A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL:
Um enfoque principiológico e comparativo em âmbito constitucional com o ordenamento civil
em suas esferas principais1
Por Álisson da Silva Costa2
SUMÁRIO: INTRÓITO; 2 - UM POUCO DE HISTÓRIA : o Código Civil de 1916 e
o Novo Código Civil de 2002; 3 - O FENÔMENO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO;
4 - O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; 5 - PRINCIPAIS
INOVAÇÕES: propriedade, família e contratos; 6-CONSIDERAÇÕES FINAIS;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRÓITO
Hodiernamente, em se tratando de Estado Democrático de Direito, o princípio da
Dignidade da Pessoa Humana deve ser erigido como o de maior importância dentre os demais
princípios de orientação da sociedade brasileira, de modo que não se pode falar da existência de
um ser humano sem referido princípio.
O movimento de Constitucionalização do Direito Civil, tem por base exatamente o
posicionamento do princípio da dignidade da pessoa no centro gravitacional da órbita jurídica.
Nos reclames dos cidadãos por maior respeito aos direitos e garantias fundamentais, a
constitucionalização revela-se um processo de grandiosa importância, uma vez que o Direito
Civil é um dos ramos mais antigos do Direito e informador das relações entre os homens, ou seja,
as relações inter privatos.
1
Pesquisa realizada na disciplina Direito Civil IV, da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais - Prof.: Juventino Gomes de Miranda Filho
2
Aluno do 6º período da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas.
2
2 - UM POUCO DE HISTÓRIA – O CÓDIGO CIVIL DE 1916 E O NOVO CÓDIGO
CIVIL DE 2002
O Código Civil de 1916, Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, que começou a vigorar em 1º
de janeiro de 1917, também conhecido como Código “Clóvis Bevilacqua”, é “fruto da doutrina
individualista e voluntarista” (TEPEDINO, 2004, p.02), marcas do liberalismo da época. Assim
como muitas legislações estrangeiras, o Código Civil do início do século XX sofreu influências
do Código Francês, intitulado posteriormente de Código de Napoleão, pelo próprio Imperador.
Segundo Tepedino (2004), o indivíduo era visto como o valor principal, recebendo os adjetivos
de indivíduo-proprietário e indivíduo-contratante.
Referido Código consagrou a separação entra a sociedade civil e o Estado, o que segundo
Francisco Amaral (2002), visava proteger a liberdade do indivíduo em sua particularidade
existencial em contraposição à atuação do poder público. Ressalta o mesmo autor, que é de tal
situação que surgiu a chamada “estabilidade dos códigos”, somada à idéia de completude, isto é,
a capacidade de tratamento em seu sistema da multiplicidade das relações jurídicas de caráter
privado. (AMARAL, 2002, p. 146).
Era conhecido pela literatura jurídica como a “Constituição do Direito Privado”,
expressão normativa da Escola da Exegese Francesa, haja vista o tratamento atribuído pelo
Código a todas as relações jurídicas possíveis, traduzindo, dessa maneira, uma idéia de segurança
quanto à regulação normativa. Disciplinava, pois, os quatro principais institutos: “o contratante,
o marido, o proprietário e o testador” (TEPEDINO, 2003, p.116). A norma constitucional era
vista como mera norma de organização política, tendo como destinatário o legislador ordinário.
Em função das crises ocorridas nas primeiras décadas do século XX, motivadas pela
Primeira Guerra Mundial ou motivadoras desta, o Estado viu-se obrigado a intervir na economia,
atuando conseqüentemente na esfera, até então, totalmente privada das relações entre os
indivíduos. E a máquina estatal assim o fez. Iniciou a sua atuação por meio da edição das
chamadas LEIS EXCEPCIONAIS, também denominadas “legislação de emergência”. Segundo
o ensinamento de Gustavo Tepedino (2004) recebiam este nome, por divergirem do corpo
principiológico do Código, o que não significou o abandono da noção de completude e
exclusividade de tal diploma legal.
Como a sociedade está em constante mudança e o direito reflete tal dinâmica social, caso
contrário estaria fadado ao desuso, após as crises do início do século, o Estado passou a intervir
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de modo mais incisivo nas relações patrimoniais privadas o que, conseqüentemente,
comprometeu a exclusividade do Código. Tal acontecimento tem lugar cronológico na terceira
década do século XX. Foi marcado por um arcabouço normativo denominado de LEIS
ESPECIAIS, haja vista “sua técnica, objeto e finalidade de especialização, em relação ao corpo
codificado” (TEPEDINO, 2004, p. 06). Tais leis introduziram, na ordem constitucional, valores
não patrimoniais. Tais valores, de origem social, foram pautados na proteção da dignidade da
pessoa humana. “Aos poucos desconfia-se do esprit de geométrie, das certezas ditas
(impropriamente) 'dogmáticas', da onipotência do método, da autonomia do jurista e do jurídico
dentro da vida social.” (SALDANHA, 2001, p. 91).
