houve casos nos quais prepararam
o ambiente apenas para receber os avaliadores externos. Depois disso,
nada. Eu sei de alunos que denunciaram — depois disso, nada era
verdade. Quer dizer, aí nós estamos, numa sociedade hipócrita, que
se auto-engana.
E eu tenho muita expectativa. Tenho, realmente, muita expectativa,
renovei a minha esperança, o reencantamento pela educação. E eu estou
muito feliz com o que eu escutei aqui.
Agora, estrategicamente, em termos de encaminhamento, é necessário
construir a confiança. Isso é muito importante. A partir disso, eu recebo
toda a crítica com muita tranqüilidade. Acredito que isso vai acontecer
com as pessoas nas instituições, e com as próprias instituições.
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Debate avaliação participativa: construção e crítica
Dia 16/12/2004
Debate Tarde
Professora Aluízia Aparecida Cadore: ao conversar com o professor Severino
no intervalo, humildemente, ele comentou que se considera um aprendiz neste
grupo. Bom, gostaria de dizer que eu, mais do que ninguém, me considero uma
aprendiz e agradeço porque, com certeza, saio desse simpósio muito diferente
de como cheguei. E esse é o propósito, quando nos dispomos a aprender.
Gostaria de fazer uma analogia de como percebo o Sinaes. Sou educadora
física. Sou da área do esporte. Comparo o Sinaes à Corrida de São Silvestre.
O atleta tem de ter resistência física e psicológica. Para tal, necessita de muito
treinamento, persistência, foco e nunca se desviar do propósito, caso contrário,
não poderá participar de uma prova tão longa e desgastante. No que se refere
à implementação do Sinaes, a equipe não deverá, apesar dos obstáculos,
esmorecer ou desviar sua atenção da proposta inicial. Necessitará ter persistência
e resistência física para ultrapassar obstáculos, como os questionamentos, as
críticas, a falta de interesse, a mudança de humor.
Resistência física, somente, não basta. Da mesma forma, necessita-se de
resistência intelectual e psicológica para estar, por meses a fio, debatendo,
argumentando, desmistificando, explicando, enfim, deve-se ter um bom
preparo técnico e político. Lembro-me bem dos dias de capacitação das CPAs,
em Florianópolis. A mesa foi composta pelos professores Dilvo Ristoff, Dias
Sobrinho, Hélgio Trindade, entre outros e, durante o evento inteiro, dias
e horas, houve somente reclamações, questionamentos e exigências — mas
em nenhum momento perderam o controle da situação, nem a paciência.
Demonstravam estar firmes em suas convicções. E qual era o propósito
daquele momento? Implementação do Sinaes, Sistema que, sem sombra de
dúvida, eles acreditam.
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Qual é o propósito do Sinaes e o das CPAs? E, aí, eu me questiono: qual
é o propósito da CPA-UFSC? Ela vem discutindo, desde sua constituição, em
2/7/2004, a elaboração do regimento interno. Longe de ser uma elaboração
somente técnica, a importância da avaliação em nossa instituição estava
sempre presente, seja no plano da sensibilização à comunidade acadêmica
em relação ao novo sistema, seja pelo que havíamos realizado no período
PAIUFSC. Além de tudo, aparávamos arestas. Ficou claro para os integrantes
da CPA-UFSC que devemos avaliar para potencializar nossas fortalezas,
contemplar ações que possibilitem melhorias nas condições da instituição,
na formação e não somente avaliarmos para dar respostas ao Inep. Queremos
ir além. Pretendemos ir em busca do que acreditamos ser o melhor para a
instituição.
Sendo o Sinaes a Corrida de São Silvestre, analiso as CPAs como uma
prova de 400 metros com barreiras. Não é uma prova tão longa, mas possui
muitos obstáculos a serem transpostos.
E quais são esses obstáculos? As CPAs, como falou a professora Mara,
são recém-nascidas. Em nossa instituição ela nasceu e foi registrada por uma
Portaria nomeada pelo reitor e está cadastrada no banco de dados do Inep: o
cartório. Mas tanto as CPAs quanto o Sinaes não devem se deixar abater pelo
medo e pelo cansaço. Para os atletas, uma maneira de diminuir o medo no
momento das competições é aperfeiçoar-se, treinar, corrigir constantemente
seus erros e imperfeições. Ouvir o que os colegas de equipe e seu treinador
têm a lhes “ensinar”. Seguindo o exemplo das equipes desportivas, o Sinaes
deve ouvir as IES e as CPAs, ouvir a comunidade acadêmica, sem, contudo,
esquecer da estratégia. Nela, entra todo o trabalho de sensibilização e que
a maioria de vocês já comentou, de alguma maneira, apresentando suas
experiências e traçando um caminho. Esse caminho, com o passar do tempo,
poderá amenizar o medo e deixar aflorar a criatividade, o entusiasmo e nos
possibilitar ir em busca do nosso propósito com mais solidez e segurança.
Quais são as barreiras que as CPAs precisam ultrapassar e o que
fazer com essas conquistas? A primeira delas, sua própria constituição.
A segunda, envolver a gestão no processo avaliativo. A terceira, a
capacitação dos integrantes. A quarta, sensibilizar a comunidade
acadêmica sobre a necessidade e relevância de se auto-avaliar. A quinta
barreira, elaborar o projeto de auto-avaliação contemplando ações que
202|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
visem à melhoria da instituição. A sexta, elaborar os instrumentos. A
sétima, aplicá-los na comunidade acadêmica. A oitava, receber dados e
gerar informações para a tomada decisão. A nona, identificar fortalezas
e debilidades e apresentar estratégias para potencializar as fortalezas
e contemplar ações que possibilitem melhorarias nas condições da
instituição. A décima, realizar a meta-avaliação. Para facilitar todo esse
trabalho, o ideal seria que as CPAs trabalhassem em equipe. Eu acredito
no trabalho em equipe, pois somente juntar pessoas e realizar tarefas creio
que não seja suficiente. Para Weinberg e Gould, trabalhar em equipe é
unir os talentos e pontos fortes das pessoas, produzindo uma força que se
torne maior do que a soma das partes. Penso que a CPA deva funcionar
dessa maneira, capacitando, integrando as pessoas, sensibilizando, sendo
multiplicadora das finalidades da avaliação, enfim, disseminar a cultura
da avaliação. Não é uma tarefa fácil. Mas um grande projeto exige também
comprometimento, esforço e dedicação.
Ultrapassar todas as barreiras e passar a linha de chegada não é
suficiente. Em maio de 2006, ao encaminharmos o relatório ao Inep,
estaremos abrindo espaço a uma nova etapa de avaliação: a avaliação externa
in loco. Mas, ainda não basta. O importante é que, a partir dessa linha
de chegada, mesmo com o cansaço, mas com aprendizado e experiência,
consigamos realizar a meta-avaliação — a avaliação da avaliação. A UFSC terá, além da CPA, doze Comissões Setoriais de Avaliação
(CSAs). Pensamos ser esse um caminho mais democrático e com maior
possibilidade de atender à diversidade da instituição, mais fácil para
sensibilizarmos a comunidade acadêmica por meio dos integrantes das
CSAs que, conseqüentemente, estarão sensibilizando as pessoas das suas
unidades de ensino, e assim sucessivamente.
Não será rápido, fácil, nem significa que irá acabar ao fim de dois anos —
momento em que deveremos prestar contas ao Inep. Eu sempre penso a
avaliação como um processo. Não vejo como uma reconstrução. Porque
se eu reconstruo, eu tenho de jogar muita coisa fora, do que eu possuo,
para construir novamente.
A UFSC teve uma experiência muito interessante com o PAIUSFC
e tem esses caminhos que poderão ser aproveitados. Não pretendemos
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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abandonar o que foi feito até agora. Pensamos, dentro da proposta do
Sinaes, em conciliar a experiência com os novos interesses e exigências
apresentadas pela Lei nª 10.861/04.
Eu digo que o meu medo, ao final deste Simpósio, diminuiu bastante.
Sinto-me mais motivada a ultrapassar as barreiras. Muito obrigada.
Professor Dilvo: sinto-me muito gratificado de ter trazido vocês aqui.
Não quero ter a última palavra sobre isso, mas vou falar porque eu gostaria
que vocês me ajudassem a organizar as coisas que foram colocadas. De
alguma forma, nós também temos de fazer o fechamento do nosso
texto. Afinal de contas, levantamos tudo isso e, agora, o quê nós temos
a propor? Durante o almoço, eu contei a piada do padre, para algumas
pessoas, vou contar para todos. A piada do padre é a seguinte:
O padre novo chegou na paróquia e na saída, como todo padre faz,
ele foi cumprimentar os fiéis, na porta de saída. Passa o primeiro e diz:
“parabéns, padre, pelo seu sermão”. E o segundo: “parabéns pelo seu
sermão”. Todo mundo elogiando o sermão. Até que chega um sujeito
e disse assim: “padre, esse seu sermão foi uma droga”. Aí ele sai. Dali
a pouco ele volta e diz: “padre, tenha santa paciência, mas dessa vez o
senhor abusou. Que sermãozinho vagabundo”. E, dali a pouco, ele está de
volta de novo. O padre pergunta para o presidente da Paróquia: “escuta,
quem é esse sujeito? Esta a terceira vez na fila, aqui”. Disse: “não, não
liga, não. Ele é meio lelé da cuca. Ele passa o dia inteiro repetindo o que
ele ouve os outros dizerem”.
Muitas vezes, a gente não ouve as verdades que precisa ouvir.
E não ouve porque, às vezes, as pessoas não têm a liberdade de dizer e,
também, porque elas acabam enxergando quem está ocupando um cargo
no governo como alguém que tem de ser paparicado. Eu acho que o
cara que está mais rodeado de bajuladores é o presidente da República.
Depois os ministros, etc. Está cheio de gente que vem dizer coisas para
agradar.
E eu ouvi muitas coisas, aqui, que claro que não me agradam, eu
preferia que vocês tivessem me dado todas as facilidades para executar o
projeto. Mas, consciente de que nós estamos fazendo, aqui, uma meta-
204|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
avaliação, e quando a gente faz meta-avaliação a gente sempre tem alguns
critérios para fazer essa meta-avaliação.
Os critérios clássicos são quatro. Nós estamos num processo
preliminar. São quatro. Quais são? Primeiro, viabilidade. É viável? Bom,
esse é o critério que nós estamos levantando. É viável, é econômico, é
possível, para ver se a gente tem condições físicas e materiais de dar
continuidade a um projeto desses?
Segundo, é útil. É útil para quê? É útil para orientar as nossas
atividades acadêmicas internas; é útil para orientar as políticas públicas.
