ENSAIO SOBRE MOBILIDADE SUSTENTÁVEL PARA
REGIÕES PERIFÉRICAS
Matheus Henrique de Sousa Oliveira
Romulo Dante Orrico Filho
Renato Guimarães Ribeiro
ENSAIO SOBRE MOBILIDADE SUSTENTÁVEL PARA REGIÕES PERIFÉRICAS
Matheus Henrique de Sousa Oliveira
Doctoral Program in Transportation Systems – MIT / IST-Portugal
Rômulo Dante Orrico Filho
Professor PET/COPPE/UFRJ
Renato Guimarães Ribeiro *
Professor CEFET-MG
RESUMO
Na teoria do desenvolvimento econômico, os estudos de Raul Prebisch e Celso Furtando representaram uma
mudança de perspectiva sobre a discussão até então vigente. Ao questionar a relação de avanço e atraso entre as
economias pobres e ricas, tais autores passaram a conceber as regiões periféricas como elementos
estruturalmente destinos das regiões centrais. Nesse mesmo contexto, o presente ensaio é motivado pela
percepção de divergências entre os problemas de mobilidade urbana no Brasil e as linhas de pesquisa
desenvolvidas nos principais fóruns de discussão de países da OCDE. Assim, o presente trabalho tem como
objetivo discutir as disparidades estruturais entre as economias centrais e periféricos e como tais podem afetar os
rumos do desenvolvimento de uma teoria da mobilidade sustentável específica para a periferia. Conclui-se em
um ensaio de alguns tópicos fundamentais para a elaboração de tal, onde se apresenta a hipótese de mobilidade
conduzida pelo processo de inclusão social.
ABSTRACT
On the last century, the conception of an economic theory for development in peripheral regions has been
discussed from the principle that the structural organization of these countries do not figures as an evolutionary
scenario. Based on the same premise, this essay was driven by the perception of divergences between urban
mobility problems in Brazil and the research lines that have been conducted at the main discussion forums based
at OECD countries. Similarly to what was questioned by theorists of economic theory for development in
peripheral regions, this comparison alights the discussion about the applicability of those non-evolutionary
patterns for the case of sustainable mobility theory. For this purpose, this paper points some structural disparities
among central and peripheral economies and how they can affect their mobility system. The conclusion is the
hypothesis that sustainable mobility at peripheral economies shall be conducted as a process of social inclusion.
1. INTRODUÇÃO
A proposta de redefinição da teoria do desenvolvimento econômico defendida por Prebisch
(1964) parte da classificação dos países em economias centrais e periféricas. Análises sobre
padrões de exportação, estrutura fundiária, industrialização e outros mostram que existem
divergências estruturais profundas capazes de dividir as economias. Em resumo, Prebisch
foca sobre a observação dos impactos causados pelas diferenças entre as matrizes de produção
e exportação dos países e tem como o principal achado que, a especialização dos países
periféricos em produtos agrários era prejudicada pela queda relativa dos preços dos seus
produtos no mercado internacional. Essa desvalorização causa o estrangulamento do processo
de importação de maquinário industrial para alimentar a formação de uma indústria de base. O
incentivo para a origem da teoria do desenvolvimento econômico parte da aceitação que a
organização estrutural, enfrentada nas regiões periféricas, impede a adoção das práticas
desenvolvidas pelos países centrais para a realização do processo de industrialização.
Nas últimas décadas, a formação do conceito de sustentabilidade e a incorporação desse termo
aos modelos de desenvolvimento propõe a retomada das questões propostas pelos teóricos das
regiões periféricas: Uma vez que o conceito de desenvolvimento é divergente para a periferia,
a forma de inclusão do preceito de sustentabilidade também não deveria se pautar por bases
diferentes? A resposta é sim, mas começa pela afirmação que o conceito de sustentabilidade
não pode divergir entre as regiões. Ao compreender o mundo como uma rede de pessoas
integradas, as ações desenvolvidas em uma parte do globo têm impactos diretos sobre todas as
outras partes. Todos os esforços devem estar balizados pelos mesmos princípios.
O presente ensaio foi impulsionado pela percepção das divergências entre os problemas da
mobilidade urbana brasileira e os descritos pelos estudos baseados nas regiões desenvolvidas.
Tal comparação permitiu compreender que não existe uma relação de atraso entre os dois
cenários. De forma que, trilhar os mesmos passos do desenvolvimento do sistema de
transporte descrito pela história dos países centrais não levaria ao mesmo estágio de
desenvolvimento e, consequentemente, ao enfrentamento dos mesmos problemas discutidos
por seus pesquisadores na atualidade.