O Código gradativamente vai perdendo a denominação de “Constituição do Direito
Privado” haja vista os textos constitucionais começarem a definir assuntos antes reservados aos
diplomas civis, como os limites da atividade econômica, a organização da entidade familiar entre
outros.
Ocorre, como conseqüência de tal intervenção estatal, o surgimento dos estatutos, também
chamados de “microssistemas”, como a Lei das Sociedades por Ações, a legislação bancária, o
Estatuto da Terrra entre outros, que de acordo com Tepedino (2004) tinham por características a
definição de objetivos concretos, com a fixação de claúsulas gerais, adoção de uma linguagem
setorial, leis que incentivam o indivíduo afetado pela norma jurídica, o que o jurista Norberto
Bobbio denomina como a “função promocional do direito”.
O Novo Código Civil3, além não regular novos direitos, como as questões da bioética, da
engenharia genética, adotou, consoante Tepedino (2003), como modelo, os códigos do passado,
desconsiderando os códigos mais avançados do mundo, como o holandês.
Hoc opus hic labor est4: entrementes, mesmo surgindo como um novo código, e na
vigência de um suposto Estado Democrático de Direito, tal diploma apresentou ainda a
“concepção axiológica do paradigma do Estado Social de Direito, desconhecendo a questão do
3
Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. A elaboração do novo Código ficou sob a coordenação do
jusfilósofo Miguel Reale. Preparado durante os anos da ditadura militar, infelizmente quando do início da vigência
do diploma legal, o mesmo restou carente de atualização, pois teve um prazo de tramitação muito grande e a
sociedade não espera os caprichos do legislador para alterar o seu panorama, afinal o “tempo, o tempo não pára.”
4
Citação do poeta Publius Vergilius Maro, mais conhecido como Virgílio, feita na obra Eneida,
6.129. O significado é o seguinte: “Esta é a empresa, esta é a dificuldade.”
4
ideal de democracia social e o respeito às minorias, característicos do Estado Democrático de
Direito”. (QUINTÃO; BARROSO, 2003, p.50).
3 - O FENÔMENO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO
Consiste tal fenômeno, a constitucionalização, não apenas na “migração de regras e
institutos básicos do direito civil, notadamente a família, a propriedade e o contrato, para o seio
da Constituição (...)” (SARTI, 2003, p.33). É mais do que isso. É também a exigência de que todo
o ordenamento jurídico civil e legislação extravagante sejam (re)lidos à luz da Constituição, em
função de ser ela a orientadora e pilar central de todo o arcabouço jurídico-normativo brasileiro.
Dessa forma, a constitucionalização do direito civil pode ser entendida,
(...)em uma palavra, não é apenas um adjetivo a colorir a dogmática forjada pela Escola
da Exegese, que pode ser a cada momento, purificada e atualizada, mas uma alteração
profunda da ordem pública, a partir da substituição dos valores que permeiam o direito
civil, no âmbito do qual a pessoa humana passa a ter prioridade absoluta.( TEPEDINO,
2003, p.127)
O professor Paulo Luiz Netto Lôbo conceitua tal fenômeno como sendo
(...) o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do
direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos
tribunais, da legislação infraconstitucional.( LÔBO, 1999, p.100)
Segundo o professor Juventino Gomes Miranda Filho, em suas aulas ministradas na
Faculdade Mineira de Direito, inúmeras questões, inerentes às relações privadas estariam em
consonância com o texto constitucional, refletindo, por exemplo, os direitos da personalidade e a
tutela da dignidade da pessoa humana. Tais valores existem no Código de Defesa do
Consumidor, quando da proteção ao consumidor contra abusos de outrem, objetivando-se uma
melhor qualidade de vida; nas leis locatícias, regulando as obrigações do locador, como também
as regras pertinentes à locação residencial; em âmbito das questões familiares, nas relações entre
marido e mulher, isto é, na observância de seus direitos e deveres como também na interação de
pais e filhos, tendo o amparo legal do Estatuto da Criança e do Adolescente.