É útil. Se não tiver utilidade, por que nós vamos gastar esforço num
projeto desses?
A outra é exatidão. Foram levantadas várias questões, aqui, sobre a
questão da viabilidade técnica, ou da legitimidade técnica, da legitimidade
política. Mas a exatidão é uma questão fundamental. Por quê? Porque os
dados que forem gerados têm de ser confiáveis. Confiáveis para poder
produzir inferências e juízos que sejam confiáveis. Porque as políticas
acadêmicas e as políticas públicas são geradas em cima de inferências, e
não em cima de dados. Os dados são apenas a base para a produção de
inferências. Se os dados não são confiáveis, então não servem.
A professora Cristina colocou questões, por exemplo, em que os dados
distorcem uma realidade específica da instituição dela. Mas eu digo, os
dados do censo, por exemplo, distorcem a visão das universidades há
anos, especialmente porque não consideram, por exemplo, os dados da
pós-graduação.
Por isso, pela primeira vez, nós incluímos, na nossa leitura, um pouco
do lato sensu e um pouco do stricto sensu, para mostrar. Por exemplo a
relação professor�aluno. Para universidades que têm mais pós-graduação do
que graduação, se eu excluir os alunos da pós-graduação do meu cômputo,
eu tenho um dado totalmente distorcido. E assim por diante.
Então, exatidão é uma coisa importante. Mas, especialmente, o
último critério, que é o critério da propriedade, ou da justiça. Quer
dizer, o objeto da avaliação tem que ser tratado com justiça. Então, nós
temos de garantir que haja esse respeito à identidade das instituições, à
diversidade do sistema.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Bom, eu estou fazendo essas colocações apenas para ver se nós
conseguimos organizar algumas coisas, em cima do que a gente está
colocando.
Agora, eu quero fazer mais algumas reflexões sobre as CPAs,
propriamente ditas. Eu entendo que foi um projeto extremamente
importante. Eu acredito nele, porque senão nem estaria mais aqui. Mas,
eu acredito que ele é uma força de expressão da comunidade.
Qual é a alternativa às CPAs? É não ter as CPAs. Essa é a alternativa.
Nós podemos não ter as CPAs. Ou seja, esquece a auto-avaliação. Existe
até uma exigência legal de que haja auto-avaliação. Há anos nós falamos
em auto-avaliação. Pela primeira vez nós estamos dizendo: não suba,
como no tempo da ditadura, em cima de caixa de maçã para fazer o seu
discurso. Aqui estão os mecanismos legais, que garantem a oportunidade
dessa expressão, é lei. É como deve ser nas democracias. É lei. Você pode
se expressar por meio desse canal, ele está criado formalmente. Então,
a alternativa a ter CPAs é não as ter. Eu não vejo outra alternativa. Eu,
pessoalmente, acredito que o momento de auto-reflexão é importante
para a auto-consciência.
Eu me lembro que eu tive, inclusive, uma discussão com o Jocimar,
que estava aqui, no Inep, ele era consultor, mas ele vivia aqui, no Inep.
Num debate em São Paulo, e foi uma coincidência muito grande, ele
apresentou os resultados do Provão e eu apresentei os resultados da autoavaliação da minha universidade.
Mas, como ele apresentou primeiro, e eu apresentei em seguida, eu
disse para ele: “olha, eu tenho conclusões inclusive muito melhores
do que essa que você está apresentando aí, dizendo que é resultado do
Provão. Não tem nada a ver. Eu estou te mostrando, aqui, os dados de
como se comporta uma instituição quando certas coisas, certos valores
são afirmados, são valores acadêmicos”. Porque a avaliação é afirmação
de valores, por isso que ela sempre tem o poder indutor, mesmo que
a gente imagine que não tenha. Ela não é neutra. Qualquer pergunta
tem um valor subjacente, que está sendo afirmado. Eu acho que isso a
gente tem que ver com clareza. Então, ela é extremamente importante,
por causa disso.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
A CPA é um espaço de auto-consciência. A grande dificuldade é saber,
agora, que nós estamos exigindo que todas as instituições – isso é uma
exigência legal – apresentem um auto-estudo.
Por que também se justifica a CPA? Ela se justifica dentro da concepção
de que os valores no campus não são valores monolíticos. O campus
não é um espaço de paz, ele é um espaço de tensão, de muitos interesses.
Muita gente diz: “não, vai ser só marketing”. Bom, por isso que tem de ter
aluno, por isso que tem de ter professor, por isso que tem de ter técnico,
por isso que tem de ter um membro da comunidade externa.
E esses valores entram em conflito, essa tensão vai, naturalmente, gerar
relatórios que não são necessariamente marketing. Daí é que vem a idéia da
autonomia.
Eu ouço, toda hora, a crítica à questão da autonomia. Qual é a opção?
A opção a não dar autonomia de ação para uma CPA é dizer que ela não é
autônoma, que ela tem que estar atrelada ao poder. A lei diz: “ela tem autonomia
de ação”. E eu não vejo grandes conflitos entre dizer aquilo que a gente exigiu
sempre, por exemplo, das universidades. As universidades não têm autonomia?
Nós não temos o preceito legal que diz que ela tem autonomia. Bom, estamos
disputando essa autonomia, é um campo de disputa.
Mas eu acho que o preceito é bom, e eu quero lutar por ele: que ter
autonomia é melhor do que não ter autonomia. Uma CPA que não tem
autonomia é uma CPA que vai fazer marketing institucional, não vai fazer
identificação de mérito e valor, que é o que uma avaliação deve fazer. Então,
a gente tem que colocar.
Eu, pessoalmente, me recusei a alterar a questão da autonomia, porque
enquanto a gente estava discutindo a lei, no Congresso, muita gente criticou:
“não pode ter autonomia”. Bom, eu estava pensando que devia ter, não
autonomia como um órgão de deliberação. A CPA não é um órgão de
deliberação política, não é um órgão administrativo. É uma Comissão
– é isso que ela se chama – é uma Comissão que vai fazer uma tarefa de
coordenação do processo avaliativo, dentro da instituição. E, para isso, ela
deve ter autonomia.
Porque ela é financiada pelo poder dominante? É. As universidades federais
são financiadas pelo poder, mas devem ter autonomia. A mantenedora é
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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o MEC, mas elas devem ter autonomia, didática, científica, pedagógica, de
gestão financeira, como está na Constituição, não muda uma vírgula daquilo.
A mantenedora deve criar as condições? Deve. Mas nós devemos brigar para
que a Comissão tenha autonomia para fazer o seu trabalho.
Bom, eu estou colocando isso até para problematizar várias das
coisas que estão colocadas.
Professora Cristina Agostim: é a mesma questão que se coloca para
as públicas: a diferença de autonomia e soberania. E, nas CPAs, o que
ficaria, em que sentido se vê essa questão para que as próprias instituições
não vejam como soberania?
Está na interpretação do funcionamento das CPAs e da tarefa delas
a visão de soberania. Parte de todo o problema está nessa questão. Isso
se remete à legitimidade.
Professor Dilvo: mas não é soberania. Autonomia não é soberania, nem
para as universidades. A lei, eu acho que está bem clara. É autonomia de
ação, para realizar a sua tarefa, que é a de coordenar o processo avaliativo.
Ponto. Ela não vai definir política, não vai substituir o Conselho
Universitário, não vai substituir o pró-reitor e não vai resolver os problemas.
Ela vai apontar pontos fortes, pontos fracos, fazer recomendações. Mas
isso se esgota aí, o seu trabalho, nesse tocante, especificamente.
A questão levantada pelo Jésus, que me impressionou bastante, é a questão
que eu quero enfatizar um pouquinho mais, que tem a ver, me parece, com
a dificuldade de trabalhar a auto-avaliação dentro do campus. De repente,
você não quer fazer trabalho de sensibilização, porque você não quer criar
tribuna para pessoas que são politicamente contrários a uma proposta, e
assim por diante. Essa, para mim, é, de fato, uma questão difícil.
Eu escrevi, durante a penúltima greve, um texto chamado Campus
Partido, no qual eu distingo três tipos de universidades, dentro do campus:
a Unimec, a Unic e a UFA. A Unimec é a universidade da graduação; a
Unic é da Capes e do CNPq, da pós-graduação; e a UFA é das fundações
de apoio.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Mas é interessante ver essas três, e isso vale para as públicas, como um
todo, inclusive a USP, que é autônoma. Mas o importante é o imaginário
que cada uma dessas universidades tem, porque ele constrói universidades
diferentes.
A Unimec é a que faz greve, normalmente. Mas a concepção dela é de
ser grande e democrática. A Unic raramente faz greve, quase nunca faz
greve. Vai muito bem, obrigado. Tem espaços para os seus laboratórios,
para comprar os seus livros, desenvolver a sua pesquisa, tem bolsa de
produtividade aqui, um complemento salarial lá. Enfim, ela se imagina
pequena e catedrática, ao contrário de grande e democrática.
E a UFA, nós sabemos, não é? A UFA vende serviços, pensa no
próprio umbigo. E é grave isso. Eu me lembro de uma universidade que
tinha 112 cursos de mestrado, dos quais 30 eram mestrados dentro do
campus, gratuitos, e 72 eram fora do campus, todos pagos, privatizado.
Essa mesma instituição tinha 98 cursos de especialização fora da sede,
todos, claro, pagos.
Então, a privatização interna que ocorreu, nesse espaço, cria, também,
tensões que tornam certas coisas difíceis. E são resistências que a gente
também tem de enfrentar.
Eu não me surpreendo, pessoalmente, que haja tão poucos doutores
dentro das coordenações. Com todo respeito, eu sou um deles. Mas me
parece que é quase natural que a Unic te seduza, pelo status, e a UFA te
seduza pelo bolso. Então, é muito difícil, de fato, a gente trabalhar essas
coisas. Mas, mesmo assim, eu acho que a gente tem de trabalhar.
Gostaria que as nossas reflexões fossem levadas, o mais rápido possível,
para a comunidade, como reflexões. Irá ajudar as pessoas a pensarem. E eu
acho que foram levantadas sugestões bastante interessantes. Não queremos
um receituário, não é um receituário. Nós estamos problematizando.
Por exemplo, uma das intervenções que não é exatamente com relação
à CPA, mas que foi levantada pelo Severino. A questão da falta de um
paradigma único de avaliação, para os diversos níveis educacionais. Pouca
participação dentro dos campus – agora já direto para as CPAs. As pessoas
querem participar, mas não sabem como. Muito desconhecimento sobre o
que é o Sinaes. Muito desconhecimento sobre o papel das CPAs, o que se
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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espera delas. Rejeições a qualquer proposta vinda do governo. As IES estão
contaminadas pelas experiências passadas. As CPAs com medo de serem
responsabilizadas pelo insucesso da auto-avaliação. As IES com medo de
que as CPAs sejam o olho do MEC no campus. Muita informação não
chega ao grande público. Descompasso entre teoria e operacionalidade.