A partir dessa apresentação preliminar, o artigo se estrutura para conduzir o leitor ao
entendimento das disparidades estruturais entre países centrais e periféricos e seus impactos
sobre a formação dos respectivos sistemas de transporte urbano. Em caráter introdutório, são
descritos os conceitos de sustentabilidade e mobilidade sustentável. Na sequência revisa-se a
bibliografia sobre mobilidade urbana sustentável nos países centrais e aborda os principais
temas de pesquisas sobre transporte nas regiões centrais. As seções seguintes se dedicam a
análise das divergências entre os padrões de mobilidade no centro e na periferia. O objetivo
dessa comparação é mostrar que a mobilidade sustentável na periferia deve ser compreendida
de forma atrelada ao processo de inclusão social e urbana, as oportunidades da cidade devem
estar abertas a todas as pessoas e o transporte deve ser o indutor desse movimento de
equidade. Por fim, ensaia-se a construção de uma teoria para a mobilidade sustentável em
regiões periféricas. O ensaio é concluído com a apresentação do sistema de transporte como
indutor da inclusão social, não somente em sua finalidade, mas através da sua realização.
2. SUSTENTABILIDADE E MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL
A inserção da sustentabilidade no conceito de mobilidade inclui o entendimento do seu caráter
temporalmente dual. Ao tratar sobre modos sustentáveis a escala de tempo deve ser encarada
como um elemento que leva para as futuras gerações os fatores que estão sendo decididos no
presente. Dessa forma, é necessário contabilizar esses impactos como parte das vantagens e
desvantagens para o empreendimento, um vínculo recíproco entre pessoas independentes.
A expansão da abrangência do elemento de reciprocidade causada pela definição dinâmica da
sociedade cria duas formas de solidariedade: Sincrônica e Diacrônica. A sustentabilidade em
sua forma sincrônica busca elementos de equidade, satisfação e solidariedade em um cenário
presente. A sustentabilidade diacrônica corresponde à responsabilidade que a sociedade do
presente tem sobre a garantia das mesmas condições de reprodução para as gerações futuras
(SACHS, 2006).
Sachs (2006) propõe cinco pilares para o desenvolvimento sustentável. O pilar social, visa à
redução de disparidades nas oportunidades e no desenvolvimento includente e distribuidor.
Este pilar é elemento estruturador da sociedade sustentável e fundamental para o processo de
planejamento. O pilar ambiental em suas duas principais dimensões, ambiente fornecedor de
recursos naturais e espaço para gestão, reaproveitamento, reciclagem e disposição de resíduos.
O pilar territorial foca-se na distribuição espacial dos recursos, das populações e das
atividades. O pilar econômico é o fator condicionante do desenvolvimento. E por fim, o pilar
político que estabelece uma sociedade democrática representativa e includente.
O conceito de mobilidade urbana sustentável deve trabalhar em sintonia com estes elementos:
considerando a cidade como local de convívio social onde a acessibilidade como direito deve
existir em condições de igualdade a todos; e pensando na mobilidade como um recurso que
deve ser garantido às próximas gerações. Por fim, não deve ser esquecida a capacidade do
elemento transporte em influenciar na esfera ambiental, mas o conceito de sustentabilidade é
muito maior que medidas mitigação dos efeitos físicos do transporte sobre o meio ambiente.
Le Bretton (2005) amplia esse entendimento e afirma que a mobilidade é um direito que
transpassa a existência dos demais direitos que compõem o cidadão em seu pleno direito à
cidadania. Muito além, do papel de suporte às ligações entre trabalho e residência, o sistema
de mobilidade possui um relação biunívoca com a cidade e com o espaço. Sendo capaz de
transformar o seu entorno a partir da implantação de novos projetos ou melhoria dos serviços.
Essa diferença de acessibilidade permite e provoca mudanças significativas na realização de
atividades sociais e econômicas. Meio de produção socializado, fator de aumento de
produtividade e instrumento de políticas sociais são algumas das formas nas quais as
externalidades da implantação do sistema de transporte se apresentam (Orrico Filho, 2005).
3. MOBILIDADE SUSTENTÁVEL NOS PAÍSES CENTRAIS
“Travel patterns in most developed countries are increasingly dependent on the car. Levels of mobility and car
ownership have risen substantially over the recent past and that increase seems likely to continue to rise.”
BANISTER, 2005 P.11
Essa citação é o alerta de emergência para a falência do sistema de transporte nos países
centrais, principalmente Europa. Após a segunda guerra, o modelo de reconstrução das
cidades europeias foi pautado pelo desenvolvimento de um sistema de transporte coletivo
eficiente naquele momento. Com o passar dos anos e o desenvolvimento de novas atividades,
centralidades e o próprio crescimento das cidades, as necessidades foram se transformando de
forma a favorecer o uso do automóvel particular. Essa tendência começa a ser observada entre
1984 e 1994 com o aumento de 31% da frota de automóveis de passeio (BANISTER, 2005).
Litman e Burwell (2006) demonstram que a falência do modelo se deu a partir da
compreensão da evolução do sistema de transporte em seu formato linear. Esse pensamento
assume que os modos de transporte são substituíveis, em uma escala baseada no principio de
que o novo é o melhor para qualquer situação e o antigo passa a ser desnecessário.
Consequentemente, a evolução acontece pela disseminação e priorização do modo mais
evoluído. Ou seja, priorizar a caminhada ou o transporte público seria uma involução. Sob
essa lógica, o automóvel particular ganhou espaço na matriz de transporte dos países centrais.
