Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA:
Produções da Especialização PROEJA/RS
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© dos organizadores
Todos direitos reservados aos autores.
Capa: Vinicius Albernaz Soares
Editoração Eletrônica: Rafael Marczal de Lima
Projeto Gráfico: Jadeditora Ltda.
Fotolitos e impressão: Evangraf Ltda.
R333
Reflexões sobre a prática e a teoria PROEJA: produções da especialização PROEJA/RS organizado por Simone Valdete dos Santos, Leomar da Costa Eslabão, Naira Franzoi... [et al.]. – Porto
Alegre: Evangraf Ldta., 2007.
424p. : il. ; 14X21cm.
Inclui referências.
Inclui figuras, gráficos, imagens, quadros e tabelas.
1. Educação. 2. Educação de jovens e adultos – Rio Grande do
Sul. 3. Professor – Formação – Especialização – Educação para
jovens e adultos. 4. Ensino médio – Educação profissional. 5.
PROEJA – Política pública – Educação escolar – Brasil – Rio Grande
do Sul. 6. Ensino – Educação profissional e tecnológica. I. Santos, Simone Valdete dos. II. Eslobão, Leomar da Costa. III. Franzoi,
Naiva. IV. Albernaz, Roselaine. V. Dorow, Clóvis. VI. Arenhaldt,
Rafael. VII. Título.
CDU 374.7(816.5)
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.
(Ana Lucia Wagner – Bibliotecária responsável CRB10/1396)
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Sumário
APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 9
Especialização PROEJA / RS - PROEJA / RS:
Origem, sentidos, percepções
CAMINHOS PRECISOS E IMPRECISÕES DA CAMINHADA: A
INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
COM A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. ...................................... 12
Caetana Juracy Rezende Silva
ACONTECENDO O CURRÍCULO DA ESPECIALIZAÇÃO / PROEJA – RS:
DIÁLOGOS DE FORMAÇÃO DE NÓS PARA NÓS MESMOS ................ 18
Naira Lisboa Franzoi, Rafael Arenhaldt e Simone Valdete dos Santos
O PROEJA: A CONSTRUÇÃO DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA. ... 32
Clóris Dorow, Leomar da Costa Eslabão, Roselaine Machado Albernaz
PROEJA COMO RESGATE DA CIDADANIA ......................................... 44
André Boccasius Siqueira e Beatriz T. Daudt Fischer
EJA E A ESCOLA: “ALGUMA COISA ESTÁ FORA DA ORDEM” .......... 55
Arthur da Silva Katrein, Álvaro Moreira Hypolito
EDUCAÇÃO: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIO
DA CIDADANIA ..................................................................................... 64
Paulo Roberto Sangoi, Elizabeth Milititsky Aguiar
IMPLANTAÇÃO LOCAL DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS:
AS DIFERENÇAS ENTRE A LEGISLAÇÃO E AS POLÍTICAS
DE GOVERNO .......................................................................................... 76
Maria das Graças Barbosa da Silva, Leomar da Costa Eslabão e Maria
Antonieta Dall’Igna
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EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO
EM PROEJA
RECONSTITUINDO OS MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO DO PROEJA
NO CEFET-RS UNED SAPUCAIA DO SUL ............................................. 88
Margarete Maria Chiapinotto Noro e Maria Aparecida Bergamaschi
RELAÇÃO DOS ALUNOS DO PROEJA
E DO EMA COM O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA NO CEFET-RS ........ 101
Lucia Helena Kmentt Costa e Maria Antonieta Dall’Igna
AVALIAÇÃO DOS ESTUDANTES DO PROEJA: EM BUSCA
DA INOVAÇÃO ...................................................................................... 115
Cristiane Regina Ferrari e Conceição Paludo
UM ESTUDO DO CUSTO/ALUNO E CONDIÇÕES DE OFERTA
EDUCACIONAL NO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES ............................................ 125
Rosane Fabris e Nalú Farenzena
TRABALHO E EDUCAÇÃO: MEDIAÇÕES E
RELAÇÕES NECESSÁRIAS AO PROEJA
ESTUDANTES DE PROEJA DO CEFET-BG: UMA MEDIAÇÃO
ENTRE ESCOLA E TRABALHO ............................................................ 138
Milene Vânia Kloss e Naira Lisboa Franzoi
A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ALTERNATIVA DE PROEJA ........ 149
Márcia Neugebauer Wille e Clóris Maria Freire Dorow
CAPACITAÇÃO DE TRABALHADORES EM UM CENTRO DE
TRIAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: CRIANDO UMA
FERRAMENTA PEDAGÓGICA ............................................................. 160
Rafael B. Zortea e Rafael Arenhaldt
O OFÍCIO DE CANTINEIRO: OS SABERES TÁCITOS DOS
TRABALHADORES DA INDÚSTRIA VINÍCOLA ................................. 174
Alexandre Ferreira dos Santos e Rafael Arenhaldt
FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! - APRENDENDO COM OS SABERES
DO TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHO
E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA .............. 184
Maria do Carmo Canani e Naira Lisboa Franzoi
OS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕES
GERACIONAIS, PROCESSOS DE INCLUSÃO
E CURRÍCULO
PROEJA E ESCOLA TÉCNICA: QUEM SÃO SEUS ALUNOS? ............. 198
Maria Isabel dos Reis Souza Carvalho e Tania Beatriz Iwasko Marques
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A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA JUVENIL NO ESPAÇO TEMPO DA ESCOLA: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROEJA ................. 211
Elisete Enir Bernardi Garcia e Carmem Maria Craidy
A INSERÇÃO DE CONTEÚDOS GERONTOLÓGICOS NO CURRÍCULO
DO PROEJA ........................................................................................... 223
Ângela Gomes e Johannes Doll
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIAS
NO PROEJA, EXPERIÊNCIAS DO PROEJA, EXPERIÊNCIAS PARA O PROEJA
SABERES, INSCRIÇÕES E MOVIMENTOS NA TRAJETÓRIA
FORMATIVA DE CORPOS-EDUCADORES: MEMORIAIS DE
ESPERANÇAS NO ENSINAR E APRENDER COM A EJA ..................... 236
Dalva J. Balz Bender e Naira Lisboa Franzoi
O FAZER PEDAGÓGICO NO PROEJA DO CENTRO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES ...................... 252
Maria Teresinha Kaefer e Silva e Simone Valdete dos Santos
POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS: CONSTRUINDO SABERES E
ENCONTRANDO CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA
DE PROFESSORES NO PROEJA ............................................................ 264
Valéria Catarina Marcos Gomes e Simone Valdete dos Santos
TECENDO O CURRÍCULO DO PROEJA
A CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DOS SABERES
DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. .......................................... 276
Celso Panno e Rafael Arenhaldt
ARTES VISUAIS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......... 287
Ignez Gomes Borgese e Paola Zordan
ESTUDO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...... 299
Lisinei Fátima Dieguez Rodrigues e Tânia Beatriz Iwasko Marques
UMA NOVA PROPOSTA DE ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA .............. 308
Analice Maria Antoniolli e Juçara Benvenuti
CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA
CURRICULAR PARA O ENSINO DE QUÍMICA NO EJA/PROEJA ....... 316
Raquel Lettres e Edson Luiz Lindner
O ENSINO DE FÍSICA NAS CLASSES DE EJA/PROEJA: BUSCANDO
UMA NOVA PAISAGEM........................................................................ 327
Francisco Barbosa Teixeira e Roselaine Machado Albernaz
PENSANDO A INFORMÁTICA EDUCATIVA NO PROEJA .................. 337
Nelza Jaqueline Siqueira Franco e Tania Beatriz Iwaszko Marques
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CONECTANDO SABERES NO PROEJA:POSSIBILIDADES
DE APRENDIZAGEM EM AMBIENTES DIGITAIS ............................... 346
Kely Goze Ferreira e Rosália Procasko Lacerda
CANÇÕES, SINFONIAS E INVENÇÕES INTEGRADAS
À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS:
ÂNIMO, CORPO E PENSAMENTO ....................................................... 357
Bernhard Sydow e Rafael Arenhaldt
IGUALDADE E DIFERENÇA:
DIÁLOGOS PARA O PROEJA
O CUMPRIMENTO DA LEI 10639 / 2003 NO PROEJA: ANÁLISE DO
MATERIAL DIDÁTICO “A COR DA CULTURA” ................................. 368
Letícia Batistella Silveira Guterres e Simone Valdete dos Santos
UM OLHAR PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO/RACIAIS NO ESPAÇO
PEDAGÓGICO DA EJA DO PROEJA. .................................................... 378
Maritza Ferreira Freitas Flores e Georgina Helena Lima Nunes
FALAS QUE DIZEM EXPECTATIVAS DOS EDUCANDOS DA
ESCOLA ESPECIAL O SORRISO DE AMANHÃ DA APAE –
PASSO FUNDO EM RELAÇÃO AO MUNDO DO TRABALHO ........... 391
Maria Arlete Pereira e Naira Lisboa Franzoi
PROSPECÇÃO – PRÓ-POSITIVA - METÁFORAS DE UM
TECNOIMAGINÁRIO NA PRODUÇÃO DAS SUBJETIVIDADES NA
PESQUISA EM EJA E EAD NA CONSTRUÇÃO DE UM AVA PARA A
DIVERSIDADE ....................................................................................... 401
Ronaldo Jorge Rodrigues de Oliveira e Malvina do Amaral Dorneles
AS IDENTIDADES E AS DIFERENÇAS NA ESCOLARIZAÇÃO
DE JOVENS EADULTOS: REFLEXÕES SOBRE
OS DESAFIOS DO PROEJA ..................................................................... 413
Dirnei Bonow e Mauro Augusto Burkert Del Pino
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Apresentação
Compor até que é fácil
Difícil é trabalhar
Compor é imaginação
Izaías M Quintana
Izaías é aluno do PROEJA Ensino Médio da Escola Técnica e
Colégio de Aplicação da UFRGS. Seu professor é um dos autores
deste livro que compõe o fazer pedagógico, os sentidos, os resultados desta experiência pedagógica que é o PROEJA. Compor, como
diz Izaías, “até que é fácil”. O processo de autoria é imaginação.
Mas no caso de nós docentes, uma imaginação enredada na prática, no que são, no que se constitui nossas escolas, nossos alunos,
nossos sonhos. E esse foi o nosso “difícil trabalhar”. Não foi tarefa
nada fácil para os professores, técnicos administrativos das escolas
comporem-se e re-comporem-se como autores: um expor de si exigente, conseqüente que nos faz e desfaz como criadores e criaturas
a todo o momento.
A Especialização PROEJA que envolveu diretamente a Faculdade
de Educação da UFRGS, os Centros Federais de Educação Tecnológica
de Bento Gonçalves e Pelotas iniciou suas aulas em agosto de 2006 e as
encerrou em janeiro de 2007.
Os artigos aqui presentes revelam a composição deste curso de
Especialização – seu currículo, sua relação com as instituições federais
de Educação Tecnológica, o caráter inédito da articulação da Educação
Básica, especificamente no Ensino Médio, com a Educação Profissional
na modalidade Educação de Jovens e Adultos, revelando a composição
e re-composição dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) de nossos alunos-professores, professores-alunos. Os orientadores e as
orientadoras dos tccs foram co-autores dos artigos, pois indicaram para
o grupo de organizadores do livro aqueles mais significativos e contribu-
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íram no redimensionamento da abordagem, ou seja, na organização e
redação final do texto.
O PROEJA, circunscrito na Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica SETEC/MEC, é uma política pública necessária, afirmada
e refletida em cada linha desta obra. Sua origem histórica está no interior
de outras políticas da Educação Escolar no Brasil; a formação docente é
o sentido e o desafio da Especialização.
Organizamos os artigos em grandes seções que contribuem para o
entendimento geral das temáticas abordadas, quais sejam: Especialização PROEJA / RS - PROEJA / RS: Origem, sentidos, percepções; Experiências de Gestão em PROEJA; Trabalho e Educação: Mediações e
Relações Necessárias ao PROEJA; Os Sujeitos do PROEJA: Questões
Geracionais, Processos de Inclusão e Currículo; Formação de Professores: Experiências no PROEJA, Experiências do PROEJA, Experiências
para o PROEJA; Tecendo o Currículo do PROEJA e a última seção
intitulada Igualdade e Diferença: Diálogos para o PROEJA.
É importante destacar que este livro tem distribuição gratuita pois
tal como a Especialização PROEJA, ele foi financiado pela Secretaria
de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC, vinculada ao Ministério da Educação.
Trazendo novamente Izaías, aluno-cantor-trabalhador do PROEJA,
para virarmos a página e nos inspirarmos na alegria, na dor, na descoberta, na reafirmação de cada um, de cada uma que está no cotidiano fazendo do PROEJA uma política pública de Educação perene, exitosa:
A chuva caindo
Prazer é navegar na música
Sem destino certo
Só agradecendo a vida
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Especialização PROEJA / RS
- PROEJA / RS: Origem, sentidos,
percepções
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CAMINHOS PRECISOS E IMPRECISÕES DA
CAMINHADA: a integração da
educação profissional e
tecnológica com a educação de
jovens e adultos.
Caetana Juracy Rezende Silva1
Eu sei que isso que estou dizendo é dificultoso, muito entrançado. Mas o
senhor vai avante. Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queria
decifrar as coisas que são importantes. (Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa).
A política de integração da educação profissional com a educação
de jovens e adultos, traduzida pelo PROEJA2, tem se constituído por uma
teia de ações complexas que se articulam de forma mais ou menos direta.
Essa teia encontra-se estruturada a partir das seguintes linhas de atuação:
formação de profissionais; produção de material teórico-metodológico de
referência; fomento à pesquisa e à formação de redes de cooperação
acadêmica; conexão com outras políticas setoriais; articulação com segmentos sociais e órgãos administrativos que possuem interface com as
temáticas abordadas (visando o aproveitamento de oportunidades de colaboração e a integração de esforços); e monitoramento das taxas de evasão acompanhado de projeto de inserção contributiva nas instituições que
apresentam índices maiores do que 30%.
Os números estimados para o Programa de Integração da Educação
1
Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação e Coordenadora-Geral de
Educação Técnica no Departamento de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica da
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
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Programa Nacional de Integração da Educação Profissional e com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
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Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA prevêem investimentos da ordem de R$558
milhões no período de 2007 a 2011, sendo R$22 milhões em 2007, R$48,42
milhões em 2008, R$94,78 milhões em 2009, R$178,02 milhões em 2010 e
R$238,78 milhões em 2011. Tais recursos devem financiar a formação de
profissionais, docentes e gestores, para atuar no Programa; a constituição
de núcleos de pesquisa e redes de colaboração acadêmica; material de
custeio em geral (para os cursos a serem implantados ou em andamento);
material didático e publicações e, para as instituições da Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica, incremento na ação nº. 2994 – Assistência ao Educando da Educação Profissional – prevista no Programa
nº. 1062 – Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica – no
Plano Plurianual (PPA 2008-2011). Não estão computados nesses recursos os valores referentes a investimentos em infra-estrutura (obras e equipamentos), objeto de financiamento a ser contemplado em instrumento
específico no projeto de expansão e modernização das redes públicas de
educação profissional e tecnológica. Esse orçamento também não prevê
os valores necessários à manutenção do quadro de pessoal e contratação
de professores. Do volume total de recursos destinados ao PROEJA, R$360
milhões devem ser destinados à capacitação de docentes, gestores e técnicos administrativos e R$164 milhões à concessão de benefícios a alunos
PROEJA das instituições da Rede Federal.
Ressalta-se que a ação nº. 2994 tem como finalidade, conforme
sua descrição no PPA, suprir as necessidades básicas do educando, por
meio do “fornecimento de alimentação, atendimento médico-odontológico,
alojamento e transporte, dentre outras iniciativas típicas de assistência
social ao educando, cuja concessão seja pertinente sob o aspecto legal e
contribua para o bom desempenho do aluno na escola”. Esse investimento em assistência estudantil é exclusivo para as instituições federais
por estarem vinculadas ao MEC e, portanto, mantidas com recursos da
União. Para as demais instituições públicas que estão ofertando ou venham a ofertar cursos PROEJA, a vinculação de recursos a serem gastos com manutenção, o que inclui a assistência ao educando, deverá ser
contabilizada a partir dos percentuais estabelecidos pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação – FUNDEB.
No entanto, é importante observar que, no tocante à educação profissional no FUNDEB, podem ser beneficiários dos recursos desse Fundo os alunos regularmente matriculados no ensino médio integrado à
educação profissional e na educação de jovens e adultos integrada à
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educação profissional técnica de nível médio, com avaliação no processo. Para a distribuição dos recursos, a cada modalidade ou etapa é atribuído um fator de ponderação que visa refletir as diferenças de custo de
manutenção do estudante, considerando padrões mínimos de qualidade.
Conforme o art. 12 da MP339/06, os valores das ponderações são definidos anualmente pela Junta de Acompanhamento dos Fundos, formada
por um representante do MEC, um do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Educação – CONSED e um da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME.
A Resolução MEC nº. 01, de 15 de fevereiro de 2006, especifica os
seguintes valores de ponderação para o ano de 2007:
· educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio
= 1,30;
· educação de jovens e adultos integrada à educação profissional técnica
de nível médio, com avaliação no processo = 0,70.
Algumas questões se apresentam no que diz respeito à definição
dos fatores de ponderação para utilização dos recursos do FUNDEB.
Pelo Decreto nº. 5.840/2006, o PROEJA abrange – além de cursos de
educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio
– a possibilidade de oferta de cursos de ensino fundamental na modalidade EJA com formação inicial e continuada, bem como de cursos de
ensino médio com formação inicial e continuada. Nenhuma dessas duas
formas de oferta tem previsão de atendimento pelo FUNDEB. Pode-se
compreender que o vínculo se dê pela educação de jovens e adultos.
Porém, é preciso considerar que tais cursos são integrados com a educação profissional, não são educação de jovens e adultos isoladamente.
Ao se buscar a garantia da qualidade também na formação profissional,
conclui-se que o fator a ser atribuído a cursos PROEJA não pode ser
inferior ao atribuído ao ensino médio integrado à educação profissional.
Ambos os cursos utilizam-se da mesma infra-estrutura de laboratórios,
acervos bibliográficos, material de consumo para aulas práticas etc. Afora
isso, a necessidade de ações de apoio e assistência estudantil a esse
público tem se mostrado muito superior àquelas apresentadas pelos
educandos dos cursos de ensino médio integrado que não na modalidade
EJA. A garantia da qualidade mínima dos cursos PROEJA passa, portanto, pela utilização de um valor de ponderação no mínimo igual aquele
atribuído ao ensino médio integrado. Isso sem entrar no mérito do que
possa justificar o fator de ponderação da EJA ser menor do que o dos
demais cursos da educação básica.
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Para o cálculo da meta de educandos a serem atendidos pelo Programa, foram debitados os custos com a manutenção da infra-estrutura
física e de pessoal, por serem objetos de outros programas de financiamento previstos no Plano de Desenvolvimento da Educação. Pelas razões
expressas anteriormente, também foi subtraído o volume de recursos necessário a ações de apoio aos educandos nas redes públicas estaduais,
distrital ou municipais. Após o débito desses fatores, foi estabelecido como
valor de referência para cada matrícula R$650,00. Tal valor não corresponde,
pois, ao custo-aluno e sim a um incremento que busca garantir certa qualidade ao atendimento. Ao dividir o montante anual de investimentos pelo
valor unitário de referência, são obtidos os seguintes números que representam a quantidade de matrículas que se tem por meta a cada ano: 74.492
em 2008; 145.815 em 2009; 273.876 em 2010; 367.353 em 2011. A partir
dessa projeção, pretende-se que 12.000 matrículas sejam realizadas nas
instituições da Rede Federal em 2008, 25.000 em 2009, 40.000 em 2010 e
60.000 em 2011. Vale ressaltar que os cursos PROEJA em nível médio
têm uma duração média de três anos (2.400h). Desse modo, o número de
matrículas é cumulativo pelo período de duração do curso. A quantidade
de novas matrículas no ano de 2008, por exemplo, repercutirá no número
total de matrículas de 2009 e 2010. É importante observar que, segundo os
resultados do Censo Escolar 2006, a quantidade de matrículas na educação profissional técnica de nível médio (em todas as formas e modalidades
de oferta) era de 744.690 mil. Em relação a 2006, a meta estipulada para
2008 corresponde a 10% de crescimento no total de matrículas provocado
por uma única modalidade (considerando apenas as novas matrículas).
Para a capacitação de profissionais dos sistemas públicos de ensino para atuar no PROEJA, têm-se como meta a qualificação de 120 mil
profissionais, até 2011, em cursos de especialização (pós-graduação lato
sensu) com carga-horária mínima de 360h e cursos de extensão com
carga-horária entre 120h e 240h, além de ciclos de seminários e oficinas
de atualização pedagógica e administrativa.
A tabela a seguir apresenta as metas e orçamentos anuais.
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Apesar de a primeira turma PROEJA ter iniciado suas aulas no segundo semestre de 2005, em curso técnico da área de Construção Civil, oferecido pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Roraima – CEFET
RR, a oferta de cursos PROEJA anterior ao segundo semestre de 2006 é
quase inexistente. Em agosto de 2007, registrava-se em torno de 7,6 mil
matrículas nas escolas federais e um índice de evasão de aproximadamente
7%. Não foi realizado levantamento para obtenção do número de cursos e
matrículas PROEJA em escolas estaduais. Ainda em 2006, foram constituídos 15 pólos para oferta dos cursos de especialização PROEJA para profissionais dos sistemas públicos de ensino, formando quase 1,7 mil especialistas. Em 2007, ampliou-se para 21 pólos e calcula-se a qualificação, em nível
de pós-graduação lato sensu, de aproximadamente 2,5 mil docentes e
gestores. Além dessas ações, ainda em 2006 foram constituídos, em acordo
de cooperação entre CAPES e SETEC/MEC, nove grupos de pesquisa
sobre a integração da educação profissional com a educação de jovens e
adultos. Esses grupos envolvem dezenas de profissionais na pesquisa sobre
os campos de atuação do PROEJA e são responsáveis pela consolidação de
uma rede de cooperação acadêmica e pela produção e divulgação de estudos e pesquisas que possam contribuir para a implantação do Programa,
expansão da oferta e melhoria da qualidade.
Na busca da ampliação das oportunidades educativas a partir da oferta pública, de qualidade e laica com o horizonte de uma formação plena e
emancipatória para as populações de jovens e adultos que não tiveram acesso à educação básica nem tão pouco à formação profissional, outras discussões são imprescindíveis. Dentre elas encontram-se questões como a garantia de acesso, permanência e aprendizagem desses sujeitos nas instituições de ensino; a gestão participativa e solidária dessas instituições; e a
integração curricular entre a formação básica e a profissional.
É também de especial importância para garantia de permanência,
significação da aprendizagem e contribuição para a constância desses
contingentes em suas regiões, a sintonia dessas ofertas educativas (escolha dos cursos, metodologias e currículos) com as vocações econômicas e culturais, arranjos produtivos locais e outras condições do contexto
social do educando. Ao mesmo tempo, a consolidação dessa proposta
enquanto fazer cotidiano, só se torna possível por sua apropriação pela
coletividade gerando uma profunda mudança de cultura no sentido da
valorização tanto da educação formal quanto da informal.
Dessa forma, alguns dos caminhos precisos passam pela construção e consolidação coletiva de um projeto de alta complexidade em coerência com um planejamento claro de longo prazo para o desenvolvi-
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mento social do país. Nas imprecisões da caminhada, encontram-se os
desafios de buscar a continuidade considerando a efemeridade das equipes de articulação, coordenação, monitoramento e avaliação das políticas públicas e tendo em conta a estrutura precária de pessoal nos órgãos
administrativos e nas instituições de ensino, bem como a falta de garantia de financiamento sistemático para além dos próximos quatro anos.
Como possibilitar a constituição de núcleos regionais de monitoramento
que permitam o acompanhamento, a avaliação e a assessoria permanente para controle da evasão, permitindo alcançar escala, em médio e longo prazo, sem comprometer a qualidade e como inserir-se em uma política mais ampla de EJA, construindo-se dentro de uma visão integral da
educação brasileira, são outros tantos passos desse devir.
Referências
BRASIL. Decreto nº 5.840, de 13 de junho de 2006. Institui, no âmbito federal, o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.
______. Emenda Constitucional nº 53.
______. Lei nº 11.494, 20 de junho de 2007. Conversão da MP nº 339/2006.
Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB.
______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação:
razões princípios e programas. Brasília: MEC, 2007.
______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens
e Adultos – PROEJA: formação inicial e continuada/ensino fundamental. Brasília:
MEC, 2007.
______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens
e Adultos – PROEJA: educação profissional técnica de nível médio/ensino médio. Brasília: MEC, 2007.
______. Resolução MEC nº 01, de 15 de fevereiro de 2007. Define as ponderações aplicáveis à distribuição proporcional dos recursos advindos do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB .
INEP. Censo Escolar 2006. Brasília: INEP, 2006.
_______. Ministério da Educação. Sistema de Informações do Ministério da
Educação – SIMEC, módulo do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,
acesso restrito a usuário cadastrado: http://simec.mec.gov.br/ acesso em 1o de
outubro de 2007.
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Acontecendo o currículo da
Especialização / PROEJA – RS:
Diálogos de formação de nós para nós mesmos
Naira Lisboa Franzoi1
Rafael Arenhaldt2
Simone Valdete dos Santos3
1. Os Encontros
“A história é sempre a história de uma sociedade,
mas com toda a certeza a de uma sociedade de indivíduos”.
(Elias, 1993,p.65)
Dissertar sobre a memória da Especialização PROEJA é dissertar
sobre os encontros e desencontros daqueles e daquelas protagonistas desta memória. Os autores deste texto e atores do processo estiveram e estão
nas teias de interdependência4 que fazem e refazem o PROEJA.
Um dos fios que compõe nossa teia de entrelaçamento ao PROEJA
corresponde à pesquisa5 sobre experiências inovadoras de elevação de
1
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenadora do Projeto de pesquisa
vinculado ao Programa CAPES/SETEC/PROEJA/RS.
2
Professor da Especialização PROEJA/RS, da rede municipal de Porto Alegre e coordenador
pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos
de Porto Alegre.
3
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenadora da Especialização PROEJA/
RS.
4
Elias (1993).
5
Pesquisa desenvolvida no ano de 2004, por demanda do MEC. Foi conduzida nacionalmente
pelo IIEP (Intercâmbio,Informações, Estudos e Pesquisas) e na Região Sul (estados do Rio
Grande do Sul e de santa Catarina) por uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (Naira Lisboa Franzoi, Nalu Farenzena, Rafael Arenhaldt, Vera Maria Vidal Peroni,
Simone Valdete dos Santos, Elizabete Zardo Burigo) e Tânia Raitz da UNIVATES em Santa
Catarina.
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escolaridade articulada à Educação Profissional, que possibilitou um primeiro encontro nosso. Ao construirmos o currículo da Especialização
PROEJA, imprimimos nele a marca dessas experiências. A dissertação
de mestrado de Rafael foi inspiradora da concepção da formação de
professores de nós e para nós mesmos, daí a construção do currículo
em módulos.
No âmbito do decreto 5840/06 se gesta a idéia da necessidade da
formação continuada dos professores para atuar no PROEJA. A participação na elaboração do documento-base do Programa, o encontro na I
Jornada Nacional da Produção Científica em Educação Profissional e
Tecnológica6 com o CEFET de Bento Gonçalves promoveram o
protagonismo das instituições envolvidas na Especialização as quais, no
Rio Grande do Sul, constituíram um pólo, denominado pela SETEC/MEC
como “consórcio” coordenado pela Faculdade de Educação, da UFRGS;
CEFET/RS, de Pelotas; CEFET de Bento Gonçalves e, Escola Técnica e
Colégio de Aplicação da UFRGS, esta articulação aglutinou vários outros
CEFETs e Escolas Técnicas do estado.
Tal entrelaçamento, já dentro do espírito de integração do
PROEJA, trouxe a especificidade de constituição, de visão de mundo,
da Educação Profissional orientada pelos CEFETs, e da universidade,
com a Faculdade de Educação, na experiência acumulada de formação de professores.
A especialização foi concebida ao final do primeiro semestre de
2006. E, com a aproximação do fim do primeiro mandato Lula, era necessário que sua execução se desse ainda no segundo semestre do mesmo ano para que fosse garantida. Para que a emergência do tempo não
atuasse como um possível “desencontro”, foi preciso muita disciplina e
dedicação dos alunos-professores/professores-alunos e do corpo docente. O curso ocorreu com aulas de agosto de 2006 a janeiro de 2007,
sempre com aulas de sexta-feira a sábado7, e o período de fevereiro a
agosto de 2007 foi dedicado à elaboração dos Trabalhos de Conclusão
de Curso. Realizaram-se três turmas: uma em Porto Alegre, uma em
Bento Gonçalves e uma em Pelotas. Esta última ficou a cargo da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas em articulação
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Evento ocorrido em Brasília no período de 27 a 29 de março de 2006.
Todos os alunos, professores em exercício, permaneceram com suas atividades nas instituições de ensino. Não ocorreu qualquer redução de carga horária para dedicação ao curso, salvo
os dias de aula presencial, o que exigiu estratégias pedagógicas por parte da organização do
curso, para não sobrecarregar os alunos e ao mesmo tempo não prejudicar a qualidade do
curso.
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com o CEFET/RS, de Pelotas. Este texto refere-se às duas primeiras
turmas, cuja certificação ficou sob a responsabilidade da UFRGS e do
CEFET de Bento Gonçalves (CEFETBG).
Segue um quadro, com dados gerais das três turmas, presente no
relatório circunstanciado encaminhado para SETEC/MEC em maio de
2007:
(*) expectativa de formação e monografias defendidas em função do número
de matriculados nas turmas
O corpo discente foi assim constituído: professores da Escola Técnica e do Colégio de Aplicação da UFRGS; professores e funcionários da
Unidade de Ensino do CEFET de Pelotas em Sapucaia do Sul e do
CEFETBG; oito professores da rede estadual, 24 professores da municipal e 13 professores vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, Movimento Negro e a programas de Atendimento Sócio
Educativo à crianças, adolescentes e jovens em conflito ou não com a lei –
que no quadro acima constam como “outros”.
Como corpo docente tivemos professores da Faculdade de Educação da Escola Técnica e do Colégio de Aplicação da UFRGS; do
CEFETBG e nas orientações de TCC contamos ainda com outros professores mestres e doutores destas instituições, mais da Escola
Agrotécnica Federal de Sertão e do CEFET de São Vicente do Sul.
Esta composição discente e docente compôs um desenho heterogêneo nas turmas, pressuposto constitutivo do PROEJA na articulação
inédita entre EJA, Educação Profissional e Ensino Médio.
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1.2 O (des) encontro entre educação geral e
educação profissional
Entender que os alunos da EJA são alunos trabalhadores, ou “trabalhadores-alunos” como preferem alguns, exige que a categoria trabalho tenha presença marcante em um currículo adequado a esta etapa da vida e de ensino.
E, ainda que não possa ser negada uma habilitação profissional
àqueles que vivem do trabalho, há que se ter claro que mesmo uma
formação profissional não pode ser confundida com preparação estreita. Mas mais que isso, há que se ter claro que se uma habilitação para
o trabalho é necessária, não é suficiente. Os dados insistem em mostrar que a escolaridade e ou formação profissional não garantem emprego ou melhores empregos. Vivemos um tempo em que o desemprego atinge índices alarmantes e condições dignas de trabalho são exceção. Em qualquer dos casos estamos falando de uma formação em
sentido lato. E, por mais que velhas palavras possam parecer gastas,
elas devem ter sempre seu sentido reatualizado.
Por isso nunca é demais repetir, quantas vezes for necessário,
que se trata de uma formação humana para a emancipação. Mais do
que preparar para assumir um lugar no mundo do trabalho, é necessário compreender as relações que ele encerra, para que esses jovens e
adultos passem de vítimas de uma sociedade excludente a protagonistas de uma sociedade que se quer mais justa, ou seja, para que assumam seu lugar em uma sociedade contraditória e em movimento. Para
tanto é necessário entendê-la como contraditória e em movimento.
Para uma formação que não se quer estreita, o trabalho por ela
contemplado também não pode ser tomado naquilo que lhe torna estreito, mas naquilo que ele tem de mais pleno. É preciso entender que, posto
que é dimensão fundante da condição humana, o trabalho implica a todos
nós. A realização do processo completo do trabalho diz respeito a comunicar-se, produzir e usufruir. Começa, pois, quando ao interagir, física e
espiritualmente, com o mundo e com os outros homens, “o ser humano
primeiramente se expressa, se comunica, admira, contempla, entende e explica” E se completa “quando o homem frui dos bens naturais, artesanais, industriais, estéticos” (Nosella, 2006, p. 20). Por isso
o trabalho nos coloca em relação. Compreender isso torna a humanidade mais humana e permite desenvolver laços de solidariedade entre aqueles que vivem de seu trabalho e aqueles que consomem o que é por eles
produzido. E é por isso que se tem insistido em um currículo que integre
as ditas humanidades e a área técnica. E se tanto se tem insistido em tal
integração é porque o trabalho enquanto conteúdo da formação só pode
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ser pensado em todas as suas dimensões. É esse o lugar que o trabalho
deve ocupar em qualquer etapa de ensino e, em especial, no ensino médio e na modalidade EJA. Evidentemente, isto requer colocar em diálogo
áreas tão distanciadas por condicionantes históricos e, logo, os professores dessa áreas. Estes são os pressupostos que estão na base de qualquer currículo que se quer integrado, e foi deles que partimos para a
concepção deste currículo.
2 Os módulos curriculares integrados
De forma reflexiva, procuramos aqui narrar a maneira pela qual foi
concebida, configurada, gestada e tecida a concepção curricular do Curso
de Especialização do PROEJA/RS, bem como a forma acontecida do
currículo, ou seja, a materialização desta concepção curricular na prática e na operacionalização no cotidiano das turmas de Porto Alegre e
Bento Gonçalves.
Organizado e planejado em Módulos Curriculares Integradores,
podemos representar graficamente o itinerário de formação da seguinte
forma:
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Conforme mostra a organização curricular acima, o Curso foi planejado em três Módulos, quais sejam: 1º Módulo – Matriciamentos da
formação docente; 2º Módulo - Gestão escolar e suas interfaces e 3º
Módulo - Experiências inovadoras na Educação Profissional, na
Educação de Jovens e Adultos e no Ensino Médio. Cada um destes
Módulos concebeu um Trabalho Integrador e Articulador, cuja principal
intencionalidade foi o encaminhamento de subsídios e questões
potencializadoras para o Trabalho de Conclusão de Curso de caráter
individual, elaborado ao longo do curso.
De um modo geral podemos destacar que o Trabalho Integrador e
Articulador do Primeiro Módulo previu um aprofundamento sobre os significados do ser professor na Educação Profissional, na Educação de Jovens
e Adultos e na Educação Básica, sustentada e embasada na significação da
experiência docente a partir da escrita de si: do Memorial Formativo. Posteriormente, no Segundo Módulo, foi desencadeada uma pesquisa da/sobre
a realidade escolar das instituições e experiências de EJA integrada à Educação Profissional. Já no Terceiro Módulo ocorreu o encontro de outras
possibilidades pedagógicas, que não passam, necessariamente, pela instituição escolar na perspectiva de um esboço das intenções de pesquisa do
aluno, articulando a metodologia e as respectivas escolhas teóricas.
Cabe destacar ainda que enquanto perspectiva transversal e
integradora do currículo foi criada a Disciplina “Invenções e Intervenções Pedagógicas” que desenvolvida ao longo dos três Módulos, procurou dar visibilidade às “intervenções e invenções” dos alunos enquanto
professores da Educação Profissional, da Educação Básica e da Educação de Jovens e Adultos, refletindo sobre suas experiências de vida, prática pedagógica e docente através de uma escrita reflexiva de si, materializada no Memorial Formativo e no processo de visibilização das experiências pedagógicas inovadoras das instituições, projetos e programas que
cada aluno ou grupo de alunos participa ou participou, na perspectiva de
uma formação de nós para nós mesmos.
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2.1 Do Memorial8 Formativo ou do Trabalho
Integrador no Primeiro Módulo Curricular
Compreendido como o Trabalho Integrador do Primeiro Módulo
do Curso, o Memorial Formativo procurou dar visibilidade - através da
escrita reflexiva de si - às experiências profissionais, acadêmicas e
formativas dos alunos, articuladas às opções e escolhas de natureza teórica, no sentido de descrever e apontar seus interesses e abordagem
para a elaboração do TCC – Trabalho de Conclusão de Curso.
Assim sendo, a elaboração dos Memoriais Formativos teve como
objetivo proporcionar um contexto de produção que instigasse cada
aluno-professor em formação a re(vi)ver seu percurso. Re(vi)ver a
trajetória escolar e refletir sobre o desenvolvimento profissional, já que
somos profissionais que não deixamos a escola ou outros espaços de
formação – enquanto lugar de formação e de atuação profissional –,
se consolidando numa experiência importante para ressignificar algumas memórias escolares e (re)pensar as aprendizagens e suas condições de produção.
Nas Turmas de Porto Alegre e Bento Gonçalves foram produzidos 88
Memoriais pelos alunos, lidos e avaliados pelos professores do Primeiro
Módulo do Curso. Destacamos que o formato e a linguagem das produções
dos Memoriais contemplaram diversos recursos de formatação criativos para
expor e materializar a inscrição de si. Não somente o recurso da escrita, mas
ilustrados com imagens, fotos, documentos, objetos que expressaram outras
possibilidades de inscrição/escrita de si. Não somente uma escrita linear e
cronológica da sua história de vida, obedecendo inclusive uma outra
linearidade expressa pela emoção, pelo afeto e pela escolha de eventos e
episódios marcantes e constituintes da docência na pessoa.
Nessa perspectiva, salientamos que a escrita do Memorial é um
recurso formativo potencial para a reflexão da docência e da prática
pedagógica. Assim destacamos que a escolha, neste Primeiro Módulo Matriciamentos da Formação Docente, pela escrita do Memorial se
8
Memorial: do Lat. memoriale. Relativo à memória; que faz lembrar; memorável; obra
literária que relata factos históricos; petição em que há referência a um pedido anterior;
livrinho de lembranças; apontamento. O Memorial Formativo pode ser compreendido
como: um gênero discursivo privilegiado para a divulgação dos saberes e conhecimentos
docentes; uma escrita reflexiva sobre suas práticas e sobre si mesmo; uma narrativa reflexiva
onde se pode fazer “dialogar” o processo de formação e a prática docente; uma possibilidade
interessante para estimular uma reflexão sobre a escola e seus contextos de aprendizagem;
uma reflexão de como nos tornamos o que nós somos, isto é, uma reflexão do porque e do
modo pelo qual nos tornamos educadores.
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sustenta na aposta formativa da reflexão de si. Em outras palavras nos
questionamos e indagamos: Por que, afinal, escrever um Memorial
neste percurso formativo?
O Memorial Formativo tem sido cada vez mais utilizado enquanto
ferramenta e instrumento em cursos e percursos formativos devido sua
natureza reflexiva, na perspectiva do “professor reflexivo”. A escrita
de si - através da escrita de um Memorial - não se esgota em si mesma,
ela estende suas fronteiras para além de si, como processo formativo e
reflexivo, já que “a apropriação que cada pessoa faz do seu
patrimônio existencial, através de uma dinâmica da compreensão
retrospectiva, é fator de formação” (OLIVEIRA, 1998, p.9). O relato
de si é reflexão de si, é formação. Trata-se, como destaca a autora, da
“instalação de uma outra cultura na formação de professores [: a]
cultura do professor reflexivo” (p.10).
Assim sendo, o exercício de produção de Memoriais é uma plataforma de lançamento à reflexão sobre si mesmo e um dispositivo privilegiado
para a compreensão do processo de formação pessoal e profissional. Essa
é uma perspectiva que vem se afirmando progressivamente nos espaços
de formação continuada, à medida que toma as narrativas como gêneros
discursivos privilegiados para os educadores escreverem suas histórias e
comunicarem os seus saberes e conhecimentos.
A produção de Memoriais na formação continuada permite que
aquele que escreve reconheça o seu “saber que sabe”, isto é, a percepção crítica das possibilidades, limites, implicações e compromissos. Nesse sentido, quando tomamos consciência desse “saber que sabe” já não
poderemos recusar-nos em tomar posição diante da realidade. E se consideramos que o desenvolvimento pessoal e profissional são processos
inter-relacionados, a escrita de Memoriais nos processos formativos representa uma atividade privilegiada, porque potencializadora do conhecimento de si e do outro, da própria vida e do próprio trabalho.
Em outras palavras, a escrita autobiográfica – através do exercício
de escrita de um Memorial - tem reforçado que o registro de nossas
lembranças e reminiscências mais significativas se faz importante pela
possibilidade que inaugura de darmos sentido à nossa trajetória e projetarmos uma direção ao que ainda pretendemos construir e experimentar
como aprendentes e mestres.
Nesse sentido, podemos dizer que o exercício da escrita autobiográfica é uma tarefa que exige - além do registro da própria trajetória
profissional - que cada autor reflita a respeito do que viveu – o que nem
sempre é prazeroso e habitual – mobilizando conhecimentos, saberes,
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crenças, emoções e o estabelecimento de relações não necessariamente
percebidas até então.
Trata-se de uma perspectiva que pressupõe um sujeito protagonista de seu percurso de formação e dos diálogos que estabelece sobre sua
atuação profissional. Tal como afirma Benjamim (1994), entende-se que
a vida não pode ser separada do modo pelo qual podemos nos dar conta
de nós mesmos: narrar nossas histórias é, portanto, um modo de dar a
nós mesmos uma identidade. E assim, reinventar-se permanentemente.
Ainda enquanto acontecimento curricular do Primeiro Módulo destacamos o Seminário sobre a Temática da Educação Popular com a presença do Prof. Adriano Nogueira junto a turma de Porto Alegre nas dependências da Escola Técnica da UFRGS. Além disso, inspirados pelas
belas e criativas escritas de si, materializadas nos Memoriais Formativos
dos alunos do Curso de Especialização, elaboramos e estruturamos um
Blog intitulado Memoriais e Histórias de Vida9 criado com o intuito de
publicizar e dar visibilidade as Histórias de Vida e Memoriais Formativos
de Educadores, na perspectiva de se conhecer e compreender as múltiplas
histórias e memórias da vida escola, da educação e da docência.
2.2 Da Pesquisa da Realidade Escolar ou do
Trabalho Integrador no Segundo
Módulo Curricular
Concebida enquanto Trabalho Integrador do Segundo Módulo, a
Pesquisa da Realidade Escolar do PROEJA envolveu, especialmente,
as disciplinas: Metodologia de Pesquisa em Educação; Sujeitos da Educação, saberes e mundo do trabalho; Políticas sociais e políticas educacionais; Políticas educacionais e a gestão da escola e Projetos políticos pedagógicos, ocorridas durante o Segundo e Terceiro Módulos, sendo que a
entrega do trabalho pelos grupos ocorreu ao final do Terceiro Módulo. Os
docentes destas disciplinas leram e avaliaram os trabalhos dos grupos.
Como orientação geral para a Pesquisa da Realidade Escolar foi
elaborado o seguinte roteiro:
· instrumentos de pesquisa (questionários, entrevistas) que envolvam
os diversos atores sociais dos projetos escolares do PROEJA: alunos/as,
professores, funcionários, direção, comunidade do entorno da escola (associação de moradores, clube de mães, grupo de bocha, etc) e outros;
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Acesso através do endereço eletrônico: http://memorialformativo.blogspot.com
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· apreciação do que existe (projeto político pedagógico do PROEJA,
política pública relacionada), o que é necessário (em relação ao projeto
político pedagógico do PROEJA, política pública relacionada) e o que se
faz para atingir o necessário;
Nessa perspectiva a Pesquisa da Realidade Escolar, procurou encaminhar e potencializar a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso
(monografias ou artigos científicos individuais) nas seguintes ênfases:
· Concepções / propostas do PROEJA na escola;
· Financiamento;
· Formação de professores;
· Currículo;
· Material didático;
· Articulação entre as esferas de governo;
· Sujeito / aluno do PROEJA: trajetórias, acesso e permanência;
· Relações interpessoais;
· Gestão administrativa / Estrutura para implementação do PROEJA na
escola;
· Práticas Pedagógicas;
As instituições escolares, objeto de pesquisa dos grupos foram as
seguintes: duas pesquisas foram sobre a Escola Josué de Castro do MST
situada em Veranópolis, duas sobre o CEFET de Bento Gonçalves, uma
sobre a Escola Agrotécnica Federal de Sertão, uma sobre a UNED de
Sapucaia do Sul, uma sobre a Escola Agrotécnica Federal de Alegrete,
uma sobre o projeto da Escola Técnica e Colégio de Aplicação da UFRGS
e uma sobre o Programa Integrar da Federação dos Metalúrgicos do Rio
Grande do Sul.
A experiência inicial de PROEJA do CEFET de São Vicente do
Sul não foi pesquisada, sendo que os grupos tiveram de três até treze
componentes, sendo divididas as tarefas de planejamento, execução
e análise das pesquisas, durante os meses de novembro de 2006 a
janeiro de 2007. Pela brevidade em que estas pesquisas foram desenvolvidas a reflexão sobre seus resultados terá continuidade na
próxima edição do curso que ocorrerá a partir de novembro de 2007
envolvendo 7 turmas de 50 professores – alunos / alunos professores
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no RS, sendo convênios da UFRGS com o CEFET de São Vicente
do Sul para execução de duas turmas, Colégio Técnico Industrial de
Santa Maria para outras duas turmas, CEFET de Bento Gonçalves
para uma turma e articulação das UNEDs de Sapucaia do Sul e
Charqueadas, Escola Técnica e Colégio de Aplicação para duas turmas em Porto Alegre.
O Grupo de Pesquisa CAPES / PROEJA10 também tem nestes
relatórios de pesquisa material possível para análise do PROEJA como
política pública.
Como grandes questões retiradas dos resultados destas pesquisas
é possível citar: a formação profissional do PROEJA não correspondendo
as de excelência das instituições – no caso da UNED de Sapucaia do
Sul vinculada ao setor plástico e no CEFET de Bento Gonçalves ao
curso de Enologia – é considerada de segunda categoria? Será uma
formação profissional de pobre para pobre? Quais os significados do
currículo integrado? Qual é a melhor forma de acesso para os alunos do
PROEJA nas instituições – prova, sorteio? Como pode ocorrer a formação continuada dos profissionais do PROEJA?
2.3 Da Elaboração do TCC ou do Trabalho
Integrador no Terceiro Módulo Curricular
As duas turmas somavam 88 alunos para orientar monografias. Tal
empreitada foi possível somando aos professores do curso, mestres e
doutores do quadro docente do CEFETs, Escola Técnica e Colégio de
Aplicação da UFRGS, Agrotécnica de Sertão, outros professores da
Faculdade de Educação da UFRGS não vinculados ao corpo docente do
curso. Sendo que esta articulação foi realizada, na maioria das situações,
pelos próprios alunos- professores do curso, dentro do processo de formação de nós para nós mesmos.
Foram realizadas duas reuniões gerais com os orientadores dos
TCCs, onde foi possível visualizar a heterogeneidade das temáticas de
pesquisa, trajetórias vinculadas à Educação Profisssional, ao EJA, à
Educação Básica. No mês de janeiro de 2007 realizamos um Seminário
de Acompanhamento das pesquisas e dos TCCs, no qual o grupo de
10
A partir do Edital PROEJA-CAPES/SETEC número 03/2006 foi instituído o grupo de
pesquisa CAPES/SETEC/PROEJA coordenado pela UFRGS junto com a Unisinos e UFPEL,
tendo nestas instituições e nos CEFETs parcerias de pesquisa com bolsas de mestrado e
doutorado nos Programas de Pós-graduação em Educação destas três instituições de ensino
superior já citadas, sendo a duração do programa até 2009.
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alunos-professores e os docentes do Curso da Turma de Porto Alegre se
deslocaram e se juntaram com a Turma de Bento Gonçalves e em um
dos auditórios do CEFET de Bento Gonçalves assistimos uma palestra
proferida pela Profª Malvina do Amaral Dorneles sobre Pesquisa em
Educação11 e realizamos trabalhos em grupo diante das temáticas
articuladoras e áreas de interesse de pesquisa mais recorrentes, assim
classificadas e organizadas:
· Temática 1 – Formação de Professores;
· Temática 2 – Abordagem Pedagógica: Aprendizagem, Currículo, EAD e
Avaliação;
· Temática 3 – Metodologias e Áreas do Conhecimento;
· Temática 4 – Educadores e Educandos: Histórias e Trajetórias de Vida;
· Temática 5 – Escola, Formação e Gestão;
· Temática 6 – PROEJA e Política Pública;
· Temática 7 – Trabalho, Qualificação Profissional e Mercado;
Muitos artigos aqui presentes revelam os inéditos epistemológicos,
metodológicos e políticos que o PROEJA propõe para a Educação Profissional, para o Ensino Médio e para EJA em uma teia de
interdependência possível de incluir os trabalhadores de forma qualificada nas instituições federais de Educação Básica, no propósito de inserir
o PROEJA nas políticas permanentes da Educação Básica.
3. Da formação de nós para nós mesmos ou de
outras possibilidades pedagógicas
Se por um lado é instigante e desafiador pensar os impactos políticos, epistemológicos e as possibilidades pedagógicas e formativas das
ações do PROEJA no cotidiano das instituições, por outro é fundamental
pensar a formação inicial e continuada do professor que atua(rá) no
PROEJA. Trata-se, como já destacado, de uma política que propõe uma
nova forma e um novo jeito de articular e conceber a Educação Profissional integrada à EJA e à Educação Básica.
De um modo geral, os modelos e as propostas de formação de
professores pouco têm levado em conta a vida, a experiência profissio11
Palestra: “As disposições ético-estético-afetivas da Pesquisa em Educação”.
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nal e os saberes da própria docência, assim como muitos de nós professores e instituições escolares não temos respeitado as histórias de vida e
saberes de nossos alunos. Assim, ao refletir sobre a concepção de formação de professores para o PROEJA no âmbito deste Curso de Especialização, entendemos configurar um currículo e um percurso formativo
que, de forma integradora, possibilite ao aluno-professor ser efetivamente protagonista de sua formação na perspectiva da valorização das suas
experiências, vivências e trajetórias de vida e do reconhecimento da potência dos seus fazeres e saberes pedagógicos, articulados aos desafios
do projeto político-pedagógico institucional no qual cada aluno-professor
está inserido.
Nesta perspectiva, nos parece pertinente e central a abordagem da
formação de professores sustentada na reflexão da prática pedagógica,
nas trocas entre saberes docentes, nas experiências inovadoras das práticas institucionais e nas especificidades e características do trabalho
pedagógico que se propõe integrador da Educação Profissional com a
EJA e a Educação Básica.
Foi valorizando e respeitando os saberes e as experiências dos alunos-professores que procuramos viabilizar um processo de formação
de nós e para nós mesmos no âmbito do Curso de Especialização do
PROEJA. Procuramos potencializar um percurso formativo, expresso
em Módulos Curriculares com seus respectivos Trabalhos
Integradores, no qual os próprios alunos-professores se constituíssem
enquanto protagonistas de sua formação. Um modelo no qual o alunoprofessor se constitui enquanto um professor que aprende e ensina junto-com, e não um modelo de formação onde o professor - que ocupa
nesta situação um lugar de aluno - permaneça como simples ouvinte e
coadjuvante. Em outras palavras, procuramos viabilizar um modelo de
formação que não dicotomize a teoria da prática, nem os saberes acadêmicos dos saberes experienciais, e que remeta a uma “reflexão sobre
os saberes pessoais construídos sobre a sociedade, sobre a escola,
sobre ser professor, sobre a docência, sobre nós mesmos” (OLIVEIRA, 2002, p.167).
Um dos principais desafios do curso foi e, é em sua próxima edição, a construção de um currículo no qual os tempos de formação considerem o que acontece nos subterrâneos, nos interstícios da escola, e
assim trazer para a pauta e para a agenda da formação do professor do
PROEJA aquilo que acontece e se tece nas dobras da escola e na vida
da docência. Em outras palavras, nos filiamos à perspectiva de não continuar, através dos programas de formação docente, a relegar a plano
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secundário os saberes e as experiências dos trabalhadores em Educação, valorizando assim uma epistemologia da prática.
4 Referências
ARENHALDT, Rafael. Das docências narradas e cruzadas, das sur-presas e
trajetórias reveladas. Os fluxos de vida, os processos de identificação e as
éticas na escola de educação profissional. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / PPGEDU, 2005. Orientadora:
Dra. Malvina do Amaral Dorneles.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
PROEJA. Documento Base. 2006.
BENJAMIN, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In
Benjamin, W. Magia e Técnica, Arte e Política – Obras Escolhidas, Volume I. 7ª
ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994.
FRANZOI, Naira Lisboa et al. Experiências Alternativas de Escolaridade Articuladas à Profissionalização de Jovens e Adultos: relatório de pesquisa. Porto
Alegre: UFRGS, 2005
ELIAS, Norbert. A Sociedade dos indivíduos. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1993.
NOGUEIRA, Eliane Greice Davanço. A escrita de memoriais a favor da pesquisa
e da formação. Anais II CIPA – UNEB. Salvador, 2006.
NOSELLA, Paolo. Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores:
Para além da formação politécnica. Conferência realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores promovida
pelo LABOR, de 07 a 09 de Setembro de 2006, na Universidade Federal de Fortaleza – CE.
OLIVEIRA, Valeska Fortes de. Histórias de professores e processos de formação/subjetivação. In: Educação em Debate, Fortaleza, Ano 20, Nº36, p.7-13, 1998.
______ (Org.). Imagens de professor: significações do trabalho docente. Ijuí :
Ed. UNIJUÍ, 2000. - 328 p. - (Coleção Educação).
______. Imagens orais, escritas e fotográficas: registros reconstruídos por
professores. In: História da Educação. ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (12): 105-118,
Setembro, 2002.
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O PROEJA: a construção de uma
formação continuada.
Clóris Dorow
Leomar da Costa Eslabão
Roselaine Machado Albernaz 1
Introdução
Este texto é um relato da construção de um curso técnico na modalidade de Eeducação profissional integrada ao Ensino médio (PROEJA) e as
suas interfaces, dentre as quais destaca-se a necessidade da formação continuada com o oferecimento de um curso de especialização voltado a formar
profissionais educadores para esta realidade educacional. Utilizaremos como
relatos as memórias, as marcas e as inquietações que nos atravessaram
durante este período de aprendizado. O texto está dividido em três segmentos. O primeiro aborda a experiência em Educação de Jovens e Adultos
(EJA) realizada no Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas
(CEFET/RS). A seguir destaca-se o planejamento e implantação do currículo de um curso técnico na modalidade PROEJA, na referida instituição. E,
finalmente, apresenta-se o processo de formação continuada através de um
curso de especialização voltado para preparar professores para atuarem
dentro desta nova modalidade educacional.
Do EMA ao PROEJA: um desafio
A Educação de Jovens e Adultos, como uma modalidade da Educação
Básica, tem a sua especificidade e, por isso mesmo, necessita de um modelo
pedagógico próprio. Nesse sentido o Ensino Médio para Adultos (EMA),
projeto desenvolvido desde 1999 no Centro Federal de Educação Tecnológica
de Pelotas (CEFET/RS), tem um trabalho pedagógico que incorpora uma
1
Professores do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas e coordenadores do
Curso de Especialização em PROEJA - turma de Pelotas/RS.
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reflexão sobre a realidade dos alunos. Como explicita Kuenzer (2002, p.75),
é necessária a compreensão de que as finalidades desse ensino
dizem respeito a pessoas concretas que vivem em situações reais que
precisam ser compreendidas em si e em suas articulações com a totalidade
da vida social e produtiva com suas múltiplas, complexas e contraditórias
relações, entre as quais muitas certamente precisam ser transformadas em
face de seu caráter excludente.
A partir do delineamento das finalidades, emergem os conteúdos que
podem ser trabalhados dentro do contexto dos alunos adultos. A definição
dessas finalidades, como argumentado pela autora, “sempre será um processo político, que implica escolhas, não se submetendo à aplicação de
critérios técnicos” (ibidem, p.75).
Tanto no EMA como em todos os níveis da escolarização, é importante saber quem são os alunos com os quais se trabalha, quais são as necessidades que apresentam e quais as perspectivas e expectativas que expressam para o futuro. Para que se possa investir em uma prática pedagógica
contextualizada, através da articulação entre senso comum e conhecimento
científico, Kuenzer (2002, p.77), citando Kosik, mostra que “não há, pois,
outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um
pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao
todo depois de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo”.
Nesse sentido, é necessária uma visão não compartimentada do ser
humano, ou seja, o homem deve ser concebido através de suas várias
dimensões, não se restringindo a parte intelectual. Em outras palavras, o
processo de formação humana compreende a possibilidade de o homem
desenvolver-se de forma global, envolvendo todos os seus sentidos e suas
potencialidades como possibilidades de realização.
Para desenvolver todas essas dimensões, passamos a ter como desafio a implantação de uma Educação que tenha o trabalho como princípio
educativo, no sentido do reconhecimento da relação entre ciência, mundo
produtivo e a vida dos alunos. Essa relação apresenta-se como possibilidade de avançar no sentido dos professores ajudarem na preparação desses
alunos para o exercício de profissões sem deixar de lado o desenvolvimento da autonomia como pressuposto básico.
Para Frigotto (2002, p.20), é necessário compreender que “a produção de conhecimento, a formação de uma consciência crítica tem sua
gênese nas relações sociais de trabalho e nas relações sociais de produção”. Parece difícil, pensar um trabalho educativo que efetivamente se
articule aos interesses dos trabalhadores, sem ter como ponto de partida o
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conhecimento, a consciência elaborada no mundo do trabalho, na cultura e
nas múltiplas formas que esses sujeitos produzem suas existências. Mas,
isso só seria possível na perspectiva de um processo educativo transformador, que tenha o objetivo concreto de emancipar as pessoas e que compreenda o trabalho como princípio educativo.
Ramos (2005) argumenta que a integração entre o Ensino Médio e o
Ensino Técnico passa a ser uma das possibilidades de se trabalhar com a
formação humana e a formação profissional, pois exige que a relação
entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente
ao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura.
No currículo que integra formação geral, técnica e política, o estatuto
de conhecimento geral de um conceito está no seu enraizamento nas ciências como “leis gerais” que explicam fenômenos. Um conceito específico,
por sua vez, configura-se pela apropriação de um conceito geral com finalidades restritas a objetos, problemas ou situações de interesse produtivo.
A tecnologia, nesses termos, pode ser compreendida como a ciência apropriada com fins produtivos. Em razão disto, no currículo integrado “nenhum conhecimento é só geral, posto que estrutura objetivos de produção,
nem somente específico, pois nenhum conceito apropriado produtivamente pode ser formulado ou compreendido desarticuladamente da ciência
básica”. (RAMOS, 2005, p.120)
A importância e o desafio de implantar uma educação que tenha o
trabalho como princípio educativo, ou seja, “pelo entendimento de que homens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho, ação
transformadora no mundo, de si, para si e para outrem” (BRASIL, 2006,
p.35), faz refletirmos sobre o que é a formação integrada e a necessidade
real da integração da formação geral de ensino médio à formação profissional de jovens e adultos, sendo a verdadeira natureza do Programa de
Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino
Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos PROEJA. Não
se tratando apenas de adaptar o currículo do EMA ao do Ensino Técnico.
O desafio de construir o ensino médio integrado está na necessidade
da educação geral tornar-se parte inseparável da educação profissional
em todos os campos.
O PROEJA: a construção coletiva como caminho
No CEFET-RS, em dezembro de 2005, já havia uma preocupação
com o novo decreto que institucionalizava o PROEJA. Ainda que tivéssemos a experiência do EMA, defrontávamo-nos com o desconhecido.
Embora o grupo que atuava no EMA acreditasse na necessidade da
integração entre o Ensino Médio e o Ensino Profissionalizante, fator im34
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portante para o futuro profissional dos alunos, sentíamos um despreparo
por parte dos professores, principalmente em relação ao aporte teórico a
que o PROEJA remetia. A partir dessa constatação, começamos a mobilizar esforços no sentido de sensibilizar os professores, no sentido de
formarmos uma parceria para estudos que viessem a constituir uma base
teórica consistente para a construção de uma proposta de um curso técnico na modalidade EJA.
Encontramos no grupo de professores do curso Técnico em Sistemas da Informação o apoio desejado, pois estes já eram nossos parceiros no Ensino Médio para Adultos (EMA), sendo o único curso do CEFET/
RS que, voluntariamente, dispôs-se a apresentar um projeto de curso
técnico na modalidade de PROEJA.
Semanalmente formulávamos um roteiro de trabalho para ser colocado em prática. Iniciamos pelo estudo do Documento Base do PROEJA,
Decreto Lei nº 5840, originário do decreto nº. 5.478, de 24/06/2005, cuja
ótica direciona-se para uma formação na vida e para a vida e não apenas para o ingresso no mundo do trabalho. Segundo o documento,
o que realmente se pretende é a formação humana no seu sentido mais lato,
com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e
tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma
formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se
no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida
e da construção de uma sociedade socialmente justa (BRASIL, 2006, p.10).
Tendo essa visão como parâmetro, partimos para uma discussão
embasada em alguns teóricos que abordassem estas temáticas, buscando com isso tornar mais clara essa concepção educacional para o grupo
de professores. Após o estudo sobre o documento que institui o PROEJA,
começamos a leitura da obra de FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS
(2005) como um marco teórico que buscava apresentar a produtividade
da integração do Ensino Médio com a Educação Profissional. Para estes
autores “a possibilidade de integrar formação geral e formação técnica
no ensino médio, visando a uma formação integral do ser humano é condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnico
e à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de
classes” (op.cit., p.45).
Dessa forma, em uma sociedade na qual existem inúmeras desigualdades sociais, os filhos dos trabalhadores teriam uma formação integral, que além de lhes possibilitar seguir adiante nos estudos permite que
possuam uma profissionalização, ainda no nível médio.
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Para que essa integração entre ensino médio e técnico se concretize fez-se necessário que buscássemos a formulação de um projeto próprio, com as nuances características da escola, dentre os fatores da sua
realidade. O mais importante, segundo Ramos (2005, p.121), é que a
“organização formal do currículo exigirá a organização desses conhecimentos, seja em forma de disciplinas, projetos, etc. Importa, entretanto,
que não se percam os referenciais das ciências básicas, de modo que os
conceitos possam ser relacionados interdisciplinarmente, mas também
no interior de cada disciplina”. Portanto, é necessário que cada disciplina conserve suas características como ciência específica, embora havendo diálogos entre as disciplinas.
Outro fator preponderante em nossas reflexões, foi a distribuição
das disciplinas no decorrer do curso. Pensamos que as disciplinas de formação geral e as técnicas deveriam ser oferecidas/trabalhadas ao longo
do curso e não em módulos diferentes com o acúmulo de uma ou de outra
em um determinado ano. Só assim a integração poderia se efetivar, pois de
acordo com Ramos (2005, p.122) “a integração exige que a relação entre
conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura”.
Na continuidade desse projeto de curso sentimos a necessidade de um
estudo sobre a contextualização dos saberes e sua articulação às áreas de
conhecimento. Encontramos respaldo teórico na obra de Kuenzer (2005),
que destaca a importância de partirmos de um conhecimento da realidade do
aluno, reconhecendo os saberes prévios já desenvolvidos, para estabelecer a
metodologia mais adequada. Segundo a autora
esse trabalho é que determinará a diferença entre prática enquanto repetição reiterada de ações que deixam tudo como está, e práxis enquanto
processo resultante do contínuo movimento entre teoria e prática, entre
pensamento e ação, entre velho e novo, entre sujeito e objeto, entre razão
e emoção, entre homem e humanidade, que produz conhecimento e por
isso revoluciona o que está dado, transformando a realidade. (op.cit., p.80)
Após as discussões realizadas, estabelecemos o perfil do aluno
egresso do Curso Técnico de Nível Médio em Montagem e Manutenção
de Computadores – Modalidade EJA. Este deverá ser um cidadão responsável, empreendedor, investigador e crítico, apto a desempenhar sua
profissão no que concerne ao suporte e à manutenção de tecnologias da
informação, incluindo hardware, por meio de uma formação ética, técnica, criativa e humanística, Na formação desse sujeito, o trabalho aparece como possibilidade emancipatória de luta e de engajamento político
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social. Embasados nesse perfil, formulamos as competências do curso:
- Conhecer, identificar, instalar, configurar e executar recursos de
hardware de computador, promovendo o trabalho em equipe e a capacidade de empreender na área de informática.
- Planejar, dimensionar, administrar e implementar uma organização de computadores em rede, desenvolvendo o censo de pesquisa e de
aperfeiçoamento profissional continuado.
- Perceber e compreender que as sociedades são produtos das
ações humanas sendo, portanto, construídas e reconstruídas em tempos
e espaços diversos, fortemente influenciadas pelas relações sociais, pelos valores éticos, estéticos e culturais, pelas relações de dominação e de
poder, e pelas relações de trabalho presentes nas mesmas.
- Utilizar elementos e conhecimentos científicos e tecnológicos dos
diferentes ambientes (físico, econômico, social, cultural, político) para
tomar atitudes decisivas de investigação e compreensão, com o propósito de formular questões, interpretar, analisar e criticar resultados, expressando-se com correção e clareza, de forma responsável na sociedade em que está inserido.
- Ler, compreender, interpretar, escrever, experimentar e produzir
sentido a partir de textos verbais e não-verbais, utilizando as tecnologias
da informação, assim como desenvolver e formalizar o raciocínio lógico,
transcrevendo-o em linguagens de programação, a fim de estabelecer
relação com o contexto sócio-econômico e histórico-cultural, e posicionarse criticamente para, através da produção do conhecimento, intervir na
realidade em busca de sua transformação.
Após o estabelecimento das competências, os professores, distribuíram os conteúdos de suas disciplinas, nas competências elencadas no
projeto do curso, apresentando sua escolha para discussão no grupo.
Depois de inúmeros debates, realizamos a distribuição da carga horária
das disciplinas.
O fluxograma a seguir, apresenta o processo de discussões
construído no desenvolvimento do projeto de criação do curso:
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A partir da estruturação do curso, continuamos a ter encontros
semanais para planejamento das atividades a serem desenvolvidas no
primeiro semestre do curso. Escolhemos como eixo norteados o Mundo
do Trabalho, com o objetivo de integrar os conteúdos a serem desenvolvidos nas diferentes disciplinas.
O processo de avaliação do aluno também mereceu uma atenção
especial, fazendo parte de nossas discussões. Entendemos que a avaliação é uma atividade-meio e não uma atividade-fim. Dessa forma a avaliação foi entendida como um processo permanente, contínuo, participativo,
abrangente e dinâmico.
A avaliação da aprendizagem refere-se ao desenvolvimento do aluno
no curso, em cada disciplina, sob a ótica do professor e do próprio aluno,
tendo como objetivo principal o acompanhamento do processo formativo,
verificando como a proposta pedagógica está sendo desenvolvida ou se
processando, na tentativa de proporcionar uma aprendizagem mais efetiva
ao longo do percurso. A avaliação não privilegia a mera polarização entre
o “aprovado” e o “reprovado”, mas sim a real possibilidade de mover os
alunos na busca de novas aprendizagens. A avaliação e a aprendizagem
são partes constitutivas de um mesmo processo, neste sentido a avaliação
ocorre como parte do processo de construção do conhecimento.
Definimos pela avaliação semestral, por área do conhecimento a qual terá
como resultado um parecer descritivo no primeiro semestre e um conceito
ao final do ano letivo. Os instrumentos de avaliação não são restritos à
provas escritas, contemplando outras formas tais como trabalhos em grupo, projetos, seminários, entre outros. A recuperação será oferecida ao
longo do processo. Além disso, bimensalmente, é feita uma semana de
recuperação das deficiências de aprendizagem do educando. Os conceitos que serão utilizados ao final do ano, pelas áreas, serão: A, B, C para os
alunos aprovados, D para os reprovados e E para os que desistiram.
A formação continuada
Dentro do quadro proposto pelo Governo Federal brasileiro para a
educação profissional, a EJA é apresentada como um novo campo a ser
coberto por cursos na área da Educação Profissional. Pelo fato de seu público ser específico e por se diferenciar dos alunos que têm um percurso contínuo de estudos, entende-se que a prática docente nessa modalidade deve
ser voltada a atender às necessidades apresentadas pelos alunos.
Constata-se que, a maioria dos docentes das instituições que trabalham com Educação Profissional, não possuem, uma formação formal
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adequada que possa servir de subsídios para a atuação em EJA, por isso
julgamos adequado proporcionar uma formação continuada, uma pós-graduação lato sensu, que abordasse especialmente a temática sobre educação profissional na modalidade de educação de jovens e adultos (PROEJA).
Esta foi entendida como uma possibilidade de contribuirmos na preparação dos docentes para a nova realidade. Com a possibilidade de participarmos do consórcio Rio Grande do Sul, formado pela UFRGS, CEFETRS, CEFET-Bento Gonçalves, criando três turmas de especialização em
PROEJA no nosso estado, vindo ao encontro de nossas necessidades,
aceitamos o desafio de proporcionar aos colegas uma formação que lhes
oferecesse subsídios teóricos e metodológicos para atuar em cursos
profissionalizantes que tenham como base um currículo integrado.
Inicialmente, de acordo com o projeto da pós-graduação formulado
por professores ligados à FACED/UFGRS, seriam alvo da formação
continuada os docentes da rede federal, devido à constatação de seu
despreparo acadêmico/prático para atuar com a EJA, pois esta é uma
realidade não vivenciada pelos cursos técnicos da rede federal. Porém,
a gama de sujeitos aos quais a formação continuada era destinada, foi
sofrendo alterações ao longo do processo de planejamento da implantação, foram contemplados, também, os técnicos administrativos da rede
federal, pois entendemos que faziam parte do processo educativo, uma
vez que o pensar a educação não encerra-se apenas nos gabinetes ou
nas salas de aula e laboratórios. Assim, o quadro de funcionários deveria
ter o conhecimento desta nova realidade para contribuir de forma mais
ativa e consciente na implantação de novos cursos técnicos na modalidade de PROEJA.
Pelo fato do financiamento ser público, provido pelo Ministério da
Educação, que atende a todos os segmentos de educação profissional, o
projeto de formação continuada sofreu mais uma ampliação, devendo
atender inclusive a professores das redes estaduais e municipais, vinculados a EJA e/ou educação profissional.
Com isso, a seleção dos alunos a serem contemplados pela formação continuada, na turma realizada em Pelotas/RS, deu-se atendendo,
em um primeiro momento, aos docentes do quadro efetivo das instituições federais de ensino (IFEs) que ofereciam educação profissional de
nível médio (CEFET-RS, CAVG/UFPEL, CTI/FURG) e técnicos administrativos. Pelo fato dos quadros docentes das IFEs serem compostos
por um número significativo de professores temporários, estes acabaram conseguindo inserir-se no processo, desde que estivessem atuando
na Educação de Jovens e Adultos, como é o caso do EMA, projeto cita-
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do anteriormente. Porém, os professores substitutos ligados a cursos
técnicos não foram contemplados pelo deslocamento dos limites de seleção dos sujeitos.
Após selecionados os sujeitos ligados às IFEs foram escolhidos
outros sujeitos integrantes das redes municipais e estadual.
As seleções foram baseadas nos critérios de a) estar envolvido, ter
experiência ou atuará com a EJA - PROEJA - INTEGRADO, b) estar
envolvido ou ter experiência com o Ensino Médio - Ensino Técnico, c)
análise curricular, beneficiando os que ainda não possuíam pós-graduação, e, d) carta justificativa apresentando os interesse em cursar a especialização em PROEJA.
Com isso, ao iniciarmos a turma, tínhamos matriculados professores e técnico-administrativos da IFES, professores das redes estadual e
municipais.
Do quadro inicial dos alunos selecionados para a pós-graduação
chamou-nos atenção o fato de que um número significativo de alunos
era ligado à área da cultura geral. Da rede federal somente quatro alunos atuavam em cursos técnicos, e destes apenas dois concluíram a
especialização. Os outros dois afastaram-se, um em função de ter sido
selecionado em pós-graduações stricto sensu em sua área de formação, o outro por ter assumido um cargo administrativo.
Os alunos que atuavam como docentes nas redes municipais trabalhavam em escolas que não tinham cursos técnicos, possuíam apenas
experiências em EJA.
Constatamos que os sujeitos que buscaram a formação continuada
não atuavam diretamente com educação profissional, o que gerou uma
série de questionamentos:
- Seria um indicativo de que esta modalidade de educação não é
bem vista pelos professores dos cursos técnicos?
- Os professores dos cursos técnicos já possuíam uma formação lato
sensu e por isso não se interessavam em ter um outro título equivalente?
- Os professores dos cursos técnicos não reconhecem como válidos cursos na área da educação?
- A formação que busca a construção de um currículo integrado, a
partir de uma educação integral, não agradava aos docentes que atuavam em cursos técnicos modulares, com currículos restritos à suas áreas de especialidades?
Os questionamentos aqui apresentados não foram sistematicamente
investigados, apenas constituíram-se em inquietações e que podem/devem ser analisadas/pesquisadas em futuros estudos, de forma a contribuir para o entendimento desse fenômeno.
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Retornando a análise para a formação continuada implantada no
CEFET-RS, existiram certas peculiaridades que marcaram o desenvolvimento deste curso. Este foi planejado para ser desenvolvido dentro do
ano civil de 2006, em função da execução financeira e da prestação de
contas, afetando diretamente o currículo, pois foram concentradas todas
as disciplinas em apenas um semestre. Tal redução de tempo provocou
um acumulo de leituras e escritas para as disciplinas.
O corpo docente escolhido pela direção do CEFET-RS foi formado para atender as disciplinas elencadas no projeto de formação, tendo
como base a vinculação da formação/atuação. Em função disso atuaram professores do CEFET-RS que tinham experiência/formação na
EJA e na educação profissional, e, um grupo de professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) que
tem experiência em cursos de formação continuada e de pós-graduação em educação.
Os orientadores dos trabalhos de conclusão foram selecionados de
acordo com o assunto de pesquisa, que emergiram na interação professor/aluno realizada na disciplina de metodologia da pesquisa. O trabalho
de conclusão poderia ser apresentado sob a forma de artigo, de projeto
de pesquisa, ou de monografia.
Os alunos que integraram a turma da especialização, embora tenham atendido os critérios de seleção, há muito se encontravam fora da
posição de aluno. Isso representou algumas dificuldades principalmente
voltadas à produção textual, ao domínio de ferramentas de informática
tais como e-mails e editores de textos, o que reflete o seu cotidiano de
trabalho que se diferencia do sujeito pesquisador, que está acostumado a
trabalhar com estas ferramentas. Além disso, tinham mais de um vínculo
empregatício, dificultando as leituras prévias necessárias para embasar
as discussões nas aulas, o que muitas vezes acarretava em aulas tradicionais de transmissão de conhecimentos.
A sobrecarga dos alunos evidenciou uma realidade que passa muitas vezes despercebida, a da auto-intensificação da jornada de trabalho
em função de buscar uma remuneração mais digna. Nesse sentido a
própria opção do aluno pela formação continuada acarretou em acúmulo
de tarefas que muitas vezes exigiam um tempo maior do que o disponível. Observamos que a própria instituição proponente da formação continuada não ofereceu respaldo no sentido de liberação de todos os servidores de forma que pudessem assistir a todas as aulas, pois a pós-graduação iniciou durante o período letivo no qual atuavam, e a instituição não
conseguiu remanejar outros professores para cobrir os horários destes
que ocupavam a função de alunos.
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Outro fator que teve influência no desenvolvimento do curso foi o
fato de que o CEFET-RS por ter recebido o status de Instituição de
Ensino Superior em 1999, não possuía ainda uma organização em pósgraduação, embora já tivessem oferecido dois cursos de especialização,
que pudesse ser utilizado como balizador para pensar o andamento do
curso e prever possíveis situações que acabaram convertendo-se em
desvio de percurso. Uma destas situações foi referente ao trabalho de
conclusão, que pelo fato de não haver sido aprovado normativas internas
do CEFET-RS, foi adotada as que constavam no projeto de curso, ou
seja, o trabalho de conclusão de curso (TCC) deveria ter uma apresentação pública coletiva, na forma de seminário, no qual cada aluno deveria apresentar sua produção. Felizmente os percalços que existiram, nos
auxiliaram a detectar e normatizar princípios que orientem um pós-graduação, auxiliando futuros cursos..