Sem engajamento não há participação. Falta de comunicação das várias
ações do Ministério, que é mais ou menos o que já tinha sido dito lá
em cima, de outra forma.
Fiz algumas anotações baseado no que foi dito aqui: relação das CPAs com
os órgãos colegiados superiores, problemática, ela não está clara; a relação das
CPAs com os órgãos colegiados não está clara; CPAs vistas como apêndices,
sem funcionalidade; falta de sensibilização dos reitores; não estaria claro
como a regulação se conecta com o trabalho das CPAs; dificuldade de levar o
trabalho da Comissão à comunidade interna; falta de mecanismos de punição
e premiação explícitos.
Essa última anotação não é uma posição unânime, eu senti por outras
manifestações. Mas foi uma questão colocada e, de certa forma, há uma punição
implícita na lei, não há dúvida de que há, já que o processo de regulação toma
por base o processo avaliativo.
A lei diz: “a avaliação é referencial básico no processo regulatório”. Isso quer
dizer que ela tem uma dimensão regulatória, mas a teoria do Sinaes, e todo o
espírito é que a avaliação não é só regulatória, ela não tem só esse propósito.
Não dá para negar que também tenha. Por isso que existe uma coisa chamada
“Protocolo de Compromisso”, na lei.
Retornando às minhas anotações: falta de uma política para a graduação;
mudança de concepção ainda não foi percebida na comunidade, talvez, volta
ao problema de comunicação; CPAs precisam de legitimidade técnica e política;
a autonomia das CPAs é um fator complicador; os defensores do modelo
antigo continuam ativos.
O imaginário está povoado de negatividade. Eu ouvi isso naquele canto.
Continuando com as anotações, agora contra ao Sinaes: ele é visto como
iniciativa do Estado; o Sinaes deve assumir uma política explicitamente
indutora; CPAs foram constituídas de forma apressada, em função da Lei;
o cadastramento das CPAs foi confuso; há disputa política pelo controle
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
das CPAs; sindicato dos docentes é contrário ao Sinaes, prejudicando a
sensibilização; trabalho com avaliação não dá dinheiro nem status; a alta
administração tem medo das CPAs; descolamento do Sinaes das demais
políticas do MEC e do governo.
Bom, eu parei por aqui.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: nós devemos fazer alguma coisa
hoje. Outras, precisam de mais tempo de maturação. No meu caso,
específico, até de conhecimento.
Por exemplo, lendo, rapidamente, algumas coisas desse manual do
roteiro de avaliação, vejo que há coisas que eu levantei aqui, mas na
demanda da auto-avaliação não estão contempladas.
Por exemplo, na página 24, fala do Tribunal de Contas da União. É
obrigatório, para as Instituições Federais de Educação Superior. Então,
há dados obrigatórios.
Nessa questão da indução, eu acho que tem de ter algumas estratégias
bem claras e bem explícitas. Algumas situações vão divergir, dependendo
do campo que vai se atuar. É um enfoque, realmente um olhar específico.
As Comunitárias, outro olhar específico. As chamadas empresariais,
outro lado específico, um olhar específico. E o que se quer induzir em
cada uma.
Por exemplo, você deu um exemplo de caso da federal. Eu acho que
não está contemplada na auto-avaliação a questão do papel das Fundações.
E eu acho que há documentações que são exigidas, isso é apenas uma visão
que eu tenho. Essas documentações devem exigir um trabalho enorme,
porque são dados demonstrativos, documentos, etc.
Eu sugiro que nessa primeira fase, fosse dada muita importância ao
chamado “Anexo”. O que essa instituição diz daquilo que foi pedido.
Eu queria unir isso que nós fizemos aqui com alguma coisa prática.
As CPAs deverão fazer, num determinado prazo, a auto-avaliação, não
é isso?
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Professor Dilvo: isso.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: então, eu acho que teria um
sentido dinâmico-operacional. Eu acho que nós faríamos uma primeira
rodada, essa é a minha sugestão e, depois, eu, pelo menos, daria uma lida
nesse material e daria outros tipos de sugestões, quer dizer, me sentiria
na liberdade de dizer assim: “para o Inep, achando que tais e tais coisas eu
sugeriria isso, e aquilo”.
Professor Dilvo: se eu estou entendendo, tu estás sugerindo, então, que nós
façamos uma rodada, aqui, para concluir, e quem quisesse, depois, mandar
contribuições adicionais como um apêndice, como um anexo, que a gente
continuasse. Seriam reflexões adicionais. A gente colocaria um prazo.
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: é, reflexões e sugestões adicionais.
Professor Dilvo: e sugestões adicionais, vindas individualmente, como
uma reflexão feita pós-Seminário. Acho que é uma idéia interessante.
Professora Mara Regina: por exemplo, sobre qual é o nosso foco. Por
exemplo, se nós discurtimos a avaliação participativa e como a gente está
percebendo a questão das CPAs, instrumentalizando para que isso ocorra,
esse é o foco. Ou se vamos estar discutindo mais amplamente a questão
dos instrumentos que existem, os princípios. Até para concentrar o tipo de
argumentação.
Eu estava imaginando que a gente fosse concentrar. Nós temos uma
tarefa: garantir que a avaliação seja tanto quanto mais participativa e
instrumentalizar as CPAs para que possam, reconhecidas as dificuldades,
transitar e estabelecer instâncias para poder até tranqüilizar.
E, aí, eu concordo, se formos olhar como um todo, teríamos muitas
sugestões que são bem-vindas mas que, talvez, tragam a nós uma
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
responsabilidade muito maior do que, em princípio, tenha sido esperada.
Eu não sei, estava só querendo saber.
Professor Dilvo: acho que você colocou bem o enfoque, de novo.
Acho que é importante que se recupere esse enfoque. Nós viemos aqui
para discutir a avaliação participativa. As CPAs são um instrumento
dessa avaliação. Nós identificamos o conjunto de dificuldades e, também,
identificamos alguns momentos que o clima talvez nunca tenha sido
tão favorável para a avaliação quanto agora, nos últimos dez anos. Hoje
é bem melhor do que há dez anos atrás. Mas, mesmo assim, nós temos
dificuldades, identificamos várias, aqui.
Então, eu gostaria que a gente fizesse, que cada um fizesse uma última
reflexão sobre isso que aconteceu aqui.
Professora Zenilda Fernandes: eu quero reiterar a todos a satisfação
de ter estado aqui, com vocês, nesses dois dias, e o privilégio de aprender
um pouco mais com as experiências que todos nós, de alguma maneira,
trouxemos para essa reunião.
Eu quero cumprimentar o professor Wagner pela clarividência do
que sejam as funções da CPA. Isso mostra que ele está mesmo na ativa,
na dinâmica do que estabelece o Sinaes.
No que diz respeito à CPA, eu penso que ela é mesmo um dos veículos
mais eficientes para promover a avaliação participativa da instituição. Eu
digo isso baseada numa experiência anterior com a avaliação do Crub
da qual a Unama se submeteu voluntariamente a participar. E com a
constituição de uma Comissão, à medida em que nós íamos tomando
conta da nossa responsabilidade, nós fomos conhecendo a instituição. E,
conhecendo a instituição, muitos procedimentos foram alterados. Uma
vez que todos nós já utilizamos metáforas, eu vou usar a do espelho.
Quer dizer, o espelho, quanto mais longe você fica dele, menos defeitos
você vê. Mas, quanto mais você se aproxima dele, mais você vai vendo
onde você tem celulite, cabelo branco, pé-de-galinha, enfim, as mazelas
da idade, não é?
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Eu acredito muito nessa avaliação do Sinaes, porque já passei por um
processo semelhante na instituição. E se nós falamos que a avaliação tem
como uma das suas prioridades a melhoria da qualidade social, do fazer
das instituições (e qualidade significa ir à essência da coisa), como é que se
vai à essência da instituição sem parametrizar os processos avaliativos?
E, pelo o que me consta, as dez dimensões propostas pelo Sinaes
contemplam a instituição, para que a gente consiga ir à essência. É
bem verdade que alguns dados poderão ser manipulados, em razão da
preocupação da imagem institucional perante o Inep. Isso, entretanto,
faz com que o exercício pela busca dos dados seja um exercício
democrático, válido e duradouro, até que a avaliação se torne um
processo que recomece.
No que diz respeito à CPA, eu queria deixar, como sugestão, que
o Inep realize eventos regionais, a partir de nós, aqui presentes, ou
de pessoas especialistas em avaliação — promova eventos em que as
instituições possam apresentar as experiências de como é que elas vêm
constituindo esse processo.
Eu já tomei a decisão aqui, nesse Simpósio, de realizar um processo
desses. O Estado do Pará tem um espaço, talvez único no Brasil. Nós
temos um Protocolo Inter-universitário, que congrega as instituições
públicas e privadas. E eu já estou, com essa idéia de tornar esse processo
de capacitação das CPAs uma responsabilidade do Protocolo Interuniversitário.
Quero até sugerir aos demais colegas que também façam isso, nos
seus Estados: convidem os representantes das CPAs para realizarmos
eventos de socialização, de sensibilização.
Ainda, eu penso que o papel do Inep é um papel bastante delicado.
Ele está numa linha de sensibilidade entre dizer o que precisa fazer,
ao mesmo tempo em que permite que as instituições tenham essa
autonomia de construir o seu próprio caminho.
Eu entendo bem, e não sei como é que o professor Dilvo se mantém
paciente e longânime, ouvindo todas as pessoas sem se alterar, e gentilmente
vai anotando tudo para que, depois, isso possa servir de reflexão.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Se nós estamos numa fase de transição paradigmática, de um modelo
objetivista para um modelo mais subjetivista, é compreensível que haja
conflito, zonas de conflito, dentro das instituições. E nós não aprenderemos
a realizar nenhuma avaliação, a menos que passemos por essa transição
paradigmática. E no Brasil nós não temos o hábito, como o das instituições
norte-americanas, de fazer a adesão voluntária à avaliação.
Esse processo vai ter de ser aprendido. E essa aprendizagem demanda,
da parte do Inep, disposição em ouvir. Eu acho que ele já está dando
um bom exemplo do que significa ouvir as partes interessadas, e deve
continuar fazendo isso. Até mesmo, que a gente tenha um pouco mais de
clareza sobre se as CPAs estão se constituindo nesse espaço democrático
ou no reduto de partidos políticos, sindicais, para apenas criticar aquilo
que está sendo proposto.