As modificações do modo de transporte têm impactos sobre outros espaços da vida urbana.
No meio ambiente os efeitos são notados de forma mais clara e, por esse motivo, justificaram
os primeiros estudos que posicionaram o transporte como indutor da sustentabilidade. Os
impactos ocasionados no meio social e no econômico são mais sutis, como a perda de
eficiência econômica por formação de barreiras a mobilidade ou o aumento no número de
acidentes relacionados ao tráfego. O agravamento das demais externalidades despertou o
interesse pelo desenvolvimento de uma nova concepção para o sistema de transporte urbano.
O movimento teórico contrário ao modelo evolutivo analisa a partir da alocação eficiente da
demanda. Ao negar o princípio evolutivo intermodal, essa corrente defende o
desenvolvimento em paralelo dos modos de transporte. A lógica parte da compreensão das
propriedades funcionais de cada um dos modos de transporte. Desta forma, todos os sistemas
são úteis, individualmente ou integrados, para atender as diferentes necessidades de
deslocamento. Assim, o progresso do sistema de transporte não está mais baseado na
substituição modal, mas na sincronia entre a característica dos modos de transporte e as
especificidades de cada deslocamento.
4. PRINCIPAIS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE SOBRE A MOBILIDADE
DAS CIDADES CENTRAIS
Os problemas citados nessa seção trazem os debates sobre os desafios da mobilidade urbana
sustentável nos países centrais, presentes nas publicações do Fórum Internacional de
Transporte, SUTP e World Health Organization. A presente seção é desenhada através de três
problemas estruturais centrais: o papel do automóvel particular na sociedade; o papel do
sistema de transporte na poluição; o aumento no número dos acidentes de trânsito.
O papel do automóvel particular nos países centrais começa após a segunda guerra mundial.
Nesse momento, a percepção dos benefícios individuais proporcionado pelo uso deste modo
faz com que este seja entendido como o estágio mais evoluído dos modos de transporte. Neste
sentido, as cidades começaram a produzir condições ideais para a sua utilização, com a
formação de regiões habitacionais para classe média alta e alta e a expansão da infraestrutura
rodoviária. O automóvel passou a ser o símbolo do desenvolvimento e a sua expansão é
observada inclusive nos países que apresentavam bons serviços de transporte coletivos. Os
dados do International Transport Forum (2010a) demostram que para os maiores países
europeus os automóveis, desde a década de 1990, é responsável por mais de 80% dos
deslocamentos, nos Estados Unidos o percentual é superior aos 90%, em ambos os casos não
se há variações que demonstrem uma tendência de reversão. Essa dependência tem
externalidades negativas sociais e ambientais ao ambiente urbano.
Observar a emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) representam o principal indicador para
os transbordamentos desse desequilíbrio na matriz de transporte sob o ambiente e a matriz
energética. A formação de uma estrutura de transporte de passageiros baseada no modo
individual tem consequências sobre a produção dos GEE, mas um dos pontos mais
importantes é compreender que o peso relativo do transporte de passageiros também cresce. O
transporte individual é mais intensivo no consumo de combustíveis fosseis e,
consequentemente, maior produtor de GEE do que o transporte coletivo. Segundo OECD
(2010), o setor de transporte foi responsável por 23% das emissões mundiais de CO². Numa
comparação interna ao setor de transporte, Figura 1, o transporte de passageiros aparece como
grande emissor de GEE nos países centrais.
100%
80%
Caminhões pesados
60%
Caminhões médios
40%
Caminhões leves
Automóveis
20%
0%
EUA
Canadá
França Alemanha
Italia
Inglaterra Austrália
Japão
Russia
China
Figura 1: Emissões de Greenhouse Gases por tipo de veículo por país
Fonte: ITF (2010) Reducing Transport Greenhouse Gas Emissions: Trends & Data.
O uso excessivo do automóvel também tem impacto na segurança no trânsito e na saúde
pública. A importância do sistema de transporte para a saúde pública é comumente divulgada
através de estudos de impactos da poluição do ar, sonora e outras emissões sobre a saúde da
população. Os países centrais estão superando o problema dos acidentes, o nível de morbidade
desses países é muito baixo e vem reduzindo ano a ano. A evolução tecnológica, as medidas
de conscientização e os programas de redução de acidentes implantados contribuíram para
reduzir estes índices nos países centrais. Em contrapartida nos países periféricos essa
característica é quase epidêmica, mesmo considerando uma menor frota de veículos.
Assim os estudos relacionando saúde e trânsito nas cidades centrais focaram, principalmente
na formação de políticas para a redução das emissões dos veículos automotores e sobre os
impactos positivos da transferência modal sobre a qualidade de vida da população. Dessas
discussões surgiram às bases para a formação do padrão europeu de emissões de poluentes
EURO. Menos conhecidos, mas igualmente importantes estão os estudos de uso do transporte
não motorizados nas viagens diárias. No entanto, as externalidades de uma matriz de
transporte desequilibrada pelo automóvel acabam por prejudicar os demais modos de
transporte, principalmente a pé ou bicicletas que apenas conseguem se impor ou dividir a
mesma estrutura física com riscos para o usuário.