Pelo fato do trabalho de conclusão ser mais um elemento a consumir
o tempo escasso que os alunos possuíam para as leituras/escritas para as
disciplinas, este foi protelado para após o término das aulas o que constituiu-se em um pequeno período para as leituras necessárias e para a sua
escrita. Porém mesmo atendendo a um tempo inferior a seis meses, foram
produzidos trabalhos significativos no sentido de trazerem novos elementos que possam contribuir para que a área da Educação de Jovens e Adultos avance e que as práticas desenvolvidas nesta modalidade estejam mais
próximas as necessidades do público alvo.
Considerações
Acreditamos que a formação continuada de professores constitui-se
como um importante fator para a preparação para atuar em uma nova
realidade, que embora tenha relação com outra área pela qual o professor
já tenha atuado (Educação Profissional ou EJA), constitui-se como um
novo desafio pelo fato de integrar EJA e educação profissional. No casos
específicos do CEFET-RS, que já vinha trabalhando com Educação de
Jovens e Adultos e Educação Profissional, não existia ainda nenhum curso
que atendesse na modalidade de PROEJA. Contudo para o planejamento
de um curso nesta modalidade, os conhecimentos adquiridos na vivência
prática da EJA foram significativos para a elaboração do currículo integrado à parte profissionalizante. Porém a formação continuada, pensada como
um elemento a fornecer subsídios teórico/práticos, pela sistematização de
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temas peculiares a esta nova realidade da educação profissional (PROEJA)
não suscitou interesse aos professores que iriam atuar no novo modelo
curricular. Portanto o curso de formação continuada no CEFET-RS, infelizmente, não atingiu de fato os sujeitos aos quais se propunha, gerando
como conseqüência a decisão do não oferecimento de uma nova turma,
em continuidade ao programa.
A constatação da necessidade de formação para a atuação no
PROEJA certamente será percebida a medida em que forem sendo implantados cursos técnicos dentro desta modalidade, e talvez aí haja uma
conscientização de que atuação docente competente está vinculada a formação continuada, e a demanda possibilitem que surjam novas possibilidades de criação de turmas de pós-graduação, que contemplem um tempo
suficiente para a assimilação dos conteúdos desenvolvidos e para a produção de pesquisas significativas que tragam novos elementos para fortalecer a formação daqueles que atuam no PROEJA.
Percebemos que os sistemas de ensino raramente investem na formação continuada dos professores. Poucas são as iniciativas no sentido de
tornar o espaço de trabalho do professor um espaço importante e propício
para a discussão e estudo, que carregue consigo a necessidade de reflexões de caráter sócio-político-pedagógicas sobre a formação acadêmica
no sentido de sua complementação. Nesse sentido o curso de pós-graduação, aqui relatado, foi uma grande oportunidade.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Documento Base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2006.
FRIGOTTO, G., CIAVATTA, M. e RAMOS, M. Ensino Médio Integrado. São
Paulo: Cortez, 2005.
FRIGOTTO, G. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos e práticos. In: GOMES, C. M. (Org). Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.
KUENZER, A. Ensino Médio - Construindo uma Proposta para os que vivem do
trabalho. - 4.ed.- São Paulo: Cortez. 2005.
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PROEJA COMO RESGATE DA CIDADANIA
André Boccasius Siqueira1
Beatriz T. Daudt Fischer2
Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandes
novidades/
O tempo não pára (Arnaldo Brandão e Cazuza, 1998).
Introdução
Esta é uma reflexão sobre a educação formal brasileira no que se
refere a três assuntos, aparentemente díspares, mas que estão diretamente relacionados: Educação de Jovens e Adultos, Ensino
Profissionalizante e Ensino Médio. O principal objetivo desse artigo é
refletir acerca das políticas públicas federais no tocante ao Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Para
tal promovo uma discussão historicizando os três assuntos, no contexto
nacional, que são o foco da presente pesquisa.
Para tal, dividi o texto em duas partes: Na primeira apresento um
histórico da modalidade de Educação de Jovens e Adultos no cenário
brasileiro e algumas interfaces com políticas internacionais. Na segunda,
trato da Educação Profissional, o Ensino Médio e o PROEJA. Finalizando, teço algumas considerações pessoais em relação a este conjunto de
idéias.
1
Licenciado em Biologia, Mestre e Doutorando em Educação/UNISINOS. Especialista em
Educação – PROEJA/UFRGS .
2
Dra. em Educação. Professora do Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos. Orientadora do Trabalho de Conclusão de curso do autor deste artigo.
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As influências de políticas internacionais no
cenário nacional
A constituição de 1934 reafirmou a educação como sendo um “direito de todos e dever do Estado” (Haddad e Di Pierro, 2000, p.110),
com o ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória. O
que chama a atenção é “esse ensino deveria ser extensivo aos adultos.
Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era reconhecida e
recebia um tratamento particular” (ibidem). Entretanto, não foi posta
em prática.
Efetivamente, a “primeira iniciativa pública, visando especificamente
ao atendimento do segmento adulto da população, deu-se em 1947, com
o lançamento da Primeira Campanha Nacional de Educação de Adultos,
por iniciativa do Ministro da Educação e Saúde” (Soares, 1996, p.01).
Essa campanha teve a “coordenação do Serviço de Educação de Adultos [e] se estendeu até fins da década de 1950” (Haddad e Di Pierro,
id.). A campanha nacional foi deflagrada quando ocorreu o Primeiro
Congresso Nacional de Educação de Adultos. Nos olhos de hoje, entende-se que “o analfabeto, por sua vez, era visto de maneira preconceituosa,
chegando-se a atribuir a causa da ignorância, da pobreza, da falta de
higiene e da escassa produtividade à sua existência” (Soares, op. cit.,
p.2). Eram considerados motivos de estagnação e do não crescimento
nacional.
Em 1958 ocorreu o II Congresso Nacional de Educação de Adultos no Rio de Janeiro. O espaço promoveu uma nova forma do pensar
pedagógico de adultos. Esse seminário teve como participante o educador Paulo Freire, que assumiu uma grande campanha nacional de alfabetização de adultos.
Em 1963 foi realizada a II Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, na cidade de Montreal. Nessa, “aparecem dois enfoques
distintos: a educação de adultos concebida como uma continuação da educação formal, como educação permanente, e, de outro lado, a educação
de base ou comunitária (Gadotti, 1995, p. 30). A educação de base era
muito difundida no Brasil nesse período da história.
Com o golpe militar, em 1964, todas as iniciativas de educação
popular e educação de base foram suprimidas. O governo federal criou
a Cruzada da Ação Básica Cristã – ABC – e, no final da década, o
Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. Esse último tinha
como finalidade alfabetizar a população das periferias urbanas e a rural.
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Tinha financiamento próprio, não necessitando de verbas governamentais (Haddad e Di Pierro, op. cit., p. 114).
No início da década de 1970, houve a promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº5.692/71. Em se tratando da
legislação nacional, observo que foi a primeira vez que há incentivo para
adultos além da alfabetização. A partir da LDB as oito séries do ensino
fundamental foram privilegiadas. Instituiu, também, os exames supletivos, obrigando estados federados a promover um exame anual a fim de
certificar o ensino fundamental e o médio com idades mínimas de 18 e
21 anos respectivamente.
No ano de 1985 o MOBRAL foi substituído pela Fundação Nacional
para Educação de Jovens e Adultos – EDUCAR, que tinha como principais metas fortalecer os estados federados e os municípios a fim de que
assumissem sozinhos o supletivo de primeiro e segundo graus.
A Organização das Nações Unidas declarou 1990 como o Ano
Internacional da Alfabetização e promoveu um encontro mundial, a
Conferência de “Educação para Todos – Education For All”, em
Jomtien, na Tailândia. “Os 155 governos que subscreveram a declaração ali aprovada comprometeram-se a assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos” (Shiroma et all, 2002,
p.56-57).
A partir dessa conferência houve uma articulação em todo o território brasileiro, com seminários promovidos pelo governo federal e realizados nas universidades e em algumas Organizações Não-Governamentais
com histórico de militância na Educação Popular. Apesar desse quadro,
a Fundação EDUCAR3 foi extinta. O Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania – PNAC – foi apenas uma promessa governamental.
Após turbulências políticas, assume o cargo de presidente da república
Itamar Franco, extinguindo o PNAC. Antes de passar o cargo para o
próximo presidente eleito, fixou metas através do Plano Decenal de Educação a fim de promover oportunidades de acesso e progressão no ensino fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens e
adultos pouco escolarizados (Haddad e Di Pierro, op. cit.).
3
A Fundação Educar “passou a fazer parte do Ministério da Educação. A Fundação, ao
contrário do Mobral que desenvolvia ações diretas de alfabetização, exercia a supervisão e o
acompanhamento junto às instituições e secretarias que recebiam os recursos transferidos
para execução de seus programas. Essa política teve curta duração, pois em 1990 – Ano
Internacional da Alfabetização – em lugar de se tomar a alfabetização como prioridade, o
governo Collor extinguiu a Fundação Educar, não criando nenhuma outra que assumisse suas
funções. Tem-se, a partir de então, a ausência do Governo federal como articulador nacional
e indutor de uma política de alfabetização de jovens e adultos no Brasil” (Soares, 2003).
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No Congresso Federal houve vários movimentos para promover a reforma da educação, mas foi no primeiro mandato do governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994–1998), que as reformas efetivamente ocorreram.
Após muitos debates, há a promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394, em 1996. Para os propósitos
dessa reflexão, é importante considerar que em relação ao ensino de
adultos houve mudanças consideráveis. O que se denominava Ensino
Supletivo, passou a categoria de Modalidade: a modalidade de Educação
de Jovens e Adultos. Nesse sentido, conforme já fiz referência em estudo anterior, a metodologia é “diferenciada daquela modalidade ofertada
pelas escolas até antes da promulgação da LDBEN/96” (Siqueira, 2006,
p.62), que se valorizava apenas o saber escolar em detrimento do saber
do estudante, o dito saber popular.
A partir dessa nova lei, surge um período que se pode considerar
fértil para a legislação educacional. Houve a criação de vários movimentos e programas a fim de minimizar o problema do elevado índice de analfabetismo no país. Dentre eles o Programa de Alfabetização Solidária –
PAS – foi idealizado pelo Ministério da Educação e coordenado pelo Conselho da Comunidade Solidária, vinculado à Presidência da República. O
método usado foi o de alfabetização em cinco meses, preferencialmente
aos jovens. Ao mesmo tempo, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA – criado em 1997 e operacionalizado no ano
seguinte, foi o responsável por uma proposta de política pública de educação de jovens e adultos no meio rural.
Já o Plano Nacional de Formação do Trabalhador – PLANFOR –
coordenado pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho, financiado pelo Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, incentivou iniciativas articuladas com a escolarização
de trabalhadores jovens e adultos do campo e da cidade, bem como
cursos em habilidades básicas.
Além disso, ainda em 1997, iniciam discussões a fim de ser elaborado o Plano Nacional de Educação – PNE. Entretanto, a década chega ao
final e o mesmo não é votado pelo Congresso Nacional. No âmbito internacional, ocorre a “V Conferência Internacional sobre a Educação de
Adultos” – V CONFITEA – em Hamburgo, Alemanha. Este evento foi
promovido pela UNESCO, com apoio das instituições do Sistema Nações
Unidas, União Européia, OCDE e do Banco Mundial. Suas declarações
valorizam o direito à educação de adultos, sendo a “chave para o século
XXI” (Declaração de Hamburgo, 1999, p. 19).
Outra Conferência Mundial de Educação ocorreu em Dakar, Senegal,
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no ano de 2000. Teve como finalidade, além da avaliação dos dez anos
anteriores, apontar medidas educativas para os próximos 15 anos, ou seja,
até 2015. Como metas para a Educação de Jovens e Adultos, o documento de Dakar reza que os governos devem4 “assegurar que as necessidades
de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso
eqüitativo à aprendizagem apropriada e às habilidades para a vida”.
Para que o Brasil se adequasse às exigências das agências internacionais, responsáveis por empréstimos vultuosos à nação, colocou em
prática o Plano Nacional de Educação – PNE, cujas discussões iniciaram-se em 1997, sendo sancionado em janeiro de 2001. Contribuem para
essa discussão as análises de Redin e Moraes (op cit) acerca da idéia
central do PNE o qual, segundo os autores, “baseia na necessidade de
superar a desigualdade e a exclusão que caracterizam a nossa sociedade” (p.41-42). Tais idéias já haviam sido apontadas nas discussões em
Jomtien, contudo não foram postas em prática.
Acerca da Educação de Jovens e Adultos, o documento aponta três
grandes desafios, os quais estão em sintonia com as Declarações “Educação para Todos” e de “Hamburgo” que são: a “erradicação do analfabetismo”, o “treinamento de imensos contingentes de jovens e adultos para
inserção imediata no trabalho” e a criação de “oportunidades de educação
ao longo da vida, ou educação permanente” (Dakar, 2000).
Adentrando o século XXI, em 2003, no primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003–2006), o Ministério da Educação
“elege como uma de suas prioridades a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação – FUNDEB – que engloba todos os níveis da
educação básica” (Ação Educativa, 2005, p.23-24). Esse fundo pretende diminuir a diferença entre os níveis de educação – Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Médio – e tem como principal objetivo erradicar o
analfabetismo em dez anos5.
Legislação educacional brasileira após LDBEN/
96 e o PROEJA
Como já se viu na seção anterior, a década de 1990, propriamente
após a promulgação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
4
O termo “devem” é uma imposição orçamentária. Quem cumprir, recebe os volumosos
empréstimos.
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nº 9.394/96, foi um período de muitas mudanças legislativas no campo
educacional, bem como no ensino médio e na educação profissionalizante.
No ano seguinte, em 1997, o Decreto 2.208 regulamentou o parágrafo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da LDB, estabelecendo o nível
básico, o técnico e o tecnológico para a educação profissional. Em outras
palavras, esse decreto corrobora a separação por completo o Ensino Técnico do Ensino Médio, estabelecido pela LDB. Esta grande reforma teve
como os maiores defensores do “novo modelo educacional” (Porto Jr. e
Amaral, 2006, p.9), a iniciativa privada, os partidos políticos ligados ao
governo federal e uma parte dos dirigentes e dos ex-dirigentes das instituições de ensino que haviam sido responsáveis pela implementação do mesmo, sobretudo em escolas de âmbito federal. Cardozo (2006) chama a
atenção “para o fato de que a ênfase na educação geral deve ser vista
com ponderação, para que o ensino técnico não seja suprimido da educação pública e o setor privado acabe assimilando essa modalidade como
possibilidade de lucro” (p.11). Há um sentimento no território nacional de
que possa haver o sucateamento das instituições públicas, sobretudo as
escolas técnicas federais.
A partir de sucessivos debates, emergiu, em 2004, o Decreto 5.154
que “traz uma série de contradições, demonstrando a ausência de uma
política de governo para a Educação Tecnológica” (Ibidem, p.10). Com
esse Decreto “tudo é permitido, inclusive, a continuidade do ensino
concomitante, que já se mostrou ineficaz, aumentando assustadoramente
a evasão escolar nos cursos técnicos” (Ididem, p.12), bem como, re-agrupar, unir o ensino técnico ao médio, como era antes de 1996.
Na prática, há poucas mudanças significativas para o Ensino Médio
e Profissionalizante. Porém, há uma primeira tentativa de integrar a Modalidade de Educação de Jovens e Adultos ao Ensino Profissionalizante,
como se vê no texto do instrumento, em seu Artigo primeiro, inciso I: “formação inicial e continuada de trabalhadores” e no
Art. 3º Os cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, referidos no inciso I do art. 1º, incluídos na capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização, em todos os níveis de escolaridade, poderão ser ofertados segundo itinerários formativos, objetivando
o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social.
§ 1º […].
5
Até o ano de 2006, o Brasil foi regido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Fundamental – FUNDEF – que englobou apenas as oito séries do Ensino Fundamental, estudantes na faixa etária dos sete aos 14 anos de idade.
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§ 2º Os cursos mencionados no caput considerar-se-ão, preferencialmente,
com os cursos de educação de jovens e adultos, objetivando a qualificação
para o trabalho e a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, o qual,
após a conclusão com aproveitamento dos referidos cursos, fará jus a certificados de formação inicial ou continuada para o trabalho. (BRASIL, 2004).
No texto do artigo acima a formação inicial e continuada para trabalhadores/estudantes da educação de jovens e adultos é textualmente
referido como “preferencialmente”, não sendo obrigatório como se verá
nos decretos posteriores. Esse detalhe do decreto, no meu entender, é o
que se apresenta como uma primeira tentativa de conexão dessas duas
modalidades de ensino, ainda que incipiente, sem recursos financeiros ou
incentivos para as instituições que a adotassem.
Um ano depois é promulgado, para aqueles trabalhadores que não
conseguem acompanhar o ensino regular, o Decreto 5.478, em 24 de
junho de 2005, que “institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológicas, o Programa de Integração da Educação Profissional
ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –
PROEJA”. Vem suprir as necessidades de milhares de trabalhadores
que não completaram o ensino médio e que receberão um curso
profissionalizante nos três anos de escolarização, ao mesmo tempo incentiva a formação do educando em menor espaço de tempo.
Entretanto, esse decreto é exclusivo para as instituições federais.
Obriga a oferecer dez por cento de suas vagas ao PROEJA, destinado a
jovens acima de 18 anos e a adultos trabalhadores que já tenham o ensino
fundamental. “Apresenta-se como objetivo desse programa, a ampliação
dos espaços públicos da educação profissional para os adultos e uma estratégia que contribui para a universalização da educação básica”
(CIAVATTA, 2006, p.13). Apesar disso, a autora revela que essas instituições não ficaram satisfeitas com tal decreto e expõe os motivos que levam
os CEFETs a renunciarem o ensino profissionalizante para estudantes da
modalidade de EJA. Segundo ela, são motivos históricos, pois a
transformação dos CEFETs em instituições de ensino superior expressaria, em parte, a rejeição às atividades técnicas, supostamente, subalternas,
que tem uma origem histórica no mundo ocidental e no Brasil, com seus
quatro séculos de escravidão e cinco de dualismo estrutural e discriminação étnica e social ante as atividades manuais (op. cit., p. 14).
Para tentar diminuir o embate político no interior das instituições federais, promoveu-se a criação de grupos de estudos entre professores interes-
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sados em cumprir tal decreto. Inclusive, no âmbito federal, o Ministério da
Educação, sob a coordenação da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica – SETEC – nomeou um grupo constituído por trinta pesquisadores e educadores preocupados com a Educação de Jovens e Adultos e
com a Educação Profissional e Tecnológica. Esse grupo teve a tarefa de
construir um Documento Base para o PROEJA (BRASIL, 2006), apresentando aspectos, concepções e princípios que fundamentam o programa.
Em 13 de julho de 2006 o Sr. Presidente da República assinou o
decreto nº5.840 ampliando o “Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos – PROEJA” para outras instituições. O que diferencia esse do primeiro é que se trata de um programa Nacional, não
afeito apenas às instituições de âmbito federal. Amplia o espectro de
profissionais envolvidos e de estudantes agraciados com esse programa;
e também para o Ensino Fundamental.
Conclusão finais
A epígrafe do texto “Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu
vejo um museu de grandes novidades / O tempo não pára” faz pensar nas situações trazidas para compor essa reflexão histórica da Educação de Jovens e Adultos, do Ensino Médio e da Educação Profissional, uma vez que alguns dos momentos relatados desde o início do século
XX, como as lutas políticas, têm ressonâncias no início do século XXI.
Além disso, entendo que estamos sempre ressignificando o passado.
Olhamos para os acontecimentos históricos com lentes atuais, com os
sentidos do momento e do lugar de onde falamos, a partir de nossas
experiências, de nossas vivências, por esse motivo quando fazemos esse
exercício de voltar ao passado, esse é ímpar, pois os fatos são percebidos com outra intensidade e significado.
Talvez, em meus olhares atuais, a ação do Governo Federal em
criar o PROEJA deveria ter chegado a quase dois séculos atrás, quando
da Proclamação da Independência do Brasil, porém não foi o que ocorreu. Temos a realidade atual. Façamos dela um caminho positivo e acolhedor a fim de que um maior número de cidadãos e cidadãs deste país
re-ingressem à escola e realizem seus sonhos de estudar e contribuamos, cada vez mais com nossas ações enquanto educadores.
O PLANFOR foi uma base, um modelo para o PROEJA, que nasce
a partir de articulações de pesquisadores de todo o país com o intuito de
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promover uma educação profissionalizante para milhões de indivíduos com
o ensino fundamental completo, seja na modalidade de EJA ou no ensino
dito regular. Os estudantes interessados poderão, a partir do cumprimento
do Decreto que cria ao PROEJA e o expande para a Educação Básica,
participar de um curso profissionalizante de qualidade, ofertado pelos Centros Federais de Educação Tecnológica, pelas Escolas Técnicas Federais,
Escolas Agrícolas Federais, bem como em qualquer instituição estadual ou
municipal, espalhados em todo o país que se habilitar a oferecer um ensino
técnico de qualidade. Nas palavras do secretário de Educação Profissional e Tecnológica, órgão vinculado ao Ministério da Educação, apresentando o Proeja no documento base: “O PROEJA é mais que um projeto
educacional. Ele, certamente, será um poderoso instrumento de resgate da
cidadania de toda uma imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema
escolar por problemas encontrados dentro e fora da escola” (BRASIL,
2006, p.03). É o otimismo do governante que transparece em um documento oficial e que contagia os educadores a ele ligados.
No meu entender a inclusão dos estados e dos municípios num
programa criado para os trabalhadores que não estudaram na idade dita
regular e que queiram ou sentem a necessidade de aperfeiçoamento em
seus afazeres laborais, foi uma grande ação do governo federal. Talvez
seja o início do resgate de cinco séculos de exploração da mão-de-obra
não qualificada no território nacional.
Quem ganha com essas ofertas de escolarização são os estudantes que não tiveram oportunidades de freqüentar a escola na idade dita
regular e que podem sair da escola melhor qualificados para o Mercado de Trabalho. Outrossim, quem deve ganhar também são os empresários que terão uma massa de mão de obra mais qualificada sem precisar
investir na formação dos futuros e atuais funcionários.
Alguns estudantes quando ingressam ou reingressam na escola
“nutrem a expectativa da carteira assinada a partir da conclusão do curso na EJA, outros, que estão vivenciando o luto da carteira profissional
assinada, motivam-se a estudar nas classes da EJA, pois pretendem voltar ao mercado formal de trabalho com a conclusão do curso” (Santos,
2005, p. 88). Os estudantes do PROEJA, em princípio, sairão da escola
com uma profissão. Esse é um diferencial em relação à EJA não
profissionalizante. A auto-estima, portanto, tende a elevar-se, além de
ampliarem seu entendimento acerca das experiências relacionadas ao
trabalho. E quem sabe as discussões em sala de aula sejam um bom
espaço e oportunidade para a reflexão acerca das estruturas política,
econômica e social de nosso país.
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Finalizando, cabe desdobrar algumas considerações: que tipo de
alunos o PROEJA se propõe formar? Que concepção de educação profissional deve dar as diretrizes às práticas que agora passam a se concretizar? Talvez o primeiro princípio deva ser o de formar “trabalhadores-cidadãos, como sujeitos em construção, abarcando uma pluralidade
de dimensões formativas: intelectual, sociocultural com recortes de gênero, etnia, classe, ético-política etc. Uma educação que se preocupe
com a racionalidade e a subjetividade, com a história” (Manfredi, 2005).
Em outras palavras, o que enfatizo também é que a educação profissional seja concebida – e exercida – como uma prática social e cultural que
não se limite nem à visão propedêutica (que historicamente acompanhou
o ensino de jovens e adultos) e nem à visão reducionista centrada apenas
no domínio de competências técnicas. Sem dúvida, um grande desafio –
em especial com o Estado assumindo seu papel.
Referências
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educação nacional.
BRASIL. Lei nº9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional.
BRASIL, decreto nº2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2º do art. 36 e
os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional.
BRASIL, Decreto nº5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36
e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.
BRASIL, Decreto nº5.478, de 24 de junho de 2005. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos – PROEJA.
BRASIL, Decreto nº5.840, de 13 de junho de 2006. Institui, no âmbito federal, o
Programa de Integração da Educação Profissional co a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
PROEJA. Documento Base. 2006.
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EJA e a Escola: “alguma coisa está
fora da ordem”
Arthur da Silva Katrein1
Álvaro Moreira Hypolito2
1. Introdução
É lugar comum falar que a educação pública brasileira está em
crise, ainda mais quando se colocam no centro da discussão as políticas de
governos, quase sempre insuficientes para encaminhar o fim desta interminável crise. O incomum é olharmos para nós docentes e fazermos uma
autocrítica reconhecendo que em alguns momentos – mesmo que poucos
– da história da educação brasileira estivemos diante de projetos, nos quais,
com o nosso engajamento e compromisso de educadores, em que pese
todas as condições adversas para o exercício de nosso ofício, poderíamos
dar um novo encaminhamento a esta crise e, por motivos que aqui quero
discutir, não o fizemos.
A escola é parte da sociedade e, por isso, obrigatoriamente envolve
sua comunidade em relações políticas, seja no âmbito interno ou na sua
relação com a sociedade. Independentemente de sua prática, consciente
ou não das teorias pedagógicas que a sustentam, ela influencia e é influenciada pelo conjunto da sociedade.
Neste contexto, encontramos a Educação de Jovens e Adultos (EJA)
que sofre dupla crise, pois além de carregar as mazelas da educação brasileira vê os governos e a gestões escolares colocarem em um primeiro
1
Licenciado em História, professor do Colégio Municipal Pelotense, Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.
2
Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Educação da UFPel, professor da Especialização PROEJA/RS, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor deste artigo.
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plano o ensino regular, focalizando assim o ensino daqueles que na idade
“adequada” irão passar pelo processo de aprendizagem.
Mesmo assim, o processo histórico brasileiro nos legou importantes trabalhos com educação de adultos podendo citar na década de 60,
entre outros exemplos o Movimento de Educação de Base e o Programa
Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura, com a
participação de Paulo Freire.
Em Pelotas, no ano de 1998, o Centro Federal de Educação
Tecnológica, rompendo com sua trajetória e contando com a luta e compromisso de alguns professores, constrói o Ensino Médio Para Adultos
(EMA) com o objetivo de
[...] assegurar a jovens e adultos trabalhadores, excluídos do Sistema
Formal de Educação, uma oportunidade educacional de Ensino Médio e
desenvolver uma experiência pedagógica, tendo como base uma concepção de educação, que forme um cidadão crítico, autônomo e com capacidade de ação social (CEFET,1999, p.04).
Em 2001 a Secretaria Municipal de Educação (Gestão 2001 –
2004) lança o Projeto Piloto de Complementação de 5ª a 8ª série do
ensino fundamental (Projeto Complementação) procurando
[...]oportunizar a todo/a aluno/a jovem trabalhador/a a possibilidade de avanço da escolaridade, de forma diferenciada da modalidade regular, possibilitando condições e/ou tempo necessários para as aprendizagens previstas
nos pareceres que legitimam a EJA no Brasil ( PELOTAS, 2002, p. 02).
Percebe-se claramente que estas duas propostas buscam colocar
as questões que envolvem a EJA no mesmo plano das outras modalidades e níveis que compõem o contexto escolar, resgatando um compromisso há muito assumido pela sociedade brasileira, mas pouco efetivado.
Considero estas duas iniciativas como os mais importantes projetos
implementados pelos organismos públicos na cidade de Pelotas, principalmente pela capacidade de articular diretamente a proposta pedagógica, a prática de sala de aula e o interesse do público alvo.
Por motivos pessoais – sou professor da rede pública municipal –
opto por centrar minha análise no projeto piloto, implementado em algumas escolas do município, reafirmando a pretensão de discutir as relações políticas que, no universo escolar, impedem – mesmo com grande
parte das condições objetivas preenchidas – o seu sucesso.
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Partindo de um breve histórico da EJA – aqui tomo como base o
trabalho feito por Haddad e Di Pierro (2000) – e de uma análise da
gestão escolar, no município de Pelotas, busco em Ball (1994) a concepção de contextos como forma de entender essas relações políticas.
2. Uma prática de gestão escolar
O trabalho de Paro (2001), entre outros, mostra que um ambiente
democrático eleva em muitas vezes a possibilidade do sucesso escolar.
Em Pelotas, já no início da década de oitenta, a partir da mobilização
dos professores, passamos a conviver com a eleição direta para diretores de escola da rede municipal. Ao longo desses anos foram muitas as
versões da lei até chegarmos a atual concepção de gestão que é a idéia
de Equipe Diretiva, ou seja, um colegiado que reúne Direção, Vice-direção e Coordenação Pedagógica. Nota-se, com essa composição, a intenção de descentralizar as decisões, além de incluir um olhar pedagógico na gestão escolar. Ao mesmo tempo, especialmente a partir da implantação do Programa de Descentralização dos Recursos Financeiros
(PARF), a Secretaria Municipal de Educação (SME) propõe à escola a
autonomia na gestão administrativa e financeira.
No entanto, Hypolito e Leite (2006), ao analisar as escolas municipais, identificam três tipos predominantes – A, B e C – e ao caracterizálas escrevem que a escola do tipo A,
apresenta um discurso pedagógico próximo do discurso pedagógico da
SME, que buscou se produzir em uma perspectiva contra-hegemônica,
caracteriza-se por práticas de gestão democráticas; busca a construção de
um projeto político-pedagógico, que articule coerentemente teoria e prática; e apresenta indicadores de sucesso escolar (p.14).
Já, a do tipo B,
apresenta um discurso pedagógico mais tradicional, formalmente próximo
do discurso da SME, característico de muitas escolas, sem necessariamente construir um discurso de oposição às políticas educacionais em andamento; caracteriza-se por práticas de gestão tradicional, em que predomina a lógica da eficiência e da organização; as iniciativas de gestão democrática são tímidas e formais (baseadas na delegação); o projeto políticopedagógico tende a ser resultado de exigências formais, não operando na
prática; há indicadores de um desempenho escolar próximo aos padrões
da rede municipal de ensino (p.14).
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Seguem dizendo que ainda há a escola C, que apresenta as seguintes características:
Um discurso pedagógico aparentemente indefinido; caracterizando-se por
práticas de gestão tradicional, em alguns aspectos autoritária, muito desorganizada e pouco eficiente; o projeto político-pedagógico é bastante
desarticulado; enfrentam situação significativa de fracasso escolar e de
violência (p.14).
Note-se que é nesse ambiente escolar que boa parte dos projetos
de EJA são inseridos e, mesmo que o município de Pelotas defenda a
concepção de equipe diretiva – e essa tenha o caráter colegiado – adotando o processo de eleição direta para sua escolha com a participação
da comunidade escolar, ainda boa parte das escolas apresentam como
característica uma prática de gestão tradicional explicada, em muito, pela
supervalorização da figura do diretor.
Ao observarmos a ascensão de um professor à disputa a um cargo
diretivo podemos perceber que esta supervalorização não acontece ao
acaso, pois boa parte das características que o qualificam, perante aos
colegas, estão relacionadas aos aspectos administrativos, ou seja, a sua
capacidade de fazer a escola “funcionar”.
Já o colegiado, que poderia ser um fórum de discussão, pelo menos
dos membros da equipe diretiva, tentando garantir o debate com a coletividade dos aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros, dá mostra
de carregar os reflexos negativos do processo eleitoral, pois é comum
haver uma centralização das decisões nas mãos do diretor, ficando para
os outros componentes a tarefa de encaminhar aquilo que muitas vezes
é decidido por ele. Quando muito, há os diretores que não se envolvem
com as questões pedagógicas, estabelecendo o controle da escola pela
via administrativa. Também, nestas condições, dificilmente a discussão
pedagógica será valorizada e legitimada pela escola.
Esse personalismo e centralismo fazem com que, na maioria das
vezes, as equipes diretivas, mesmo sendo eleitas pela comunidade, não
entendam que são as legítimas representantes da vontade desta comunidade, e deveriam reafirmar os vínculos políticos com aqueles que os
elegeram, mas não é isso que acontece.
Uma gestão tradicional dificilmente irá propor a construção ou reconstrução do Projeto Político Pedagógico (PPP) numa perspectiva democrática. Pois isso possibilitaria que esta comunidade se apropriasse de
todos os elementos que cercam a sua elaboração. O resultado seria uma
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produção efetivamente coletiva – reflexo do desejo da comunidade – possibilitando que esta se comprometa com ele, interessada na execução das
políticas demandadas, acompanhando o dia-a-dia da escola e passando a
ter uma visão mais ampla, incorporando, de forma articulada, os diversos
elementos que envolvem o ambiente escolar, incluindo nele a Educação de
Jovens e Adultos. O que fatalmente colocaria em xeque o poder da gestão
tradicional.Assim, uma prática de gestão tradicional soma nas dificuldades
encontradas pelos projetos de EJA.
Tomando-se como referência as idéias que embasam o Projeto
Complementação, percebe-se como este tipo de gestão pode dificultar a
implementação de um projeto de EJA, pois, ao centralizar os aspectos
administrativos, essa gestão dificilmente valorizará este trabalho como
algo que “se diferencia por sua proposta curricular que integra as áreas
do conhecimento através de propostas pedagógicas construídas a partir
da realidade dos educandos” (PELOTAS, 2004, p.70) que “utiliza a pesquisa da realidade como metodologia de construção social do conhecimento, valorizando o saber popular e articulando-o ao saber científico”
(PELOTAS, 2004, p.70).
Ora, levando-se em conta o público alvo e a proposta curricular
envolvida no projeto, é necessário avaliar se o grupo de gestão e o corpo
docente atuante reconhecem tal desafio. Os gestores e o professor que
irá trabalhar em tal projeto, necessitam demonstrar que compreendem a
realidade que envolve os alunos da EJA. Mais ainda, precisam incorporar, na sua prática pedagógica, a proposta do projeto, buscando romper
com os elementos que levaram o aluno à exclusão, possibilitando-o completar a escolaridade perdida. O chavão do compromisso é aqui reforçado. Ou, como diz o Documento base do PROEJA, da Secretaria de
educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, quando
aborda os requisitos necessários para enfrentar esse desafio:
Por ser um campo específico de conhecimento, exige a correspondente
formação de professores para atuar nessa esfera. Isso não significa que
um professor que atue na educação básica ou profissional não possa
trabalhar com a modalidade EJA. Todos os professores podem e devem,
mas, para isso, precisam mergulhar no universo de questões que compõem a realidade desse público, investigando seus modos de aprender de
forma geral, para que possam compreender e favorecer essas lógicas de
aprendizagem no ambiente escolar. (...) Dos gestores das instituições espera-se o gerenciamento adequado com acompanhamento sistemático
movido por uma visão global. Dos servidores, em geral, deseja-se que
sejam sensíveis à realidade dos educandos e compreendam as
especificidades da EJA (2006,27).
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No entanto, é preciso salientar o que o próprio trabalho de Hypolito
e Leite (2006) aponta: existe no município de Pelotas um tipo de escola –
Escola A – que “caracteriza-se por práticas de gestão democrática” e
que, diferente das outras que adotam um modelo tradicional de gestão,
“busca a construção de um projeto político-pedagógico, que articule coerentemente teoria e prática” (p.14).
Contudo, é necessário tentar compreender como se dá essa relação entre as políticas de EJA e as escolas e quais medidas podem transformar radicalmente esta realidade.
Partindo do Projeto Complementação, podemos buscar uma análise que leve em conta os contextos que Ball (1994) chama de influência,
da produção da política como texto e dos contextos da prática.
3. A política e seus contextos
O primeiro contexto é o contexto de influência que, segundo
Mainardes (2006),
é onde normalmente as políticas públicas são iniciadas e os discursos
políticos são construídos. É nesse contexto que grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e
do que significa ser educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo.
Assim, quando em dezembro de 2001, a Secretaria Municipal de
Educação de Pelotas elabora o texto do Projeto Complementação e justifica este pelo compromisso do governo da Frente Popular em “trabalhar pela ampliação da escolaridade do/a aluno/a trabalhador/a, garantindo a continuidade dos estudos no Programa de Educação de Jovens e
Adultos” (PELOTAS, 2001, p.02) e também quando afirma que a esta
gestão (2001- 2004) “deu início à busca da realização de um sonho de
transformação social” (PELOTAS, 2004, p.7) estabelece a construção
de uma política que aponta para uma ruptura com o modelo de ensino
existente na medida em que diz ser preciso estabelecer novas relações
de poder, onde a convivência entre as diferenças, o diálogo e a participação tornem a escola uma instituição democrática “permeada pela participação, pela solidariedade e pela esperança” (PELOTAS, 2004, p.7).
Desse modo, dá início a um projeto que pretende reverter o quadro
de desalento da Educação de Jovens e Adultos. Toda esta justificativa não
vem ao acaso. Como retratado no início deste trabalho é sabido que ao
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longo dos anos várias foram às políticas públicas para EJA, mas os textos
produzidos pouco modificaram o quadro apresentado por tal modalidade.
As interações das políticas, sejam globais ou de Estado, ou mesmo
da municipalidade, marcam os projetos como o Complementação, que, a
partir de uma análise conjuntural e da definição dos objetivos representam uma intervenção textual da política da secretaria no terceiro contexto que é o da prática.
Neste contexto, as equipes diretivas também possuem a sua história e uma interpretação própria do projeto.
Sendo assim, por mais que o governo reafirme a sua “busca da
realização de um sonho de transformação social” (PELOTAS, 2004,
p.7) “é crucial reconhecer que as políticas em si mesmas, os textos, não
são, necessariamente, claros ou fechados, ou completos” e que “os autores não conseguem controlar os significados de seus textos” (BALL,
1994, p.16).
Neste contexto, da prática, a política está sujeita às interpretações, a
ser refeita e produzir efeitos e conseqüências que podem alterá-la significativamente. Ou seja, uma política estabelecida pela secretaria ao ser encaminhada na escola pela equipe diretiva, passará a ser influenciada também pela visão administrativa e pedagógica que a equipe diretiva possui.
Embora seja óbvio, parece-me que nem todos os docentes atuam
com essas convicções. Trabalho com turmas do primeiro ano do ensino
médio e a cada ano recebo os alunos egressos do Projeto
Complementação. Em conversas com eles percebi o sentimento que
carregam quando falam das opiniões de alguns professores que atuam
no projeto. Dizem que não é raro docentes questionarem a validade deste, alegando principalmente a defasagem do conteúdo trabalho. Desconhecendo as premissas do projeto, embasam suas críticas numa visão
conteudista em que a quantidade de conteúdos repassados aos alunos é
o referencial de qualidade. Alegando a provável progressão às séries
posteriores, dizem aos alunos que eles terão enormes dificuldades de
aprendizagem no ensino médio, pois faltará “a base” para isto.Não foi
surpresa para mim, observar que a freqüência das críticas é maior entre
os professores das Ciências Exatas.
No diálogo com colegas também ouço seguidamente que os alunos do Complementação não sabem “ler direito”, apresentam uma enorme dificuldade para compreender os temas trabalhados, têm dificuldade
de raciocínio e principalmente escrevem muito mal. Complementam dizendo que a proposta do projeto acaba se materializando num ensino de
segunda categoria.
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4. Conclusão
Ao longo deste texto procurei discutir o que há nas relações políticas que permeiam a escola que fazem com que alguns projetos, legitimamente construídos, pareçam ruínas?
Para responder esta questão optei pelo estudo dos contextos de
Ball (1994) que são o de influência, da produção da política como texto e
o da prática. Mas, antes de reafirmá-los, gostaria de trazer um elemento
que julgo extremamente importante, mas que aqui não foi objeto de minha investigação.
Como disse anteriormente, um ambiente democrático eleva em
muitas vezes a possibilidade do sucesso escolar. Neste sentido, Gadotti
acrescenta dizendo que,
“as escolas até hoje não descobriram ou não utilizaram todo seu potencial
de mobilização social e sua capacidade criadora. Falta-lhes talvez uma
dose de rebeldia, essencial ao ato pedagógico, para se transformarem em
escolas radicalmente democráticas” (GADOTTI, 2003, p.2).
Portanto, a equipe diretiva, que vai desempenhar um papel
fundamental na gestão da escola e dos seus projetos, principalmente
na tarefa de traduzir as políticas e garantir suas realizações, e os
docentes, que são os sujeitos que vão concretizar essas políticas nas
práticas escolares, ou seja, nos campos recontextualizadores, são
determinantes para o sucesso de qualquer experiência e projeto de
inovação no campo educacional. Por isso que o sucesso ou não do
projeto Complementação decorre diretamente das definições de quem
vai executar e desenvolver o projeto na escola. Por fim, concordo
com Gadotti quando diz que toda grande caminhada começa pelo
primeiro passo e que o primeiro passo é acreditar na Educação de
Jovens e Adultos.
A partir do DECRETO Nº 5.840, de 13 de julho de 2006, que
institui o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos – PROEJA, começa uma nova caminhada e acredito que a
pesquisa sobre as experiências anteriores podem contribuir
decisivamente para a superação dos problemas crônicos que marcam
a Educação de Jovens e Adultos.
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Referências
BALL, Stephen J. What is policy? Texts, trajectories and toolboxes. (cap.II) In:
Education Reform: a critical and post-structural approach. Great Britain, Open
University, 1994 (p.14-27) traduzido por Joice Elias em agosto de 2006
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa de Integração da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade
de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Documento Base. Brasília: MEC,
2006.
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: 5 de outubro 1988.
BRASIL. Decreto n. 5.840. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências.
CONGRESSO NACIONAL. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: 20 de dezembro de 1996.
CEFET-RS. Uma Proposta De Ensino Médio Para Adultos, Pelotas, 1999.
GADOTTI, Moacir. A Gestão Democrática Na Escola Para Jovens E Adultos:
Idéias para tornar a escola pública uma escola de EJA. São Paulo, 2003. Disponível
em
http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti/Artigos/Portugues/
Educacao_Popular_e_EJA/Gestao_democ_EJA_2003.pdf Avaliado em 11/jul/2007.
HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de Jovens e Adultos.
In: Revista Brasileira de Educação, Maio/Jun/Jul/Ago, 2000, nº 14: ANPED. 2000.
HYPOLITO, Álvaro Moreira; LEITE, Maria Cecília Lorea. Contextos, Articulação e Recontextualização: uma construção metodológica. In: 29a. Reunião Anual da ANPEd, Caxambú. EDUCAÇÃO, CULTURA E CONHECIMENTO NA
CONTEMPORANEIDADE: Desafios e Compromissos. Rio de Janeiro : ANPEd,
2006.
MAINARDES, Jeferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição
para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade., Campinas,
vol.27, n.94, p.47-69, jan./abr.2006. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/
v27n94/a03v27n94.pdf Avaliado em 11/Jul./2007.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo, Ática,
2001.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Secretaria Municipal de Educação.
Projeto Piloto de Complementação de 5ª à 8ª Séries do Ensino Fundamental.
Pelotas: Dez.2001
PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Secretaria Municipal de Educação.
Revista Fazer – Qualidade Social na Educação – publicada em dezembro de
2004
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EDUCAÇÃO: PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIO
DA CIDADANIA
Paulo Roberto Sangoi1
Elizabeth Milititsky Aguiar2
1. Introdução
O grande contingente de analfabetos existente em nosso país é
fruto, e simultaneamente evidência, do desrespeito dos governantes e
dos grupos sociais dominantes, aos princípios Constitucionais e às leis
aprovadas que visam dar garantias fundamentais aos indivíduos.
O analfabetismo é a única evidência do desrespeito aos princípios
constitucionais relativos à Educação? Ou, é, também pelo desconhecimento dos direitos, por parte da grande maioria dos cidadãos, mesmo
alfabetizados que estes direitos não são garantidos?
Portanto, em um país com tantas desigualdades sociais e diferenças
culturais, o que é possível ao cidadão fazer, para que tenha seu direito
respaldado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho?
2. Acesso a educação: um direito constitucional
Pensar sobre educação de crianças, jovens e adultos é, necessariamente, pensar no direito que todo o ser humano tem à educação.
1
Advogado e Professor da área de direito da Escola Técnica da UFRGS. Especialista em
Direito Empresarial. E mail:[email protected]
2
Professora Dra. da Escola Escola Técnica da UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão
de Curso do autor.
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Conforme o Parecer 11/2000 do Conselho Nacional de Educação:
Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler
e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um
indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita... Assim
não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso
do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de
escrita que a sociedade faz continuamente (Magda Becker Soares,1998:
p. 18-20).
A declaração do Direito à Educação aparece no artigo 6º da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, [...] na forma desta
Constituição”, na qual pela primeira vez em nossa história Constitucional
explicita-se a declaração dos Direitos Sociais, destacando-se, com primazia, a Educação.
O Direito à Educação faz parte de um conjunto de direitos denominados de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdade
entre as pessoas. No Brasil este direito foi reconhecido com o advento
da Constituição Federal promulgada em 1988, eis que, anteriormente, o
Estado não tinha a obrigação formal de garantir a Educação de qualidade a todos os brasileiros, pois o ensino público era tratado como uma
assistência, um amparo dado àqueles cidadãos que não podiam arcar
com os custos de uma Educação.
Com as discussões travadas durante a Constituinte de 1988, as
responsabilidades do Estado foram repensadas, sendo que, promover a
Educação Fundamental, passou a ser seu dever, como ficou definido no
artigo 205 da Constituição Federal.
A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que
toda e qualquer Educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Conforme parecer CNE/CEB 11/200, retomado pelo art. 2º da
LDB, este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos
como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação
de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em
prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética
entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem
de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do
Estado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de
lutas sociais.
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O artigo 208 da CF detalha o Direito à Educação nos seguintes
termos:
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que
a ele não tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequada às condições do
educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
A inovação que o texto Constitucional apresenta está no inciso I,
ao relegar ao Estado o dever de estender o ensino mesmo aos que “a
ele não tiveram acesso na idade própria”. Já no inciso II, busca-se
um aspecto importante do texto de 1934, que aponta a perspectiva de
“progressiva extensão da gratuidade e obrigatoriedade do ensino
médio”. De acordo com Romualdo Portela de Oliveira (1998), este
dispositivo reequacionou o debate sobre esse nível de ensino para além
da polaridade ensino propedêutico x profissional. A idéia era ampliar o
período de gratuidade/obrigatoriedade, tornando-o parte do Direito à
Educação. É a tendência mundial, decorrente do aumento dos requisitos formais de escolarização para um processo produtivo crescentemente
automatizado. Praticamente todos os países desenvolvidos
universalizaram o ensino médio ou estão em via de fazê-lo.
Em 1996, através da Emenda Constitucional n° 14, ocorreu a alteração da redação do inciso II deste artigo para “progressiva
universalização do ensino médio gratuito3”. Esta redação, apesar de
tornar menos efetivo o compromisso do Estado na incorporação futura
deste nível de ensino à educação compulsória, garantiu a educação básica para todos e não apenas para crianças, ou seja, trata-se de um direito
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constitucional, podendo qualquer indivíduo garantir o acesso através de
mecanismos legais, desde que queira se valer dele. Portanto o titular
deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha
tido acesso à escolaridade obrigatória.
2.1 Educação: direito público subjetivo
Pontes de Miranda (1933), nos seus comentários à Constituição
Federal de 1946, afirmou: “Quanto à estrutura do Direito à Educação, no estado de fins múltiplos, ou ele é um direito público subjetivo, ou é ilusório” (1953, p. 151). Entretanto, é necessário antes de
tudo, entendermos que o direito público subjetivo consiste na faculdade
específica de exigir a prestação prometida pelo Estado, decorrente da
relação jurídica administrativa. A obrigação do sujeito passivo decorre
ou das leis e regulamentos ou de ato jurídico individual porque, em ambos
os casos, foi editada regra de direito que originou a obrigação. Portanto,
o direito público subjetivo confere ao indivíduo a possibilidade de transformar a norma geral e abstrata contida num determinado ordenamento
jurídico em algo que possua como próprio. Inquestionavelmente, o direito
público subjetivo trata-se de um instrumento jurídico de controle do Estado e seus governantes, através do qual, o titular de um direito pode vir a
acionar o Poder Público para ver cumprida uma obrigação legal. Neste
sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal em acórdão de relatoria do
Min. Celso de Mello:
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento
formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o
direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o
poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações
positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. (STF agrg nº
273834 Min CELSO DE MELLO).
3
Art. 2º - É dada nova redação aos incisos I e II do art. 208 da Constituição Federal:
I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
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Já o educador Anísio Teixeira, argumentava:
“O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não
é um processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo
de trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é um
direito é o reconhecimento formal e expresso de que a educação é um interesse público a ser promovido pela lei (TEIXEIRA.1996 p.60).
No caso do direito subjetivo à educação, tendo como paradigma os
artigos 205, 208 e 209 da Constituição Federal, a decisão, também, pertence a nós, ou melhor, dividindo responsabilidade social com o poder
público, família, instituição de ensino e da sociedade na garantia ao direito à educação.
2.2 Direito à educação - direito social
fundamental
O direito à educação, como direito subjetivo público, é um direito
social fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF)4, com três objetivos definidos
na Constituição Federal, que estão diretamente relacionados com os fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF):
a) pleno desenvolvimento da pessoa;
b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania;
c) qualificação da pessoa para o trabalho.
Na leitura de Nelson Joaquim (2006):
o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito é um direito subjetivo; por outro lado, é um dever jurídico do Estado oferecer o referido
ensino, caso contrário, ou seja, o não-oferecimento ou sua oferta irregular
importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º da CF;
art. 5º § 4º da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA).
4
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição;
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
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Nas palavras de Sérgio Haddad (2003), conceber a Educação como
Direito Humano diz respeito a considerar o ser humano na sua vocação
ontológica de querer “ser mais”, diferentemente dos outros seres vivos,
buscando superar sua condição de existência no mundo. Para tanto, utiliza-se do seu trabalho, transforma a natureza, convive em sociedade.
Ao exercitar sua vocação, o ser humano faz História, muda o mundo,
por estar presente no mundo de uma maneira permanente e ativa. A
educação é um elemento fundamental para a realização dessa vocação
humana. Não apenas a educação escolar, mas a educação no seu sentido amplo, a educação pensada num sistema geral, que implica na educação escolar, mas que não se basta nela, porque o processo educativo
começa com o nascimento e termina apenas no momento da morte do
ser humano. Isto pode ocorrer no âmbito familiar, na sua comunidade, no
trabalho, junto com seus amigos, nas igrejas etc. Os processos educativos
permeiam a vida das pessoas.
O preparo para o exercício da cidadania é papel fundamental da
educação. A efetiva proteção dos direitos sociais fundamentais exige,
assim, um processo educacional sério, que desperte, nas gerações presentes e futuras, a consciência de participação na sociedade e crie um
mínimo senso político nos indivíduos que a compõem. Assim, o indivíduo
ao pleitear o direito á educação, estará exercitando a cidadania.
2.3.1 Conhecendo a legislação complementar
Pelo sistema jurídico brasileiro, a principal fonte do direito é a lei. A
palavra lei pode significar tanto norma geral emanada do Poder Legislativo
como qualquer norma de direito escrito, desde a Constituição até um decreto regulamentar ou mesmo decreto individualizado. O Direito à educação possui inúmeras legislações no sentido amplo: decretos, portarias, regulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres normativos dos conselhos de educação, tratados e convenções internacionais. No entanto norma
primeira e fundamental do Direito Educacional brasileiro está na Constituição federal. Trata-se do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo III, intitulado
“Da Educação, da Cultura e do Desporto”, com uma soma de dez
artigos dedicados à educação (art. 205 a 214), com os princípios do Direito
Educacional.
Com a promulgação da Constituição em 1988, através da qual instituiu-se o princípio pelo qual o direito a educação a educação básica é
direito público subjetivo, foram criadas leis que regulamentam e
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complementam o direito à Educação: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
de 1996. Juntos, estes mecanismos legais inserem todos os brasileiros
nas escolas públicas de ensino fundamental, eis que nenhuma criança,
jovem ou adulto pode deixar de estudar por falta de vaga.
Com uma linguagem mais detalhada, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação – LDB (Lei Federal 9394/96) regulamentou os dispositivos
constitucionais referentes à educação, com uma peculiar diferença: o
ensino fundamental para jovens e adultos foi aqui garantido como um
direito público subjetivo, conforme pode ser conferido nos “Princípios e
Fins” da LDB, nos artigos 4º, inc. I, e 5º:
Dessa forma, a LDB fortaleceu a EJA, trazendo uma garantia a
mais para a sua efetivação ao prevê-la como um direito público subjetivo. Apesar de não ter sido regulamentada desta forma no texto constitucional, esta garantia não lhe pode ser negada, sob pena de retrocesso
social, infringindo o artigo 5º, inciso II do Pacto Internacional do Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
A Educação de Jovens e Adultos foi melhor regulamentada na Seção V do Capítulo II, Educação Básica, da LDB, sendo determinado aos
sistemas de ensino assegurar cursos e exames que proporcionem oportunidades educacionais apropriadas aos interesses, condições de vida e
trabalho dos jovens e adultos.
O artigo 37, § 2º5 intensificou o respaldo à educação do trabalhador
ao estabelecer que “o acesso e a permanência dos trabalhadores na
escola sejam viabilizados e estimulados por ações integradas dos poderes públicos”. Se, por um lado, esta disposição tem a sua pertinência
dada à presunção da hipossuficiência do trabalhador frente ao empregador, ou seja, o empregado é considerado a parte mais frágil da relação e,
este parágrafo, fortalece seu direito; por outro lado fragmenta a noção
de universalidade ao aproximar a EJA do trabalho, reforçando a visão
mercadológica do ensino e fragilizando sua abordagem como um princípio da dignidade humana, conforme estabelecido na Declaração Universal de 1948.
Além das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), que já relacionamos anteri5
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na
escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
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ormente, dentre as muitas leis que fluem da Constituição de 1988 em
direção ao ordenamento jurídico-educacional, podemos destacar:
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de
1990); Conselho Nacional de Educação (Lei nº 9.131, de 24 de novembro de
1995); Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
de Valorização do Magistério (Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996); Decreto 3274/99; Anuidades Escolares (Lei nº 9.870, de 23 de novembro de
1999); Direito Ambiental (Lei nº 9.797, de 27 de abril de 1999); Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de nove de janeiro de 2001); “Bolsa Escola”
(Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001); Decreto nº 3.860, de 9 de julho de
2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e avaliação de
cursos e instituições; Programa de Diversidade na Universidade (Lei 10.558,
de 13 de novembro de 2002); LEI N° 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003,
que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira: Programa de Complementação ao Atendimento
Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº
10.845, de cinco de março de 2004), Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Lei 10.861, de 14 de abril de 2004); PROUNI (Lei 11.096,
de 13 de janeiro de 2005). Também devemos mencionar a educação a distância (EAD) nos termos do art. 80 da LDB, cujos regulamentos estão
disciplinados nos Dec. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, Dec. 256, de 27 de
abril de 1998, Portaria Ministerial 301, de 7de abril de 1998 e Portaria 2.253,
de 18 de outubro de 2001.8.
Por fim, consagração do direito à Educação tem sido constantemente lembrada nas declarações, tratados, convenções, cartas de princípios, compromissos, protocolos e acordos internacionais, que buscam
a internacionalização do direito à educação. Esta tem como paradigma
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas,
em 1948.
Considerações finais
Tradicionalmente, o Direito preocupou-se com a defesa tanto dos
interesses do Estado como dos indivíduos exigindo que, de regra, fosse
ela exercitada pelos próprios lesados. Tal situação, inevitavelmente, facilitou que os Gestores Públicos e grupos econômicos fortes praticassem
reiteradas ações contrárias às normas constitucionais e
infraconstitucionais, aproveitando-se do congestionamento e morosida-
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de do Poder Judiciário brasileiro, o que desestimula o cidadão de buscar
seus direitos.
Com o advento da Lei da Ação Civil Pública6, cuidou-se de instituir regras especiais para a defesa de interesses de grupos de pessoas,
especialmente no tocante à legitimação para agir, coisa julgada e fundo
para reparação dos danos.
O acesso à Educação, como direito social fundamental (art. 6º c/c
art. 205 CF), igualmente teve sua defesa facilitada, tanto individual como
coletivamente. Assim, conhecer os princípios e regras da defesa de interesses transindividuais, passou a ser fundamental aos operadores do direito e à sociedade civil em geral.
Uma vez reconhecido pela Constituição Federal de que a Educação é um direito fundamental do cidadão e que cabe ao Estado supri-la,
torna-se necessário fazer valer, no cotidiano das crianças, adolescentes,
jovens e adultos esse direito. Mas somente através da Educação e do
efetivo desenvolvimento da cidadania, que o indivíduo passa a reconhecer e identificar conflitos e violações de direitos. No caso de desrespeito
a qualquer de seus direitos, o cidadão deverá acionar a autoridade competente, mas para isso é necessário não apenas o conhecimento legal,
mas também conhecer os mecanismos, órgãos e autoridades responsáveis pela fiscalização, controle e investidas de poderes para acionar e
julgar as questões relativas aos direitos negados. Para isso o cidadão
brasileiro dispõe de várias instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, além inúmeros serviço de assistência jurídica gratuita oferecido
pelas faculdades de direito e redes de assistência social, mantidas pelas
instâncias municipais, estaduais e federal, além das tradicionais organizações confessionais.
Portanto, é crucial que toda pessoa conheça os seus direitos e a
quem recorrer quando estes forem violados. Observa-se no cotidiano,
pouca divulgação institucional sobre direitos e garantias dos cidadãos e
isso também ocorre nas instituições de ensino, nas quais os educadores,
em grande parte pelo desconhecimento de seus próprios direitos, não
focam em suas aulas, estas questões tão relevantes para a construção
da cidadania. O conhecimento dar-se-á através da implantação de disciplinas de Introdução ao Direito nos currículos escolares (como alguns
estados já estão propondo) ou da inclusão de temas que contribuam para
a cidadania, pois, se desde criança o indivíduo passasse a reconhecer e
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Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985
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identificar seus direitos civis, quando adulto teria como exigir, de forma
mais efetiva e organizada, o respeito às normas existentes. Cabe salientar que, igualmente como a educação ambiental, tais lições de cidadania,
também podem ser incluídas como atividades ou programas organizados
fora do sistema regular de ensino (educação não-formal), pois desta forma os docentes poderiam utilizar destas atividades, além de suas disciplinas, para mostrar aos alunos seus direitos civis.
Outro instrumento importante na luta pelos direitos coletivos e individuais, é a informação, ou seja, tornar público através dos órgãos de
imprensa, as violações ocorridas, seja por parte do gestor público ou
seus de seus prepostos. A publicidade é fator predominante nas ações
dos agentes públicos, tais como o Ministério Público e Poder Judiciário.
Ela poderá ser utilizada como fonte de informação para que os atores da
rede de atendimento possam exercer sua função de grupo de pressão,
especial-mente utilizando-se de entidades organizadas.
Igualmente importante é a organização, através de associações de
pais, amigos, de bairros e tantas outras, pois estes movimentos coletivos
tem se tornado uma grande arma na luta pelo respeito aos direitos constitucionais, pois é fundamental que haja a implementação de ações dentro e fora das escolas, com o intuito de divulgar os direitos civis, em
especial o direito a garantia da Educação Básica para todos, eis que se
trata de um direito constitucional, podendo os interessados garantir o
acesso à Educação através de mecanismos legais, desde que queiram se
valer dele.
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IMPLANTAÇÃO LOCAL DE POLÍTICAS
EDUCACIONAIS: as diferenças entre
a legislação e as políticas de
governo
Maria das Graças Barbosa da Silva 1
Leomar da Costa Eslabão 2
Maria Antonieta Dall’Igna 3
Introdução
As análises sobre implantação de políticas educacionais vêm mostrando que nem sempre o texto legal é um fator primordial na implantação
de programas educacionais locais e em práticas de sala de aula. Na maioria das vezes as indicações normativas e mesmo a legislação são
recontextualizadas ou até mesmo desconsideradas quando da construção
local de políticas e programas educacionais, as quais se materializam nas
construções curriculares, orientadoras das práticas educacionais. (LOPES,
2005). Seguindo esta linha analítica, neste trabalho faz-se um estudo de
caso, que tem como foco a implantação de um projeto de educação de
jovens e adultos, associado à formação profissional, nas escolas municipais de Pelotas/RS, no período 2001-2004.
Este trabalho se fundamenta na análise de documentação oficial da
Secretaria Municipal de Educação de Pelotas/RS - referente ao projeto
1
Graduada em História pela Universidade Católica de Pelotas, professora da rede municipal
de ensino da cidade de Pelotas/RS, professora de rede de ensino do Estado do Rio Grande do
Sul, assessora do Conselho Municipal de Educação da cidade de Pelotas/RS.
2
Professor do CEFET-RS, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso, do qual originouse este texto.
3
Professora da UFPEL, co-orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna, do qual
originou-se este texto
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em foco, de atas de reuniões e de Pareceres normativos do Conselho
Municipal de Educação e no depoimento de uma professora que participou da elaboração e desenvolvimento do primeiro projeto em uma escola
da rede municipal de Pelotas/RS e que também era integrante do Conselho Municipal de Educação. Para mostrar a possibilidade de diferentes
interpretações dos textos legais e normativos, recorre-se ao estudo de
caso da implantação do Projeto Complementação de 5° a 8ª séries, também denominado Classes da Aceleração, no município de Pelotas/RS.
As altas taxas de repetência e evasão vêm se secularizando no
sistema educacional brasileiro. Os estudos e pesquisas têm demonstrado
a ineficácia de um ensino baseado nos padrões tradicionais, sem contemplar as diferenças sociais e culturais dos alunos. Apesar da extensa
divulgação da produção acadêmica, dos dados estatísticos e dos programas oficiais para romper com a tradição excludente da educação nacional, não conseguimos desenvolver políticas e propostas pedagógicas que
alcancem sucesso em modificar o quadro da exclusão no sistema educacional brasileiro, que continua produzindo jovens e adultos sem ou com
baixa escolarização, que são os potenciais sujeitos de políticas e programas de Educação de Jovens e Adultos.
A educação de adultos, de acordo com a Declaração de Hambur4
go é
“...mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto conseqüência
do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na
sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça da igualdade
entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de
ser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a
violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.”
Muitas são as teorias, investigações e metodologias de ação para
pontuar conceitos e destacar a importância da Educação de Jovens e
Adultos. Os paradigmas vigentes em determinado momento histórico, ou
mais propriamente os valores que os suscitaram, estão na base de todas
as ações humanas, sendo inevitável reconhecer-se sua importância para
a práxis educativa. Embora não seja tão fácil percebê-los, pois nem sempre
se encontram claramente tematizados. Entretanto, desde o nascimento,
4
A Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA) é convocada pela
UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Ocorreu
em 1949 (Elsinore, na Dinamarca), em 1960 (Montreal, no Canadá), em 1972 (Tóquio, no
Japão), em 1985 (Paris, na França) e em 1997 (Hamburgo, na Alemanha).
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o ser humano encontra-se envolto numa rede de valores herdados, porque o mundo cultural é um sistema de significados estabelecidos por
outros. Inúmeros são os valores: econômicos, vitais, éticos, estéticos,
religiosos, lógicos, cobrindo todas as áreas a ação humana, de onde se
conclui que é impossível viver sem eles.
Isto significa que embora abstratos e amplos, valores tais como os
da cidadania não causam indiferença, ao contrário são amplamente desejados pois não escapa a percepção de ninguém os benefícios que confere-se a quem pode efetivamente se dizer cidadão. O cidadão é valorado
de forma diferente ao longo da história, ou seja, um mesmo conceito
difere, quando diferem as bases axiológicas que o norteiam.
Nas últimas décadas no Brasil, o direito à cidadania passou a fazer
parte do discurso legislativo. Pela Constituição de 1988, a educação passa a ser um direito subjetivo de todos, dever do Estado e da família. Ela
visa o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício
da cidadania e a qualificação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais, as
Diretrizes Curriculares Nacionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso enfatizam que o ensino deve ser ministrado
levando em conta primeiramente a preparação para a cidadania.
A educação cidadã é hoje uma prioridade reivindicada no mundo
inteiro. Diferentes países, de acordo com suas características históricas,
promovem reformas em seus sistemas educacionais, com finalidade de
torná-los mais eficientes e eqüitativos no preparo de sua cidadania, capazes de enfrentar a revolução tecnológica que está ocorrendo no processo produtivo e seus desdobramentos políticos, sociais e éticos. Num
mundo globalizado como o que se vive, atualmente, os tratados e convenções internacionais têm suma importância na elaboração das leis que
regulam os direitos humanos, encontrando-se as leis educacionais neste
campo (SOUZA, 2000).
A EJA vai ao encontro da necessidade de cerca de 40 milhões de
jovens e adultos brasileiros sem formação, sujeitos marginais do sistema,
tais como, negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais, necessitados de serem cidadãos. Isto tem gerado
um conjunto de normas, pareceres e resoluções, dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Todos surgidos a partir de uma
mudança de paradigmas em nível internacional a respeito da educação
de pessoas adultas, onde se consolida a concepção de uma educação
continuada ao longo de toda a vida.
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Pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua
vida. Um projeto educacional para aqueles que foram excluídos da escola na idade própria implica em repensar os conteúdos, o currículo, as
práticas pedagógicas para que contemplem certos fatores, como experiência, idade, gênero, necessidades especiais, relação com o trabalho,
entre outros. Nesse sentido, o contexto cultural do aluno trabalhador se
caracteriza como uma ponte entre o seu saber e o saber que a escola
pode proporcionar, com isso podem ser evitados desinteresses, conflitos
e a expectativa de fracasso que acabam resultando em alto índice de
evasão.
No Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2006) a educação de
jovens e adultos (EJA) no Brasil é apresentada como uma modalidade
de ensino que
(...) implica em modo próprio de fazer a educação, indicando que as características dos sujeitos jovens e adultos, seus saberes e experiências do
estar no mundo são guias para a formulação de propostas curriculares
político-pedagógicas de atendimento. (BRASIL, 2006, p.5).
Este mesmo documento declara ainda, que as políticas brasileiras
de EJA têm-se caracterizado pela descontinuidade, pela insuficiência e
pela carência de um projeto que efetivamente dê conta da demanda
potencial e, conseqüentemente, do cumprimento do direito à educação,
nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
Pela organização da oferta da educação brasileira, de acordo com
a LDB, União, estados e municípios dividem a responsabilidade pela
oferta da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio,
em colaboração. Cabe também à União definir diretrizes e políticas nacionais. Entretanto, é conclusão de muitas pesquisas e observações a
diferença e/ou a distância de entre a concepção das políticas e programas e o que é realizado. Os governos locais (estaduais e municipais) ao
implementarem os preceitos legais e as políticas nacionais o fazem de
diferentes maneiras, conseqüência de diversos fatores que vão desde a
diferença de interpretação à influência das características do contexto
local, às prioridades e, finalmente, à vontade política de cada governo.
Fatores específicos também são definidores do sucesso ou não de
determinada política, entre eles o financiamento, a concepção curricular,
o engajamento do pessoal docente, o envolvimento de alunos e da comunidade escolar e da sociedade em geral.
Cabe a cada sistema de ensino, estadual ou municipal, definir a estru-
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tura e a duração dos cursos da educação de Jovens e Adultos, respeitadas
as diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de educação e o regime de colaboração entre os entes federativos.
Normatizando os princípios estabelecidos na LDB, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos aponta os
marcos que devem nortear a construção de currículos de EJA: a construção da cidadania associados à qualificação da mão-de-obra para atender a rápida internacionalização da economia a nível mundial, que apresenta reflexos sobre todos os setores econômicos. Nessa construção
curricular o contexto cultural do aluno trabalhador deve ser considerado
e servir de ponte entre o seu saber e o que a escola pode proporcionar,
evitando assim o desinteresse, os conflitos e a expectativa de fracasso
que acabam provocando um alto índice de evasão. (Art. 6º da Resolução
CEB nº. 01/2000)
A implantação local das políticas de EJA no
município de Pelotas: um estudo de caso
Para atender o compromisso com a educação de jovens e adultos,
a Secretaria Municipal de Educação de Pelotas implantou em 2002, em
seis escolas municipais, um programa que denominou Classes de Aceleração. A análise do projeto das Classes de Aceleração levou o Conselho
Municipal de Educação (CME) a alertar sobre as interpretações legais
quanto à oferta de EJA vinculada à formação/preparação profissional.
O CME, que tem entre as suas funções as de analisar e aprovar os
projetos do executivo, preocupou-se com o atendimento ao previsto na
legislação quando emitiu seu parecer nº. 001/2002.
O processo de re-ordenamento legal e constitucional do país, que
se expressa nas Constituições Federal, Estadual e Municipal, reforça os
princípios descentralizadores e, reconhece os Municípios como entes da
Federação, fazendo crescer a sua importância e responsabilidade na oferta
dos serviços sociais básicos à população.
Os Conselhos Representativos da sociedade, como os da educação, têm-se destacado como um dos instrumentos de democratização da
sociedade brasileira, nas mais diversas áreas, como uma nova forma de
participação, acompanhamento e controle das ações do Poder Público
pela sociedade, elemento essencial da democracia. A criação de Conselhos Municipais de Educação é um dos mecanismos importantes para
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colocar em prática as políticas de descentralização e democratização do
ensino, que no Brasil tem tomado a forma de municipalização e contribui
para o fortalecimento dos sistemas municipais de ensino..
O Conselho Municipal de Educação de Pelotas, criado no ano de
1972, passa a ser o órgão normativo do Sistema Municipal de Ensino5,
devendo assim normatizar e acompanhar a educação não só nas escolas
de educação infantil, fundamental e médio da rede municipal do Ensino,
mas também as de educação infantil da rede privada.
O CME de Pelotas é um órgão representativo da sociedade composto por 15 conselheiros e 15 suplentes eleitos por seus e com as funções consultiva, normativa, deliberativa, fiscalizadora, propositiva e
mobilizadora6 .
As classe de complementação: o projeto piloto
de complementação de 5ª à 8ª Série do Ensino
Fundamental da Rede Municipal de Pelotas
O governo municipal de Pelotas, no período 2001/2004, preocupouse em desenvolver uma política de Educação de Jovens e Adultos. Um
dos projetos foi denominado Complementação de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental7. Com o objetivo de dar continuidade à escolaridade dos
alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)8, da rede
municipal de ensino, e, bem como
Oportunizar a todo(a) aluno(a) jovem trabalhador(a) a possibilidade de
avanço da escolaridade, de forma diferenciada da modalidade regular, possibilitando condições e/ou tempo necessário para as aprendizagens previstas nos pareceres que legitimam a EJA no Brasil. (PELOTAS, 2002a )
O Projeto de Complementação da Secretaria Municipal de Educação de Pelotas teve sua origem na iniciativa de uma escola da zona
rural que desenvolveu, com o incentivo da secretaria uma proposta de
oferta de EJA com um viés profissionalizante. Esse projeto foi depois
5
O Sistema Municipal de Ensino de Pelotas foi criado pela Lei 4.904/03.
Para maior detalhamento das funções do Conselho Municipal de Educação do Município
de Pelotas, sugerimos a leitura da Cartilha do Conselheiro, produzida pelo Fórum dos
Conselhos Municipais de Pelotas.
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O Projeto de Complementação de 5ª a 8ª série será denominado como Projeto de
Complementação neste texto.
6
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desenvolvido, em outras cinco unidades escolares da rede municipal de
ensino, em diferentes bairros da cidade.
Segundo a professora entrevistada a escola que desenvolveu o projeto inicial, vem procurando, ao longo de sua história, pautar sua proposta
político-pedagógica com base nas necessidades e anseios da comunidade em que está inserida. Uma das questões que chamava a atenção
nessa comunidade da zona rural era o grande número de adultos analfabetos ou com ensino fundamental incompleto. Por essa razão a escola
participou de vários projetos de educação de jovens e adultos, ofertados
pelos governos, como por exemplo, dentre outros, o projeto LER9.
Ciente de que somente a alfabetização não era suficiente, pois,
formava-se um novo contingente de jovens e adultos que, por inúmeros
motivos acabavam evadindo nas primeiras séries do Ensino Fundamental passou a preparar estes jovens e adultos para os exames supletivos
estaduais. Essa estratégia não reduziu o contingente de jovens e adultos
fora da escola sem a conclusão do ensino fundamental. A escola, no
intuito de desenvolver uma proposta que resgatasse o direito dessa população ao acesso e permanência na escola, associada à qualificação
para o trabalho, como cumprimento do seu direito ao exercício da cidadania.
Com base neste projeto a SME desenvolveu uma proposta de EJA.
A implantação desse projeto denominado de “Projeto Piloto de
Complementação” iniciou-se em 2002, em cinco escolas municipais,
abrangendo diferentes localidades do município: Monte Bonito (zona rural), Colônia Z3, Fragata, Areal e Três Vendas.
As aulas eram noturnas de segunda a sexta-feira, sendo quatro
noites com aulas das diferentes disciplinas (português, matemática, ciências, história, geografia, sociologia, língua inglesa e educação física) e,
na quarta-feira, os alunos freqüentavam diferentes cursos
profissionalizantes, realizados em outras instituições, entre as quais as da
rede federal de educação, como o Colégio Agro-técnico Visconde da
Graça – CAVG/UFPel e o Centro Federal de Educação Tecnológica de
Pelotas (CEFET-RS). Mensalmente os alunos participavam de oficinas
pedagógicas aos sábados (manhã e tarde), tratando de temas referentes
ao cotidiano do jovem e adulto trabalhador.
8
PEJA - Programa de Educação de Jovens e Adultos de Alfabetização, implantado pela
Secretaria de Educação de Pelotas em escolas de ensino fundamental da rede municipal de
ensino de Pelotas.
9
Projeto LER era um programa do governo estadual, coordenado em Pelotas pela 5a Delegacia de Educação, a qual contratava professores para a alfabetização de adultos.
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O projeto previa o avanço dos alunos nas séries possibilitando aceleração de estudos e a conclusão das séries finais em menor tempo, de
acordo com o artigo 23 da LDBEN.
O currículo se construía cotidianamente, coordenado pela SME e
pelas equipes diretivas das escolas. Semanalmente, os professores e a
equipe coordenadora reuniam-se para discutir, reafirmar ou readequar o
projeto. Os temas tratados envolviam dúvidas quanto à estrutura do projeto, carga horária e conteúdo das disciplinas.
Com a mudança da administração municipal e conseqüentemente
mudança no quadro de profissionais da SME, a proposta original perdeuse, embora as escolas envolvidas tenham insistido na proposta, o projeto
terminou em 1996.
Os trâmites locais e as interpretações da
legislação
No período da elaboração do projeto, na SME, havia muitas dúvidas de como operacionalizar o projeto contemplando as questões pedagógicas, administrativas, financeiras e legais para a EJA, ocorreram muitas
reuniões de estudo sobre a legislação, contatos com outras instituições
que atuavam com esta modalidade de ensino.
A análise do projeto pelo CME coincidiu a análise dos regimentos
de algumas escolas. Entre estes, constavam os regimentos das cinco
escolas escolhidas para implantação do Projeto Piloto de Complementação,
que traziam o detalhamento do projeto.
O Conselho chamou a atenção para duas questões que entendeu
não estarem de acordo com a normatização: o Projeto de Complementação
não podia aparecer como projeto da SME, mas como uma proposta da
escola para EJA, porque o texto regimental é especifico de cada escola
e adequado à sua realidade.
A segunda questão dizia respeito aos conceitos de avanço e de
aceleração entre as séries que deveriam ser entendidos como processo
individual e não de turmas inteiras. Por ser um projeto piloto, com turmas
limitadas com constantes avaliações, reformulações e adequações, o
CME, aprovou o projeto com as ressalvas pelo Parecer nº. 001/2002,
que alertou:
“A operacionalização dos estudos de aceleração, dentro do tempo estipulado no projeto, é uma oferta de no mínimo 800 horas aulas (oitocentas
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horas aulas) para o aluno, considerando que o recurso é para oportunizar
ao aluno que não teve em tempo hábil, a chance de efetuar os seus estudos, mas que embora, seja um recurso com o tempo mínimo para o aluno, a
escola deve assegurar os conhecimentos disciplinares desenvolvidos no
mínimo de 800 horas para que não haja prejuízo no aproveitamento do
aluno.” (PELOTAS, CME. 2002b).