Eu me disponho a colaborar com as instituições. Eu também sou
aprendiz, mas já passei por uma experiência de auto-avaliação, e a
instituição saiu bastante fortalecida depois disso. E resultados concretos
são: nós estamos alterando, completamente, o regimento da universidade,
em função da avaliação e estamos, já, concluindo o Terceiro Plano
Qüinqüenal de Desenvolvimento.
Sou testemunha do que pode fazer uma auto-avaliação numa
instituição que tem os desafios de penetrar num estado extremamente
carente de todas as condições objetivas. Contudo, a gente está conseguindo
fazer a expansão em 63 municípios do interior do Estado.
E eu queria agradecer muito a aprendizagem que vocês me
proporcionaram, e espero que o professor Dilvo lembre-se de nós, nos
próximos Simpósios.
Professora Mariluce Bitar: eu reitero as palavras da professora
Zenilda — espero que nós sejamos lembrados nos próximos simpósios!
Agradeço o convite do professor Dilvo, que pensou nesse Simpósio, para
conhecermos e trocarmos experiências. Eu enfatizo duas questões que
foram fundamentais na reunião desse grupo: são pessoas de várias Regiões,
eu estou sempre falando das Regiões, mas eu acho que é importante
refletir sobre o que Brasil está pensando, e são pessoas de diferentes tipos
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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de instituições. Nós tivemos, nesses dois dias, total liberdade de expressão,
tanto do ponto de vista de universidades e instituições públicas quanto
de universidades privadas. Penso que isso é fundamental, tendo e em
vista, ainda, o perfil da educação superior no Brasil, hoje.
Quero ressaltar que, sendo professora atuante nos cursos de graduação,
também sou avaliada, meus alunos me avaliam, enfim, participo de
todo esse processo, na graduação e na pós-graduação, compartilhando
com o professor Severino e com o professor Jésus, a experiência que
temos desenvolvido, no âmbito do Fórum Nacional de Coordenadores
de Programas de Pós-Graduação em Educação. Entendo, como questão
fundamental, que essa discussão não deva ser isolada, fragmentada — a
graduação de um lado e a pós-graduação de outro.
Em relação ao que foi discutido nesses dois dias, para mim, o que
ficou de mais importante é essa questão que o texto do professor José
Dias Sobrinho indica, ou seja, a mudança de concepção e de paradigma
da avaliação, daquilo que nós tínhamos e fazíamos, e aquilo que nós
temos e podemos fazer, e isso vai levar um certo tempo.
Quanto à questão da existência das CPAs, não tenho dúvida nenhuma
de que elas têm de existir, pois representam um avanço para o processo
de avaliação e são elas que, realmente, conduzirão e orientarão esse
processo. Nós temos medo, às vezes, de falar algumas palavras, porque
“conduzir” pode dar a impressão de um certo autoritarismo, mas não
é nesse sentido. Conduzir tem o sentido de orientar e de democratizar
o processo de avaliação.
Enfatizo o que eu já falei antes: a avaliação tem de pulsar no coração
da universidade. E ela ainda não está, pelo menos no meu entendimento
e na minha concepção, ela não está fazendo parte, não está pulsando,
não está batendo no coração da universidade. Mas eu penso, também,
que é um processo que nós vamos construir, tendo em vista que é uma
política pública de educação e que os seus princípios são democráticos.
Entendo que, por aí, já temos um bom começo.
Agradeço novamente pela oportunidade e tenho certeza que foi
muito fértil e muito produtivo o que nós trabalhamos e construímos
nesses dois dias.
216|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Professor Jésus de Alvarenga Bastos: uma palavra sobre esse nosso
encontro, e o que eu levo daqui.
Eu levo daqui uma visão muito interessante e muito positiva.
Em primeiro lugar, foi depois do início do governo Lula que
tiver minha primeira oportunidade de participar — e eu não sinto
situações de nenhuma tecnocracia. Mas, pelo contrário, de um convite
à participação.
Isso não quer dizer que o governo do Lula se caracterize por isso,
pelo contrário. Eu não o conheço tanto assim, é a primeira vez, mas
posso dizer que na última década eu vivi muitas situações, referentes
à universidade, que eram produzidos pela tecnocracia de acadêmicos,
de acadêmicos ou mesmo de burocratas de diferentes órgãos.
Então, eu estou sentido que há um espírito extremamente positivo
de participação e de convite, realmente, há uma nova dimensão da
instituição universitária. Isso é extremamente estimulante.
Saio daqui estimulado, sabendo que há um pensamento. Para
mim não é surpresa, conhecendo o professor Dilvo, o professor José
Dias Sobrinho e tendo o prazer de conhecer o professor Vicente e o
professor Wagner. De certa forma, nós tivemos alguma oportunidade
de estarmos juntos.
No entanto, eu gostaria que esse espírito permeasse as diferentes
ações que estão colocadas. Eu não as conheço, estou conhecendo agora,
vou ler com todo o empenho sobre todo esse primeiro projeto de
avaliação. Eu acredito que deva ter, também, um roteiro de avaliação
externa, que deverá sair. E que isso venha nessa perspectiva, porque
eu acho que é uma perspectiva extremamente salutar e pertinente à
universidade, não importa que tipo de configuração ela tenha, que é
a participação daqueles que constroem o conhecimento, que estão na
área acadêmica. Aí não fazendo distinção só do acadêmico, o professor,
mas daqueles que atuam diretamente nessa instituição acadêmica.
Então, isso me parece um ponto importantíssimo, porque é uma
inversão de várias situações que eu vivi nos últimos anos. Ou, pelo
menos, é uma posição nova, extremamente positiva.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Eu queria deixar registrado, aqui, não simplesmente o agradecimento
por ter vindo, mas pela alegria de voltar dizendo isso: “olha, a
proposta tem uma outra perspectiva, tem uma situação nova”. Isso
me leva, também, a uma alegria até para a minha vida, na pósgraduação, sobretudo, na orientação dos meus alunos — eu estou, nesse
momento, com três orientandos trabalhando a avaliação. Eles não
têm conhecimento disso, eu acho que é importante que eles tenham
conhecimento dessa parte e, quem sabe, algum aluno, sobretudo de
doutorado, possa acompanhar alguma experiência específica disso que
está acontecendo.
Eu diria assim, sempre com as alegrias e os estímulos, que elas são
boas para a gente enfrentar os desafios, eu acho que tem muita coisa
pela frente a ser enfrentada.
A minha sugestão é que, realmente, possam existir focos. Porque
nosso ensino superior é muito heterogêneo. Ele, na verdade, se intitula
um sistema, mas é um sistema de agregações e diferentes situações.
Eu, naturalmente, trabalhando numa universidade federal, acredito
que o foco específico deva ser sobre as instituições federais. Que essa
perspectiva humana que vocês colocam pudesse permear a avaliação,
no seu todo. Inclusive na avaliação da pós-graduação, e que o professor
Severino falou, assim, de uma maneira tão clara. ao instituição recebeu
conceito dois, fechou tudo. Não é bem isso. O que que vamos fazer
com essa situação, se alguém, na Capes, recebeu dois, não é? E, também,
fazer crescer os outros.
E há situações das mais diferentes. Eu acho que essa situação me
chamou muito a atenção, não era objetivo dessa reunião, esse roteiro
de auto-avaliação. Eu vejo que há situações nas quais, aqui, no próprio
Ministério, os senhores terão subsídios que nem precisam ser fornecidos
por cada instituição. Já existem dados aqui.
Um deles é da própria relação com a pós-graduação. Eu diria assim,
um compromisso. Os cursos bem avaliados da Capes deveriam ter um
compromisso, e aí seria uma indução, de ter uma boa graduação também.
Seria algo, assim, indutor, seria uma sugestão, quer dizer, um tipo de
compromisso, nessa interface. Tem um curso nota 6, 7? Como é que está
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
a graduação? E olha que nem sempre corresponde, não. E eu acho que
isso seria interessante, em termos de política global.
Gstaria de terminar falando sobre a alegria de levar esse estímulo. Eu
continuo numa perspectiva de fazer uma reflexão, em termos de uma
política global, para o sistema de ensino superior, no seu todo. Isso eu
acho que é extremamente importante e, na minha visão, ainda tem de
ser criado. E eu acho que esse é um passo que pode ajudar. E eu fico feliz
em ter participado, aqui, no fim do ano, num período extremamente
complexo, mas extremamente importante, eu acho, para a educação
brasileira.
Obrigado.
Professora Cristina Agostim: gostaria de pontuar que a primeira
vez que eu conversei com o Dilvo foi numa situação de um curso da
universidade, e o que me chamou a atenção foi a sensação que você
tinha uma postura de pensador. Esse era um dos nossos. Isso já dá um
conforto muito grande, para a gente conversar abertamente.
E eu tenho certeza que todas as críticas que a gente faz, e eu sou, em
geral, muito crítica, porque eu acho que esse é o papel, no sentido de
melhorar. Se você não tem a crítica, você não tem o feedback, você não
tem por onde caminhar. Então, a crítica é uma forma de melhoria.
Eu me senti muito à vontade para fazer todas as críticas, nas
oportunidades que eu tive, com o Dilvo, porque eu acho que eu tenho
essa dimensão do pensador, a dimensão da pessoa que vê o global, o
macro.
E por isso eu me sinto muito confortável, muito feliz de estar
participando. Fiz o possível para vir. Este é um momento muito
complicado na minha universidade, mas fiz o possível para vir, porque
eu sabia que haveria, pelo menos, a recepção do que eu teria a colocar,
porque eu estou me colocando muito mais como Cristina Pró-Reitora
do que como UFMG, porque eu não tive a oportunidade de discutir
esses elementos com a universidade. Então muito obrigada pelo convite
e pela oportunidade de participar.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Um segundo ponto é o que estava me angustiando com relação às
CPAs. No contato que eu tive com outras universidades públicas, eu
pensei: “meu Deus, será que a coisa é isolada?” E, ao vir aqui eu percebi
que não era. E isso já é um elemento, assim, muito concreto, que saiu
daqui: se queremos que funcione, se queremos que a avaliação realmente
atinja o papel que ela tem de atingir, para desempenhar, realmente, a que
ela veio, ela tem de ter um instrumento que funcione. Vi que não era um
problema só de algumas universidades, mas é um problema concreto,
com relação à instalação e funcionamento das CPAs. Então, esse é um
outro aspecto que eu acho que foi unânime aqui.