Essa breve revisão sobre esses quatro temas poderia se desdobrar para vários outros desafios
sobre a inscrição da sustentabilidade no padrão de mobilidade das regiões centrais. Mas a
forma como são abordados esses problemas já nos permite observar um padrão insustentável
de viagens. Os países ricos alcançaram uma acessibilidade ao sistema de transporte próximo
do ideal, com baixo nível de exclusão e inacessibilidade ao sistema de transporte. Os estudos
sobre imobilidade nos países centrais focam também sobre o envelhecimento da população e
o desenvolvimento de um modo de transporte para pessoas com mobilidade reduzida.
Com certeza, nos países centrais, ainda existem pessoas realizando suas viagens em condições
precárias, mas não há indícios, no setor de transporte urbano, de disparidades de acesso a
oportunidades das atuais e das futuras gerações. Nos países centrais, as externalidades criadas
pelo desequilíbrio na matriz de transporte são os elementos em discussão. Em consequência
desse enfoque, o objeto é a mudança da matriz de transporte e o uso dos diversos modos de
acordo com suas especificidades evitando o consumo ineficiente de energia, excesso de
emissões, externalidades econômicas e acidentes.
Em outra situação se encontram os países periféricos. A palavra outra, nesse caso, deve ser
afirmada para desvencilhar a presente abordagem de qualquer dogma evolutivo. A periferia
não pode ser analisada em todos os aspectos como um estágio menos evoluído do centro. As
próximas seções mostram que os padrões de deslocamento e o desenvolvimento da
sustentabilidade perpassam por situações distintas das pesquisadas nos países centrais.
5. TEORIA DA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL PARA REGIÕES PERIFÉRICAS
Compreender a teoria da mobilidade sustentável para regiões periféricas requer antes definir a
estrutura social da periferia. Francisco de Oliveira (1981) ao definir o Brasil como o
ornitorrinco mostra a essência da organização social gerada pela relação de dependência entre
centro e periferia. O ornitorrinco é a figura que contem elementos de diversos outros tipos de
animais, da mesma forma é a periferia ao juntar, no mesmo espaço, o novo e o arcaico.
A mobilidade nas regiões periféricas também se apresenta de forma dual intrínseca. O
panorama da mobilidade é dividido em dois padrões, os incluídos e os excluídos. Incluídos
são aqueles que conseguem se deslocar na cidade em condições aceitáveis. São dotados de
uma oferta de transporte que, e de condição financeira, que lhes permite atender os seus
deslocamentos. Na outra extremidade se encontram os excluídos, essa parcela da população
não se encontra apta a atender a sua demanda de deslocamento em condições aceitáveis. Não
possuem condições financeiras para arcar com os custos da viagem, ou em alguns casos, nem
se quer existe oferta compatível de meios de transporte. Essa camada não se encontra fora do
sistema de transporte, mas na franja dos deslocamentos a pé ou em condições precárias.
Obviamente esses panoramas também se misturam de acordo com o tipo de inserção que
algumas pessoas têm sobre o sistema de transporte. Inserções parciais determinados por
elementos exógenos ao sistema de transporte abrem espaços para o movimento de pessoas em
determinadas circunstâncias. Os trabalhadores, em alguns casos, não são onerados com os
custos de transporte até seu posto de trabalho. Tal encargo fica na conta da empresa, mas
garante que o empregado estará inserido no sistema de transporte para realizar sua função. Tal
preceito abre espaço para a realização de outras atividades, mas subjuga o deslocamento como
uma derivação da atividade de trabalho. Ou seja, inclui a pessoa no sistema de transporte, mas
somente parcialmente e em condições específicas.
5.1 As duas faces da mobilidade periferia
A formação dessa estrutura dual tem impactos diretos sobre a discussão do processo de
inserção do conceito de sustentabilidade no sistema de transporte das regiões periféricas. Isto
acontece porque a situação dos excluídos, em relação aos incluídos, não é um estagio de
inferioridade. O desenvolvimento das condições do sistema de transporte para essas
populações não os levará a uma situação de equidade. Retomando o conceito de solidariedade
sincrônica descrito inicialmente, essa população não desfruta das oportunidades da cidade
porque não tem acesso ao transporte. Essa acessibilidade é muito mais do que uma questão
física de proximidade das estruturas de transporte, é o desdobramento crônico da
insustentabilidade resultante da absorção do padrão de viagem utilizado nos países centrais.