Para emitir seu parecer, o CME apoiou-se nos pareceres do Conselho Estadual de Educação – CEED. O Par. 740/1999, que define que
a aceleração deve ser oferecida a partir da constatação da necessidade
pela comunidade escolar e fazer parte da Proposta Política Pedagógica
da Escola, dos Planos de Estudos e do Regimento Escolar. No Parecer
CEED-RS 440/2004, quando, ao interpretar o artigo 23 da LDBEN estabelece que “... a possibilidade de avanço é do aluno e a escola deve estar
preparada para não dificultar esse processo. [...] a possibilidade de avanço
não é autorização para a escola diminuir atividades ou trabalhar de forma intensiva no sentido de encurtar o tempo do aluno na escola”.
Portanto, a interpretação local da legislação referente aos estudos
intensivos, que orientavam o projeto das Classes de Aceleração, acabaram sofrendo desvios, que tiveram seus reflexos na implementação, desenvolvimento e na extinção desta experiência educacional.
Algumas Considerações
A necessidade de políticas para EJA se origina na existência de
uma parcela da sociedade que não teve acesso à educação básica. Existem determinações legais que orientam e suportam essas políticas, fundamentadas na busca da formação para o exercício da cidadania, no
ingresso no mundo do trabalho e na possibilidade de estudos posteriores.
A legislação, as normas, somente, não se constituem em elementos
que garantam o acesso, a permanência e o sucesso a esse contingente
de jovens e adultos que foram privados do direito a educação, é necessário que a norma seja operacionalizada localmente.
Enfocando o caso analisado neste trabalho, percebemos que embora fosse meta atender de modo eficaz e significativo aos alunos e
alunas que recorreram a esta modalidade de ensino, ocorreram alguns
equívocos quando da implantação dessas políticas.
Para Alice Casimiro Lopes, com fundamento em Stephen Ball, as
diferenças entre o discurso legal e a sua tradução em políticas devem-se
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à sua historicidade e contextualização, ao tempo e espaço em que acontecem, logo, ao fato de serem
“múltiplos os produtores de textos e discursos – governos, meio acadêmico, práticas escolares, mercado editorial, grupos sociais os mais diversos
e suas interpenetrações –, com poderes assimétricos, são múltiplos os
sentidos e significados em disputa.” LOPES, 2007).
No caso do referido projeto havia a possibilidade da aceleração de
estudos e a conclusão das séries finais antes do tempo previsto. Do
ponto de vista legal faltou a clareza de que esta oferta para a escola teria
que contemplar os quatro anos e para os alunos e alunas deveria contemplar o tempo deles, ou seja, a escola deveria se organizar de modo a
oportunizar que o educando acelerasse, mas com conhecimentos de qualidade e significados; e também com garantia de certificação escolar. No
entanto observa-se que o tempo não foi assegurado conforme a legislação, isto é, a oferta foi de dois anos, como costumava ser antes da LDBEN,
nos cursos supletivos.
Assim destaca-se que é necessário ter clareza quando da implantação das políticas educacionais de modo que o estímulo criado pela
apresentação e divulgação da proposta educacional não seja logo ali
esmorecida. Portanto a boa interpretação da legislação associada a projetos que resultem do comprometimento dos órgãos responsáveis pelo
sistema, das direções e professores das escolas, pode favorecer que
políticas educacionais, implementadas localmente, venham a ter êxito.
Referências
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web/senador/alvarodi/b_menu_esquerdo/4_biblioteca_virtual/
ConstituicaoFederal.pdf Avaliada em 12 jan. 2007
BRASIL. Decreto Nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36
e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/ pdf/dec5154.pdf Avaliado em 12 jan. 2007.
BRASIL. Lei Federal n° 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei das Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Educação Profissional: legislação básica. 5.ed. Brasília: MEC,
2001. p.17-48.
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Documento Base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2006.
BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos. Disponível em http://
www.deja.pr.gov.br/arquivos/File/resol_01_2000_CNE.pdf avaliado em 12/jan./2007.
LOPES, Alice Casimiro. Política de currículo: recontextualização e hibridismo.
Currículo sem fronteiras, v.5, n.2, pp.50-64, Jul/Dez 2005. 2005. Disponível em
http://www.curriculosemfronteiras.org. Avaliado em 21 jan. 2007.
Município de Pelotas, Conselho Municipal de Educação de Pelotas, Parecer nº001/
2002. Trata de esclarecimentos sobre a Aceleração de Estudos do Projeto Piloto
de Aceleração de Estudos de 5a à 8a série do Ensino Fundamental. 2002b
Município de Pelotas, Secretaria Municipal de Educação. Projeto de
Complementação de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental da Rede Municipal de
Ensino de Pelotas. 2002a
Município de Pelotas. Lei 4.904 de 13 de janeiro de 2003. Cria o sistema Municipal de Ensino de Pelotas. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/
interesse_legislacao/leis/2003/lei_4904.pdf. Avaliado em 14/abr./2007
Município de Pelotas. Lei no 2.776, de 18 de março de 1983. Dá nova redação ao
artigo 20º da lei nº 2.037, de 09 de fevereiro de 1.973, que dispõe sobre a estrutura
administrativa da prefeitura. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/
interesse_legislacao/leis/antigo/L1983/Lei_n_2776.pdf Avaliado em 14/abr./2007.
Município de Pelotas. Lei nº 2.005, de 11 de outubro de 1972. Cria conselho
municipal de educação. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/
interesse_legislacao/leis/antigo/L1972/Lei_n_2005.pdf Avaliado em 14/abr./2007
RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº. 740. de 13
de outubro de 1999. Orientações para o Sistema Estadual de Ensino, relativas
aos artigos 23 e 24 da Lei federal nº 9.394/96. Porto Alegre: 1999. Disponível em
http://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacaoc/legislacaoc/id3117.htm Avaliado
em 14/abr./2007.
RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº. 440. de 30
de junho de 2004. Esclarece regras da organização escolar. Estabelece que são
irregulares ofertas em regime de estudos intensivos no Sistema Estadual de
Ensino do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2004. Disponível em http://
www.ceed.rs.gov.br/ceed/dados/usr/html/pareceres/parecer_2004/
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SOUZA, João Francisco de. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil e no
Mundo. Edições Bagaço, NUPEP, Recife. 2000
UNESCO. Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos. 1997. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf avaliado em 15 fev. 2007.
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EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO
EM PROEJA
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RECONSTITUINDO OS MOVIMENTOS DE
CRIAÇÃO DO PROEJA NO CEFET-RS
UNED SAPUCAIA DO SUL 1
Margarete Maria Chiapinotto Noro2
Maria Aparecida Bergamaschi3
“Minha preocupação, neste trabalho esperançoso, como tenho demonstrado até agora, vem sendo mostrar, excitando, desafiando a memória, como
se estivesse escavando o tempo, o processo mesmo como minha reflexão,
meu pensamento pedagógico, sua elaboração ...” (FREIRE 2006, p.65)
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo registrar e compreender os
movimentos que perpassaram a criação do Curso Técnico de Nível Médio
em Processos Administrativos forma integrada, modalidade EJA, no
Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas - CEFET-RS, em
sua Unidade Descentralizada de Ensino de Sapucaia do Sul, RS, dentro
do contexto de implantação do PROEJA nas instituições educacionais
que fazem parte da rede federal da Secretaria de Educação Profissional
e Tecnológica – SETEC do Ministério da Educação.
Ao registrar e descrever este processo, busco reconstituir a história de nosso curso que inicia em julho de 2006 quando é escolhida comissão instituída através da Portaria nº 583/2006 pela direção do CEFETRS, para elaborar um projeto de curso técnico nesta modalidade, a ser a
implantado em março de 2007. Procuro também analisar este processo
1
O trabalho é parte da monografia apresentada na Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título em Especialista
em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de
Jovens e Adultos, em julho de 2007.
2
Professora do CEFET/RS UNED Sapucaia do Sul – Especialista em Língua Inglesa e Literatura Anglo-Americana
3
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
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coletivo de criação, que se estendeu ao longo de 2006 e envolveu docentes e técnicos administrativos em educação de nossa UNED, alunos
e professores de EJA da rede escolar pública de Sapucaia do Sul e Esteio, além da comunidade empresarial local.
A realização deste estudo envolve duas dimensões: a análise de documentos oficiais isto é, dos dois decretos que estabelecem as diretrizes
do PROEJA e do marco conceitual do PROEJA, o Documento Base. A
segunda dimensão envolve a análise de documentos produzidos pela Comissão de implantação do PROEJA: as atas das reuniões, os dados obtidos através de questionários respondidos pelos alunos de EJA fundamental, pelo meio empresarial e pelos alunos ingressantes. Dedico-me também
ao exame e reflexão do texto do projeto do curso, produzido pela nossa
comissão a partir das ações e intervenções dos seus integrantes.
O CEFET/RS - A UNED Sapucaia do Sul
Nossa Instituição, originalmente denominada Escola Técnica Federal de Pelotas- ETFPel - foi cefetizada em 02.12.98, passando a denominar-se CEFET-RS. Possui atualmente quatro unidades: a Unidade
Sede, localizada em Pelotas e a UNEDs - Sapucaia do Sul, inaugurada
em 26 de fevereiro de 1996, Charqueadas, aberta em 2006 e Passo
Fundo, cujas atividades tem previsão de início para agosto de 2007.
A UNED Sapucaia do Sul já tem mais de dez anos de funcionamento.
Contamos hoje com quatro modalidades de ensino: 1) Ensino Médio, Projeto
Ensino Médio para Adultos – EMA ; 2) Ensino Técnico, com o Curso Técnico em Transformação de Termoplásticos; 3) PROEJA com o Curso Técnico em Processos Administrativos e 4) Ensino Superior Tecnológico, com
os cursos de Tecnologia em Gestão da Produção Industrial e de Tecnologia
em Fabricação Mecânica. Atualmente contamos com 812 alunos, 50 docentes efetivos, 15 substitutos, 03 cedidos em convênio com a Prefeitura Municipal de Sapucaia do Sul e 16 Técnicos Administrativos.
Registrando os Movimentos de Criação do
Projeto do PROEJA em nossa Instituição.
Movimento 1 - Formação da Comissão Elaboradora.
No contexto de discussão sobre a função social do CEFET-RS
dentro do processo de (re) construção de nosso PPP em 2006, foi toma89
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da a decisão de oferecer o PROEJA em nossa unidade. Para elaborar
um projeto de curso, foi nomeada uma comissão4, formada por 09 docentes do ensino médio, técnico e tecnológico, o gerente de ensino e a
representante do setor pedagógico.
Movimento 2 – Diagnóstico da Realidade
Na primeira reunião de nossa comissão, já foi levantada a necessidade de ouvirmos a comunidade estudantil e setores do comércio e
indústria de Sapucaia do Sul e região acerca do curso técnico que ofereceríamos dentro do PROEJA. Elaboramos questionário para levantar a
área de interesse dos alunos, que foi aplicado em 06 turmas de EJA
fundamental em Sapucaia do Sul (213 alunos) e quatro de Esteio (65
alunos), totalizando 278 alunos. A compilação dos dados desta pesquisa,
presente na Tabela 1 e Gráfico 1, resultou na escolha da área técnica em
que nosso curso PROEJA seria implementado e constituiu capítulo
intitulado Avaliação da área técnica a ser implementada no PROEJA:
Um foco na comunidade e no meio empresarial, de autoria do Prof.
Rafael Batista Zortea , no trabalho em grupo5 que realizamos no módulo
II do Curso de Especialização.
4
Profs. Clarice Francisco Brauner, Donald Hugh de Barros Kerr Jr., Enio César Machado
Fagundes, Jorge Luiz Joaquim Hallal, Mack Leo Pedroso, Marcus Vinícius Farret Coelho,
Margarete Ma. Chiapinotto Noro, Renato Mazzini Callegaro e Stefanie Merker Moreira.
5
Realidade Escolar em Pesquisa: PROEJA no CEFET-RS UNED Sapucaia do Sul de autoria de
Colvara, Ana Claudia K. et all.
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O resultado expresso no Gráfico 1 abaixo, foi obtido após os alunos responderem às perguntas “13.Você teria interesse num curso
integrado que lhe oportunizasse Ensino Médio e Ensino Técnico
ao mesmo tempo? Sim ou Não” e “ 14. Que curso você gostaria de
fazer?”. O gráfico demonstra a preferência de 23% dos estudantes
entrevistados pela área de Informática e 17% pela de Mecânica, sendo
que a soma destas, 40%, se sobrepõe ao total da preferência nas demais
áreas de conhecimento, que alcança 38%. Entretanto, a Comissão levantou a hipótese que, ao mencionar Informática, os alunos estivessem
pensando no domínio do computador como ferramenta e não como área
de formação.
Gráfico 1: Áreas de interesse de formação profissional - alunos do ensino
fundamental deEJA em Sapucaia do Sul e Esteio
Paralelamente a esta pesquisa, discutimos com a Associação
Comercial e Industrial de Sapucaia do Sul (ACIS),com uma empresa de
recrutamento de Recursos Humanos e com o SEBRAE, as necessidades de formação em Sapucaia do Sul e região e elaboramos questionário
de pesquisa a eles dirigido, cujo resultado demandou formação nas áreas
de tecnologia da informação( informática), comércio (vendas e atendimento ao público) e gestão (negociação e autonomia para resolução de
problemas).
Levando em conta as demandas externas, a discussão com o mundo do trabalho e as possibilidades internas da UNED, analisamos as
opções de curso. Enquanto que a preferência dos alunos recaía em
Informática e Mecânica, as necessidades de formação apontadas pela
ACIS eram informática, comércio e administração e um estudo do IBGE
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realizado de 2002 à 2006 na região metropolitana de Porto Alegre indicava as áreas de comércio e serviços como potencial no aumento de vagas
de ocupação em micro e pequenas empresas, para pessoas a partir dos
50 anos de idade, com 11 anos ou mais de estudo. Observando novamente o gráfico 1, pode-se perceber que um curso que abrangesse as
áreas administrativa, financeira e de atendimento ao público conjuntamente somaria 13% da preferência dos alunos pesquisados.
Movimento 3 - Contexto interno e externo
Prevendo uma disponibilidade mínima de recursos humanos e
alguma infra-estrutura em laboratórios, aliadas ao fato da UNED possuir um curso superior na área de Gestão da Qualidade, pensou-se em
atender a expectativa dos alunos oferecendo um curso que articulasse
as áreas administrativa, financeira e de atendimento ao público e que
incluísse em sua proposta curricular, a informática como ferramenta. Foi
a descoberta de nosso inédito viável, segundo Freire (1980:110): a percepção crítica de uma situação-limite que precisa ser compreendida, discutida, enfrentada e superada através de ações, para que o sonho se
torne viável. Esta concretização irá se desdobrar em outros desafios a
serem transpostos a medida que o projeto for sendo construído com a
efetiva participação dos alunos ao longo do curso. Alguns integrantes
da comissão voltam-se para o nome do novo curso, havendo a preocupação de que este “não coincida” com o nome do curso de tecnologia em
Gestão da Produção Industrial. Discute-se a possibilidade de se oferecer oficinas ou créditos para contemplar conhecimentos técnicos mais
específicos. Critérios de seleção são debatidos. Alguns defendem ingresso com entrevista do candidato. Debatemos durante uma reunião
inteira sobre o nome do curso que “não deverá ser”. O termo “administração” também é inadequado, pois poderia criar nos alunos expectativas que não se confirmariam no curso. Surgem onze propostas de nomes, num verdadeiro brainstorming, entre os quais, Técnico em Rotinas Administrativas ou Técnico em Serviços Administrativos, mas o que
“virá a ser” ainda não emerge.
Define-se, também, que a elaboração do perfil do egresso e das
grandes competências gerais do curso deve anteceder o esboço curricular
e o nome do curso. Mas como escrever um texto sobre um curso que
ainda não tinha nome e cuja identidade ainda não se materializara? Estávamos pressionados pelo prazo de publicação do edital do processo seletivo de novos alunos, que se esgotava.
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Tensões entre diferentes posicionamentos quanto a definições sobre
o curso permeavam o processo, o tempo nos pressionava e a angústia do
querer fazer, do avançar e do retroceder nos remetia à Balandier (1997:
14) “a paisagem está confusa, remexida, desajustada, incerta. As aparências mascaram o que seria preciso ver de perto. Nessas circunstâncias, só
existe uma regra: tomar distância, colocar-se fora da confusão”. No dia
seguinte, estávamos prontos para apresentar em reunião geral os “contornos” que se delineavam até então e os movimentos que já havíamos realizado para definir a área do Curso.
Retomamos a discussão sobre critérios de seleção para os alunos
do PROEJA e coloquei novamente para o grupo o desejo manifesto pelos formandos do EMA de que pudessem ingressar no PROEJA com
aproveitamento de estudos de ensino médio ou através de uma cota
para egressos.6 Entretanto, como estes egressos não vivenciaram as
articulações entre formação geral e profissional existentes no currículo
do PROEJA, não conseguimos visualizar uma estratégia para incluí-los,
e decidiu-se pelo ingresso por sorteio público. De imediato, produzimos
um texto mencionando a área do Curso - Gestão - para divulgar o processo seletivo de alunos que iria ocorrer em dezembro.
O sorteio dos 35 alunos/as, sendo 8 alunos e 27 alunas que inicialmente iriam compor a turma, além de 35 suplentes, ocorreu em assembléia pública às 19h do dia 04 de dezembro de 2006, no auditório da
UNED, com a presença de 146 candidatos inscritos.
Agendamos 15 voluntários entre os sorteados para aplicar questionário sobre trabalho e educação na semana subseqüente, a fim de levantar dados sobre o perfil dos ingressantes, estudo7 este que também
integrou o trabalho em grupo que realizamos no módulo II do Curso de
Especialização. Os resultados desta amostragem evidenciaram a predominância de mulheres solteiras ou descompromissadas, na faixa etária
entre 20 a 30 anos, sendo onze moradores de Sapucaia do Sul, três de
Esteio e um de Canoas. A situação econômica familiar está entre um a
cinco salários mínimos. A maioria exerce alguma atividade no mercado
de trabalho informal, seis tem carteira de trabalho assinada. Muitos começaram a trabalhar com menos de 18 anos, no comércio. Todos vêem
o trabalho como fonte de renda, porém gostariam que também gratifi6
Havia na UNED 2 turmas de formandos do EMA ao final de 2006 e muitos deles manifestaram interesse em ingressar no PROEJA com aproveitamento dos estudos . Embora não
tenha sido possível atendê-los, vários alunos do EMA se inscreveram e 3 alunos, 2 egressos
mais um que havia abandonado o projeto, foram sorteados e estão cursando o PROEJA,
tendo que refazer parte de sua caminhada de Ensino Médio.
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casse suas vidas. O fato de o PROEJA oferecer um curso técnico junto
com o ensino médio foi o que mais os atraiu, como também a oportunidade de concluir o 2º grau. A maioria dos entrevistados concluiu ou estava
concluindo o ensino fundamental nas escolas que oferecem modalidade
EJA ou supletivo à noite, o que também demonstra o acerto de nossa
estratégia de divulgação do PROEJA em escolas com turmas noturnas
de EJA.
Movimento 4 - Elaboração do texto do projeto
Junto com professores de nosso Curso Superior de Tecnologia em
Gestão da Produção Industrial e do Ensino Médio fizemos um estudo do
perfil profissional do egresso e discutimos possibilidades de currículo.
Buscamos junto às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico – DCNEP´s, as caracterizações das áreas
profissionais de Comércio e de Gestão8 e resgatamos pontos levantados
no questionário aplicado ao meio empresarial. Uma integrante da comissão realiza um estudo junto às grades curriculares de nossos cursos
de tecnologia e identifica aproximações com áreas afins às que pretendemos propor no PROEJA. As múltiplas faces da elaboração do projeto
começam a evidenciar o contorno desta experiência coletiva e surge
assim um primeiro ensaio de desenho curricular (outubro 2006) contemplando as áreas de gestão e informática:
Porém, quando tudo parece estar se ordenando, segue-se um tempo
de (re) elaboração, (re) definição e re (organização). A noção de ecologia
da ação que Morin (2006:86-87) propõe nos ajuda a entender que as
ações que empreendemos estão impregnadas de contextos complexos que
tanto podem comprometê-las quanto viabilizá-las.
No perfil do egresso que elaboramos, o nome do curso ainda não
estava definido: “O egresso do PROEJA9 será um cidadão com visão
crítica, capaz de atuar no contexto social, cultural, político e econômico
em que vive, contribuindo para a transformação da sociedade. Estará
apto a operacionalizar atendimentos, serviços e rotinas administrativas,
utilizando instrumentos e meios tecnológicos disponíveis para a gestão
organizacional. A re-qualificação adquirida proporcionará mais oportunidade de inserção no mundo do trabalho, num processo de inclusão social
continuado.”
7
Pesquisa 1 Realidade e Perfil dos Novos Ingressantes, Assistente Social Arita T. Dias de
Barcellos.
8
Páginas 12 e 13, 14 e 15 respectivamente.
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O projeto começava a delinear-se através das seis competências
gerais do curso:
· Compreender a organização empresarial e sua razão de ser, seus modelos de gestão, objetivos, estruturas orçamentárias, societárias e trabalhistas, bem como suas inter-relações com o ambiente externo;
· Utilizar a capacidade empreendedora desenvolvida para analisar, planejar e implementar rotinas e procedimentos administrativos;
· Atuar como apoio na gestão financeira, tributária, contábil e de pessoal segundo metas e diretrizes pré-estabelecidas;
· Comunicar-se com eficácia no fluxo de informações internas e externas, especialmente no que diz respeito a atendimento de pessoal e estratégias de marketing;
· Compreender a organização e os processos próprios de uma empresa
comercial ou dos setores responsáveis pela comercialização em organização não-comercial.
· Atuar profissionalmente em consonância com padrões éticos, sociais e
ambientais que favoreçam o constante aprimoramento da qualidade de
vida de forma geral.
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No texto final do projeto do Curso, a redação do perfil foi alterada para incluir o nome
oficial do Curso.
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O Documento-Base discute a concepção de uma organização
curricular dinâmica no PROEJA, isto é, a construção de currículos integrados que pressupõe a abordagem de conteúdos muito diversos - os
conteúdos gerais ou básicos e os profissionais ou tecnológicos- mediante
o estabelecimento de relações e aproximações amplas entre os mesmos.
A estrutura tradicional e segmentada das disciplinas nos cursos de nossa
Instituição mostra que temos um caminho a percorrer na busca de uma
organização curricular com tempos e espaços diferenciados, que leve
em conta a realidade sócio-histórica de nossos alunos. O esboço de desenho curricular de nosso PROEJA, que inicialmente continha um eixo
articulador entre formação geral e a profissional com “espaços temáticos”,
mais tarde veio a assumir a forma de uma grade curricular com disciplinas compartimentadas e carga horária anual totalizando 2.400 horas. As
disciplinas da formação geral compreendem: Língua Portuguesa, Educação Física, Artes e Design, Informática, Inglês, Matemática, Física,
Química, Biologia, Qualidade de Vida, História, Geografia, Sociologia,
Educação Ambiental, Espanhol e Relações Humanas. A formação profissional inclui: Introdução à Teoria Geral da Administração Comunicação Eficaz, Contabilidade Geral, Gestão da Qualidade, Custos e Orçamentos, Estatística Básica, Estatística Aplicada à Administração, Noções de Empreendedorismo, Gestão de Projetos, Gestão de Recursos
Humanos, Introdução à Economia, Noções de Marketing, Legislação
Societária e Direito Trabalhista, Legislação Tributária e Comercial,
Matemática Financeira, Rotinas Comerciais, Rotinas Administrativas,
Inglês Instrumental, Técnicas de Negociação e Ética Profissional.
O que fazer diante desta escolha de desenho curricular assumida pela
maioria dos integrantes da Comissão como sendo a “viável”? Haveria alguma forma de integrar o currículo, apesar da fragmentação das disciplinas?
No contexto das abordagens metodológicas de integração, proposto por Lucília
Regina de Souza Machado10 e sugeridas no Documento-Base (p.48-49),
visualizo um cenário que, enquanto professores do curso e junto com os
alunos, seja possível modificarmos: a alternativa de rompermos com as
“caixinhas” das disciplinas e utilizarmos abordagens centradas em resoluções de problemas ou projetos de trabalho. Quanto à avaliação, o PROEJA
deve atender a orientação normativa 001/07, que mudou a forma de expressão de conceito para nota, de 0 à 10, dentro do trimestre, módulo ou
semestre, numa discussão dentro de nosso PPP. Porém ainda considero que
a avaliação enquanto processo é um tema que está em aberto.
Ao mesmo tempo em que dávamos seqüência ao projeto, abordando aspectos culturais e sócio-econômicos de Sapucaia do Sul, aspec-
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tos institucionais, a concepção do Curso, a metodologia, avaliação e estágio curricular e “fechávamos”a grade curricular definindo o estágio
de 240 horas, (concomitante ao 3º ano), chegamos, finalmente, ao nome
do curso: Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos.
Aquele contorno que se apresentava difuso e parecia pouco controlável,
se assume na forma “melhor ajustada”.
Compreendendo os Movimentos: análise do
processo coletivo de criação e de seus atores.
Ao reconstituir a memória de nosso projeto de curso, desejo reportar-me a algumas interfaces que nele se fazem presentes. A primeira refere-se ao nosso protagonismo e “apropriação” do projeto, uma vez que ele
é resultado de nossa criação. Desde a inscrição voluntária para a Comissão, passando pela elaboração dos diversos instrumentos de pesquisa, pelo
novo contorno da Comissão, com colegas se retirando após significativa
contribuição, e outros se incluindo para colaborar além dos limites de suas
especialidades, até a elaboração do texto final do projeto, nele ficaram
gravadas as marcas de nosso trabalho. Foram 32 encontros coletivos e
inúmeros momentos de dedicação individual, enquanto buscávamos dados, revisávamos bibliografia, elaborávamos gráficos, enviávamos fragmentos do projeto por e-mail para trocar idéias com colegas da área da
gestão e nos debatíamos com os recortes de conhecimento e a “matemática” implacável da carga horária na grade curricular do curso.
Outra interface diz respeito à ousadia de interpretarmos e analisarmos os dados coletados nas pesquisas e de concebermos um curso
inédito, que “busca oportunizar a (re)inserção de jovens e adultos no
sistema escolar a partir de uma educação integral”11, o que certamente
se constituiu num mérito para nossa Comissão, ao invés de simplesmente replicarmos modelo de curso já existente na Instituição e “adaptá-lo”
ao PROEJA.
O processo de elaboração de nosso projeto mostrou muitas faces,
algumas bastante tensas, evidenciando o envolvimento humano e apaixonado dos integrantes desta equipe. A (re) constituição dos movimentos, dos contornos revela a criação, as tensões, as resistências e as rupturas, ao mesmo tempo que nos ensina a compreensão da complexidade
10
Apresentou painel em reunião com gestores estaduais da educação profissional e do ensino
médio em Brasília, dezembro 2005.
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humana, a “interiorização da tolerância”, pois “a verdadeira tolerância
(...) supõe convicção, fé, escolha ética e ao mesmo tempo aceitação da
expressão das idéias, convicções, escolhas contrárias às nossas”
(MORIN, 2006:101-102).
Tivemos inúmeros tensionamentos internos no contexto plural de nossa
Comissão. Talvez o mais significativo foi o que envolveu a escolha da área
profissional do PROEJA, que abrangeu as 3 áreas de formação nas quais
a UNED oferece cursos, a de transformação de termoplásticos, a de gestão da qualidade e a de fabricação mecânica. Quando a prospecção realizada com alunos de EJA e o meio empresarial indicou as áreas de gestão
e mecânica, vivenciamos cenas de conflito entre os representantes destas
áreas: para alguns, a carência de recursos humanos disponíveis, para
outros, a infra-estrutura precária enquanto outros ainda apontavam para o
comprometimento de todo o CEFET-RS na implantação do PROEJA.
Outro tensionamento que se faz presente é o que resultou em nossa tradicional “grade curricular”.
Múltiplas intenções moveram a participação dos atores envolvidos,
ou a ausência dela. Ao final, seis professores “abraçaram” este projeto e
desenharam o contorno final deste processo de criação, formatando o
texto do projeto de curso nos dias quentes do final de janeiro e início de
fevereiro de 2007.
Considerações Finais
A concepção deste nosso CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS funda-se na premissa de que a re-inserção de jovens e adultos de classes populares no
sistema escolar a partir de uma educação integral de qualidade é, ao
mesmo tempo, um direito e uma necessidade. As Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação de Jovens e Adultos 12 enfatizam a
heterogeneidade do público de EJA e as formas como estes estudantes
dispõem de seus tempos e espaços, e de como, através da flexibilidade
curricular, podemos aproveitar suas experiências de vida e de trabalho
para organizar os tempos da escola e sintonizar o currículo com elementos geradores a partir de suas vivências, re-significando-as. Por
isso, acho de extrema importância que nós, professores da rede fede11
Projeto Curso Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos Forma Integrada
Modalidade EJA, p.6.
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ral de educação profissional, busquemos, através da formação continuada, uma aproximação maior com as especificidades da EJA para
que possamos re-pensar nossa escola como um espaço mais aberto e
democrático, “que respeite seus direitos [dos sujeitos de EJA] em práticas e não somente em enunciados de programas e conteúdos”13.
Dentro da política de consolidação do PROEJA devemos também ter presente a função social e o protagonismo de nossa rede enquanto referência na implementação do programa Por fim, através da
reconstituição de nosso projeto e dos contornos que envolveram o processo e seus respectivos atores, espero que os leitores deste trabalho
sintam-se motivados a realizar os seus movimentos para a consolidação
desta política pública de integração da educação profissional técnica de
nível médio ao ensino médio na modalidade EJA.
Referências
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para o Futuro. Educação de Jovens e Adultos: continuar... e aprender por toda a
vida. Boletim, 20 a 29 set. 2004.
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BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 5.478 de 24 de junho de 2005. Institui,
no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de
Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Brasília, DF, 2005.
______. Congresso Nacional. Decreto nº 5.840 de 13 de julho de 2006. Institui,
no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de
Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Brasília, DF, 2006.
______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CBE nº11/2000 e Resolução CNE/CEB nº1/2000. Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e
Adultos. MEC, maio 2000.
_______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer nº 16, de 5 de outubro
de 1999. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível
Técnico. Brasília, DF, 1999.
________. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
12
13
Parecer CNE/CBE 11/2000, Carlos Roberto Jamil Cury p. 60-61.
ANDRADE, Eliane Ribeiro. Os sujeitos educandos na EJA.
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______ . Ministério da Educação. Secretaria da Educação Profissional e
Tecnológica. Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. Documento-Base. Brasília:
MEC, fevereiro 2006.
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2006.
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICADE PELOTAS –RS. UNED
Sapucaia do Sul- RS. Edital nº. 003/2006. Processo Seletivo para ingresso no
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Sapucaia do Sul. DEB - FACED/UFRGS . Julho 2007 .
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RELAÇÃO DOS ALUNOS DO PROEJA
E DO EMA COM O ESPAÇO FÍSICO DA
ESCOLA NO CEFET-RS
Lucia Helena Kmentt Costa 1
Maria Antonieta Dall’Igna 2
O objetivo deste trabalho é identificar a relação dos alunos do
PROEJA3 e do EMA4 com a estrutura física do CEFET-RS, como e
quais são os espaços utilizados, ou não, por esses alunos e se eles satisfazem às suas necessidades e chamar a atenção para a importância da
adequação do ambiente escolar para a promoção da aprendizagem e a
permanência do aluno na escola possibilitando que complete a sua
escolarização e conquiste condições para a sua inserção na sociedade e
no mercado de trabalho.
Com o uso de um questionário como instrumento de pesquisa constatou-se que os alunos das duas turmas, na sua maioria, mostram familiaridade e utilizam os espaços tradicionais, tanto nas áreas pedagógicas,
como nas áreas de lazer, com destaque para as salas de aula e os laboratórios e para a cantina e jardins. Constatou-se, também o desejo dos
alunos de usufruírem mais de espaços de esporte, lazer e convivência.
A minha posição como Assessora de Projetos e Obras, no CEFETRS, permite afirmar que, ao elaborar um projeto de reforma ou construções novas nesta instituição, partimos sempre de uma pesquisa, um levantamento de dados sobre as necessidades para a área a que se destina a
reforma e/ou obra, buscando nas Normas Técnicas, no Plano Diretor e
1
Graduada em Licenciatura para o Magistério em Disciplinas Específicas para o Ensino de 2º
Grau – Esquema II, assessora de Projetos e Obras do Centro Federal de Educação Tecnológica
de Pelotas.
2
Professora da UFPEL, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso de Lucia Helena
Kmentt Costa, do qual originou-se este texto.
3
Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio
na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
4
Ensino Médio para Adultos
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nos Pareceres o conjunto de regulamentações que permitem criarmos um
determinado “espaço”. Outro dado importante é que estamos em constante atualização, sobre materiais adequados e sobre o que o mercado está
oferecendo, levando em conta sempre custo/benefício. Quando elaboramos o projeto de um prédio novo, por exemplo, é fundamental um planejamento que vise uma futura ampliação através da busca, com professores
e alunos, das reais necessidades a que se destina a construção.
Muitos fatores, certamente, influenciam no processo de ensino-aprendizagem, dentre eles: a dimensão do espaço físico e sua relação com número de alunos, para que não fiquem “amontoados”, tirando a mobilidade,
tanto do professor quanto dos alunos, incluindo a pouca distância entre as
fileiras e entre o quadro, dificultando a concentração e a possibilidade de
desenvolver as atividades didáticas propostas. Outras questões também
podem ocorrer, por exemplo, a inadequação dos pisos (irregulares) pode
ocasionar quedas ou dificuldades para escrever devido à instabilidade das
classes; as cores de tonalidades fortes cansam a visão; a falta de iluminação natural que provoca, muitas vezes, problemas de visão e sensações
desagradáveis; a utilização de iluminação artificial que nem sempre atende
às necessidades do ambiente, por ser deficitária ou excessiva; a ausência
de ventilação natural direta, torna as salas de aula quentes ou frias demais
e até insalubres; a pouca altura dos tetos que provoca uma sensação de
abafamento, são muitas as decisões sobre as condições físicas que precisam ser consideradas.
Além desses, outros aspectos podem ser apontados, entre eles a
importância do planejamento de áreas de lazer, como os pátios e as áreas
de esportes. Esses espaços, que além de serem pedagógicos, podem propiciar momentos agradáveis, e, principalmente, contribuem para a
integração do aluno com a Escola, dos alunos com os alunos, dos alunos
com os professores, servindo como um meio de socialização. Por isso,
entendo ser importante a preocupação em compreender como os alunos
dos cursos PROEJA – Programa de Integração da Educação Profissional
Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos e EMA – Ensino Médio para Adultos, oferecidos pelo
CEFET, relacionam-se com os espaços da escola.
A escolha de trabalhar com as turmas de educação de jovens e
adultos deve-se ao fato de que esta é uma atividade recente no CEFETRS e tem relação com o compromisso de contribuir com a oferta de
acesso e profissionalização àqueles que não o tiveram na idade própria,
e fazem parte da parcela da população excluída da escola e
consequentemente do mercado de trabalho.
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A questão da educação de Jovens e Adultos e a
oferta de EMA e PROEJA no CEFET-RS
No Brasil, desde a introdução do capitalismo industrial com o modelo de desenvolvimento, que se caracteriza pela divisão social do trabalho, discute-se e buscam-se alternativas para a exclusão social com a
diminuição da pobreza e do desemprego.
Ao abordar este tema Alceu Ravanello Ferraro5 destaca que
“...uma seqüência de movimentos sociais e momentos típicos dentro
da história do pensamento liberal e do capitalismo...”, com uma
série de características comuns, oportunizaram crises que legitimaram a
exclusão social.
A organização política e econômica do país tem levado ao agravamento da pobreza e da desigualdade. Essa situação manifesta-se pelos altos
índices de analfabetismo e exclusão da escola, seja pela falta de acesso seja
pela não permanência. Para superar a exclusão da escola que está incluída
em uma categoria mais ampla que é a exclusão social, governo e sociedade
têm a responsabilidade de desenvolver políticas de inclusão.
A escolarização de jovens e adultos, em nível fundamental e em nível
médio, é necessidade resultante da situação econômica e social do país e
deve contribuir para a formação profissional e para o seu crescimento cultural aqueles que foram excluídos na idade regular. Falar em inclusão de jovens e adultos trabalhadores não é só falar em melhores e maiores oportunidades de emprego, mas é falar em condições para o exercício da cidadania
pela possibilidade de maior participação na vida em sociedade, com capacidade para interferir criticamente na sociedade.
Álvaro Vieira Pinto6 ao estudar este tema diz que “O adulto precisa aprender a totalidade do saber existente em seu tempo” (1994,
p. 86). e destaca o papel do educador de jovens e adultos, pois “ao
ensinarmos o adulto estamos abrindo um caminho para seu aprendizado futuro”, (1994, p. 86). Para ele, o educador necessita ter uma
consciência verdadeiramente crítica, não se sobrepondo ao educando
adulto, e, sim, identificando-se com ele, desta forma estará desenvolvendo práticas adequadas, promovendo a capacidade de apreensão entre
elas “considerar os conhecimentos que o aluno traz em sua bagagem cultural, (PINTO, 1994, p. 83)”.
5
FERRARO, Alceu Ravanello. Neoliberalismo e políticas sociais: a naturalização da exclusão. Estudos Teológicos, v. 45, n.1, p.99-117, 2005.
6
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 9ª edição – São Paulo –
Cortez, 1994.
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As políticas educacionais, tanto no ensino médio como no
profissionalizante, apresentam como objetivo qualificar a força de trabalho, para que possam exercer funções necessárias às diversas ocupações. Essa qualificação deve atender à complexidade tecnológica que o
mundo do trabalho atual exige e ao mesmo tempo contribuir para inserção social dos trabalhadores.
O EMA - Ensino Médio para Adultos passou a ser oferecido pelo
CEFET a partir de 1998, com a finalidade de propiciar o acesso ao ensino
médio a pessoas que não puderam completar sua formação regular e que
buscam a complementação de sua escolarização básica, visando uma melhor
colocação no emprego, encontrar emprego ou dar seqüência aos seus estudos, para, posteriormente, cursar o Ensino Técnico ou a Universidade.
Em 2006, atendendo a um projeto do Governo Federal, o CEFET
aderiu ao PROEJA - Programa de Integração da Educação Profissional
Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos, com o objetivo de oferecer formação profissional
qualificada, integrada ao ensino médio para que pessoas que se encontram afastadas da escola e principalmente da vida em sociedade, possam assumir seu papel no mercado de trabalho, com formação técnica e
com uma visão mais clara do mundo do trabalho.
“Com o PROEJA busca-se resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro
milhões de jovens e adultos possibilitando-lhes acesso a educação e a
formação profissional na perspectivas de uma formação integral”. (Documento Base PROEJA. 2005a, p. 3).
De modo geral, os alunos do PROEJA e do EMA pertencem a um
grupo que já passou pela Escola e, por algum motivo, abandonou os estudos, ou, pode-se dizer, foi excluído da oportunidade de escolarização de
nível médio. São alunos de diferentes faixas etárias, trabalhadores ou
desempregados, que chegam cansados do emprego ou sem perspectiva
de vida e que necessitam de um ambiente acolhedor e confortável. São
oriundos de diferentes locais da cidade, de diversas etnias e pertencentes a diferentes camadas sociais com predomínio de alunos de baixa
renda moradores das periferias.
Esses alunos buscam na escolarização além do resgate de sua formação para poder competir no mundo do trabalho, um espaço de socialização. Uma vez que a escola é sem dúvida um importante e decisivo
espaço de convivência. Nessa perspectiva, o retorno à escola, assume
outro papel importante para a sociedade à medida que pode propiciar,
além da reintegração escolar a reintegração social. É importante consi-
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derar que a escola como diz Dayrell (1996) tomando com referência as
análises de Ezpeleta e Rockwell (1986) é um espaço sócio-cultural específico, ordenado em dupla dimensão: a institucional e a cotidiana,
“Institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que buscam
unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por uma
complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos, imposição de normas estratégias individuais,
ou coletivas, de transgressão e de acordos. Um processo de apropriação
constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão
forma à vida escolar”. (ibid. 1996a, p. 136).
A oferta de escolarização de qualidade para jovens e adultos significa superar os problemas históricos da exclusão escolar reforça a necessidade de planejamento dos espaços e das condições físicas na oferta dessa e de todas as modalidades de ensino. Pensando no compromisso das escolas com a inclusão dos jovens e adultos trabalhadores, realizei essa pesquisa sobre a relação dos jovens e adultos alunos do CEFET
com os espaços da escola.
A busca de qualidade reforça a necessidade de planejamento e da
adequação dos espaços e das condições físicas para a oferta dessa e de
todas as modalidades de ensino e o compromisso das escolas com a
inclusão dos jovens e adultos trabalhadores.
Os Prédios Escolares – A importância do
espaço para a aprendizagem
Todas as construções, urbanas e rurais, devem obedecer às Normas Técnicas e aos Planos Diretores de seus municípios. No caso das
escolas, essas exigências são complementadas por legislação específica
e definidas em Pareceres e Resoluções dos órgãos normativos dos sistemas educacionais: os Conselhos de Educação (Nacional, Estadual ou
Municipal), que estabelecem as condições mínimas necessárias para
implantação de uma Escola, inclusive as que dizem respeito aos prédios
escolares e às condições físicas necessárias, pois as “escolas são um
espaço cultural próprio” (Dayrell, 1996, p.47), com destinação específica e, por essa razão, exigem uma arquitetura também específica. As
normas têm como objetivo criar um ambiente seguro e propício ao cumprimento dos objetivos das instituições escolares – o cumprimento do
direito à educação com qualidade.
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É importante considerar que
“A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras. Desde a
forma da construção até a localização dos espaços, tudo é delimitado
formalmente, segundo princípios racionais, que expressam uma expectativa de comportamento dos seus usuários. (Dayrell, 1996b, p. 147).
Para Moussatche, Alves-Mazzotti e Mazzotti (2000) as edificações
como ambientes psicossocialmente representados, influenciam na relação afetiva da população com a escola; os prédios escolares são
construídos num âmbito social complexo que alguns seres humanos criam e outros recriam, e estes, serão vividos por alunos. Assim sendo a
edificação escolar representa a idéia de escola criada por alguns grupos
para atender a um usuário que não participa ativamente do processo
decisório. Desta forma, a arquitetura escolar tem papel relevante no
processo de construção social.
Os espaços destinados aos alunos que freqüentam as classes de
Educação de Jovens e Adultos nas escolas costumam ser os mesmos
utilizados para as chamadas classes regulares. No CEFET, da mesma
forma, os espaços utilizados para as turmas do PROEJA e do EMA não
costumam ser espaços especiais, resultado de um planejamento, ou de
uma adaptação das condições já existentes. Esse fato pode provocar a
evasão, visto que os alunos, por não se sentirem confortáveis dentro do
ambiente escolar, encontram motivos para desistir mais uma vez da escola. Os ambientes a eles destinados devem tornar-se atrativos e adequados
à sua realidade, fazendo com que continuem seus estudos.
Alguns autores já se dedicaram a estudar os prédios e espaços
escolares entre eles João Roger de Souza Sastre7 que, estudou os prédios escolares em Pelotas e Beatriz Fedrizzi8 que pesquisou os pátios escolares em Porto Alegre, Helena Moussatche, Alda Judith Alves-Mazzotti
e Tarso Bonilha Mazzotti (2002), que estudaram os prédios escolares de
quatro escolas públicas do Rio de Janeiro.
Sastre destaca a importância do espaço onde acontece o processo
educativo pois “onde acontece o ato de educar, faz-se necessário discutir a educação não só no âmbito pedagógico, mas também deve-se
destacar a questão do prédio que irá abrigar a escola”(2001, p.24).
7
SASTRE, João Roger de Souza. Dissertação de Mestrado: “Edifícios Escolares na Cidade de
Pelotas”. Pelotas- UFPel, 2001.
8
FEDRIZZI, Beatriz. A Organização Espacial em Pátios Escolares Grandes e Pequenos –
UFRGS. mimeo, s/ data.
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Para a aprendizagem, não só os métodos didáticos são importantes, o ambiente pode ter significável influência. O planejamento de escolas deve começar e terminar com o aluno. Os prédios escolares não
podem ser reduzidos apenas a um abrigo construído para alunos e professores e tampouco ser apenas um depósito de material de ensino. Ao
se considerar todos esses aspectos, estará sendo oferecido condições
necessárias tanto às atividades escolares quanto ao bem estar físico e
emocional dos alunos.
Partindo do princípio de que a escola, como a conhecemos, existe
porque existem alunos, todo seu planejamento deve ser com o objetivo
de dar-lhes condições de estudo de qualidade o que inclui os prédios e as
condições físicas da escola.
Ao estudar o espaço escolar, Luciano Mendes de Faria Filho9 destaca que
“no seu conjunto, o espaço escolar, materializado no prédio do grupo
escolar, bem como nas suas divisões e subdivisões internas, no seu afastamento da casa e na sua separação da rua, produziu, tanto quanto foi
produto, de uma nova forma e cultura escolar que, em seu movimento de
constituição, foi o palco e a cena de apropriações diversas, produzindo e
incorporando múltiplos significados para um mesmo lugar projetado pela
arquitetura escolar”.
Embora nos últimos anos, tenha se observado uma significativa
melhoria nas condições físicas das escolas é muito comum encontrarem-se escolas, principalmente da rede pública, com mobiliário deteriorado e inadequado, sinais de vandalismo, pisos danificados, salas de aula
com maior número de alunos do que o recomendado. O estado precário
de alguns edifícios escolares indica a falta de políticas públicas efetivas
no sentido da sua melhoria.
A análise de todos os aspectos que envolvem essas construções
pode-se dizer que muitas vezes os espaços, não sendo próprios para o
ensino, tornam-se espaços mal dimensionados. Algumas vezes, não permitem o acesso do aluno a alguma parte da escola, pois foram criadas e
projetadas para um outro uso.
A importância do edifício escolar na educação e necessidade de
sua adequação aos objetivos a que se destina, estão muito claras nos
pareceres do Conselho Estadual de Educação que regulamentam a ofer9
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O espaço escolar como objeto da história da
educação: algumas reflexões. Revista da Faculdade de Educação ISSN 0102-2555 versão
impressa, v.24 n.1. São Paulo - jan./jun. 1998.
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ta do ensino fundamental (Parecer nº 1400/2002) e do médio no Rio
Grande do Sul (Parecer nº 580/2000).
Sendo a escola um espaço de convivência e socialização, os seus
espaços não se limitam às salas de aula e laboratórios, os espaços de
convivência e lazer também são importantes.
A Engª Agrônoma Drª Beatriz Fedrizzi10 destaca a importância dos
pátios escolares em relação aos tamanhos, seus usos, não só pedagógicos, mas proporcionando sociabilidades.
Estudos das condições dos pátios escolares e a indicação de possibilidades de melhorias nortearam sua pesquisa. Ela mostra que as limitações
nos espaços oferecidos aos alunos para os intervalos de aulas, diminuem
as possibilidades de interação dos alunos como o ambiente que os cerca.
Ela encontrou, nas escolas de Porto Alegre, dois tipos de pátio que classificou de: grandes e pequenos e mostrou que a dimensão do pátio condiciona
as atividades dos alunos. Disse também que como não é possível
desconsiderar, nem alterar essas diferenças os pátios devem ser planejados de acordo com a sua dimensão para propiciarem as melhores condições de uso pelos alunos. Esse uso é diferente de acordo com o tamanho
do espaço e que segundo a autora “...os espaços devem ser flexíveis
para poder proporcionar múltiplos acontecimentos” (p. 2 ).
As alternativas propostas pela autora mostram o papel que os espaços escolares fora da sala de aula têm na formação dos alunos pela interação.
Ela sugere que sejam planejadas algumas áreas pequenas e íntimas, outras
grandes e desafiantes para os alunos. As diferentes qualidades de áreas,
juntamente com diferentes tamanhos e formas e também com os objetos
que os compõem, permitem diferentes atividades.
Os Prédios Escolares nos Pareceres Nº 580/2000
e Nº 1400/2002 do CEED
O Parecer nº 580/2000 do Conselho Estadual de Educação do Rio
Grande do Sul11, estabelece diretrizes para o funcionamento das escolas
públicas e privadas no estado, estabelecendo parâmetros para a construção de prédios escolares para ensino médio e o Parecer nº 1400/2002,
para prédios de ensino fundamental, inclusive para a Educação de Jovens e Adultos.
10
FEDRIZZI, Beatriz. A organização Espacial em Pátios Escolares Grandes e Pequenos –
UFRGS. Mimeo, s/ data.
11
Após a promulgação da Lei 9394/1996, a LDB, O Conselho Estadual de Educação do Rio Grande
do Sul, reformulou as diretrizes para a autorização de funcionamento das escolas no estado.
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Segundo o Parecer nº 580/2000 os prédios destinados à oferta de
ensino médio devem ser exclusivos para o funcionamento da escola e ter
acesso direto, oferecer condições de segurança e considerar fatores como
higiene, iluminação, acústica e temperatura.
Os espaços pedagógicos, como Salas de Aula, Laboratórios e Bibliotecas deverão oferecer condições mínimas de conforto, e estar adequados a sua finalidade, com medidas mínimas em relação à área do
ambiente, vãos de ventilação, iluminação natural e direta.
As áreas destinadas à prática de Educação Física, bem como os
espaços de recreação devem também obedecer às normas estabelecidas
nos pareceres.
Todas as dependências e ambientes devem dispor de instalações
elétricas necessárias ao bom funcionamento de equipamentos e apresentar iluminação artificial adequadas.
O número de alunos, por sala de aula, é considerado pela capacidade máxima de cada sala de aula. A escola deve contar, também, com
espaços para atividades conjuntas, que envolvam concentrações e reuniões comunitárias, mostrando que existe a preocupação da integração
entre os alunos e a escola. Dessa forma, também possibilitará atividades
coletivas além da sala de aula. O acesso a esses espaços, tanto interna
como externamente, deve facilitar o deslocamento de pessoas portadoras de necessidades especiais.
O Parecer nº 1400/2002, não obriga, mas recomenda, para a qualificação da oferta do Ensino Fundamental, a existência de outros espaços
pedagógicos como laboratórios, salas de convivência para professores e
funcionários, Ciências e Artes, que são obrigatórios para o ensino médio.
As escolas poderão ter características diferentes de acordo com a
sua localização, urbana ou rural, para estar de acordo com a realidade
geográfica em que estão inseridos. Os prédios localizados na zona rural
terão que atender aos pré-requisitos físicos mínimos de qualidade em
relação a instalações, equipamentos e recursos didáticos. As áreas para
Educação Física e Recreação poderão ser junto à escola ou em espaço
disponibilizado pela comunidade. Além disto, as escolas rurais terão também refeitório/cozinha e instalações sanitárias adequadas ao número de
educandos, como as urbanas.
A oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA) está contemplada no Parecer CEED nº 1400/2002 no que se refere à qualificação docente específica, proposta pedagógica e recursos pedagógicos de acordo com a natureza dos alunos e apropriados a essa modalidade de ensino
(item 5.3).
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Com relação aos prédios escolares o mesmo parecer, apresenta
uma flexibilização quando se trata de oferta da EJA, possibilitando o uso
de espaços cedidos para atividades de Educação Física (item 6.2) e a
ocupação de edifício, preservadas as exigências de entrada exclusiva e
identificação (item 6.3).
A relação dos alunos do PROEJA e do EMA
com a estrutura do CEFET-RS
Para coletar dados sobre como e quais espaços são utilizados pelos
alunos das turmas de EMA e PROEJA foi aplicado um questionário em
sala de aula, com questões abertas e fechadas, de modo a apontar quais
os ambientes mais utilizados por esses alunos, quer na área pedagógica,
quer na de lazer. Relacionando os ambientes com as atividades a que se
destinam, verificamos como os espaços escolares são ocupados por esses alunos, que outros ambientes julgam necessários e a quais ambientes
eles não têm acesso.
Foram sujeitos da pesquisa os alunos de duas turmas: uma do
PROEJA e uma do EMA, do Centro Federal de Educação Tecnológica
de Pelotas, do turno da noite. Os alunos que freqüentam a turma do
PROEJA são alunos na faixa etária entre dezoito e cinqüenta e cinco
anos, todos moradores da cidade de Pelotas e a grande maioria proveniente dos bairros. Já os alunos que freqüentam a turma do EMA, são
alunos na faixa etária entre vinte e sete e cinqüenta e seis anos, três
alunos são moradores de cidade vizinha e os demais, oriundos de bairros
e do centro da cidade.
A turma de PROEJA é composta de vinte alunos, doze do sexo
masculino, e oito do sexo feminino, mostrando a predominância do sexo
masculino no curso profissionalizante. Do total de alunos somente doze
responderam o questionário. Desses, seis são do sexo masculino, cinco
do feminino, um não marcou essa resposta.
A turma de EMA é composta de trinta e oito alunos, dez do sexo
masculino e vinte e oito do sexo feminino, com marcante predominância do
sexo feminino. Do total de alunos somente onze responderam à pesquisa.
Entre os onze alunos, um é do sexo masculino e dez são do sexo feminino.
Constata-se que a turma de PROEJA, que é profissionalizante,
tem um pequeno predomínio de homens, mas na turma de EMA, as
mulheres são a maioria.
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Estes alunos são trabalhadores12 que estiveram afastados da escola por muito tempo e agora buscam dar continuidade aos seus estudos.
No caso do PROEJA, para ter maiores oportunidades de inserção no
mercado de trabalho.
Das respostas dos alunos constata-se que, além das salas de aula e
dos laboratórios, são poucos os outros espaços utilizados. As respostas
indicam a vontade de usufruir das áreas de lazer e de práticas esportivas.
Sobre os espaços que mais utilizam no CEFET-RS para aprendizagem, na turma de PROEJA, todos responderam a Sala de Aula, dez
incluíram os Laboratórios; cinco citaram a Biblioteca e cinco, o Auditório. No que se refere ao Lazer; onze responderam que freqüentam os
Jardins; cinco, o Auditório e cinco, a Cantina. Para a pergunta sobre
espaços utilizados em Outros Momentos; seis responderam a Cantina;
quatro, os Jardins e o Abrigo de Bicicletas.
Entre os espaços que os alunos julgam não existirem e necessários,
quatro não responderam; cinco acham que está ótimo; um não sabe; um
diz que não houve tempo de utilizar todos os espaços e somente um
sugeriu a necessidade de um espaço para integração alunos/alunos e
alunos/professor, no intervalo.
A respeito da dificuldade de acesso a algum espaço, cinco alunos
não responderam; seis responderam que não tiveram dificuldade e um
respondeu que não buscou com medo de se perder.
Na turma de EMA, da mesma forma, todos responderam ser a
Sala de Aula o principal espaço de aprendizagem, sete incluíram os
Laboratórios; dez utilizam a Biblioteca e sete, o Auditório. Para lazer, um
vai a Biblioteca, um para o Refeitório e um utiliza os Jardins, os outros
não responderam. Quando à questão sobre o uso em outros momentos,
um respondeu o Gabinete Médico.
O item referente aos espaços que julgavam necessários, obteve
somente três respostas: um gostaria de Educação Física, esportes para
a EMA; outro gostaria de usufruir a Piscina e o terceiro respondeu o
Refeitório.
Sobre a dificuldade de acesso a espaços um declarou não ter acesso ao refeitório, três não enfrentaram essa dificuldade e seis alunos não
responderam.
Analisando as respostas, constata-se que, para as atividades pedagógicas, tanto os alunos do PROEJA quanto os do EMA citam, além das
Salas de Aula, o uso dos Laboratórios como um espaço de aprendiza12
Entendemos assim porque no CEFET, é pré-requisito ser trabalhador para cursar aulas no
turno da noite.
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gem. A utilização da Biblioteca e do Auditório, no processo pedagógico,
também são citados como espaços de aprendizagem, mas por um menor
número de alunos.
As áreas de Lazer eles acreditam serem necessárias, tanto que
enumeram os Jardins e a Cantina e indicam que há falta de um espaço
mais adequado à integração entre os alunos e com os professores.
O que chamou a atenção, e deve ser motivo de avaliação pela
administração e coordenação pedagógica, foi a afirmação de um aluno
de que tem “medo de se perder” e que por isso não procurou outros
ambientes. Pode acontecer de outros alunos enfrentarem esse mesmo
sentimento sem declarar, e com isso ficarem tolhidos na sua movimentação no âmbito da Escola.
A falta de acesso ao ambiente do Refeitório é apontada por um
aluno em cada turma, como não dizem o objetivo para o acesso ao Refeitório e, sendo esse um espaço reservado às refeições, pode-se deduzir que gostariam de ter refeições ou um espaço mais tranqüilo para
comer o que trazem. Será essa uma política necessária para que continuem seus estudos.
Conclusão
O presente trabalho buscou delinear como os alunos das turmas de
Educação de Jovens e Adultos do CEFET-RS, Pelotas, se relacionam
com e quais os espaços mais utilizados para a aprendizagem.
Uma vez que a Escola tem como objetivo contribuir para que seus
alunos tornem-se indivíduos capazes e cidadãos participativos, é necessário que ele encontre um prédio acolhedor e com condições mínimas,
que permitam o seu desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos.
Se a educação de Jovens e Adultos tem como objetivo possibilitar
aos trabalhadores e a outros segmentos da sociedade, a reentrada no sistema educacional, dando-lhes a condição de escolarizado e possuidor de
conhecimentos sistematizados, faz-se necessário que além da formação
de docentes para a área de educação de Jovens e Adultos, sejam oferecidos ambientes adequados tanto no que se refere aos ambientes pedagógicos, propriamente ditos, como Salas de Aula, Laboratórios e Oficinas, como
também áreas destinadas a Lazer e Esportes que terão a importância para
a socialização e a construção da auto-estima dos alunos.
É fundamental que o prédio escolar ofereça condições mínimas
para um ensino de qualidade e sejam adequados às Normas Técnicas, os
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Pareceres e os Planos Diretores das cidades que se respeitados, certamente, a oferta será de espaços bem aproveitados.
Ambientes pedagógicos bem dimensionados e planejados, assim como
espaços de Lazer e atividades de Educação Física, possibilitarão integração
aluno/aluno e aluno/escola. Esse conjunto de situações contribui para a formação social do aluno e abre um amplo caminho de aprendizagem, visto que
o aprendizado não se dá somente na Sala de Aula.
Outro aspecto que se deve considerar que os Pareceres em determinado momento abre a possibilidade de alternativas paliativas, permitindo uma adequação. Abre-se dessa maneira, uma flexibilização de acordo com área onde a Escola encontra-se inserida.
Finalmente, ao tratar-se da relação com os prédios e as condições
físicas para o desenvolvimento das propostas pedagógicas para Educação de Jovens e Adultos de oferta de EJA, no CEFET-RS, PELOTAS,
pode-se concluir, em primeiro lugar, que os espaços utilizados são os
mesmos destinados às turmas regulares, com exceção do Refeitório.
Dos resultados da pesquisa, pode-se concluir que os alunos do PROEJA
e do EMA utilizam os mesmos ambientes físicos quer para atividades
pedagógicas, quer para o lazer e a maioria é de parece ter atendidas as
suas necessidades básicas.
Os prédios e espaços escolares fazem parte uma arquitetura que
“...é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que
institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem,
disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e
toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e
também ideológicos” ([Escolano, 1998, p. 26] apud, Vieira, 2000, p2).
Por essas razões, é preciso dar atenção aos indicadores que apontam a necessidade de espaços para maior integração e, embora tenha
sido referido apenas por um aluno, é preciso considerar a dificuldade
desses alunos, que, diferentemente dos alunos que desenvolvem regularmente a sua trajetória escolar, não estão familiarizados com os ambientes escolares e que as dimensões e organização/distribuição dos espaços
no CEFET podem ser estranhos e apresentar dificuldades de circulação.
Referências
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.Lei nº9.394, de dezembro de
1996. Rio de Janeiro: Casa Editorial Pargos, 1997.
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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE PELOTAS. Relatório
de Gestão, ano 2005.
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Belo Horizonte, 1996
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MOUSSATCHE, Helena, ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith, MAZZOTTI, Tarso
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RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer CEED Nº 1400.
Estabelece normas para a oferta do Ensino Fundamental no Sistema Estadual de
Ensino do Rio Grande do Sul. Coletânea de Leis e Atos Normativos decorrentes
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AVALIAÇÃO DOS ESTUDANTES DO
PROEJA: EM BUSCA DA INOVAÇÃO
Cristiane Regina Ferrari 1
Conceição Paludo2
Introdução
O presente estudo sobre a avaliação de aprendizagem dos estudantes do PROEJA (Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Jovens
e Adultos), resulta do anseio em ampliar os aspectos teóricos sobre o
referido tema que é bastante polêmico, relativamente novo e pouco
pesquisado. A investigação teve a intencionalidade de averiguar como
ocorre o atual processo avaliativo dos estudantes do PROEJA, do
CEFET–BG (Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves/RS). Para a análise, parte-se da compreensão de que a avaliação deve servir para diagnosticar e orientar as estratégias de ação do
processo de ensino e aprendizagem e que deve ser processual, contínua, emancipatória e formativa.
A proposição do PROEJA evidencia que a avaliação tem o papel
de priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem. Nesse sentido, a
avaliação deve buscar a re(construção) do conhecimento, considerando
o sujeito criativo, autônomo, participativo, reflexivo e capaz de transformar a sua realidade e a da sociedade em que está inserido.
1
Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, professora de
Ciências Biológicas na modalidade de jovens e adultos.Este artigo, realizado para cumprir o
requisito parcial para obtenção de título de especialista em Educação Profissional Técnica de
Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos,
realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Centro Federal de Educação
Profissional e Tecnológica de Bento Gonçalves.
2
Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul, da Faculdade de Porto Alegre
(FAPA), Dra. Em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de curso da autora do
presente artigo.
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A instituição pesquisada é pública federal e atende os alunos do
PROEJA, através do curso Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores de Nível Médio, com Habilitação em Assistente em Comércio e
Serviços,3 que iniciou em 2006.
A pesquisa desenvolvida pode ser caracterizada como um estudo de
caso. Assume-se, entretanto, a perspectiva metodológica de articulação
entre a parte e a totalidade na qual está inserida. Conforme Trivinos (1995),
o estudo de caso é um dos tipos mais relevantes da pesquisa qualitativa,
emprega uma estatística simples e tem por objeto de estudo uma unidade
que é analisada profundamente dentro do contexto geral. Conforme Minayo
(1994) a pesquisa social qualitativa se constrói numa relação dinâmica
entre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na realidade concreta sendo, os resultados, uma aproximação da realidade4.
O texto a seguir, será apresentado em três momentos distintos: o
primeiro apresenta algumas conclusões a respeito da EJA, no Brasil,
baseadas no estudo de diversos autores; o segundo aborda a teoria da
avaliação sob o ângulo de duas principais concepções avaliativas e sobre
a proposição do PROEJA e da Escola pesquisada. O último momento
compreende a análise e discussão dos resultados sobre a forma como é
processada a avaliação na instituição estudada. Finalmente, apresentamos alguns indicativos para avançar na implementação da proposta de
avaliação de cunho formativo / emancipatório.
Educação de Jovens e Adultos no Brasil:
algumas constatações
Ao longo da segunda metade do século XX houve um importante
movimento de ampliação de ofertas de vagas no ensino público, porém,
ainda insuficiente. Essa ampliação de oferta não foi acompanhada de uma
melhoria na qualidade de ensino, produzindo um contingente de jovens e
adultos analfabetos funcionais ou incapazes de fazer a leitura crítica da
realidade da sociedade em que vivem (Haddad & Di Pierrô, 2000).
3
Conforme o Plano de Curso (2006), o curso está dividido em duas fases: 1) Formação Inicial
e Continuada de Trabalhadores, com 1200 horas de formação geral de nível médio, integrada
a uma formação profissional de 200 horas, voltada para o mundo do trabalho; 2) Composta
por módulos direcionados para a formação técnico-profissional (600 horas), abarcando o
curso de educação profissional técnica de nível médio.
4
Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: um questionário qualitativo para estudantes
e professores, contendo perguntas gerais sobre o PROEJA e perguntas específicas sobre
sistema de avaliação de ensino e aprendizagem, análises de documentos da instituição e do
PROEJA e conversas informais com a comunidade escolar. Foram aplicados 27 questionários
para os estudantes de PROEJA e 10 para os professores que atuam com o PROEJA, obtendo
um retorno de 22 e 05 questionários respectivamente.
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Fazendo um balanço, após o estudo de diversos autores,5 percebemos várias expressões da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no cenário nacional. Expressões construídas pelas intencionalidades, interesses e
conflitos entre as classes sociais, através dos vários segmentos, grupos e
representações que as compõem, no espaço do Estado ou da Sociedade
Civil. Estas expressões estão fundamentadas em idéias, conceitos, discursos e ações que revelam projetos diferentes de sociedade e de Brasil.
A falta de qualidade de ensino, caracterizada pelas metodologias e
currículos padronizados e distantes da realidade dos alunos, o processo
avaliativo classificatório e excludente e a situação de extrema pobreza
de uma grande parcela da população acaba por excluir da escola muitas
crianças e adolescentes antes de concluírem os estudos. Dessa forma,
nos últimos anos, a EJA vem perdendo sua identidade, pois, além de
oportunizar formação aos adultos trabalhadores que não tiveram oportunidade de concluir os estudos em tempo hábil, está absorvendo uma grande
contingência de adolescentes excluídos do ensino “regular” e que estão
em busca de “aligeiramento” dos estudos.
Percebe-se, também, que em toda a trajetória, a EJA foi marcada por
iniciativas descontinuadas e de caráter voluntariado. Porém, destacam-se
três momentos importantes para EJA: a política pública de alfabetização de
Paulo Freire, anterior a 1964; o MOVA, na década de 1990; que mesmo
não-governamental/nacional travou lutas importantes, problematizando o
descaso com a EJA; e o PROEJA que, embora não se constitua em uma
política pública, busca ser inovador nos seus ideais emancipatórios.
A experiência histórica mostra, igualmente, que uma educação de
qualidade requer professores devidamente preparados e qualificados. Porém, a rotatividade de docentes devido à falta de carreira específica para
EJA e a inexistência de equipes direcionadas à educação de jovens e adultos impedem a formação de um corpo técnico especializado e dificulta a
organização de projetos pedagógicos específicos para esta modalidade.
Tratando-se de educação de qualidade muito se tem a fazer ainda
pela EJA, já que o setor público ainda não encontrou uma maneira eficaz
de elevar a escolaridade das camadas populares. As aprendizagens mínimas e de qualidade dessa contingência da população precisam ser sanadas, através de oferta permanente de educação, garantida por políticas públicas que visem à formação humana e científica, associada a
uma ampliação de oportunidades de trabalho, melhor distribuição de renda e maior participação política.
5
Haddad & Di Pierro (2000), Aranha (1996), Brandão (2001), e Frigotto (2004).
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Teoria da avaliação, proposição de avaliação
do PROEJA e do CEFET-BG
O tema avaliação vem sendo muito discutido entre a comunidade
científica, educadores e teóricos. Isso ocorre devido à necessidade de
compreender a avaliação como parte extremamente relevante do processo de aprendizagem. A avaliação com características classificatórias,
niveladoras e excludentes, ainda presentes no cotidiano escolar, gera
desconforto e conflito no momento em que aos poucos se dissemina uma
nova concepção de avaliação da aprendizagem. A nova concepção,
emancipatória, processual, contínua, mediadora e formativa se apresenta contextualizada, inserida em uma sociedade com uma problemática
sócio-político-cultural e econômica (Abramowicz, 1990).
Abordar a avaliação supõe, necessariamente, a análise de toda a
pedagogia que se pratica. Para Sacristán (1998), a avaliação é explicada
pela forma como são realizadas as funções que a escola desempenha e,
portanto, está condicionada por aspectos sociais, pessoais e institucionais,
incidindo sobre os demais elementos envolvidos na escolarização. Nesse
sentido, a forma como o ensino é concebido, o entendimento do que é
aprender, do papel da escola, está intimamente relacionado com a forma
de avaliar.
No nosso entendimento, a avaliação é um processo político a serviço da sociedade na busca do aperfeiçoamento da educação e do
pleno desenvolvimento cidadão. Nesse sentido, a prática avaliativa deve
articular-se com os objetivos, a metodologia, o conteúdo e todo o processo de ensino e aprendizagem, ou seja, a instituição de ensino precisa ter claro quando avaliar, como avaliar, o que avaliar, para que avaliar e para quem avaliar. O eixo central do processo didático escolar
está dado pela relação entre objetivos e avaliação que modula o par
conteúdos/métodos (Freitas, 2003). Para tal, parte-se da construção
coletiva do Projeto Político Pedagógico6 e do Currículo7 que devem ser
sustentados por um referencial teórico pedagógico e político que dê
identidade à instituição escolar.
A fragmentação dos conteúdos escolares impõe uma estratégia de
avaliação fragmentada que estimula de forma negativa a competição
6
O projeto político pedagógico é o projeto global da escola, deve ser reavaliado e reorientado
constantemente, uma vez que diz do rumo e da direção que a instituição vai perseguir de
forma intencional e explícita.
7
O currículo, por sua vez, é uma construção social do conhecimento, pressupondo a sistematização dos meios para que esta construção se efetive.
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pelos melhores resultados, inibindo a solidariedade e o companheirismo.
Nesse sentido, o currículo deve reduzir o isolamento entre as disciplinas,
oportunizando, assim, menor fragmentação dos conteúdos e maior compreensão dos aspectos sociais, visando buscar uma alternativa frente a
essa prática hegemônica.
Na prática predominante, a avaliação feita pelo professor se fundamenta na fragmentação do processo ensino/aprendizagem e na classificação das respostas dos educandos, a partir de um padrão pré-estabelecido, onde a diferença de respostas quanto ao pré-estabelecido é chamado de erro e, a semelhança, de acerto. Conforme Luckesi (1995), a
avaliação dominante se processa, muitas vezes, de forma reducionista,
através da aplicação de testes, trabalhos e provas, aos quais se atribui
um valor que deve corresponder ao nível qualitativo da aprendizagem do
aluno. Para Sacristán (2000 p. 317), esse “procedimento funcionaria como
uma “rotina” que agiliza o processo de avaliação por parte do professor.
O processo de aferir a aprendizagem escolar impõe aos estudantes
conseqüências negativas, uma vez que o sujeito não adquire autonomia
para atuar como efetivo cidadão e por viver sob a ameaça da reprovação. Segundo Abramowicz (1990, p.03) “observamos a marca inconfundível do controle”. Através da “medida” de aprendizagem a escola tenta
“moldar” o aluno dentro do padrão considerado normal/ ideal.
Desenvolver uma nova postura avaliativa nas escolas requer reconstruir a concepção e a prática avaliativa rompendo com a cultura de
memorização e do professor como detentor do saber, visando uma prática
pedagógica comprometida com a inclusão, com o respeito às diferenças,
com a construção coletiva do conhecimento (Esteban, 1999). Para tal, devese ter um olhar mais atento, uma escuta densa e uma intuição apurada.
Numa perspectiva de avaliação emancipatória e democrática partse do pressuposto de que se defrontar com dificuldades é inerente ao ato
de aprender, porém, se respeitado o tempo e a especificidade de cada
aluno, todos são capazes de aprender. Utilizada de forma transparente e
participativa, a avaliação permite ao aluno reconhecer suas próprias necessidades, desenvolver a consciência de sua situação escolar e orientar
seus esforços na direção dos critérios de exigência da Escola. A proposta do PROEJA aposta na adaptação do tempo/espaço às especificidades
dos sujeitos que atende, tanto no sentido de permitir o acesso à escola
em turnos contrários ao trabalho, quanto no respeito ao tempo de aprendizagem de cada um. Torna-se necessário elaborar uma proposta
avaliativa que atenda ao alto grau de expectativa que esses sujeitos possuem no retorno à escola.
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A proposta avaliativa no documento base do PROEJA (2006), apresenta a avaliação como forma de priorizar a qualidade e o processo de
aprendizagem. Dessa forma, a avaliação deve ser desenvolvida numa perspectiva processual e contínua, por meio de um processo interativo que
considere o aluno capaz de transformações significativas na realidade.
Conforme plano de curso da instituição, a proposta avaliativa do
PROEJA do CEFET-BG apresenta a avaliação como um processo contínuo de formação, cujo foco é a emancipação dos sujeitos que participam do processo educacional, na qual os mesmos desenvolvem conceitos8 previamente definidos, por meio da apreensão de objetos do conhecimento relacionados as diferentes disciplinas, indo ao encontro, sempre
que possível, da Rede Temática constituída e apresentada aos alunos.
Nesta proposição, portanto, todos os sujeitos podem avaliar e ser avaliados, tendo como formas a avaliação individual, a auto-avaliação9 e a avaliação coletiva10. A expressão final da avaliação ocorre através de pareceres
descritivos que apresentam os conceitos já construídos, de modo que o aluno
progrida de um módulo para outro ou permaneça no mesmo módulo.
O PROEJA e a avaliação dos estudantes
No que diz respeito ao objetivo dessa pesquisa, ou seja, saber como
ocorre a avaliação dos alunos do PROEJA do CEFET-BG, foram encontradas algumas contradições nas respostas dos pesquisados, bem como,
algumas divergências em relação ao Plano de Curso do PROEJA do
CEFET–BG, embora se tenha verificado esforços para obter avanços.
No que se refere aos estudantes, 20%11 entendem a avaliação como
parte da aprendizagem, de maneira a subsidiar o crescimento do aluno e o
melhoramento do processo de ensino e aprendizagem. O restante acredita
que a avaliação é uma forma de testar o conhecimento adquirido. Seguem
algumas expressões escritas pelos alunos: “è importante pelo motivo que o
aluno se esforça mais para adquirir a nota para a aprovação; o professor
avalia pela freqüência e participação”. Apesar de afirmarem que a avaliação é verificada através de conceitos e não medida por notas, os alunos
8
Os conceitos são previamente discutidos com os professores e alunos e são de conhecimento de todos. Exemplos de conceitos: argumentação: apresentar justificativas com coerência
às idéias; discernimento: distinguir situações diferentes.
9
A auto-avaliação consiste em uma planilha onde o aluno coloca a manifestação de sua
aprendizagem, através dos conceitos trabalhados em cada disciplina.
10
A avaliação coletiva consiste em um conselho participativo, onde os resultados são discutidos pelos professores conjuntamente com os estudantes.
11
Esta pesquisa foi efetivada através da aplicação de questionários e entrevistas, realizados
com 05 professores e 22 alunos, da turma do PROEJA, do CEFET-BG.
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entendem a avaliação como caminho para aprovação ou reprovação, que
é medida através de uma demonstração de aquisição de conhecimento.
Cerca de 82% dos alunos afirmaram serem avaliados diariamente,
porém, quando solicitado para descrever o modo como são avaliados,
não sabem responder ou deram respostas incoerentes. Percebem-se,
portanto, equívocos na aplicação da avaliação contínua e participativa
descrita no Plano de Curso (2006) do CEFET-BG. Isso retrata um problema não apenas da instituição, mas do sistema de educação brasileiro,
onde as políticas educacionais são impostas pelos governantes e não são
discutidas com os verdadeiros responsáveis pelo processo educativo:
professores e alunos. Ainda, além da falta de discussão com a escola,
antes da implantação do PROEJA, o tempo de implantação foi muito
curto, impossibilitando, assim, a devida preparação docente e conseqüente
preparação discente. Cerca de 18% acreditam não serem avaliados diariamente ou estão incertos quanto a esse quesito: “Eu acho que não me
avaliam”; “Acho que sim, verbalmente”.
Quanto ao modo de verificação dos objetivos das avaliações, cerca
de 60% afirmam ser através de conceitos, enquanto 40% não conseguiram estabelecer uma definição citando que a avaliação ocorre por trabalhos, por auto-avaliações, participação e freqüência em sala de aula e
parecer descritivo. Isso nos indica pouco trabalho participativo junto aos
alunos sobre a concepção, os objetivos, a metodologia e avaliação do
PROEJA. Dessa forma, sem a devida compreensão da nova proposta
pedagógica, a avaliação é vista pelos alunos como “fácil”, sem provas,
diferente da avaliação da escola regular, porém, não como forma de
inclusão e formação cidadã, apenas como forma de certificação rápida
dos excluídos da escola.