Nesse sentido, eu gostaria de levantar três elementos, três pontos,
aqui, que eu acho que deveriam ser pontos, talvez, já um pouquinho
indicativos. É que parece faltar, não o entendimento do papel da
CPA, mas da composição dessas CPAs. Se a gente olhar o tamanho da
composição das CPAs, você vai encontrar CPAs com quatro ou cinco
elementos até CPAs com 30, 40, que não funcionam, provavelmente
pelo gigantismo delas.
Não sei se está na hora de, talvez, chamar a atenção, ao chamar a
atenção do papel, o tamanho e a representatividade na composição
dessas CPAs. Acho que o trabalho de sensibilização é tornar a falar.
Porque, se estiver escrito e ninguém percebeu, está na hora de se fazer,
novamente, que se chame a atenção para isso.
A outra é a forma de melhorar a compreensão do papel das CPAs.
Como fazer isso? Eu acho que é lembrando, ou esclarecendo, ou
deixando mais palpável, para as instituições, esse papel mais amplo,
essa forma de articular o entendimento da instituição de si própria, ao
revelar, inclusive, dados. A UFMG, apesar de ser bem organizadinha,
de vez em quando precisa de dado, cadê o dado? Ninguém acha os
dados. Ninguém consegue ter o perfil.
A gente sabe, no conjunto, a gente sabe que é desse jeito. A gente
tem diretrizes. Por exemplo: não tem curso que a gente deixe cair, nem
na pós-graduação e nem na graduação. Começou a ficar ruim e tem
indícios de evasão, a gente corre: o que que está acontecendo? Vamos
lá, e verificamos. Inclusive em termos de financiamento, não é?
220|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Mas isso não está palpável. Eu acho que um trabalho da CPA é
tornar visível, para a própria instituição, o que ela é. Não se trata só
de perspectiva, mas, também, de falar: “olha, nós estamos desse jeito,
é isso aqui”. Então isso nem sempre está muito claro.
Outro ponto seria de orientar que, mesmo tendo autonomia, como
as CPAs podem encontrar legitimidade institucional, no sentido de
aceitabilidade, mesmo que em alguns momentos possa parecer confronto,
mas uma legitimidade na aceitação de que isso é nosso, isso faz parte de
nós mesmos. As CPAs vêm no sentido de auxiliar a própria instituição,
com seus mecanismos, a se ver melhor, a se posicionar melhor, se articular
melhor.
Então, eu acho que isso é importante para que não se coloque as
CPAs acima, ou sobre, ou do lado, mas dentro. E, ao colocar dentro, eu
coloco dentro, também, das estruturas hoje existentes, na universidade.
Não tem problema nenhum, ela pode ter autonomia e estar integrada,
desde que ela não se coloque acima nem fora.
Há maneiras de se fazer isso, na orientação do trabalho, de como
as CPAs vão, então, trabalhar e se estruturar, dentro das instituições de
ensino. Ao fazer isso, a gente consegue avançar bastante.
Obrigada.
Professora Neuza Aparecida Ramos: ao encerrar este encontro, gostaria
de agradecer em meu nome e em nome da Diretoria do ForGRAD ao
professor Dilvo pelo convite e, ao mesmo tempo, cumprimentá-lo pela
iniciativa. Gostaria também de lembrar que nos encontros nacionais e
regionais do ForGRAD, o tema avaliação tem estado constantemente
presente, e onde o Inep é sempre bem-vindo.
Paralelamente, como a professora Zenilda pediu que não esquecesse
sua universidade, eu diria: inclua também minha universidade na
relação dos interlocutores. Modéstia à parte, temos algumas experiência
de planejamento estratégico participativo e de avaliação. O projeto da
CPA está quase pronto, devendo ser encaminhado dentro do primeiro
prazo.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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No início do próximo ano letivo, quando haverá o encontro dos
dirigentes da Universidade, incluindo diretores de curso, estará sendo
apresentado a todos o projeto de avaliação institucional proposto.
Então, mais uma vez, muito obrigada ao professor Dilvo e à sua
equipe, ao professor Vicente, meu conterrâneo, que tive o prazer de
conhecer, pelo convite, por estes momentos, e dizer que estamos, tanto
pelo ForGRAD, quanto pela PUCPR, à disposição.
Professor Walter Frantz: também quero agradecer pela oportunidade
de ter podido estar aqui. E aprendi uma imensidão de coisas, sobre as
quais preciso refletir, agora. Mas vem vindo um período próprio para a
reflexão. Também levo a alegria para casa, de ter convivido e conhecido
novas pessoas. Isso, sempre, é muito importante.
Mas agradeço especialmente ao Dilvo, ao Vicente, ao Amir, ao Benoni
e, também, ao Eliezer, pelo convite, e parabenizo os nossos palestrantes,
ao José Dias Sobrinho, ao Wagner e ao Vicente. Produziram textos muito
importantes, sobre os quais a gente vai refletir agora.
Resumindo: o que parece ser importante levar às bases, é que o
processo de avaliação, além de ser, realmente, algo novo, é quase que
uma destruição criativa. É um processo de cultura, de política, de técnica.
É preciso ter isso claro e conversar com as pessoas sobre isso. E é disso
que vai nascer cada projeto específico da universidade, ou renascer, ou
reafirmar-se, nesse processo de discussão.
É claro que essa é uma coisa que demora, não é de uma hora para
outra que as coisas acontecem. Eu levei uma lição muito grande na
vida. Quando jovem, eu fazia sempre um cálculo: dobrando a minha
idade, teremos mudado o Brasil. Quando eu tinha dobrado a minha
idade, eu olhei ao meu redor e parecia que estava mais complicado do
que antes.
Aí eu pensei: “bom, mais um pouco e as coisas acontecem”. Nesse
meio tempo, ruiu tudo. Aí eu me dei conta que, na verdade, eu deveria
mudar. E, aí, comecei a me dispor a mudar. Foi uma grande lição.
222|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
As coisas vão mais devagar do que a gente gostaria e, talvez, do que as
próprias necessidades, mas é assim mesmo. A gente não deve esmorecer,
desanimar diante das dificuldades. Eu penso que existem “n” possibilidades,
como a gente viu durante esses dias, aqui.
Temos como grande desafio, que paira acima de todos nós,
construir uma mínima integração conceitual entre os segmentos que se
dispõem ao fazer universitário no Brasil. Penso que isso é importante. Nós
somos uma República, temos diferentes segmentos sociais organizados,
nós temos o nosso Estado organizado, nós temos as diferentes
representações e interlocuções com o Poder Público. E penso que cabe,
por esse esforço da avaliação, construir um mínimo de entendimento,
de integração conceitual que possa alavancar esse processo que eu chamo
de construção do novo, do que está nascendo.
Vou para casa muito feliz por ter conhecido vocês, por ter estado
aqui. Sinto-me, hoje, mais provocado do que nunca a retornar à arena
dessas questões todas.
Muito obrigado.
Professor José Dias Sobrinho: bom, minha avaliação do Simpósio
também é muito positiva. Acho que todos nós aprendemos, sem dúvida.
Eu aprendi bastante e me sinto feliz, também, de ter participado deste
momento. Hoje, nós temos condições muito mais favoráveis do que nós
tínhamos há dez anos atrás, para trabalhar a avaliação. Se lá, há dez anos
atrás, 93, 94, início do Paiub, já houve uma coisa muito significativa,
em termos de movimento para a transformação, para uma mudança de
paradigma, é preciso também considerar que lá nós não tínhamos tantas
condições, naquele caso, na Sesu, quanto hoje temos no Inep. E nem
nós estávamos tão bem preparados, também, quanto hoje. De lá para cá
aprendemos algumas coisas importantes a respeito da avaliação, tanto na
prática quanto na teoria, e estamos mais amadurecidos nesse campo.
De modo especial, eu ressalto o trabalho exemplar do Inep, sob
coordenação do Dilvo, na capacitação de professores/avaliadores. Como
já informado antes, mais de 6 mil pessoas já tiveram algum contato
com o Sinaes, em diversas formas de capacitação e debates.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Publicações, informações e estudos, análises, propostas, para além de
simples dados. Um aspecto muitíssimo importante é o envolvimento com
a comunidade acadêmica. Vivemos hoje um momento de possibilidade
de diálogo da comunidade acadêmica e científica com os setores
responsáveis pela avaliação, especialmente com o Inep. Temos hoje
condições mais favoráveis também na comunidade acadêmica, não só
pelos conhecimentos mas pela disposição em participar. Ainda que o
chão da fábrica, muitas vezes, trema de inquietação, de problemas, de
dúvidas, eu vejo isso como positivo, pois é isso que produz as críticas e
as possibilidades de superação.
Se não fosse importante para a universidade, ou para as CPAs, a
avaliação, o Sinaes, não havia esse tremor, não havia essa preocupação.
Se a universidade sente que há problemas e dificuldades, é porque está
valorizando. De um modo geral, acredito eu, e isso foi dito aqui por
alguns, já há uma certa aceitação do Sinaes como sendo um projeto de
avaliação que vai de encontro aos anseios da comunidade acadêmica.
Portanto, agora, a questão maior é de resolver as dificuldades políticas
locais e as dificuldades técnicas, que são mais facilmente solucionáveis.
E outra palavra-chave que eu gostaria de mencionar aqui é a
cooperação. Antes, nos anos passados, a palavra-chave era competitividade,
tanto interna às instituições, pois cada indivíduo tinha de ser melhor
que o outro, para obter tanta vantagens — e a GED faz parte dessa
lógica — quanto externa, pois uma instituição tinha de ser melhor que
a outra, para tirar o melhor conceito, para sair melhor na foto, atrair
mais clientes, obter recursos, financiamentos, etc. Agora, não é que a
competitividade tenha sido apagada, pois ela faz parte do mundo da
globalização capitalista que estamos vivendo. Mas o Sinaes provoca e
produz um outro sentido, que é o da cooperação. Vimos aqui a professora
mencionando iniciativas que englobam todo o Estado do Pará, a gente
sabe de esforços que o Wagner tem feito, na Região Nordeste, já com
coisas muito concretas, e poderíamos trazer muitos outros exemplos.
A cooperação, agora, é um valor importante para instituições e pessoas
alimentando a idéia da construção coletiva.
E construção também é uma boa palavra para a gente trabalhar
aqui. Não há nada terminado, pronto, definitivo. E aqui se trata de
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
construção coletiva. Com a palavra “construção” a gente quer dizer que,
eventualmente, vamos errar, porque estamos construindo, mas podemos
consertar e melhorar mais adiante.