Efeito demonstração, segundo os teóricos do desenvolvimento, é o interesse das populações
dos países subdesenvolvidos em adotar padrões de consumo semelhantes às regiões centrais
para demonstrar o desenvolvimento econômico (OLIVEIRA, 1981). Nas últimas décadas do
século XX, o carro, por todas as suas qualidades e comodidades, passou a simbolizar mais do
que um meio de transporte e assumiu a posição de bem de luxo. Como dito anteriormente,
esse modelo incentivou o uso do automóvel particular nos países centrais modificando a
matriz de transporte e causando as externalidades discutidas. Tal modelo também respingou
sobre os países periféricos, mas as diferenças estruturais no cenário socioeconômico e
infraestrutural criaram resultados específicos para as regiões periféricas (FURTADO, 1983).
Inicialmente, o modo de transporte das camadas mais ricas se tornou o carro particular,
consumido ainda através de mecanismos de importação até o final dos anos 60 o veículo
particular ainda era tratado como bem de luxo, e ainda usado como veículo de passeio. Com a
entrada das grandes montadoras no mercado de automóveis dos países periféricos, o uso do
automóvel foi atingindo a classe média. Essa transição modal por parte de uma parcela
considerável da população brasileira criou um cenário de crise para equilíbrio de oferta e
demanda do sistema de transporte coletivo nas grandes cidades.
Com a perda de usuários para o transporte particular o transporte público não conseguiu
manter o nível de serviço. A escassez de demanda por transporte público foi compensada por
pressões sobre o sistema tarifário. Essa medida teoricamente resolveria o problema financeiro
dos operadores, mas colateralmente afastou as populações de baixa renda do sistema
tradicional de transporte coletivo. A evolução real das tarifas comprometeu a capacidade de
deslocamento das classes de baixa renda, assim formando a parcela dos excluídos.
O sistema de transporte coletivo conseguiu atingir um estágio de estagnação através da
conformação de uma população de usuários cativos, mas a crise atingiu mais do que a
operação do sistema e a capacidade de investimento do setor foi se perdendo. Algumas
cidades tentaram financiar o desenvolvimento da rede de transporte coletivo urbano, mas
cronicamente, o transporte público foi perdendo capacidade produtiva. Em oposição, as
cidades continuavam a apresentar taxas elevadas de crescimento populacional e espraiamento
espacial. Sob essa lógica, o automóvel passou a ocupar a posição de divisor de águas para a
mobilidade nas principais cidades brasileiras.
6. AS DIVERGÊNCIAS DA MOBILIDADE ENTRE O CENTRO E PERIFERIA
Ao assumir que o modelo de mobilidade das classes mais ricas dos países periféricos tenta
reproduzir o padrão de viagens das regiões centrais, consequentemente, encontramos que os
problemas de inserção da sustentabilidade são os mesmos daqueles discutidos na seção
anterior. Mais grave ainda é a dependência em relação ao uso do automóvel particular como
meio de transporte diário, tal modo consegue oferecer melhor qualidade quando comparado
com os outros modos. Sendo assim observar o cenário periférico para o desenvolvimento da
mobilidade sustentável para as camadas mais ricas é aprofundar na especificidade do modelo
central. Por esse motivo a presente seção busca focar apenas o processo de exclusão social do
sistema de transporte e seus impactos sobre a matriz de deslocamento dos mais pobres.
Em 2003/04 o ITRANS publicou o relatório proveniente da pesquisa sobre mobilidade e
pobreza realizada nas quatro maiores regiões metropolitanas brasileiras. Esse resultado será o
guia para a compreensão das características divergentes entre os padrões de mobilidade
centrais e periféricos. A proposta é mostrar que o processo de marginalização descrito como
especifico para o caso de poucas populações nos países centrais é a realidade para a
expressiva parte das populações dos grandes aglomerados urbanos. E que essa exclusão não
impede a realização dos principais deslocamentos necessários para a reprodução dessas
populações, mas os coloca em regime de exceção e reduz drasticamente quando não elimina
os deslocamentos complementares. Esse regime de exceção determina que os deslocamentos
estão condicionados à situações especificas, na maioria das vezes sub-humanas.
Ao ilustrar essas características muda-se o foco do conceito de mobilidade sustentável. O
modelo descrito por Litman e Burwell (2006) baseado no desenvolvimento paralelo das
condições dos modos de transporte e a alocação eficiente da demanda, não conduzirá uma
sociedade que tendencialmente segrega as camadas populares a uma situação de mobilidade
sustentável. A presente proposta teórica entende que a aplicação da cartilha desenvolvida para
os países centrais a situação periférica está condicionada a quebra de dois paradoxos
intrínsecos à periferia: o determinismo da exclusão financeira sobre a imobilidade e os
impactos da mobilidade dual sobre o uso da cidade. O primeiro elemento a ser discutido sobre
sustentabilidade nas regiões periféricas é a quebra do ciclo vicioso de exclusão.
6.1 Da exclusão financeira à Imobilidade Urbana
Publicada em 2002 uma pesquisa realizada, pela então secretaria especial de desenvolvimento
urbano da presidência da republica, nas dez metrópoles brasileiras, revelou que as classes D e
E, segundo o Critério Brasil, representavam apenas 27% dos usuários do transporte público.