Como vimos anteriormente, a proposta da escola possibilita que
todos os sujeitos avaliem e sejam avaliados, tendo como formas à avaliação individual, a auto-avaliação e a avaliação coletiva. No entanto,
alguns alunos citam a dificuldade de se expor na auto-avaliação ou
avaliação coletiva. Isso nos remete a um problema de planejamento e
incentivo para a avaliação participativa, onde o objetivo é identificar o
caminho percorrido na aprendizagem e apresentar possíveis medidas
para atingir os conceitos ainda não construídos. Nesse sentido fica
difícil realizar uma efetiva auto-avaliação ou avaliação coletiva, quando os sujeitos avaliados desconhecem ou estão incertos quanto ao modo
avaliativo. A auto-avaliação requer do aluno o conhecimento de sua
atual situação de aprendizagem, baseado nos conceitos trabalhados
nos mais diversos conteúdos.
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Mesmo inseguros, 50% dos alunos aprovam a proposta avaliativa atual; 25% gostariam de ser avaliados através de provas, testes e conseqüente
classificação por notas e os outros 25% gostariam de ser avaliados somente
no final do semestre. A parcela de alunos (25%) que prefere provas e notas
representa os sujeitos mais jovens e com menor tempo de afastamento da
escola. É possível fazer duas reflexões sobre esse aspecto: ou os mais jovens têm mais dificuldades de entender o novo processo, por estarem acostumados com notas, enquanto os mais velhos o entendem, por terem sido
afastados do sistema escolar devido à avaliação classificatória e exclusiva,
ou a nova proposta avaliativa não está bem clara, causando insegurança.
No que se refere à posição dos professores, 40% disseram que a
avaliação é feita através de uma listagem de conceitos, 40% citaram a
realização de um trabalho coletivo e uma avaliação individual em cada
disciplina, com critérios estabelecidos pelo professor e uma professora
mostra-se afinada com o projeto político pedagógico da instituição, quando escreve que a avaliação é contínua e visa diagnosticar a aprendizagem. Quanto à forma de retorno da avaliação durante o processo
avaliativo, a maioria se restringiu à devolução dos trabalhos e provas de
forma coletiva ou individual. Alguns citaram, ainda, a conversa e a discussão dos resultados com o grupo de alunos. Para os professores, a
avaliação é vista como uma forma de verificar o aprendizado e de construção do saber, porém, um professor salienta que os alunos se dedicam
mais quando tem uma avaliação e que isto é importante para conscientizálos da necessidade de avançar. Ainda, expressam que, para ser formativa,
a avaliação precisa estar de acordo com o conteúdo trabalhado.
Quando questionados quanto à maneira ideal de avaliação no PROEJA,
60% dos professores defendem a atual forma e incentiva a sua manutenção. A análise da escrita de dois professores mostra a necessidade de mudança e aperfeiçoamento no sistema avaliativo da instituição, quando colocam que a avaliação deve ser o mais ampla possível, com todos os aspectos
relevantes contemplados e que contribua para a aprendizagem do aluno.
Apesar do PROEJA do CEFET-BG ter uma concepção Freiriana
voltada à educação popular e, conseqüentemente, a uma proposta de avaliação formativa/emancipatória, alguns aspectos, como vimos, demonstram a dificuldade do corpo docente do PROEJA de alterar a concepção e
prática da avaliação e fazer a diferença na escola, uma vez que todas as
outras modalidades de ensino da instituição trabalham com uma avaliação
classificatória e somatória. Percebe-se, assim, a fragmentação e a desarticulação entre as modalidades de ensino oferecidas pela instituição. Da
mesma forma, torna-se difícil colocar em prática a avaliação formativa/
emancipatória sem uma efetiva formação dos professores.
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Para avançar na avaliação formativa/emancipatória
Conforme pudemos perceber através da análise do Projeto Político
Pedagógico da Instituição, o curso de PROEJA possui uma concepção,
uma infraestrutura e uma forma avaliativa diferenciada, já que toda a
instituição trabalha de forma tradicional com conteúdos a seres transmitidos e avaliações através de provas e testes. Os resultados desta pesquisa mostram que, para avançar, é preciso que os Projetos Político Pedagógicos globais das instituições incorporem o PROEJA, o que requer
maior engajamento por parte de toda a comunidade escolar, para poder
oferecer uma educação de qualidade aos jovens e aos adultos.
Nesse sentido, a formação continuada de professores deve ser feita numa estreita relação com a prática cotidiana, com acompanhamento
sistemático, para que se possa garantir algum retorno ao trabalho efetivo
em sala de aula. Os “treinamentos” esporádicos, os cursos aligeirados e
sem continuidade garantida são instrumentos de desserviço a EJA, pois
criam expectativas que não serão correspondidas, frustram alunos e professores, reforçam a concepção negativa de que não há o que fazer
nesta modalidade de ensino (Haddad, 2000).
A mudança na avaliação deve ser acompanhada de uma autonomia escolar, currículo flexível e contextualizado, formação continuada de
professores, continuidade das propostas pedagógicas e os estudantes
devem ter condições de ir compreendendo esta nova perspectiva de avaliação. Quando as mudanças ocorrem de forma fragmentada nas escolas, seu efeito conjunto não alcança uma modificação substantiva nas
práticas tradicionais.
Finalmente, através desse estudo sobre a avaliação dos estudantes
do PROEJA, conseguimos identificar que o PROEJA, de um modo geral, é um programa inovador de caráter emancipatório, fundamentado na
concepção Freiriana e que busca uma avaliação processual e contínua.
Apesar do esforço e dos avanços em relação à avaliação por parte do
CEFET-BG, encontramos alguns professores ainda não preparados e
alunos inseguros frente à nova forma avaliativa e pensamos que esse
fator é decorrente, também, da atual situação educacional brasileira e,
conseqüentemente, da falta de preparo das instituições e professores, o
que acaba dificultando a elaboração e implementação de propostas diferenciadas e deixando os estudantes com poucas condições de um
posicionamento mais consistente.
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Referências
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caminho. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1990. Tese
(Doutorado)
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Alegre / MOVA-RS: Corag, 2001.
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HADDAD, S.; DI PIERRO, M. C. Escolarização de jovens e adultos. Revista
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HADDAD, S.(org.). O estado da arte das pesquisas em educação de jovens e
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SACRISTÁN, J. G.; Gómez, A. I. P. Avaliação no Ensino. In: ______Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. Cap. 10.
SACRISTÁN, J. G. O Currículo avaliado. In:______. O currículo - uma reflexão
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TRIVINOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1995.
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UM ESTUDO DO CUSTO/ALUNO E
CONDIÇÕES DE OFERTA EDUCACIONAL
NO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES
Rosane Fabris1
Nalú Farenzena2
Introdução
Este artigo trata do custo/aluno no Centro Federal de Educação
Tecnológica de Bento Gonçalves – CEFET-BG -, apresentando resultados de uma pesquisa realizada nessa Instituição em 20063. São
identificadas também algumas características de organização, funcionamento e gestão escolar, a fim de discutir os custos associados a algumas
condições de oferta educacional.
Na análise dos custos do CEFET-BG é dado relevo aos custos
representados pela turma do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (PROEJA), comparando-os com os custos médios
da Instituição – o total e de cada modalidade oferecida.
Uma descrição bastante sintética dos procedimentos metodológicos
da pesquisa é descrita no início deste texto. É feita, na seqüência, uma caracterização geral do CEFET, recolhendo elementos que auxiliam mais diretamente na apreciação dos custos e de condições para a oferta de um ensino
de qualidade. Os custos estimados são o objeto do terceiro item desse artigo,
1
Técnica administrativa do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves,
Especialista em Educação PROEJA.
2
Professora da Faculdade de Educação/UFRGS, Dra em Educação, orientadora do Trabalho de
Conclusão de Curso da Autora do presente artigo.
3
Este artigo aproveita parte de um trabalho de conclusão de curso realizado pela autora no
Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao
Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O título deste trabalho é “Custo Aluno no Centro
Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves” e foi orientado pela profª Nalú Farenzena.
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finalizando-se com comentários que sintetizam o conteúdo do artigo, assim
como ponderam desafios para a pesquisa sobre custos educacionais.
Procedimentos metodológicos
Foram coletados os valores dos salários dos servidores ativos do
CEFET-BG, a carga horária dos docentes e sua distribuição por cursos,
com o objetivo de ratear seus salários entre as modalidades atendidas, os
dados das matrículas efetuadas e o número de alunos no ano de 2006.
Foram coletados os valores da remuneração dos servidores técnicos administrativos no mês de julho de 2006 e os do mês de outubro do
mesmo ano para os servidores docentes, meses esses em que não houve
pagamentos atípicos. Quanto aos salários de funcionários terceirizados,
considerou-se o valor pago à empresa contratada pelo CEFET-BG e não
o valor que os trabalhadores efetivamente recebem. Nos salários dos
estagiários foi acrescido o percentual de 10% pago ao CIEE - Centro de
Integração Empresa Escola, a título de taxa de administração.
Além disso, foi pesquisado o horário de funcionamento da Instituição, o número de turmas e de alunos no ano 2006, os dados dos servidores referentes à função exercida, vínculo com a escola, carga horária e
escolarização e também a gestão financeira do CEFET-BG. Importante
salientar que não foram levantados os custos de material de consumo,
energia elétrica, água, gás e tampouco os valores de reposição do prédio,
terreno e equipamentos existentes, uma vez que o tempo disponível era
muito curto para que fosse feito um levantamento tão detalhado. Assim,
partindo dos 100 pontos percentuais, foi considerado 73% como o
percentual de custo do pessoal e o restante considerado como outros
custos, ou seja, os mesmos percentuais encontrados no Levantamento
do Custo/aluno realizado pela UFRGS em 2003, no CEFET-BG (LEVANTAMENTO, 2003).
Para a definição de custo/aluno, foram consideradas as quantidades de recursos utilizados por aluno, no período de um ano. O divisor do
custo foi o número de matrículas.
No custo de pessoal estão inclusos os valores com salários, gratificações e encargos, ou seja, o valor bruto dos salários no período de um mês,
multiplicado por 13,3 que corresponde a 12 meses + 13º salário + 1/3 de
férias, multiplicando a seguir pelo fator 1,21, referente aos encargos patronais. Importante salientar que os salários do pessoal contratado através de
terceirização e de estágios remunerados foram multiplicados por 12.
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Breve caracterização do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Bento Gonçalvs
O Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves
é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, detentora
de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-científica e
disciplinar, sendo supervisionado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação.
Por suas características peculiares, mantém uma estrutura diferenciada em relação a outras instituições. Na sede, com 7,62 ha, localizada na área urbana do município de Bento Gonçalves, estão localizados
a residência dos alunos, com 28 quartos, a residência do diretor, ginásio
poliesportivo, sala de musculação, duas quadras de esportes descoberta,
cantina de vinificação, agroindústria, Cooperativa Escola, Centro de Tradições Gaúchas (CTG), lavanderia, refeitório, copa/cozinha, auditório,
biblioteca, 26 salas de aula, cinco salas de professores, sala de depósito,
enfermaria, laboratórios de biotecnologia, biologia e química e dois laboratórios de informática. Conta, também, com uma estação experimental,
no Distrito de Tuiuty, com 76,7 ha., onde são desenvolvidos os projetos
de zootecnia, agricultura, viticultura e mecanização agrícola.
O quadro de pessoal da Instituição é formado por 109 servidores
ativos do quadro permanente, dos quais 69 são técnicos administrativos,
39 são professores; desses últimos são três de 3º Grau. Além do pessoal
efetivo, o CEFET conta também com 11 professores em contrato temporário, 28 trabalhadores terceirizados e nove estagiários remunerados.
O quadro docente do CEFET-BG é composto por 78,43% de efetivos, sendo que 55% dos mesmos possuem dez ou mais anos de experiência, fatores que contribuem para a oferta de um ensino de qualidade.
Os professores contratados temporariamente representam 21,57%
do quadro; a rotatividade provoca impactos negativos na qualidade de
ensino oferecida, pois impede a aquisição da experiência profissional e
prejudica a organização escolar, pela constante troca de pessoal efetuada, muitas vezes, no meio do ano letivo.
É elevado o grau de qualificação dos docentes efetivos, sendo que
90% possuem curso de especialização, mestrado ou doutorado. Entre os
técnicos administrativos efetivos, 46,38% possuem cursos de graduação
ou mais. O alto grau de qualificação pode ser observado também entre
os docentes contratados, dos quais 72,73% possuem cursos de pós-graduação. Esses níveis de escolaridade repercutem nos custos relativamente elevados do CEFET-BG, como veremos adiante.
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O regime de trabalho de todos os docentes efetivos é a dedicação
exclusiva, o que possibilita uma maior qualidade do trabalho, uma vez
que se dedicam a uma única escola. Dos contratados, quatro tem carga
horária de 20 horas semanais e sete tem carga horária de 40 horas semanais. Os técnicos administrativos possuem regime de trabalho de 40
horas semanais, com exceção de dois funcionários cuja carga horária é
de 30 horas semanais.
O número de horas/aula ministrado pelos professores interfere na
qualidade de ensino oferecida. É necessário que os mesmos tenham tempo disponível para realizar outras atividades e também para própria atualização profissional. A esse respeito, no CEFET-BG, o número de horas
dos docentes em sala de aula varia de 22,5% a 60% da carga horária
total semanal de trabalho. Em geral os docentes possuem tempo disponível para realizar atividades extra-classe, tais como planejamento e preparação de aulas, avaliação de alunos, atividades de pesquisa, extensão
e administrativas.
O salário pago aos servidores é o principal componente do custo e
tem impacto decisivo no cálculo do custo/aluno/ano. Em 2006, o salário
dos professores variou de R$ 1.008,23 a R$ 7.997,65 e o dos técnicos
administrativos de R$ 1.464,13 a R$ 5.751,29. No Quadro 1 está demonstrado o quantitativo de pessoas em cada faixa salarial.
Quadro 1 - Salários do Pessoal Docente e Técnicos Administrativos - CEFET-BG - 2006
Fonte: folha de pagamento do CEFET-BG
Os servidores possuem um plano de carreira com níveis e padrões,
nos quais são enquadrados conforme a qualificação profissional e o tempo
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de serviço. Reconhecer a qualificação pela ascensão funcional, garantida
em plano de carreira, é condição de valorização e motivação profissional.
A Instituição oferece cursos nas seguintes modalidades: Ensino
Médio; Técnico em Enologia, concomitante e subseqüente ao Ensino
Médio; Técnico em Agropecuária com habilitação em Agricultura e em
Zootecnia, concomitante ao Ensino Médio; Técnico em Agropecuária
com habilitação em Agricultura, Zootecnia e Agroindústria, subseqüente
ao Ensino Médio; Técnico em Informática, subseqüente ao Ensino Médio; Tecnólogo em Viticultura e Enologia, PROEJA; em 2007 está
ofertando o Curso Superior na área de Tecnologia em Alimentos.
Ofertou também, em 2006, dois cursos técnicos em parceria com
prefeituras municipais do estado. No município de Casca foram ofertadas
25 vagas para o Curso Técnico em Agropecuária com habilitação em
agroindústria e, em Antônio Prado, 30 vagas para o Curso Técnico em
Agropecuária com habilitação em agricultura.
No ano de 2006 foi implantado o Ensino Médio Integrado à Formação Profissional na modalidade da Educação de Jovens e Adultos –
PROEJA. Por meio de um sorteio, realizado publicamente com toda a
comunidade, 35 alunos ingressaram nesse curso no 1º semestre de 2006,
oriundos de um processo seletivo cujo número de inscritos havia sido de
58 candidatos. O curso iniciou como ensino médio integrado a uma formação profissional de Técnico em Comércio e Serviços, com duração
de 4 semestres, totalizando 1.440 horas.
Para a implantação do PROEJA no CEFET-BG, foram levados em
consideração diversos fatores. O primeiro deles é que existia demanda
de jovens e adultos egressos da EJA/ Ensino Fundamental que poderiam
dar continuidade a sua formação através de um curso técnico que, além
de elevar sua escolarização, contribuiria com sua qualificação profissional. Outro ponto foram os resultados obtidos em pesquisa realizada com
alunos da EJA do Município, que apontou a necessidade de um curso
técnico com direcionamento profissional para a área de comércio e prestação de serviços. Além dessa pesquisa, foram consultados o Sindicato
dos Trabalhadores do Comércio e o Sindicato do Comércio Varejista de
Bento Gonçalves. O resultado dessas consultas convergiu no sentido da
necessidade permanente de atualização e aperfeiçoamento constante do
profissional para o mundo do trabalho, sobretudo no setor de comércio. 4
No dia 25 de junho de 2005 foi publicada no Jornal Semanário uma
matéria intitulada “Comércio precisa se qualificar”, na qual o coordena4
Plano de Curso PROEJA do CEFET-BG (2006)
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dor da pesquisa sobre a “Hierarquia Sócio-Econômica de Bento Gonçalves”, Prof. Jorge Thums, afirma que “Ao contrário do que ocorre na
indústria e na prestação de serviços, o comércio não se qualifica, não se
aperfeiçoa. O resultado é um atendimento e, por conseqüência, um desempenho amador”. O diagnóstico foi ratificado em 13 de janeiro de
2006, com a publicação de outra matéria noticiando que “Apesar do
aumento de vagas, Bento Gonçalves carece de profissionais qualificados”, e que, “os cursos profissionalizantes não estão preenchendo as
demandas”. As empresas, segundo a matéria, “estão em busca de profissionais que detenham conhecimento na sua área de atuação, tanto na
área administrativa e técnica quanto nos setores comercial e industrial”.
Além disso, as novas tendências do mundo do trabalho apontam para a
necessidade de pessoas com visão empreendedora, que participem de
todos os processos da empresa, desde a gestão até o varejo, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento de todos os setores. Ressaltou-se ainda a necessidade de profissionais qualificados para atuar nas
áreas de comércio e serviços pela forte representatividade desses setores na composição da economia do município, respectivamente 5,35% e
31,95%, no ano de 2005.
A distribuição dos alunos pelas diferentes modalidades de ensino e de
educação profissional do CEFET-BG pode ser visualizada no Quadro 2.
Quadro 2 - Número de Matrículas e de Turmas, Número
Médio de Matrículas por Turma, por Etapa ou Modalidade de
Educação Oferecida – CEFET-BG – 2006
Fonte: Secretaria do CEFET-BG
Dos estudantes que freqüentam a escola, 50,18% o fazem em
turno integral, conforme se observa no Quadro 3. Cabe observar que a
oferta em turno integral é fator que contribui para elevação do custo/aluno.
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Quadro 3 - Turno de Funcionamento por Etapa ou Modalidade de Educação Oferecida CEFET-BG – 2006
Fonte: Secretaria do CEFET-BG
Como pode ser verificado no Quadro 2, o número médio de matrículas por turma é de 27,6. Outros dados são importantes pelo fato de influenciarem mais diretamente os valores de custo aluno/ano da instituição: o número médio de matrículas por docente ficou em 21,37 em 2006; o número de
matrículas por pessoal não docente foi de 10,28; o número de matrículas
dividido por todos os profissionais (docentes e não-docentes) resultou 6,94.
Outro tema pesquisado foi a gestão financeira da Instituição, detalhando o montante de recursos financeiros recebidos e gerados pela Instituição e, complementarmente, a distribuição desses recursos por itens de
despesa. Constatou-se que a maior parcela de recursos é repassada pela
mantenedora, ou seja, pelo Ministério da Educação, e que a gestão desses
recursos é feita pelo próprio CEFET.
O orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual, para o ano de
2006, foi de R$ 11.363.017,00. No decorrer do exercício, foram recebidos
créditos suplementares no valor de R$ 642.984,70, dentre os quais o valor
de R$ 58.500,00 destinados à implantação do PROEJA; esses últimos
foram alocados em reestruturação física, orientação pedagógica para implantação do PROEJA e aquisição de materiais de expediente. Os recursos destinados ao CEFET-BG totalizaram R$ 12.006.001,70, tendo sido
executados 99% desse valor, nos itens explicitados no Quadro 4.
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Quadro 4 - Demonstrativo Orçamentário / Financeiro Executado – CEFET –BG 2006
* Fonte: Balanço Orçamentário 2006
O valor da receita própria arrecadada foi de R$ 310.427,19, o que
representa 2,6% dos mais de 12 milhões recebidos em 2006, ou seja, a
instituição se mantém majoritariamente com recursos repassados pela
mantenedora.
Custos educacionais no CEFET-BG em 2006
Os custos educacionais do CEFET-BG totalizaram R$ 8.177.721,79,
sendo que o custo do pessoal foi de R$ 5.969.736,91, representando
73% do total; a categoria outros custos totalizou R$ 2.207.984,88, representando 27%.
Dos R$ 5.969.736,91 de custo do pessoal, 43,24% são custos do
pessoal docente, ou seja, R$ 2.581.059,87. O custo do pessoal não-docente ficou em R$ 3.388.677,04.
O total do custo dividido pelo número de alunos (custo/aluno/ano),
em 2006, foi de R$ 7.502,50, sendo o resultado da divisão do custo total
por 1090, que foi o número de matrículas efetuadas.
Quadro 6 - Custo/Aluno/Ano por Categoria CEFET-BG – 2006
Em R$ e %
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Comparando os dados dessa pesquisa com aqueles da pesquisa anterior realizada no CEFET (LEVANTAMENTO, 2004), verifica-se que
na pesquisa que contém dados de custos de 2003 o custo do pessoal docente era superior ao do pessoal não docente, ocorrendo uma inversão
dessa condição no ano de 2006. Atualmente, o custo/aluno/ano do pessoal
representa 31,56%, enquanto que o percentual do custo/aluno/ano do pessoal não-docente ficou com a proporção de 41,44% (Quadro 6).
O Quadro 7 sintetiza o custo/aluno/ano estimado, a média do total e
de cada modalidade do ensino oferecida no CEFET-BG. O custo dos
não-docentes não apresenta variações significativas, uma vez que o trabalho desses em geral direciona-se ao atendimento de todas as modalidades. Diferenças de custos mais marcantes encontram-se no custo dos
docentes, que varia de acordo com a carga horária dos professores e o
número de matrículas de cada modalidade.
O Ensino Médio possuía apenas 196 matrículas que foram atendidas por 20 professores, sendo que 16 deles atendem apenas a essa modalidade, ao custo total de R$ 928.687,44. Cada professor atendeu apenas 9,8 alunos, o que contribuiu para elevação do custo nessa modalidade, pois quanto menos alunos por docente maior será o custo.
Quadro 7 - Custo/Aluno/Ano por Modalidade de Ensino – 2006
Em R$
O Ensino Técnico apresentou o segundo maior custo dentre as
modalidades. As 604 matrículas foram atendidas por 28 professores,
sendo que 19 deles atendem apenas a essa modalidade, a um custo de
R$ 1.271.965,29, sendo que a média de alunos atendidos por professor
foi 21,57. A elevação do número de alunos por docente ocasionou a
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diminuição relativa desse custo, conforme podemos verificar no Quadro
7, mas não baixou o custo com pessoal não docente, uma vez que este
foi rateado de acordo com o percentual das matrículas na modalidade
em relação ao total.
Situação semelhante aconteceu com o custo do Ensino Tecnológico.
Nessa modalidade foi registrado o atendimento de 22,4 alunos por professor, o custo ficou em R$ 329.553,58, o qual, dividido pelo número de
alunos, resultou em R$ 6.274,01.
O PROEJA apresentou o custo mais baixo da pesquisa, apesar de
cada professor ter atendido apenas 6,6 alunos, fator que contribuiria para
elevar os custos. Tal fato foi ocasionado pela baixa carga horária do
pessoal docente, uma vez que esses não se dedicam exclusivamente a
essa modalidade. Tendo seus salários rateados, geraram um custo de
apenas R$ 50.853,56, que reduziu consideravelmente o custo com docente relativamente às demais modalidades.
Comentários finais
O objetivo central da pesquisa da qual parte dos resultados são
apresentados nesse artigo, foi o levantamento e análise dos custos educacionais do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves, atualizando o Levantamento do Custo/aluno realizado pelo Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, da UFRGS, em 2003,
(LEVANTAMENTO, 2003); também foi um objetivo verificar se existiam algumas condições consideradas indispensáveis para oferta de um
ensino de qualidade, tais como a instalações adequadas, qualificação dos
docentes, quadro de pessoal efetivo da instituição, o regime de trabalho
adotado, a carga horária disponível para realizar atividades fora da sala
de aula e características do plano de carreira dos servidores .
O CEFET-BG conta com uma infra-estrutura muito boa e com
equipamentos disponíveis para a realização das aulas práticas necessárias aos cursos profissionais. Além do ensino técnico, oferece também o
ensino médio, o tecnológico em nível superior e o PROEJA, que asseguram aos alunos tanto a possibilidade de continuar os estudos como a
habilitação para o ingresso no mercado de trabalho.
O nível de formação dos professores, considerado como indicador
de qualidade essencial, é bastante elevado. Os docentes trabalham em
regime de dedicação exclusiva, ou seja, trabalham apenas para o CEFET,
assim como possuem tempo disponível para realizar atividades extra sala
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de aula.. Além disso, percebem remunerações relativamente elevadas e
contam com um plano de carreira, que são fatores que também contribuem para a oferta de um ensino de qualidade. Acrescente-se que o quadro docente do CEFET-BG é composto por 78,43% de efetivos, sendo
que 55% dos mesmos possuem dez ou mais anos de experiência.
O custo/aluno/ano médio da Instituição ficou em R$ 7.502,50, sendo o resultado da divisão do custo total por 1090, que foi o número de
matrículas efetuadas em 2006. O custo/aluno/ano também foi calculado
por modalidade de ensino, ficando assim distribuído: Ensino Médio, R$
10.749,03; Ensino Técnico, R$ 7.143,32; Ensino Tecnológico, R$ 6.274,01;
PROEJA, R$ 5.317,71.
São exploradas condições da oferta educacional no CEFET que
explicam mais diretamente as diferenças de custos entre as modalidades, apontando-se que essas estão associadas ao custo dos docentes,
que varia de acordo com a carga horária e o número de matrículas atendidas por eles em cada modalidade.
Desse modo, o custo mais elevado é o do Ensino Médio, seguindose o Técnico e o Tecnológico, gradação que acompanha as diferenças
de número de alunos por docente e de carga horária dos docentes dedicada
a cada modalidade. O PROEJA apresentou o custo mais baixo da pesquisa; embora a relação número de alunos por docente seja relativamente mais baixa, 6,6 alunos, a carga horária do pessoal docente dedicada a
essa modalidade foi mais reduzida, se confrontada às demais modalidades, gerando o custo menor.
Pelos dados coletados e sistematizados na pesquisa, é possível
dizer que o CEFET-BG é uma Instituição cujas condições de oferta
educacional podem ser adjetivadas como de qualidade, gerando um
custo por aluno que pode ser considerado elevado se confrontado, por
exemplo, com instituições educacionais estaduais Ensino Médio e Ensino Técnico. Tal configuração deve ser entendida no marco de uma
instituição cujas atividades abrangem, além do ensino, a pesquisa e a
extensão, o que remete a relativizar os dados de custo por aluno. Esses
não dão conta dos benefícios auferidos por tal ou qual montante e perfil de custos.
Para instituições como o CEFET-BG seriam necessários levantamentos e avaliações de custos que extrapolassem o indicador já consagrado de custo/aluno/ano, uma vez que os beneficiários do trabalho
institucional não são apenas os alunos da instituição, mas todos aqueles
favorecidos pelas ações de pesquisa e extensão. Pode-se dizer que esse
é um desafio para os pesquisadores que tem se debruçado sobre o tema
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dos custos educacionais, quer dizer, desenvolver metodologias e indicadores que ponderem ou possam ir além do indicador custo por aluno.
De outra parte, entende-se que o oferecimento do PROEJA no
CEFET de Bento Gonçalves foi oportuno. Do ponto de vista da capacidade institucional, incluindo a dimensão dos custos, verifica-se que essa
oferta era e é totalmente viável, vindo a fortalecer suas atribuições de
atendimento na formação geral e profissional de um modo que acolhe
demandas da sociedade local e de usufruto do direito à educação de
jovens e de adultos.
Referências
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES. Plano de Curso PROEJA (documento em construção). Bento Gonçalves,
CEFET-BG, 2006.
FABRIS, Rosane. Custo Aluno no Centro Federal de Educação Tecnológica de
Bento Gonçalves. Porto Alegre, UFRGS/FACED, 2007 (Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível
Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos).
FARENZENA, Nalú. A Política de Financiamento da Educação Básica: rumos
da legislação brasileira. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2006.
LEVANTAMENTO do custo aluno/ano em escolas da educação básica que
oferecem condições para oferta de ensino de qualidade. Porto Alegre, UFRGS/
FACED/Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, coord. de Nalú
Farenzena, 2004.
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TRABALHO E EDUCAÇÃO:
MEDIAÇÕES E RELAÇÕES
NECESSÁRIAS A
O PROEJA
AO
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Estudantes de PROEJA do CEFET-BG:
uma mediação entre escola
e trabalho
Milene Vânia Kloss1
Naira Lisboa Franzoi2
O homem, o capitalismo e o trabalho
Infelizmente, hoje em dia é comum perceber tratamentos desiguais
nas relações de trabalho. O patrão geralmente compra de seu trabalhador o máximo de tempo de serviço possível a preços irrisórios, preocupando-se primordialmente em obter lucro. Muitas vezes, essa figura de
poder acaba desconsiderando o caráter humano do indivíduo responsável pela produção e pela manutenção da empresa, indústria, etc. Com
isso, o trabalho assalariado fica seriamente comprometido, obedecendo
à lei da oferta e da procura, pois, segundo Frigotto (2001, p. 32), pode
mais aquele trabalhador que é mais qualificado, que não só entende de
informática, por exemplo, mas que também apresenta “atributos intelectuais e psicossociais” mais evoluídos do que a força física.
No entanto, apesar dessa atual exigência do mercado - uma tendência que surgiu, por assim dizer, com a globalização -, a qualificação
profissional não tem solucionado o problema do aumento do desemprego, pois o sistema produtivo não comporta grandes massas de trabalhadores estáveis, restando aos excluídos submeter-se a empregos de tempo parcial, terceirização e trabalho autônomo. As relações sociais capitalistas nos dias de hoje, demonstram uma grande capacidade de produção de mercadorias (que não são usufruídas igualitariamente por todos),
1
Professora do CEFET de Bento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA pela turma
de Bento Gonçalves.
2
Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra em Educação, orientadora do Trabalho
de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
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de concentração de riquezas, de conhecimento e de poder. Elas revelam,
com mais intensidade, toda sua natureza anti-social e anti-humana, sendo incapaz de distribuir e de socializar a produção para o atendimento
das necessidades humanas básicas, como a alimentação e a moradia.
Além disso, essas relações privam o homem de exercer aquilo que
não somente dá suporte para sua existência e subsistência, mas que o
torna ser social: o trabalho. Para Castel (1998, p. 18), “o trabalho permanece como referência dominante não somente economicamente como também psicologicamente, culturalmente e simbolicamente, fato que se comprova pelas reações daqueles que não o tem”. Ele é tão fundamental para
o homem quanto o ar que ele respira, constituindo-se na especificidade
humana que a diferencia dos animais. Para Frigotto (2005, p. 70), a ciência
e a técnica ironicamente foram as grandes colaboradoras para o aumento
da crise do trabalho assalariado. Isso porque, ao invés de possibilitarem
uma melhor qualidade de vida, para que o homem possa dispor de tempo
livre, tempo de fruição e de lazer, elas produziram, sob as relações do
capitalismo, o desemprego estrutural ou o trabalho precarizado.
Diante desse quadro social, é preciso que buscar alternativas que
amenizem as dores sociais causadas pelo desemprego e pelo capitalismo. A escola surge como uma das principais formas de resistência, pois
ela pode oferecer novos horizontes, principalmente para a classe trabalhadora, através do conhecimento, da promoção de valores e do estimulo
ao estudo e ao pensar criativo. Conforme Arroyo (1991, p. 01), esse
trabalho escolar já está sendo feito, uma vez que o trabalho moderno
vem constituindo trabalhadores novos em consciência, com novo saber,
nova capacidade de entender-se e de entender a realidade, as leis e a
lógica que governa a natureza e a sociedade.
Estudantes de PROEJA do CEFET-BG
O PROEJA foi instituído no Centro Federal de Educação
Tecnológica de Bento Gonçalves (CEFET-BG), em março de 2006. Ele
obedece aos decretos 5.154, de 23 de julho de 2004, e 5.840, de 13 de
julho de 2006, que prevêem qualificação profissional e elevação de escolaridade para boa parte dos trabalhadores brasileiros, acima de 18 anos,
que não conseguiram concluir o ensino médio regular. Conforme dispositivos legais, o programa é integrado ao ensino médio, totalizando uma
carga horária de aproximadamente 2.000 horas. O curso de “Técnico
em Comércio e Serviços” está em fase final de construção, carecendo
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de alguns ajustes que, provavelmente, serão feitos até o final de 2007.
A opção pela área de comércio e serviços é uma tentativa de atender as necessidades da comunidade local. Ela resultou de uma pesquisa,
através da aplicação de questionário, feita com empresas, com a Câmara da Indústria e do Comércio (CIC) e com moradores do município. O
curso divide-se em seis módulos e tem duração de três anos, sendo que,
ao concluí-lo, o aluno “fará jus à obtenção de diploma com validade nacional, tanto para fins de habilitação na respectiva área, quanto para
certificação de conclusão do ensino médio, possibilitando o prosseguimento de estudos em nível superior” (Art. 6°, Decreto 5.478/05).
Acredita-se que não se deve restringir a educação dos trabalhadores a uma profissionalização somente para atender às demandas do
mercado de trabalho. Precisa-se de uma formação que ajude a concretizar o que Nosella (2006, p. 02) chama de “ciclo de interação homemnatureza-sociedade”. Para esse pesquisador, a “escola-do-trabalho” deve
educar não só para a produção, mas também para a fruição e para a
expressão e comunicação. Isto é, a escola precisa oferecer uma formação mais abrangente, que possibilite a todo o cidadão “comunicar-se
com propriedade, produzir algo útil para si e para outros e usufruir os
prazeres simples e elevados que a cultura e o planeta dispõem”. Em
tese, essa árdua tarefa caracteriza o trabalho que deve ser desenvolvido
com os estudantes do PROEJA, pois o programa pretende, entre outras
coisas, resgatar a cidadania de uma parcela da população que vem aumentando os índices estatísticos de exclusão educacional do país.
Para que esta formação se efetive, é necessário que o currículo do
PROEJA alie os conhecimentos já adquiridos de seu público e relacioneo a teorias científicas, tecnológicas e sociais. Surgem então alguns
questionamentos: essa integração está ocorrendo de fato? Como os alunos a estão percebendo? De que forma eles estão se beneficiando dela?
Será que o programa os faz sentir cidadãos? Na tentativa de responder
a essas perguntas, aplicou-se um questionário junto ao grupo, que participou também de um debate em sala de aula. Esse questionário foi respondido por dezenove estudantes presentes naquele momento, sendo todos
eles residentes em Bento Gonçalves. A maioria dos entrevistados são
mulheres, assim como o são em relação ao grupo. A faixa etária de doze
(12) estudantes está entre 20 e 40 anos. Quatro (4) encontram-se na
faixa etária entre 15-20 e os três (3) restantes entre 40-50 anos de idade.
Portanto, esse é o perfil geral da turma: feminina e adulta.
Dentre os entrevistados, quinze (15) estão inseridos no mercado de
trabalho, sendo (4) autônomos e os demais empregados assalariados. A
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grande parte deles, apesar das particularidades de cada resposta, afirmou que o principal motivo que os faz cursar o PROEJA é a necessidade de retomar os estudos, aperfeiçoando seus conhecimentos. Esta necessidade está relacionada à idéia de profissionalização, como meio de
conseguir oportunidades de trabalho melhores do que as atuais. Por um
lado isso confirma a afirmação de Frigotto, já citada na página 8 deste
artigo, de que os trabalhadores precisam de uma formação profissional
para uma inserção no mercado de trabalho. Mas, por outro lado, estas
respostas expressam uma idéia generalizada na sociedade de que é a
falta de qualificação que gera o desemprego. Assim, os trabalhadores se
sentem responsáveis por sua “empregabilidade”.
Essa procura por qualificação corrobora o “Tema Gerador”3 escolhido pelo grupo. Segundo Paulo Freire (2003: p. 87), tema gerador é a
investigação do que ele chama de universo temático, ou temática significativa do povo. Trata-se do diálogo da educação como prática da
liberdade, proporcionando também “a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos temas geradores”. Dessa forma, em uma tentativa de
sintetizar as necessidades e os anseios dos estudantes, os docentes destacaram a fala de um dos alunos que, segundo eles, demonstra a urgência que o grupo tem de se profissionalizar: “O mercado de trabalho tá
sendo competitivo e precisamos da educação para isso”.
A frase deixa transparecer a idéia que os estudantes têm, impregnada de senso comum, de que somente a qualificação profissional lhes
trará emprego. Não se pôde, entretanto, verificar como esse tema gerador foi abordado pelos professores. Acredita-se que só viria na direção
de uma formação omnilateral, na medida em que propiciasse aos alunos
entenderem que a sua formação deve ser para além do mercado de
trabalho. Sabe-se que, apesar de necessária, a realidade tem mostrado
que a qualificação por si só já não é suficiente. É preciso ir além, buscando alternativas que despertem a consciência crítica, possibilitando a descoberta de novas formas de subsistência.
A educação escolar, primeiramente, deve priorizar o crescimento
humano para somente então voltar-se ao mercado de trabalho. Nesse segundo momento, espera-se que o ensino assuma “uma postura
epistemológica e ontológica que foge dos padrões tradicionais, estabelecendo um diálogo entre o conhecimento produzido/adquirido no mundo do
trabalho e o conhecimento escolar” (ARANHA, 2003, p. 105). O PROEJA
3
CEFET de Bento Gonçalves. Sistematização do trabalho realizado durante o 1°
semestre do PROEJA. Agosto de 2006.
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pode ser considerado como uma tentativa de resgatar a educação básica
articulando-a ao mundo do trabalho, da cultura e da ciência. Trata-se de
um ensino médio integrado apresentado para essa turma como uma chance
que os indivíduos têm de tornarem-se, conforme Frigotto (2005, p.74), “sujeitos emancipados, criativos e leitores críticos da realidade onde vivem e
com condições de agir sobre ela”. O autor ainda afirma que a população
precisa se dar conta de que a pedagogia das competências, da
empregabilidade, do empreendedorismo e da idéia que cursinhos curtos
profissionalizantes os levam mais rapidamente ao emprego, não passam
de “entulho ideológico” imposto pelas classes dominantes. Para ele, somente a educação básica de qualidade, aliada a uma mudança no interior
da organização escolar, envolvendo, entre outras coisas, formação dos
educadores e suas condições de trabalho, podem promover justiça social.
Ao que tudo indica, o primeiro ano de curso teve uma influência
consideravelmente positiva sobre a turma, cumprindo com seu papel no
que diz respeito à formação humana. No que se refere ao questionário
aplicado, chama a atenção, a resposta dada à pergunta de número 7, em
que a questão do crescimento pessoal está fortemente presente, sendo
uma conclusão praticamente unânime entre o grupo. Houve uma mudança de atitude ao longo de 2006, fazendo-os perceber algo novo: a
possibilidade de a formação educacional lhes propiciar qualidade de vida.
No início, a preocupação maior era a profissionalização, agora ela cede
um pouco mais de espaço para outras necessidades, como o desenvolvimento das habilidades comunicativas e das relações interpessoais. Esse
tipo de comportamento vem a ser uma das características que compõem
o perfil do egresso do PROEJA, estipulado pela instituição, com base na
CNE/CEB n°11/00.
Assim, o aluno, ao concluir seus estudos, deverá estar apto a uma releitura
de mundo no qual está inserido para ser capaz de construir “conhecimentos, habilidades e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e o conduzam à realização de si mesmo e ao reconhecimento do
outro como sujeito” (Parecer CNE/CEB n°11/00). 4
Já, às questões de números 8 e 9, que abrangem o mundo do trabalho, referindo-se ambas, respectivamente, à conquista e troca de emprego, foram dadas respostas vagas e contraditórias. Por isso, levantaram-se
algumas possibilidades que vão desde a má elaboração das perguntas –
4
Plano do Curso de Ensino Médio Integrado à Formação Profissional na Modalidade
da Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: Assistente em Comércio e Serviços.
Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves. Fevereiro de 2006. pg. 11.
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talvez carentes de objetividade – às dificuldades de interpretação textual.
Porém, há uma hipótese que não pode ser esquecida: a turma, desde o
início de suas aulas, teve que responder a infindáveis questionários e já
demonstrava pouco interesse e até insatisfação por ter que responder a
mais algum. Apesar das adversidades, pode-se perceber, a partir das respostas, que a satisfação por poder freqüentar o curso permanece.
Decidiu-se então fazer nova entrevista com a turma, dando maior
ênfase à questão do trabalho como formação humana. Através de um
debate realizado em sala de aula, preferencialmente com os quinze estudantes que estão trabalhando, as relações entre escola e trabalho foram
discutidas, propondo-se duas perguntas inversas: 1) O que vocês e os
seus professores aproveitam da experiência de trabalho no PROEJA?
2) O que vocês e os seus professores aproveitam da experiência do
PROEJA no trabalho?
A discussão estendeu-se durante todo um período de aula e, apesar
da pouca atenção dispensada à primeira pergunta, surgiram comentários
que envolveram, primordialmente, as áreas da matemática, das linguagens, da sociologia e da psicologia. No que se refere à Matemática, eles
descreveram as relações que geralmente estabelecem entre as operações matemáticas e o raciocínio lógico utilizados no cotidiano com o
conhecimento teórico de sala de aula, afirmando que a prática do dia-adia os ajudava no entendimento da disciplina. Da mesma forma, eles
mencionaram as Línguas Estrangeiras5, lembrando de rótulos de produtos e manuais que já tiveram que interpretar; o que lhes garantiu um
conjunto vocabular que hoje os ajuda na aquisição de outros mais. Com
as áreas da sociologia e da psicologia não foi diferente, sempre destacando as relações interpessoais, os estudantes lembraram fatos que envolveram pontualidade, assiduidade, maturidade e experiência de vida.
Fatos que hoje eles dizem não querer esquecer, procurando aplicar e
desenvolver o lado positivo de suas vivências para melhor conviver com
os colegas e os professores. Nota-se que tais relações, quando incentivadas pelo professor, melhoram a auto-estima dos estudantes, pois estes
percebem que os seus saberes tem valor e contribuem para o desenvolvimento do conteúdo trabalhado na aula. Porém, a turma afirmou que
nem todos os docentes fazem uso dessa prática, estratégia de ensino,
deixando transparecer que, para alguns, estes são ainda trabalhos isolados, eventuais.
Em uma tentativa de contrapor essa afirmação com o depoimento
de alguns docentes, verificou-se que para estes, ao contrário da afirma5
O currículo do Curso abrange os idiomas de Língua Inglesa e de Língua Espanhola.
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ção do grupo, a experiência cotidiana dos alunos é uma constante no
ambiente de ensino. Eles afirmaram que muito frequentemente pedem
aos discentes que falem sobre alguma de suas vivências que exemplifique
o conteúdo proposto no momento. A professora de Economia Solidária
afirmou que “os alunos acabavam falando mais do que deviam” e por
causa disso, muitas vezes, o conteúdo não rendia. Ela afirmou ainda, que
a turma não apresenta dificuldades na disciplina de empreendedorismo.
Da mesma forma, o professor de História citou o exemplo de uma situação em que a História da Antiguidade estava sendo trabalhada. Segundo ele, ao propor um debate sobre a democracia ateniense, relacionando-a com a democracia atual; a turma obteve êxito no desenvolvimento
da tarefa, pois soube utilizar seus conhecimentos de mundo, construindo
assim argumentações consistentes.
A partir dos comentários e exemplos dados por esses colegas, percebe-se que há uma tentativa de tratar o cotidiano como assunto de aula,
bem como o saber que ele abarca. Resta averiguar até que ponto esses
assuntos são relevantes o suficiente para a prática de trabalho desses
trabalhadores, ou melhor, até que ponto os professores conseguem estabelecer uma relação frutífera entre o conhecimento de vida e o conhecimento científico desenvolvido no curso.
Talvez, pelo fato de o PROEJA ser uma proposta pedagógica nova,
ainda em construção, surge a grande dificuldade que é partir do saber
dos alunos para elaborar um currículo ou uma prática de sala de aula.
Sem dúvida nenhuma esses adultos têm experiências e a escola tradicionalmente desconhece isto. Para Yves Schartz (2003, p. 33), “as instituições do saber são conduzidas a subestimar ou até mesmo desprezar a
consideração desse re-trabalho do saber, recusando o desconforto salutar ao qual, ao contrário, ele conduz”. Este é o grande desafio de trabalhar uma educação profissional com alunos-trabalhadores. Resta, portanto, promover uma discussão entre os discentes e a instituição com o
objetivo de averiguar o andamento do processo e as reformas necessárias, re-avaliando o currículo e a proposta pedagógica atual do curso,
somente assim a “escola-do-trabalho”, definida por Nosella, terá chances
de tornar-se realidade.
A opção pelo curso “Técnico em Comércio e Serviços” parece
corresponder às necessidades imediatas de trabalho do grupo, pois a
maioria dos estudantes realmente atua na área de prestação de serviços.
São trabalhadores de lojas, padarias, imobiliárias, casas de família, comerciantes e autônomos. No entanto, ainda repensando o programa em
conformidade com as necessidades e a realidade local, sabendo que o
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município é conhecido como a capital nacional do vinho, questiona-se o
fato de um centro de excelência em enologia, como o CEFET de Bento
Gonçalves, não oferecer esse curso também em forma de PROEJA.
Não será esta uma atitude preconceituosa, que encara o PROEJA como
um curso de segunda categoria para cidadãos de segunda categoria? Se
assim for, esse não é um problema exclusivo do CEFET-BG, mas sim de
toda uma sociedade e políticas públicas que historicamente atribuem à
educação de jovens e adultos um lugar menor. Coloca-se, portanto, para
o grupo de gestores e professores do CEFET-BG a necessidade de
aprofundamento dessa questão.
Em relação à segunda pergunta, em que se questionou a turma e os
professores sobre o aproveitamento que eles faziam da experiência do
PROEJA no trabalho, surgiram várias situações e exemplos que favoreceram a criação de um mapa semântico, indicando um movimento que
se desloca do PROEJA para o trabalho.
A partir desse mapa, pode-se ter uma noção mais clara sobre os
conceitos que os estudantes disseram ter desenvolvido a partir da experiência com o PROEJA. A começar pela cidadania, mencionada por um dos
estudantes e desenvolvida pelos demais, eles apontaram questões como o
respeito pelas diferenças, o ser mais tolerante com o próximo e sentir-se
parte ativa na sociedade. Da mesma forma, apontaram para o desenvolvimento de suas habilidades escrita e oral. Afirmaram também que com as
aulas muitas das ações que antes não lhes chamavam a atenção, parecendo triviais, tornaram-se ações conscientes e racionais como, por exemplo,
situações do dia-a-dia que envolviam pensamento lógico, físico e matemático. Em relação à qualidade de vida, foram citados vários exemplos, principalmente vindos da biologia, situações envolvendo doenças e cuidados
higiênicos. Um dos estudantes mencionou o fato de nunca ter se importado com o prazo de validade dos produtos que consumia, mas, por causa
das aulas, passou a ter um cuidado maior na hora de ir às compras.
Ao se falar sobre auto-estima foi praticamente unânime entre a
turma a afirmação de que o PROEJA os faz sentir pessoas melhores,
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mais cultas. Hoje, eles se dizem satisfeitos com sua opção de retomar os
estudos e expressam inclusive a intenção de dar continuidade ao seu
desenvolvimento intelectual, almejando cursos de nível superior. Esse
dado justifica a existência do curso, confirmando o proposto no artigo 37
da LDB que determina que “cursos e exames são meios pelos quais o
poder público deve viabilizar o acesso do jovem e adulto na escola de
modo a permitir o prosseguimento de estudos em caráter regular tendo
como referência a base nacional comum dos componentes curriculares”.
Além disso, eles afirmaram saber-se reconhecidos, principalmente, em
ambiente familiar. Segundo eles, são os parentes próximos que percebem com facilidade as mudanças de comportamento e postura, ocorridas desde a sua inscrição no curso. Entretanto, apenas alguns disseram
ter recebido elogios no local de trabalho, o que talvez indique a falta de
“reconhecimento” do programa por parte da comunidade local, falta saber se isso ocorre no sentido literal e/ou valorativo do termo. Dados que
abordam a melhora na auto-estima do grupo também podem ser confirmados a partir das respostas fornecidas às questões de números 10 e 11,
no questionário em anexo.
Constatou-se a mudança de postura em relação a si mesmo em
dezembro de 2006, durante a apresentação do trabalho de conclusão do
semestre. A atividade envolveu todas as disciplinas do curso em uma
proposta interdisciplinar, sendo que sua principal tarefa consistia na elaboração e apresentação de um projeto de microempresa. Assim, para o
desenvolvimento escrito do projeto, eles tiveram que fazer uso das competências de Língua Portuguesa; para a formatação do trabalho em
PowerPoint recorreram à disciplina de Informática; Economia Solidária
foi o módulo responsável pelo projeto em si e envolveu os conhecimentos da Matemática para a elaboração de gráficos e de estatísticas; a
Biologia marcou forte presença nos trabalhos que optaram por
microempresas do ramo alimentício, com destaque para questões que
envolveram vigilância sanitária; e assim o foi em relação a todos os demais módulos. As apresentações ocorreram no auditório da escola, foram filmadas e contaram inclusive com banca avaliadora, formada pelo
próprio corpo docente do PROEJA.
O projeto foi um sucesso, pois os alunos perceberam sua capacidade de realizar um trabalho em grupo, de qualidade, superando seus
limites. Muitos deles, no início do curso, não conseguiam nem mesmo
segurar o mouse do computador. Além disso, houve a exposição pessoal em grande grupo, que afirmaram ter sido uma experiência única
até aquele momento. Devido a essa atividade, eles disseram-se capa-
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zes de perceber com mais clareza a relação existente entre a teoria
trabalhada em sala de aula e a sua prática. Ao final das apresentações,
a expressão de satisfação era visível em seus rostos como manifesto
de dever cumprido.
Em momentos como este, percebe-se a escola assumindo sua função humanizadora, “educando o homem na realização do processo completo do trabalho: se comunicar, produzir e usufruir” (NOSELLA, 2006,
p. 02). Nesse dia houve comunicação, pois cada grupo ao apresentar
seu trabalho interagiu com os colegas e professores, expressando e explicando suas idéias. Eles produziram seu trabalho intelectual e usufruíram do prazer de ter seu esforço reconhecido. Esse tipo de atividade é
um importante passo rumo à interação que se pretende constantemente
em uma “escola-do-trabalho” e que o PROEJA do CEFET-BG está se
esforçando para buscar. Porém, ela não esgota a necessidade de trazer
para dentro da escola as situações de trabalho que não podem ser encaradas como experimentação, mas como experiência humana.
Considerações finais
Ao analisar o modo com que os estudantes da primeira turma de
PROEJA do CEFET-BG relacionam o curso de “Técnico em Comércio
e Serviços” com sua experiência de trabalho e de vida, verificou-se que
o curso parece corresponder às necessidades de trabalho imediatas do
grupo, sendo que a maioria deles atua na área de prestação de serviços.
Além disso, ficou claro que o programa de certa forma os faz sentir
cidadãos melhores, pois tem contribuído com seu crescimento pessoal
fazendo-os perceber que a formação educacional propicia qualidade de
vida. No entanto, para essas pessoas, a necessidade de retomar os estudos e aperfeiçoar seus conhecimentos ainda está relacionada à idéia de
profissionalização, como meio de conseguir melhores oportunidades de
trabalho. Eles se sentem responsáveis por sua empregabilidade e acreditam que a qualificação solucionará seus problemas. Resta à escola amenizar as dores sociais causadas pelo desemprego e pelo capitalismo, oferecendo novos horizontes através do conhecimento, da promoção de
valores e do estímulo ao estudo e ao pensar criativo.
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Referências
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Pablo; Frigotto, Gaudêncio (orgs.). A cidadania negada. São Paulo: Cortez;
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A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO
ALTERNATIVA DE PROEJA
Márcia Neugebauer Wille1
Clóris Maria Freire Dorow 2
Introdução
Vivemos atualmente em um processo de transformação na política, na economia e na sociedade, devido à globalização, que tem provocado a exclusão e aumentado as desigualdades entre os homens, baseando-se na doutrina neoliberal a qual afirma que o mundo não é de
todos e para todos, mas apenas dos mais aptos ao pensamento e ao
desenvolvimento mercadológico da economia.
Para encontrar alternativas à lógica neoliberal devemos mudar nossos conceitos e práticas, desenvolver a criatividade e acreditar que é
possível pensar em um mundo diferente, consolidado pela única senda
possível: a educação.
Mas esta educação deve ter nuances diferenciadas para um público heterogêneo. Uma das alternativas possíveis é pensar em um curso
de PROEJA que trabalhe com uma proposta de educação solidária, instigando nos alunos exatamente o contrário do que faz o capitalismo: em
vez da competição, a colaboração, em vez de poucos alcançarem o maior lucro, muitos obterão lucros que serão repartidos de forma igualitária.
Contextualização
Podemos dizer que a globalização, ora em curso, está para o atual
período científico-tecnológico do capitalismo como o colonialismo esteve
1
Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio
na Modalidade Educação de Jovens e Adultos
2
Coordenadora do Curso de Especialização do PROEJA e Doutoranda em Lingüística
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para a sua etapa comercial ou o imperialismo para o final da fase industrial e início da financeira. Ou seja, trata-se de uma expansão que tem
como objetivo aumentar os mercados e, portanto, o lucro, que é o que de
fato move os capitais, produtivos e especulativos, na arena do mercado.
A globalização é então mais uma etapa da história humana, mas a
forma como esta vem sendo orquestrada, pelas multinacionais e as agências unilaterais, seguidoras dos ideais neoliberais, tem criado uma contradição no interior das sociedades, pois não há uma relação harmônica
entre os ideais democráticos e o livre mercado, enquanto o primeiro
baseia-se nos ideais de liberdade política, estimulando o coletivismo, o
segundo estimula o individualismo.
Infelizmente, não se pode pensar que a globalização tende a
homogeneizar o espaço mundial. Ao contrário, ela é seletiva, pois escolhe alguns lugares, certas atividades, determinados setores e alguns grupos ou segmentos sociais para serem mundializados e desfrutarem dos
benefícios. Assim, enquanto muitos lugares e grupos de pessoas se
globalizam, outros, às vezes, bem próximos, ficam excluídos do processo. Por esse motivo, a globalização tende a tornar o espaço mundial cada
vez mais heterogêneo. Além disso, ela tem provocado uma imensa concentração de riqueza, aumentando a diferença entre países e, no interior
de cada um deles, entre classes ou segmentos sociais.
Nesse contexto, a situação dos trabalhadores tem sido agravada
pela revolução técnico-científica que provoca a substituição do trabalho
humano por máquinas, pela introdução de novos modelos produtivos
(Toyotismo), onde se exige do trabalhador cada vez mais qualificação e
pela flexibilização financeira e das relações de trabalho (na sua grande
maioria financiadas e idealizadas pelo Banco Mundial, FMI, BIRD, etc.),
que provocam a redução dos seus salários.
O sonho de gerações que imaginavam que a tecnologia poderia no
futuro poupar tempo e energia, permitindo aos seres humanos melhor
qualidade de vida também foi frustrado, pois o capital apropria-se desses
benefícios através da mais-valia relativa aumen-tando a produtividade
do trabalho, fazendo com que um só trabalhador possa realizar as tarefas de muitos.
Diante dessa realidade, a educação deveria estar comprometida
com aqueles que vivem do trabalho e não apenas com os que vivem da
sua exploração, mas certamente não é isso que temos vivenciado.Até
aqui, o Ensino, a Escola e a Educação Pública vêm servindo a uma minoria da população e não têm contribuído para o desenvolvimento da
cidadania pois perpetuam os ideais economicistas da ordem capitalista.Em
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conseqüência disso, não se tem conseguido, no Brasil, garantir que as
crianças, principalmente às procedentes de classes populares, permaneçam na escola e aprendam, o que resulta em grande demanda na educação de jovens e adultos.
Aqueles que ficaram à margem do sistema ao se defrontarem
com as exigências do mercado de trabalho buscam a EJA, acreditando
que a escolarização é o caminho para um emprego e para uma vida
melhor.Mas Gaudêncio Frigotto nos alerta sobre essa falácia:
...se o sistema educacional investir em uma determinada educação, visando o desenvolvimento de determinadas competências, aqueles que adquirirem essas competências terão emprego. Esta é uma ilusão brutal. Não
negamos a importância da educação, que é crucial e fundamental, mas não
por esse caminho...isolada não tem o poder de transformar a realidade
social, cultural, política e econômica de uma sociedade marcada pelo estigma escravocrata e pela servil subordinação ao grande capital...”
(FRIGOTTO, 1999, p.100).
Portanto, no momento em que as políticas públicas buscam resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiro milhões de jovens e adultos,
através do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica
de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens
e Adultos – PROEJA, possibilitando-lhes acesso à educação e à formação profissional, é preciso redirecionar a educação, sintonizando seus
conceitos, suas práticas com os ideais de justiça social, para que não
sejam frustradas as esperanças dos que a procuram.
Uma prosposta de PROEJA
Para que os rumos da PROEJA converjam na direção dos interesses da coletividade, é imprescindível reestruturar as suas propostas
curriculares, pois entendemos que o trabalho é essencial na vida do ser
humano e a sua ausência é a raiz da maioria dos nossos problemas sociais. Pode visualizar-se o trabalho como algo que faz parte do ser humano
e o constitui, se considerarmos esse termo na sua amplitude e não apenas
como uma atividade, um emprego. Todas as atividades realizadas pelo
homem constituem formas de sua transformação, exercendo influência
em seu pensamento e suas atitudes, portanto o trabalho é inerente ao homem, no decorrer de toda a sua existência (CORRÊA, s.d.).
O objetivo desse artigo é propor uma nova alternativa de currículo
para o PROEJA, que não se limite apenas à qualificação, ou ao desen151
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volvimento e aperfeiçoamento técnico para trabalhadores desempregados, mas que seja capaz de superar, através da educação, o conceito de
trabalho criado pelo sistema capitalista
Acreditamos que direcionar a educação para economia solidária
seria uma excelente alternativa. Para Paul Singer (1995, p.80)
A Economia Solidária foi concebida como um modo de produção que tornasse impossível a divisão da sociedade em uma classe proprietária dominante e uma classe sem propriedade subalterna.Sua pedra de toque é a
propriedade coletiva dos meios sociais de produção (além da união em
associações cooperativas dos pequenos produtores). Na empresa solidária, todos que nela trabalham são seus donos por igual, ou seja, têm os
mesmos direitos de decisão sobre o seu destino. E todos os que detêm a
propriedade da empresa necessariamente trabalham nela. Essa última condição nega a possibilidade de haver uma classe que viva apenas de rendimentos de seu capital, sem tomar parte no trabalho. Daí deriva a norma de
que a empresa solidária não remunera o capital próprio dos sócios e que,
quando trabalha com capital emprestado, paga a menor taxa de juros do
mercado. Isso significa que os ganhos dos trabalhadores têm prioridade
sobre o lucro, que na empresa solidária toma a forma de “sobras”.
Mudar essa mentalidade é uma tarefa árdua e requer uma reeducação coletiva que leve os educandos a uma nova maneira de ver o
mundo, é essencial que eles compreendam que a desigualdade não tem
nada de natural, e que ela só pode ser superada com a prática da solidariedade, pois ninguém sobrevive sem a ajuda dos outros.
Primeiro, deveria haver uma mudança na concepção que norteia
escolas, pois hoje esta sofre a influência dos conceitos da economia
capitalista e os reproduz, reforçando os valores da competição e adotando o que Paul Singer (op.cit) chama de visão produtivista. Essa
concebe a educação, sobretudo escolar, como preparação dos indivíduos para o ingresso, da melhor forma possível, na divisão social do
trabalho. A visão produtivista não despreza outros propósitos do processo educacional, mas enfatiza o que é chamado pelos economistas
de acumulação de capital humano.
Cada indivíduo é encarado como tendo capacidade produtiva potencial, cujo desenvolvimento exige esforço, tanto do próprio como de
seus instrutores e familiares. Esse esforço se traduz num custo, que
pode ser formulado em termos pecuniários e representa o valor do capital humano de que dispõe cada indivíduo. Esse capital humano provém,
não apenas da educação escolar, mas, também, de cuidados com a saúde e outros que contribuem para desenvolver a capacidade produtiva do
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indivíduo. Educar seria primordialmente isto: instruir e desenvolver faculdades que habilitem o educando a integrar o mercado de trabalho o
mais vantajosamente possível.
Cumpre atentar para o pressuposto crucial dessa visão: o de que a
vantagem individual, que se traduz em ganho elevado e outras condições
favoráveis de usufruto material, é simultaneamente social. O bem-estar de
todos é o resultante da soma dos ganhos individuais que, em um mercado
de trabalho livre e concorrencial, são proporcionais ao capital humano acumulado em cada um dos indivíduos. Em outras palavras, a educação promove o aumento da produtividade, que seria o fator mais importante para
elevar o produto social e, dessa maneira, eliminar a pobreza.
A visão produtivista não oferece perspectivas para os alunos
precocemente excluídos da escola, cuja infância que deveria ser o
tempo de brincar e de aprender, foi usada para trabalhar, para garantir
o sustento próprio e o da família. Assim, como não adquiriram o capital
humano necessário para garantir a empregabilidade estarão permanentemente condenados às ocupações informais, ao subemprego e às
atividades penosas.
O grande propósito da educação seria proporcionar às classes trabalhadoras a consciência, portanto, a motivação (além de instrumentos
intelectuais), que lhe permita o engajamento em movimentos coletivos,
visando tornar a sociedade mais livre e igualitária. É óbvio que a educação escolar também deveria cumprir muitos outros propósitos, que poderiam ser resumidos na habilitação do indivíduo a se inserir de forma adequada na vida : profissional, familiar, esportiva, artística, etc. A visão civil
democrática da educação não vê contradição entre a formação do cidadão e a formação do profissional, da mãe ou do pai de família, do esportista, do artista e assim por diante.
Para lançar na escola a semente de um trabalho conjunto (solidário) todos os aspectos da vida dos alunos devem ser levados em conta,
bem como suas aspirações e seus anseios, seu universo de relações
interpessoais, comunitárias e sociais.
Segundo Marcos Arruda (2005.)
A Economia Solidária promove a educação não como fim em si, mas como
via de empoderamento dos educandos para tornarem-se gestores competentes dos seus empreendimentos cooperativos e sujeitos do seu próprio
desenvolvimento pessoal, comunitário e social. Chamo-a de Educação da
Práxis. Essa educação identifica-se pelas práticas conscientes da cooperação e da solidariedade no modo de ensinar e aprender e também nas relações entre educandos, entre esses e os educadores, e entre educadores.
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A educação solidária deve estar pautada nas idéias de Paulo Freire,
na Educação Libertadora, em que o educador tomando como ponto de
partida as condições de vida e de trabalho dos educandos, abre um diálogo
com eles sobre a questão “para que desejam educar-se”. Outro aspecto
importante é compreender, como nos diz Paulo Freire, que o aluno do
PROEJA não é um ser sem história, um pote vazio a ser cheio pelo professor, pelo livro, pelo saber acumulado, pois os jovens e adultos são pessoas
que já trazem um saber acumulado de décadas de vida e trabalho.
Como a educação que queremos desenvolver é voltada para a economia solidária, precisamos combater o individualismo e incentivar o diálogo, a troca de experiências entre os alunos, afinal ninguém aprende
sozinho, aprendemos uns com os outros. Também, devemos superar a
fragmentação curricular, pois o conceito de transdisciplinaridade perpassa toda a economia solidária, já que o aluno/trabalhador/empreendedor
precisa ter compreensão do conjunto do funcionamento do empreendimento através de uma visão integrada, desde o conhecimento teórico
aos diversos processos produtivos, aos métodos de trabalho, à atividade
financeiro-administrativa, à comercialização etc.
É preciso pensar em uma escola que permita uma pluralidade de
saberes. Não se quer com isso negar o conhecimento acumulado pela
humanidade. Na verdade, o conhecimento avançou muito com o desenvolvimento do capitalismo. Não se trata de perder o acúmulo do conhecimento especializado, mas se exige uma nova ética diante desses
conhecimentos para que os trabalhadores reconstruam uma visão de
totalidade que foi perdida com a divisão do trabalho nas fábricas, imposta pelos modelos Toyotista e Fordista.
É necessário unir os ideais de justiça social aos de preservação do
meio ambiente, ou seja, desenvolver o consumo ético, crítico e solidário,
fazendo com que os alunos aprendam a buscar o atendimento de suas
necessidades, tendo como principio básico o consumo do suficiente, pois
o consumo do supérfluo é um fator de exclusão social bem como um
risco a própria sobrevivência da humanidade.
A sustentabilidade deve nortear a educação para a economia solidária, da forma como nos orienta Marcos Arruda (op.cit, p.22)
Consciente de que todo consumo envolve a geração de resíduos, cada habitante estará comprometido com os três princípios de uma gestão responsável
do ambiente: gastar o mínimo, reutilizar tudo o que é possível, reciclar o que
não pode ser reutilizado. Dessa forma, elimina-se todo desperdício, seja de
recursos, seja de energia, e buscam-se formas de manter a harmonia da existência da comunidade humana em relação aos seus ecossistemas.
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O papel do educador na formação para a economia solidária também é fundamental, ele deve ser capaz de estabelecer uma relação
educativa com seus alunos em que ambos ensinem e ambos aprendam,
conforme Marcos Arruda (op.cit, p.57)
O saber do educador, supostamente maior e mais erudito que o dos
educandos, é relativo ao seu universo cultural e situação social. Portanto,
tende a estabelecer uma relação complexa e contraditória com o saber dos
educandos jovens e adultos. Saber administrar esta relação no sentido de
superá-la mediante a crescente autonomização dos educandos e não a
mera reprodução por estes do saber absorvido do educador ou dos autores estudados, este é o grande desafio para o educador da Práxis.
Outro diferencial importante na educação para a economia solidária é a avaliação. Partindo-se do pressuposto de que a aprendizagem não
ocorre de maneira imediata e instantânea e nem apenas pelo domínio de
conhecimentos específicos ou informações técnicas, a aprendizagem
requer um processo constante de envolvimento e aproximações sucessivas, amplas e integradas, fazendo com que o educando possa, a partir
das reflexões sobre suas experiências e percepções iniciais, observar,
reelaborar e sistematizar seu conhecimento acerca do objeto em
estudo.Outra estratégia importante é a de cuidar para que em momento
algum a avaliação induza à competição entre os alunos, já que o espírito
o qual se deseja desenvolver é o da cooperação e o da solidariedade.
A maior parte das iniciativas de incubação da economia solidária
tem partido de Organizações não governamentais, de sindicatos ou de
grupos dentro das universidades que atuam na organização, assessoria e
acompanhamento de grupos ou cooperativas em comunidades pobres,
com certeza a atuação dessas entidades tem um papel importantíssimo
na divulgação da economia solidária, porém, a Economia Solidária pode
ter na escola um espaço para que seus ideais sejam divulgados de forma
mais abrangente.
Uma das inquietações presentes na construção da EJA, enquanto
política pública tem sido a necessidade de superar vácuo existente nas
propostas curriculares, devido ao distanciamento entre essas e o mundo
do trabalho. Embora no Plano Nacional de Educação (PNE) na LDB
(Lei nº 9.394/96), esteja explícita a necessidade de vinculação do ensino
fundamental para jovens e adultos à formação para o trabalho, isso não
tem ocorrido na prática. No máximo, o que se observa são práticas aligeiradas de treinamento profissional às vezes vinculadas à elevação de
escolaridade.
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Atualmente, existem alternativas promissoras, como as desenvolvidas com base no Plano Nacional e Qualificação (PNQ) e no Programa
Economia Solidária em Desenvolvimento. É uma tentativa de articulação com a EJA, que tem, entre outros objetivos: “Articular a Economia
Solidária às demais políticas públicas, em especial, aquelas relativas à
elevação da escolaridade, alfabetização e à educação de jovens e adultos” (DEQ/Senaes/SPPE/MTE, 2003, p. 4).
O PROEJA pode ter um papel fundamental quando se busca uma
outra lógica de geração de emprego e de renda, como no caso das experiências ligadas à Economia Solidária, não apenas no sentido de contribuir para que os jovens e adultos coloquem-se diante das relações capital e trabalho por outro prisma, mas, também, porque esse pode ser o
caminho de mudanças dos próprios prismas da escolarização para esses
alunos. A Economia Solidária é um poderoso instrumento de combate à
exclusão social por apresentar uma alternativa viável de geração de trabalho e de renda, garantindo a satisfação das necessidades de quem está
nela envolvido. Ela propõe uma reflexão sobre a organização da produção e da reprodução da sociedade de modo a diminuir as atuais desigualdades e difundir os valores de solidariedade humana.
No PNQ (Plano Nacional de Qualificação) os conteúdos recomendados são os do universo temático da Economia Solidária, ou seja,
são aqueles que contemplam o acúmulo histórico dos trabalhadores na
organização de iniciativas econômicas fundamentadas na cooperação
e na solidariedade. Esses conteúdos dizem respeito aos conhecimentos, às formas de organização, aos comportamentos e às atitudes necessárias à viabilidade dos empreendimentos e à concretização de princípios e valores próprios de uma cultura solidária.Entre esses conteúdos, pode destacar-se:
• Constituição, organização e gestão democrática de empreendimentos
solidários.
• Autogestão.
• Relações intersubjetivas no trabalho.
• Construção de redes, complexos cooperativos, centrais de
comercialização.
• Participação cidadã e controle social nas políticas públicas.
• Legislação do cooperativismo, mutualismo e autogestão.
• Direitos sociais e trabalhistas como direitos humanos.
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• Trabalho emancipatório e a superação do trabalho alienado.
• Conteúdos profissionais e sociais integrados, de forma a facilitar a construção de metodologias relativas ao processo produtivo coerentes com o
projeto de Economia Solidária.
Considerações finais
Logo, para instrumentalizar tecnicamente o trabalhador, de acordo com o empreendimento que se buscará desenvolver, poderão ser feitas parcerias com CEFETs, organizações não-governamentais, como a
rede “S” ou com outras entidades que possam viabilizar o desenvolvimento das técnicas necessárias à produção.Os diferentes caminhos serão definidos segundo as características e capacidades de cada comunidade local, partindo do princípio de que as dinâmicas geradoras de desigualdade e exclusão só podem ser desmontadas de baixo para cima, do
nível micro para o macro.
Articulando o sistema produtivo com o educacional, em especial
com o ensino na modalidade PROEJA, é possível torná-lo capaz de gerar rendimentos crescentes, mediante a utilização dos recursos disponíveis e a introdução de inovações adequadas, sob o controle crescente da
comunidade local, garantindo a criação de riqueza e a melhoria do bemestar da população local.A educação para a economia solidária não pode
ser formulada e transmitida apenas em termos teóricos, pois é um ato
pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática social
e um entendimento novo dessa prática. A melhor maneira de aprender a
construir a Economia Solidária é praticando-a por isso é extremamente
importante trazer para dentro da escola pessoas que estejam envolvidas
em empreendimentos solidários, já que essas pessoas possuem a experiência prática obtida na vivência diária, adquirida por tentativa e erro.
Ao articularmos estas novas iniciativas/alternativas econômicas
coletivas, populares e solidárias para geração de renda ou trabalho,
permeado pela autogestão, com os processos educacionais, principalmente com a Educação de Jovens e Adultos no PROEJA, estamos aliando o conhecimento teórico ao conhecimento prático, aumentando, assim, as chances de que o ensino de economia solidária possa alcançar os
resultados promissores, mudando a vida de várias pessoas excluídas pelo
ensino regular.
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CAPACITAÇÃO DE TRABALHADORES EM
UM CENTRO DE TRIAGEM DE RESÍDUOS
SÓLIDOS URBANOS: CRIANDO UMA
FERRAMENTA PEDAGÓGICA
Rafael B. Zortea1
Rafael Arenhaldt2
Introdução
Nas grandes cidades, um dos vários problemas enfrentados concentra-se na gestão dos resíduos sólidos gerados. Tal fato toma dimensões
maiores quando este problema é enfrentado pelos países subdesenvolvidos, pois o problema da geração dos resíduos sólidos acaba se constituindo
como uma alternativa de sobrevivência, conseqüência dos graves problemas sociais enfrentados por estas nações. Pessoas que acabam sendo
excluídas do mercado de trabalho, não possuindo qualquer oportunidade,
acabam encontrando no lixo, um meio de ganho e sobrevivência.
Portanto, os responsáveis pela gestão desses resíduos sólidos gerados (no caso do Brasil, fica por contas das gestões municipais), acabam
verificando que a organização destas pessoas marginalizadas em grupos
de trabalho com o foco na coleta e separação destes resíduos ajuda no
cumprimento de um papel muito importante no que diz respeito à gestão
destes resíduos e atividades como: reinserção de pessoas no mercado de
trabalho, reutilização de resíduos recicláveis e coleta e disposição do lixo.
Tais tipos de organizações acabam assumindo o papel de minimização e
reutilização dos resíduos, além, é claro, do aumento de oportunidades de
trabalho para a população que, atualmente, se encontra marginalizada.
Entretanto, a forma de organizar estas pessoas acaba encontrando
1
Rafael B. Zortea é Professor do CEFET-RS e Aluno do Curso de Especialização do PROEJA/
UFRGS.
2
Rafael Arenahdlt é Doutorando em Educação e Professor do Curso de Especialização do
PROEJA/UFRGS.
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entraves e dificuldades, como a dificuldade de capacitação dos próprios
integrantes e a vulnerabilidade destas formas de organização entre outros
obstáculos (Castilhos, 2003). Mesmo assim, Gonçalves (2002) levanta o
grande número de externalidades positivas que se pode chegar com a
organização destas pessoas, pois tais associações não possuem somente o
objetivo de melhorar a renda destes indivíduos, como também ser um meio
de união e participação na conquista de direitos. Deste modo, o desenvolvimento de metodologias e procedimentos que venham a auxiliar a
capacitação dos atores destas organizações sociais torna-se essencial para
a elaboração de futuros projetos que busquem a sustentabilidade e sobrevivência destas formas de organização de economia solidária.
Diante do que foi colocado, este artigo propõe a criação de uma
ferramenta pedagógica, ou seja, um modelo de capacitação técnica para
um grupo heterogêneo que trabalha em um galpão de triagem de lixo. No
caso desse estudo, os catadores e triadores de resíduos sólidos urbanos
pertencem ao Centro de Triagem da Restinga em Porto Alegre, formado
por trabalhadores com baixa escolaridade, o que revela a necessidade
de formas de aprendizagem que busquem viabilizar esta apropriação do
conhecimento a ser passado em uma capacitação
Perspectiva metodológica
A proposta do trabalho visa oferecer ferramentas pedagógicas que
demonstraram um resultado positivo no que se refere a apropriação de
conhecimento técnico por parte das pessoas que trabalham nestes
galpões. Todavia, segundo Gonçalves (2002), a idéia de se construir uma
metodologia e/ou procedimentos que consigam investigar e reconhecer
a realidade local de uma forma completa, detectando problemas, demandas e potenciais, deve, no mínimo, levantar informações como:
· cotidiano das pessoas que participam da organização;
· histórico dos processos de organização que já ocorreram na região;
· riqueza e valores presentes no grupo social;
· formas que utilizam para o relacionamento e valorização do ambiente
onde moram;
· formas e relações de trabalho construídos no grupo social.
Daí pode-se constatar que a precisão no levantamento destas informações e a forma como estas serão buscadas acabam se tratando
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dos principais problemas do trabalho. Estas informações acabam tornando-se as premissas básicas na investigação da realidade organizacional
a ser diagnosticada. Além disso, tal diagnóstico, por conseqüência acabará influenciando na questão da forma de planejamento da capacitação
destas pessoas. Vale destacar que, a forma de condução, tanto do diagnóstico como da inserção de conhecimentos técnicos, devem atingir como
resultado final uma boa eficiência no que se refere à questão da inserção
de uma sustentabilidade para esta forma organizacional de economia
solidária. A verificação deste resultado final basear-se-á na aplicação do
mesmo procedimento utilizado quando da realização do diagnóstico, fazendo então um comparativo da situação antes e a de agora.