A construção coletiva é importante para recuperar, entre outras
coisas, o sentido de espaço público de debate que deve haver em uma
instituição educativa, isto é, para reconstruir o espaço de debate público
nas instituições educativas. Hoje, quase não há a cultura do debate nas
instituições. Acho que o Sinaes vai provocar a recuperação do debate
público como cultura institucional.
Eu sugiro que haja continuidade nesse processo de capacitação,
ou de formação, em avaliação, que o Inep já vem fazendo com muita
intensidade e competência, para melhorar o campo conceitual, os
conhecimentos, o relacionamento entre as pessoas, etc. Penso, aqui,
em três aspectos. É preciso que a gente leve mais informações às
instituições. Quanto mais a gente debater com as universidades a nova
sistemática de avaliação, melhor. Para isso, nós precisamos formar
mais gente, para multiplicar as ações de discussão. Uma estratégia
importante é ampliar as publicações, em jornais, em revistas, em livros,
etc. Precisamos construir o campo de avaliação, profissionalmente,
como uma área. Podemos pensar em reuniões e encontros rápidos, tais
como seminários, simpósios, etc., mas também em cursos e programas
de pós-graduação, como os de lato sensu e os de mestrado e doutorado.
A avaliação deve consolidar-se como uma área de estudos e de práticas
fundamentadas.
Era isso que eu tinha a dizer, saindo muito satisfeito desta reunião.
Professor Severino: eu também queria reiterar a minha satisfação
e os meus agradecimentos. Registrar a grande contribuição que estou
recebendo, deste trabalho, deste convívio com todos os companheiros
que aqui estiveram discutindo.
A grande novidade, o que eu sinto de mais essencial e substantivo nessa
proposta, neste momento novo que nós estamos vivendo, é exatamente
esse novo paradigma ético e epistemológico.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Eu achei que está muito claramente colocada a importância da
articulação entre o que é a subjetividade e o que é a objetividade. O que
eu achei interessante é que isso pode ir junto, não precisamos cair em
nenhum tecnicismo puramente métrico, e nem num idealismo utópico,
descolado da realidade.
E, o que eu proporia como sugestão, é, que nas atividades de
sensibilização e de implementação de ações que estarão em continuidade,
o espírito desse novo paradigma seja muito bem explicitado e trabalhado.
Até porque eu acho que conseguir o melhor e o maior, o mais profundo
compartilhamento, por parte das comunidades universitárias, vai
depender, coisa de 90%, da capacidade de a comunidade entender essa
mensagem, o que estamos querendo. Quer dizer, ninguém está querendo
brigar com a instituição, criar caso, mas sim, exatamente, compreender
aquilo que é o fundamental, que é o essencial.
E, de uma forma bem concreta, eu tomaria a liberdade de sugerir,
como continuidade de trabalho, que o Inep continuasse construindo
pontes com a pós-graduação em três níveis: um canal com a própria
Capes; um canal com a Anped e o Fórum dos Coordenadores e um
canal com as próprias universidades, as instituições onde existe pósgraduação.
Por que com a Capes? Eu li aqui, na própria lei que o Lula assinou,
que na avaliação da instituição o conceito da Capes tem valor, ajuda, a
melhorar a avaliação da instituição.
Acho que a recíproca devia ser verdadeira, também. Quer dizer, o
impacto da pós-graduação na graduação deveria ser um indicador mais
valorizado do que ele é. Porque vocês sabem, na coleta Capes consta um
item que tem relação com a graduação. Mas a gente não sente maior
firmeza. Um pouco é para constar e não é para valer. Porque vocês sabem
que há, nas próprias universidades, um certo desprestígio da docência,
ou mesmo dos relatórios internos, a nossa avaliação.
Acredito que a nova Diretoria de Avaliação da Capes — pelo menos é o
que ela diz publicamente — está muito aberta a novas sugestões. E eu acho
que uma sugestão do Inep para a Direção de Avaliação da Capes, a curto
prazo, vai ter uma validade já para a avaliação do próprio ano de 2004.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
E, assim como a pó-graduação deve ter um impacto na produção da
ciência, na sociedade, ela deveria, também, ter um impacto na graduação.
E isso deve ser valorizado por um programa que não fique apenas fazendo
uma ou outra contribuição avulsa, mas que tenha um compromisso
comum com a graduação.
A Anped é a entidade da educação. Porque, evidentemente, o nosso
assunto é educacional. Na medida em que esse respaldo for levado,
de modo mais formal, ao Fórum e à Anped, como o respaldo que
tivemos aqui hoje, a Anped poderia assumir. Por que não marcar
uma temática de uma reunião anual, para discutir essa questão da
avaliação? É uma idéia.
E, finalmente, no âmbito das CPAs, das unidades, uma coisa bem
concreta seria que nas instituições onde existe pós-graduação fosse,
formalmente, convidado alguém da pós-graduação para integrar a
comissão. A partir dessa sensibilização, de explicar o que que se
espera de alguém da pós-graduação, numa comissão que vai fazer
avaliação.
Eu não sei se legalmente isso é possível. Não tive tempo de analisar
esse detalhe. Mas eu acho que, pelo que eu vi aqui, nada impediria
que algum professor da pós-graduação, alguém que está comprometido
com a pós-graduação, também se comprometesse com essa questão
da avaliação. No conjunto da universidade, é uma forma de romper
um pouco com a fragmentação do olhar avaliativo.
Era isso que eu gostaria de sugerir.
Professor Wagner: bem, quero expressar, mais uma vez, meus
sentimentos, minha gratidão por estar aqui presente. Agradeço pelo convite
para vir aqui, dar uma pequena contribuição, como eterno aprendiz.
Saímos com um novo aprendizado desse importante intercâmbio, desse
importante simpósio, debatendo e discutindo a avaliação participativa.
Creio que todos nós estamos aqui porque acreditamos nessa nova visão,
nesse novo paradigma, em fazer a avaliação tomando como base a
participação da comunidade acadêmica.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Nesse sentido, ressalto, uma vez mais, as palavras de Tiago Melo:
“sabemos aonde queremos chegar. Temos de ver, os melhores caminhos
e o melhor modo de caminhar. Vamos cair, temos de levantar-nos e
seguiremos”. Descobriremos caminhos bons para chegarmos ao nosso
objetivo, não tenho a menor dúvida.
A CPA é absolutamente imprescindível para que possamos alcançar
a avaliação participativa. Absolutamente imprescindível, não há volta.
Ela precisa existir.
Agora, como a Mara muito bem colocou, e eu vou aqui reforçar a
metáfora: a CPA, como um bebê, precisa de um berço, a CPA precisa
de condições mínimas para funcionar, condições materiais mínimas. É
preciso lutar, é preciso buscar essas condições materiais mínimas, para
que ela funcione.
Ela precisa ser educada, como um bebê é educado. Ela precisa de
formação. Ela precisa de espaços de intercâmbio de idéias, de uma
formação mínima, nesse novo paradigma da avaliação. Ela precisa
socializar-se, como uma criança tem de socializar-se. Então, ela precisa
trocar informações, numa mesma Região, ou entre Regiões, entre
instituições, ela precisa de espaços de intercâmbio, encontros regionais,
encontros locais, encontros nacionais.
Eu creio que, juntando todas essas coisas, chegaremos ao objetivo
de implantar um espírito, um novo espírito de avaliação, a avaliação
participativa, criando uma nova consciência, redescobrindo um novo
papel no interior das universidades, das instituições de ensino superior,
do debate, da conversa, da troca de opiniões, da formação de uma nova
consciência cidadã, de uma consciência política no interior dessas
instituições.
Eu creio que começamos. Teremos muita dificuldade, mas temos
esperança de que, cedo ou tarde, alcançaremos esse objetivo, quiçá mais
cedo que tarde, não é? Mas que será difícil a caminhada, não é? Antes
tarde do que mais tarde, não é?
Obrigado mais uma vez, Dilvo.
228|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Professora Nilce Nazareno da Fonte: tarefa difícil esta de, num tema
complexo como esse, fazer uma intervenção que sintetize tudo. Começo
concordando com todos, principalmente nos agradecimentos. E afirmando
mais uma vez que esse grupo é muito bom.
Recuperando o tom de brincadeira, digo que o chão de fábrica está muito
feliz de estar aqui, principalmente, porque está podendo ser ouvido. Não é
uma atitude comum das Diretorias ouvir ou estar mais próximas do chão de
fábrica. Então, é só por isso que o estardalhaço é feito, do contrário poderia
fazer greve e ignorar, mas não faz greve e nem ignora, quer trabalhar, quer
contribuir. Poder trabalhar com todos os segmentos, juntos, é muito bom.
Mas o chão de fábrica fica um pouco preocupado quando o professor
Dilvo pergunta sobre a existência ou não das CPAs; a autonomia ou não das
CPAs. Eu não creio que se trata nem de existência nem de autonomia. Não é
uma discussão de sim ou não. É uma discussão de “vamos melhorar”. Pelo
menos eu trago essa posição bem clara. Como a professora Cristina falou,
eu também sou bastante crítica. Mas a crítica é para construir e não para
destruir, para colaborar, porque nós estamos realmente muito felizes com
essa possibilidade de crescer.
Dito isso, eu vou fazer uma intervenção final, tentando focar na avaliação
participativa, que é o nosso tema. Eu estive na Espanha, fazendo doutorado,
e estive aprendendo um pouco sobre desenvolvimento rural. A Comunidade
Européia é muito desenvolvida nesse tipo de programa. Lá eu aprendi uma
coisa que eu extrapolo para tudo.
Na Europa, nos programas de desenvolvimento rural, fala-se assim: o
sucesso ou o fracasso de qualquer projeto assenta-se em três pés principais.
O primeiro deles é chamado “identidade”. Em desenvolvimento rural, chamase identidade territorial, mas podemos falar só de identidade, ou seja, todos
têm de ter um mesmo motivo, um interesse único, um tema central que
agregue todos e que seja idêntico a todos. Identidade é a motivação comum
de todos. Trazendo para nossa realidade, sabemos que vivemos interesses
divergentes: universidades públicas têm interesses diferentes de universidades
privadas; as grandes são diferentes das pequenas; governo é diferente de chão
de fábrica. Mas o interesse nosso deve ser um só, ele é idêntico e chama-se
avaliação. Isso tem de ser trabalhado.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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O segundo pé que o desenvolvimento rural fala é “capital humano”.
Mas o capital humano não só no sentido técnico, mas também no
sentido das relações. Então eu recupero a reflexão do professor Wagner
que trata do humanista, do componente humanitário e humanista que,
necessariamente, tem de existir.
E o terceiro pé é o “capital social”. Nesse ponto eu faço uma ligação
com alguém que falou sobre confiança. Há que existir laços de confiança
entre CPA e comunidade, entre universidade e outra universidade, entre
universidades e governo, etc.