Essas classes, em geral, não possuem veículos próprios, de forma que, em comparação com
peso relativo sobre a população total (45% classe D + E), a participação esperada no sistema
de transporte coletivo seria maior. A explicação para esse fenômeno estaria associada à
constatação de baixos níveis de mobilidade para as camadas de menor renda (ITRANS, 2003).
A pesquisa do ITRANS (2003) comprova os baixos índices de mobilidade para populações de
baixa renda. A média de deslocamentos diários por habitantes com renda familiar abaixo de
três salários mínimos é inferior a um deslocamento pessoa/dia. A pesquisa NTU (2006)
ajudam a comparar com as demais camadas sociais. A Figura 2 mostra que a porcentagem de
pessoas que raramente ou nunca se deslocam cresce inversamente aos níveis de renda. Para a
classe E, a imobilidade, em seu grau mais crítico chega a afetar mais de 25%, enquanto a
classe A tem a frequência de deslocamentos diários superior a 85%.
100%
80%
60%
Raramente ou Nunca
de 4 a 1 dias
Todos os dias
40%
20%
0%
A
B
C
Classe Social
D
E
Figura 2: Frequência de deslocamentos semanais por unidade socioeconômica
Fonte: NTU (2006) Pesquisa da Mobilidade Urbana
O principal motivo para esta exclusão está na elevação da tarifa do transporte coletivo
superior aos ganhos da população. Segundo, Gomide (2003), a renda média do brasileiro vem
caindo continuamente desde meados de 1998, enquanto a tarifa do transporte coletivo tem
ganhos reais. Teoricamente o usuário vem comprometendo maior parte da sua renda com os
custos de deslocamento. A Figura 3 demonstra que as populações de menor renda são as que
comprometem o maior percentual de renda com o de transporte coletivo.
Gasto médio (R$)
120
53
50
100
40
80
30
60
40
20
19,3
12,4
20
7,6
10
4,2
2,4
0
até 1 SM 1 a 2 SM 2 a 3 SM 3 a 5 SM 5 a 10 SM 10 a 20
SM
0,4
% da Renda com transporte
60
140
Gasto médio (R$)
% Renda com transporte
0
+ de 20
SM
Renda Familiar (Salário Mínimo)
Figura 3: Gasto médio e porcentagem da renda destinada ao transporte público por faixa de renda em SM.
Fonte: NTU (2006) Pesquisa da Mobilidade Urbana
Essa tendência de inflação nas tarifas do transporte coletivo faz usuário de baixa renda usar o
transporte coletivo até o limite permitido por sua renda. Para aliviar a influência dessas
despesas o usuário passa adotar uma matriz menos dependente deste modo. Dados do
ITRANS (2003) demonstram que para populações com renda familiar abaixo de 3 SM,
aproximadamente 40% gastam zero reais semanais com transporte. Para estes, o estudo da
NTU (2006) mostra que existe uma tendência de substituição do modo coletivo de transporte
por modos individuais de zero custo (A pé e Bicicleta). Em comparação, a tendência de
substituição do modo coletivo nas classes A, B e C pelo automóvel particular.
6.2 Os impactos da mobilidade dual sobre o uso da cidade
O carro passa a ser símbolo de qualidade para os deslocamentos urbanos, as pessoas que tem
condições de adquiri-lo fazem sem pensar nos custos sociais. Quem faz essa transição, em
comparação com o serviço precário oferecido pelo sistema de transporte coletivo, consegue se
locomover com melhor qualidade. Aqueles que não alcançam essa situação se esforçam para
utilizar o transporte público, mas sofrem com os aumentos constantes na tarifa e o desconforto
nas viagens diárias. Resultado, o modelo de transporte coletivo nas cidades periféricas cria
matrizes de deslocamento diferenciadas segundo o nível de renda.
Ao usar o exemplo da Região Metropolitana de São Paulo, a Figura 4 mostra um crescimento
no número de viagens com duração elevada para faixas de renda mais baixa. Essa divergência
encontrada na matriz das populações de 1 SM pode ser explicada pela incapacidade física
para deslocamentos de maior duração. Uma vez que uma parcela significante dos
deslocamentos dessas camadas é realizada através dos modos a pé e bicicleta, a limitação
física passa a ser um fator determinante impedindo a realização de grandes deslocamentos.
100%
% de viagens
80%
Tempo (min)
60%
+ de 120
60 a 120
40%
31 a 60
até 30
20%
0%
até 1 SM
1 a 2 SM
2 a 3 SM
3 a 5 SM
5 a 8 SM
8 a 12 SM 12 a 20 SM + de 20 SM
Renda Familiar (Salário Mínimo)
Figura 4: Viagens por duração por renda familiar para a Região Metropolitana de São Paulo
Fonte: ITRANS (2003) Mobilidade e Pobreza: Relatório final.