As etapas do trabalho foram realizadas junto com os integrantes da
organização de economia solidária em questão (Centros de Triagem de
Resíduos Sólidos) e seguiram o processo descrito a seguir.
Diagnóstico do processo produtivo
Umas das etapas do diagnóstico versou sobre o processo de triagem e a sua eficiência em termos de resultado para os associados do
Centro de Triagem da Restinga (CT Restinga).
A Associação recebe do Departamento Municipal de Limpeza
Urbana (DMLU) de Porto Alegre os resíduos sólidos urbanos (RSU)
oriundos da coleta seletiva (CS) do município. As cargas são diárias de
segunda a sábado.
De acordo com registros do próprio CT Restinga, em maio de 2002
a média de cargas semanais foi de 20 cargas. Uma carga possui, em
média, 1,3 toneladas. O mês contabilizou 111,8 toneladas de RSU, sendo
que os materiais termoplásticos comercializados representaram 29,1 toneladas (26% do RSU oriundo da coleta seletiva).
Como resultado da triagem obtém-se uma ampla variedade de produtos, além do rejeito. Os produtos têm na sua composição materiais
básicos como celulose, metais, polímeros e materiais vítreos; enquanto
que o rejeito é uma mistura complexa e heterogênea de materiais inertes, minerais e orgânicos.
Tomando-se como base os dados de venda do mês de agosto de
2002, pelo número de cargas recebidas e, considerando 1,3 toneladas a
massa média destas cargas, realizou-se um balanço de massa para confrontar os dados atuais tanto dos materiais comercializados como do
valor do índice de rejeito de 57,9 % de agosto de 2000. Os dados deste
balanço de massa, de forma geral, são apresentados na Figura 1.
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Figura 1: Composição dos RSU do CT Restinga
Fonte: DMLU (Agosto/2002)
Analisando o percentual de termoplásticos comercializado no CT
Restinga, no mês de agosto/2002, verificou-se que não houve evolução
significativa deste valor nos últimos dois anos. Desta forma, será adotado o valor do IR de 39,1% como parâmetro de comparação da eficiência
do projeto.
Focando a análise para os termoplásticos comercializados, percebe-se que estes são classificados em 16 itens, isto é, 62% dos tipos de
produtos. Tomando-se como base a quantidade total de termoplásticos
no material comercializado (22,3%, conforme figura 1).
Análise técnica do processo produtivo
A fim de obter um resultado mais discriminado, para realizar uma
melhor compreensão técnica realizou-se uma análise qualitativa dos produtos termoplásticos comercializados pelo CT Restinga com a finalidade
de verificar quais as resinas que compõem os itens bem como os principais contaminantes. Os resultados são apresentados na tabela 1.
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Tabela 1: Descrição dos materiais comercializados pelo CT
Restinga.
Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Agosto/2002)
A próxima etapa tratou-se da realização da análise da fração rejeitada com o intuito de definir uma sistemática para a classificação da
mesma. A partir dos resultados desta análise, desenvolveu-se a seguinte
classificação:
· fração de rejeitos sem nenhuma possibilidade de reciclagem (FNR);
· fração de materiais recicláveis que podem ser classificados dentro de
algumas das 26 classificações já existentes (FMR);
· fração de materiais que possuem viabilidade de reciclagem, porém não
podem ser classificados numa das 26 classificações já existentes (FPR).
Após a caracterização inicial já descrita, foi realizado o acompanhamento “in loco” com a intenção de analisar a gestão do processo
produtivo. Este acompanhamento baseou-se nas seguintes constatações:
· o índice de rejeitos de 39,1%;
· o nível de contaminantes dos produtos comercializados pelo CT Restinga;
· a falta de padronização nos procedimento, principalmente nas mesas de
triagem;
· o resultado qualitativo e quantitativo do rejeito.
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Os resultados estão apresentados em relação às duas frações
estabelecidas pela classificação do rejeito: fração de materiais reciclaveis
(FMR) e fração de materiais potencialmente reciclaveis (FPR).
A fração de materiais não recicláveis (FNR) não foi incluída na
discussão, pois as causas de sua não reciclabilidade tem origem no desenvolvimento dos produtos e na falta de tecnologia para reciclagem.
Estes dois aspectos não podem ser resolvidos com a capacitação destes
atores. Assim, os resultados podem ser sintetizados abaixo.
Principais causas do FMR:
· falta de padronização do processo de triagem entre os associados;
· pequeno tamanho do material recebido;
· dificuldade de separação, embalagens com mais de um tipo de material
reciclado;
· sujeira.
Principais causas do FPR:
· não possui demanda pelos intermediários;
· problemas de identificação e classificação.
Após a realização do plano de trabalho acima, os educadores se
inseriram no ambiente de trabalho desenvolvendo os trabalhos de rotina
como um trabalhador do Centro de Triagem. A finalidade desta etapa foi
a de levantar, de forma completa, as principais causas dos problemas
conhecimentos técnicos voltados para a produtividade e qualidade.
Este processo de acompanhamento ativo estendeu-se por diferentes
horários, turnos e atividades, com ênfase no processo de triagem pertinentes às mesas de separação. Os resultados estão sintetizados abaixo.
As principais causas do problema da produtividade e qualidade na
triagem de termoplásticos analisados pelos educadores.
· Separação muito criteriosa, sendo que às vezes um mesmo material é
separado em três classificações diferentes.
· Rejeita-se uma parcela muito grande de material termoformado e de potes
de iogurte com filme exterior colorido, além de um desperdício já existente
em relação aos demais materiais.
· Falta de padrão entre o pessoal da mesa quanto aos tipos de classificações, por exemplo, no caso dos filmes, verificou-se mesas separando em 3,
outras em 4 e até em 5 tipos diferentes.
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· Definição de somente um box para a colocação de todos os tipos de
filmes classificados, o que repercute numa grande perda de tempo da pessoa da prensa que precisa dispender mais tempo localizando sacolas de
um mesmo material neste box. Tempo perdido de 30 minutos à uma hora
por fardo prensado.
Realizado o levantamento dos principais problemas do processo
com relação ao conhecimento técnico necessário e com base nos dados
qualitativos e quantitativos do balanço de massa do CT Restinga, definiu-se o sistema de avaliação para o projeto.
A avaliação consistirá no acompanhamento e medição, quando
possível:
· da eficácia da metodologia de capacitação;
· da efetividade do projeto.
A eficácia da metodologia de capacitação será avaliada por: análise dos aspectos comportamentais e ambientais, além de uma análise
qualitativa e quantitativa do rejeito.
A análise qualitativa do rejeito foi realizada de acordo com a classificação desenvolvida, isto é através das três frações já mencionadas
acima; enquanto que a análise quantitativa foi obtida por amostragem
dos tonéis de rejeitos oriundos das mesas de separação.
Figura 2: Constituição do rejeito do CT Restinga (antes da
capacitação)
Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Agosto/2002)
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O procedimento experimental consistiu na análise de um tonel de
cada uma das 5 mesas e em cada um dos turnos. Os resultados estão
sintetizados na figura 2. Cabe ressaltar que uma análise genérica destas
três frações geradas no CT Restinga apresentou os seguintes valores:
FNR – 71%, FMR – 19% e FPR – 10%.
Criando uma ferramenta pedagógica
A próxima etapa trata-se da aplicação de uma forma de capacitação
que possa apresentar um bom aproveitamento por parte dos trabalhadores do CT Restinga. A ferramenta pedagógica proposta neste artigo consiste em uma estrutura básica formada pelos códigos de identificação
dos principais termoplásticos existentes nos RSU, conforme Tabela 2.
Com esta estrutura construiu-se uma tabela onde, à direita está a
área relacionada à dinâmica de mercado dos itens que compõem o rol de
produtos comercializados e, à esquerda e em diferentes graus de dificuldade de assimilação, os conteúdos envolvendo os conhecimentos sobre
identificação de termoplásticos, conforme Tabela 2.
A respeito do quadro proposto, a utilização da simbologia de identificação torna-se significativa, pois o uso destes símbolos é compulsório
nos produtos termoplásticos, portanto, abrange a grande maioria dos produtos termoplásticos além de possibilitar a utilização desta forma de reconhecimento das diferentes resinas para trabalhadores analfabetos.
Além disso, facilita a aprendizagem por parte de todos os trabalhadores
do Centro de Triagem.
No que se refere a composição da simbologia de identificação com
os aspectos do lado direito do quadro, verifica-se que este auxilia na
demonstração da relação entre os tipos de resina e a resina constituinte
de cada produto comercializado. Por conseqüência, este quadro também
permite verificar quais resinas constituintes serão contaminantes em cada
um dos produtos comercializados, adaptando-se, portanto a dinâmica de
comercialização atualmente existente. Sendo assim, tal quadro também
poderá auxiliar na atualização dos produtos conforme a dinâmica dos
processos de transformação de termoplásticos, ou seja, as mudanças
que ocorrem nos RSU. Sendo assim, acredita-se que a metodologia proposta pode, também, ser utilizada por trabalhadores analfabetos.
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Tabela 2: Ferramenta pedagógica proposta
Por fim, com relação a composição da simbologia de identificação
com os aspectos do lado esquerdo, acredita-se que este quadro permitirá
aos trabalhadores ter em mãos diferentes métodos e informações para
identificação dos termoplásticos mais comuns nos RSU, além da utilização de um elevado número de informações que levam a identificação da
resina. Apesar de apresentar métodos complexos ou analíticos (como
solubilidade) este quadro também demonstra métodos simples ou empíricos
(método visual), ficando a disposição todos os métodos conforme seja o
grau de assimilação dos trabalhadores, a fim de atender as características individuais de aprendizagem. Pode-se acrescentar também que se
trata de um instrumento de consulta rápida pelos próprios trabalhadores,
permitindo a retomada das informações, como por exemplo: nicho de
mercado de embalagens e produtos, tipo de processamento, etc. Somado a tudo isto, acredita-se, também que se trata de um método que se
adaptam facilmente a dinâmica de auto-aprendizagem do trabalhador.
O procedimento pedagógico para aplicação da ferramenta ocorreu
através de aulas de curta duração. O educador apresentou os conteúdos
básicos para a construção do lado esquerdo do quadro, relacionando-o
com a simbologia.
Para isso utilizou o próprio ambiente e os mesmos procedimentos
de trabalho de rotina. Isto permitiu corrigir os erros de identificação in
loco, promover a redução da FMR e da FPR e, através do nivelamento,
o processo de padronização dos referidos procedimentos.
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O procedimento foi repetido em diversos momentos e após a assimilação deste conhecimento passado, o grupo de trabalhadores juntamente com o educador realizaram a montagem do lado direito da tabela
2, conforme apresentados na figura 3.
Os testes ensinados foram:
· análise do comportamento dos termoplásticos na combustão;
· análise das características densitárias em meio aquoso;
· análise quanto ao comportamento mecânico;
· análise quanto às propriedades óticas;
· identificação do tipo de processamento através de características do
projeto do produto e relacionar o processamento com a resina; e
· relacionar o tipo de resina com o tipo de embalagem.
Durante o processo de capacitação, onde os trabalhadores foram
capacitados em técnicas de identificação, as discussões iniciavam por
estas técnicas e terminavam em alterações de procedimentos envolvidos na gestão do processo.
Figura 3: Avaliação dos itens termoplásticos comercializados
Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002)
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Avaliando o processo de capacitação
Por fim, com o intuito de verificar os resultados alcançados com a
aplicação da metodologia de capacitação sugerida neste trabalho, fez-se
uma nova medição de alguns resultados levantados no diagnóstico.
Ao se avaliar o processo de triagem, após a capacitação, notou-se
que muitos materiais, por conta da: falta de informação sobre o procedimento correto de triagem, falta de conhecimento técnico sobre o tipo de
resina termoplástica, ou mesmo desmotivação para realizar a triagem
correta, mudaram suas rotas dentro do processo.
As mudanças nas rotas foram, basicamente, de dois tipos:
· mudança no critério de classificação entre os termoplásticos
comercializados,
· inserção de materiais termoplásticos do rejeito em um dos 16 itens deste
grupo comercializados.
Para ilustrar, tem-se o exemplo das embalagens termoformadas não expandidas, principalmente as que compõem o rol de embalagens para alimentos
perecíveis.
Estas embalagens são constituidas, normalmente, por quatro tipos
de resinas: o poliestireno (PS), o policloreto de vinila (PVC), polipropileno
(PP) e, nos últimos anos, devido a dinâmica do mercado de termoplásticos
e de forma crescente, o polietileno tereftalato (PET).
Figura 4: Constituição do rejeito do CT Restinga (após a
capacitação).
Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002)
As embalagens termoformadas de PS tem como destino a rota
para o item: copos e bandejas de PS. As dificuldades em separá-las do
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PET, do PP e do PVC, se deve, principalmente às propriedades como
transparência, por gerar confusão com o PS cristal.
Os trabalhadores desenvolveram a capacidade de classificar tais
embalagens de forma satisfatória. Aquelas embalagens de PS antes descartadas no rejeito passaram a ser aproveitadas. As embalagens de PET
termoformadas que seguiam para o rejeito foram incluídas no item: garrafas de azeite, inclusive com baixo nível de contaminação do PP e do PVC.
Em análise qualitativa posterior ao processo de capacitação ter
sido realizado, o rejeito apresentou baixo nível de termoformados, principalmente porque o PVC e o PP não representam a mesma importância
em termos de consumo neste nicho de embalagens. Assim, este exemplo
apresenta os dois tipos de mudanças nas rotas dos materiais triados.
Além disso, realizaram-se novamente medições sobre a produtividade dos associados no que se refere ao processo de triagem. A figura 5
apresenta os resultados da análise quantitativa do rejeito. O estudo foi
realizado após o processo de capacitação e de forma a apresentar os
resultados por mesas de separação, com o intuito de estudar, também,
variabilidade entre os grupos de cada mesa.
Figura 5: Rejeito antes e após a aplicação do processo de
capacitação no CT Restinga
50,0%
Índice de Rejeito
40,0%
39,1%
30,0%
18,3%
20,0%
10,0%
0,0%
Antes
Depois
Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002)
A comparação entre as figuras 2 e 4 mostra uma clara evolução da
qualidade de separação realizada pelos associados. Cabe destacar que
durante o processo de capacitação nenhum dos integrantes das mesas 4
e 5 participaram do treinamento ou apenas acompanharam a primeira
parte do trabalho de capacitação.
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Com relação a análise da produtividade do Centro de Triagem de
uma forma global, a FNR que era de 71% subiu para 89%, a FMR que
antes da capacitação mostrava um valor de 19% caiu para 8% e por fim,
o FPR que era de 10% caiu para 3%.
Por fim, a figura 5 mostra a comparação entre os valores do índice
de rejeitos antes e depois da aplicação do processo de capacitação aos
trabalhadores do CT Restinga. Pode-se verificar que houve uma redução de 20,8 % do total resíduos sólidos urbanos recebidos neste Centro
de Triagem.
Considerações
Com relação ao trabalho em questão, baseando-se na avaliação do
processo de capacitação sugerido e aplicado, pode-se colocar que a
metodologia de capacitação pode ser considerada eficaz, pois atingiu a
meta determinada no objetivo geral com a redução do índice de rejeito
em 20,3%.
O projeto de capacitação se aplicado e tomando como base os resultados alcançados neste trabalho poderá resultar nos seguintes ganhos:
· retorno econômico para os trabalhadores;
· retorno à cadeia produtiva que receberá material mais qualificado;
· retorno social, pois a qualificação profissional consolida a cidadania.
Além disso, se for considerado o resultado alcançado neste trabalho para todos os Centros de Triagem de Porto Alegre que participam do
Projeto Social da Prefeitura, pode-se estimar um ganho ambiental por
volta de 22 toneladas/mês de RSU que deixariam de ser destinados para
o aterro sanitário da cidade, sendo então agregados aos produtos de
venda destes Centro de Triagem.
Por fim, não se pode deixar de colocar que o desenvolvimento da
metodologia permitiu aos educadores e educandos envolvidos uma nova
ferramenta pedagógica.
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Referências
ADAMS, Telmo. Vivendo e Reciclando: Associação dos Recicladores de Dois
Irmãos. São Leopoldo: Oikos, 2005.
CASTILHOS, Assis; ZORTEA, Rafael B.; SOARES, Alessandro L. Projeto de
Desenvolvimento de Metodologia para Capacitação de Trabalhadores de Centros de Triagem, CEFET/UNED-RS, 2003.
GONÇALVES, José A.. Metodologia para a organização social dos catadores.
São Paulo: Fundação Peirópolis, 2002.
SISINNO, Cristina L.C. Resíduos Sólidos, Ambiente e Saúde: uma visão
multidisciplinar. 20 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.
ZORTEA, Rafael B.; SOARES, Alessandro L.; CASTILHOS, Assis. Projeto de
Capacitação em Galpões de Reciclagem, XVII CRICTE, Passo Fundo, 2002.
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O OFÍCIO DE CANTINEIRO:
Os Saberes Tácitos dos
Trabalhadores da Indústria
Vinícola
Alexandre Ferreira dos Santos1
Rafael Arenhaldt2
Convido-os a mergulhar, através deste trabalho, no maravilhoso
mundo do vinho. Compartilho as compreensões que obtive procurando
entender os bastidores desta maravilhosa bebida, nos porões onde é produzida. Considerado o néctar dos deuses, bebida milenar, o sangue de
Jesus Cristo e citado no melhor dos livros - a Bíblia Sagrada - o vinho nos
leva até o subterrâneo da imaginação para estudar o homem que o elabora na sua mais humilde e simples condição: a de trabalhador da indústria vinícola.
Pensando e buscando entender como os trabalhadores da indústria
vinícola construíram seus conhecimentos, procuro tecer este texto e estudar os fatores que levaram à construção dos saberes tácitos destes trabalhadores. Assim sendo, procuro dar visibilidade e mostrar de que forma os
trabalhadores da indústria vinícola aprendem o “ofício de cantineiro” a
partir da experiência prática no mundo do trabalho e da vida.
Do ponto de vista metodológico, visito os cantineiros nos seus locais de trabalho e consulto a bibliografia (um pouco escassa sobre o
tema). A partir dos depoimentos, “costuro”, faço um novo texto procurando compreender a relação empírica do trabalho com os referenciais
teóricos consultados e os depoimentos coletados durante as entrevistas.
1
Alexandre Ferreira dos Santos é Enólogo e aluno do Curso de Especialização do PROEJARS, turma de Bento Gonçalves.
2
Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre e
coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do
presente artigo.
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No que tange a realização das entrevistas não utilizei um questionário
fechado, mas deixei a conversa fluir naturalmente.
Considero importante que, para entender o mundo do trabalho e
suas relações com o trabalhador, é preciso estar inteirado com a história
do mesmo através da leitura de alguns autores dessa própria história, da
Psicologia, Antropologia, Sociologia, entre outros nesse universo interminável que cerca o estudo das relações do ser humano consigo mesmo e
com o mundo do trabalho.
Tendo em vista a vasta experiência prática adquirida pelos trabalhadores da indústria vinícola em suas atividades rotineiras, faz-se necessário mostrar que os conhecimentos construídos durante as atividades realizadas são absorvidos pelo desempenho das funções operadoras
realizadas durante a jornada de trabalho.
No Brasil as atividades inerentes aos trabalhos realizados na elaboração de vinhos são desempenhadas pelos “Cantineiros”, chefiados
por Enólogos que controlam as operações de produção.
· De que forma e onde esses trabalhadores adquiriram tal experiência?
· Como se constituem os saberes e experiências dos cantineiros?
· Como tais saberes foram adquiridos com a prática?
A definição de Trabalho segundo o Dicionário Aurélio é
“a aplicação da atividade física ou intelectual; serviço; esforço;
ação ou resultado da ação de um esforço”. Nesta perspectiva, Serviço significa “exercício de funções obrigatórias; duração desse
exercício; desempenho de qualquer trabalho” e Ofício é “arte; cargo; profissão; ocupação; obrigação”.
Já os termos Saber e Tácito são definidos no Dicionário como:
“saber: conhecer; ser informado; ter conhecimento; erudição; sensatez; sabedoria; experiência” e tácito: “silencioso; que não se
exprime por palavras; implícito; secreto” (FERREIRA, 1986).
Nesta dimensão, os saberes tácitos:
“(...) Por esse termo genérico são designados saberes práticos, concretos, empíricos, aprendidos no local de trabalho (Barcet et al. 1985), o
conhecimento das máquinas (Bernoux et al. 1984), o conhecimento do
processo de trabalho (Rosanvalon & Troussier, 1983) a ‘inteligência
operatória’ (Raveyre, 1984), etc.”. (DESAULNIERS, 1998, p. 88, apud,
STROOBANTS, 1993).
Conversando com os donos destes saberes, noto que são pessoas
adultas e questionando-as sobre o que as fez saber, ouvi que isso ocorreu
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naturalmente de tanto fazer e tanto errar. “O erro nos faz correr atrás
das ‘cagadas’ que fizemos”, disse-me Mateus, cantineiro de uma Vinícola. “De tanto tentar, um dia nós acertamos e não esquecemos mais”
(João, cantineiro).
Por que não mostrar estes saberes? Por que não tornar essas pessoas reconhecidas pelo trabalho que desempenham e tirá-las da exclusão
diplomada? Nesse caso, o saber prático vem antes do certificado, diferente do que ocorre com a maioria dos formados que só possuem o saber
teórico e muito depois adquirem o saber prático, se assim o quiserem.
“Também gostaria de ser chamado de doutor em limpeza de
chão, pois sou o mais rápido e ninguém limpa que nem que eu”,
disse-me Paulo ouvindo os risos dos colegas e rindo também. Já Natanael
gritou: “E filtrar? Duvido quem deixa os vinhos mais limpos que eu,
e bem rápido!”.
Nas quatro indústrias vinícolas brasileiras que pesquisei3, aproximadamente 85% dos trabalhadores do setor de vinificação não possuem o
Ensino Médio completo e mais de 90% dos cantineiros possuem o Ensino
Fundamental incompleto, mal sabendo escrever seus nomes. Isso não significa que não podem desenvolver seu trabalho com maestria, pois são
seres humanos que possuem a mesma capacidade que qualquer pessoa
“letrada”. É importante ressaltar que as empresas vinícolas estão buscando inserir seus funcionários e cantineiros na Educação de Jovens e Adultos através do PROEJA ou de outras iniciativas de educação básica.
Percebo um conflito entre os cantineiros “iletrados”, seus superiores “letrados”, os técnicos em enologia e os enólogos responsáveis quando
converso com eles, pois uns dizem ser melhores que os outros: “É muito
fácil o chefe me dizer eu quero essa máquina funcionando, aí nós
se quebra tudo. Me chamam de cara bom porque sei fazer muita
coisa, mais se dá certo foi o chefe que fez e se dá errado, fomos
nós” (João, cantineiro e operador de enchedora).
Os cantineiros têm um olhar indiferente sobre o diploma, pois não
acreditam que o mesmo tenha tanta importância no que diz respeito à
realização das atividades de trabalho solicitadas. Isidoro Selli, cantineiro,
diz: “não precisa ser enólogo pra entender de vinho”. Teorizando,
conforme Guedes (1997): “O diploma é o resultado de um saber que
não se construiu necessariamente no fazer e não capacita para
situações concretas” (p.198).
3
Fiz um levantamento com os trabalhadores das Vinícolas Aurora, Miolo, Salton e Garibaldi
no período de Fevereiro a Maio de 2007.
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Compreendo que o trabalho livre que explore a completude do
cantineiro ao trabalhar com prazer não é fácil de ser alcançado, pois os
conflitos estão presentes, mas pode ser alcançado.
“Embora estejamos muito distantes da realização da utopia de um trabalho
emancipado e libertado, onde o homem possa desenvolver suas
potencialidades reais, acreditamos que, nos modernos processos de bens e
serviços, surgem espaços para o desenvolvimento da identidade individual e
coletiva, e que esses espaços tendem a se expandir”. (DELUIZ, 1995, p.196).
Durante as entrevistas realizadas, compreendo que no aprendizado
do ofício de cantineiro, uma parte da história da vida dos trabalhadores é
construída junto com o próprio aprendizado. “A cantina é minha segunda casa e meus colegas são meus irmãos, de tanto ficar aqui, a
gente se apega à firma e aos colegas, pois a gente se ajuda pra
resolver os problemas” (João, cantineiro e operador de enchedora).
As relações de trabalho implicam na história de vida do cantineiro
durante a jornada de trabalho e ele transfere para a empresa uma parte
de sua vida pessoal e familiar. O cantineiro convive muito tempo no
lócus de trabalho e acaba traduzindo para si a formação de uma espécie
de família, pois se relaciona muito com seus colegas. Há fortes relações
interpessoais (intersubjetivas) no convívio, modificando seu jeito de ser e
seu ethos, pois é na vinícola que transcorre a maior parte do tempo de
sua existência. O cantineiro transfere os modos de pensar, sentir e agir
que se constituem no interior das experiências do cotidiano profissional
para a vida pessoal, familiar e comunitária.
Acredito que o trabalho possui um significado importante para a
vida. No caso dos cantineiros, nos meses em que a uva é recebida na
vinícola, a dificuldade de proporcionar lazer à família desempenha um
forte sentido nas relações familiares, pois é no verão que a uva deve ser
processada, impedindo, às vezes, uma viagem de férias. A decisão em
continuar nesse ramo é muito forte. “A minha mulher e meus filhos
quase sempre vão sozinhos para a praia. Acho que a futura mulher
de quem trabalha em vinícola deve ser avisada disso antes de casar” (Fábio, Enólogo).
A realização de qualquer função operadora na vinícola dependerá
de como o cantineiro encara e entende o universo no qual está inserido.
O trabalhador, primeiramente, precisa desejar aprender o ofício e, assim,
constrói condições objetivas de trabalho com o auxílio da subjetividade
com o passar do tempo.”Precisa de anos de experiência prática, senão não dá” (Lindonês, cantineiro). A construção de um saber tácito é
um processo complexo.
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Nesse contexto, para compreender o processo, o cantineiro, juntamente
com a necessidade de aprender o ofício e seu saber tácito, articula valores e
sentimentos presentes nesse mesmo processo complexo de construção do
saber. No local de trabalho, constroem-se saberes práticos com auxílio, também, de costumes vivenciais dos agentes envolvidos no processo.
O habitus permite que as práticas do cantineiro adquiram sentido
histórico e social, na realização das atividades laborais. A permanência
no lócus, a vivência na vinícola contribui para essa construção. Segundo
Tittoni (1994): “A construção do ‘saber-fazer’ no cotidiano do trabalho surge marcado pelo antagonismo, pela necessidade e, também, pelo desejo” (p.35). Utilizando tal enfoque, a possibilidade de
compreender as formas como o sujeito constrói seus saberes, possíveis
de aprender, estão implícitas no inconsciente. Inconscientemente o
cantineiro utiliza vários ramos do conhecimento humano que ele mesmo
desconhece, como psicologia, sociologia, entre outros.
O gosto pelo trabalho, a curiosidade, a coragem, entre outros fatores contribui para a construção do saber-fazer. Gostar do trabalho, ser
curioso, tendo satisfação na realização das atividades, aprender algo novo
ou desafiar os conhecimentos adquiridos são quesitos importantes na
construção do conhecimento tácito. Jandir, cantineiro com 34 anos de
profissão, disse emocionado: “amor ao trabalho, boa vontade, dedicação faz a gente saber tudo”. Conhecer e aprender o processo produtivo são fundamentais para aprender o saber-fazer. A rotina de trabalho, repetitiva, pode não exigir um conhecimento aprofundado, mas ajuda
quando o andamento da operação é prejudicado por algum problema.
Como todo ser humano, o cantineiro possui características pessoais,
sendo um mais curioso, mais persistente e decisivo que o outro. “O magrão
sabe fazer de tudo porque é fuçador, curioso, se mete em tudo... às
vezes até se machucava, mas aprendeu bem”. (Mateus, cantineiro). O
cantineiro curioso está sempre aprimorando a sua forma de trabalhar:
“Memória, acompanhando, quando ocorre problema, tem que prestar atenção no serviço. 30 anos de cantina, 17 na Tecnovin e 13 no
Cefet de Bento. Vários ensinaram. Sei todos os serviços, desde a uva
até a garrafa” (Domingos, cantineiro do CEFET-BG).
Ao meu ver, a forma como os cantineiros edificam seu saber, está
associada à utilização de vários conhecimentos que habitam seu ser (ter
“faro”, ter “jeito”, ser do “métier”), alguns imperceptíveis aos próprios
trabalhadores. As tarefas intelecto-manuais, abstrato-concretas, formalinformal, dependem de critérios que se impõem com toda ambigüidade
nas descrições das atividades.
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“Essa categoria de saberes que é necessária para o domínio do ofício
mobiliza a pessoa na sua totalidade, o corpo e a mente, a habilidade e a
reflexão. (...) Enfim, os antigos operários profissionais traduzem as exigências definidas pela norma – compreender, saber refletir, possuir um método, - nestes termos: compreender mecanismos, possuir um método de
trabalho, saber agir para realizar determinada tarefa. Em suma, eles não
valorizam disposições gerais por si mesmas, mas a atividade de pensamento finalizada” (DESAULNIERS, 1998, p.63).
Para reforçar essa afirmação, a interdisciplinaridade se articula
para concretizar o saber. O aprendiz de cantineiro nota que, para as
atividades mais simples, como lavar as pipas, não há necessidade nem
de instrução nem de experiência: “quando comecei aqui, há dez anos
atrás, para lavar o chão e as pipas não precisei ter prática, já
sabia fazer” (Paulo, cantineiro). Acredito ser duvidosa essa afirmação,
pois Paulo fetichizou sua ação e não se lavam as pipas como se lava o
chão ou uma parede, sendo necessário que um colega mais experiente
mostre como executar a tarefa: “olha que não é bem assim, pois tem
produto diferente pra lavar as pipas e tem que saber usar certo. Eu
já ensinei até o chefe, pois vim de outra firma que já usava o produto” (Mateus, cantineiro). Acredito que foi a prática advinda da experiência adquirida no trabalho que lhe possibilitou o acesso a este conhecimento. E este conhecimento não raras vezes tem sido suficiente para
ensinar o trabalho aos colegas e chefes.
Os cantineiros disseram que começaram a trabalhar muito cedo,
entre oito e doze anos, na lavoura com a família, com o pai na firma, em
construções, no mercado do bairro desempenhando atividades diversas.
Todos os entrevistados disseram ter aprendido a trabalhar na prática.
Percebendo que o seu saber se originou praticando o ofício, sabendo que
assim desempenham bem a tarefa, dizendo que a teoria é insuficiente
para o aprendizado do trabalho. Reconhecem a importância de quem vai
para a escola, porém percebem claramente que, embora dizendo que o
que sabem é suficiente para trabalhar, a melhoria da sua vida depende
da aquisição de um outro tipo de saber, conferido pela escola: o saber
teórico. “Eu não consigo ir mais pra aula, mas meu filho vai estudar
pra ser doutor, para que o filho dele não diga – viu, tu não quis
estudar” (Natanael, cantineiro).
“Seu discurso revela a incorporação da dicotomia saber teórico/saber prático, e a percepção de que eles têm finalidades diferentes e são adquiridos
em diferentes locais; no trabalho, aprende-se a prática, na escola, a teoria.
Ao mesmo tempo em que subvalorizam o ‘saber prático’, aspiram ao aces-
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so ao ‘saber teórico’ conferido pela escola e explicam pela própria incapacidade e impossibilidade de permanecer no sistema de ensino” (KUENZER,
1989, p.146).
As relações sociais entre os cantineiros auxiliam muito na construção do saber tácito, nesse sentido, o saber não existe pronto e acabado,
mas é resultado dessas relações. O cantineiro se defronta cotidianamente com problemas que a prática lhe apresenta, as quais ele tem que
resolver. Nesse processo, ele vai experimentando, analisando, refletindo,
indagando, discutindo, descobrindo e, desta forma, vai construindo um
conjunto de explicações para a sua própria ação, ao mesmo tempo em
que edifica formas de “fazer” ao seu jeito. Ele apreende, compreende e
transforma ao mesmo tempo em que se transforma.
Heitor Marson (Enólogo da Vinícola Marson) diz:”(...) pouco
aprendi no curso que uso hoje. Aquelas teorias, que vem tudo de
livro francês, espanhol e italiano não tem muita serventia aqui, porque estamos no Brasil, a terra é outra, o clima também”.
Conforme Guedes (1997):
“Essencialmente, o que a escola comum, (...) propõe é uma fraca iniciação
ao ‘saber teórico’ que lhes é, de fato, por essa via, negado. Este saber, do
modo como lhes é apresentado, não dá direção a ninguém. É preciso encontrar caminho para aqueles que se constroem pelo saber-fazer” (p.203).
Portanto, o trabalhador do ramo enológico precisa ser especificamente treinado e o “saber fazer” ocupa papel de destaque nessa atividade.
Buscando compreender mais a fundo a relação do trabalhador da
indústria vinícola com o seu próprio trabalho, percebo uma situação que,
para mim, assusta. O “trabalhar” manualmente ou no controle das diversas máquinas que sustentam a produção de vinhos mostra uma relação, a meu ver, não muito agradável entre o cantineiro e seu trabalho. As
máquinas trouxeram avanço na produção de vinhos, segundo os olhares
dos proprietários de vinícolas. Ao meu olhar, trouxeram uma submissão
e uma dependência maior do trabalhador, pois além de substituir alguns,
tornam outros realizadores de tarefas repetitivas, impedindo-lhes criar
situações de trabalho novas, alienando-os. Isso, ao meu ver, impede relações de trabalho socializadas e humanizadas. Os cantineiros ficam submissos ao materialismo dos donos de vinícola, tornando-se repetidores
de tarefas pré-determinadas: centrifugar, filtrar, clarificar, entre outras,
sem criar. O trabalho do cantineiro assume a forma de uma espécie de
mercadoria que produz, também, mercadoria.
Sob a égide da investigação que realizei para a confecção deste
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estudo nas vinícolas, procurei compreender as relações dos trabalhadores desta indústria com a construção dos saberes que não advém da
escola. Sob esta perspectiva, procurei compreender como os cantineiros,
construíram seus saberes. Gravitando em torno de alguns eixos temáticos
- história e a formação da classe trabalhadora industrial, o capitalismo e
a construção dos saberes tácitos – compreendo que a construção desses saberes se dá no lócus de trabalho, a partir do ethos e de fatores
sociais e psicológicos, entre outros. Diferentes grupos sociais produzem
diferentes saberes.
A construção do saber-fazer prepara somente para o ofício ou
para a vida? O meio no qual o cantineiro está inserido parece ofuscar
sua condição de liberdade e de construtor de um “saber da vida”, para
desempenhar somente um ofício fragmentado tornando-o, assim, dependente e expropriado de seu saber. O aprendizado do saber tácito não
ensina ao cantineiro saber exigir seus direitos, solucionar problemas sociais, de educação, segurança e saúde para sua família, entre outros. O
saber-fazer constrói a história do cantineiro, história fabril e pessoal,
influenciando a história familiar.
O saber-fazer do cantineiro é gestado a partir de fatores muito
significativos e importantes para ele. Esses fatores são, em primeiro lugar, a necessidade de trabalhar. A coragem, vontade de aprender vem
somar ao primeiro juntamente com a curiosidade. O uso de diversas
áreas do conhecimento humano, como psicologia, sociologia, e outras
enriquecem esta formação, sob o manto de sua práxis.
Ao me debruçar sobre essa realidade a analisar a questão, compreendo que ele é impedido de ser um sujeito com alto conhecimento
tecnológico, de comprometer-se socialmente na construção de sua identidade e de ter senso crítico.
Nesse sentido, o saber não existe pronto e acabado, mas é síntese
das relações sociais que os cantineiros estabelecem na construção de seu
saber e de sua história de vida, pela união incessante de contrários – tese
e antítese – numa categoria superior, a própria síntese. Assim, ao edificar
seu saber-fazer, o cantineiro apreende, compreende, transforma e se transforma em um ser repleto de saberes. Mesmo sendo “rato de porão”,
precisa resolver (e resolve) problemas oriundos da prática de trabalho
cotidiana. No trabalho, portanto, se fundem teoria e prática como momentos inseparáveis e dialeticamente relacionados. E não é nas instâncias superiores das atividades intelectuais e sim no terreno firme das relações
sociais que o cantineiro constrói conhecimento. Acredito que nessa construção existem dois pólos contrários que interagem entre si: a atividade
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intelectual e a manual. Ambas são interdependentes, pois não há ação sem
antes pensá-la e não há pensamento sem antes ter ação.
O cerne da minha crítica sobre a raiz da construção do saber tácito
do cantineiro são as relações de produção. Nas vinícolas, essas relações
possuem visão unilateral, hegemônica e conservadora. Assim sendo, penso
que o cantineiro, de certa forma reproduz uma perspectiva hegemônica,
pois aceita a estrutura de funcionamento sem questionar. Se pensar só
no trabalho, a relação de produção é hegemônica, mas se for, além disso,
com preocupação na formação humana, consciência de compromisso
social, quebrar preconceitos, desenvolver senso crítico é contrahegemônica.
Há uma ambigüidade: se o cantineiro perceber o todo do processo
de construção de seu saber, poderá usá-lo e modificá-lo, será proprietário de seu conhecimento, porém, coerência na totalidade não existe, pois
estamos sempre buscando. O patrão deve proporcionar a plena liberdade e condições para que haja um livre exercício da construção do ofício,
o que, na verdade, não ocorre. Ao aprender com os que já sabem, aprende só o que os outros sabem, pois também foram construídos dessa forma, limitadamente.
Na zona sombria e obscura dos porões das vinícolas habitam saberes construídos sem olhares de reconhecimento. Novos fachos de
luminosidade me permitiram ver onde parecia faltar luz. Esse novo olhar
abre uma profunda discussão, pois a construção dos saberes da experiência me faz chegar a uma compreensão que abre caminho para um
terreno repleto de complexidade e com o desvendar dos mistérios surgem novas e intrigantes indagações, mostrando um horizonte que não
termina por aqui. A discussão não está terminada, não é possível concluir
para a eternidade, pois tentei e estou tentando entender as relações do
cantineiro, um ser humano, com toda a sua incompletude, sentimentos e
emoções, com o seu trabalho e com o aprendizado de seu ofício.
Nesse aprendizado, o cantineiro demarca seu território, edifica a
sua auto-importância com base em alicerces empíricos comungados individual ou socialmente. Assim, ele define a sua identidade, constrói sua
segunda casa, pois se enraíza no local, equipamentos, pipas e no próprio
colega, fundindo uma amizade ao calor do vinho, aquele especial, bebido
às escondidas na sexta-feira, final de expediente, nos meandros das enormes pipas, suas irmãs. E nesse efeito inebriante proporcionado por Baco,
surgem risadas, brincadeiras, algumas não bem-vindas, causadoras de
tumulto, deteriorando o clima amigável. Como visto em BAUDELAIRE
(1998):
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“Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? (...) Como é verdadeira e abrasora esta segunda juventude que o homem dele retira! Mas
são, também, perigosas suas volúpias fulminantes e seus encantamentos
enervantes!” (p.186).
É ali que o vinho desempenha um de seus papéis: do acolhimento,
das dificuldades, inquietações e intrigas. É nesse momento que irradia o
apego, o costume de ali estar. Revela-se íntimo, familiar, dotado de sentido próprio, construído na fraternidade ao se ajudar a resolver problemas inesperados. Isso é ser tácito. Isso é ser empírico. Isso é ser ofício
de cantineiro.
Referências
BAUDELAIRE, Charles Pierre. Paraísos Artificiais. Porto Alegre: L&PM, 1998.
DELUIZ, Neise. Formação do Trabalhador: Produtividade & Cidadania. RJ: Shape,
1995.
DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Formação & Trabalho. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1986.
GUEDES, Simoni Lahud. Jogo de Corpo. Niterói: EDUFF, 1997.
KUENZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica. 3.ed., São Paulo: Cortez Editora, 1989.
TITTONI, Jaqueline. Subjetividade e Trabalho. Porto Alegre: Ortiz, 1994.
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FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! APRENDENDO COM OS SABERES DO
TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O
TRABALHO E A FORMAÇÃO DE
EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA
Maria do Carmo Canani1
Naira Lisboa Franzoi2
Introdução
Este artigo nasce do estudo que realizei tendo em vista a conclusão
do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível
Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA/UFRGS3 O estudo teve como objetivo discutir a formação social de educadores de jovens e adultos e educadores do
Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível
Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA),
tendo por base a questão do trabalho.
Para concretizar esse objetivo, foi realizada uma oficina pedagógica, “O Velho Vendedor de Carvão”4, com três grupos de educadores e
um grupo de carvoeiros da localidade de Samambaia, na zona rural do
1
Graduada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Educadora
popular, com experiência em formação de educadores de jovens e adultos.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão decurso da autora do presente artigo.
3
Conclusão do Curso: 2007.
4
A oficina compõe-se de três momentos: contato com o carvão e produção individual e
coletiva a partir das diferentes representações (1); interação com o livro “O Velho Vendedor
de Carvão” e início da discussão sobre trabalho (2); aprimoramento da discussão a partir de
três músicas que abordam a questão do trabalho: “A Força que Nunca Seca”, de Vanessa da
Mata, “Capitão de Indústria”, do Grupo Paralamas do Sucesso, e “Cidadão”, de Zé Ramalho.
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município de São Francisco de Paula. Dois grupos de educadores foram
estudantes do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA/UFRGS - turma de Porto Alegre
e de Bento Gonçalves - RS, e um era formado por educadores populares
do Programa de Auxílio Solidário - PAS, desenvolvido pela Secretaria de
Assistência, Cidadania e Inclusão Social do município de São Leopoldo RS. Na oficina realizada nos diferentes grupos, a discussão sobre trabalho é desencadeada a partir das representações construídas, individual e
coletivamente, sobre o produto carvão.
A oficina surge, sobretudo, das diferentes experiências de que participei como educadora de trabalhadores, em diferentes espaços: chão
de fábrica, universidade, sindicato, movimentos sociais. Nessas experiências, ampliei minha visão sobre o mundo do trabalho e sobre o contexto social, o que me possibilitou, também, atuar na formação de educadores de jovens e adultos.
Como referencial teórico do estudo, foram utilizados textos de
Gaudêncio Frigotto, Yves Schwartz, Paolo Nosella, Miguel Arroyo e
Marise Ramos. Pelos limites deste texto e pela riqueza de dados da
oficina desenvolvida com os carvoeiros, opto por relatar, na íntegra, apenas essa oficina.
Eu já sei o que é, e conheço muito bem isso, o
carvão - Oficina 4 -Carvoeiros de Samambaia São Francisco de Paula - RS
A oficina foi realizada no dia 12 de maio de 2007, na casa do casal
Eloni Teresinha Bertuol Boff e César Rudimar Boff, ambos carvoeiros e
agricultores rurais, residindo e trabalhando na localidade de Samambaia,
zona rural de São Francisco de Paula, município que faz parte da região
dos Campos de Cima da Serra.
A localidade de Samambaia fica a 8 km da cidade, e a estrada é de
chão. Uma estrada estreita, rodeada pela linda natureza da serra. Passamos por algumas poucas casas, por uma escola, e encontramos
pouquíssimas pessoas nesse trajeto.
Acompanhou-me, nessa experiência, uma amiga que também atua
na área de educação e trabalho. Ao nos aproximarmos do grupo, pedi
desculpas pelo atraso de dez minutos - chegamos às 14h 40min. O grupo
nos recebeu cordialmente, e Eloni nos ofereceu um chimarrão, seguran185
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do no colo uma das netas gêmeas de oito meses, que ficaram com os
avós durante toda a tarde.
É interessante dizer que um dos participantes, quando nos viu chegar,
foi saindo e desapareceu. Só soubemos disso depois, quando íamos começar
o trabalho e o marido de Eloni, César Rudimar, comentou sobre o desaparecimento de José Roque. César disse que o outro havia fugido porque ele
brincara com o primo dizendo que éramos do IBAMA, e foi buscá-lo.
Com o retorno de Roque, iniciamos o trabalho. Primeiramente, tentei explicar ao grupo o motivo de estarmos lá com eles, tentando quebrar
a idéia da fiscalização. Disse que o objetivo desse trabalho, principalmente, era valorizar o trabalho dos carvoeiros e aprender com eles, ou
seja, o oposto de uma fiscalização. César comentou que, no início, houve
um pouco de resistência, mas que resolveu dar uma força quando soube
que seria eu que faria o trabalho, uma vez que já me conhecia. Ainda
assim, Roque disse que queria fazer um pedido: Vocês podiam ajudar a
gente [...] (referindo-se ao IBAMA). Então, César falou: Cala a boca,
rapais, isso é outra coisa.
Logo em seguida, fizemos uma rodada de apresentação dos cinco
participantes do grupo: Avelino Boff: 92 anos, aposentado. Trabalhou 16
anos com produção de carvão de estufa, desde os 6 anos. A partir dessa
idade, por um período de três a quatro anos, ia à frente com os animais
trilhando para preparar plantios, inclusive de acácia. Inês Teresinha Ramos Ferreira: 62 anos, aposentada. Tia de Eloni. Trabalhou sempre na
lavoura, mas também ajudava o marido a produzir carvão (carvão feito
no chão, tapado com vassoura e terra). João Roque Bertuol: 58 anos.
Primo de Eloni. Trabalhou desde os 15 anos com carvão feito no chão,
mas hoje trabalha apenas como agricultor. César Rudimar Griffante Boff:
42 anos, agricultor rural e produtor de carvão de estufa, há 25 anos. Filho
de Seu Avelino. Eloni Teresinha Bertuol Boff: 46 anos, casada com César.
Professora municipal há 17 anos, trabalhando com classes multisseriadas
(1ª a 4ª série do Ensino Fundamental). Trabalha com carvão nas férias
ou no turno contrário ao turno de trabalho.
Ao Eloni revelar sua idade, Seu Avelino comentou: Eu tenho o
dobro da idade dela. Todos ficaram admirados com seu raciocínio rápido, e então comentamos sobre a matemática da vida.
Depois das apresentações, desenvolvemos o primeiro momento da
oficina - o contato com o carvão. Primeiramente, brinquei dizendo que
havia levado de presente para eles algo que não conheciam, sugerindo
que cada um pusesse a mão dentro de um saco de papel e tirasse algo de
dentro. Distribuí, também, uma folha de ofício para cada participante.
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João Roque, antes de retirar o carvão do pacote, comentou: Eu já
sei o que é, e conheço muito bem isso!. Quando viu o produto, exclamou: Carvão!!. Depois, associando o carvão à possibilidade de escrita,
disse: Eu sou vivo, eu já peguei um de biquinho. Seu Avelino, ao pôr
a mão dentro do saco de papel, falou: Ah, bolacha!.
Ao pegar o carvão, Roque disse, convicto: Este carvão tem água,
porque suja a mão. A afirmação de Roque provocou uma discussão em
torno da qualidade do produto. Roque concluiu: Alguns colocam água
no carvão para pesar mais. Comentei sobre os paus inteiros que vêm
no saco de carvão, e César completou: É sacanagem! Eles fazem isso
pra ganhar mais. Admiramo-nos quando ouvimos que o carvão de boa
qualidade é completamente limpo, não suja as mãos, pois não tem água.
Salientamos, então, a importância dos saberes contidos no trabalho.
Depois do impacto inicial do produto, e da primeira discussão que
se desencadeou, foi lançado o desafio: registrar no papel, através da
escrita ou do desenho, a primeira sensação/sentimento/memória a partir
da observação do produto. Comentei que podiam usar o próprio carvão
para registrar, mas também pincel atômico ou caneta.
Eloni, César e Inês aderiram prontamente à proposta, demonstrando facilidade para expressar no papel o que estavam pensando/sentindo.
Roque demonstrou uma certa timidez, ou uma certa dificuldade para se
expressar, mas não desistiu da idéia. Primeiro, tentou escrever com o
pincel atômico, estimulado por César, que dizia: Escreve!. Como teve
dificuldade com o pincel, César pediu uma outra folha e uma caneta para
Roque, ajudando-o na escrita. Quanto a Seu Avelino (92 anos), começou
tentando escrever com o carvão, depois com a caneta, uma frase e seu
nome, mas depois disse: Já fiz muito carvão, não lembro mais nada!
Vou botar: estou esquecido!. Disse-lhe, então: Não tem problema,
Seu Avelino. O senhor pode escrever que está esquecido. Ele tentou
novamente, mas acabou não escrevendo. Vendo isso, Dulce comentou:
Não tem importância se o senhor não escrever, o importante é que
está aqui com a gente, e o senhor pode falar.
No momento seguinte, cada um falou sobre o que registrou, e foram surgindo muitas histórias. Foi César quem começou falando: Quando eu faço um carvão, eu penso em quem tá fazendo um bom churrasco. Se for bom, vão querer mais!.
Seu Avelino, muito quieto depois que não havia conseguido escrever, a partir do que o filho colocou, começou a falar: Eu levava carvão
pra Novo Hamburgo, e o César era o motorista. Levava de Kombi.
Hoje eu não fazia mais. Ao lhe perguntar se o trabalho era difícil, ele
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comentou: O trabalho não! Mas o frio que eu passava. Gelado. Os
outros dois, César e Roque, comentaram, então, que era preciso cuidar
do carvão a noite toda, mesmo com frio, pois senão, se os buracos não
fossem fechados na hora certa, o carvão era perdido e arrebentava a
estufa, e tudo virava em cinza. João Roque fez uma comparação: É
como uma pessoa doente, a gente tem que ficar em cima.
Eloni mostrou seu registro: a árvore que dá o carvão. Desencadeou-se, então, uma conversa sobre as árvores que utilizam para produzir o carvão: eucalipto e acácia. Eles comentaram que fazem a produção
do carvão desde o plantio da árvore: planta pra usar, corta uma e
planta cinco. Com relação à acácia, Eloni salientou que depois do corte
é preciso queimar toda a área, e ainda tem que cuidar das formigas.
De oito anos pra cima, as árvores podem ser cortadas, explicou César.
Segundo o carvoeiro, não pode colocar no forno só lenha grossa,
tem que ser a grossa e a fina, para não ficarem espaços vazios.
Enfim, cada um queria mostrar o que sabia de seu trabalho.
Chegou a vez de Roque explicar sua escrita: o carvão me ajudou
muito. Ele contou, então, que produzia o carvão no chão, não na estufa
(forno). Trabalhou nesse sistema desde os quinze anos, mas depois parou, por causa de um acidente que ocorreu com o filho, que queimou os
pés quando pulava em cima da caieira, ficando hospitalizado por vários
meses. Hoje, ele só trabalha na lavoura. César ajudou-o a explicar as
etapas desse antigo processo de produção do carvão: empilhar a madeira; tapar com vassouras verdes; cobrir as vassouras com terra; nas laterais, fazer buracos, para a fumaça sair; atrás, fazer um suspiro; ao mesmo tempo, ir socando a caieira - parte alta (pulando por cima) - e fechando os buracos laterais, até chegar no fim - suspiro (medidas da
caieira: 2m de largura, 4m de comprimento e 1,5 m de altura).
Roque comentou que trocava o carvão por alimentos, no armazém.
César disse que eles plantavam também, não só olhavam o carvão plantavam perto de onde o produto estava sendo feito. Aproveitavam a
lenha que estava no espaço do plantio para fazer carvão - planta silvestre, de mato. Perguntamos a Roque se ele começaria tudo de novo, e ele
disse que sim. César explicou-nos, também, o processo de produção do
carvão na estufa (forno). Enche-se o forno com a madeira, sendo que
nele também há buracos laterais e o suspiro. Quando os buracos começam a ficar vermelhos, é hora de fechá-los, senão o carvão está perdido.
Por fim, ele comentou: Se são três dias pra queimar, são três dias pra
apagar - tá pronto o carvão!. Perguntado sobre quem fazia os fornos,
César disse que há pessoas na comunidade que os fazem Ele também
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lembrou que, antigamente, o carvão era transportado numa carreta de
bois, com correntes nas rodas, depois numa caminhonete.
Inês não falou sobre o registro - teve dificuldade para falar sobre o
que desenhou e escreveu. Dulce sugeriu que ela não se prendesse ao
registro e falasse da experiência, e ela, então, contou que ajudava o
marido, quando podia, na produção do carvão. Comentou que tinha que
cortar a madeira, e que era um trabalho muito pesado.
Perguntamos com quem eles haviam aprendido tudo isso, e César
respondeu: A nici ajudou a gente. Quando ela não nos indicava, ela
nos empurrava (referindo-se à necessidade). E eu sempre fui ambicioso. Ele comentou, ainda, que com 15 anos começou a mexer no forno,
pois antes seu pai não permitia, achando que só ele sabia fazer carvão,
sendo muito resistente a mudanças: O mestre não deixava. Roque completou: O mestre-sala!. Depois disse: eu aprendi por conta, ninguém
me ajudou.
Aproveitei para perguntar se na escola, quando crianças, eles aprenderam ou discutiram sobre o carvão. César respondeu: Na escola só
ouvi falar de carvão mineral, dos perigos que as pessoas passavam
[...] O grupo começou a conversar, então, sobre os professores de antigamente, que davam muito castigo e até surravam os alunos. Todos comentaram que estudaram até o “quinto ano” - não ficou claro se foram
cinco anos na escola ou se estudaram até o antigo quinto ano primário.
Muito interessante, finalizando essa etapa da oficina, foi que eu
comentei com Dulce que não iria trabalhar com as músicas, em função
do horário. César brincou: Mas tem gente aqui que gosta de cantar!.
Minha amiga perguntou: Alguém aqui conhece alguma música que
fale sobre trabalho?. E Roque, imediatamente, responde à pergunta
cantando, inteira, a música “Colono”, de Teixeirinha.
Passamos, então, ao último momento da oficina: a história “O Velho Vendedor de Carvão”5. Muito interessante foi observar os rostos
enquanto olhavam apenas as imagens do livro, sem o texto escrito pareciam crianças!. Seu Avelino observou que o velho não tinha sapatos,
que devia sentir frio, e então fizemos uma relação com o que ele havia
falado antes sobre o frio que passava durante a noite, quando tinha que
ficar cuidando do carvão. Olhadas as imagens, feitas algumas hipóteses,
eu perguntei: Será que a história do velho tem um final feliz?. A
história foi então lida, sendo apresentadas novamente as imagens.
5
“O Velho Vendedor de Carvão” – é um texto chinês muito antigo e popular, de crítica social,
cujos autores são Pó Chu-i e Cen Long.
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À medida que eu lia o texto, já íamos relacionando-o com as histórias que eles haviam contado sobre si - por exemplo: o velho esperava
algumas moedas para encher de arroz seu prato vazio, e Roque havia
comentado que trocava o carvão por alimentos no armazém; o velho era
muito pobre, talvez nem tivesse casa, e não recebeu pagamento do Imperador por seu trabalho (apenas uma homenagem ao boi), e eles já
ganharam um bom dinheiro com a produção do carvão, além de trabalharem como agricultores rurais; o velho era persistente, voltou à montanha para fazer tudo de novo, e eles também são persistentes; o personagem da história construiu saberes sobre seu trabalho, assim como eles.
No final da história, perguntei: Afinal, o que o velho tem de diferente
de vocês e o que tem de igual, além do que já comentaram?. Roque
disse: Pra mim não tem nada de diferente, tudo é trabalho.
Fomos, então, conhecer o forno e aprender, na prática, como se faz
o carvão no chão. Na volta, para nossa surpresa, Eloni convidou-nos
para tomar café - um verdadeiro café colonial, com produtos da terra,
como pinhão e banana, e outros feitos pela dona da casa: cuca, queijo,
nega maluca. No final do café, ganhamos um vidro de mel, feito manualmente (espremido com a mão) pela família (um vidro para cada uma). Já
eram mais de 18h, e uma forte cerração tomava conta do lugar - tudo
branco! Despedimo-nos afetuosamente de todas e de todos, e fomos
embora, tremendo de frio e quase sem enxergar nada por causa da neblina. Valeu!
A ‘NICI’ AJUDOU A GENTE: QUANDO ELA
NÃO NOS INDICAVA, ELA NOS
EMPURRAVA - ANALISANDO A
EXPERIÊNCIA
Desde sempre, o trabalho pode ser considerado a base da vida. Na
visão marxista, o trabalho é, fundamentalmente, interação dos homens
entre si e com a natureza. No entanto, apesar de ser fundamental à
produção e reprodução dos bens da vida, nem todos têm tido o direito de
apropriar-se dele. Segundo Gaudêncio Frigotto (2002, p.12-13), “a história humana, infelizmente, até hoje, reitera a exploração de seres humanos por seres humanos e de classes por classes”. Portanto, o trabalho
tem dupla face: criação e destruição da vida.
Para Nosella (2006), são três as dimensões fundamentais da
interação homem-natureza: comunicação/expressão, produção e
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fruição. Conforme o mesmo autor, na dimensão da comunicação-expressão, o homem interage, física e espiritualmente, com o mundo e
com os outros. Então, primeiro se expressa, se comunica, admira,
contempla, entende e explica, cumprindo com a primeira dimensão
do trabalho. Quando produz e cria objetos materiais, artísticos, técnicos e intelectuais, o ser humano, interagindo com a natureza e com
outros, trabalha - sentido da produção. Na dimensão da fruição, o ser
humano frui dos bens naturais, industriais, artesanais, estéticos,
interagindo com a natureza e com os outros seres humanos, completando o processo de trabalho.
Na oficina realizada com os diferentes sujeitos: educadores de
adultos e carvoeiros, dois aspectos ficam evidentes:
1º - Os educadores relacionam o carvão muito mais à fruição,
uma vez que são usuários e não produtores, vagamente relacionandoo a trabalho humano. Nesse caso, a fruição é representada não somente pela alusão ao churrasco de domingo, ou ao calor do fogão, mas
à fruição do trabalho produzido, das lembranças vindas à tona (o carvão que virou arte, para expressar sentimentos, evocar memórias: infância, lazer, conflitos internos, relação com a prática educativa, entre
outras). De certa forma, considerando o processo de construção desencadeado pela oficina, também estão presentes, nesse grupo, as dimensões comunicação/expressão e produção. Mas produção de outra
natureza, ou seja, a partir do carvão, produzem arte, comunicando, expressando idéias, emoções - produção subjetiva.
2º - Os carvoeiros pesquisados vêem-se como produtores e percebem-se sujeitos de seu trabalho, uma vez que trabalham para si e
não como empregados. Além disso, percebem-se produtores de um
saber como carvoeiros: esse carvão tem água, porque suja a mão;
fazê carvão tem ciência!; a ‘nici’ ajudou a gente: quando ela não
nos indicava, ela nos empurrava.
Nesse sentido, expressam-se, comunicam-se, parecem ter orgulho do que produzem: colaborando para um bom churrasco!, como
disse o carvoeiro César - dimensão da comunicação/ expressão. E não
dá para dizer que não usufruem do que produzem, não apenas porque
deixaram claro que é possível ganhar algum dinheiro com a produção
do carvão, e por isso também têm condições de saborear de vez em
quando o seu churrasco, mas pela própria fruição do processo de produzir, em que se sentem valorizados e não explorados - para eles, o
trabalho tem mais a face da criação do que da destruição da vida.
Talvez fosse diferente se a oficina tivesse sido realizada com carvoei-
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ros assalariados ou com trabalhadores das minas, mas ainda assim,
como aponta Yves Schwartz (2003, p.22), “a experiência é sempre, em
parte, encontro.”
Quando fala de trabalho e saber, Schwartz (2003, p. 23) afirma que
toda atividade de trabalho é atravessada de história. Mas, segundo ele,
quando se trata de trabalho, se isto é verdade também, não se trata de uma
‘pequena história’, de uma história marcada pelo acaso das vidas individuais: nenhuma situação humana, sem dúvida, concentra, ‘carrega’ com
ela tantos sedimentos, condensações, marcas de debates da história das
sociedades humanas com elas mesmas quanto as situações de trabalho:
os conhecimentos acionados, os sistemas produtivos, as tecnologias utilizadas, as formas de organização, os procedimentos escolhidos, os valores de uso selecionados e, por detrás, as relações sociais que se entrelaçam e opõem os homens entre si, tudo isto cristaliza produtos da história
anterior da humanidade e dos povos.
A oficina realizada com os carvoeiros reforça as idéias do autor.
Quanto de história está impregnado no relato dos processos de produção do carvão (no forno e no chão), das tecnologias utilizadas (forma
mais e menos artesanal), das relações familiares (o pai que ensinou ao
filho, que talvez ensine aos filhos e netos; o acidente do filho no trabalho) e sociais - o fato de serem também agricultores rurais e de trabalharem sem patrão.
Qual a relação das oficinas com a formação de educadores, em
especial dos educadores de EJA e do PROEJA? Os processos educacionais, escolares ou não, são práticas sociais não-neutras, podendo
reforçar as relações capitalistas que subordinam o trabalho e todos os
bens, pois têm o mercado e o capital como base de tudo, para o privilégio de poucos. Mas esses processos também podem constituir-se em
instrumento de crítica em relação a tais relações sociais e em produtores de uma nova sociedade, afirmando o “humano como medida de
todas as coisas e os bens do mundo como bens de uso de todos os
seres humanos” (FRIGOTTO, 2002, p. 24).
Poderíamos perguntar-nos: se o trabalho é o fundamento da vida,
qual é nossa visão de trabalho - visão do mercado ou visão humana?
Qual a importância de se tomar o trabalho como uma das bases da
formação de educadores de jovens e adultos? Sem uma formação social consistente dos educadores, como pensar numa proposta de ensino médio que seja omnilateral, a exemplo do que propõe o PROEJA?
A respeito da importância de se considerar a historicidade nas
atividades de trabalho, SCHWARTZ (2003, p. 23) diz:
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Se o trabalho é atravessado pela história, se ‘nós fazemos história’ em toda
atividade de trabalho, então, não levar em conta esta verdade nas práticas
das esferas educativas e culturais, nos ofícios de pesquisadores, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização do trabalho, e
também nas nossas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, é
mutilar a atividade dos homens e das mulheres que, enquanto ‘fabricantes’ de história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência
novas tarefas para o conhecimento.
Pensar a formação de adultos, a formação profissional sem se indagar sobre o que os educandos já construíram como saberes em seu
trabalho, “e como esse trabalho sobre suas próprias competências inscreve-se em projetos de vida, é contentar-se com uma certa esterilidade
do ato educativo” (SCHWARTZ, 2003, p. 29). Quando diz: fazê carvão
tem ciência, César não apenas tem consciência de que tem um saber
construído em sua atividade de trabalho como, mais do que isso, questiona-nos sobre o significado de ciência e sobre a oposição entre saber
científico e saber popular, dando-nos a entender que o saber popular
também é explicado por uma ciência para explicar o mundo, ao contrário
do que historicamente vem sendo afirmado: que uma coisa é o saber
científico e outra é o formal.
Conclusão
A experiência da oficina realizada com os carvoeiros parece mostrar-me (ou mostrar-nos) que, acima de tudo, muito pouco sabemos sobre o mundo do trabalho, ainda que tenhamos a pretensão de ser educadores. Um dos educadores participantes da oficina, na apresentação de
seu grupo de trabalho, dá-se conta disso, quando diz: A gente olha para
essa cadeira e não se dá conta de que por trás dela há uma humana
história. Assim, acabamos olhando banalmente para os objetos, produtos de longo, muitas vezes penoso, mas sempre humano trabalho: o sapato, o alimento, as roupas - produtos, enfim, que garantem a sobrevivência
ou a riqueza humana. E, assim, acabamos por olhar com banalidade,
também, para os seres humanos que os produziram e nem sempre os
têm em abundância.
O carvoeiro Roque adverte-nos sobre esse olhar de banalidade, ou
até de deboche e desprezo em relação ao trabalhador, especialmente o
trabalhador rural, quando canta a música “Colono”, de Teixeirinha, no
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momento em que é perguntado se alguém do grupo conhece uma música
que fale de trabalho.
Não se trata apenas de uma música que fala de trabalho, mas que
fala de seu trabalho (de Roque), de sua vida e do trabalho e da vida dos
pequenos agricultores rurais, que produzem alimentos - e, no caso dele e
dos outros quatro participantes da oficina, também carvão para os moradores da cidade, sendo, muitas vezes, tratados com indiferença ou discriminação por alguns desses moradores.
Uma proposta curricular para se contrapor a esse olhar banal com
que se olha para a realidade precisa possibilitar às pessoas que compreendam essa realidade para além dos fenômenos. Segundo Marise Ramos (2005, p. 114), dois pressupostos filosóficos embasam a organização curricular nessa perspectiva:
O primeiro deles é a concepção de homem como ser histórico social que
age sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação,
produz conhecimentos como síntese da transformação da natureza e de si
próprio. Assim, a história da humanidade é a história da produção da
existência humana, e a história do conhecimento é a história do processo
de apropriação social dos potenciais da natureza para o próprio homem,
mediada pelo trabalho. Por isto, o trabalho é mediação ontológica e histórica da produção do conhecimento. O segundo princípio é que a realidade
concreta é uma totalidade, síntese de múltiplas relações.
Mas isso não se concretiza sem uma proposta, também, de formação de educadores. O grande desafio, pois, de uma proposta de formação
de educadores de adultos, portanto de educadores do PROEJA, na perspectiva do currículo integrado para uma formação omnilateral, é o da construção, primeiro, de um outro olhar, sensível, sobre o trabalho, sobre o
humano e sobre o social, sobre as histórias que estão por trás, lembrando a fala do educador já comentado. Dispor-se a aprender com o trabalho,
para além do trabalho, numa relação de escuta, de troca, de vida.
O trabalho como princípio educativo precisa deixar de ser um discurso bonito para ser uma vivência. Deixar-se aprender pelo e com o
trabalho, portanto, pelos e com os trabalhadores. Com certeza, sendo
educada e educando na troca com os carvoeiros, amplia-se minha visão
sobre o carvão e sobre os seres humanos que o produziram.
Voltando ao título do estudo e deste artigo: FAZÊ CARVÃO TEM
CIÊNCIA! - APRENDENDO COM OS SABERES DO TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHO E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA, é possível dizer que construir um outro olhar sobre o trabalho e sobre os trabalhado194
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res, e entender, sem preconceitos, o que o trabalhador César diz, também tem ciência. Talvez, então, seja preciso repensar o próprio conceito
de ciência, colocada a serviço dos seres humanos, da vida, e não do
mercado. Segundo Miguel Arroyo (2000, p. 78),
para pensar um projeto de formação é necessário ser capaz de fazer a
vinculação do mundo da produção com o mundo da civilização e com o
processo da formação da espécie humana, de sua constituição como sujeitos sociais e culturais e, por isso, como sujeitos identitários. Do contrário,
a única relação possível é a da formação e a da educação com o mercado de
trabalho, formando sujeitos empregáveis.
E é sempre bem-vinda a palavra de Freire (1968, p. 90):
não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é
práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns
homens, mas direito de todos os homens.
Mas há que se continuar sonhando, não apenas com uma educação diferente, mas também com uma sociedade diferente, lembrando o
sempre bem-vindo poema de Thiago de Mello - Estatutos do Homem:
“Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida, e de mãos
dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira”.
Referências
ARROYO, Miguel. Ação política sobre a educação profissional. Outras falas,
nº3, p. 71-79, ago. 2000.
CHUI, Pó; LONG, Cen. O velho vendedor de carvão. Jaoão: Shinseken, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
MELLO, Tiago de. Estatuto do homem. Disponível em <http://
www.corassol.org.br/estatutodohomem.htm>. Acesso em : 12 dez 2006.
NOSELLA, Paulo. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores:
para além da formação politécnica. In: Conferência realizada no I Encontro
Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores, 2006,
Fortaleza. Anais da Conferência realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores Universidade Federal de
Fortaleza – CE: LABOR, 1996.
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RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: FRIGOTTO, Ciavatta; RAMOS, Marise (orgs.). Ensino Médio integrado:
concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. p. 106-125
SCHWARTZ, Yves. Trabalho e saber. Trabalho e Educação. vol. 12, n. 1, p. 2134, jan-jun. 2003.FRIGOTTO, Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação e
destruição da vida. In: ______. A experiência do trabalho e a educação básica
(orgs). Rio de Janeiro: Dp&A, 2002. p. 11-28.
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OS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕES
GERA
CIONAIS, PROCESSOS DE
GERACIONAIS,
INCLUSÃO E CURRÍCULO
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PROEJA E ESCOLA TÉCNICA: QUEM SÃO
SEUS ALUNOS?
Maria Isabel dos Reis Souza Carvalho1
Tania Beatriz Iwasko Marques2
Introdução
O objetivo deste artigo é traçar um paralelo entre os alunos da Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul considerando-se
as diferentes modalidades de ingresso destes nos cursos técnicos. Com
base em um Perfil traçado a partir de pesquisa realizada no ano de 2002,
busca-se a comparação entre o perfil dos alunos que ingressaram mediante exame de seleção e os alunos do PROEJA (Programa de Integração da
Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos) – baseado no Decreto nº. 5.840, de 13/07/2006 –
que ingressaram na Escola Técnica neste ano de 2007.
Os alunos regulares ingressam por Exame de Seleção, realizado
duas vezes por ano nos meses de julho e dezembro. Os alunos do
PROEJA, ao contrário, ingressam na escola por sorteio. Já que os dois
grupos de alunos serão colegas em um curso técnico da escola, com o
objetivo de estabelecer uma comparação entre os dois grupos, foi aplicado um questionário aos alunos do PROEJA. Após a aplicação do questionário e tabulação dos dados, será possível estabelecer um perfil comparativo entre os dois grupos.
1
Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Curso de Especialização em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de curso da autora do presente artigo.
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Perfil dos alunos
Perfil dos alunos do Ensino pós-Médio da
Escola Técnica
Um estudo feito pela Escola Técnica da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio da aplicação de 425 questionários, no período de 30 de setembro a 7 de outubro de 2002, permitiu coletar
dados que nos mostram um pouco da realidade dos alunos desta instituição. Os resultados que integram este relatório referem-se aos alunos da
Escola Técnica, agrupados em duas áreas: Ciências da Natureza – que
compreende os cursos técnicos de Biotecnologia, Monitoramento e Controle Ambiental e Química; e Gestão Empresarial – que compreende os
cursos de Secretariado, Contabilidade, Gestão, Sistema de Informações,
Segurança do Trabalho e Transações Imobiliárias. Dessa análise feita,
foram selecionadas algumas perguntas pertinentes aos dois grupos, escola técnica e PROEJA. As respostas foram analisadas e organizadas
em tabelas para maior visualização e interpretação dos dados.
Tabela 1 – Escolaridade dos alunos que ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
Tabela 2 – Instituição na qual concluiu o Ensino Médio por área de
conhecimento dos que ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
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Tabela 3 – Grau de instrução dos pais e mães, por área de conhecimento
dos alunos que ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
Tabela 4 – Renda familiar dos alunos que ingressaram por exame de seleção
* Salário Mínimo à época: R$ 200,00
Fonte: UFRGS, 2002.
Tabela 5 – Informação, leituras e línguas estrangeiras dos alunos que
ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
Tabela 6 – Principais fontes de informação sobre assuntos da Universidade
dos alunos que ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
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Tabela 7 – Principal motivo para a escolha da Escola Técnica da UFRGS
dos alunos que ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
Tabela 8 – Perspectiva profissional após concluir o curso técnico dos
alunos que ingressaram por exame de seleção
Fonte: UFRGS, 2002.
Tabela 9 – Preocupação maior em
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Perfil dos alunos do PROEJA
O perfil dos alunos do PROEJA, a seguir apresentado, foi feito
mediante pesquisa de campo realizada no primeiro semestre do ano
de 2007.
Tabela 10 – Renda mensal familiar dos alunos do PROEJA
* Salário Mínimo à época: R$ 350,00
Fonte: Pesquisa de Campo
Tabela 11 – Rede em que os alunos do PROEJA concluíram o Ensino
Fundamental
Fonte: Pesquisa de Campo
Tabela 12 – Grau de instrução dos pais dos alunos do PROEJA
Fonte: Pesquisa de Campo
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Tabela 13 – Alunos do PROEJA que possuem computador
Quadro 1 – Tipo de trabalho que os alunos do PROEJA gostariam de realizar
Fonte: Pesquisa de Campo
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Quadro 2 – Motivos dos alunos do PROEJA voltarem a estudar
Fonte: Pesquisa de Campo
Quadro 3 – Expectativas dos alunos do PROEJA em relação ao curso
Fonte: Pesquisa de Campo
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Quadro 4 – Assuntos que os alunos do PROEJA gostariam que fossem
abordados no curso
Fonte: Pesquisa de Campo
Comparação entre os perfis
Como vemos, observamos perfis bem diferenciados, situações
financeiras bem definidas, aspectos de renda familiar diversos, e o aspecto que nos chama mais a atenção são as pequenas curiosidades
entre os alunos regulares da Escola Técnica e os alunos do PROEJA
em relação à escolha de um Curso Técnico. Enquanto os alunos da
Escola Técnica esperam um ingresso mais rápido no mercado de trabalho, qualidade de cursos para o mercado, melhores perspectivas salariais, muitos que já possuem curso superior, buscam mais qualificação e mais aptidão para a própria exigência do mercado, temos, em
contrapartida, do lado do PROEJA, uma situação muito explícita de
terminar cursos que foram abandonados por inúmeras razões, a
desatualização, em vista de amigos ou familiares estarem mais
atualizados, e não só por isso, mas a exigência na hora de buscar uma
nova vaga no mercado ou buscar o seu primeiro emprego e ser barrado
por não ter uma qualificação pelo menos média, procurar uma maior
estabilidade não só financeira mas também social.
Nos vários depoimentos, ficou destacado também o aspecto que
todos desejam ser valorizados não só pela sua família, mas também pela
sociedade. Ficam ressaltados aspectos como sair do Curso Técnico com
uma visão diferente do mercado de trabalho, poder até trocar de emprego numa perspectiva de subir mais um degrau como valorização pessoal
e profissional, poder se relacionar melhor com a própria família e procurar um curso superior. Vemos que a aspiração por um Curso Superior
ainda é bem relevante, tanto nos alunos da Escola Técnica como no
PROEJA. Os alunos do PROEJA citam cursos como Engenharia, Enfermagem, Química, Biologia, Biblioteconomia, Direito (para ser Promotor), Medicina e cursos relacionados com o meio ambiente.
Um dado interessante é o grau de instrução dos pais nos dois
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perfis, sendo que, entre os alunos da Escola Técnica, 23,8% (pai) e
24,5% (mãe) possuem o ensino médio completo e, no PROEJA, apenas 16,67% (pai) e 25,02% (mãe). Outro dado é que 12,50% (pai) e
8,33% (mãe) não são alfabetizados, contra 3,1% (pai) e 1,6% (mãe) da
Escola Técnica.
Ainda temos no Brasil um número considerável de analfabetos que
preocupa muito, na faixa entre 15 e 29 anos de idade. São 1,8 milhões de
iletrados que, em conseqüência dessa condição, esbarram em dificuldades adicionais para conseguir emprego e, mais ainda, para receber um
salário mais compensador (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006).
Uma das inovações pretendidas pelo Brasil Alfabetizado – projeto que visa a diminuir as taxas de analfabetismo com um programa mais
moderno, que se adapta a cada necessidade – é justamente a contratação
de professores da rede pública de ensino para se encarregarem do programa, cujo objetivo é melhorar a eficácia do ensino não apenas de jovens e adultos, mas das próprias crianças, que, em muitos casos, continuam enfrentando dificuldades com a leitura e a escrita, mesmo depois
de serem consideradas alfabetizadas.
Outro lado importante a ser analisado é o nível superior; mesmo a
renda familiar sendo baixa, os pais dos alunos do PROEJA chegaram a
concluir o curso superior (8,33% das mães e 4,16% dos pais).
No Ensino Fundamental, o maior problema é a reprovação, que
alcançou uma média de 13% em 2005. No Ensino Médio, preocupa mais
o percentual de abandono da escola, que foi de 15,3% neste mesmo ano,
segundo dados do INEP. Também é revelado que, de 1998 até 2005, as
taxas de reprovação do Ensino Médio aumentaram, não deixando de
preocupar o ensino fundamental (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006).
Temos que 60% dos alunos da Escola técnica possuem computador contra 41,67% do PROEJA. Muitos alunos buscam no Curso Técnico em informática uma oportunidade de conhecer esta ciência da computação, e outros aprendem através dos outros cursos noções básicas
que possibilitem o seu uso em casa, pois muitos não conseguem pagar
um curso paralelo às suas atividades.