Então, se esses três pontos forem bem trabalhados, temos grandes
chances de êxito. Identidade única, em todos, sendo a avaliação a
motivadora e a prioridade. O capital humano desenvolve-se por uma
série de maneiras. Uma delas está sendo feita, com os seminários e
treinamentos. E o capital social faz-se na transparência, algo que está
acontecendo também.
Por isso retomo o que disse: vamos chamar a todos, insistentemente,
a todos. Acredito piamente que, quando fica transparente que o bem
comum é o que está sendo desejado, as tensões se abrandam. Aí, se
estabelecem laços de confiança.
Eu vejo isso tanto como uma estratégia de operacionalização quanto
como metodologia de trabalho. E vejo também que temos de categorizar
os atores que têm de ser trabalhados, os sujeitos, conforme disse o
professor José Dias. Os sujeitos somos nós, categorizados em três níveis:
os dirigentes e lideranças, as CPAs e a comunidade.
Temos, então, de estabelecer estratégias de atuação nos três níveis, nos
três segmentos. De que forma? Descobrindo o que provoca a inquietude
e a necessidade de refletir em cada um. Temos de descobrir nos três
segmentos o que provoca a aceitação em ouvir uma nova proposta,
a aceitação em pensar sobre ela e a disposição em assumir uma nova
postura.
Para isso, o que temos de fazer? Descobrir quais são os elementos
indutores ou estimuladores para que isso aconteça. Se nós ficarmos
só no campo teórico, nós vamos ficar só no campo teórico! Temos de
ir para a prática. Então, se trabalharmos nesses três pés do tripé, com
230|
Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
estratégias diferenciadas para todos os envolvidos, tentando descobrir
aquilo que mobiliza, eu acho que teremos avançado muito mais do que
já avançamos.
E, para finalizar, vou também utilizar uma metáfora: aproveitando
o fim de ano, vou fazer uma cartinha para o Papai Noel, pedindo para
que esta avaliação seja como uma chuva boa e fina, como os agrônomos
gostam, e não uma torrente, que vem e avassala. A chuva boa e a garoa
fina, que molham a terra, permitem que as coisas germinem e cresçam
em equilíbrio. Essa é a minha metáfora e meu desejo. Foi um prazer
inenarrável estar aqui com todos. Foi um crescimento muito grande que
eu tive, mais uma vez.
Obrigada.
Professora Mara Regina: bom, eu vou colocar como eu vejo a avaliação
participativa. Eu a entendo como o motor do Sinaes. E, aí, eu quero
reafirmar meu compromisso com o Sinaes e com a lógica que ele traz, que
é da participação. Vejo a grande potencialidade disso, na medida em que
esse sistema devolve às instituições o seu protagonismo, durante o processo
de avaliação. E, ao devolver esse protagonismo, ele delega, de uma certa
forma, essa incumbência às CPAs.
Então, o protagonismo das instituições, devolvido pelo Sinaes, e que
tem na CPA esse motor, essa delegação de competência, implica, aí sim,
que essas CPAs precisam ser amparadas. Amparadas justamente para que
elas possam servir ao paradigma ao qual se filia o Sinaes. E sobre esse
paradigma, acho que não há acordo a fazer, não há meio-termo
Então, se não há acordo, no sentido de que ele sinaliza, claramente,
qual é o entendimento que está por trás, qual é o projeto educacional que
se tenta construir, eu acho que precisa existir, sim, muito cuidado com as
CPAs, no sentido que elas cumpram a sua função.
Ouvindo a professora Nilce, que falou de chuva mansa, lembrei de
um livro que trata exatamente do contrário. Dizia mais ou menos assim:
“como sobreviver em tempos de maremoto”. Eu pensei: “nossa, com a
chuva fina ficou meio complicado”.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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Nesse texto, eu faço uma aplicação para a área nossa, aquilo que nós
estamos vivendo. O autor trabalha com sete “Cs”, que seriam necessários,
para essa sobrevivência em maremotos . Duas palavras aqui foram muito
marcantes. A primeira: Confiança, que já surgiu. Mas eu diria: não há
confiança onde não existir a coerência. A confiança nas pessoas, na
proposta do sistema, depende da coerência que se coloca entre os seus
princípios, forma e conteúdo; teoria e prática. E coerência em todos os
níveis, tanto do sistema, do Inep, quanto das instituições, quanto nos
processos que forem construídos no nível das CPAs. São dois “Cs”.
O outro é o do Comprometimento, nas diferentes instâncias,
exatamente com essa lógica. E o comprometimento é entendido como o
processo de se olhar o tempo inteiro e se perguntar, filosoficamente, qual
é o paradigma que a gente está tentando construir. E, aí, me parece que o
professor José Dias disse, bem claramente: há um e outro. São escolhas.
Uma vai anular a outra. Ninguém nega uma cultura da noite para o
dia. Vai superando isso, na medida em que se compromete com o olhar,
claramente, para o que ele significa e as conseqüências que ele tem.
O outro “C” é o da Comunicação. E eu diria, comunicação, aqui, não é o
processo só de informação. Se for informação, que seja uma comunicação que
transpareça, também, intenções, valores e uma linguagem simples o suficiente
para permitir que a complexidade do fenômeno possa ser reconhecida.
Por último, ou ainda continuando, a Conectividade entre as pessoas,
que implica cooperar e participar, nos diferentes níveis. Que a gente não
caia na falácia de convidar para participar de uma parte da festa. Não
se convida alguém para participar apenas produzindo dados. O tempo
da interpretação, que é onde acontece, exatamente, o grande problema
da avaliação, há que se garantir direito de participar, também. Porque
aí os confrontos aparecem. E normalmente, aí, você remete a quem tem
poder e a base desaparece de cena.
Então, há que existir, sim, a compreensão de que a participação aqui se
inscreve num paradigma ético, como foi colocado. Ético e epistemológico,
como o professor José Dias coloca. Há que existir muito cuidado com
as pessoas, porque elas vêm com marcas, com cicatrizes, de uma cultura
que não é de hoje e que não tem sua explicação dentro da escola, tem
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raízes fora dela. E, portanto, não vai ser uma destruição só por dentro.
Modo de dizer, não é? É claro que nós temos de fazer a nossa parte
aqui, nas condições que estão dadas. Só isso vai permitir que a gente
possa Celebrar, efetivamente, a vida dessa criança que está aí, querendo
e precisando nascer.
Eu teria sugestões no nível do sistema. Acredito que se há alguém
que saiba onde quer chegar, esse alguém claramente é o sistema. Não
é à toa que tem jogado pesado no investimento, na qualificação e na
capacitação das pessoas, no sentido de poder criar uma força, uma
organização que permita que isso, de uma certa forma, como uma
metástase, penetre no seio das instituições. Então, se quer atingir uma
meta política compete ao sistema criar as condições. Minha intervenção
vai mais nesse sentido.
Eu acho que as questões que o professor José Dias coloca, das
capacitações, são fundamentais e têm de ser louvadas. Louvadas porque
educação com qualidade custa dinheiro, demanda investimento, e isso
está sendo feito. Quer dizer, se eu quero mudar, eu tenho de investir.
E investir na direção que o sistema quer operar é legítimo.
Acho que há necessidade de criar, e compartilho com a Zenilda,
espaços onde haja uma socialização dos processos que vão ser colocados,
e uma certa “transferência de tecnologia”. Os tempos são de muita
urgência, de muita pressa, e nós temos de socializar processos que as
pessoas têm feito, até para elas poderem vir, para ouvir uma outra
coisa.
Quer dizer, no campo da avaliação, nas práticas que a gente tem
com os docentes, eu já tenho percebido que tenho conseguido maior
audiência, ou uma escuta mais sensível, quando eu falo do que lhes
dói, do que os preocupa. E a partir dali, do concreto, você consegue
justificar, fundamentalmente, o que está por trás.
Toda vez que eu quis entrar pela primeira porta, eu tive muita reação.
Quando você vai discutir como fazer, e aí vai justificando por que fazer,
as pessoas não desistem de te ouvir, na primeira fase. Então, eu acho que
é necessário, sim, juntar essas pessoas e dizer: “vamos falar, agora, sobre
como é que está funcionando? Como é que é? Que troca?”. E, a partir disso,
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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você vai fazendo os grandes nós, os grandes fechamentos, que acabam
encontrando as pessoas mais dispostas, mais no estado de prontidão,
para acolher e confrontar essas novas possibilidades.
Acho louvável a idéia da memória que está sendo colocada como
estratégia desde o começo. Porque também todo o mundo sabe que os
acompanhamentos dos projetos pedagógicos, muitas vezes, carecem de
avaliações no processo.
Então, eu acho que é válido, é importante. Eu sugeriria a ampliação
das dimensões qualitativas dos processos de implementação, no sentido de
compreender, a “caixa preta”, como é que vai se dando por dentro. Esses
projetos vão ser encaminhados, e acho interessante que eles tenham de
encaminhar, e irão receber pareceres (embora possa haver um risco nisso,
eu sou favorável a essa idéia). Se esses pareceres tiverem a lógica que a gente
está querendo, formativa e educativa, elas também serão compreendidas
nesse contexto. E permitirão que nós tenhamos um banco de dados que
permita a análise de tendências, antes que as coisas aconteçam. Até para
o sistema poder também interferir. Porque avaliação é isso, é a partir de
uma tomada de pulso, que vai permitindo novas intervenções.
Acho que deveria existir, à semelhança do Enade, um manual de
sobrevivência. Algumas questões que são bastante comuns, essas perguntas
que não querem calar e que podem estar, ali, mostrando para as pessoas
aprenderem a acessar, olhando sugestões práticas, pistas. Quer dizer, são
coisas que podem ser feitas sem que a gente tenha medo de ser, em alguns
momentos, prescritivos. Há questões de natureza técnica que requerem
concurso de técnicos que saibam fazer, que entendam disso. Então, acho
que tem de existir, sim.
E proporia textos em duas dimensões, a depender de para quem se
destinam, que finalidade eles cumprem. Textos mais enxutos. Alguns de
ampla densidade teórica que acompanhem e aprofundem, e outros que
traduzam, em português claro, simples, acessível para atender a esse perfil
eclético que hoje compõe as CPAs. Nada contra o ecletismo, que pode ser
saudável, apenas defendo que quem não tem informação e conhecimento
sobre a avaliação, precisa aprender, precisa-se acostumar a estudar e a gostar
da coisa. Assim, devemos cuidar para que não fracasse na primeira leitura.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Textos que sejam completos, inteiros e que levem em conta o tal do chão da
fábrica. Enriquecido pela oportunidade de partilhar um discurso teórico,
necessário para fundamentar sua ação. Os membros das CPAs não podem se
sentir inseguros tecnicamente. Porque essa incompetência técnica pode tirar
de muita gente a condição de produzir competência política. Porque são
pessoas, às vezes, com muito traquejo, com muito trânsito na universidade,
nas instituições, e que, se tiverem esse amparo teórico, podem usá-lo. O que
seria bastante interessante para operacionalizar o processo.