O excesso de duração no tempo de viagem para as camadas de mais baixa renda pode ser
questionado pela distribuição dessas camadas no espaço urbano. Cronicamente, a exploração
da renda fundiária urbana tende a expulsar as camadas populares para regiões mais distantes
dos centros de serviço. Esse argumento torna ainda mais absurda a matriz de deslocamento
proposta pela estrutura insustentável de transporte da periferia. O sistema de transporte
deveria promover o acesso às oportunidades da cidade. Principalmente em relação aos postos
de trabalho, pois a sustentabilidade é dependente desse elemento, como insinuado pela análise
renda-mobilidade. Mas ao contrário, a mobilidade oferecida aos desempregados funciona
como mecanismo de reforço a exclusão. Segundo ITRANS (2003) nessa área estão os
principais problemas de mobilidade urbana da população mais pobre. Os mais pobres
enfrentam sérias dificuldades na procura de emprego, principalmente, pelos custos da procura
e em segundo quanto à oferta inadequada dos serviços. Um ponto interessante é especular que
o trabalhador, enquanto no exercício da sua função, consegue auxílio para o transporte e o
desempregado não tem essa contrapartida. Isso, porque, segundo lei, o empregador o
proporciona os meios para esse deslocamento. Como desempregado não tem essa
contrapartida, consequentemente, não consegue subsídios para o processo de procura.
A situação das camadas de baixa renda ainda se agrava quando a perspectiva do estudo de
transporte também considera a segurança no trânsito. A exposição por mais tempo a situações
de risco, muitas vezes agravadas por péssimas condições de segurança infraestrutural,
representada por péssimas condições de calçadas, ou ausência de travessias seguras. Segundo
IPEA (2011) os pedestres são as principais vitimas da morbidade do trânsito brasileiro, 26%
do número de mortos. O desenvolvimento do código brasileiro de trânsito (1997) e o
investimento em campanhas de conscientização como recomenda as prática desenvolvidas
nos países centrais tem resultados bem positivos para a segurança. Os acidentes urbanos
cresceram apenas 5%, mesmo com a frota de automóveis quase que dobrando (IPEA, 2011).
Em resumo, a renda passa ser o determinante para o acesso às oportunidades da cidade. O
sistema de transporte exila as populações mais pobres ao procurar o equilíbrio econômico do
sistema através da inflação das tarifas. Os exilados ainda continuam a realizar seus
deslocamentos diários, mas em condições excepcionais. A fuga para os modos não
motorizados de transporte aumenta o nível de imobilidade da população e conduz os usuários
a situações sub-humanas e arriscadas. Essa situação passa a ser retroalimentada ao dificultar o
acesso dos desempregados aos postos de emprego.
7. FUNDAMENTOS PARA A TEORIA DA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL EM
REGIÕES PERIFÉRICAS
Se nas ultimas seções a palavra exclusão foi usada de forma exaustiva, consequentemente, os
primeiros passos da presente usam como premissa a inclusão. O sistema de transporte perdeu
sua capacidade produtiva, porque sistematicamente conduziu sua demanda a uma situação de
desvalorização. Os resultados dessa política recaíram sobre a capacidade de financiamento,
expansão e manutenção dos modos de transporte coletivo. O movimento de revitalização deve
trilhar o caminho inverso, revalorizar a demanda para retomar um cenário virtuoso na
capacidade produtiva do sistema. O início desse processo passa por cativar as camadas mais
sensíveis ao uso deste modo. Enquanto as propostas de mobilidade sustentável nos países
centrais buscam formas para fazer com que o usuário deixe de usar o automóvel e volte ao
transporte público, nas regiões periféricas tal preocupação ainda é residual quando comparada
com o contingente populacional marginalizado pelo sistema de transporte. Teoricamente, o
processo de inclusão é menos resiliente que o problema enfrentado pelos países centrais.
O reconhecimento das carências do atual sistema de transporte e a construção de mecanismos
que garantam a equidade sobre uso da cidade estão sempre em processo de construção. A
análise dos problemas da mobilidade nas camadas excluídas descrita acima conduziu a
elaboração de 3 blocos de ações que devem ser acrescidas ao arcabouço teórico das regiões
centrais para que seja possível compreender o conceito da sustentabilidade no cenário das
regiões periféricas. A inclusão desses blocos não deve ser entendida como uma construção
sequencial, desta forma, o caminho para a sustentabilidade necessitaria cair no dilema
enfrentado pelos países centrais. Adotar desde o princípio a proposta de evolução em paralelo
é conduzir a mobilidade periférica diretamente sob os trilhos da sustentabilidade.
O primeiro ponto da discussão é formado pelas iniciativas imediatas para melhorar a
qualidade dos deslocamentos na atual situação. Os países periféricos têm por característica da
matriz de deslocamentos a dependência sob os deslocamentos a pé (No Brasil, 38% em 2007)
(IPEA, 2011). Melhorar a qualidade desses deslocamentos é a ação mais imediata do preceito
de sustentabilidade. Ações de microacessibilidade como a melhoria das calçadas resultam em
elevados ganhos para a qualidade dos deslocamentos. Esse movimento também deve ser
complementado por incentivo aos usos de modos de transporte não motorizados. A
infraestrutura das cidades não fornece segurança aos deslocamentos por bicicletas, o uso
desses modos como subterfúgios ao sistema de transporte coletivo regular pode melhorar as
condições dos deslocamentos sem incorrer em grandes custos para a população.