Fica evidente que a escolha do Curso Técnico reflete a necessidade de uma complementação da profissão, aspiração por um emprego
melhor e, por fim, o almejado curso superior.
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Considerações finais
As pesquisas feitas na Escola Técnica no ano de 2002 e a de 2007,
com alunos do PROEJA que ingressaram mediante sorteio de vagas,
mostram dados significativos quanto à idade, renda familiar, grau de instrução dos pais e suas preocupações e perspectivas quanto ao futuro no
mercado de trabalho.
A empregabilidade deve ser entendida como a capacidade não só de se
obter um emprego, mas sobretudo de se manter em um mercado de trabalho
em constante mutação (BRASIL. Ministério do Trabalho /SEFOR,1995, p. 9)
É importante lembrar que, para o Ministério do Trabalho, a Educação Profissional é considerada complementar à educação básica regular
e deve ter como objetivo a empregabilidade. Isso fica evidenciado, na
conclusão da pesquisa do Curso Técnico, nos desejos em relação à realidade que estão vivendo e ao que almejam do futuro após concluírem o
curso. Essa necessidade fica muito transparente, porque nasce um novo
perfil de trabalhador capaz não de apenas “fazer”, mas de “pensar” e
“aprender” continuamente. Para a construção deste novo perfil, temos
que ter qualidade de educação básica, uma educação profissional permanente, com começo, meio e fim, ou seja, focalizada no mercado, garantindo ao trabalhador chances de entrada e saída no processo de formação, ao longo de sua vida profissional.
O aprendizado faz parte da natureza do ser humano, e este gosta
de aprender. Esse desafio está imposto aos professores.
Que especificidades precisam ser trabalhadas no que se refere a
Educação de Jovens e Adultos? A qualidade da experiência de vida dos
professores, que têm inúmeras experiências, saberes muitas vezes que
precisam ser revistos e analisados de outra forma, adaptando-se à nova
realidade dos alunos. Temos de oferecer assistência e benefício, com
padrão de qualidade adequado às especificidades, igualitário, mas considerando as diversidades.
Como a escola deve trabalhar o respeito aos saberes quando se
depara com alunos que já têm profissão, mas não têm certificados? A
escola e os docentes estão capacitados para dar conta disso. O grande
desafio é tomar o ponto de vista do jovem e do adulto, o que não é uma
tarefa fácil, pois quando olhamos um adulto pensamos que ele já deveria
estar completo. Trabalhar a incompletude do outro em relação ao saber
é realmente o maior desafio.
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Este é o perfil dos alunos da Escola Técnica e dos alunos do
PROEJA. Após um ano e meio no Colégio Aplicação, eles entram para
o Curso Técnico e encontram-se com os alunos regulares da Escola
Técnica. Como faremos para trabalhar este perfil junto com os regulares? O grande desafio é quando estes dois perfis se encontram disputando uma vaga no mercado de trabalho. Sim, porque neste momento eles
são iguais, não são destacados como alunos da Escola Técnica e nem
alunos do PROEJA, mas sim alunos que possuem um Curso Técnico.
Como os professores da Escola Técnica irão trabalhar com estes dois
contextos? Como fazer com que não haja desinteresse por parte desses
alunos em relação aos outros alunos que são regulares e que vêm de
uma outra realidade, como nos mostra a pesquisa, alunos até com Curso
Superior, que voltam para a escola para atualizarem-se?
Mais uma vez, temos o professor contratado para mais este desafio, como somar mais e mais e não diminuir essas pessoas que vieram
buscar um mundo melhor para seus filhos, uma luz no fundo do túnel.
Educação é o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando a sua melhor
integração individual e social: educação da juventude: educação de adultos: educação de excepcionais.[...] Educar: promover a educação; transmitir conhecimentos a instruir. (HOLLANDA, 1986)
Bons professores educam, concorrem para a educação.
Com estas definições, chego à conclusão de que o professor participa neste contexto para ENSINAR. Mas como ensinar num país em
que os dados estatísticos nos mostram números assustadores? Como
trabalhar, como transmitir conhecimento e formar um cidadão quando,
praticamente, a educação está nos últimos interesses de nossos
governantes?
Numa recente pesquisa feita pelo Instituto Paulo Montenegro do
IBOPE, a educação é considerada prioritária apenas para 15% dos entrevistados, perdendo para a saúde, emprego, fome e miséria, segurança, corrupção e drogas (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006).
Esse mesmo artigo revela que os brasileiros não confiam na eficiência da rede estatal de ensino, deixando claro que há buracos que os
governantes e a própria comunidade escolar devem resolver. Como transmitir conhecimentos, educar intelectual e moralmente se as próprias comunidades não acreditam nas suas próprias escolas? Como irá um país
alcançar índices melhores de desenvolvimento com este descrédito? Com
um índice de expectativa de vida aumentando, a tecnologia avançando,
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as áreas da saúde com novas descobertas, cada vez mais animadoras,
campanhas para uma alimentação melhor, divulgação de grupos de terceira idade cada vez mais ativos e participantes, como pode a educação
ficar tão desvalorizada? Existe um grande retrocesso em nível mundial,
pois o poder público não está preocupado em investir na qualidade de
vida da educação. Investimentos contínuos e em longo prazo podem ajudar para que haja um objetivo traçado e cumprido dentro de um prazo
determinado. Com isso, todos os setores do país ganham, a economia
avança, empregos surgem, trabalho com capacitação se faz presente, e
fica menor o conflito entre a renda e o poder aquisitivo da população.
Segundo dado do IBGE, numa pesquisa nacional feita por amostragem de
domicílios, aponta que jovens que povoam a base da pirâmide de renda
brasileira já são maioria nas faculdades privadas do país, onde elas ocupam 52% das vagas. Para obter um diploma, 66% dos alunos pobres pagam mensalidades. Alunos egressos de colégios privados e famílias de
alta renda são maioria nos bancos das universidades públicas, sobretudo
nas carreiras mais disputadas. Por um levantamento do Ministério de Educação (MEC) relata que apenas 15% das matrículas escolares, tornam-se
classe dominante na universidade pública, com 58% das vagas. (ANTUNES
e WEINBERG, 2007, p. 84)
Com todos estes dados que comprovam a fragilidade do ensino
público e professores com baixa remuneração, o que falta então? Talvez
mais recursos, é o que a experiência de outros países nos mostra:
Na Coréia do Sul, entre 1970 e 1995, o governo coreano separou 3,5% do PIB
(Produto Interno Bruto) para patrocinar uma revolução na educação. A China tem gasto pouco, apenas 2% do PIB ao ano. Estes dados revelam que não
é só isso que faz melhorar a qualidade em sala de aula, mas sim o fato de
serem mal alocados os recursos (ANTUNES e WEINBERG, 2007, p. 98)
Portanto, precisamos cada vez mais nos atualizar, desempenhar
muitas tarefas, sobreviver com um salário totalmente defasado, mas precisamos ensinar. Precisamos levar esses alunos até os seus objetivos da
melhor maneira possível, sendo professores, amigos, com uma estrutura
que envolva um bom setor pedagógico, um bom setor psicológico, na
qual todos juntos possamos diminuir um pouco os índices de analfabetismo, repetência e desistência.
É uma tarefa que não compete só a nós, mas sim também ao governo. Talvez, com o nosso trabalho em sala de aula, vejamos um grupo
em que os aspectos por eles levantados daqui a um ano e meio sejam
totalmente realizados, tornando-nos vitoriosos.
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Referências
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39, edição 1.976, nº. 39, 4 out. 2006, p. 84.
BRASIL. Decrteto nº. 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o
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A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA
JUVENIL NO ESPAÇO - TEMPO DA ESCOLA:
CONTRIBUIÇÕES PARA O PROEJA
Elisete Enir Bernardi Garcia1
Carmem Maria Craidy2
Cultura escolar:
Para falar de cultura escolar é necessário um esforço denso, principalmente para defini-la. Conforme estudos de Faria Filho (2004), no que
tange à historiografia educacional, há aproximadamente dez anos a categoria cultura escolar vem subsidiando as análises históricas assumindo visibilidade na estruturação propriamente dita de eventos do campo (p. 142).
Podemos dizer que cultura escolar é um conceito polissêmico e o
que nos parece comum é a sua relação com um espaço e tempo destinado
para transmissão de conhecimentos e valores (Faria Filho, 2002; Julia,
2001). A cultura escolar foi se constituindo através das normas e práticas
que definiam os valores e comportamentos que seriam “inculcados” e não
está relacionada apenas aos processos macros, mas também aos processos micros que perpassam o cotidiano escolar, tais como disciplinas
curriculares, didáticas, pátios, salas de aulas, prédios escolares, que nos
remetem à idéia de um espaço e de um tempo ou de espaços e tempos
onde se reúnem estudantes, ou lugares (livros, bibliotecas, laboratórios,
materiais didáticos) onde se reúnem as idéias e tempos de aprendizagens.
Conforme Pessanha, Daniel e Menegazzo (2004), se o espaço escolar - o lócus - é o território comum para analisar a cultura escolar, a sua
definição como objeto de conhecimento é um processo complexo. Os au1
Professora da Municipal de São Leopoldo, atuando na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo. Doutoranda em Educação na UNISINOS.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
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tores salientam que há muitas peculiaridades no cotidiano da escola que
“autoriza a análise de uma vida escolar. No entanto, a expressão ‘cultura
escolar’ não implica considerar a existência de uma cultura oposta ou
desvinculada da cultura da sociedade que a produziu e foi por ela produzida” (p. 62-63).
Assim, deve-se observar que a cultura escolar não pode ser estudada
sem considerar as tensões que ela produz e sem fazer uma “análise precisa
das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de
sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular” (Julia, 2001, p. 10).
Segundo Pessanha, Daniel, e Menegazzo (2004), pode-se conceber
cultura como produto e processo que dão significado às práticas humanas
(p. 62). É importante considerar que as normas e práticas não podem ser
analisadas sem se levar em conta as crenças, os valores do corpo profissional dos atores que serão os executores destas normas e práticas, pois,
“estudar a cultura escolar é estudar os processos e produtos das práticas
escolares, isto é, práticas que permitem a transmissão de conhecimentos e
a imposição de condutas circunscritas à escola” (id. p. 63).
Julia (2001) considera que a articulação da cultura escolar não se
dá somente em torno do conhecimento, mas também da possibilidade de
construção de um projeto político que visa não só alfabetizar, mas “forjar
uma nova consciência cívica por meio da cultura nacional e por meio da
inculcação de saberes associados à noção de ‘progresso’” (Julia, 2001,
p. 23). Assim, considerar a cultura escolar como objeto histórico implica
analisar esses significados impostos aos processos de escolarização.
Implica, também, considerar a transmissão de saberes e inculcação de
valores no espaço-tempo escolar como elemento central desse processo
e como meio para executar o projeto político.
A análise da cultura escolar, do espaço-tempo escolar nos remete
à necessidade de estudar, também, os processos micro e fragmentados
da escola e um desses processos são as grades curriculares/disciplinas
escolares. Estas, “não são nem uma vulgarização nem uma adaptação
das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que
põe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar”
(Julia, 2001, p. 33).
É importante discutir e estudar sobre espaço-tempo escolar, pois
no nosso cotidiano lidamos com noções de tempo e espaço, muitas vezes, de forma inconsciente. Os conceitos de espaço e tempo nem sempre tiveram o sentido que lhes é atribuído atualmente. Muitas foram as
mudanças nas formas de conceber e contar o tempo ao longo do percur-
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so histórico. Carvalho, ao iniciar o diálogo em seu texto sobre o tempo,
poeticamente, através do olhar da psicanálise, apresenta algumas das
dificuldades de “conhecer o tempo que não se deixa conhecer, pois vivemos com ele, vivemos nele, mas como é difícil falar dele!” (CARVALHO, 2003, p. 13).
Sabemos que nossa existência reside no tempo, mas que ela não é
definida só pelo tempo, pois esta passa, enquanto o tempo fica. Por isso,
usamos expressões muito corriqueiras “a vida está passando!”, “O tempo passa muito depressa!”. Neste sentido, “pode-se concluir, então, que
a percepção do tempo é um aspecto essencial da consciência do homem
comum – que somos todos nós – a qual se alimenta da experiência física
e psíquica da sua passagem” (PINO, 2003, p. 50 e 51).
O tempo deve ser entendido como dimensão de cultura, por considerar que o sujeito ressignifica o mundo em que vive; mesmo assim ele
terá suas construções e ressignificações sobre um patrimônio de saber
já adquirido e construído.
O conceito de tempo é construído historicamente e o tempo também se modificou de acordo com o surgimento das diversas formações
sociais; por exemplo, nas sociedades agrárias ele possuía um caráter
cíclico e mítico e, nas sociedades industriais, uma marca cronológica e
disciplinadora. A compreensão individual do tempo “mediada pela
regulação da vida social e pelas unidades simbólicas” exigiu a organização do calendário. “Com a modernidade, os elementos que serviram
para contar o tempo, elementos de fruto de sínteses históricas, são unificados em uma dimensão única, alusiva à contagem e compreensão do
tempo, e este passa a ser o principal paradigma escolar” (MIRANDA,
2003, p. 181 e 203).
O espaço escolar assume um papel central na invenção dos horários e cria uma cultura pedagógica com a inversão da lógica cultural e
subjetiva “ao partir de sínteses generalizadoras resultantes de um longo
e complexo processo histórico” (id, p. 203).
Goergen (2005) fundamenta a idéia de que as categorias de espaço e tempo que estruturam a educação foram assumidas no início da
modernidade, com base no modelo das ciências naturais, permanecendo
inalteradas até hoje e que estas mesmas categorias perderam, ao longo
da modernidade sua rigidez inicial, tornando-se móveis e fluidas sob a
influência da ciência e da tecnologia, em particular, da mídia eletrônica.
É com as indagações deste pesquisador que procura explicitar as
dicotomias entre os conceitos de espaço e tempo, ainda vigentes na escola, e as características que tais conceitos assumiram na
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contemporaneidade, que nos debruçamos para entender o estranhamento
da escola com relação ao mundo contemporâneo que se manifesta em
diferentes momentos ou situações, principalmente diante do desconforto
e desinteresse dos professores, alunos e comunidade escolar.
Um elemento chave para estudar espaço-tempo escolar é o fenômeno da escolarização que passa por uma transição de uma sociedade
não-escolarizada (século XIX) para uma expansão com quase totalidade
de nossas crianças na escola (início do século XXI). Por isso, não se
trata mais de discutir o acesso a escola deslocado da permanência com
qualidade na escola dos nossos infantes, jovens e adultos que estão ou
estarão no espaço tempo da escola.
A análise dos tempos, espaços, sujeitos, conhecimentos e práticas
escolares são, hoje, indispensáveis para compreender a cultura escolar.
De acordo com Faria Filho (2002), “a escola vai-se constituindo, assim,
não apenas no locus privilegiado da cultura e da formação humana, mas
também como um grande mercado de trabalho e de consumo de inúmeros produtos da cada vez mais complexa e poderosa indústria editorial,
entre outras” (p. 34). Pode-se considerar também a importância do magistério enquanto categoria econômica, uma vez que são destinados 25%
da arrecadação de impostos estaduais e municipais e 18% dos impostos
recolhidos pela União para a Educação, a maior parte gasta com a folha
de pagamento dos professores.
Para analisar as culturas escolares é necessário ter a compreensão sobre espaço e tempo e reconstruir a história a partir de múltiplas
versões, analisar documentos, estabelecer relações e correlações no
sentido de reconstruir uma rede de significados. Ao fazer essa reconstrução, é importante trazer para a análise o enfrentamento e a tensão
entre aspectos macro-sociais e as dimensões micro referentes as instituições e as salas de aula onde a cultura escolar se materializa, principalmente através do currículo escolar. Pois
(...) o tempo escolar, melhor dizendo, os tempos escolares são múltiplos e,
tanto quanto a ordenação do espaço, fazem parte da ordem social e escolar. Sendo assim, são sempre “tempos” pessoais e institucionais, individuais e coletivos, e a busca de delimitá-los, controlá-los, materializando-os
em quadros de ano/séries, horários, relógios, campainhas, deve ser entendido como um movimento que tem ou propõe múltiplas trajetórias de
institucionalização, daí, entre outros aspectos, a sua força educativa e sua
centralidade no aparato escolar (FARIA FILHO, 2002, p. 17).
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Os estudos históricos sobre cultura escolar transformam nosso foco
de atenção, colocando novos questionamentos e nos instigando a desenvolver estudos que analisem propostas curriculares e façam uma reflexão sobre as práticas escolares em diferentes níveis e contextos.
Alguns cuidados são importantes quando se trata da análise do
currículo, pois não se trata de substituir as análises macroscópicas pelo
estudo dos funcionamentos internos específicos de cada escola, e sim
que essas duas instâncias devem se complementar, oferecendo aos educadores/ pesquisadores a possibilidade de fazer uma análise mais
abrangente.
Cultura escolar e cultura juvenil: uma relação possível na educação
de jovens e adultos?
A cultura contemporânea concebe a existência de uma cultura juvenil espontânea gerada na relação entre seus pares e em grande parte
gerada fora do espaço escolar. É marcada pela criatividade em
contraposição a proposta reprodutivista da escola tradicional. Assim, o
desafio da escola contemporânea é estabelecer um diálogo entre a cultura escolar elaborada e a cultura emergente trazida pelos jovens.
Corsaro (2005) define cultura de pares como um conjunto estável
de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças
produzem e compartilham na interação com seus pares. Segundo ele, a
palavra “pares” está relacionada não ao sentido de duplas, e sim de
parceiros, de iguais – como em “pares do reino”. Neste trabalho, portanto, estamos utilizando a cultura de pares como a cultura vivida pelos
jovens nos espaços lisos conforme conceitua Pais (2006):
Há duas diferentes maneiras de olharmos as culturas juvenis: através das
socializações que as rescrevem ou das suas expressividades (performances)
cotidianas. A distinção entre estas duas perspectivas pode ser aclarada
tomando a “dualidade primordial” proposta por Deleuze ao contrapôr “espaço estriado” a “espaço liso”. O espaço estriado é revelador da ordem,
do controle. Seus trajetos aparecem confinados às características do espaço que os determinam. Em contraste, o espaço liso abre-se ao caos, ao
nomadismo, ao devir, ao performativo. É um espaço de patchwork: de
novas sensibilidades e realidades (p.5)
Peregrino e Carrano, baseando-se em Machado Pais, apontam algumas razões pelas quais os jovens identificam o espaço escolar como
desinteressante: não se reconhecerem numa instituição onde suas culturas não podem se realizar e se fazer presentes. “Parece não haver
chances e negociação entre os espaços lisos - que permitiriam aos jo215
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vens transitar sem as marcas prévias da instituição do mundo adulto – e
os espaços estriados - cujas principais características seriam a ordem e
o controle” (PEREGRINO e CARRANO, 2003, p.16).
O mundo contemporâneo está exigindo da escola esta revisão:
transcender a noção de cultura escolar como “inculcadora” para a criação de espaços de diálogos entre cultura escolar e a cultura emergente
trazida pelos jovens e interlocução entre espaços lisos e estriados. É
preciso recriar a cultura e não só reproduzir.
O jovem precisa vivenciar o espaço-tempo escolar e ser jovem
ao mesmo tempo, sem ter que deixar de sê-lo para poder viver nele, pois
a escola desconsidera a diversidade e o que há de comum entre a geração juvenil, considerando-a como passagem e como problema. Podemos
constatar isso nos projetos que envolvem essa faixa etária, os quais geralmente são pensados de maneira disciplinar e tutelar, com o objetivo de
ocupar os jovens quando não estão em aula, para que não sirvam de
ameaça para a escola e para a sociedade.
Metaforizando, poderíamos dizer que, na sala de aula, no cotidiano
escolar - lócus escolar - parece haver múltiplos mundos e o que aparenta estar mais desconectado é o mundo do professor e o mundo do aluno.
Muitas vezes eles se cruzam, se aproximam e se tocam, mas se separam
como se não fosse possível estar na mesma sintonia3.
É condição sine qua non, para aproximar esses diferentes “mundos”, que os educadores, principalmente de Educação de Jovens e Adultos - EJA, tentem penetrar no “mundo” do jovem, interagindo, dialogando e registrando suas palavras sobre o que pensam de si mesmo, da
escola, ou do seu entorno, para compreender como eles podem ser protagonistas do seu tempo.
As questões trazidas por Dubet (1997)4 também nos remetem à
desconexão da cultura juvenil em relação à cultura da escola Os alunos são adolescentes completamente tomados pelos seus problemas
de adolescentes e a comunidade dos alunos é “por natureza” hostil ao
mundo dos adultos, hostil aos professores (p. 225). Portanto analisar o
espaço-tempo escolar significa mirar o cotidiano da escola com suas
múltiplas facetas, levado a cabo pelos diferentes atores que compõem
o cenário educativo, para analisar e resgatar seus diferentes papéis
3
Na dissertação de Mestrado, Um estudo sobre juventude no espaço-tempo da escola (Garcia,
2005), identificamos alguns elementos que marcam, principalmente, o “mundo juvenil” no
espaço e tempo da escola do Ensino Médio.
4
O sociólogo François Dubet, em entrevista concedida à Angelina Teixeira Peralva e Marilia
Pontes Sposito, reflete sobre a sua experiência como professor de história e geografia em um
colégio da periferia de Bordeaux, França.
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que exercem na trama social que constitui a escola, pois “aprender a
escola como construção social implica, assim, compreendê-la no seu
fazer cotidiano, onde os sujeitos não são apenas agentes passivos diante da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua
construção, de conflitos e negociações em função de circunstâncias
determinadas” (DAYRELL, 1996, p. 137).
Cada um dos sujeitos que compõe o lócus escolar é fruto de um conjunto de experiências singulares vivenciadas nos mais variados espaços sociais. Assim, concordamos com Dayrell (1996), pois “a vida não começa na
escola e o cotidiano se torna espaço e tempo significativos” (p. 140).
MacLaren (1997) corrobora essa posição ao sinalizar que os educadores devem compreender que as experiências dos educandos originam-se de diferentes discursos e subjetividades, por isso devem ser analisadas criticamente, evitando, assim, o que a maioria das abordagens
educativas fazem ao negar o conhecimento e as formas sociais pelas
quais os estudantes estabelecem relevâncias e conexões com a vida:
Os alunos não podem ter um aprendizado ‘proveitoso’, a menos que os
professores compreendam as várias maneiras que eles dispõem para constituir suas percepções e identidades. Os professores precisam entender
como as experiências produzidas nos vários domínios da vida cotidiana
produzem, por sua vez, as diferentes vozes que os alunos empregam para
dar sentido aos seus mundos e, conseqüentemente à sua existência na
sociedade em geral (p. 249).
Seria preciso considerar o lugar da adolescência na escola e a
criação de regras de vida em grupo partilhadas possibilitando que haja no
mundo escolar uma cidadania escolar. “Haveria em termos de educação
para a cidadania, coisas fundamentais a serem feitas, ou seja, verdadeiros contratos de vida comum entre os professores e os alunos, mas que
suporiam obrigações para estes alunos, obviamente, mas também obrigações para os professores” (DUBET, François, 1997, p. 227).
Outeiral5 (on line) suscita uma questão interessante: o papel do
professor que ocupa o lugar do “outro” - o lugar do “adulto”, pois existe
hoje uma perplexidade nos professores e nos adultos de forma geral
quanto à educação das crianças e, principalmente dos adolescentes. Um
dos motivos desta perplexidade está alicerçada na falta de “adultos”
para identificações estruturantes positivas. Por isso ele defende que a
criança e o adolescente, para constituírem sua personalidade, necessitam de um “outro”, um adulto, que representa um modelo de identificação estruturante positiva.
5
Disponível em: < www.joseouteiral.com> . Acesso em 02/08/2007
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Segundo o autor, a adolescência6 não está apenas invadindo a infância, mas também o mundo adulto. Hoje, muitos adultos, influenciados
pela mídia, querem, ao menos, parecer adolescentes. Surge então, já em
dicionário, a palavra “adultescente” (mixagem de adultos e adolescentes). Além dos adultescentes, contamos também com os “kidadults”,
adultos infantilizados que agem e se vestem como se fossem crianças.
Essa noção é importante para a EJA, pois historicamente ela atendia praticamente turmas formadas por alunos “adultos trabalhadores”.
No entanto, hoje o rejuvenescimento da população que freqüenta a EJA
é um fato que está desafiando o Estado, sociedade civil e os educadores
a atenderem a diversidade vivenciada pelos diferentes grupos geracionais.
Por isso precisamos nos perguntar: o que leva os jovens a procurarem as
turmas e como chega o jovem na EJA?
Muitos são os fatores que fazem o jovem a buscar a EJA. Entre
eles estão os fatores pedagógicos, econômicos e de convivência: trabalho (oportunidades); amigos; ocupação (algo para fazer); obrigados pelo
mercado de trabalho ou ainda, por terem sido empurrados pela escola
diurna que não suporta o risco de sua presença.
Alguns chegam com históricos de repetência ou com interrupções
dos estudos e geralmente com marca de fracassados. Os jovens chegam
desconfiados do futuro e da escolaridade, pois por muito tempo a EJA foi
rotulada como uma educação “aligeirada” ou de pouca qualidade.
Esta presença marcante dos jovens no espaço-tempo da EJA vem
chamando a atenção para temas emergentes como a situação do trabalho no Brasil e o número crescente de óbitos juvenis causados por homicídios, acidentes de transportes e suicídios.
Além da relação com o trabalho, os jovens brasileiros, principalmente das classes mais empobrecidas, de acordo com IBGE (indicadores sociais) e pesquisa da UNESCO (Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura)7, vivem uma situação crucial que se
6
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA define adolescência como uma fase compreendida entre 12 e 18 anos e a Organização Mundial da Saúde entre 10 e 20 anos. O conceito
de infância, como período de desenvolvimento com direitos e necessidades específicas, surge
em torno do século XVIII, com a Modernidade, com a urbanização. A adolescência é mais
recente; começa a se delinear no século XX, acompanhando o crescimento da urbanização.
7
Conforme o Mapa da Violência IV, divulgado pela UNESCO, a taxa global de mortalidade
da população brasileira caiu de 633 em 100 mil habitantes em 1980 para 561 em 2002.
Porém, a taxa referente aos jovens cresceu, passando de 128 para 137 no mesmo período. O
número de homicídios entre os jovens, na faixa entre 15 e 24 anos, aumentou 88,6% de 1993
a 2002. Em relação ao número homicídios entre os jovens os estados de Pernambuco,
Espírito Santo e Rio de Janeiro apresentam o maior número. Para maiores detalhamentos
ver (WAISELFISZ. Mapa da violência IV: Unesco – Brasil. (2004)). Disponível em:
http://www.unesco.org.br/publicacoes/livros/mapaiv/mostra_documento.
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expressa através dos índices de homicídios, acidentes de transportes e
suicídios (causas externas ligadas à violência) que, em conjunto, são responsáveis por mais da metade dos óbitos juvenis. Sem embargo, conforme Relatório da Unesco, a mortalidade entre jovens não só aumentou,
mas mudou sua configuração adquirindo “novos padrões de mortalidade
juvenil” (WAISELFISZ, 2004, p 25-26).
A violência como fenômeno marcante no mundo contemporâneo é
preocupante porque viola o direito á vida. “Os jovens brasileiros, particularmente, dos 15 aos 24 anos, são a parcela da sociedade que está mais
exposta a violência, quer como vítimas quer como agentes” (WAISELFISZ,
2004, p 7) e é neste sentido que este tema sinaliza que as escolas têm hoje
um papel diferente que não havia há algumas décadas.
Em relação à situação do trabalho é preciso entender o fenômeno
estrutural do desemprego, sem a culpabilização individual: muito velho
para o mercado de trabalho, muito novo e sem experiência ou com baixa
escolaridade. Apostar somente na competência individual contribui, mais
uma vez, para a exclusão social destes alunos.
Um dos argumentos colocados para não empregar os jovens são
as alegações de que estes estariam com baixa qualificação. Por outro
lado, vale lembrar que nunca tivemos um número tão grande de jovens
buscando a Educação Média como nos dias de hoje. O fato de possuir
escolarização não tem garantido acesso e permanência no mundo do
trabalho dos jovens brasileiros, pois a alta taxa de desemprego juvenil
abrange os jovens com e sem escolaridade.
Qual seria o papel da escola? Conforme Pochmann, em primeiro
plano, a escola deveria preparar o jovem para a cidadania e, em segundo,
voltar-se para a formação para o mercado de trabalho. “No Brasil nós
temos quase que um muro que separa a formação, o mundo do conhecimento, da educação de um lado e, de outro, o sistema produtivo”. Ele
considera que uma das soluções seria a redução das incompatibilidades
existentes entre o ensino e o setor produtivo (POCHMANN, 2005, p. 13).
Para muitos, a EJA é a única forma e esperança de concluir o Ensino
Fundamental ou Ensino Médio. Esse cenário modifica o ambiente escolar
e exige outras formas de convivência escolar e de políticas públicas, que
não sejam só de inserção, mas também de integração. Neste sentido é que
o PROEJA8 ganha adesão da sociedade civil e das redes escolares.
8
PROEJA , conforme Documento Base, tornou-se um Programa pela promulgação do
Decreto no 5.478, de 24 de junho de 2005 e, após discussões com os segmentos envolvidos,
suas diretrizes foram alteradas através da promulgação do Decreto nº 5.840, de 13 de julho de
2006, que revoga o anterior e passa a denominar o PROEJA como Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
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Acreditamos que com a implantação do PROEJA novos desafios
serão colocados, principalmente na organização da sua oferta para o
Ensino Fundamental, uma vez que se tem pouca experiência consolidada, no nosso país, desse porte.
Considerações finais:
O PROEJA poderá, para não ser uma política isolada, criar elos
com os demais programas do Governo Federal desenvolvidos para atender o público juvenil, pois o que temos constatado, no Brasil, é que as
políticas direcionadas para o público jovem que estão na escola não têm
gerado discussão no espaço escolar e, muitas vezes, nem sequer os
gestores, professores e alunos possuem conhecimento sobre essas políticas. Será que assim as políticas públicas conseguirão mudar o contexto
social, sem a participação dos principais interessados? Muitas vezes as
políticas passam a ser executadas, cumprem seu percurso sem que amplas discussões sejam realizadas no universo escolar.
Com o PROEJA poderá ser diferente, pois as políticas que envolvem a Educação de Jovens e Adultos, por sua história e por suas peculiaridades, geralmente encontram disponibilidade dos educadores e da
sociedade civil organizada para discutir e executar as políticas educacionais. Assim, é fundamental que as políticas públicas para a EJA contemplem amplas discussões para garantir a continuidade e elevação da
escolaridade com profissionalização no intuito de contribuir com a
integração sociolaboral dos cidadãos cerceados do direito de concluir a
educação básica e de ter acesso a uma formação profissional de qualidade (MEC/PROEJA, 2006).
No entanto é preciso que os jovens e adultos não tenham apenas
acesso a escolarização, mas recebam também condições de permanência na escola com qualidade, pois a perenidade e a qualidade dessas
políticas pressupõe assumir a condição humanizadora da educação que
se concretiza ao longo da vida através da educação formal e da educação não-formal, como é o principio basilar da EJA.
É preciso garantir que o PROEJA seja uma política qualificadora e
não seja mais uma política de caráter compensatório, aligeirado,
desqualificador e de descontinuidades como têm sido historicamente as
políticas direcionas para a EJA em nosso País. É preciso que o PROEJA
se constitua de fato em políticas públicas de longa duração. Mas somente a implantação do PROEJA não garantirá a solução para os problemas
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educacionais. Seria necessário fazer uma reforma educacional que viesse acompanhada não só políticas de curto prazo, mas de políticas públicas de médio e longo prazo que atendessem os segmentos populacionais
que foram e continuam excluídos da escola.
Acreditamos que a educação é a grande possibilidade para o jovem, “desde que venha acompanhada de uma melhor qualidade e ao
mesmo tempo de um conjunto de mecanismos garantindo que o jovem e
os adultos tenham condições de estudar, mesmo que na condição de
desempregados” (POCHMANN, 2005, p. 13).
Algumas questões nos inquietam: que conhecimentos e práticas
deveriam representar a cultura escolar do PROEJA?
Como identificar e trabalhar com as diferentes representações culturais dos sujeitos que circulam no espaço-tempo escolar do PROEJA?
O que pensam os jovens e adultos que buscam a escola formal
representada pela EJA?
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A INSERÇÃO DE CONTEÚDOS
GERONTOLÓGICOS NO CURRÍCULO
DO PROEJA 1
Ângela Gomes2
Johannes Doll3
Introdução
O envelhecimento é hoje um fenômeno mundial, isso significa um
crescimento mais elevado da população idosa em relação aos demais
grupos. Estima-se que entre 1970 e 2025 haverá um crescimento de
223% de pessoas com mais de 60 anos. Em 2025, existirá um total de
aproximadamente 1,2 bilhões de pessoas idosas. Nessas mesmas projeções até o ano de 2050 haverá dois bilhões, sendo que 80% desta população viverá em países em desenvolvimento (OMS, 2005).
A preocupação com o processo de envelhecimento, a velhice, é tão
antiga quanto à origem da civilização. Poucos temas têm merecido tanta
atenção do ser humano em toda sua história como o envelhecimento e a
incapacidade associada a esse processo. Porém, foi o século XX que
marcou definitivamente a importância do estudo sobre esta temática, devido ao crescimento da população idosa em todo o mundo e os impactos da
mudança demográfica tanto nas sociedades quanto nas vidas particulares.
1
Este artigo foi elaborado a partir da Monografia intitulada “EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE
E LONGEVIDADE: experiências para o PROEJA”, da mesma autora deste artigo.
2
Graduada em Educação Física, Especialista em Fisiologia do Exercício - UFRGS e Educação
Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos – UFRGS, Mestre em Educação - UFRGS. E-mail: [email protected].
3
Pedagogo, Especialista em Gerontologia pela Universidade de Heidelberg – Alemanha.
Mestre em Educação pela UFRGS. Doutor em Filosofia pela Universidade de Koblenz –
Landau – Alemanha. Professor de graduação e pós-graduação da UFRGS. Orientador do
trabalho de Conclusão da Especialização do PROEJA da autora deste artigo. E-mail:
[email protected]
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Com aumento rápido da população idosa o Brasil precisa de soluções imediatas para esse contingente, pois o país não se preparou para
essa realidade, tendo hoje uma infra-estrutura precária, no que diz respeito a serviços, programas sociais e de saúde, particularmente para
idosos de baixa renda.
Esse aumento da população idosa e da longevidade por um lado
representa o sucesso de conquistas no campo social e de saúde, sendo
um triunfo, por outro lado, o envelhecimento, como um processo, tornou-se um enorme desafio do presente e do futuro, nas áreas psicológicas, sociais, educacionais e culturais, ocasionando distintas e múltiplas
questões a serem enfrentadas, sendo os maiores desafios percebidos
nas políticas sociais, de saúde e na economia.
Frente a esta nova realidade e demandas necessárias que a sociedade vem sofrendo, este artigo buscou discutir/refletir a relevância de
inserir conteúdos sobre o processo de envelhecimento no currículo do
PROEJA. Salientando que educar para o envelhecimento não é prescrever regras de comportamento e sim gerar oportunidades para que as
pessoas descubram formas mais positivas de conviver consigo mesmas,
com o ambiente e com os demais, encontrando meios para enfrentar os
desafios e os riscos. Também, reconhecendo à heterogeneidade do processo de envelhecimento e da diversidade de experiências dos que o
vivem, uma vez que, é no cruzamento da história individual daquele que
envelhece, com a história da sua sociedade, que se constroem modos de
pensar, sentir e agir, capazes ou não de criar condições para se enfrentar
os desafios da velhice.
Dessa forma, este artigo busca refletir sobre a importância de haver mais espaço no ambiente escolar para ampliar os conhecimentos
gerais sobre o processo de envelhecimento. Nesse sentido, procurei discutir sobre o quanto a Gerontologia pode contribuir para a qualidade de
vida dos seres humanos, mediante apoio das escolas, através de seus
currículos, oportunizando maiores conhecimentos sobre estas temáticas
a seus educandos e a sociedade em geral e reduzindo preconceitos em
relação à velhice.
A Inserção de Conteúdos Gerontológicos nos
Currículos
A Gerontologia com o apoio das escolas pode vir a contribuir na
construção de oportunidades particulares e institucionais de uma ética
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para a cidadania. Através de seus currículos, as escolas, podem oportunizar
conhecimentos sobre esta temática a seus educandos e a sociedade em
geral e reduzindo preconceitos em relação à velhice.
Segundo Agostinho Both (2002, p. 1110) inicialmente, a educação
gerontológica só se preocupava com a educação permanente, na atualidade esta situação se modificou na medida “em que se avalia o processo
educacional como lugar mediador e preventivo da velhice bem-sucedida,
numa proposta que perpassa a vida toda do educando”. A educação
gerontológica consiste, em olhar a educação pelo prisma da qualidade de
vida, da infância à velhice, ou seja, toda a extensão da vida merece um
olhar atento na tentativa de buscar adequar as representações e oportunidades sociais às exigências da qualidade de vida em todos os ciclos
para que sejam configurados os estilos de vida carregados de disposições e oportunidades de auto-realização, o que, então, compreende implicações de mudanças no processo educacional.
Mesmo, com o aumento da expectativa de vida o projeto de educação gerontológica ainda é incipiente, carecemos de uma melhor gestão
social mais justa para todas as faixas etárias e um melhor processo educacional. A pedagogia desconsidera as alterações demográficas que vem
ocorrendo, pois ainda esta voltada para a construção de uma racionalidade
produtiva de ofícios modelados pela brevidade da vida, na qual exclui
quem não está nos padrões de um biotipo jovem e de um trabalhador
com identidade de produtor e consumidor. Both, diz que:
Os alunos, pressionados por conteúdos, experiências e avaliações apropriam-se dessas tendências organizadas e abandonam aquelas direções
da solidariedade, da igualdade, da proteção da vida e dos interesses referentes aos direitos fundamentais, tolerando a miséria, o fracasso da maioria, a morte precoce e a incapacidade dos mais velhos (BOTH, 2001, p.87).
A educação não tem considerado muito as questões da qualidade
de vida, mas apenas produzido objetos aprendidos em disciplinas nas
quais a vida dos alunos não está envolvida. Os professores:
[...] ensinam para que os alunos tenham sucesso social e produtivo sem se
perguntar se os conteúdos disciplinados são interessantes para a vida
deles ou o quanto esses produzem realização biopiscossocial. O que se
leva em consideração é que o aluno tenha êxito no exercício do trabalho e
da cidadania, sem perguntar sobre os efeitos biopsicológicos do trabalho
ou sobre o conteúdo da cidadania. Os conteúdos em operação levam em
conta a agilidade mental e domínio do aluno sobre os outros e sobre o
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ambiente, sem perguntar sobre a excelência ética das operações exercidas
e aprendidas. Os conteúdos e habilidades de uma racionalidade suscitadora
do mundo-da-vida e. particularmente da personalidade, de relações sociais e ambientais expressivas, ficam em segundo plano, como se a vida
estivesse a serviço do sucesso econômico e político e não constituísse o
fim último de toda ação pedagógica (BOTH, 2002, p.1110-1111).
Desta maneira, a escola vem reproduzindo os interesses que povoam o país num determinado período, mas a escola também pode ser um
instrumento eficaz, à medida que reavalie suas finalidades educacionais
visando um projeto de emancipação dos educandos em relação aos mitos criados pela razão.
A Política Nacional do Idoso, expressa na Lei n° 8.842, de 1994,
referente aos direitos dos idosos, afirma no item II que “o processo de
envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de
conhecimento e informação para todos”. Nesse sentido, as reflexões,
estudos, pesquisas e conhecimentos referentes ao envelhecimento não
devem ficar restritos a pessoas que já estão nessa fase da vida e aos
intelectuais que a esta área se dedicam, mais sim dizem respeito a todas
as pessoas independente de suas idades e interesses (BRASIL, 1994).
Como levar a sociedade em geral a refletir sobre este conhecimento, se de acordo com Simone de Beauvoir no seu livro “A velhice”, em
1970, “para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar” (BEAUVOIR, 1990, p.8). Em
geral a sociedade não encara a velhice como uma fase da vida nitidamente marcada, pois o momento em que começa a velhice é mal definido, vária de acordo com lugar e época. Para ela: “Nada deveria ser mais
esperado e, no entanto, nada é mais imprevisto do que a velhice”, as
pessoas adultas se comportam como se não fossem chegar nessa fase
(BEAUVOIR, 1990, p.11). Também, para a mesma autora
[...] não é num instante que ficamos velhos: quando jovens ou na força da
idade, não pensamos, como Buda, que já somos habitados pela nossa
futura velhice [...] Antes que se abata sobre nós, a velhice é uma coisa que
só concerne aos outros. Assim, pode-se compreender que a sociedade
consiga impedir-nos de ver nos velhos nossos semelhantes [...] Paremos
de trapacear; o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos
espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele
velho, aquela velha, reconheçamos-nos neles. Isso é necessário, se quisermos assumir em sua totalidade nossa condição humana. Para começar,
não aceitamos mais com indiferença a infelicidade da idade avançada, mas
sentiremos que é algo que nos diz respeito. Somos nós os interessados
(BEAUVOIR, 1990, p.11- 12).
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Porém, queremos ressaltar que desde que Simone Beauvoir escreveu o livro “A velhice”, em 1970, a população de idosos aumentou consideravelmente e por isso passaram a ganhar maior visibilidade na sociedade, fazendo com que profissionais e eles próprios, passassem a estudar, a discutir e refletir as questões relativas ao idoso brasileiro, em prol
da melhor qualidade de vida. Surgiram assim, instituições, entidades, programas de interesse técnico e científico, universidades para terceira idade, grupos e clubes de convivência, todos estes apresentando um potencial de politização dos idosos através da troca de informações, buscando
uma atuação no mundo político, com a real possibilidade de apresentar e
debater idéias e propostas, definir, deliberar e agir.
Apesar da velhice estar ganhando visibilidade na sociedade atual,
ela ainda deve ser reconhecida pela sociedade como um direito de todos
os indivíduos. Ela, “ao ser considerada como invenção social, representa
uma oportunidade para ser reinventada socialmente, resgatando a cidadania do idoso e assim, permitindo-lhe um viver saudável”
(SCORTEGAGNA, 2004, p. 54). Não basta envelhecer, queremos envelhecer com dignidade, com qualidade de vida que é resultante do acesso ao conjunto de direitos sociais, tais como: paz, segurança, saúde, educação, trabalho, justiça, moradia, alimentação, transporte e lazer.
Da infância à velhice é fundamental que nos habituemos a refletir
o que queremos para nossas vidas, como queremos estar em cada fase,
com que qualidade de vida, tanto para nós, como para os outros. Vemos
que hoje, a humanidade finalmente está conseguindo viver mais, no entanto, a carência de serviços e instalações adequadas para os idosos
está ocasionando um período prolongado de incapacidade e dependência. Nesse sentido, é necessário de ter medidas no campo da promoção
da saúde e educação (VERAS, 2002).
Uma das formas de se transmitir conhecimento é através da educação formal, dos currículos. Através da Política Nacional do Idoso é
exigido no seu art. 10 inc. III: “inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o assunto” (BRASIL, 1994).
Nesse sentido, o PROEJA pode ser um espaço para que a temática
do envelhecimento seja discutida, uma vez que esta instituição tem responsabilidade com a formação do sujeito cidadão. A Educação de Jovens e Adultos implica lidar com valores, com formas de respeitar e
reconhecer as diferenças. E isto se faz desde o lugar que passam a
ocupar nas políticas públicas, como sujeitos de direitos (PAIVA, 2006).
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Quando pensamos na inserção de conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, verificamos que este ainda é um problema, pois
apesar dessa temática ser obrigatória, como consta na Lei, vemos que há
um distanciamento entre as disposições legais e a realidade, pois são raros
os currículos que abordam esse assunto. Para que esta situação se modifique, se fazem necessárias discussões e a divulgação sobre a
obrigatoriedade da implementação de conteúdos gerontológicos nos currículos, assim como, a importância destes para a construção de uma sociedade mais consciente e com menos preconceitos em relação à velhice.
Outra Lei que destacamos é a LDB (9394/96), que estabelece normas para a elaboração de programas e currículos. Ela “prevê uma educação inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tendo como finalidade o pleno desenvolvimento do educando,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. No entanto, “críticas são feitas por planejadores de educação
que denunciam a existência de um currículo voltado para um aluno universal, revestido de uma pretensa neutralidade técnica, encobrindo mecanismos subjacentes de exclusão”. Também, nesta mesma Lei está
claro que os currículos, além do núcleo comum, devem ter uma parte
diversificada, porém há uma tendência das escolas se limitarem às matérias do núcleo comum, ou seja, matérias ou conteúdos como: qualidade
de vida, envelhecimento, prevenção, promoção de saúde, cidadania, na
maioria das vezes não são contemplados (PALMA, 2000, p. 45).
Ainda refletindo sobre a LDB e a temática do envelhecimento Both
nos indica que:
Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 aponta como objetivos primeiros para as escolas, o trabalho e a cidadania, pode parecer
difícil ao cidadão estar preparado para assumir caminhos construtivos de
sua existência, ainda que se tenha em mente que ele é capaz de produzir
sua vida e de nela imprimir um estilo mediador da longevidade e da qualidade em toda sua extensão. Isso quer dizer que, se as experiências educacionais forem determinadas pela produção [...] possivelmente o aluno estará condicionado a ter pela própria vida pouca consideração, entendendo-a como uma fatalidade e não como um produto das condições sociais e
culturais (BOTH, 1997, p. 176).
Agostinho Both (2001, p. 81) em seu livro “Gerontologia: educação e
longevidade” ao discutir a mudança curricular e longevidade, traz o seguinte questionamento: “a primeira questão a ser considerada é se a conquista da longevidade constitui-se em razão suficiente para se repensar o
currículo”. Com o aumento da longevidade aparecem novas responsabili228
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dades sociais, culturais e educacionais as quais exigem novas relações de
poder, mudanças sobre o entendimento da condição humana diante do
processo de envelhecimento das populações e principalmente, construção
de oportunidades institucionais. A escola, os currículos, os programas de
saúde, a oportunidade de educação permanente não podem permanecer
os mesmos uma vez que as pessoas apresentam novas demandas.
Dessa forma, com os acontecimentos sociais do processo da industrialização, que ocorreram e que continuam ocorrendo, a sociedade
se moveu e se move para a construção sistemática de novas experiências escolares, alterações curriculares que dêem conta do mundo
globalizado; por outro lado, com o novo perfil demográfico, a conquista
da longevidade, pode vir a constituir-se em fato social suficiente para
que se repense o currículo. Both propõe que:
[...] ao invés de somente se orientar as experiências em razão das finalidades econômicas ou de interesses da política, sejam criadas finalidades
instruídas para a preservação da vida com qualidade, vistas como aprendizagens para obtenção de recursos expressivos, científicos, sociais em todo
o ciclo de vida e para a solidariedade refletida na igualdade e na preservação dos direitos fundamentais”(BOTH,1997, p. 178-179).
Both (2001) nos fala da importância de nos conscientizar de que a
vida não se restringe somente ao trabalho e a todas as formas de manutenção dos serviços construídos em torno das empresas, da família ou
dos interesses do Estado. Em nome dos interesses das pessoas, podem
ser construídas novas instituições, que abriguem a arte, a criatividade, à
afetividade e toda forma de organização de proteção à vida, seja social,
cultural ou pessoal. Para tanto, as escolas podem constituir novas aprendizagens; as famílias podem se alargar em sua estrutura e objetivos,
proporcionando condições para que a vida tenha mais oportunidades.
Salientamos que até o momento, defendemos a inserção de conteúdos gerontológicos nos currículos e acreditamos que este seja muito
importante, interessante e até sustentável a partir da Política Nacional
do Idoso (Lei n° 8.842), porém, na prática na luta no campo do currículo,
conteúdos gerontológicos teriam poucas chances de serem implementados,
ficariam somente em um outro discurso bonito, mas dificilmente se concretizariam. Uma solução para a inserção de conteúdos gerontológicos
pode vir através da vinculação da gerontologia ao campo da saúde.
Acreditamos que as temáticas: “envelhecimento” e “saúde” possam estar contempladas nos currículos, para que a Lei realmente se
cumpra e que a escola exerça seu papel transformador. “Se a sociedade,
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como um todo, tomar consciência do fato de que não somos um país
eminentemente de jovens, porque os jovens estão envelhecendo, então
será possível discutir currículos escolares”. Cabe a sociedade possibilitar discussões/reflexões, de modo que, cada pessoa possa se permitir
uma análise acerca do seu processo de viver e envelhecer, “constituindo-se, assim, não apenas num projeto para os mais velhos, mas sim, num
projeto em que cada um é chamado a refletir sobre o sentido da vida na
velhice” (BOTH; PORTELLA, 2003, p.37).
A Educação de Jovens e Adultos abre possibilidades de superação
de modelos curriculares tradicionais, disciplinares e rígidos. Essa deve
ser uma construção contínua, num processo permanente que permite a
abordagem de conteúdos e práticas de inter e trans disciplinares, a utilização de metodologias dinâmicas promovendo a valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação de educação não-formal, além
do respeito à diversidade.
O currículo do PROEJA busca a integração entre uma formação
humana mais geral, uma formação para o Ensino Médio e a formação
profissional. Nesse sentido, o programa pretende conseguir uma integração
epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de práticas educativas.
Refere-se a uma integração teoria-prática, valorizando os saberes e trajetórias dos estudantes, compreendendo que estes são decorrentes de
vários espaços sociais.
O currículo integrado é uma possibilidade de inovar pedagogicamente a concepção de ensino médio, em resposta a heterogeneidade dos
educandos para os quais se destina, por meio de uma concepção que
considera o mundo do trabalho e que leva em conta a trajetória dos
mesmos. Supera-se a perspectiva estreita de formação para o mercado
de trabalho, para buscar a formação integral dos educandos, como forma de compreender e se compreende no mundo (BRASIL, 2006).
Temos clareza que a implementação de um currículo traz mudanças e neste contexto podem ocorrer resistências, em todos os níveis, em
função dos esforços que se tornam necessários (BOTH, 1997; DOLL,
2004). Também, ao abordarmos a necessidade de inclusão de conteúdos
sobre o processo de envelhecimento nos currículos formais, queremos
apontar para o desafio, que a Gerontologia é um campo amplo e
multidisciplinar, que exige reflexões sobre quais conhecimentos
gerontológicos priorizar no processo ensino- aprendizagem, rompendo
com resistências, estereótipos e preconceitos.
Um dos motivos que leva os educandos a apresentarem resistência e
falta de interesse nas questões que envolvem o envelhecimento é devido à
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imagem negativa que se tem da velhice na nossa sociedade. Porém, não
devemos nos desencorajar com o objetivo de incluir a temática do envelhecimento nos currículos, pois este tema é relevante, principalmente, neste momento no qual a população de idosos tem crescido rapidamente.
Doll (2004) discute que, à medida em que se deseja implementar
um novo currículo ou uma alteração curricular, deve se manter um diálogo com todos os participantes envolvidos, pois as pessoas estando integradas neste processo passam a assumir responsabilidades com o novo
currículo ou alterações curriculares, que ajudaram a construir. Nesse
mesmo sentido, Both (1997) salienta que os professores e os alunos devem estar motivados, atraídos e instrumentalizados para entender o processo de envelhecimento, a ampliação da vida e os meios de produzir os
recursos para levar adiante a realização humana em todo o ciclo de vida.
Conforme Doll:
De fato, um currículo bem elaborado é algo importante, pois permite uma
certa previsibilidade, organização, planejamento, confiabilidade, controle, e
de certa forma, o currículo garante a estrutura e os fundamentos da formação
dos alunos. Mas o currículo não é tudo; a estrutura prescrita pelo currículo
precisa ser preenchida pelo trabalho didático dos professores e pelos processos de aprendizagens dos alunos. Na discussão sobre o currículo não
podemos esquecer que o objetivo maior é a aprendizagem dos alunos, e, no
nosso caso, o conhecimento dos alunos sobre as questões do envelhecimento. Para isso, o currículo pode garantir alguma evolução, mas a realização do que está previsto no currículo, cabe ao trabalho conjunto de ensinoaprendizagem de professores e alunos engajados (DOLL, 2004, p. 127).
Sendo a categoria velhice uma invenção social, a sociedade pode
reinventá-la, reconhecendo a velhice não como um problema, mas como
um direito de todos os indivíduos à vida, independente da sua idade. Para
isso, se faz necessário desenvolver ações educativas em todas as fases
da vida, que venham a oportunizar os cidadãos a reflexão sobre suas
vidas, de forma individual e coletiva, sobre o processo de envelhecimento, diminuindo o preconceito sobre este, contribuindo para uma sociedade mais justa, mais saudável, com mais segurança e participação.
A responsabilidade para o envelhecimento não é somente uma
coisa individual, mas um processo social e como os homens são seres
sociais, cabe também à sociedade responsabilidade frente ao envelhecimento da população. Neste sentido, a inclusão da temática no
currículo escolar é exatamente uma das formas possíveis de assumir
esta responsabilidade.
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Conclusão
O processo educativo voltado para a humanização e transformação social deve ser permanente e relativo à própria vida, propondo o
crescimento pessoal, a reflexão crítica, um novo olhar e uma nova postura frente aos desafios cotidianos desse mundo em transformação. Acredito que a educação visando um processo de envelhecimento saudável
pode ser uma contribuição da escola em todas as fases da vida, buscando em cada fase o convívio e a troca.
Nesse sentido, o PROEJA pode ser uma alternativa para que se
venha a cumprir com a determinação legal da Política Nacional do Idoso, expressa na Lei n°8842 de 1994, que estabelece a obrigatoriedade de
inserção nos currículos do ensino formal de conteúdos voltados para o
processo de envelhecimento, de forma a reduzir o preconceito e aumentar o conhecimento sobre o assunto.
A organização curricular desta modalidade de ensino deve ser compreendida como uma construção contínua, processual e coletiva que envolve todos os sujeitos do processo educativo, propondo uma formação
com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e
tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade. A inserção de
conteúdos gerontológicos nesse currículo vislumbra a criação de oportunidades para a reflexão e preservação da vida com qualidade, percebida
como um processo de aprendizagem para a obtenção de recursos expressivos, científicos, sociais e culturais, dialogando com as concepções forjadas sobre o campo de atuação profissional, o mundo do trabalho e a vida.
Dessa forma, queremos finalizar nossa discussão/reflexão chamando a atenção para o fato de que temos atualmente um novo perfil
demográfico. E, com o aumento da população de idosos, a conquista da
longevidade, se constitui em fato social suficiente para que se repense os
currículos escolares.
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
EXPERIÊNCIAS NO PROEJA,
EXPERIÊNCIAS DO PROEJA,
EXPERIÊNCIAS PPARA
ARA O PROEJA
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SABERES, INSCRIÇÕES E MOVIMENTOS
NA TRAJETÓRIA FORMATIVA
DE CORPOS-EDUCADORES:
MEMORIAIS DE ESPERANÇAS NO
ENSINAR E APRENDER COM A EJA
Dalva J. Balz Bender1
Naira Lisboa Franzoi2
Direto ao ponto
Educadores e educadoras, a partir de memoriais formativos, se
re-encontram com trajetórias vividas e no processo da construção de si
mesmos proporcionam a autoformação. Pergunto: a reflexão sobre as
influências, as relações e os saberes adquiridos, pode atenuar fronteiras
no processo de ensino-aprendizagem de jovens e adultos? As contingências da vida, a escolha da profissão, a experiência no exercício da
docência e o encontro com biografias de educandos da EJA possibilitam
o re-pensar da mediação/intervenção pedagógica atual? Considerando o
ensaio expresso neste artigo3, e apoiada nas contribuições inseparáveis
1
Graduada em Educação Física (FASEF, RS); Pós-Graduada, nível Especialização, em Exercício e Qualidade de Vida (UNOPAR, PR); Mestre em Educação (UNISINOS, RS).
2
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
3
O artigo tem como base o Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em PROEJA/
FACED/UFRGS. A validação do processo de pesquisa valeu-se da colaboração de colegas
participantes do Curso de Especialização em PROEJA: Maria do Carmo Canani, Cláudia
Klinski, Bernhard Sydow e Elisete Bernardi Garcia, cuja “conversa” estabeleço via Memorial
Formativo. Orientada pela Profª. Drª. Naira Lisboa Franzoi (UFRGS), manifesto minha
gratidão aos participantes deste trabalho e suas estimulantes contribuições. Sem isso, não
teríamos a possibilidade de troca intelectual e emocional entre os pares, como educadores
pesquisadores de nossa própria história. Os Memoriais Formativos, como “arestas” de legítima sabedoria, são originários do Trabalho do Módulo I: Matriciamentos e Formação Docente - Disciplina Invenções e Intervenções Pedagógicas, ministrada pelos professores Rafael
Arenhaldt e Daniela Brun Menegotto.
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de Edward P. Thompson (2002), Bernard Charlot (2000), Maurice Tardif
e Danielle Raymond (2000), Yves Schwartz (2000, 2003), Edgar Morin
(2000), entre outros, a resposta é sim.
[...] Foi nesse chão, de tantas contradições, que iniciei meu aprendizado
social e político no campo da educação. Foi ali, entre o barulho das máquinas e os cheiros tantos da fábrica, mas, sobretudo, com aquelas mulheres
e com aqueles homens, que eu comecei a ter uma melhor compreensão de
diferentes realidades e do mundo do trabalho (inclusive, do mundo do
meu trabalho), da minha própria condição humana. Acho que ali comecei a
compreender um pouco melhor, também, a história de minha mãe, de meu
pai, de meu irmão, de tantos outros Josés e de tantas outras Marias, ou
seja, a história dos excluídos. (MARIA DO CARMO CANANI, Memorial
Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006).
Abrir gavetas, juntar bilhetes e cartas, folhear cadernos, manusear
álbuns, contemplar as fotografias... Abstrair desses instrumentos
obviedades e obscuridades é, antes de qualquer coisa, legitimar a nossa
história como um reencontro regado de experiências e conhecimento.
Entretanto, talvez este seja um dos grandes desafios da educação nos
dias de hoje, especialmente na educação/formação de jovens e adultos,
que, de certa forma, permite confirmar o que muitos já disseram: “saberse” na própria trajetória formativa é bisbilhotar o passado e proporcionar
a sensibilidade necessária para problematizar e validar a “realidade autêntica” que nos invade corporalmente. Escrever sobre si é, secretamente,
ouvir-se. Repensar espaços e tempos, recuperar influências, saberes e
“sabores” que, nem sempre aprazíveis, o que significa, também, restaurar fissuras e cicatrizes.
A emergência de novas práticas educativas na EJA, especialmente no PROEJA4, supõe o exercício da “reflexividade subjetiva”.5 Morin
(2000, p. 38) sugere “pensar-repensar o saber”. Saber e saberes necessários e indispensáveis para o enfrentamento dos paradigmas que envolvem os traçados da educação atual. “O saber existe, primordialmente,
para ser refletido, meditado, discutido, criticado por espíritos humanos
responsáveis [...]. Hoje, o retorno ao sujeito constitui um problema
4
Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio
na Modalidade Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, regulamentado pelo Decreto no.
5.478, de 24/06/2005.
5
O dizer, fazer e sentir pedagógico na EJA suscita o exercício da “reflexividade subjetiva”, que
é, segundo Gómez citado por Libâneo (2005), a “[...] capacidade de voltar sobre si mesmo,
sobre as construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção.
Supõe a possibilidade, ou melhor, a inevitabilidade de utilizar o conhecimento à medida que vai
sendo produzido, para enriquecer e modificar não somente a realidade e suas representações,
mas também as próprias intenções e o próprio processo de conhecer” (p. 56).
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fundamental, que está na ordem do dia” (id.). [grifo meu] A educação e
a escola, imbricadas com as situações adversas de uma sociedade em
contínua mudança; os sujeitos múltiplos e sua necessidade de retorno
aos bancos escolares (quer pelos meios formais e instituídos ou pelos
não-formais), e a complexidade dos processos formativos, especialmente na modalidade EJA, que, imbricada com as vicissitudes do mundo do
trabalho, exige de nós, educadores/pesquisadores, a assunção desse tempo-espaço como um campo profícuo e de amplos desafios. Encharcada
por homens e mulheres, jovens e adultos, trabalhadores e desempregados, “sobrantes das metamorfoses do mundo do trabalho”6, traduzem a
EJA, por si só, como um lugar “embebido” de marcas e experiências
oriundas do mundo da vida. Esse cenário acende novas expectativas,
pois, antes de qualquer coisa, “espalha” intersubjetividades com e entre
os sujeitos (educadores e educandos) que, distantes ou próximos, estão
inseridos em um mesmo mundo, por vezes, o “pequeno grande mundo”
da sala de aula, que, entre outras coisas, provoca o repensar das interrelações, principalmente o papel da docência nesse lugar.
Diferenciada de outras, dadas as especificidades que a compõem,
a EJA é uma modalidade que acolhe estudantes que, na maior parte das
vezes, travam uma luta pessoal para retornar à sala de aula. De um lado,
pelas dificuldades produzidas pelo próprio sistema escolar, que já os excluiu ou nem possibilitou o acesso em outros tempos. E, do mesmo lado,
a exclusão que compreende, entre outros aspectos, a necessidade básica da sobrevivência: o trabalho em si. Porém, e de outro lado, esses
estudantes estão envolvidos pelas contingências históricas que abarcam
o problemático mundo do trabalho, caracterizando-os, muitas vezes, como:
“figuras do excluído”. 7 Nessa direção, o PROEJA “é mais que um projeto educacional. [...] será um poderoso instrumento de resgate da cida6
Os estudos de Machado, Corbellini e Fischer (s/d) apontam as décadas de 70 a 90 como um
período de acentuado crescimento das indústrias, especialmente no sul do Brasil, e, portanto,
o grande atrativo para que milhares de micros e pequenos agricultores do estado do Rio
Grande do Sul migrassem da zona rural para o perímetro urbano, especialmente no Vale do
Rio dos Sinos. Esses “sobrantes” eram os agregados excluídos do meio rural, cujas condições
de trabalho e sobrevivência foram prejudicadas pelo processo de transformação da base
tecnológica da agricultura, que mecanizou as grandes propriedades de terras. “Excluídos” de
suas regiões de origem, vieram para as regiões urbanas em busca do emprego e salário fixo.
Impedidos de estudar em tempo próprio, são, em grande parte, estes e os filhos destes, os
sujeitos que hoje constituem o público das escolas de EJA. Nesse decurso, as profundas
modificações contextuais no que se refere às bases tecnológicas e o mercado globalizado
provocam ciclos de emprego-desemprego tanto para jovens e/ou adultos. Disponível em <
http://www.dhnet.org.br/educar/adunisinos/Antonio.htm>.
7
Renaud Sainsaulieu (2001), em artigo sobre “A identidade no trabalho ontem e hoje”,
aponta que esses excluídos compõem os trabalhadores sem carteira assinada, ou sem emprego
e sem domicílio fixo, que estariam substituindo os valores fortes do trabalho ( p. 58).
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dania de toda imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema escolar
por problemas encontrados dentro e fora da escola” 8. Nesses meandros, pressupõe assumir a “a condição humanizadora da educação”.9
As concepções do PROEJA e os fundamentos político-pedagógicos do currículo sugerem conhecer os sujeitos da EJA, legitimar o que
essas pessoas trazem do seu cotidiano vivo e vivenciado para dentro do
tempo-espaço escolar. Entre outros aspectos, ensejam ressignificar a
identidade “trabalhador”.10 Ana L. O. Pires (2007) afirma que, para legitimar os que as pessoas já sabem, é necessário o reconhecimento e a
validação das “aprendizagens experenciais” (p. 10). Essas aprendizagens são re-elaboradas a partir dos saberes não-formais e informais
adquiridos nos espaços de interação da pessoa consigo própria, com os
outros, com a vida, como conteúdos abertos, tácitos e invisíveis, que não
obedecem a uma lógica cumulativa e aditiva, mas de recomposição (id.)
Trilhando por esse caminho, torna-se igualmente fundamental estabelecer uma formação adequada aos docentes que irão mediar essa tarefa: ouvir e considerar suas histórias, seu trabalho... Quer dizer, uma
formação que permita ao educador ir para além dos elementos
epistemológicos e metodológicos: uma formação que reconstrua suas próprias trajetórias, seus saberes, suas esperanças, sem se esquecer de suas
“mazelas”. Esse “movimento” de ir e vir suscitará leituras de mundos
entrelaçados, tanto de educadores como de educandos, na compreensão
de escolhas profissionais, trajetórias de trabalho e não-trabalho11, embasando
o processo pedagógico no reconhecimento das experiências de vida dos
sujeitos a partir da autoformação e compreensão. Trajetórias de vida a
serviço do conhecimento de si e do outro, recuperando sentidos e significados do fazer pedagógico nos tempos atuais.
8
Eliezer Pacheco, DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2006, p. 03.
“[...] com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita
compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na melhoria das próprias
condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa” (DOCUMENTOBASE PROEJA, 2006, p. 3-10).
10
“Ouvir e considerar suas histórias e seus saberes, bem como suas condições concretas de
existência [...].[...] compreender que os sujeitos têm história, participam de lutas sociais, têm
nome e rostos, gêneros, raças, etnias e gerações diferenciadas (DOCUMENTO-BASE PROEJA,
2006, p. 40).
11
Nesse caso, abordar as transformações históricas do trabalho, as instabilidades no emprego, a
ausência dele em seu aspecto formal (carteira assinada), as fragilidades que compõem esse
campo, e redimensionar nosso olhar na direção dos trabalhadores sem emprego para além da
obviedade. Naira L. Franzoi (2006), valendo-se de Robert Castel, conta que “a novidade não é
apenas a retração do crescimento ou o fim do quase-pleno-emprego, [...] Para Castel, “o
trabalho [...] é mais que o trabalho, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego” (p. 36).
9
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Essa abertura torna-se necessária e urgente nos processos
educativos do mundo contemporâneo, em que pairam as incertezas de
uma educação que ainda cursa sobre um “leito” de velhas veredas.
Uma educação que ainda está sob a égide do enquadramento e da
determinação dos “saberes maiores”, que desqualificam, hierarquizam
e organizam os “saberes menores”, produzindo o disciplinamento dos
saberes. Os currículos atuais, mesmo que “abertos”, ainda elegem o
“científico e verdadeiro”, e, nesses meandros, o jovem e o adulto ainda
são perspectivados como dependentes e pormenorizados em seus saberes anteriores, que ainda não são considerados relevantes. Talvez aí,
no itinerário de ambos (educadores e educandos), haja encontros virtuosos capazes de promover a sensibilidade necessária para o encontro
dos saberes.
É importante destacar aqui que o propósito último deste estudo é
compreender educandos da EJA, mas exercitando, antes disso, a docência
reflexiva. Não estamos em campos opostos, nosso “reduto” é o mesmo.
Este artigo indica o uso de memoriais restaurados através de imagens12
e narrativas13 como um dos principais recursos na formação de educadores e educadoras. Saber ouvir e escrever os outros pressupõe ouvirse, escrever-se e inscrever-se em imagens, palavras e linguagens, constituindo-se em texto.
Como um “cadastro” in[corpo]rado, para alguns, a retrospectiva de
um mundo vivido ressoa em “movimentos” brandos, porém, para outros,
nem tão poucos assim, esse mundo se confirma em trajetórias nem tão
afáveis. O que podemos observar nos campos da EJA é que o fruir da vida
está “carregado” de adversidades que se constituem como verdadeiras
“fendas”, em que basta um “vento leve” que reanime as recordações de
12
O uso da imagem fotográfica como um recurso pedagógico supõe, inicialmente, aguçar as
nossas sensibilidades. Contemplar fotografias não se traduz em simples olhadelas, tampouco
é apenas “enxergar”, vai além, diz Sebastião Salgado (2003). O olhar contemplativo remete
a uma condição provocativa e singular diante da(s) figuras(s). Ao contemplar as imagens
como uma intervenção metodológica, utilizamos o objeto fotográfico como parte de uma
história, constituindo ele próprio um princípio de memória (id.). Em Maria Ciavatta (2002):
“[...] As fotografias são como monumentos que traduzem valores, idéias, tradições e comportamentos que contribuem para a identidade familiar e orientam formas de ser e agir” (p.
34-35). Acrescento aí que as imagens contribuem para a captura da identidade do sereducador[a] e, conseqüentemente, do ser-educando[a] na EJA.
13
Bastos (2003) traz as narrativas e as vivências de um professor contextualizadas historicamente, numa perspectiva de construção do tempo presente: “o prazer em revelar as inúmeras vivências, de contextualizá-las na busca de reflexão crítica, de valorizá-las diante da
elaboração do tempo presente, intenta construir o vivido na perspectiva de esclarecer, em
parte, o enfrentamento dos desafios epistemológicos do trabalho docente, em que as motivações de vida estão intimamente ligadas. O pessoal e o profissional fazem parte de uma
totalidade: o eu” (p. 167).
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um tempo vivido para que sintam as “dores” de sempre. Talvez aí, no
indissociável passado e presente, estejam os saberes, os conhecimentos,
as revelações e as “aprendizagens experenciais”, suscetíveis na promoção de novas possibilidades. Para a compreensão dessas “idas e vindas”,
as contribuições de Edward P. Thompson14 são expressivas. Para
Thompson (2002, p.13), o que diferencia a educação de adultos são as
experiências que se tramam no cotidiano do sentir e fazer pedagógico:
A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais radicalmente, todo processo educacional; influencia os métodos de ensino, a
seleção e o aperfeiçoamento dos mestres e o currículo, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo (id.).
Não se trata, aqui, de abrandar a cultura científica e sistematizada
e dar espaço apenas para a experiência viva e vivida. Mas, sim, dar
visibilidade e voz no re-conhecimento da história daquele cuja trajetória
e identidade pertencem a uma cultura anterior e que está sendo continuamente informada e reafirmada. Ora, essa problemática inclui educadores e educandos no mesmo “barco”, pois quando se trata da formação
de adultos, quer seja na escola básica ou no ensino superior, não há como
desdenhar a relação recíproca e dialógica entre os protagonistas em cena.
Em Thompson:
[...] nenhum educador que se preze pensa no material a seu dispor como
uma turma de passivos recipientes de educação. [...] nenhum mestre provavelmente sobreviverá a uma aula – e nenhuma turma provavelmente
continuará no curso com ele – se ele pensar, erradamente, que a turma
desempenha um papel passivo (id., 2002, p. 13).
Embrenhar esses campos “metamorfoseados”, tanto na escola
como na vida cotidiana, é, antes de qualquer coisa, saber aprender. Em
Bernard Charlot (2000), saber/aprender é uma relação/ligação entre o
sujeito e o mundo, com ele mesmo e com os outros. Esse “mundo como
um conjunto de significados, mas também como espaço de atividades
que se inscreve no tempo” (p.77). A relação de saber/aprender nas
dimensões que se interpenetram e se supõem uma a outra: o presente, o
passado, o futuro.
14
Célia Vendramini (2006) busca contribuições em Thompson para a apreensão dos saberes
produzidos do/no trabalho. Comenta que o
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A apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição em uma
rede de relações com os outros – ‘o aprender’ – requerem tempo e jamais
acabam. Esse tempo é o da história: a espécie humana, que transmite um
patrimônio a cada geração; a do sujeito; a da linhagem que engendrou o
sujeito e que ele engendrará. [...] Esse tempo não é homogêneo, é ritmado
por ‘momentos’ significativos, por ocasiões, por rupturas; é o tempo da
aventura humana, a da espécie, a do indivíduo.
Mas, onde começa o saber? Yves Schwartz (2003) traz apontamentos que re-ligam o saber às atividades de trabalho. Para o autor, toda
atividade de trabalho é atravessada de história, pois nenhuma situação
humana reúne com ela tantas marcas de debates da história das sociedades humanas quanto as situações de trabalho: “[...] toda atividade de
trabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas,
nos dispositivos coletivos; toda situação de trabalho está saturada de
normas de vida, de formas de exploração da natureza e dos homens uns
pelos outros” (id., p. 23). O autor continua;
[...] Se o trabalho é atravessado pela história, se nós “fazemos história” em
toda atividade de trabalho, então, não levar em conta esta verdade nas
práticas das esferas educativas e culturais, nos ofícios dos pesquisadores, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização do
trabalho e também nas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, é
mutilar a atividade dos homens e mulheres que, enquanto “fabricantes” de
história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência novas
tarefas para o conhecimento(ib.).
Então, o saber, segundo Schwartz, “[...] começa nas profundezas
do corpo, com aquilo que existe de mais singular, de mais histórico, de mais
impalpável numa situação de trabalho” (id., p.26). Este é o ponto: o corpo
é lócus, produtor de saberes, movimento, mas não só. É ele mesmo um
saber quando redesenha, em sua superfície viva, as cores, o aroma, as
marcas visíveis e sensíveis para si mesmo e na reciprocidade para com os
outros. O corpo é saber quando ele próprio, enquanto corpo-sujeito, “sabe
usar-se” como parte de uma trama que envolve outros saberes. 15 O corpo
é saber em suas múltiplas linguagens e torna-se o grande interlocutor da
experiência humana. Ponderando sobre o corpo, Schwartz (2000), na relaautor problematiza a realidade para além dos muros da escola. Capta os movimentos que
constituem os sujeitos, considerando os saberes do trabalho, contexto, as condições objetivas
do trabalho e da educação, sem abrir mão do sujeito em sua dimensão subjetiva e as experiências constituídas coletivamente pelos sujeitos socais (p. 123).
15
Com base em Eloisa H. Santos (2006), é necessário cautela para as concepções que
naturalizam os saberes tácitos. Em muitas situações de trabalho o “uso do corpo” é um dos
aspectos que confere habilidade a trabalhadores.
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ção entre o sujeito e o seu trabalho (entre o dizer e o fazer), comenta que
há sempre uma relação problemática: nem tudo se diz, e tanto o dizer
como fazer estão resguardados em si naquilo que o corpo sente, portanto,
“o dizer não recobre o fazer” (id., p.05). Para Schwartz, no mundo do
trabalho, há toda uma tendência de redução e simplificação do trabalho às
tarefas em si. Isso quer dizer que somos avaliados pelo que realizamos ou
produzimos de uma forma palpável, visível. Essa “diminuição” do fazer
nos leva a restringir o outro às instruções e ao que se exige desse outro em
termos de produção. Não se vê a complexidade, o que o outro faz/sente
para gerir (ou digerir) todos os seus problemas, isto é, não se vê na atividade do trabalho toda a subjetividade humana que a envolve - “as dramáticas
do uso de si” ou o uso do “corpo si”, no sentido de que “o corpo nunca está
colocado fora de jogo”, como bem diz Schwartz (2003, p.06-15). Para o
autor, quando então “as dramáticas do uso de si” são compreendidas, não
se pode mais simplesmente dar instruções, não se pode manipular o trabalho e suas relações aí imbricadas como algo meramente mecânico.
Adentrando no mundo da escola de jovens e adultos, que, muitas
vezes, assemelha-se com ou reproduz a sistemática do mundo do trabalho,
em seus tempos, tarefas e exigências, vamos perceber que essa tendência
reducionista, prevista pelo autor, aparece novamente. Muitas vezes, no
espaço-tempo escolar, excluímos toda a trama que envolve o cotidiano de
jovens e adultos, e delimitamos o olhar apenas ao visível da tarefa em si.
Porém, se então compreendermos a subjetividade que abarca a condição
humana ou “as dramáticas do uso de si”, as relações mudam. Nesse caso,
deixaremos emergir o corpo-sujeito e entraremos no mundo singular do
trabalhador-estudante, compreendido em toda sua inteireza – em sua
corporeidade.Isso é significativo quando de trata da educação de jovens
e adultos, pois diz respeito a vidas humanas envoltas pelos saberes adquiridos, especialmente nas atividades do trabalho, e mais: significa
redimensionar a tarefa em si e olhar para a invisibilidade do mundo do
trabalho e não-trabalho16. Ao transferirmos essa concepção para os trabalhadores-estudantes, então, no chão-da-escola, lá onde se via apenas
um mero estudante, vê-se agora um corpo-trabalhador-estudante-histórico-enigmático-esperançoso-humano, fazendo “uso de si”. Nessa concepção, estaremos vendo o outro como alguém com quem vamos apren16
Naira L. Franzoi (2006, p. 36), valendo-se de Robert Castel, conta que “o trabalho [...] é
mais que o trabalho, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego”. Penso que talvez
seja necessário, aqui, considerar o contingente dos sujeitos da EJA, suas trajetórias de trabalho e não trabalho, e redimensionar nosso olhar em relação à essa dimensão, para além da
obviedade.