Então, acho que seriam essas as questões que eu queria falar. E, assim,
agradeço de coração por estar aqui, não só por aprender, mas, especialmente,
pelo meu momento pessoal, que foi de muito enriquecimento e de resgate de
confiança e de esperança.
Obrigada.
Professor Dilvo: Mara, eu só anotei confiança, coerência, comprometimento, comunicação, coletividade. Quero os outros dois.
Professora Mara Regina: eu parei? Cuidado e celebração. A celebração,
aí, não só dos acertos mas, também, dos erros, porque Milton Santos já
ensinava: temos de aprender a festejar, também, o que não dá certo.
Professor Dilvo: ... e celebração (...)
Professora Mara Regina: celebrar também o erro, porque algumas vezes
a gente erra por estar tentando fazer diferente, contrariando a lógica.
Portanto, não sei se é erro. Vai depender do jeito que eu olho. É possível
que esse erro seja a única forma de tentar acertar o caminho.
Professora Aluízia Aparecida Cadore: como eu estou me preparando,
com a nossa CPA, para os 400 metros com barreiras, eu digo que quando
eu recebi o e-mail do professor Vicente, em nome do professor Dilvo, foi,
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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para mim, muito importante porque aquilo foi um grande aquecimento
para aquela prova. Ela é grande e dificultosa. Mas ela está me dando
subsídios, está me dando qualidade técnica.
Estar aqui hoje significa ir acrescentando um pouquinho de cada um.
Eu digo que não tenho como medir o aprendizado que eu tive aqui, com
cada um de vocês, com os professores Dilvo, Vicente, Dias Sobrinho,
Wagner, com cada um de vocês. Falar depois da Mara, também, é bastante
responsabilidade.
Para mim, está bem claro de que não tem como discutir a existência
ou não das CPAs. Para mim, ela já existe e vai continuar só descobrindo
novas habilidades para como fazer o melhor e chegar no fim com um
resultado bastante positivo.
Nós já havíamos pensando, lá na Universidade Federal de Santa
Catarina, em fazer, também, um seminário de capacitação, organizar,
que fosse, por Região, tendo subsídios do Inep e de pessoas como
vocês.
Hoje eu vejo que está mais fácil, até, para organizar, porque depois
de tantas discussões como as que tivemos aqui, fica até mais claro que
nós precisamos nos aperfeiçoar e de onde a gente pode buscar subsídios,
que pessoas a gente deve levar, como que a gente discute.
A idéia da Zenilda, de organizar que seja um seminário, um simpósio,
um colóquio, onde as pessoas possam apresentar o que fizeram até o
momento, é uma parte prática, e aquilo enriquece e contribui: o que
está faltando no meu; eu posso contribuir com o que está no seu; a sua
experiência contribui para o meu desenvolvimento.
Eu digo que a gente está tentando fazer um trabalho em equipe,
lá na UFSC. Eu vou continuar dizendo que aqui a gente pôde unir o
talento de cada um de vocês, e talvez um pouquinho do meu. O talento
de cada um de vocês vai produzir, com certeza, um documento que vai
somar muito mais do que só simplesmente falas, ele vai contribuir e vai
somar algo muito mais grandioso, que vai poder se disseminar de forma
eletrônica, ou no papel, para ir esclarecendo as dúvidas das pessoas que
estão do lado de lá.
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
Porque, como eu me enriqueci muito vindo aqui, eu acho que a gente
tendo essa dinâmica, dentro das instituições, a gente vai disseminá-la,
fazendo um trabalho de formiguinha.
Agradeço imensamente e sou grata por tudo. Muito obrigada.
Professor Vicente de Paula Almeida Júnior: quero registrar o meu
prazer em conhecer todos vocês. Esse contato com os diferentes
professores, com as diferentes realidades, é bastante importante para
mim. Aprendo bastante com vocês.
Este Simpósio é bastante especial porque concretiza a aproximação de
dois campos, até então meio separados na educação superior brasileira:
o campo da avaliação e o campo das políticas sociais e educacionais.
Na literatura, encontramos esses campos um pouco separados. E o
que observamos hoje é uma tentativa um esforço de aproximar esses dois
campos. Ainda vejo uma lacuna: metodologias apropriadas que estudam
a avaliação como política educacional.
Daí a preocupação em refletir sobre as condições de possibilidade
de existência das CPAs. E penso que essas condições de possibilidade
passam por um estudo sistemático e de acompanhamento — está aí a
razão deste Simpósio — para entender a relação entre a teoria e a prática,
entre o discurso.
Saio daqui com essa preocupação de colocar o Sinaes na realidade
educacional da educação superior brasileira. Temos uma vantagem: o
contexto é favorável porque nos convida a participar. E a vantagem, ainda,
de um modelo bastante fundamentado, vislumbrando aquilo que todos
nós almejamos, que é a formação e a qualidade na educação superior.
Obrigado.
Professor Dilvo: nós podemos ver, daqui a meio ano, talvez, como
é que as CPAs evoluíram, se esses temores e essas questões que a gente
levanta, de fato, fizeram sentido, foram importantes. E se nós soubemos
aproveitar o conhecimento acumulado, para evitar certos equívocos.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
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Eu, pessoalmente fico feliz quendo vocês manifestam o desejo de
serem convidados outras vezes. Isso para mim é importante. É um sinal
que vocês dão importância para esse tipo de trabalho que a gente fez.
Quero fazer um convite: não deixem de ler a página do Inep.
Na medida do possível, leiam o informativo semanal, ajudem-nos a
melhorar esse informativo, mandando sugestões. E essa é uma tentativa,
também, de fazer aquelas versões “Nelson Ned”, não só as “Maguila”,
tem de fazer as pequenas, também, para poder fazer a comunicação
com o grande público.
Mas gostaria, também, de desafiá-los a se integrarem aos estudos que
nós estamos começando agora, a partir do conjunto de informações de
que o Inep dispõe. Há muitas informações nesse Instituto, de todos os
instrumentos, começando pelo Censo, por exemplo. Nós podemos fazer
estudos do Censo em séries históricas, por tipo de instituição, por Região,
por dependência administrativa e assim por diante. São inúmeros tipos
de estudos. Os dados estão aí, esperando.
E eu gostaria de convidá-los ou a iniciarem esses estudos, ou, se forem
diretamente contatados, para que manifestem a vontade de participar.
Ou ainda, pelo menos, indicar alguém que, de fato, tenha interesse em
fazer esse tipo de estudo. Eu acho que isso é urgente.
Quanto às CPAs. Eu vou ficar feliz, você usou a imagem da mosca,
eu acho que a gente tem de ser mordido pela mosca, mas não pela azul,
a gente tem de ser mordido pela mutuca, a mosca mutuca. Se as CPAs
forem a mosca mutuca, capaz de agitar as universidades, eu estou feliz.
Eu já estou feliz.
Por fim, quero agradecer a vocês, primeiro, por terem vindo. É uma
época difícil. A gente perde até aquilo que a gente trabalhou, estou
lamentando. Ela queria estar lá no lançamento dos livros dela, enfim,
nesta época muitos nem presente de Natal conseguiram comprar ainda.
Mas, também, quero agradecer pelas críticas, pelas sugestões, pela
franqueza de vocês, em colocarem essas críticas e sugestões.
Eu esperava sair com um pouquinho de mais organização das idéias,
mas as idéias estão aí, elas estão gravadas, vão ser transcritas e, então, cabe
a mim, como coordenador, fazer uma introdução, na qual vou tentar
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Avaliação Participativa Perspectivas e Debates
organizar essas idéias e vou pedir para vocês que me ajudem a ver se eu
fiz uma organização que contemple as sugestões de vocês.
Para mim, a confirmação de que o Sinaes realmente chegou bem
mais longe do que eu imaginava, há alguns meses atrás, veio num outro
dia, quando eu estava fazendo palavras cruzadas e me deparei com
a seguinte opção: “substituiu o Provão”, preencha. Eu pensei: “ficou
popular. Conseguimos popularizar o Sinaes”. E, de fato, pelo menos a
palavra Sinaes pegou muito bem. O Enade não pegou tão bem ainda,
mas eu acho que o Sinaes, de fato, pegou. Mas eu espero que realmente
se torne o que a Mariluce gostaria que se tornasse, pululando na vida
da universidade.
Eu também quero fazer uma crítica à dualidade “chão de fábrica” e
“teoria”. Eu tenho dificuldade de conceber qualquer um de nós como
só teoria ou como só chão de fábrica. Acho que, por razões didáticas,
aqui, ela até foi interessante mas, por exemplo, eu vejo um José Dias, um
grande teórico da avaliação, que deu mais contribuição do que qualquer
um de nós podia dar. Mas ele saiu, basicamente, com a contaminação
da experiência direta que ele teve, num grande projeto de avaliação, que
foi o da Unicamp.
Eu também participei de um projeto de avaliação, como pró-reitor,
diretamente. E eu consigo ver quase todos, aqui, e eu conheço quase
todos, com essa dupla atuação. Nenhum de nós é totalmente teórico ou
está totalmente distante do chão de fábrica.
Houve alguém que disse isso e, depois, caiu, deixou de ser ministro,
quando disse: “eu estou ministro. Eu sou professor”. Ele durou alguns
dias, só. Mas eu vou dizer: “eu estou diretor. Eu sou professor”. Eu não
saí do chão de fábrica e sei que vou voltar para o chão de fábrica.
De qualquer maneira, quero dizer que, enquanto eu estiver aqui,
as portas da Diretoria que eu dirijo estão abertas a todos vocês. Quero
que se sintam totalmente à vontade. E espero, realmente, que os nossos
caminhos se cruzem em breve.
Feliz Natal para todos. Boa viagem de retorno. E vamos para a
festa.
Debate avaliação participativa: construção e crítica.
Dia 16/12/2004. Debate Tarde.
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Título: Avaliação Participativa: perspectivas e desafios
Formato fechado: 16 x 23 cm
Mancha gráfica: 10,8 x 18,87 cm c/no.
Tipologia: Agaramond 8, 9, 10, 11, 14, 16 e 24 pt
Papel: Sulfite 75g (miolo)
Couche Fosco 230g (capa)
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