O segundo bloco é composto por ações que visam à alocação das viagens que são realizadas
em dissonância com as características do modo utilizado. O exemplo icônico é a realização de
percursos longos, originalmente destinados ao ônibus ou modos ferroviários, por modos não
motorizados. Uma parte importante dos casos de deslocamentos nesse tipo de desconexo
acontece porque algumas regiões não são atendidas pelo sistema de transporte formal. Para
solucionar tal ponto, as medidas devem ser voltadas para a expansão do atendimento. Uma
segunda parcela é resultado da combinação de políticas tarifárias onerosas e a necessidade de
transbordos. Em algumas situações, os deslocamentos usualmente realizados a pé (até 15 min)
são substituídos por caminhadas mais longas em detrimento da dispensa da realização de
transbordos. Tal fato é agravado por uma política tarifária que penaliza a realização de
transbordos. Por fim, existe a parcela dos excluídos que fogem dos modos de transporte
tarifado por não poderem comprometer maior parte da renda com a realização do transporte,
mas necessitam se deslocar (Trabalho e Saúde). As ações devem estar voltadas para a
elaboração de tarifas mais acessíveis ou subsídios para essas populações.
Por fim, as ações do terceiro bloco estão incluídas no sistema de transporte, mas superam os
seus limites e devem estar nas pautas de outros programas de inclusão econômica e social.
Uma vez que, o presente estudo se desenvolveu pela sob a premissa da segregação pela renda
a proposta de sustentabilidade deve quebrar com essa lógica. O transporte deve ser meio de
superação dessa desigualdade e oferecer um equilíbrio de oportunidades maior do que aquele
oferecido pelo espaço. Superando o estigma do transport oriented development as ações do
transporte não devem ser localizadas, mas pensadas através de questões sociais. O novo
pensamento deve ser movido sob duas premissas: transporte como acesso aos meios de
reprodução social e a inclusão através da oferta do serviço de transporte.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Prebisch (1964), a inserção das economias periféricas no processo de
industrialização aconteceu até o estágio permitido pelo estrangulamento causado pelo balanço
de pagamentos. Determinada pelas especificidades da estrutura econômica desses países, essa
armadilha econômica representou a falência da adoção das práticas desenvolvimentistas
adotadas. A partir da compreensão sobre deficiências do arcabouço teórico tradicional Celso
Furtado e outros pensadores passaram a elaborar teorias de desenvolvimento econômico
especificas para as regiões periféricas. As bases para tal conceito surgiram da negação do
estágio estrutural da periferia como uma situação de atraso em relação aos estágios centrais. A
formação da periferia gerou características específicas, o desenvolvimento das instituições
segundo os modelos observados nos países centrais não levaria ao desenvolvimento.
Da mesma forma aconteceu com a mobilidade e, consequentemente, com a mobilidade
sustentável. Pensando primeiro através do modelo sequencial de evolução dos modos, no qual
o automóvel representa o estágio máximo de evolução, os países centrais, em termos gerais,
conseguiram disseminar tal modo para grande parte da população. Hoje sofrem as
consequências de uma matriz energética desequilibrada. Nas regiões periféricas, semelhante,
talvez consequentemente, ao observado no padrão de industrialização o acesso ao automóvel
aconteceu até certo ponto. Determinados por razões financeiras apenas algumas camadas
alcançaram o uso do automóvel. Essa transição incompleta desequilibrou financeiramente o
sistema de transporte coletivo, que por sua vez resultou em externalidades negativas sobre a
mobilidade das populações de baixa renda. A formação estrutural do atual sistema de
transporte dos países periféricos segmentou a inserção da premissa de sustentabilidade em
dois sistemas, Incluídos e Excluídos. Os primeiros estão financeiramente habilitados a acessar
a mobilidade. Tal acesso é simbolizado pelo uso do automóvel, fato que remonta um cenário
de insustentabilidade análogo às regiões centrais. O segundo grupo também não representa
uma situação de atraso em relação à população dos incluído. O contrário do primeiro grupo,
os excluídos não correspondem aos que não conseguiram o acesso ao veículo particular, mas
são frutos dos transbordamentos do processo de desvalorização do transporte coletivo urbano.
A compreensão do caráter dual da mobilidade entre o centro e a periferia mostra que a
proposta de mobilidade sustentabilidade não é capaz, através do desenvolvimento dos modos
de transporte e a alocação eficiente da demanda, de resgatar essa população da situação de
exclusão. Nesse caso, a estrutura socioeconômica será o limitador para o processo de
revalorização do transporte coletivo e, consequentemente. Assim, para a formação de uma
matriz de transporte sustentável deve-se considerar ações voltadas para a inclusão das
camadas de menor renda. O transporte deve ser meio de superação dessa desigualdade e
oferecer um equilíbrio de oportunidades maior do que aquelas oferecidas no entorno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* O autor agradece à FAPEMIG pelo auxílio coletivo para participação neste Congresso.
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