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der coisas, saber o que fez/faz, como fez/faz e por que fez/faz, quais são
seus saberes e como elas têm sido debatidas e legitimadas.
Sem esquecer o propósito do PROEJA, que é promulgar a “perspectiva sensível” da formação continuada de professores, é imprescindível considerar essa modalidade pormenorizando os sujeitos na atividade
do trabalho, e isso nos entrelaça na mesma arena de significância. Revisitando nossas trajetórias pregressas, veremos que somos o legado de
um modelo de escola e de educação que “conforma”, “adapta”, “ajusta”, “modela”, “silencia” e “enclausura” comportamentos e indivíduos.
A ruptura necessária e urgente passa necessariamente pela reflexão da
educação como fenômeno social, cultural e histórico, estreitamente vinculados ao ser e estar sendo educador e educadora na atividade do
trabalho. Então, deixemos o corpo-educador[a] falar...
O tempo-espaço da escuta de si: o que contam
os “corpos-sujeitos” via memorial formativo?
Educadores e educadoras estão sempre dizendo, mas desejam se
contar ainda mais, e contam... Para Cláudia Klinski, narrar a sua história
é, antes de qualquer coisa, confessar seus sonhos! “É reconstituir a
própria existência.”
[...] o memorial é ‘uma descrição com muitos pormenores de uma realidade vivida’. O conteúdo de um memorial diz respeito às emoções, crenças, valores, ansiedades, medos, contradições, prazeres, desprazeres do
indivíduo. Enfim, é o registro escrito de situações vivenciadas, das relações intra e interpessoais. [...] Além de considerar este memorial autoavaliativo, acredito que ele acaba se tornando um instrumento
confessional de meus sonhos (CLAUDIA KLINSKI, Memorial Formativo Curso em PROEJA, dez. 2006).
Na autocompreensão, em que reconta as experiências e a escuta
silenciosa de si, Cláudia promove os elementos necessários para que
possa retomar o exercício da escrita e se dizer contando suas incertezas, seus desafios, fazendo relações com as influências estabelecidas, os
diferentes lugares e os sujeitos que auxiliaram em sua trajetória e escolha profissional. Deixa evidente a escolha em ser educadora quando diz
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que “tinha certeza de que [...] queria trabalhar com pessoas, com
educação” (id.). 17
Memoriais são janelas! Quando abertas ou apenas espiadas de
forma reflexiva, nos fazem perguntas. Temos, porém, liberdade para
respondê-las, ou não. Elisete B. Garcia (2006), por exemplo, expressa,
em seu memorial, uma trajetória desejante pelo saber, que constitui, por
si mesmo, um saber singular: “não pretendo ficar presa ou limitada a
essas lembranças e vivências, porém elas, de alguma maneira, me
mostram que não devo esquecê-las [...]”.Entre sinuosidades
contextuais e sonhos, narra:
Fiz as séries iniciais numa escola rural, a qual tinha somente até a 4ª
série, com turmas multisseriadas, sem biblioteca, e os livros didáticos
disponíveis eram apenas os fornecidos pelo MEC. A cidade só tinha uma
escola com séries finais, que ficava aproximadamente a oito quilômetros
da minha casa. Não tínhamos carro, e os únicos meios para nos deslocarmos era a pé ou de bicicleta [...]. No entanto, decidi que de alguma
maneira eu queria continuar estudando, e com apenas 11 anos de idade
saí de casa para morar com outra família e trabalhar [...]. Fui descobrindo que a luta pela escola pública não se dava apenas com a conquista de uma vaga, mas muita coisa estaria aí em jogo, como, por exemplo, chegar até a escola e como sobreviver dentro e fora dela (ELISETE
B. GARCIA, Memorial Formativo, Curso em PROEJA, dez., 2006)18.
As relações e a história construída pela narradora não apenas são
anteriores à escola como mesclam e circundam esses campos. Há um
conjunto de situações, entre elas o trabalho, que a antecedem e que
posteriormente se inscrevem aos espaços institucionalizados. O que podemos afirmar é que há uma gama de situações que exercem influência
incisiva e determinante em nossas escolhas outrora feitas e que nos constituem nos dias atuais. Somos uma complexa rede de relações. Maria do
Carmo Canani19 refere-se ao período da infância como um tempo significativo com relação ao “estar sendo” educadora nos dias de hoje. Há,
em seus escritos, um ir e vir contínuo, do passado que ainda é.
17
Atualmente Claudia Klinski atua como orientadora educacional em uma escola técnica
estadual.
18
Atualmente, Elisete B. Garcia atua junto à Secretaria Municipal de Educação Esporte e
Lazer (SMED) de São Leopoldo como Supervisora das escolas com EJA.
19
Maria do Carmo (a criança da fotografia) faz do seu memorial uma “Carta para Maria
Antônia”, sua filha. Traz, subentendido, o desejo de deixar o registro documental para sua
legatária. Se isso terá influência sobre o futuro profissional de Maria Antônia, somente o
tempo dirá. Entretanto, que já tem uma extensão educativa nesse processo, certamente não
duvido. Atualmente, a narradora atua na Secretaria Municipal de Assistência Social em São
Leopoldo, na formação de Educadores e Educadoras.
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Fig. 1 “Carta para Maria
Antônia”
Da infância pobre, lembro poucas
coisas (muitas, talvez, não queira
lembrar). Lembro-me, por exemplo,
de que, por volta dos oito anos,
pedia livros emprestados a um
vizinho para poder ler (minha
grande paixão, que me levaria, anos
mais tarde, a cursar Letras).
Lembro-me, também, de que, desde muito pequena, brincava de aulinha num quarto
velho de minha casa, elegendo como alunos alguns bonecos de papel que eu
construía e colava nas cadeiras, como se fossem gente (MARIA DO CARMO
CANANI, Memorial Formativo, curso em PROEJA-UFRGS, 2006) (fig. 1).
Quando rememoramos o passado, não há como evitar as “marcas”
dos corpos de ontem nos corpos de hoje. As lembranças de Bernhard
Sydow em suas trajetórias contextualizadas, em muito se assemelham
às histórias de imigrantes deste país. As origens germânicas - o pai, um
Pastor Luterano, e a mãe, Professora, “das Deutsch Gespräch” (a
fala alemã) - são a base familiar que o constitui. Para Bernhard, os
textos que marcam seu corpo e as pequenas transgressões que, segundo
ele, apenas se insinuam no memorial, são da moral protestante:
Fig. 2 “Tio-avô de Berlim, mãe, irmão, tia, prima, pai, avô e Bernhard”
Cursei minha pré-escola no “Deutscher Kindergarten” da Sociedade Germânia.
Ficava na Ramiro. Lembro que não sabia falar português. Fiz trabalhos manuais
de trançar papéis formando figuras.Cantei “Escravos de Jó” sem entender uma
sílaba. Aprendi a escrever o meu nome numa pauta caligráfica. Was ist “escravos?”
(BERNHARD SYDOW, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006)
[Grifos do autor]
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O corpo-sujeito histórico está empapado das experiências vividas. Bernhard, que atualmente é músico do Projeto Prelúdio da UFRGS,
apesar de ter aprendido a tocar harmônio com seu pai, sob regras duras,
“sentidas literalmente na pele”, como ele mesmo conta, exalta, em seus
escritos e imagens, as experiências positivas trazidas ainda da infância:
“[...] resolvi ser músico aos seis anos de idade, quando o lugar em
que eu estudava foi visitado por um chantre, o Kantor Mayer, que
me deixou fascinado com a maneira de tocar harmônio e com a arte
de improvisar”(id.). Para Bernhard, além da experiência musical na
infância, a oportunidade de poder trabalhar no Projeto Prelúdio (UFRGS)
foi decisiva para a sua opção profissional. Na reconstrução de si mesmo,
Bernhard exalta o aprender com o outro, sobretudo, o “aprender
trabalhando”, inicialmente com aquele que fora uma de suas fontes
motivadoras - o seu “melhor professor” - mas, também, o “aprender
com cada aluno”:
Não usava livro, não ditava conceitos, não ditava fórmulas, fazia
demonstrações, fazia a gente refletir, deduzir, concluir, contextualizar
historicamente. Meu melhor professor: Ernest Julius Sporket, 09/01/1928
- 06/03/1999. Era mais do que empirista. Era também sábio, mago e
poeta. Foi um dos artesãos do Museu da PUC [...] Resolvi ser professor
de música porque desafia reinventar maneiras a pensar de outras maneiras, a arte, o jogo simbólico. Recriar formas, incentivar a autoria. Aprender com cada aluno. Porque dá prazer, alegria, prestígio, pertença,
contemporaneidade. Companheirismo... (id..). (BERNHARD SYDOW,
Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006). [grifo meu]
Os memoriais inspiram e potencializam os elementos essenciais no
ensinar e aprender, pois se traduzem em conhecimento de si, do outro, da
escola em situações de aprendizagem. Portanto, o “visível” e ou o “invisível” dos escritos revelam sinais e expressam as múltiplas histórias do contexto familiar, da história de vida, da escolha profissional e da própria escola, que se alastram no cotidiano de educandos e educadores. Apesar das
limitações deste texto, percebemos que, através das imagens e narrativas,
os sujeitos expressam uma ascendência que tem raiz num espaço-tempo
que remete à infância. São saberes (sabores) necessitados de legitimação
e que produzem a clara significância dos processos de ensinar e aprender.
Em Tardif e Raymond (2000), educadores e educadoras pensam “com a
vida”, com o que foram e são, com o que viveram e vivem, com aquilo que
acumularam em termos de experiência a partir de suas histórias, não somente intelectual, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal.
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(p. 235). Para mim, essa afirmação é extensiva a educandos e educandas
da EJA. Isso quer dizer que estamos enleados em, entre e através das
nossas próprias histórias, que nos proporciona, sim, um lastro de certezas a
partir das quais compreendemos e interpretamos as novas situações que
nos afetam e constroem a continuação.
Observa-se que, em muitos casos, a infância penosa, os métodos
austeros, os diciplinamentos, os grandes esforços para realizar a tarefa
de estudar vão permeando as vidas dos sujeitos, desenvolvendo nelas a
capacidade reflexiva e crítica ante as contradições da vida. Elisete B.
Garcia narra sua trajetória como se ainda estivesse sentindo as “dramáticas do uso de si” preditas por Schwartz (2000), e talvez, esteja. Toda
sua história se mantém como forte indicadora na escolha pelo magistério, no “estar sendo” educadora e, certamente, no fruir pedagógico que
hoje realiza:
Vivi a maior parte da minha juventude na encruzilhada entre enfrentar a
pobreza do mundo, fora da vida religiosa, ou deixar vencer a esperança
de poder romper com as grades que impediam de lutar pelos ideais que
me alimentavam naquele tempo[...]. Até que decidi enfrentar a competição do mundo do trabalho e, apesar de estar longe da família, não ter
uma casa, estar sem emprego e sem dinheiro, eu tinha a esperança que
me movia.[...] Fiz Magistério na escola pública e foi a formação recebida que me possibilitou trabalhar em uma instituição que atendia a meninos e meninas que viviam na e da rua. Aprendi que a sociedade podia ser
mais excludente daquela que eu vivia e conhecia. Foi quando comecei
entender que a mudança passava pela sociedade organizada e não somente pela educação (ELISETE B. GARCIA, Memorial Formativo, Curso
em PROEJA-UFRGS, dez., 2006).
Retomo aqui a relevância das singularidades que permeiam as
trajetórias da formação docente e, sobretudo, a percepção do que trazem para dentro dos espaços e tempos que hoje constroem, na observação de si mesmos e dos múltiplos sujeitos com os quais aprendem e
ensinam o tempo todo, isto quer dizer, ensinar e aprender com histórias
de outros e outras e, sobretudo, na experiência do encontro da minha
história com a história do outro e da outra:
As pessoas só se educam pela necessidade, cumplicidade e solidariedade, buscando compreender humanitariamente o mundo para nele poder
intervir, o que nos faz descobrir que nesse processo não há educadores e
educandos, pois todos somos educandos-mestres-trabalhadores (MARIA DO CARMO CANANI, Memorial Formativo, Curso em PROEJAUFRGS, dez., 2006).
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Não somente ela, mas Maria do Carmo ratifica a significância deste texto, quando denomina seus protagonistas de “educandos-mestrestrabalhadores”. Isso faz sentido e possui valor ímpar sobre o olhar
sensível do qual nos fala o PROEJA, trazendo a esperança fundante que
permeia os profícuos campos da escola, que afetam sempre as vidas vidas humanas. Somos história! Somos a história que compartilhamos
no passado, os lugares por onde passamos, as pessoas com as quais
conversamos, tocamos e que, no inseparável ontem e o hoje, nos tocam
sempre. É mais ou menos assim que as experiências vividas encarnam e
entrelaçam o presente. Experiências, essas, formadoras de histórias, de
sentido, de linguagens e significados que vão edificando, ao longo do
tempo, as histórias de todas as gentes. O que conta, no final, é o que
fica... E, certamente, TUDO FICA...
Creio que haja ainda muitas coisas a dizer, a contar... “Coisas” que
estão por dentro de tantas outras. Assim, não concluo, antes, sinalizo o
começo de novas perspectivas. Pois, na maioria das vezes, ao término
de uma “empreitada”, se cumprimos com parte dos afazeres (perguntas), temos, na contrapartida, ainda uma longa jornada de inquietudes
(respostas). Então, se, de acordo com o Documento-base PROEJA, o
que se “pretende é a formação humana”, creio que os desafios que hoje
embrenham a educação e o trabalho demandam outros olhares para a
educação de jovens e adultos. A perspectiva do PROEJA está “ancorada” na sensibilidade dos sujeitos que o compõem: educadores e educandos.
Faz alusão à possibilidade de perceber a vida humana como histórica e,
portanto, uma relação dialética entre pretérito, presente e futuro. Na
tentativa de compreender velhos problemas e no encontro de novas saídas, educadores e educadoras, ao abrirem suas janelas para dentro e
para fora, poderão, na rememoração, construir um canal mediador no
conhecimento de si, para si mesmos e na inter-relação com o outro e a
outra, sobretudo, no olhar alargado para jovens e adultos na atividade do
trabalho e não-trabalho. Se na contemplação da trajetória pregressa e
no exercício da atividade docente produzimos história, desejo aqui
esperançar que a reflexão crítica sobre esse processo poderá fornecer
os elementos necessários para novos projetos na educação/formação de
jovens e adultos, produzindo novos conhecimentos, novas perspectivas
pessoais, profissionais e sociais, e, por que não dizer, novas e boas histórias. À medida que as “quatro paredes” se rompem, há a permissividade
de que os sujeitos vivam a experiência subjetiva do encontro em suas
raízes e especificidades. Se somarmos as nossas tarefas e as “dramáticas do uso de si”, como diria Schwartz (2003), com as “dramáticas” dos
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outros, o trabalho na educação terá sabor e cheiro de legitimidade e de
sensibilidade, pois estará imbuído de corporeidade e humanidade histórica. O que faz um educador exercer sua docência são suas origens, suas
histórias, seus saberes, mas, principalmente, o que faz na difusão desses
saberes no exercício do ensinar/aprender, que envolve sempre atividades humanas.
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uma proposta. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio & CUNHA, Maria Teresa
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O Fazer Pedagógico no PROEJA do
Centro Federal de Educação
Tecnológica de Bento Gonçalves
Maria Teresinha Kaefer e Silva1
Simone Valdete dos Santos2
Introdução
Com data de 13 de julho de 2006, sob o número 5.840, veio para
movimentar a esfera das escolas públicas federais e para muitos como
um “Tisuname” o decreto que institui o PROEJA - Programa Nacional
de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Com abrangência no que
tange à formação continuada de trabalhadores, educação profissional
técnica de nível médio. Os cursos têm o objetivo de elevar a escolaridade dos trabalhadores, bem como a profissionalização dos mesmos, proporcionando a sistematização dos conhecimentos adquiridos até então.
Este artigo refere-se ao processo de implantação do PROEJA no
Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves (CEFETBG), a luz da obra de Paulo Freire, descrevendo uma proposta de formação inicial e continuada dos educadores, embutido nela pressupostos
metodológicos e de avaliação. Para isso foram utilizadas entrevistas com
cinco dos dez educadores que compunham o grupo de docentes, bem
como os registros sistematizados dos momentos de formação. Espaço
1
Professora da rede estadual de Ensino do RS, atualmente diretora do Neejacp (Núcleo
estadual de educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular) Metamorfose de Bento Gonçalves. Concluinte da turma de Especialização do PROEJA de Bento Gonçalves.
2
Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação Profissional
Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos de Maria Teresinha Kaefer e Silva o qual originou o presente artigo. Dra em Educação
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de pesquisa que descrevo e analiso, sendo que fiz parte deste processo
como pesquisadora e assessora do grupo de docentes do PROEJA do
CEFET-BG, por aproximadamente 11 meses.
O PROEJA veio de fato, para ser uma mola propulsora de mudanças no sistema educacional vigente em nosso país, especialmente na
formação profissional dos trabalhadores. Certamente é necessário que
se reveja à importância da relação professor-aluno na construção de
uma prática educativa humanizadora, calcada na possibilidade de mudança das relações de poder.
Nesta direção que o PROEJA é um espaço esperançoso de sedução de educandos e educadores. Jaime Zitkoski em seu artigo FREIRE
E A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA (2006, p.1-2) nos diz que:
[...] Esperança, não é espera vazia, mas uma paciência impaciente que só
tem sentido na luta por um mundo melhor, mais humanizado e possível de
vivermos juntos às diferenças, mas com dignidade para todos. A educação
é desafiada a trabalhar a esperança na emancipação social, revendo
paradigmas que já não têm potencial explicativo da realidade e/ou mostram-se limitados diante da complexidade do nosso mundo atual [...]
O PROEJA no CEFET- BG
Mesmo vindo esta mudança por decreto, seguramente está pautada nos princípios de universalização à educação, numa concepção
humanista de ser humano, trabalho e sociedade, na garantia do resgate
do sujeito como ser de direito, em uma rede de Educação que não oferecia Educação de Jovens e Adultos, como é o caso da Rede Federal de
Educação Básica. O Documento Base do PROEJA deixa muito claro
essa idéia quando diz que:
Esta política precisa ser gestada na sociedade e o que se aponta é a necessidade de o Estado como poder político que se exerce em nome de uma
nação responsável pela garantia dos direitos fundamentais assumir o comando e a responsabilidade deste processo diante das disputas pela
hegemonia, da concentração de poder econômico e político e dos efeitos
da globalização (Proeja, 2006, p.30).
Um dos momentos de atração entre o programa – PROEJA e os
educadores do CEFET-BG, foi a composição em primeira instância de
um grupo de estudo de docentes para a construção da proposta pedagógica do curso deste Estabelecimento de Ensino.
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Foi oferecida ocasião de discussão via SETEC-MEC, entre os diferentes CEFETs, encontros de gestores em outubro de 2005.Aconteceram
encontros locais com o grupo de professores, para estudo do documento
base, com alto grau de encantamento desses envolvidos.Outro momento
foi o da escrita da proposta pedagógica do CEFET - BG, neste processo
todo, teve troca de experiências com escolas estaduais, municipais para
“ouvir” metodologicamente os caminhos trilhados por cada uma, contribuindo na construção do PROEJA desta instituição.Entre as instituições que
participaram da socialização estavam Escola Municipais: Anselmo Luigi
Picolli, Princesa Isabel, (representados pela SMED), o Neejacp Metamorfose (Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos). Certamente
esses foram momentos decisivos para a implantação do PROEJA no
CEFET-BG, os educadores puderam visualizar a EJA de diferentes maneiras, com diferentes concepções. Cada uma das instituições que apresentaram, deu ênfase à metodologia, à avaliação, cada qual dentro do seu
processo de construção política pedagógica da escola.
Houve momentos de muita angústia, muitos questionamentos. Um
dos principais pontos foi o diferencial do ensino profissionalizante, as
indagações de como seria feita essa integração entre as disciplinas da
formação geral e aquelas que se enquadrariam dentro da questão
profissionalizante. Para entender esse processo de totalidade dentro de
um curso com formação geral e profissional é necessário dar-se conta
que pode haver um equilíbrio na nossa mundanidade e isso se pode reportar para a concepção de PROEJA e seu processo de integração: “A
formação enquanto reflexão crítica intervém para indicar o sentimento
que se quer imprimir ao processo educativo” (Feil, 1997.p.14).
Certamente a dicotomia existente entre o conceito de formação integrada vem da falta de articulação do Ensino Médio como conhecimento
geral e do profissionalizante como conhecimento restritamente técnico.
Marise Ramos em seu artigo “Possibilidades e Desafios na Organização
do Currículo Integrado”, 2005 p.106 nos mostra que isso não é privilégio
de um ou de outro Estabelecimento de Educação, é histórico “Um projeto
de ensino médio integrado ao ensino técnico [...] deve buscar superar o
histórico conflito existente em torno do papel da escola, de formar para a
cidadania ou para o trabalho produtivo e, assim, o dilema de um currículo
voltado para as humanidades ou para a ciência e tecnologia”.
A história do Ensino Médio integrado e suas controvérsias têm respingos no PROEJA, visto que a concepção dos educadores é oposta a
de que a integração deve favorecer segundo Saviani, (1989), o domínio
dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o
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processo de trabalho produtivo moderno ,dando completude um ao outro,
não como partes estanques que compõem um mesmo certificado.
Seguindo a linha de reflexão de Frigotto (2005) é preciso rever os
aspectos que dizem respeito ao trabalho como meramente uma ação
mecânica, na qual o planejamento fica para alguns e a realização das
tarefas para outros. Precisamos superar essa dicotomia, trazendo para
dentro dos currículos escolares a compreensão do trabalho como espaço
educativo, redefinindo as relações entre conteúdo e conhecimento.
Nesta concepção é necessário ter claro, o trabalho como princípio
educativo, buscando espaços para qualificar as relações no mundo do
trabalho. Para isso precisamos nos convencer que o educando tem de
ser visto na sua totalidade de sujeito, só assim a educação terá seu caráter de totalidade social. Então o que é integrar? Segundo Gramsci, apud
FRIGOTTO p.84,2005:
(...) Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo,
no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/ trabalho intelectual,
de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores, capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.
Era visível a preocupação dos educadores do CEFET - BG em
relação ao que ensinar como ensinar e quem eram os sujeitos. Considerando que os educandos do CEFET-BG sempre foram sujeitos que vieram em busca do Ensino Técnico, advindos de escolas regulares, adolescentes para os cursos concomitantes e jovens para o subseqüente. Também cabe ressaltar, que a maioria do corpo docente da instituição é profissional com formação técnica, com uma visão mais conteudista.
Aparece claro na fala dos educadores quando da excessiva preocupação com o conteúdo (que seja igual ou o mais próximo possível dos
outros cursos), em nome da preparação para o vestibular, da qualidade e
da preservação do nome da instituição no rol das melhores escolas
(elitização da educação), sempre voltado para o vestibular, ou seja, a
supervalorização do saber científico. “Refiro-me aos interesses políticos
e ideológicos que estruturam a natureza do discurso e das relações sociais em sala de aula” (Giroux, 1997,p.162).
Com isso é importante que se esclareça a centralidade da ênfase
curricular do PROEJA a qual não corresponde à mera aquisição de conhecimentos e, tampouco, uma menor “profundidade” ou uma abordagem resumida. O currículo do PROEJA agrega um caráter desafiador,
esperançoso e de real importância para aqueles trabalhadores a serem
“atingidos” por ele.
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A ressalva ao modelo tradicional de currículo, vem da preocupação
para quem está sendo direcionando o PROEJA, e o cuidado necessário
com a evasão desses trabalhadores. A mediação exata entre o que se
quer como educador e o que os educandos querem como sujeitos do
processo. É possível trabalhar conteúdos científicos, como, por exemplo:
elementos da tabela Periódica relacionando-os com a prática do trabalhador da metalúrgica, podendo haver uma integração entre a apropriação histórica social à formação científico-tecnológica do processo.
(...) capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética e
competente, técnica e politicamente, visando à transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos especialmente os da classe trabalhadora. (Documento base do PROEJA, 2006, p.33)
Buscando o comprometimento dos envolvidos, desenhou-se um trabalho de formação continuada voltada para ação-reflexão-ação, num
conjunto de discussões, embasamentos, teorização da prática, garantindo a interlocução entre todos os sujeitos desse processo. O objetivo principal da formação inicial e continuada era a de instrumentalizar os educadores do PROEJA, em relação à importância de um trabalho integrado, interdisciplinar, visualizando o currículo, a metodologia e a avaliação
como partes do processo de ensino – aprendizagem.
Foi com o intuito de comprometimento com o programa que inicialmente foi oferecido aos educadores uma formação inicial com aproximadamente 40 horas, na qual foi trabalhada especificamente a concepção de EJA na perspectiva humanizadora, respeitando a diversidade sócio cultural, de valores, de gênero, etnia, de idades, assim como o compasso da aprendizagem de cada um e cada uma,considerando as experiências do mundo do trabalho. Não esquecendo as exigências do mercado de trabalho, dos encargos familiares, aliás, lembrando que até então,
estas pessoas sobreviveram de algum modo, sustentaram suas famílias
antes de adentrar a escola, especificamente a EJA. Por isso a importância de não somente oferecer acesso, mas garantir a permanência desses
sujeitos e um ensino de qualidade.
Nesta seqüência de temas, trabalhou-se com a idéia básica do que
venha ser conhecimento, partindo da construção da leitura e da escrita
na articulação dos saberes construídos no exercício da cidadania para a
inserção no mundo do trabalho. Segundo Paulo Freire (1996, p. 32) “Não
há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. [...] Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago [...]”. Pesquiso para
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constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.”O Proeja
estava posto como um desafio para esses educadores, exigindo que cada
um repensasse, pesquisasse e estudasse sua prática docente. “Por outro
lado, estes sujeitos tornavam-se ainda mais agentes na construção do
processo de ensino-aprendizagem, onde nada pode ser feito sem comprometimento e envolvimento.
Um dos pontos interessantes trabalhados na formação inicial foi à
questão do currículo: concepção de currículo; o currículo que se têm os
ruídos-nós3, Currículo que se quer; (currículo que seja coerente com
nossa proposta de Educação). Como o próprio documento do Proeja
(2006, p.36) diz: “na busca de priorizar a integração, os maiores esforços
concentram-se em buscar caracterizar a forma integrada, que se traduz
por um Currículo integrado”. (...) Trabalhar os conteúdos estabelecendo
conexões com a realidade do educando, tornando-o mais participativo:
(2006 p.47). Uma concepção crítica, reflexiva, dialógica, que seja capaz
de problematizar a realidade, numa relação entre teoria e prática, que
contemple o conteúdo programático, numa abordagem
interdisciplinar.Ressalto com isso a função qualificadora que vem ao
encontro de um currículo voltado para a “gentetude” (expressão freiriana)
do sujeito. Conforme o Parecer CNE/CEB 11/00:
(...) A função qualificadora é também um apelo para as instituições de
ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático
que seja permanente enquanto processo mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da
comunicação.
O processo seguiu-se fortalecido com a idéia da formação de conceitos como cidadania, autonomia, transcendência e muitos outros que
norteariam os pressupostos metodológicos e de avaliação para o curso
todo, sendo construído os Planos de Trabalho de cada disciplina.
No Documento base do PROEJA, (p.48,2006), já se desenhava
esta linha de ação:
A abordagem por meio de esquemas conceituais: Foco em conceitos
amplos,conceitos escolhidos que mantêm conexão com várias ciências,
cada conceito é desenvolvido em diversos contextos,cada conceito é enriquecido pelas diversas contextualizações.
3
Nós e ruídos: são as tensões provocadas pelo currículo escolar em não atender as necessidades dos educandos e as exigências do mundo do trabalho, de maneira integrada, que possa e
fetivamente contribuir no desenvolvimento integral dos sujeitos.
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Após o embalo da formação inicial, houve uma imensa indagação dos
educadores em relação às contradições que eles apontaram como: a beleza
das palavras de uma educação diferente e a frieza da realidade do mercado
de trabalho, que cobra dos sujeitos resultados positivos (de acordo com a
visão mercantilista de sociedade), e que está aí, como à questão do vestibular, a competitividade no trabalho, entre tantos outros argumentos.
Sabe-se da importância de trabalhar as contradições existentes num
grupo, do conflito para superação dialética, que segundo Feil (1997) venha desencadear numa militância social. Essas contradições aparecem
muito fortes no grupo de educadores do CEFET-BG, quando do
questionamento da validade da metodologia, baseada nos princípios de
uma educação para a construção da autonomia dos sujeitos, parecia que
então, não se dava mais conteúdos, que o rigor científico ficaria de lado.
“Quanto mais metodicamente e rigoroso me torno na minha busca e na
minha docência, tanto mais alegre me sinto e esperançoso também”
(Freire, 1996, p.160).
Com todos esses acontecimentos, iniciou-se as aulas com o grupo
de educadores, fazendo-se necessário então a formação continuada,
acontecendo no princípio semanalmente, na sexta-feira à tarde. O grupo
era constituído por professores contratados na sua maioria e alguns
concursados. Nem sempre contava com a participação e o compromisso de todos os educadores, por motivos diversos. Essa constatação encontra-se na fala de uma educadora entrevistada, quando questionada
em relação à participação do grupo nas formações: “Houve uma participação parcial, existe diferença entre gostar da idéia e a de acreditar, se
comprometer com o processo”.
A formação era um espaço de garantia para socialização das
experiências vividas, planejamento coletivo, assim como a sustentação
do grupo. Tivemos grandes momentos de embate, discussões e muitas
construções. A maior delas, creio que foi a mudança de concepção que
pude perceber em alguns educadores do grupo, a qual baseava-se
numa [...]dicotomia entre homens-mundo.Homens simplesmente no
mundo e não com o mundo e com os outros.Homens espectadores e
não recriadores.(Freire,1987,p.62), para uma concepção de “uma educação emancipatória a qual não dicotomiza as dimensões técnica e
política”(Mello,2005,p.20), mas traz para dentro da escola, do currículo e do processo a intencionalidade da participação efetiva dos sujeitos
envolvidos, trabalhando numa relação dialética entre os sujeitos , a
problematização, as possíveis soluções, enfim valorizando o processo
como tal.
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Um dos pontos discutido, pesquisado e construído coletivamente
foi à metodologia, tendo como pressuposto básico, a busca de informações
da vida, do cotidiano do educando e da comunidade, através dos relatos
pesquisas, observações, escutas densas das falas dos educandos, estando
os conteúdos das diferentes áreas a serviço da construção do conhecimento. O mestre Paulo Freire já alertava para essa metodologia “[...] O
educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso,
às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele”. (1996, pág. 128)
Seguindo essa linha de raciocínio e de ação, que se pautou pela
metodologia da Pesquisa Participante, e do Tema Gerador – via Rede
Temática. Brandão (1999, p.52) “Não existe um modelo único de “pesquisa participante”, pois se trata, na verdade, de adequar em cada caso o
processo às condições particulares de cada situação concreta, (os recursos, as limitações, o contexto sociopolítico, os objetivos perseguidos, etc.).”
O trabalho da Pesquisa iniciou-se com a elaboração de questionário e coleta de dados estatísticos quanto à renda, escolaridade e outros,
para identificar a demanda do PROEJA. Esses dados serviram para
trabalhar uma estreita relação entre a fala, a escuta densa, e a intervenção a ser feita na sala de aula desdobrada nos conceitos e nos conteúdos
dados no decorrer da etapa.
Neste contexto selecionaram-se falas significativas, sendo estudadas cada uma delas, trazendo para o contexto a visão da comunidade (de
todos os educandos do PROEJA) e do educador e os elementos da estrutura que perpassavam as falas. Investigando também seu valor descritivo, analítico e propositivo. Retirando das falas significativas aquela
que mais gerou discussão, que fosse capaz de envolver todas as outras,
para além do valor semântico “o processo de leitura crítica da visão de
mundo, expressa através das falas da comunidade, revela não apenas o
valor semântico da linguagem, mas seu significado enquanto signo ideológico” (Mello, 2002 p.45). Falas que expressassem as diferentes visões
de mundo, que representassem “situações – limites” as contradições a
serem superadas.
Acredito que uma metodologia séria sob ponto de vista da participação e construção coletiva, passa por questões ideológicas, por que
somos seres essencialmente políticos, estamos a favor de algo ou contra
algo, assim é na escolha metodológica. “Como nos programas de educação popular trata-se de superar a limitação da opção metodológica, sustentando que esta encontra sua justificativa na opção ideológica”. Isso é
correto desde que não haja desvinculação entre as duas opções.
“(Brandão 1999,172)”.
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A Construção do Tema gerador via rede
temática com os educadores do CEFET BG / A
Formação continuada dos educadores do
CEFET BG
Nas formações seguintes continuou-se com a organização do Tema
gerador e da rede temática. Paulo Freire (1 970, p.98), no seu livro Pedagogia do Oprimido, diz que “investigar o tema gerador é investigar,
repitamos o pensar dos homens referido à realidade, investigar seu atuar
sobre a realidade, que é sua práxis”.
Foram-se tecendo as ligações entre os elementos da pesquisa, a
análise das falas e suas inter-relações, formando assim a rede temática.
Foi um período muito especial na construção da mesma (sua estruturação).
Houve muitos embates na sua edificação, muitas discussões filosóficas,
políticas e estruturais de como organizar uma rede, que refletisse de fato
e de direito os sujeitos do PROEJA do CEFET - BG, trabalhando na
horizontalidade, numa teia de relações onde tudo que nos rodeia (o saber
da experiência feita, os saberes escolares e científicos) está ligado ao
currículo vivo. Naquele momento tornaram-se mais visíveis as concepções de mundo, educação e sociedade de cada educador e educadora
que constituía o grupo.
Antônio Fernando Gouvêa da Silva , 2002 p.22 afirma que:
“As redes temáticas atuam como referenciais pedagógicos para o resgate
constante do processo de análise realizado pela comunidade escolar.
Construídas coletivamente, são utilizadas tanto na organização do programa das diferentes disciplinas, quanto na preparação das atividades de sala
de aula (...)”.
Neste emaranhado de informações, algumas novas, outras não
muito, outras ainda, desafiantes e provocadoras, ia-se pautando a Formação de Professores do PROEJA – BG. Sempre com uma proposta de
ação-reflexão-ação, eram trazidos para as discussões os acontecimentos cotidianos de sala de aula, como estava o andamento da turma, o
relacionamento, a aprendizagem, a inserção na escola desses sujeitos.
Sempre de forma coletiva extraiam-se as ações a serem tomadas.
Também com esta leitura foi organizado o detalhamento4, com os
4
Detalhamento é a organização de atividades de forma interdisciplinar, que contempla os
conteúdos de todas as disciplinas.O detalhamento é parte da rede temática e deve ser
construído no coletivo dos educadores.
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conteúdos e os conceitos que cada educador iria trabalhar na sua disciplina, com nuances interdisciplinares no que se referia aos conteúdos e
atividades ligadas à rede temática e as aplicadas em sala de aula. Os
argumentos elencados acima são sustentados na fala do educador
pesquisado (S 4) “A observação e constatação de que a modalidade de
EJA requer práticas pedagógicas diferenciadas, e que não basta transferir a prática do ensino chamado regular foi construída a partir de longos
debates na formação. Isto resultou em uma integração maior entre as
disciplinas, tanta da área técnica, quanto da área da formação geral.”
Seguindo essa sistemática organizou-se o portifólio que é uma pasta, onde constam todos os trabalhos avaliativos dos educandos de todas
as disciplinas, servindo de subsídios para o conselho de classe no qual é
feito os avanços e as permanências. Neste portifólio estão os conceitos
atingidos expressos em uma ficha feita pelo coletivo dos educadores. Há
também uma ficha de auto-avaliação (feita pelos educandos) dos conceitos trabalhados e a sua avaliação em relação ao desempenho de cada
um em todas as disciplinas.
Uma breve conclusão
A formação em serviço é ponto fundamental na solidificação da
proposta do PROEJA .È nela que o coletivo planeja,reflete sobre a
metodologia escolhida, neste caso da pesquisa participante, tema gerador via rede temática, discute sobre aspectos pontuais de cada
sujeito,enfim, constrói e reconstrói diariamente o cotidiano do Proeja numa
perspectiva de ação-reflexão –ação.
Certamente a fala dos educadores pesquisados não deixa dúvida
em relação à importância da formação continuada no PROEJA:
“A formação desenvolvida no CEFET—BG fez aflorar sensibilidades que
até então não estavam expostas em nosso quadro docente, ou pelo menos, provocou uma atitude que, inclusive refletiu na prática docente do
próprio ensino chamado regular” (S 4).
“-[...] Foi significativa, embora tenhamos deficiência no trabalho coletivo,
já conseguimos fazer uma avaliação da postura docente, o que temos que
melhorar. Na própria questão teórica, pontos de vistas diferentes, na relação de proximidade com colegas.” (S 1)
“Estimula a maior humanização no processo de ensino e aprendizagem’ (S
2)”.
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Mais ainda, é indispensável que o PROEJA se torne uma Política
Pública de fato, que haja uma relação de intimidade entre os educadores
e a boniteza da Educação de Jovens e adultos.
Não há receitas prontas de como fazer educação. O que existe
como afirma Paulo Freire é a certeza de nosso inacabamento: (1996,
pág. 55) “Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneira
radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado
e consciente do inacabamento. [...] Onde há vida há inacabamento”. A
educação não é algo estático, acompanha a movimentação do mundo.
Não se deve esquecer assim de seu caráter questionador e pesquisador
o que denota um posicionamento político perante os acontecimentos.
Deixo um importante registro do educador pesquisado (Sujeito 4),
referindo-se a formação do PROEJA do CEFET-BG:
“Enfim, a formação periódica e sistemática resultou na oxigenação do processo pedagógico na equipe que atuou e atua no Proeja CEFET-BG. É claro
que temos muitos desafios pela frente, pois a educação é um processo
dinâmico e vivo, portanto, os professores têm que acompanhar este rico
processo de construção e troca de conhecimentos.” (S 4)
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reimpressão da 3ª ed.São Paulo:Brasiliense,1999.
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. Educação e Mudança- 24ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
. Pedagogia da Autonomia. 12ªed.São Paulo: Paz e Terra, 1996.
. Pedagogia da Esperança. 6ª ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra,1992.
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POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS:
construindo saberes e
encontrando caminhos para a
formação continuada de
professores no PROEJA
Valéria Catarina Marcos Gomes1
Simone Valdete dos Santos2
Introdução
Este artigo é parte integrante da minha monografia intitulada DO
CEREJA PARA O PROEJA: Desafios de uma Política de Formação
Continuada de Professores3 realizada na especialização Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), tendo como cenário de
pesquisa o Centro Regional de Educação de Jovens e Adultos (CEREJA)
Prefeito José Linck, escola integrante da rede municipal de Gravataí.
O presente artigo busca refletir sobre estratégias para a política de
formação continuada de professores, que tem como desafio atender a
demanda da educação profissional integrada à educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos. Assim, o objetivo deste estudo
é discutir a necessidade de construir uma política de formação continuada, buscando o aprender a ser educador de jovens e adultos, a conhecer
esta modalidade de ensino, convivendo com as especificidades da EJA
1
Graduada em Pedagogia com Especialização em Psicopedagogia e em Educação Profissional
Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos, professora da rede municipal de Gravataí.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão de
Curso da autora deste artigo. Dra. em Educação.
3
A monografia descreve uma série de experiências pedagógicas exitosas ocorridas no CEREJA José Linck, as quais corroboram com outras experiências de EJA.
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num fazer crítico e reflexivo no cotidiano da ação educativa
ressignificando, dessa forma, a própria prática na construção de um campo de sensibilidades que dê sentido ao ser professor do PROEJA.
A metodologia que sugiro para esse processo de formação continuada dos educadores do PROEJA opta pela construção do conhecimento instrumentalizado pela pesquisa científica, estruturando-se através de projetos de trabalhos interdisciplinares, por entender que esta
dinâmica vem ao encontro do conhecimento articulado às exigências
fundamentais da vida, do trabalho e da evolução do ser humano.
Para realização da pesquisa foram ouvidas várias professoras do
CEREJA, através da técnica de entrevistas, as quais representam idéias
e posturas determinantes no conjunto dos professores, a análise destas
entrevistas compôs um arcabouço de questões sobre o processo de formação dos professores em EJA explicitados no presente artigo.
As propostas curriculares do ensino de adultos apresentam como
requisitos básicos: metodologia própria, flexibilidade, integração e funcionalidade em sua organização, criando espaços nos quais estes estudantes
possam, efetivamente, exercitar o seu direito de cidadão. Propostas, estas,
que atendam aos interesses dos jovens e adultos, resgatando o conhecimento prévio, fazendo-os participantes nos processos de investigação, na
resolução de problemas, na construção do conhecimento, de forma a responder às necessidades da vida, do trabalho e da participação social.
Neste sentido, o currículo do PROEJA pode ser pensado como
uma ampla rede de significações cuja finalidade é resgatar a inteireza do
ser e do saber. Para tanto, se faz necessário optar por uma proposta
interdisciplinar com vistas à transdisciplinaridade, estabelecendo uma rede
de saberes, rompendo com a linearidade e a fragmentação, buscando
uma relação de reciprocidade, de diálogo constante entre as várias ciências numa perspectiva consciente e crítica.
A partir da minha experiência com trabalho por projetos
interdisciplinares4, percebo que as discussões, propostas através destes,
resgatam o estudo da realidade, sua amplitude, a natureza multidisciplinar
dos problemas, das questões e dos saberes gerados na vida, no trabalho
e na prática social.
4
Sou coordenadora pedagógica no CEREJA Prefeito José Linck em Gravataí desde 2005, o
CEREJA privilegia abordagem interdisciplinar num currículo organizado por áreas de conhecimento e oficinas culturais, pedagógicas e de geração de trabalho e renda. A metodologia
utiliza-se da investigação, contribuindo para a problematização da prática vivida pelo grupo.
Através da pesquisa busca-se captar a rede de relações que atravessa a comunidade, os problemas que a desafiam e as percepções que a mesma possui de sua própria situação e possibilidades de mudança. O fazer pedagógico se dá através de projetos de trabalho, desencadeados a
partir de temáticas elencadas coletivamente por alunos e professores em assembléia geral.
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Nesse sentido, justifico a construção de uma proposta de formação
continuada para os educadores do PROEJA no desafio que está sendo
proposto a este professor ao atuar na educação profissional integrada a
educação básica na modalidade EJA. Que por seu diferencial, necessita
de uma formação com características pedagógicas e epistemológicas
próprias. Estruturada em torno de conhecimentos, de espírito de investigação, de qualificação, de ética, de desafio, de abertura ao novo, ao
desconhecido e a transformação.
Possibilidades e Perspectivas
Por abranger um campo peculiar de conhecimento, o PROEJA
aponta o desafio da construção de uma política específica para a formação continuada de professores. Entendo que a formação docente é uma
das estratégias fundamentais para se mergulhar no universo das questões que compõem a realidade dos sujeitos envolvidos em programas de
educação profissional integrados à educação básica na modalidade de
educação de jovens e adultos, de modo a investigar as diferentes formas
de ser, de saber, de conhecer e de fazer dos educandos jovens e adultos,
tendo em vista compreender lógicas e processos de sua aprendizagem
no ambiente escolar.
O século XXI vem sendo chamado por muitos pesquisadores como
o século do conhecimento e da informação e, por esta razão, é preciso
entender que o conhecimento é algo que não tem fim em si mesmo.
Assim, podemos dizer que o desafio é aprender a aprender, enquanto um
processo permanente a ser desenvolvido ao longo de toda a vida.
Este aprender a aprender pode ser mais detalhadamente compreendido quando analisamos o Relatório Internacional sobre a Educação
da Unesco que apresenta quatro pilares fundamentais para a aprendizagem: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver (DELORS, 2003). Desenvolvimentos próprios do processo de formação continuada docente.
O aprender a ser compõe uma exigência na profissão docente,
pois é a busca de si mesmo, e tem a ver com um dos pontos trabalhados
por Nóvoa (1995) ao se referir ao desenvolvimento pessoal e a busca
constante da identidade docente. Quando aprendemos a ser, nos tornamos mais tolerantes e mais humanos.
O aprender a conhecer é adquirir os instrumentos do conhecimento que permitam a compreensão e a leitura do mundo, entendido
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como um processo contínuo. Conhecer é buscar, é pesquisar, é atualizar-se, é investigar.
O aprender a fazer e agir sobre o meio, melhorando-o, na medida em que se colocam em prática os conhecimentos construídos. O saber fazer compõe um domínio de um saber articulado com a prática
pedagógica que é possível de ocorrer, na medida em que o docente faz
aquilo que sabe, que domina e que conhece.
O aprender a conviver implica na construção de relações sociais e
de trabalho, pois, só se aprende a conviver convivendo. A descoberta do
outro, o trabalho cooperativo, a participação em projetos dialogicamente
construídos, exige do profissional e dos espaços de formação continuada.
Diante deste quadro percebe-se que é indispensável ao professor
estar em constante processo de formação, com um projeto articulado
que permita o seu desenvolvimento profissional. Esse projeto precisa
refletir suas necessidades e expectativas e pode ter como espaço de
formação a própria escola. Assim, a formação continuada contribuirá
para o desenvolvimento profissional do educador, como uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional. E, será pensada, e, executada
no lócus do processo ensino-aprendizagem, ressignificando seu fazer
pedagógico (KULLOK, 2004).
Num projeto pedagógico consistente, claro, aberto e de acordo com
a realidade dos estudantes do PROEJA, as questões referentes a educação e ao trabalho precisam ser percebidas como espaço de formação
humana e profissional, concebendo o trabalho como uma prática social e
um direito para o exercício da cidadania, na construção de novas relações entre os sujeitos e o mundo.
Sendo assim, o que proporciona um processo de formação continuada
condizente com as necessidades do educador que trabalha com a educação
profissional integrada à educação básica na modalidade de educação de
jovens e adultos é a concepção que permeia a ação formadora, reconhecendo a história profissional, sócio-cultural, e individual destes educandos como
elementos fundamentais na reflexão da prática pedagógica.
Conforme Gutierrez (1988) a integração entre educação e trabalho aponta para um processo transformador tanto do próprio estudantetrabalhador, como da estrutura social na qual se desenvolve. Esse traz
consigo a transformação da própria escola.
Nesse sentido, ressignificar o conhecimento que lhe é pertinente,
mediante a especificidade do aluno atendido no PROEJA é uma aprendizagem de especial significado para o educador durante o processo de
formação continuada. Esta compreensão está ligada à concepção
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metodológica que norteia o fazer pedagógico deste docente, a qual poderá ser problematizada na prática do diálogo e na valorização dos saberes
individuais e coletivos. Integrando trabalho, ciência, técnica, tecnologia,
humanismo e cultura.
Assim, o aprender a ser educador do PROEJA encontra na formação continuada um espaço de construção que se constitui, em espaço de
ação e reflexão sobre o fazer pedagógico. Pois, como afirma Freire (1996,
p.43) “o momento fundamental na formação permanente dos professores é o da reflexão crítica sobre a prática”.
O processo de formação continuada é considerado como um espaço de construção e de investigação que tem por objetivo o estudo sobre
os saberes dos professores e os seus diferentes processos de construção do conhecimento. Estes estudos se realizam pela reflexão sobre a
ação (ZEICHNER, 1993) ou sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 2000).
Dessa forma, é conveniente planejarmos a formação continuada de
professores, com momentos sistemáticos que acompanhem tanto à ação e
sistematização dos saberes e fazeres, quanto à reflexão, destes, na ação
pedagógica, de forma que gere um ambiente que privilegie o triplo movimento conhecer-na-ação, reflexão-na-ação e reflexão sobre a reflexãona-ação (SCHÖN,2000). Processos que se completam entre si, na formação do educador reflexivo e na construção de um campo de sensibilidades.
Ao repensar o processo de formação continuada as referências
trazidas por Schön (2000), sobre o triplo movimento citado a cima, são
fundamentais. Assim, a compreensão do professor como um profissional
reflexivo ganha sentido na medida em que ele é visto como um pesquisador de sua ação. Compreendendo de forma crítica a complexidade,
assume o compromisso com o avanço do conhecimento e procura uma
imersão consciente no mundo da experiência.
Como nos traz Lopes (2004) na formação continuada do educador
de jovens e adultos, busca-se compreender a especificidade dessa modalidade de ensino profissional integrado à educação básica. Como possibilidade de aprender ao longo da vida numa perspectiva consciente e
crítica, refletindo sobre e na ação, com base em aprendizagens fundamentais, tais como: o aprender a ser, o aprender a conhecer, o aprender
a conviver e o aprender a fazer.
Nesse caso, o aprender a ser educador de jovens e adultos, o aprender a conhecer e a conviver com as especificidades desta modalidade e
o aprender a fazer, crítico e reflexivo, no cotidiano da ação pedagógica
tornam-se fundamentais na construção de um campo de sensibilidades
ao educador do PROEJA.
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Na composição de um Campo de
Sensibilidades
Possibilitar a formação do educador com base na construção de
um campo de sensibilidades corresponde a um processo permanente de
formação continuada, percebido como espaço de reflexão, construção e
sistematização de saberes. Ter clareza e identificar a especificidade da
EJA proporcionará a esse educador maiores condições de ação-reflexão-ação e intervenção sócio-histórica e política.
A construção de um campo de sensibilidades possibilitará ao educador perceber-se em permanente processo de aprendizagem e construção de saberes, buscando a compreensão de caminhos que valorizem
a educação como um bem humano. Este campo é possível de ser vislumbrado por diferentes perspectivas:
.da aàsprofundidade
e complexidade da sua área de conhecimento relacionademais;
.vensa compreensão
do processo ensino-aprendizagem dos estudantes joe adultos nas suas diferenças;
. o compartilhamento das experiências;
.clusão
a educação profissional como estratégia para o desenvolvimento e insocial;
.mento
a pesquisa como um processo educativo enquanto fio condutor e elearticulador dos demais componentes curriculares, visando uma forma de integração da teoria e da prática;
.escolar;
o cultivo das relações democráticas com os segmentos da comunidade
. o compromisso político como trabalhador da educação;
. a reflexão constante sobre a prática;
.a construção
a construção coletiva de um saber crítico transformador, articulado com
da proposta da escola.
Segundo Arroyo (2002, p.42) nossa auto-imagem se constrói a cada
dia, com possibilidades inclusive para nós. Para o autor, sujeitos em formação são “pessoas que tem direito ao conhecimento, e também ao
sentimento, à emoção e à amizade, aos valores e ao convívio com seus
pares”. Assim a formação continuada pode se dar de forma concomitante
ao desenvolvimento pessoal e humano, contribuindo na formação de profissionais mais sensíveis às demandas da Educação de Jovens e Adultos.
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A natureza do PROEJA vislumbra metodologias participativas e
laboratoriais, que permitam vivenciar e atuar de modo teórico-prático, fazendo interagir as concepções da experiência pedagógica de cada professor, que são significadas e ressignificadas no diálogo com o campo conceitual
e prático. Propondo a integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia,
humanismo e cultura, contribuindo para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional dos sujeitos educadores, sustentando-se nos princípios da interdisciplinaridade, contextualização e flexibilidade.
Assim, o processo de formação continuada pode proporcionar espaço para que os professores compreendam e aprendam uns com os outros,
contribuindo para a problematização e produção do ato educativo. Nesse
sentido, a formação acontece num processo de troca de experiências e
práticas, assim, a identidade profissional é construída a partir dos saberes
e significados atribuídos à docência, tanto no confronto entre a teoria e a
prática como pelo significado que o professor atribui às mesmas, a partir
de seus valores, do seu modo de situar-se no mundo, de suas representações, de seus saberes, ou seja, do sentido que dá ao ser professor.
Como nos traz Vasconcelos (2003) a busca de sentido é algo que
acompanha a pessoa o tempo todo, estando articulada às diferentes formas de relação e/ou intervenção no mundo. Na medida em que desafia
o aluno a ter acesso à cultura, refletir, imaginar, criar, atribuir valor, criticar e desenvolver consciência, o professor trabalha com a busca de um
sentido digno para a existência e com o sentido que dá a sua profissão de
educador, construindo seu próprio campo de sensibilidade como educador do PROEJA.
Para tanto é necessário garantir que a formação continuada proponha um espaço de reflexão, estudo, planejamento e discussão políticodemocrática, a partir das necessidades concretas dos docentes. Assim
como, o resgate da identidade individual e coletiva, a cultura e a história
dos educadores, para que se percebam como sujeitos numa coletividade,
oportunizando a reflexão sobre o processo de construção e reconstrução
do conhecimento contemplando o ser humano como um todo, num processo dialético entre o sujeito e o mundo.
É fundamental reconhecer o saber acumulado pela humanidade
através da superação do compartilhamento do conhecimento, vivenciando
uma práxis libertadora, ação-reflexão-ação com os diversos segmentos
do processo educativo e problematizando o conhecimento como um princípio sócio-histórico, entendido aqui como produto da construção histórica do ser humano, que se constrói e reconstrói a partir de sua interação
com o outro.
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Da mesma forma se faz indispensável a reflexão sobre a concepção de uma sociedade com maior justiça social, por meio de diferentes
formas de pensar e atuar sobre a realidade e discutir as transformações
do mundo do trabalho e as relações de produção. Bem como, analisar as
dimensões e objetivos mais amplos do processo de ensino e aprendizagem, a partir das mudanças nos paradigmas da ciência e do conhecimento, com vistas a colaborar para um efetivo diálogo entre os saberes
e abordar a pesquisa como um processo educativo e elemento articulador
das áreas de conhecimento, visando integração da teoria e da prática.
No PROEJA esta formação está prevista em 120 horas, com uma
etapa prévia ao início do projeto de, no mínimo, 40 horas (BRASIL, 2006).
Assim, a formação pode acontecer antes e durante o período de execução das aulas, possibilitando a construção coletiva de projetos
interdisciplinares de trabalho. Considero fundamental que o estudo e a
reflexão sobre a prática aconteça de forma concomitante ao andamento
das aulas, pautada pela avaliação dos alunos, pois ao considerar as dificuldades encontradas no exercício da docência, há espaço e tempo para
o replanejar e o reorganizar as ações educativas.
A educação, assim, acontece na dialética entre teoria e prática,
pois a consciência e o saber formam-se e se desenvolvem na interação
do ser humano com o conjunto de relações que fazem o mundo. A construção do conhecimento acontece de modo privilegiado, quando é assumida uma prática metodológica capaz de mediar o diálogo e a interação
dos educandos entre si e com a realidade, favorecendo a formação do
pensamento crítico, a construção da ação e o sentido de exercer a cidadania, comprometendo-se com a própria história.
Para que o docente possa construir experiências significativas de aprendizagem, relacionando teoria e prática é preciso que a formação continuada
seja orientada por situações equivalentes de ensino e de aprendizagem. Assim,
os professores são desafiados a experienciar situações educacionais que os
levam a refletir, experimentar e ousar, a partir dos conhecimentos e das
certezas que possuem. Para tanto, esses espaços precisam fundar-se na
prática reflexiva, na exploração da criatividade e de habilidades de cooperação e trabalho em equipe, promovendo a construção de um campo de sensibilidades que dê sentido ao ser educador do PROEJA.
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Considerações Finais
As aprendizagens, verdadeiramente significativas, são aquelas que
envolvem o ser humano por inteiro, oportunizadas por um espaço de
relações e inter-relações, num processo permanente a ser desenvolvido
ao longo da vida. Acredito que o desenvolvimento desse processo se
constrói num ambiente de formação continuada, no qual as relações de
convivência possam proporcionar a construção de redes significativas e
parcerias de trabalho e de vida.
Assim, os sujeitos envolvidos no processo formativo são percebidos nas suas múltiplas dimensões, respeitados nas suas diversidades e,
ao mesmo tempo, compreendidos nas suas individualidades. Num projeto de formação continuada que considere a educação profissional comprometida com a formação de um trabalhador com autonomia intelectual, ética, política e humana, capaz de transformar a realidade na perspectiva da construção de um mundo mais justo e igualitário.
A educação de jovens e adultos como promessa de educação para
todos, a ser desenvolvida ao longo da vida, busca romper com a lógica
vigente, no desafio de ressignificar os espaços e tempos educativos para
a compreensão crítica da realidade e a construção de uma nova
racionalidade que pontue ações voltadas para a intervenção em políticas públicas de elevação da escolaridade e desenvolvimento profissional. Desafio este, que pressupõe a essência da proposta educacional do
PROEJA.
Diante deste desafio, se faz necessária uma política consistente de
formação continuada de professores para o PROEJA, comprometida
com a aprendizagem destes sujeitos como atividade que passa necessariamente pelo caminho da compreensão e da significação. Aprender é
compreender o significado, é entender o sentido do que está se aprendendo, e, para que o aprender de fato se efetive, é fundamental que o
sujeito estabeleça relações com a estrutura de conhecimentos que já
dispõe, para projetar novas aprendizagens a partir das interações sociais
com seus partícipes.
Como Possibilidades e Perspectivas, esta formação continuada nos
remete a pessoas, a profissionais em processo, a papéis dessas pessoas/
profissionais, a processos e espaços educativos, a diferentes saberes.
Remete-nos, ainda, a sistemas, a políticas, a necessidades, a disponibilidades, a potencialidades, a recursos e a ação-reflexão, no entendimento
de que há sempre uma dimensão pedagógica em todo o encontro entre
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pessoas, dentro do qual um momento de trocas de saberes, de imaginários, de idéias ou valores é realizado. Momentos estes, que possibilitam a
construção de um campo de sensibilidades ao educador do PROEJA.
Construindo Saberes, no desenvolvimento do processo do aprender e
do ensinar é um dos aspectos fundamentais a ser desenvolvido no lócus do
trabalho educativo. Assim, é de suma importância que os educadores compreendam que a aprendizagem supõe caminhos que ultrapassam a dimensão intelectual/cognitiva e avançam na formação do ser humano pleno.
Encontrando Caminhos, através de práticas pedagógicas construídas
por professores reflexivos, críticos e investigadores da própria prática.
Profissionais autônomos, que, coletivamente repensem a ação e avaliem
o trabalho pedagógico, contribuindo para o desenvolvimento dos
educandos jovens e adultos e para um fazer docente articulado a um
projeto de sociedade.
Ao concluir este artigo apresento uma proposta de formação continuada para os docentes intitulada POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS: construindo saberes e encontrando caminhos para a formação
continuada de professores do PROEJA. Percebo que muito há para
realizar, mas fico com a certeza de que a possibilidade de refletir, discutir e
analisar as práticas de educação de jovens e adultos provoca novos olhares e aponta oportunidades de ressignificar conceitos em busca de estratégias e caminhos para a construção de uma educação de jovens e adultos
que vise o desenvolvimento pleno dos sujeitos e a aprendizagem permanente ao longo de toda a vida, na qual as histórias do cotidiano e trajetórias
pessoais sejam resgatadas, valorizadas e sistematizadas, tendo por base os
significados que cada um constrói a partir das suas vivências.
Recorrendo as reflexões de Moacir Gadotti (2005), sobre a
especificidade dos educandos jovens e adultos, percebo a importância
de levar em conta que a Educação de Jovens e Adultos não é uma questão de solidariedade, e sim uma questão de direito. A inclusão deste adulto no sistema de ensino precisa ser acompanhada de uma nova qualidade, não uma qualidade formal, mas uma qualidade política. Entendida
como direito de afirmação de sua identidade, de seu saber e de sua
cultura. A educação, nessa perspectiva, é entendida como um instrumento de formação amplo, de luta pelos direitos da cidadania e de emancipação social e dirige-se a formação do ser humano integral, englobando todas as dimensões de sua relação com o mundo. Nesse Sentido, é
necessário agir ao mesmo tempo em duas frentes: investir em um ensino
básico de qualidade e em políticas públicas para o enfrentamento dos
índices de analfabetismo atuais, garantindo, assim, o desenvolvimento do
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país, das comunidades e das pessoas, lhes permitindo o direito de afirmação de sua identidade, de seu saber, de sua cultura.
Esta é a essência do projeto de educação para todos e ao longo de
toda a vida. Num paradigma que valorize a vida e as pessoas. Considerando a educação como meio para atingir esse caminho, nos quais os
pilares do conhecimento sejam valorizados e transformados em efetivas
ações da aprendizagem do ser, do fazer, do conhecer e do conviver.
Referências
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Vozes, 2002.
BRASIL. Decreto Nº 5.840, DE 13 DE JULHO DE 2006. Institui, no âmbito federal,
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DF: MEC: UNESCO, 2003.
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Alegre: Artmed. p. 40-41, 2005.
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Antônio (org) Os Professores e a sua Formação. Lisboa: Codex, 1995 p.15-35
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TECENDO O CURRÍCULO DO PROEJA
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A CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DOS
SABERES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS.
Celso Panno1
Rafael Arenhaldt2
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Programa de PósGraduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do
título de Especialista em Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos.
A grande preocupação com o alto índice de analfabetismo no Brasil tem aumentado com o estudo da legislação em Escolas, Sindicatos,
associações, indústrias. Esta preocupação está centrada no sentido de
superarmos o problema através de políticas diferenciadas que atendam
ao elevado número de jovens e adultos que nem se quer completaram
uma escolaridade mínima do Ensino Fundamental.
A EJA - Educação de Jovens e Adultos mostra, no seu contexto,
diferentes facetas que se mostra presente pela sociedade vivenciada e
que, em cada momento, busca alternativas para “tentar” minimizar as barreiras impostas pelo mundo escolarizável. Procuro ressaltar que a EJA é
destinada aqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
Ensino Fundamental e Ensino Médio, na idade própria, e destacar a necessidade das pessoas em melhorar de vida, valorizando a auto-estima, ampliando seus conhecimentos, questionando sobre suas atitudes e valores básicos relacionados ao trabalho, à cultura e à participação política.
1
Professor do NEEJA – Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose de
bento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA.
2
Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre e
coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do
presente artigo.
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O presente artigo tem por objetivo investigar como acontece a
ampliação de possibilidades na construção do conhecimento dos sujeitos
através das experiências de vida no PROEJA/CEFET - Centro Federal
de Educação Tecnológica e no NEEJA - Núcleo Estadual de Educação
de Jovens e Adultos Metamorfose, ambos de Bento Gonçalves. Procuro
estabelecer, teoricamente e através de depoimentos, a leitura de mundo
do educando, assim a construção do conhecimento torna-se democrático, problematizando as relações em que estão envolvidos cotidianamente educador-educando. A pesquisa utiliza estudo de campo, através de
questionamentos e entrevistas aplicados aos envolvidos na prática
educativa da Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, foi elaborado
um questionário para os alunos do PROEJA/CEFET-BG e NEEJA-BG,
com perguntas semi-estruturadas, bem como também de depoimentos
das diretoras, educadores e educandos.
Com isso, o tema escolhido, descrito acima, também é o fato de
muitos profissionais da área da educação não ampliarem novos conhecimentos na EJA através das experiências de vida, pois nunca devemos
desprezar a “bagagem” de vida que o aluno traz para a sala de aula. A
educação precisa ser repensada para que possamos construir sujeitos
críticos na leitura do mundo, levando-o a formular problemas que não
formulava, desenvolvendo soluções enquanto cidadão.
O novo conceito de Educação de Jovens e Adultos apresenta desafios
às práticas existentes, tais desafios devem ser encarados através de novos
enfoques, dentro do contexto da Educação continuada durante a vida.
Quanto ao contexto social da EJA, posso destacar, através de relatos dos sujeitos, que o retorno á escola tem resolvido alguns problemas no
convívio familiar, pois surgem cada vez mais exigências educacionais. Para
educar crianças expostas aos meios de comunicação, num mundo com tão
rápidas transformações, os pais precisam constantemente se atualizar, precisam ter condições para apoiar os filhos em seu percurso escolar, cuidar
de sua saúde e o seu próprio cotidiano. A Educação de Jovens e Adultos
deve refletir a riqueza da diversidade cultural e respeitar o conhecimento e
formas de aprendizagem tradicional de cada povo. O direito de ser alfabetizado na língua materna deve ser respeitado e implementado. A educação
de adultos enfrenta um grande desafio, que consiste em preservar e documentar o conhecimento oral de grupos étnicos minoritários e promover a
aprendizagem e o intercâmbio entre e sobre diferentes culturas.
Segundo Paulo Freire (1983), a postura frente às práticas populares é a de que, não basta “querer mudar” a sociedade, é importante
“saber mudar”, e mais saber mudar numa direção de igualdade e liber-
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dade. O processo de libertação não é a obra de uma só pessoa ou grupo,
mas de todos. É preciso saber ler a vida, procurar agir e refletir sobre a
ação, unir a teoria com a prática, pois somente pensando as ações é que
as pessoas se reconhecem nelas, como participantes da história.
O que diferencia os alunos das classes dominantes das classes
populares é o ponto de partida, jamais o de chegada. O mais importante
para a aprendizagem é o ponto de apoio, de onde a criança, o jovem e o
adulto partem para construir seu conhecimento. A escola é um agente
socializador tão importante quanto a família. Juntamente com o conhecimento, transmite não só valores e atitudes, mas também preconceitos.
Como os agentes socializadores têm entre suas missões a de conseguir
que as pessoas aprendam e assumam as normas da sociedade em que
vivem e a maioria de modelos de sociedade que existem são
discriminatórias (discriminam em função do sexo, da etnia, da raça, do
poder econômico, da idade, da capacidade física e cognitiva), cresce a
importância em refletir em todos os níveis de Educação e nas escolas
sobre as diferenças e desigualdades. E esse resgate da sociedade é simplesmente um reconhecimento da diversidade, embasada em características agregadas ou adquiridas. A Educação de Jovens e Adultos, em
uma visão voltada à inclusão de camadas populares no sistema educacional contemplando sua diversidade cultural, deve ser diferenciada para
que a Educação dessas camadas da população não representa mais uma
instância do fracasso escolar, mas sim as diversas visões de mundo do
sujeito. Além disso, a EJA é uma oportunidade para que melhorem de
vida, valorizem sua auto-estima, ampliem seus conhecimentos, possam
questionar sobre suas atitudes e valores básicos relacionados ao trabalho, à cultura e à participação política na possibilidade de resgatar sua
cidadania como forma coletiva de buscar espaços.
Outro ponto a ser destacado é que a EJA será um resgate da dignidade escolar se o agir durante todas as fases (planejamento, execução,
avaliação, etc.) for realizado com seriedade dentro de uma proposta organizada e com objetivos claros em que o aluno seja o foco. Também é
importante para o aluno que lhe seja oferecida oportunidade de aprendizagem, construção do conhecimento, que os educadores sejam comprometidos com a proposta educativa da escola e que gostem do que fazem.
Destacarei também, dois depoimentos de professores do CEFETBG que contribuíram muito para a elaboração deste estudo:
“Trabalhamos em grupo muitas vezes... em uma ocasião montamos uma empresa
virtual com trabalhos interdisciplinares.” (Evandro Ficagna,32, Educador)
“Tarefas que envolvem o cotidiano dos educandos”. (Arrigo Fontana,43, Educador)
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Assim sendo, não basta “querer mudar” a sociedade, é importante
“saber mudar”, e mais, saber mudar numa direção de igualdade e liberdade.
Neste contexto, o educador da EJA e dos Cursos Técnicos em EJA
deverá estar comprometido com o grupo no sentido de mobilizar e articular o
processo de elaboração e execução dos projetos, princípios e procedimentos
da escola quando esta se compromete a desempenhar o papel de gerenciador
do conhecimento e instigador do processo de ensino-aprendizagem. Portanto, só é possível pensarmos numa aprendizagem significativa quando pudermos pensar nossos propósitos comuns de educadores.
Descreverei abaixo, alguns tópicos de dois depoimentos de excelente
valia para o meu trabalho de conclusão, que é das Diretoras do Núcleo
Estadual de Jovens e Adultos NEEJACP-BG e do PROEJA/CEFET-BG,
onde nos destaca a importância para o aluno não ser objeto de exclusão.
O Inédito Viável na Educação de Jovens e Adultos - Legítima Expressão Freiriana: O inédito viável, início de uma responsabilidade para com nossos desejos, sonhos e ações, trazendo uma carga de
reflexão para com o nosso papel de ESTAR no mundo construindo
nossa história com convicção, paixão, rigorosidade e amorosidade.
Ao falarmos na responsabilidade de nosso papel, enquanto educadores e cidadãos que buscam Estar no mundo, carregando conseguem a alegria, o prazer, talvez até a loucura ingênua de acreditar
que é necessário vivermos de utopia, na inquietude de nossos sonhos. Partilhamos com pensamentos freirianos, que caminha lado
a lado com a boniteza autentica de nossas ações. Estamos construindo esse espaço de forma mais coletiva possível, numa relação de
horizontalidade entre educadores e educandos, com certezas e incertezas. Nesta perspectiva construímos e reconstruímos uma
metodologia voltada para a trajetória de vida dos sujeitos, baseados no Tema Gerador freiriano, alargando a discussão de conteúdos para conceitos, onde os mesmos são desdobrados em conhecimentos necessários.” Conceitos que respeitam o tempo de cada
um, ressaltando a individualidade e valorizando a interação, a
construção coletiva, valorizando o saber de cada um, fazendo do
conhecimento popular, uma alavanca para o conhecimento científico”. (Maria Terezinha Kaefer e Silva, 39, Diretor).
Analisando parte do depoimento descrito acima, podemos dizer que
a reflexão e o diálogo são de extrema importância para efeitos de qualidade no trabalho que está sendo desenvolvido, pois teremos uma melhor
interação educando - educador para podermos ter uma visão da evolução do processo. Cada experiência de educação, animação e organiza279
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ção popular é a única e irrepetível, mas isso não significa que podem ser
entendidas e mantidas isoladas cada uma dentro de sua “própria verdade”. Qualquer prática social transformadora tem intenção, apostas, desenvolvimentos e resultados que definitivamente servem de inspiração
ou advertência a outras práticas semelhantes.
“Pode-se perceber que os alunos encontraram dificuldades ao
retornar aos estudos, mas os que foram persistentes puderam se
orgulhar do progresso obtido. Dois alunos me chamaram atenção
por terem filhos que estudam no CEFET e percebi que eles se orgulhavam por poder mostrar aos filhos suas conquistas e seu aprendizado. Para mim este foi o relato mais importante, pois destaca a
melhora na auto estima que ocorre nestes adultos que enfrentam
um desafio, que muitas vezes é como uma difícil batalha de guerra,
mas lutam para tornarem se mais fortes e preparados para conviver no trabalho e na família.” (Soeni Bellé,42, Diretora)
Observam-se pelas falas das Diretoras das escolas, que devemos
ver o aluno mais que um simples indivíduo, pois devemos diagnosticar
que existe, em cada aluno, um universo rico de saberes. Neste contexto,
o professor “afetivo” é aquele que sabe ouvir, que tenta entender o aluno
na sua singularidade, pois cada um tem a sua maneira de ver a vida,
reflexo de suas experiências e de seu mundo próprio.
Freire (1995, p.94) nos diz que a juventude deverá entregar-se à
aventura de uma escola rigorosa e alegre, mas que jamais poderá prescindir do ato sério de estudar, que jamais deverá confundir esta alegria
com a alegria fácil do não fazer.
Nota-se também, nos depoimentos, que apesar das descontinuidades
e rupturas escolares, que fazem parte da trajetória escolar destes alunos,
que a escola tem um papel importante na vida deles. Ela é a ampliação
do espaço, uma visão de futuro diferente e com grandes expectativas,
um lugar onde estudam, fazem amigos e trocam experiências. Sabemos
que apesar de todas as dificuldades que permeia muitos alunos, na trajetória escolar, principalmente da EJA , eles ainda vêem a escola de uma
forma positiva e cabe a nós educadores nos posicionarmos com uma
visão positiva sobre a situação deles.
Portanto, tenho a absoluta certeza que esses alunos possuem histórias diferentes, mundos diferentes e comportamentos diferentes. Encontramos alunos que pararam de estudar por dificuldades financeiras, alguns porque reprovaram mais de uma vez, outros porque na adolescência desistiram dos estudos, porque achavam que a escola naquele mo-
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mento não era prioridade para eles. O trabalho, as festas, a rua, as amizades e os amores eram mais importantes naquela fase da vida, e hoje a
EJA apresenta-se como alternativa mais rápida para a retomada da caminhada escolar.
O Programa criado pelo Governo Federal PROEJA, pensando como
política pública, deve atender a um grupo específico, cujas características permutam tanto a ação docente quanto a discente. A educação
profissionalizante possui as concepções de EJA quanto a sua implantação, ou seja, o suprimento de mão-de-obra, em contrapartida, como possibilidade de agir e refletir suas experiências de vida e de escola. Nos
escritos de Freire (1990), que concebe uma escola muito diferente da
que temos hoje, uma escola onde o centro do processo de ensino-aprendizagem não é o professor, mas sim o aluno. Ele enfatiza que o conhecimento prévio do aluno já é história e que essa história faz parte de uma
maior, que é aquela em que a escola deveria agir.
Quanto à concepção para Educação Profissional, temos claro que
ela precisa estar fundamentada numa sólida formação científica, tecnológica
e humanista. Essa formação deve ser integral, superando e transcendendo
a histórica dualidade entre a formação técnica e a formação geral.
Os Cursos Técnicos na dimensão do PROEJA, criados pelo Governo Federal, devem ter perspectivas de articulações entre as necessidades das comunidades, da sociedade, com o desenvolvimento social e
econômico, respeitando as dimensões culturais, valorizando a cultura do
campo e dos trabalhadores, fomentando a criação e inovação tecnológica
e construindo uma cultura de ciência e tecnologia a serviço da humanidade e da qualidade de vida.
Como conseqüência destas novas relações com o saber, com o
conhecimento e o trabalho, se construiu uma nova relação política para
educação pública. Todos são sujeitos, todos têm contribuições, todos têm
limites, mas os avanços são consistentes devido ao trabalho coletivo,
aberto, divergente e contraditório, mas sempre democrático e respeitoso. A Educação Profissional e a qualificação do/a trabalhador/a visam
garantir o direito e a inclusão de todos/as os/as trabalhadores/as no mundo do trabalho, emancipando-os/as e gerando renda. Com isso podemos
afirmar que outra Educação Profissional é necessária e possível. Uma
Educação que supere o paradigma histórico dualista, adestrador e treinador de mão-de-obra para o capitalismo. A emancipação dos trabalhadores requer o acesso a uma Educação Profissional que os prepare para
serem sujeitos de luta e construtores de uma sociedade, de um novo
mundo do trabalho que dialoga com um novo projeto de desenvolvimento
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societário e um compromisso social que forme um trabalhador autônomo
ético, político e intelectualmente produtivo.
Fazendo um comparativo, através de pesquisas realizadas no Curso Técnico em EJA, CEFET-BG, com o NEEJA Metamorfose, percebo
que existe uma relação de igualdade na satisfação dos educandos e dos
educadores, pois os depoimentos demonstram que seu foco está voltado
às necessidades reais dos trabalhadores, para uma ação educativa com
e para criatividade, por isso surge à necessidade de uma estreita relação
entre educação e trabalho, tendo como princípio à formação ao longo da
vida e a teoria para a prática no seu dia a dia. Destaco abaixo alguns
depoimentos de educandos pela satisfação do Curso Técnico em EJA.
“O relacionamento com os professores é muito bom, pois os professores além de serem legais são profissionais e sabem tratar os alunos de igual para igual.”
“Um dos trabalhos mais significativo que eu destaco foi o de economia, através dele conhecemos como montar e administrar uma
empresa.”
“As aulas de Relações Humanas me mostrou uma luz em alguns
assuntos, depois as de Física e Matemática foram muito importante, porque eu usei no meu trabalho.”
“Com as aulas de informática aprendi a trabalhar na loja de confecção que eu trabalho fazendo os carnes de pagamento e no próprio caixa usando o computador.”