5
Adverte o referido professor que o movimento da constitucionalização já há muito tempo
é intencionado pela doutrina de outros países, em busca da unidade do sistema jurídico e uma
leitura do Código Civil à luz da Constituição.
Para Tepedino (2003, p.119), “a Socialização, Despatrimonialização, Repersonalização ou
constitucionalização do direito civil”, em seus diversos ramos, têm por escopo demonstrar que as
relações patrimoniais não mais bastam por si mesmas, isto é, têm fundamento e legitimidade
próprios, mas devem ser funcionalizadas às questões existenciais e sociais que têm previsão
constitucional, tendo como valor maior a dignidade da pessoa humana.
Com a Constitucionalização foram conquistadas três significativas questões, fundamentais
para o Direito Brasileiro. A primeira é “a descoberta do significado relativo e histórico dos
conceitos jurídicos que antes eram vistos como neutros e absolutos”; a segunda conquista “é a
superação da rígida dicotomia direito público e o direito privado” (TEPEDINO,2003, p.119-123).
Com os novos institutos jurídicos, consoante Tepedino (2003) em função também do dirigismo
contratual, abordando questões inéditas na sociedade como a questão da biotecnologia, direito
bancário, entre outras, torna-se impossível a indicação do que vem a ser de fato público ou
privado, pois estão correlacionados, como se irmãos siameses fossem. Gabriel Von Gehlen
(2002, p.186) menciona como conseqüência da constitucionalização do Direito Civil a introdução
de institutos de Direito Civil na Constituição, o que confere maior segurança aos mesmos em
relação ao legislador infraconstitucional.
A terceira conquista refere-se a adoção, no Texto Constitucional, “de valores que
presidem a iniciativa econômica, a família, a propriedade e demais institutos do direito civil”.
(TEPEDINO, 2003, p.120).
Isto posto, é preciso destacar a necessidade de o intérprete estar atento à hermenêutica, de
modo que toda ela ocorra conforme a constituição. A interpretação constitucional deve,
obviamente, ser adequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito, de modo que “
requer-se do aplicador do Direito que tenha claro a complexidade de sua tarefa de intérprete de
textos e equivalentes a texto, que jamais a veja como algo mecânico (...) ”(CARVALHO NETO,
2004, p.44) Não pode considerar tal tarefa como algo maquinal, sob pena de dar curso a uma
insensibilidade incompatível com a situação hodierna da ordem jurídica.
Em vias da Constitucionalização do Direito Civil, Tepedino (2004, p. 18) afirma que o
legislador não deve considerar os princípios constitucionais apenas como princípios políticos.
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Some-se a isto a impropriedade ao se considerar os princípios constitucionais como princípios
gerais do direito. A terceira consideração é que o legislador deve abandonar a regulamentação
casuística, preferindo as chamadas cláusulas gerais, ou seja, “normas jurídicas aplicáveis direta e
imediatamente nos casos concretos, não sendo apenas cláusulas de intenção.” (TEPEDINO, p.
18)
Destarte, consoante Bittar (2003) a interpretação do Direito Civil, conforme o espírito do
Texto Maior, eliminará os resquícios normativos de cunho individualista, partenalistas entre
outros, alcançando-se, dessa forma, a normatividade própria do Estado Democrático de Direito.
4 - O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Consagrado com a promulgação da Constituição de 1988 (esta resultado de influências do
direito alienígena, em especial a Constituição de Portugal e a da Espanha), o princípio da
dignidade da pessoa humana, em conjunto com outros princípios como o da isonomia, segurança
e devido processo vieram compor a tábua axiológica da sociedade brasileira, assumindo posição
de princípios supremos do ordenamento jurídico. Com a nova Constituição, a sociedade civil
abriu o caminho para o reencontro com a democracia.
Segundo Alexandre Cunha (2002, p.260), “o princípio da dignidade da pessoa humana,
não obstante sua inclusão no texto constitucional, é, tanto por sua origem quanto pela sua
concretização, um instituto do direito privado”. Enquanto é responsável por alicerçar todo o
ordenamento jurídico brasileiro, o seu reconhecimento impõe, consoante Cunha (2002), novos
questionamentos no que toca uma série de verdades até então intangíveis de cunho civilístico,
como àquelas referentes à pessoa e à propriedade.
Logo, “a vida digna não é mais uma possibilidade. É um imperativo” [...] “mais grave que
tudo, a coisificação do homem pode ser medida em preço. E a dignidade é qualidade do que
preço não tem.” (ANTUNES ROCHA, 2004, p.13).
A introdução dos direitos da Personalidade no plano infraconstitucional representa um
reflexo do fenômeno da constitucionalização. Em outras palavras, representa um “Direito Civil
Constitucional” em que os direitos fundamentais elencados no rol do artigo 5º da Constituição de
1988, repercutiram, e não poderia ser diferente, na edição do Novo Código.
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5 - PRINCIPAIS INOVAÇÕES: propriedade, família e contratos
Com a constitucionalização do direito civil, alguns institutos do mesmo sofreram
alterações consideráveis. O primeiro é o direito de propriedade. Na habitação, o princípio da
dignidade da pessoa humana pode ser erigido como informador da Lei de Locação de Imóveis
Urbanos (8.245 de 19 de outubro de 1991), uma vez que, “a estabilidade do inquilino na
comunidade familiar, sem seu local de trabalho e em sua moradia adquire valor prioritário na
solução do conflito de interesses.” (TEPEDINO, 2004, p. 16).
A propriedade, portanto, deixa de ser um direito absoluto, assim consagrado no Código
Civil Francês de 1804, para sofrer limitações quando da exigência do atendimento de sua função
social, regida pela autonomia da vontade e da liberdade. León Duguit, em sua obra “Las
Transformaciones Del Derecho Publico y Privado”, utiliza o conceito de propriedade em seu
sentido metonímico, isto é, o emprego de uma palavra no lugar de outra que a sugere. A
propriedade então, segundo Duguit, deve ser entendida em seu sentido amplo, ou seja, inclui a
posse, esta entendida como o elemento exterior e visível da propriedade. A propriedade é a
potência na Teoria Aristotélica, um “vir a ser”, conforme os ensinamentos do professor
Juventino Miranda Filho em suas aulas na Faculdade Mineira de direito, na disciplina Direitos
Reais. Dessa maneira a função social estaria na posse e não na propriedade, pois aquela é o
exercício fático dos atributos do domínio, ao passo que esta representa apenas um direito
abstrato, cuja comprovação depende do título adequado.
O proprietário passa a ser obrigado a dar uma destinação econômica à sua propriedade
(não apenas mais coisas corpóreas, mas as incorpóreas também, como marcas, patentes entre
outros), harmonizando o seu interesse individual com o interesse de toda a comunidade
abandonando a noção de que a propriedade seria um direito absoluto, permitindo ao proprietário
utilizar-se dela da maneira que lhe aprouver, atingindo até mesmo o direito alheio. É o chamado
“balanceamento ou ponderação de direitos e interesses em conflito” (CANOTILHO, 1995, p. 83).
Dessa forma, a propriedade privada, conforme ensinado por Menelick de Carvalho Netto
(2004, p.35), funciona “como um mecanismo de incentivo à produtividade e operosidade sociais,
não mais em termos absolutos, mas condicionada ao seu uso, à sua função social”
.
8
Ainda em meio às inovações, o Código de Defesa do Consumidor5 privilegia o princípio
da dignidade da pessoa humana em seu art. 4º, ao determinar que a política nacional das relações
de consumo, “tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à
sua dignidade, saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria da qualidade
de vida [...]”. A questão da hipossuficiência é também importante, figurando como um conceito
relativo que visa proteger o contratante em situação de inferioridade em relação a outrem. É a
adoção do princípio da equivalência material das prestações, que perpassa todos os fundamentos
constitucionais a ele aplicáveis.
No campo obrigacional o patrimônio cede lugar à pessoa, perfazendo o valor da dignidade
da pessoa humana. A patrimonialização, que tem origem na obligatio do Direito Romano,
atualmente está sendo abandonada, dando lugar ao desenvolvimento da pessoa, importando
agora, não mais apenas “ter” mas “ser”, (MIRANDA FILHO, 200-, p. 07)
No tocante às cláusulas gerais, segundo Hironaka (2003, p.112), a mais célebre delas, em
âmbito contratual vem a ser a da boa-fé objetiva nos contratos (ostentação da lealdade contratual,
comportamento comum ao homem médio). Significa que tal princípio deve estar presente não
somente durante as negociações, mas também nas fases pré-contratuais e nas pós-contratuais.
Some-se a isso, em âmbito contratual, o direcionamento ético, pilar do ordenamento jurídico,
“além da tendência socializante e a garantia da dignidade, que são as marcas, do novo direito
neste milênio” (HIRONAKA, 2003, p. 113).
Farias (2002, p.127), afirma que em âmbito contratual, não apenas em relação ao Código
de Defesa do Consumidor, mas também em qualquer outro ramo (civil ou mercantil), os
mandamentos do Texto Maior têm de prevalecer, de modo a impossibilitar o desequilíbrio entre
os integrantes da relação e proibir a não observância aos princípios da Dignidade da Pessoa
Humana, da Boa-fé objetiva, da função social dos contratos e o do equilíbrio da relação
contratual.
Com a Constitucionalização do Direito Civil, ocorre a objetivação da Teoria da
Responsabilidade Civil. Nisso,
é expressamente rejeitada a idéia de culpa [...], constitucionalizando-se o princípio do
risco como fundamento de responsabilidade, que assim ingressou na nova codificação
5
Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, plublicado no D.O.U em 12.09.1990.
9
(art. 927,§único), abrangendo, dentre outros campos, a do Estado, a das atividades
perigosas e a da atividade nuclear.(BITTAR, 2003, p.29)
No tocante ao direito de família, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de
13 de julho de 1990, segundo Gustavo Tepedino (2004) consagra a igualdade de todos os filhos,
previsão, aliás, constitucional (art. 227 §6º CR/88). A criança e o adolescente passam a ter voz
ativa nas questões relativas a seus interesses, visando o desenvolvimento físico, mental e
emocional dos mesmos. A família deve ser considerada a partir de seu valor essencial, que
conforme Giselda Hironaka (2003, p.107) é a afetividade. Aliás, faz-se mister o abandono das
antigas concepções, em função da constitucionalização de determinadas situações como:
a) a desmistificação de que a família só se constituísse a partir do casamento civilmente
celebrado; b) a elevação da união livre, dita estável pelo constituinte, à categoria de
entidade familiar; c) a conseqüência lógica de que, por isso, a união estável passou a
realizar, definitivamente, o papel de geratriz de relações familiares, ela também; d)a
verificação de que efeitos distintos, além dos meramente patrimoniais, estão plasmados
nestas outras – e constitucionalmente regulamentadas – formas de constituição de
família hoje. (HIRONAKA, 2003.p.109)
Paulo Luiz Netto Lôbo (1999, p.105) indica três princípios fundamentais que orientam as
relações familiares, a saber, o da dignidade da pessoa humana (informa, diga-se, todo o
ordenamento jurídico), no caso da criança expressa no artigo 227 da Constituição de 1988, o da
liberdade (criação e extinção da entidade familiar, livre formação dos filhos, valores culturais e
religiosos) e o da igualdade (igualdade formal e igualdade material, relacionadas à paridade de
direitos entre cônjuges ou companheiros e entre os filhos).
6-CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da Sociedade é de fato a história da mudança paradgmática, entendido tal termo
no sentido atribuído por Thomas Kuhn, em sua obra intitulada “A estrutura das revoluções
científicas”. Nelson Saldanha (2001, p.90) afirma no mesmo sentido que uma “determinada
formação histórica [...], ao chegar em seu apogeu, entra na verdade em crise”. No caso do direito,
muitas teorias construídas em determinados tempos, sofreram o desgaste do mesmo. Uma
1
mudança de pensamento social, de posições doutrinárias, promovem a renovação do
ordenamento, fazendo com que o direito seja, antes de tudo, dinâmico e dialético.
A aparente impropriedade do tema, isto é, a Constitucionalização do Direito Civil abrindo
margem à alegação de um Direito Civil não Constitucional, ou seja, inconstitucional, pode ser
desfeita sob o argumento de que sempre, em toda a sociedade, ainda que remota, existiu uma
constituição.
Interpretar o código civil, ou melhor, o direito civil conforme a constituição. Esse é um
dos objetivos da Constitucionalização do Direito Civil. Mas somente isto não basta. Consoante
Paulo Luiz Netto Lôbo (1999, p. 204), “a patrimonialização das relações civis que persiste nos
códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana”, expresso no
art. 1º da Constituição de 1988, em seu inciso III. É preciso reler o direito civil à luz da
Constituição, “privilegiando os valores não-patrimoniais e, em particular, a dignidade da pessoa
humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva”,
tanto no direito locatício, no direito das relações familiares ou em qualquer outro ramo.
Faz-se imperiosa a necessidade de se interpretar o direito civil orientado pela
Constituição. Neste diapasão, a hermenêutica moderna deve interpretar os institutos com a
finalidade de se otimizar os princípios constitucionais.
Essencial também o respeito aos verdadeiros pilares do edifício constitucional, quais
sejam, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e o tão rara e necessária postura ética no
convívio social.
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