Com esses depoimentos destacados da pesquisa, notamos que o
educandário se insere nas perspectivas de um mundo do trabalho, tendo
o mesmo como meio para se redescobrir como gestor de sua própria
vida, respeitando as trajetórias de cada um, buscando espaços para qualificar as relações de trabalho, na perspectiva de uma vida com qualidade social. Também se observa na garantia na construção coletiva do
conhecimento, remetendo-se a idéia de uma relação que se constrói no
cotidiano, transformando-se esses saberes em conhecimento crítico, com
um processo de pesquisa constante, teorização da prática e na percepção das inter-relações que permeiam o conhecimento.
Destaco como exemplo um dos projetos elaborados em conjunto,
no Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose de
Bento Gonçalves, que nos mostra a integração entre educador e educando. O trabalho tinha como tema, a Educação como Política Pública, e
o professor de Matemática propuseram a comparação custo e benefício
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ao cursar uma faculdade privada ou pública, pois os alunos possuem
anseios e levaram em conta:
– Cursos preparatórios.
– Hospedagem – distância.
– Vantagens e desvantagens.
– Gráficos que explicitem estas comparações.
– Medidas: Kilogramas, percentagens e medidas.
O professor é o educador que estará em contato direto com o fim,
o propósito da educação: o aluno, até porque a escola só existe porque
ele existe. Os educadores em resposta à questão que pede uma relação
entre as diferentes realidades no EJA e Técnico em EJA que já trabalharam, revelaram que existe uma exigência maior, é a de que se faz necessário um acompanhamento “quase individual” no sentido de que devem
ser observados o limite e as possibilidades de cada indivíduo, salientando
a vivência de cada um. Possibilitando uma relação com teoria Freiriana
que pensa o sujeito como precursor de suas construções no contexto em
que está inserido.
Observo que estes alunos procuram um professor acessível ao diálogo e atento às suas dificuldades, muitas vezes produz-se, genericamente, um olhar traduzido em chavões que deprecia o aluno, consolidando desta maneira uma visão negativa sobre a educação de jovens e adultos. O papel do educador nessa modalidade de ensino é extremamente
importante, pois estes jovens possuem histórico escolar muitas vezes
permeado de problemas, não só no campo cognitivo, mas no campo social, econômico e emocional. Com isso, tornam-se necessários outros
olhares, outras percepções, um pensamento mais interacionista e
abrangente, pois há necessidade de pensar a sala de aula de uma escola
de EJA com uma visão mais global, não com um pensar dual. Ali não
está somente o aluno-professor, o que sabe e o que não sabe, o que
aprende e o que não aprende, o que fracassa e o que vence, o comportado e o desordeiro.
Enquanto estivermos neste universo, esta teia estará sendo
construída e reconstruída por nós e por aqueles que fazem parte do nosso mundo.
A educação de forma geral percorre um caminho que vai sendo
lapidada passo a passo até atingir sua melhor forma que, juntamente
com o aperfeiçoamento do ato de ensinar, alcançará o impacto desejado
por todos os educadores, principalmente pela educação das classes populares, uma educação viva e uma escola dinâmica.
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É necessário que haja a participação dos poderes públicos municipal, estadual e federal e de toda a sociedade brasileira para que se possam traçar metas de como minimizar, num prazo menor, o alfabetismo no
Brasil e assim poder integrar jovens e adultos a programas diferenciados, com o objetivo contínuo de desenvolver capacidades e as competências necessárias para os mesmos poderem enfrentar as transformações culturais, científicas e tecnológicas que repercutem no seu dia-adia de sobrevivência no mercado de trabalho, proporcionando-lhes atualização de conhecimento para toda a vida.
Segundo o parecer CNE/CEB nº.11/2000, a EJA é compreendida
como uma “dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais
na escola ou fora dela” (...) deixando claro que esta modalidade de
ensino é parte da Educação Básica, considerando o termo modalidade
como “diminutivo de modus e expressa uma pequena medida dentro
de uma forma própria de ser. Ela é, assim um perfil próprio, uma
feição especial diante de um processo considerado
padrão”.(Caderno Pedagógico EJA,nº1)
As mudanças pedagógicas não se fazem somente por decretos,
leis e normas. Elas são processuais e se constituem no tempo, pela dinâmica da articulação entre a subjetividade (vontade de mudar) e a objetividade (condições objetivas para que as mudanças ocorram). Se optarmos por mudar e por oferecer condições para que as mudanças aconteçam é fundamental que haja uma sintonia entre toda a comunidade, para
que juntos possamos compreender o contexto e a seriedade da Inclusão
da Educação de Jovens e Adultos como modalidade de Ensino Fundamental e Médio, e obtermos o resgate da dignidade escolar de muitas
pessoas que não tiveram oportunidade e acesso à Escola.
Após a análise das entrevistas descritas também foi possível concluir que o importante a considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e
adultos trabalhadores, maduros, com larga experiência de vida e profissional e com um olhar diferenciado sobre as coisas. A quase totalidade
dos alunos que freqüentam são trabalhadores, e as empresas estão exigindo que estudem. Com sacrifício, essas pessoas se dispõem a freqüentar cursos noturnos, na expectativa de melhorar de vida. A maioria tem a
esperança de continuar os estudos, terminar o Ensino Fundamenta, ter
acesso ao Ensino Médio e ter algum tipo de habilitação profissional.
Assim sendo, o desafio da Educação de Jovens e Adultos é o estabelecimento de metodologias criativas, com a finalidade de se garantir
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aos adultos analfabetos e aos jovens que tiveram passagens fracassadas
pelas escolas, o acesso à cultura letrada, possibilitando sua participação
ativa no universo político, profissional e cultural.
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Questionários e Depoimentos:
BALESTRO, Celito. (36 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12
dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
COELHO, Ednilson Furtado. (30 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
COMIOTTO, Guilherme. (23 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves:
12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do
TCC.
GENARI, Gilberto. (40 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12
dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do
TCC.
GODINHO, Jaime. (34 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12
dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do
TCC.
SANTOS, Clarisse dos. (35 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa
do TCC.
SANTOS, Kátia R. dos. (39 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves:
12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do
TCC.
SILVA, Clóvis Pompeu da. (23 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
BELLÉ, Soeni. (42 anos, Diretora de Ensino Médio e Técnico do CEFET - Bento
Gonçalves), Depoimento, Bento Gonçalves: Mar. 2006. Depoimento captado por
Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
FICAGNA, Evandro. (32 anos, CEFET-BG), Depoimento, Bento Gonçalves: 12
dez. 2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
FONTANA, Arrigo. (43 anos, CEFET-BG), Depoimento, Bento Gonçalves: 12
dez.2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
SILVA, Maria Terezinha Kaefer. (39 anos, Diretora NEEJACP Metamorfose Bento Gonçalves), Depoimento, Bento Gonçalves: Mar. 2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.
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ARTES VISUAIS PARA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Ignez Gomes Borgese1
Paola Zordan2
Muitas dúvidas cercam o cotidiano de um professor: Qual o currículo
que proporciona um real interesse, a troca de saberes entre educador e
educando e que, ao mesmo tempo, qualifique-os para o mundo, neste caso
o mundo do trabalho? Como justificar a presença da arte na educação,
nesta perspectiva tão pragmática? Não sei se conseguirei responder a
todas as questões, mas pretendo, nestas linhas, aproximar-me delas. Parto
da idéia de “caminhos”, palavra que encontra-se no plural porque acredito
não existir uma única possibilidade. Cada educador deve estar sempre “a
procura de” melhores condições para sua prática, trilhando, assim, diferentes caminhos em busca de uma educação de qualidade.
Definindo o que é currículo
Buscando a definição de “currículo” na sua etimologia, encontramos sua derivação no verbo currere (correr), que em latim significa “pista de corrida”. Willian Pinar (apud SILVA) a define como:
“... É, antes de tudo, um verbo, uma atividade e não uma coisa, um substantivo. Ao enfatizar o verbo, deslocamos a ênfase da”pista de corrida”para
o ato de “percorrer a pista”. É como atividade que o currículo deve ser
compreendido- uma atividade que não se limita à nossa vida escolar, educacional, mas à nossa vida inteira.”3
1
Professora de Artes Visuais do Colégio de Aplicação, Especialista em Educação PROEJA ,
turma Porto Alegre.
2
Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho
de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
3
SILVA,Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005 p. 43
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Para percorrer esta “pista” é imprescindível saber aonde e como
se vai chegar. Os objetivos destas ações que instrumentalizarão a prática escolar devem responder a questões “do que” e “para quem” devo
ensinar, assim como que cidadão pretendo formar. Para Tomaz Tadeu
da Silva não é possível uma definição universal de currículo. A sua definição está diretamente relacionada às diferentes teorias e autores que o
analisam. Sendo o currículo um instrumento que reflete ideologias, onde
se elege o que tem valor para ser ensinado ele, é, portanto um instrumento político. Estas teorias que definem o currículo, segundo o mesmo autor, estão divididas em: Teorias Tradicionais, Críticas e Pós-críticas.
Teorias Tradicionais, que são aquelas que se detêm na elaboração
técnica de como fazer o currículo sem questionar as estruturas sociais e
culturais dominantes, reproduzindo-as no espaço escolar. Ao contrário,
as Teorias Críticas questionam e desconfiam do modelo social vigente,
das estruturas escolares e suas formas dominantes de conhecimento.
Segundo o autor, para as teorias críticas, mais importante do que fazer o
currículo é desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que
o currículo faz. Por fim, temos as teorias pós-críticas, que ampliam o
conhecimento dos processos de dominação de classe, trazidas à tona
pelas teorias críticas, para um leque muito mais amplo onde estão situadas as relações de gênero, etnia raça e sexualidade.
Currículo é muito mais do que um conjunto de procedimentos, ele é
a organização social do conhecimento. È, segundo Tomaz Tadeu: “lugar,
espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso”.4
Então, como pensar um currículo que não seja um mero reprodutor
de conteúdos elencados pelos saberes universais hegemônicos? É possível arriscar-se por esses caminhos inseguros e incertos de múltiplas possibilidades?
Concepções e Modelos de Ensino
Aqui sigo os estudos da profª Maria Cristina Biazus para analisar
as teorias desenvolvidas a partir do século XX, as quais influenciaram os
modelos de ensino nos currículos de arte. A primeira seria a teoria
mimética. Relacionada com a pedagogia proposta por Walter Smith em
1872, essa teoria afirmava “que a arte é uma imitação da natureza e que
os alunos deveriam adquirir a faculdade da imitação”.5 A justificativa era
4
Ibid., 2005, p. 150
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que na escola pública o ensino da arte deveria reforçar a capacitação
para o trabalho. Neste modelo, mantêm-se as tradições reproduzindo-se
a sociedade vigente. Dentro desta perspectiva, acredita-se que ao imitar
a conduta de outros o aluno estará aprendendo.
O Formalismo relaciona-se com o currículo proposto por Arthur W.
Dow, em 1899, no qual ele acredita que analisando os elementos formais
encontrados nas obras de arte: linhas, formas, cores tons e texturas, bem
como os princípios organizacionais destes elementos, se possibilitaria a compreensão e “apreensão da beleza da forma”. Nesta proposta o contexto
social ficou de fora. Segundo o Modelo Formalista o aluno aprende formando estruturas cognitivas estabelecendo relações, formando conceitos e usando
vocabulário específico da Arte. Este modelo, segundo Efland, esteve presente durante a reforma curricular americana da década de 60, “com as
visões cognitivas da aprendizagem desenvolvidas por Brunner”6, resultando
no que hoje se conhece como Discipline Based Art Education. Este buscou relacionar a estrutura das disciplinas, que compreendem as disciplinas
de História da Arte e Estética ou Teoria da Arte, com os estudos piagetianos
de construção da aprendizagem e a aquisição de estruturas cognitivas. No
Brasil, Ana Mae Barbosa desenvolveu a Proposta Triangular, na qual o
formalismo é inserido num contexto mais amplo, que veremos mais adiante.
Na teoria Progressista, Efland cita os arte educadores Harold Rugg
e Ann Shumaker que, em 1928, propõem o que eles chamam de autoexpressão criativa,na qual a cópia e imitação eram desencorajados em
prol da originalidade. O currículo era centrado na criança partindo do
pressuposto que o crescimento expressivo capacitava a criança a crescer
emocionalmente. Segundo o mesmo autor, apesar da proposta prever abranger as crianças de todas as classes sociais, grande parte das famílias das
classes trabalhadoras e imigrantes optou por não colocarem seus filhos
nas escolas progressistas. Neste modelo trabalha-se as sensações, que
são priorizadas como processos mentais de auto-conhecimento. Por isso,
segundo este modelo, a arte é terapêutica. Viktor Lowenfeld e Herbert
Read foram os principais defensores destes princípios.
Na teoria Pragmática a arte é priorizada pela “eficiência em solucionar problemas práticos e estéticos que afetam a vida do fruidor.”7 Seu
slogan era “Arte na vida diária”. Estas idéias foram apresentadas por
Melvin Haggerty em 1935, época de guerra e depressão econômica. No
5
BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista ano III nº4 dez.1997. p. 88
BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista ano III nº4 dez.1997. p.91
7
PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciação
estética de jovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado em Educação)
– Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.
6
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modelo pragmático a arte é vista como modelo de reconstrução social que
segundo esta visão é possibilitada pelo encontro com as novas experiências redimensionando as visões de mundo. A arte tem valor instrumental.
Esta visão pragmática da arte na educação originou-se nas teorias da inteligência de Dewey, na qual “experiências sucessivas podem fazer com
que o aprendiz revise ou reconstrua a sua visão da realidade”.8
Por fim a teoria Culturalista , vigente desde os anos 1980, mostrase sensível às relações de poder que definem as representações sociais e
que estabelece relações entre cultura, significação , identidade e poder.
Um breve histórico do Ensino das Artes no
Brasil
Procurando estabelecer uma conexão entre o ensino de Artes no
Brasil e as teorias estéticas e curriculares, pode-se dizer que com a 1ª
Academia de Belas Artes, inaugurada por D. João VI, inicia-se no Brasil
o ensino das Humanidades, que se enquadra na definição das teorias do
currículo tradicional. Este currículo reproduziu o gosto da burguesia, o
estilo “neoclássico” em oposição ao gosto popular, o estilo “barroco”.
No final do século XIX e início do século XX, a educação encontrava-se sob influência de duas correntes: o liberalismo, americano, e o
positivismo, europeu. É sob influência deste último que o desenho passa
a fazer parte do currículo das classes populares, nas escolas primárias e
secundárias, cujo ensino era voltado para o mercado de trabalho.
Nos anos 30, sob a influência dos estudos da psicologia e da psicanálise vindos da Europa e Estados Unidos, inicia-se a Escola Nova ou
escolanovismo. Esta proposta de ensino é baseada nas idéias do filósofo
americano John Dewey onde o ensino é centrado no aluno, no seu potencial criador e onde o professor seria o “facilitador” destas experiências de livre-expressão. A “educação pela arte”, obra do inglês Herbert
Read, foi divulgada no Brasil por Augusto Rodrigues, um dos criadores
da “Escolinha de Arte do Brasil”. Durante a ditadura Vargas, a Escola
Nova perde força, ressurgindo em 1945 até 1958, período de
redemocratização do país.
Após o golpe militar de 1964, instala-se o modelo tecnocrático, o
qual é alicerçado no princípio da otimização, racionalidade, eficiência e
8
BARBOSA, Ana Mae. Analice Dutra Pillar (org.) A Educação do Olhar no ensino das artes.:
As Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma e cultura. Porto Alegre:
Mediação, 2001 p.99
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produtividade. É durante a ditadura militar, a partir da Lei de Diretrizes e
Bases 5692/71, que a disciplina de Educação Artística torna-se obrigatória no currículo do Ensino Fundamental, então I grau e em alguns currículos do Ensino Médio, II grau naquela ocasião.Como resultado da falta
de professores de Educação Artística para atender a demanda criam-se
em 1973, as Licenciaturas de curta duração, dois anos, onde o professor
era habilitado a lecionar artes plásticas, Música e Teatro. Como conseqüência Cléa Penteado observa que “dessa política, resultaram professores que se transformaram em simples aplicadores de técnicas e atividades, sem uma fundamentação teórica aprofundada em qualquer uma
das três áreas de conhecimento”9. Nos anos 80, a prática da disciplina
encontrava-se confusa, transformada em técnicas decorativas ou “desenho livre”. Os professores começam então a organizarem-se em associações com o intuito de discutirem os caminhos da arte-educação.
É através da FAEB – Federação Nacional de Arte Educação do
Brasil, criada em 1987, que se consegue, através de intensa mobilização,
vetar a não obrigatoriedade do ensino da arte na nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, sancionada em dezembro de 1996.
Na década de 80 é sistematizada a Proposta Triangular de Ana
Mae Barbosa, na qual os componentes de ensino e aprendizagem são:
criação, leitura de obra e contextualização. Esta proposta envolve o fazer integrado-o com o estudo de obras e artistas junto do contexto cultural em que se insere. É influenciada por três movimentos:
1. as Escuelas Del Aire Libre mexicanas ,(1913 e 1920 a 1933) ,que segundo Ana Mae, foi o “único movimento modernista do ensino da Arte que
deliberadamente, programaticamente integrou a idéia de arte como livre
expressão e como cultura”10;
2. DBAE- Disciplined Based Art Education- proposta americana que defende a arte como disciplina do conhecimento e integra a Estética, a Crítica
e a História da arte com a produção artística.
3. Critical Studies inglêses – a qual possui origem nas teorias críticas
marxistas.
Em 1996, são divulgados os Parâmetros Curriculares Nacionais, que
se propõem, como o título já diz, a serem uma referência, um “ponto de
partida” único para um currículo que contivesse as demandas contempo9
Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos. Ministério da Educação, Brasília, 2006. p.47,48,49
10
SOARES, Leôncio (org). Estudos em Eja. p.127
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râneas da educação no Brasil. Uma das críticas aos PCNs reside no fato
de que suas diretrizes, ainda que no seu texto mencione a flexibilidade de
ação daqueles que o utilizam, não considere a diversidade sócio-cultural do
país, criando assim um currículo “globalizadamente” engessado.
Para Tomaz Tadeu, atualmente, após termos vivenciado as teorias
críticas e pós-críticas, seria inconcebível traçarmos diretrizes a partir de
“conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias
psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de
imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos:”
Arthur Efland afirma que em um currículo em artes pós moderno,
o educador não deve descartar as experiências modernistas ou pré-modernistas, apropriando-se delas em favor do desenvolvimento das competências necessárias aos saberes contemporâneos:
“As estéticas mimética, pragmática, expressivas e formalista teriam seu
lugar na apreensão crítica da arte porque elas elucidam certos tipos de
valores estéticos em certos tipos de arte. A questão agora deve ser ampliada e também questionar em que contextos sociais o formalismo ou o
expressionismo funcionam como uma verdadeira teoria. As antigas teorias podem ser recicladas da mesma forma que os artistas de hoje reciclam as
imagens da arte antiga ou da cultura popular.
Seria o caso de não tomar uma única teoria do passado como teoria verdadeira,
mas como explicação provisória com relação à natureza e valor da arte.”11
Nossas possibilidades de escolhas não se limitam a “receitas” que
ocasionalmente obtiveram bons resultados e que por isto devam ser
reproduzidas aleatoriamente. Um olhar muito mais sensível faz-se necessário nesta mediação entre professor e aluno. Um olhar sem dogmas
nem verdades absolutas.
Proposições para Educação de Jovens e Adultos
As orientações pedagógicas propostas no documento base do
PROEJA, prevêem um currículo diferenciado dos modelos tradicionais
de ensino12:
.tos.São propostos novos espaços e tempos na educação de jovens e adul. A organização curricular é processual, coletiva e prevê abordagens
11
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 106.
12
BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ª ed. São Paulo:
Cortez,2003, p.19
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metodológicas de integração curricular como: abordagens embasadas na
perspectiva de complexos temáticos, por meio de esquemas conceituais,
mediada por dilemas reais vividos pela sociedade e por áreas do conhecimento.
.dasSãodisciplinas,
enfatizadas as abordagens que transitam na diluição dos contornos
a valorização dos saberes adquiridos, o acesso à produção de saberes da sociedade;
.demandas
Diálogo entre as experiências que estão em andamento, diagnóstico das
locais e um planejamento construído coletivamente.
. Nova cultura escolar sendo necessária uma política de formação docente.
Sendo o ensino da arte transdisciplinar em sua essência, permitindo
um livre trânsito entre diversas áreas do conhecimento, seu oferecimento como disciplina na educação de jovens e adultos só vem a reforçar o
que o documento base propõe: uma educação inclusiva que busque a
formação integral do indivíduo.
No filme do cineasta João Jardim, “Pro Dia Nascer Feliz”,o qual
aborda a temática da educação de jovens do Ensino Médio no Brasil, há
uma cena em que aparece o depoimento de uma jovem que, quando
ainda estava na escola, fazia parte de um grupo de fanzine, com suas
poesias. Terminado o Ensino Médio, ela estava trabalhando em uma
indústria, onde sua função era dobrar calças. Quando questionada sobre
o que havia mudado e o porque dela não escrever mais, ela diz “não ter
mais tempo nem espaço para isto”. O trabalho, assim como as responsabilidades da “vida adulta”, dignifica, mas também sufocam o tempo criativo, reflexivo, direcionando o olhar para o pragmático, aquilo que realmente interessa afinal “tempo é dinheiro”.
Acredito que a escola de jovens e adultos deva proporcionar este
espaço-tempo. Como disse a professora Malvina Dorneles a “escola é
lugar de cuidado, e mesmo sendo uma instituição por muitos considerada
ultrapassada, a que menos se modificou com o tempo, ainda continuamos
a confiar nossos filhos a ela”.13 Aula da profª Malvina do Amaral Dorneles
- A Escola e a ética do cuidado.
Curso de especialização:
Educação técnica de nível médio na modalidade de educação de
jovens e adultos. Faced, janeiro de 2007
O ensino da arte aproxima o indivíduo daquilo que é produzido
culturalmente, informações que muitas vezes não tem acesso, estabele13
RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das Artes
visuais. Campinas , SP: Mercado de Letras. 2003, p.19
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cendo conexões do indivíduo com o mundo em que vive e com mundos
mais distantes. Ana Mae afirma que, o conhecimento da imagem, recurso utilizado em arte na escola, é de fundamental importância não só para
o desenvolvimento da subjetividade, mas também para o desenvolvimento profissional, visto que diversas profissões estão relacionadas diretamente ou indiretamente à Arte.14
Sobre o ensino da arte na Educação de Jovens e adultos, Cléa
Penteado afirma:
“Quando nos deparamos com jovens e adultos que já viveram diferentes
tipos de experiências escolares, sendo a maioria delas cerceadoras,
limitadoras e impositivas de padrões culturais e estéticos, o papel da arte
na educação desses sujeitos que retornam à escola é ainda mais desafiador. É preciso considerar as experiências, as formas de expressão já
vivenciadas pelos sujeitos e aprender com elas...”15
Para lidar com esta multiplicidade de vivências, faz-se necessário
como o Documento Base do Proeja apontam, a formação continuada
dos professores. Leôncio Soares aponta esta e outras questões como
sendo necessárias e urgentes para um curso de Eja de qualidade:
“ A necessidade de se estabelecer um perfil mais aprofundado do aluno; a
tomada da realidade em que está inserido como ponto de partida das ações
pedagógicas; o repensar de currículos, com metodologias e materiais didáticos adequados às suas necessidades, e finalmente a formação de professores condizente com a sua especificidade.”16
A disciplina de artes visuais, reforçada por procedimentos pouco
consistentes, ainda é vista por muitos equivocadamente. Uma das críticas
que, segundo os autores engajados na Proposta Triangular, contribuem
para a visão depreciativa da arte educação como mero passatempo, é a
herança do modelo expressionista na qual dá-se prioridade ao fazer sem
estabelecer relações entre as diferentes matérias artísticas. Além disso, a
idéia de que o artista nasce com um dom e a falta de suporte teórico de
alguns professores contribui para o descrédito do ensino da arte.
14
BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ªed. São Paulo:
Cortez,2003.p.20
15
PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciação estética de
jovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2001.
16
ZORDAN, Paola. Concepções Didáticas e Perspectivas Teóricas para o Ensino das Artes
Visuais. Porto Alegre: UFRGS, p.5
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Perspectivas interculturais
Um currículo atual deve levar em conta a visão de mundo de seus
educandos, pois partindo de sua realidade é possível entender as outras.
Nesta conexão das experiências trazidas pelos alunos e o contexto escolar, formam-se os vínculos com a escola e a ponte para o conhecimento.
Fernando Hernández afirma que o “conhecimento se dá a partir da
interação do meio em que o sujeito está inserido com o mundo social
circundante o que leva, na educação, a estabelecer critérios que permitam avaliar a qualidade desse conhecimento.”17
Inserido nas propostas atuais de ensino, o multiculturalismo,
pluriculturalidade ou interculturalidade,os quais pertencem às teorias póscríticas de currículo, se propõem a ir mais além da fabricação de cocar
para o dia do índio. Sendo um dos compromissos da Arte-Educação Pósmoderna , segundo Ana Mae, o “trabalho com a diversidade cultural, o
conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que caracterizam a nação e a cultura de outras nações”.18
Ivone Richter afirma que dentre os termos acima citados,
“interculturalidade”seria o mais adequado pois, este cria uma interação
entre culturas enquanto que no multiculturalismo e pluriculturalismo as
culturas são abordadas dentro de seus contornos.19
Poder reconhecer-se na sua própria cultura é um dever da escola.
Isto não significa privar os educandos do acesso à cultura dominante, a
erudita, mas estabelecer valores igualitários entre as diferentes culturas.
Tomaz Tadeu ressalta que o multiculturalismo é um movimento
político onde não podem ser esquecidas as relações de poder que estão
presentes nesta relação entre culturas. Segundo ele, a crítica ao
multiculturalismo está num certo relativismo e que as diferenças devem
ser mais do que toleradas ou respeitadas, mas sim colocadas sempre em
questão. As questões de conhecimento, cultura e estética não devem ser
separada de questões de poder.
Criação de um currículo de Artes para o Proeja
Nesta perspectiva, onde estão previstos o diálogo entre diferentes
culturas, assim como uma prática engajada em seu contexto que dê conta
17
Ibidem, 2007, p.10
PARSONS, Michael. Dos repertórios às ferramentas: ideais como ferramentas para a
compreensão das obras de arte. In: FRÒIS, João Pedro. Educação estética e artística: abordagens transdisciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. p.176
18
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da diversidade das imagens que compõem o universo imagético da atualidade, acredito que a proposta triangular e a pedagogia de projetos sejam
os suportes que melhor sustentem um ensino de Artes Visuais para a educação de jovens e adultos.
Como já foi mencionada, a proposta triangular foi implementada no
Brasil na década de 80, época em que o ensino da arte se encontrava com
sérios problemas. Paola Zordan define este contexto como resultado da
“formação deficitária dos professores, das práticas tradicionais de cópias de
modelo e desenho geométrico misturadas com a técnica pela técnica” e o
“livre-fazer” fundado em pressupostos do método espontâneo-reflexivo (que
Ana Mae Barbosa investigou ser a obscura herança das teses do professor
Nereu Sampaio e suas interpretações das idéias de John Dewey).”20
A proposta triangular se fundamenta em três eixos articuladores do
ensino das Artes Visuais: a produção artística, a interpretação ou apreciação estética, a leitura de imagens e sua contextualização histórico-geográfica. A imagem é interpretada na sua totalidade, abrangendo aspectos como
crítica social, raça e gênero, onde também são abordadas as diversas produções culturais, permitindo o trânsito entre a cultura hegemônica e a cultura popular. Aliado à idéia de um ensino onde o sujeito aprendiz seja agente da sua aprendizagem e que esta aprendizagem se dê de forma constante na relação entre os conhecimentos já adquiridos e os novos desafios que
surgem no percurso do conhecimento, se encontra a proposta de educação de Fernando Hernandéz, através da “pedagogia de projetos” ou “projetos de ação”. Os projetos possuem sua origem, segundo na Escola Nova,
com os Centros de Interesse das pedagogias formalistas e com os Temas
Geradores propostos por Paulo Freire, que se configuram como método
de construção de saberes da pedagogia libertária.
Esta estratégia de trabalho se propõe, entre outras questões a “reorganização da gestão do espaço, do tempo, da relação entre docentes e
alunos e a redefinição do discurso sobre o saber escolar ,aquilo que regula
o que se vai ensinar e como deveremos fazê-lo. Desta forma, segundo
Hernández, estaríamos propondo uma maneira mais competente de lidar
com a quantidade de informações geradas no contexto atual, aprendendo
a selecioná-las , interpretá-las e relacioná-las com outras fontes de conhecimento, possibilitando, assim, uma formação mais ampla do indivíduo.
Os projetos nascem do tema, questionamentos, interesses, promovendo a participação ativa do aluno enquanto pesquisador assim como do
professor que não detém o conhecimento, favorecendo “correr riscos”
nesta caminhada.
O educando participa como sujeito ativo na elaboração das etapas
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do estudo. Não existe um direcionamento estático, mas sim um fio condutor que auxilia na dinâmica do trabalho. Erguem-se múltiplas possibilidades
para dar conta dos problemas: visitas, presença de convidados na sala de
aula, organização da classe em grupos, individualmente etc... Nos projetos
em arte, o uso da imagem é central na sua elaboração, transitando pelo
universo de imagens que compõem a cultura visual. Outra característica
do trabalho por projetos é a não existência de procedimentos engessados,
permitindo que questões muitas vezes imprevistas pelo educador, que possam surgir no decorrer do trabalho, se insiram a este correspondendo muito mais aos reais interesses dos educandos.
“ Mesmo que se baseie em métodos, mesmo seguindo eixos previamente
determinados, não existe ação-investigativa pronta, dada como conhecimento formado, acabado, que possa ser descrito e reproduzido. Assumir
os problemas colocados pelos alunos é deixar-se levar pelo imprevisto, ter
que mudar os planos, aceitar as interferências do acaso, de tal maneira que
uma pedagogia assim não é passível de ser copiada. Trabalhar com projetos leva professores e alunos a buscar soluções, a procurar por novos
conhecimentos e criar ações singulares, de modo que acabam traçando
caminhos inusitados”.21
Sem uma rigidez seqüencial, possibilita-se um currículo “aberto”, no
qual as situações problema direcionam as estratégias. Esta idéia de movimento, de algo que se ramifica, é sugerida por Efland22 como a imagem de
uma rede, que vai tramando-se e na intersecção destes desdobramentos, é
que, segundo o autor, se dão os momentos mais criativos.
A idéia do trabalho por blocos de conhecimento, onde os professores de áreas afins planejam e trabalham juntos, ainda encontra dificuldades como disponibilidades de horários de professores, pouco tempo para
planejamento e a resistência de alguns professores que negam a incerteza de quem se arrisca neste território politicamente problemático. Uma
educação que não vê sentido nos fragmentos de informações resultantes
dos rígidos contornos das disciplinas compartimentadas.
Hoje, vejo que a minha geração, com algumas exceções, foi vítima
de uma educação que não alimentou a curiosidade, ingrediente básico
para o conhecimento. Fomos refém das “decorebas” e das provas de
múltipla escolha. Eu, que não encontrei muito sentido na minha educação escolar, encerro minhas linhas tortas levantando uma bandeira otimista de que o ensino da arte tem, sim, muito a contribuir para uma
educação de qualidade também para os jovens e adultos que por, alguma
razão, resolveram retornar à escola.
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Referências
BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ªed.
São Paulo: Cortez, 2003.
BARBOSA, Ana Mae. Analice Dutra Pillar (org.) A Educação do Olhar no ensino
das artes.: As Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma e
cultura. Porto Alegre: Mediação, 2001
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ESTUDO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Lisinei Fátima Dieguez Rodrigues
Tânia Beatriz Iwasko Marques
1
2
Introdução
O trabalho em arte é, por excelência, a tradução do pensamento e
das ações de uma época. Enquanto linguagem de expressão, o teatro pode
materializar o utópico e o real, ressignificando situações que já não conseguimos ver de maneira diferente. O corpo do ator em cena, associado a
elementos sonoros e visuais, é mais do que um ambiente de convívio entre
as pessoas. Ao proporcionar espaço para a reapresentação da vida, fomenta o imaginário e as concepções estéticas individuais e coletivas.
Percebendo nos processos de criação coletivos a interação entre
os sujeitos e a realidade, pode-se afirmar que educação e teatro aproximam-se para construir conhecimento de forma lúdica. Na relação com o
outro se constrói a própria identidade e pratica-se uma leitura da realidade baseada numa tomada de consciência. Para desenvolver esse processo de consciência de si e do mundo, ficcional e real, é necessário que
se participe de atividades que proponham a passagem da percepção,
contato, com o objeto ou uma ação, para uma atuação sobre estes, chegando à representação dos mesmos. Essas podem ser desenvolvidas
através da metodologia dos jogos teatrais.
Assim sendo, este trabalho propõe-se a justificar o estudo do teatro
no contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
1
Atriz e Professora de Teatro do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão da autora do presente artigo.
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A preparação d aluno-ator para a arte teatral
1.1 A importância do fazer teatral pelo jogo
O entendimento do teatro na educação como linguagem específica
de expressão, construída pelo sujeito a partir de atividades lúdicas envolvendo regras, simbolização e exposição a outros, pode favorecer o caráter reflexivo do pensamento de forma individual e coletiva.
Segundo Richard Courtney (1974), compreende-se por atividades
lúdicas todas aquelas que envolvem o sujeito de forma voluntária e
prazerosa durante sua realização. No Jogo com regras a atividade lúdica
é organizada, sistematizada, formalizada a fim de contemplar um objetivo comum. O Jogo Dramático3 combinado ao Jogo com Regras origina
o Jogo Teatral4, que passa a integrar um terceiro elemento: a platéia.
Representar diante de uma platéia na forma teatral é, portanto, a conseqüência de um elaborado caminho envolvendo tempo, espaço, consciência de si, consciência do outro, simbolização.
Em Teatro e Construção do Conhecimento, Gilberto Icle (2002)
enfatiza que a consciência do corpo em estado de representação é algo
construído pelo sujeito a partir do contato de experiências com a linguagem teatral. A participação em atividades de expressão dramática possibilita a observação, a análise, a experimentação e a construção de uma
linguagem artística própria.
1.2 Algumas concepções sobre a
consciência no fazer teatral
A respeito da natureza da arte, em A Poética, Aristóteles (apud
COURTNEY, 1974, p.7) já afirmava que o teatro é a imitação da vida
não apenas em seus fatos, mas numa versão dos mesmos. Afirma ainda
que a imitação é natural ao ser humano, é um prazer intelectual e uma
forma inicial de aprender. Ao apontar os processos de criação na arte
teatral, o filósofo grego reafirma a intencionalidade no trabalho do artista, perspectiva interessante se observarmos que historicamente havia
uma profunda identificação entre arte e ritual.
3
Atividade lúdica que envolve simbolização, “faz-de-conta”, sem objetivo de apresentação
para outrem.
4
O Jogo Dramático com vistas a apresentação diante de uma platéia. Envolve relacionamento dos participantes entre si e com os espectadores.
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Constantin Stanislavsky, diretor teatral que no conjunto de sua obra
escreveu sobre os processos de criação e a preparação para a arte de
representar, chamaria a esse fenômeno dualidade do ator, quando se
experimenta uma dupla consciência: o tempo presente da exposição diante da platéia e as ações preparadas no passado e reapresentadas então. Afirma que no teatro o ator identifica-se com as motivações, as
emoções descritas pelo papel a interpretar e mostra-as no personagem
através de ações físicas coerentes, verossímeis.
Para Moreno (apud COURTNEY, 1974, p.97), na teoria denominada psicodrama, o teatro é uma extensão da vida. Em seu caráter
terapêutico e catártico, proporciona efeito somático (através do relaxamento corporal), autoral (na recriação de um conflito), vivência de uma
situação-limite e participação da platéia na experimentação dos eventos.
Vale ressaltar que esse autor utiliza-se deliberadamente da linguagem
teatral como forma de acesso aos conteúdos do inconsciente, não se
colocando como proposta estética de encenação.
Para Piaget, (apud FUCHS, 2005, p.42), é no binômio ação e pensamento que se encontra a essência de todo processo cognitivo. As estruturas de pensamento se constituem com e a partir das ações do sujeito, mesmo que muitas vezes o sujeito não compreenda na sua totalidade
os mecanismos do seu agir. Processo presente no jogo simbólico que
integra o fazer teatral.
1.3 Ressignificação do eu e do mundo:
teatro e pensamento
Pensando-se que a característica peculiar do teatro é a existência
de um conflito, entendido aqui como sinônimo de ação dramática, vale
revisar o que a psicanálise tem a nos dizer. Em Jogo Teatro e Pensamento, Richard Courtney (1974, p.109) escreve sobre a visão de Freud
a cerca da criatividade: Freud considerava o conflito a base tanto da
neurose como da criatividade. Apesar de ambos serem originados em
uma realidade insatisfatória, buscando a imaginação, o artista pode encontrar o caminho de volta para a realidade. Durante o processo de
criação, o ator experimenta as emoções, reconhece e representa os conflitos do personagem. Na tradição do teatro ocidental, o espetáculo propõe um acontecimento catártico para a platéia, que se alivia por identificar-se com o personagem em seus conflitos e nas estratégias para superálos, sem necessitar passar pelas suas peripécias.
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Todo e qualquer gênero de representação teatral traz o conflito em
sua base, seja nas formas dramática, lírica ou épica. Os conflitos diretos
entre os personagens, os conflitos existenciais ou sociais, os
questionamentos humanos atemporais e universais compõem esse
arcabouço das situações dramáticas.
Luria e Vygotski (apud COURTNEY, 1974, p.276) apontam que a
criatividade desenvolve-se na percepção complexa, na memorização inteligente, na atenção voluntária e no pensamento lógico, descritas como “as
mais altas funções mentais” proporcionadas pelo contato interativo com
seu meio social. Percepção, descrição e ação construída de forma consciente, sendo rotinas nos jogos teatrais, estimulam o pensamento imaginativo
e potencializam a criação na linguagem artística, que atua por metáforas,
simbolismos e só existe enquanto teatro com a interação ator/platéia.
Para Paulo Freire (1996, p.19), artistas estabelecem conexões lógicas, plausíveis, nos seus processos de delineamento do objeto artístico.
O rigor científico/técnico se dá no processo de reflexão que leva à criação, não na avaliação a cerca do produto artístico final.
1.4 Fazer Teatral: um ato de consciência
O inconsciente revelado através dos processos de escolha dos elementos cênicos, que é uma atividade de plena consciência, é mais um aspecto a ser considerado pelo educador. Independente da faixa etária, as
intencionalidades dos alunos-atores no fazer teatral revelam seus conteúdos
sócio-afetivos e de cognição. Suas concepções éticas (o que é bom ou ruim)
e estéticas (o que é belo ou é feio) aparecem na forma como se articulam no
jogo ou nos momentos em que é necessário improvisar suas ações.
É preciso repensar ainda algumas idéias arraigadas nas práticas
escolares que apontam a atividade teatral como elemento recreativo,
socializante ou didático desprovido de um conteúdo, apartado do conhecimento. O conteúdo do teatro é a própria vida e a sua relação simbólica
e metafórica com a mesma. O fazer teatral é fonte de aquisição de
conhecimentos internos e externos, é atividade prazerosa, de integração
social e de aprendizagem por envolver o sujeito nesse processo de forma
integral. Na representação teatral não há espaço para o fingimento. A
consciência nas intenções do ator é fundamental para que o fenômeno
da representação aconteça. A consciência da condição de espectador
da arte teatral é igualmente fundamental, pois a platéia opera na cumplicidade com o ator.
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Os documentos oficiais e o ensino de teatro no
Brasil
A multidisciplinaridade, a transversalização do conhecimento e o caráter transnacional na articulação dos saberes, bem como a formação integral dos sujeitos se coloca na agenda dos educadores contemporâneos.
Vemos nos documentos oficiais da educação básica brasileira a
distinção da área de teatro como especialidade. Pode-se observar sua
necessidade no currículo a fim de atender aos propósitos de compreender e ressignificar conhecimentos na ciência, nas letras e nas artes.
O artigo 26, páragrafo 2, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996, Lei 9394/965 determina a obrigatoriedade do ensino
de arte como forma de promoção do desenvolvimento cultural dos alunos. A mesma lei aponta para a necessidade de planejar e desenvolver
“o currículo de forma orgânica, superando a estruturação por disciplinas
estanques e revigorando a integração e a articulação dos conhecimentos, num processo permanente de interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade” (p.31).
No documento base do Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens
e Adultos (PROEJA) observa-se a ênfase na importância da valorização dos saberes de seus alunos e de suas manifestações culturais. O
texto do documento aponta para a idéia de que cada aprendente traz em
si todo um rico universo para as trocas com seus pares, para a interação
de seus saberes com os saberes próprios da educação escolar, acumulados pela tradição acadêmica ao longo dos tempos. Poder justificar, contrapor e justapor esses saberes nas mais diferentes formas de expressão
contribui para o autoconhecimento e para a construção de uma visão de
mundo mais enriquecida em diversidade cultural.
Ao analisar as propostas inseridas no documento base do PROEJA,
é possível verificar que currículo e método acolhem a todo o instante a
atividade artística. A perspectiva de trabalho transdisciplinar, da organização do horário por blocos e a necessidade de acolhimento das diferentes culturas de seus aprendentes colocam a atividade teatral como referência interessante.
Por envolver o indivíduo de forma total - corpo em movimento,
pensamento imaginativo, tradução de idéias e emoções em formas con5
In:Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil, p.31.
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cretas, simbolizadas pelo corpo ou pelos objetos que o cercam - o teatro
torna-se importante recurso pedagógico sem deixar de lado sua função
artística. Diferentemente do trabalho do ator profissional, o aluno-ator
fará uso do teatro no contexto de suas aprendizagens de conceitos, sem
deixar, entretanto, de fruir de produtos culturais e experimentar-se nas
diferentes linguagens de expressão artística.
Na interação entre linguagem e pensamento, a pedagogia da
interdisciplinaridade oferece às artes a oportunidade de constituir pensamento simbólico, metafórico e criativo. As aprendizagens em teatro apresentam-se, ainda, como importantes exercícios de análise, síntese e solução de problemas.
Entretanto, no Parecer do CNE/CEB 11/200 – Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos – elaborado
pelo relator Carlos Roberto Jamil Cury, a educação em arte ainda aparece com a recomendação de caráter facultativo ao aluno.
Os componentes curriculares ligados à Educação Artística e Educação
Física são espaços oportunos, conquanto associados ao caráter
multidisciplinar dos componentes curriculares, para se trabalhar a
desinibição, a baixa autoestima, a consciência corporal e o cultivo da
socialidade. Desenvolvidos como práticas sócio-culturais ligadas às dimensões estética e ética do aluno, estes componentes curriculares são
constituintes da proposta pedagógica de oferta obrigatória e freqüência
facultativa. Contudo a oferta destes componentes não será obrigatória
para os alunos no caso dos exames supletivos avulsos descolados de
unidades educacionais que ofereçam cursos presenciais e com avaliação
em processo. (p.63/64).
Ao ler o documento na íntegra, cabe questionar o motivo da educação em arte ser considerado facultativo ao aluno de EJA visto que no
próprio parecer se fala nas funções reparadora, eqüalizadora e
qualificadora dessa modalidade de ensino (p.10). O caráter de adequação aos tempos e espaços dos currículos não pode ignorar o acesso a um
projeto pedagógico que contemple a ampliação dos direitos de cidadania,
de inserção no trabalho em todas as suas áreas de atuação e melhoria da
qualidade de vida material, cultural e intelectual. Questionamento ainda
respaldado no Parecer CNB 15/98 e Resolução CEB 02/98 onde se lê
que a EJA-Ensino Médio deverá atender aos saberes das Áreas
Curriculares de Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza e Matemática, Ciências Humanas e suas respectivas tecnologias igualando-se
dessa forma às orientações curriculares para o ensino médio no Brasil.
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O ensino do teatro no contexto da EJA/UFRGS
Podemos aproximar as concepções do teatro clássico, que encara
a arte como a imitação da vida, com a vertente do psicodrama que, em
consonância com a utilização do teatro em atividades didáticas, comemorativas ou religiosas e ritualísticas, dão conta da arte da representação como uma extensão da vida.
Ler a realidade e apresentá-la na forma teatral com propósitos de
auto-conhecimento e/ou de transformação de si, do outro ou da sociedade
pode proporcionar a elaboração dos nexos plausíveis, referidos por Paulo
Freire, também para os alunos-artistas. Trabalhar na lógica do encontro de
culturas e no olhar sensível para o lugar de onde vem esse jovem e adulto
pode ser um caminho interessante a se percorrer nas aulas de teatro.
O teatro possibilita a interação dos sujeitos com os outros sujeitos de
forma plena. A educação para a estética tira o aluno da posição de um mero
consumidor de cultura para aproximá-lo de um protagonismo que liberta da
padronização, desenvolve pensamento crítico, humaniza. É nesse contexto
que o educador pode colocar-se como um “tradutor de culturas” 6, através
de uma postura problematizadora que aproxima os saberes trazidos pelos
aprendentes e o conhecimento científico/artístico acumulado.
Falar em educação estética significa falar em construção da subjetividade. A matriz estética polariza o saber cotidiano com o acadêmico,
colocando-se inclusive como desafio ao educador que, via de regra, não
habita os mesmos espaços sociais que seus alunos.
As temáticas de consciência e de estética abordadas como
reafirmação do conceito aristotélico de arte como imitação, como espelho da vida e a consciência como uma co-criação do futuro de cada
sujeito. Vista como forma e maneira de organizar qualquer prática social
e pessoal, ampliam-se esses conceitos ao afirmar que estética é pura
carga ideológica, é hegemonia de visão de mundo7.
Dessa forma, podemos ver que mais do que ensino de teatro é
adequado falar em educação pelo teatro. Considerando-se que os tempos destinados aos cursos de educação de jovens e adultos se colocam
de forma condensada, é possível afirmar que a prática do teatro, en6
A expressão “tradutor de culturas”, referindo-se a uma função do educador, é uma anotação
de aula da apresentação de “Escola e Emancipação: currículo, tempo e espaço”, tese de
doutorado de Alexandre Virgínio. UFRGS, 2006.
7
Apontamentos das aulas da disciplina “Ética do Cuidado na Escola”, no curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, promovido pelo Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Educação da UFRGS, com a Dra. Malvina Dornelles do Amaral.
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quanto linguagem respeitando suas diferentes etapas processuais na construção de um objeto artístico, promove aproximação de muitas áreas do
conhecimento, sendo transdisciplinar em sua essência.
Educar em arte é poder mostrar que cada detalhe de um produto
artístico é constituído com um objetivo. Não há acaso, há a sensibilidade
para a leitura de formas, sons e movimentos que a realidade oferece.
Articula-se, compara-se, contrapõe-se e justificam-se esses estímulos
sonoros, visuais, cinestésicos que a realidade apresenta, reordenandoos. Simbolizar artisticamente é decodificar numa linguagem que se utiliza da forma, do som, do movimento para apresentar e/ou reapresentar o
mundo e a realidade.
Visto que se apontam como significativas as aprendizagens que
envolvem os sujeitos como um todo, abordar identidade, cultura e trabalho de forma consciente e conscientizadora através de uma linguagem
artística como o teatro, parece interessante no contexto da EJA.
Considerações finais
O artista está sempre dialogando com a realidade ao ressignificá-la
em diferentes formas de expressão, seja ela sonora, visual ou dramática.
Propõe novas situações ficcionais, novas realidades e reassume, ainda que
provisoriamente, a conexão arte-rito-mito. Esse movimento de diálogo com
a realidade através de suas representações pode enriquecer de forma substancial as propostas curriculares na educação de jovens e adultos.
Educar em arte numa perspectiva reflexiva, libertadora, contribui
para esse enriquecimento por resgatar não somente a propalada autoestima e sociabilidade, como experimentar o comprovado aumento nas
habilidades de observação, concentração e percepção de si, do outro e
do espaço em que habita.
Aos re-incluídos na escola, na EJA, o teatro como forma de construção do conhecimento pode, através de associação transdisciplinar com
as outras linguagens e tecnologias entrelaçar saberes que transcende a
utilização da linguagem dramática como recurso didático. Encontrar-se
na perspectiva de protagonista para a construção de uma identidade artística individual e coletiva favorece não somente a aquisição prazerosa
de conceitos, como contribui para o exercício contínuo da consciência no
processo de aprender em contraposição ao acúmulo de informações.
Pensando no culto ao individualismo como uma prática cultural que
fragiliza e desumaniza, pode-se pensar em tomar o caminho inverso ao
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educar pelo teatro. Ao tornar o ensino em arte uma área de conhecimento
tão reconhecida quanto as demais, é possível resgatar cidadania numa
perspectiva de valorização das diferentes identidades culturais. O espaço
de encontro para a realização dessa atividade efêmera e eminentemente
coletiva que é o teatro pode configurar-se em momento de interação dos
aprendentes que, ao debater suas questões frente ao trabalho e a cidadania, criam movimento de conscientização a cerca dessas questões.
Em relação aos gestores da educação profissional, por que não seguir o exemplo de Escolas Federais como as de Alagoas (no curso de
formação de Atores), CEFET-Piauí (curso Técnico de Música e de Artes
Plásticas) e CEFET-Pará (curso Técnico de Música) que vislumbram no
ofício artístico possibilidades de trabalho e renda aos seus alunos?
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SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1987.
STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1970.
VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. Porto Alegre: L&PM, 1988.
“- Cinema é como TV, teatro é como livro - onde a gente que assiste ou lê
também inventa um pouco da história”.
Citação do aluno Isaías ao comentar apreciação do espetáculo Santo
Guerreiro e da própria atividade teatral.
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UMA NOVA PROPOSTA DE ENSINO NA
ESCOLA PÚBLICA
Analice Maria ANTONIOLLI1
Juçara BENVENUTI2
Apresentamos um trabalho que vem sendo realizado no Colégio
Estadual Pe. Colbachini de Nova Bassano. Trata-se de uma proposta
diferenciada de ensino da Língua Portuguesa na Educação de Jovens e
Adultos (EJA) que iniciou em 2002. Esta proposta trabalha a educação,
na perspectiva de totalidade nas várias dimensões do conhecimento, em
relação ao sujeito, ao objeto e ao contexto, pois o conhecimento está
vinculado à realidade, a situações concretas.
Esta modalidade de ensino prioriza a pesquisa da realidade a partir
das falas dos educandos e o planejamento coletivo envolve as três grandes áreas do conhecimento: sociolingüística, sócio-histórica e
sociocientífica.
Um novo modelo se constrói, quando há um processo coletivo, quando há uma escolha convicta de acreditar que o conhecimento que de fato
conta para a transformação social nasce da ação comprometida de todos.
Como a Língua Portuguesa foi o caminho de colonização do Brasil,
que seja, também, o caminho para reverter esta realidade de colonização
sempre presente, que pelo ensino do idioma hoje se possa aprender a ler
o “texto no contexto”, como diz Freire (2001.p.11), “[...] linguagem e
realidade se prendem dinamicamente, a compreensão de texto a ser
alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre
o texto e o contexto”.
1
Especialista em Educação Profissional Técnica de Jovens e Adultos e professora da rede
estadual de Nova Bassano na área de Língua Portuguesa.
2
Mestre em Teoria da Literatura, Coordenadora do projeto de Educação de Jovens e Adultos
do Colégio de Aplicação da UFRGS e professora de Língua Portuguesa e Literatura, orientadora
do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
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Para tanto apresentamos uma pequena retrospectiva analítica da
história da Educação no Brasil, desde sua colonização até a época atual,
destacando o trabalho de Freire, que embasou a construção das políticas
públicas que desencadearam a possibilidade das escolas criarem seus
programas de ensino e pensarem as necessidades do seu público alvo.
A “Educação de Jovens e Adultos” inicia-se ainda no período colonial quando os Jesuítas transmitiam seus princípios religiosos e ensinavam seus ofícios aos indígenas e aos escravos. Em 1750, com a expulsão dos Jesuítas, foram instituídas as aulas régias para profissionalização
e qualificação de docentes. Já, com a vinda da Família Real, foram criados Cursos Superiores na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas
Gerais: Escola de Serralheiros, Oficiais de Lima e Espingardeiros, os
quais identificam a intencionalidade de sua criação.
A Constituição de 1824 garantiu a instrução primária e gratuita para
todos os cidadãos, porém essa premissa não passou de intenção constitucional. Não há interesses econômicos e políticos que possam se projetar
sobre a educação dos que não fossem da elite. A Constituição de 1891, na
Primeira República, apontou a descentralização do ensino público,
direcionando a responsabilidade para as Províncias e os Municípios. Essa
mesma Constituição excluiu os analfabetos da participação pelo voto.
Um marco importante na história da educação, principalmente na
educação de adultos, é a revolução de 1930, que emerge com a industrialização e a aglomeração nas cidades, fato que destacou a necessidade
da qualificação da mão-de-obra. A partir dessa realidade, começou-se a
visualizar a educação das classes trabalhadoras, desencadeando um processo de reorganização estrutural do Governo e a criação, em novembro
de 1930, do Ministério da Educação e Saúde.
Na Constituição da República Nova de 1934, foram incluídas a
obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário, estendido aos adultos.
Em 1947, foi criado pelo mesmo Ministério, o Serviço de Educação de Adultos que, até fins da década de 50, desenvolveu o atendimento
a partir da infra-estrutura de Estados e Municípios.
Enquanto isso, alguém que nascera no dia 19 de setembro de 1921,
atuava como professor de Português. Seu nome era Paulo Reglus Neves Freire, conhecido mundialmente como Paulo Freire. Esse
pernambucano falava de educação social, do conhecimento do aluno de
si mesmo e dos problemas que o afligiam. Ele não via a educação simplesmente como meio para dominar os padrões acadêmicos de
escolarização ou para profissionalizar-se. Falava da necessidade de se
estimular o povo a participar de seu processo de emersão na vida pública, engajando-se no todo social.
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Nessa época, começaram a surgir campanhas que, mesmo não
durando muito tempo, foram tentativas de erradicar o analfabetismo. Em
1958, Juscelino Kubitscheck se afirma enquanto força no poder e se
mostra preocupado com os problemas e misérias sociais. Uma delas é a
educacional. Mesmo dentro de uma concepção populista, este momento
foi propício para o segmento da sociedade civil mais progressista, como
os operários intelectuais, estudantes, professores, campesinato, clero
católico que se organizaram ainda mais. Paulo Freire fazia parte deste
grupo, e, assim, foi um dos representantes do pensar daquele tempo.
Começaram a surgir movimentos de educação que reinventavam
ações junto aos grupos populares como práticas de organização,
mobilização e conscientização na luta por melhores condições de vida.
Entre eles, surge o MCP (Movimento de Cultura Popular do Recife) do
qual o professor Paulo Freire fez parte, juntamente com outros professores e artistas.
Em Angicos, um lugar pequenino no sertão pernambucano, começou um jeito diferente de ensinar a ler-e-escrever: denominado de o
“Método Paulo Freire”. As pessoas adultas aprendiam a ler e a escrever
mais depressa e bem melhor, porque elas não aprendiam só a ler e a
escrever as palavras, mas aprendiam a pensar e a refletir.
Em 1964, foi criado o Programa Nacional de Alfabetização do MEC
e iniciou-se um período de mais de vinte anos de ditadura militar. Era o
início da estagnação do processo educacional, sob a alegação oficial de
que os movimentos anteriores eram de cunho “ideológico”. Em um país
que vivia em plena ditadura, o Método Paulo Freire começou a ser considerado um “perigo”, porque
[...] a EDUCAÇÃO ajuda a mudar as PESSOAS. E ela muda as PESSOAS
ensinando elas, a saber, ler melhor, a saber, pensar melhor, a saber julgar
melhor o que está acontecendo, a saber agir melhor, juntas, uma ao lado
das outras.
E, assim, PESSOAS que sabem ler palavras lendo o MUNDO, haveriam de
saber mudar o MUNDO. Saberiam como fazer um MUNDO melhor para a
vida de PESSOAS mais felizes (BRANDÃO, 2001, p. 42).
Após o exílio de Paulo Freire, foi proibido qualquer tipo de trabalho
com a Educação Popular e alfabetização com o método Paulo Freire.
Em 1967, o Governo Federal criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL – e o ensino supletivo, com o objetivo de oferecer alfabetização a amplas parcelas dos adultos analfabetos, mediante
um intenso controle federal e centralizado. Assim também em 1971, sur-
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giu a Lei 5692, forjada nos gabinetes da ditadura, que regulamentava o
ensino supletivo. Essa estrutura, adequada à nova composição política,
estabelecia controle conservador e centralizador.
No final de 1985, o MOBRAL foi extinto nacionalmente e substituído pela Fundação Educar, que teve seu estatuto aprovado pelo Decreto
92374 de 6/02/86. Constitui-se na reprodução do ensino que
instrumentalizava o saber para a força de trabalho.
Em 1979, Paulo Freire pôde voltar ao Brasil. Ele já era um educador conhecido no mundo inteiro. Sem perder tempo, voltou ao seu trabalho de professor e aos “movimentos de educação popular”.
Em 1988, a Constituição Federal previu a modalidade de Educação
de Jovens e Adultos. Em 15 de março de 1990, a Fundação Educar foi
extinta por Medida Provisória. Em substituição à Fundação Educar, o
Governo Collor criou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, o qual não chegou a ser implantado.
Em 1996, foi promulgada a lei, vigente até hoje no país, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394.
O artigo 37 em seu caput prevê: “A educação de jovens e adultos será
destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria”.
Neste cenário as escolas puderam construir seus planos políticopedagógicos e seus regimentos adaptados à nova lei. No Rio Grande do
Sul, em abril de 1999, foi desencadeado um amplo movimento, denominado Constituinte Escolar que se caracterizou como um instrumento de
construção da democracia participativa do Governo do Estado na área
de educação. Este projeto notabilizou-se como um espaço concreto do
governo democrático e popular para que educadores, educandos, pais,
funcionários, movimentos sociais e instituições de ensino ocupassem seu
lugar nas definições dos rumos da educação.
A partir desse movimento político-pedagógico das práticas concretas, da teorização dessas práticas, com encontros locais, regionais e assembléia estadual, foram construídos os Princípios e Diretrizes para a
Educação na Escola Pública Estadual.
O Colégio Estadual Pe. Colbachini de Nova Bassano participou do
processo da Constituinte Escolar desde o primeiro momento, construindo seu projeto político-pedagógico e o regimento escolar a partir dos
princípios e diretrizes da Nova Escola Pública.
Nesta caminhada de construção e a partir dos Princípios e Diretrizes para a Educação na Escola Pública Estadual emergiu a Filosofia da
Escola: “Constituir um processo permanente de vida que leve à constru-
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ção de sujeitos históricos, críticos, protagonistas de uma sociedade plural, solidária, ética e cidadã”.
Ao mesmo tempo em que os sonhos e utopias se identificaram
mais com o modelo histórico-social, priorizando o homem como sujeito
histórico, a prática se tornou reveladora de ações que viabilizaram um
projeto não-excludente. Isso demandou a reformulação das diretrizes
que determinavam os trabalhos da escola e a criação de outras que pudessem apontar novos caminhos, metodologias e práxis pedagógicas.
Para tanto, fez-se necessário que a escola norteasse sua prática
na construção de um currículo contextualizado, que contribuísse para o
desenvolvimento social da Comunidade de Nova Bassano, buscando também a inclusão dos cidadãos trabalhadores que não tinham tido acesso
ou continuidade dos estudos na idade própria.
Iniciou-se em 2002 a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Ensino Fundamental e Médio no Colégio Estadual Pe. Colbachini com o
objetivo de:
Desencadear um processo de construção, reconstrução e ressignificação
dos saberes reveladores de sujeitos históricos, críticos, conscientes de
seus direitos e deveres, com tempo e espaços pedagógicos diferenciados,
priorizando as diversidades sócio-culturais, a interdisciplinaridade e
metodologias reveladoras de histórias e vivências formadoras de cidadãos éticos. (Proposta político-pedagógica, 2006, p.21).
O Ensino Fundamental e Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos foi organizado por Totalidades de conhecimento. A
concepção de totalidade considera que, assim como há constante interrelação dos fenômenos da natureza, o conhecimento se relaciona ativamente nos seus diferentes aspectos, constituindo-se em um processo de
totalização, que determina a predominância do todo sobre as partes. Esta
visão de Totalidade remete a estruturar o ensino de forma global, em
níveis crescentes e articulados entre si, não de modo estanque. Desta
forma, trabalham-se os conhecimentos com conotação interdisciplinar,
nas três grandes áreas do conhecimento: sociolingüística, sócio-histórica
e sociocientífica.
Nesta perspectiva, o ensino da Língua Portuguesa está sendo trabalhado dentro da área Sociolingüística, juntamente com Literatura, Arte,
Educação Física e Língua Espanhola numa relação de interdisciplinaridade
com as áreas Sócio-histórica (História, Geografia, Ensino Religioso e no
Ensino Médio a inclusão de Filosofia e de Sociologia) e Sociocientífica
(Matemática e Ciências, sendo que no Ensino Médio ocorre a divisão
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das ciências em Química, Física e Biologia). Defende-se a menor divisão das disciplinas, encaminhando a uma ação, na qual as Áreas do
Conhecimento produzem-se interdisciplinarmente.
Os trabalhos do cotidiano de sala de aula são planejados a partir
das falas dos educandos, ou seja, a partir de dimensões significativas,
portanto a interdisciplinaridade constitui-se como um caminho para a
transformação, utilizando uma nova pedagogia, capaz de restituir vida
nos processos de ensino-aprendizagem. Estes trabalhos devem desvelar
as contradições existentes na realidade, remetendo a uma análise crítica
que possibilitará a interação de suas partes e o rompimento com o senso
comum.
Aprender a ler textos nos contextos envolve compreender que vivemos em mundos de experiência da vida cotidiana onde, além daquela
gramática que ordena e classifica os elementos de uma língua escrita-efalada, existem outras gramáticas.
Surge, então, uma pergunta que todo educador de Língua Portuguesa se faz, sobretudo hoje, pois os educadores, mesmo não sabendo
bem para onde ir, sabem que precisam revisar a prática pedagógica do
ensino da língua:
[...] Pois uma pergunta fundadora, quando se mergulha no chão sem fundo
dos mistérios do aprender-a-pensar aprendendo a ler e a escrever, seria
esta: “o que é que se deve aprender para saber ler e a escrever em um
mundo social, quando se aprende a ler e a escrever as palavras da língua
deste “mundo”, ou seja, da cultura deste mundo social?” (BRANDÃO,
2002, p.428).
O conhecimento vai sendo construído significativamente por estes
educandos que vêem no ensino da Língua Portuguesa a possibilidade de
melhorarem como cidadãos conscientes e críticos da sociedade, vivendo
num mundo de relações.
Paulo Freire reconhecia a importância da memória, embora afirmasse que a simples memorização, desvinculada do esforço de compreender, não era sinal de conhecimento. As pessoas são sujeitos no processo de construção de seu saber, estimuladas por outros, mas de acordo com o que já sabem, porque o conhecimento é social. É agindo que os
seres humanos se confrontam com a necessidade de aprender e constroem o conhecimento que nasce da ação e volta para a ação de transformar.
Percebemos o sentido da construção de relações humanas ou de
conhecimento, através do resgate da experiência da vida cotidiana das
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mulheres e dos homens da EJA, com suas alegrias, com suas verdades e
com suas angústias.
Os educandos da EJA nos revelam com clareza e profundidade a
superação de metodologias fragmentadas e de um processo de aprendizagem individual. Percebe-se o crescimento e aprendizagem de todos,
pois passam a se sentir cidadãos na loja, na fábrica, podendo falar e
permitindo-se escrever suas próprias histórias.
Cabe, então, ao educador a tarefa de inverter este processo, não falando, não dissertando, mas provocando, problematizando a realidade para
que o educando desenvolva com prazer e com criticidade a expressão.
Ao abordar os saberes necessários à prática educativa, Freire diz que:
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em
uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições: um ser crítico e inquiridor,
inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir
conhecimento. (FREIRE 1997, p.52).
No entanto, não basta os educadores falarem de construção do
conhecimento, devem estar envolvidos nesta construção e envolver os
educandos numa relação democrática: mostrar a Ivo que o mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido e não
estimulando o clima democrático por meios e caminhos autoritários e
preconceituosos, como o exemplo do uso das conjunções “mas”:
[...] Tão fingido quanto quem diz combater o racismo mas, perguntado se
conhece Madalena, diz: “Conheço-a . É negra mas é competente e decente.” Jamais ouvi ninguém dizer que conhece Célia, que é loura, de olhos
azuis, mas é competente e decente (FREIRE, 1997, p.53).
Os educadores de expressão precisam estar conscientes de que a
Língua Portuguesa é um sistema codificado e legislado gramaticalmente
segundo uma norma culta, resultante de acordos entre autoridades “competentes” de Portugal e de ex-colônias. Mas sabemos que esses países
colonizados possuem muito pouco poder de decisão a respeito de algumas normas rígidas de “língua culta”. Assim, aprender o português é
buscar saberes do colonizador, saberes de um modelo anterior consagrado de falar e escrever pela mesma gramática, distribuída de norte a sul
do país.
Sabemos, porém, que, como qualquer outra língua, a nossa é um
sistema vivo, é uma construção cultural de todos os dias e entre todas as
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gentes, alunos de Nova Bassano ou do Pará, ou de qualquer recanto
deste país. Somos todos participantes de um mesmo universo cultural de
fala e escrita, construímos a cada dia a realidade presente de uma forma
de que falamos e escrevemos o que somos.
O povo é soberano na criação da cultura na língua nacional, e são
os legisladores, os gramáticos que precisam rever as normas, pois há
muitos “falares” de norte a sul deste país que modificaram a própria
língua dita “culta”. Assim, através do ensino de Língua Portuguesa, o
educador tem que ter presente que cada um de nós é criador de nossos
mundos, somos autores conscientes de todas as nossas gramáticas, de
nossas lendas, de nossas poesias.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. História do menino que lia o mundo. 2. ed.,
Veranópolis: ITERRA, 2001.
____ . A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. São Paulo: Saraiva, 1997.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 41. ed., São Paulo: Cortez, 2001.
____ . Pedagogia da autonomia. 6.ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
PROEJA Documento Base. Brasília: Gráfica do Ministério da Educação, 2006.
Proposta político-pedagógica do Colégio Estadual Pe. Colbachini. Nova Bassano,
2006.
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Concepções e Princípios Para Uma
Proposta Curricular para o ensino
de Química no EJA/PROEJA
Raquel Lettres1
Edson Luiz Lindner2
Introdução
A integração entre o Ensino Médio e a Educação Profissional para
o público da Educação de Jovens e Adultos – EJA é uma novidade na
estrutura educacional brasileira. Com o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos – PROEJA, busca-se resgatar, ao sistema escolar
brasileiro, jovens e adultos que não tiveram oportunidade de estudar na
idade apropriada ou que por algum motivo, abandonaram a escola antes
de terminar a Educação Básica. O PROEJA vai possibilitar o acesso à
educação e a formação profissional na perspectiva de uma formação
integral.
Após retorno do adulto para a escola, é preciso garantir que ele
não a abandone. Muitas vezes chegam cansados, depois de um dia de
trabalho, com pouco tempo para se dedicar aos estudos, mas cheios de
histórias e vivências, ou seja, com um conhecimento prévio bem diferente (maior) do que as crianças. As altas taxas de evasão (menos de 30%
concluem os cursos) têm origem no uso de material didático inadequado
para a faixa etária, nos conteúdos sem significado, nas metodologias
infantilizadas aplicadas por professores despreparados e em horários de
aula que não respeitam a rotina de quem estuda e trabalha. Problemas
1
Professora de Química do Colégio de Aplicação / UFRGS, Especialista em Educação /
PROEJA turma Porto Alegre.
2
Prof. MSc. do Colégio de Aplicação da UFRGS - Orientador do Trabalho de Conclusão da
autora que resultou no presente artigo.
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como esses podem ser resolvidos quando o professor conhece as
especificidades desse público e usa a realidade do aluno como eixo condutor das aprendizagens. Após a alfabetização, garantir a continuidade
dos estudos é outro desafio.
Este artigo irá refletir sobre as propostas curriculares para o ensino de
Química na realidade do EJA/PROEJA. Valorizando uma proposta curricular
inclusiva e democrática, em que o sujeito possa exercer sua cidadania de
forma consciente, interdisciplinar onde o currículo está dentro da
contextualização da realidade do sujeito, sujeito este singular, que traz
consigo uma trajetória histórica que deverá ser respeitada na troca de
saberes entre educador e educando.
EJA/ PROEJA
A Educação de Jovens e Adultos – EJA no Brasil é marcada pela
descontinuidade de projetos e por políticas públicas insuficientes para
dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito, nos termos
estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Essas políticas são, muitas vezes, resultantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados,
especialmente no âmbito da alfabetização, que se somam às iniciativas do
Estado. A Organização Não Governamental Ação Educativa, uma das parceiras do Ministério da Educação para a realização de projetos, co-editou
e distribuiu uma Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos.
É um exemplo de iniciativa do Estado no sentido de enriquecer os Projetos
Pedagógicos das instituições e estabelecimentos que desenvolvem esta
modalidade da Educação Básica, na etapa do Ensino Fundamental. No
entanto, as políticas de EJA não acompanham o avanço das políticas públicas educacionais que vêm alargando a oferta de matrículas para o Ensino Fundamental, universalizando o acesso a essa etapa de ensino.
O Censo Escolar 2003 apontou o crescimento de 12,2% nas matrículas de jovens e adultos na rede oficial, mais de 4,2 milhões de pessoas
que voltaram a estudar, sem contar outras 730 mil atendidas por movimentos populares, empresas, sindicatos ou organizações não governamentais. “Se a educação é um direito de todos, independentemente da
idade, como diz a nossa Constituição, temos de dar à EJA a mesma
atenção oferecida a todos os segmentos do ensino básico”, afirma Cláudia Veloso, coordenadora-geral de EJA do Ministério da Educação (Revista Nova Escola, 2003).
O PROEJA surge ao mesmo tempo em que puderam ser removidos os obstáculos legais que impediam a expansão da Rede Federal de
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Educação Profissional e Tecnológica (Lei 9649/98). Após um período de
estagnação, por conta de uma opção pela gradual privatização da educação profissional, o que causou enormes prejuízos ao processo de desenvolvimento nacional, percebeu-se a importância de uma rede profundamente vinculada às matrizes produtivas locais e regionais, capaz de articular a educação profissional à formação propedêutica na perspectiva
de uma formação para a cidadania.
Os educandos
Os sujeitos educandos por pertencer a uma população com faixa
etária adiantada em relação ao nível de ensino demandado acabam constituindo um grupo populacional que tem sido reconhecido como integrante
da chamada “distorção série-idade”. De acordo com o Documento Base
do PROEJA (2006) a LDBEN de 1996, ao reduzir a idade mínima exigida
para a realização dos exames de conclusão do Ensino Fundamental para
15 anos e do Ensino Médio para 18 anos (na legislação anterior era 18
anos para o 1ºgrau e 21 anos para o 2ºgrau), criou na prática alguns problemas para as escolas de EJA e para gestores e professores. Em muitos
casos, jovens com tal defasagem idade-série abandonam os cursos regulares tão logo atingem a idade dos exames, substituindo a possibilidade de
vivenciar processualmente um curso pela oportunidade de concorrer a um
certificado mais rapidamente.
Embora a legislação não defina a idade mínima para acesso em cursos de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio na modalidade de EJA, há
que se exercer papel pedagógico para orientar jovens que venham em
busca de substituição de estudos regulares, decorrendo daí, uma vez mais,
exclusões para aqueles sempre e historicamente excluídos do direito educacional. Pensar em sujeitos com idade superior ou igual a 18 anos, com
trajetória escolar descontínua, que já tenham concluído o Ensino Fundamental é tomar uma referência, certamente, bem próxima da realidade de
vida dos sujeitos da EJA. Esses sujeitos são portadores de saberes produzidos no cotidiano e na prática laboral. Formam grupos heterogêneos quanto
à faixa etária, conhecimentos e ocupação (trabalhadores, desempregados,
atuando na informalidade). Em geral, fazem parte de populações em situação de risco social e/ou são arrimos de família, possuindo pouco tempo
para o estudo fora de sala de aula.
De acordo com Vygotsky (2001), uma adequada aprendizagem es-
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colar promove um tipo de desenvolvimento capaz de permitir uma maior
capacidade de abstração, como a que se necessita para produzir um pensamento coerente e fundamentado em argumentos sobre determinado
contexto ou sobre determinada situação em um contexto mais amplo. Essa
capacidade é básica, porém não é inata nem de desenvolvimento espontâneo, isto é, precisa ser constituída na relação pedagógica.
A participação efetiva dos alunos na produção de conhecimentos
pressupõe o estímulo cotidiano para os muitos possíveis aprendizados, na
perspectiva de constante superação, desenvolvendo sua consciência do
valor da escolarização e da qualificação profissional. Pensando essa política na esfera do Ensino Médio, é preciso ainda romper, de uma vez por
todas, com a visão exclusivamente propedêutica dessa etapa de ensino.
Principalmente, com a concepção de ser essa etapa apenas um curso
preparatório para os exames vestibulares. Essa concepção é ainda predominante nas instituições de ensino médio. Em suma, há necessidade da
ruptura paradigmática dos modelos vigentes no Ensino Médio, fortemente
centrados nos conteúdos específicos e nas disciplinas. (Brasil, 2006)
Propostas Tradicionais
Na década de 80 os alunos eram considerados “pequenos cientistas”; nessa época o ensino era organizado através de uma seqüência de
etapas: observação neutra, elaboração de hipóteses, testagem em busca
de regularidades e comunicação das “verdades” absolutas. De acordo
com Becker (2003) a escola, em geral, e a Universidade, em particular,
sofrem de uma inércia histórica no que se refere à transmissão e à produção do conhecimento. A disposição profunda parece ser sempre a de copiar, de reproduzir. Na verdade, nós praticamos e professamos uma pedagogia e uma didática de reprodução, ou da repetição, quando ensinamos.
Quando pesquisamos, encontramos dificuldades para superar esse quadro
e orientar nossas atividades na direção de um construtivismo científico.
Muitas práticas pedagógicas atualmente utilizadas constituem-se em
exigências às quais parte dos educandos não tem condições de responder
satisfatoriamente, observamos em nosso meio, escolas com padrões pobres de estimulação, métodos rígidos e indiscriminados, chocantes anotações reprovativas de professores diante das dificuldades de alunos.
A escola tradicional se caracteriza por ser baseada em “programas” em que
os saberes, organizados numa determinada ordem, são estabelecidos por
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autoridades burocráticas superiores. Os professores são aqueles que sabem o programa e o ensinam. Os alunos são aqueles que não sabem e
aprendem. Os professores são ativos, os alunos são passivos. A grande
preocupação burocrática e funcional dos professores é “dar o
programa”.(Alves, 2005, p.119)
Segundo Chassot (1995) o Ensino (Médio) apresenta, entre outras,
algumas características: asséptico, abstrato, dogmático, a-histórico e avalia de uma maneira ferreteadora. Características estas muito presentes
nos diferentes níveis do Ensino da Química. Há um outro sério complicador
nos nossos currículos para o ensino de Química. Ensina-se Química, no
Ensino Médio, para prepararmos para o vestibular; ou ainda pior, ciências,
no Ensino Fundamental, para preparar os estudantes para o Ensino Médio.
Transformação da prática curricular
Um dos primeiros passos para transformar a prática curricular corrente,
predominantemente disciplinar e fragmentada, em algo que possa contribuir para uma visão mais ampla do conhecimento, que possibilite uma
melhor compreensão do mundo físico e para a construção da cidadania é a
adequação dos objetivos e dos conteúdos marcados pelo currículo em
cada etapa à realidade educativa da escola. Para tal, é preciso previamente
entrar em acordo sobre qual é essa realidade educativa.
Freire (1996) coloca ao professor e, mais amplamente, à escola, o
dever de, não só respeitar os saberes com que os educandos chegam a ela,
sobretudo os das classes populares, mas também os saberes socialmente
construídos na prática comunitária. Realidade esta que deve levar em conta as diferenças individuais em capacidades e suscetibilidade de auto-expressão, expectativas sociais, culturais e subculturais, as circunstâncias
particulares da vida de cada indivíduo e uma série de outros fatores, o que
determinará suas necessidades educativas mais imediatas.
De acordo com Piaget (2005) todos os educandos (das mais variadas idades, e de nível intelectual médio ou superior à média) apresentam
a mesma capacidade de iniciativa e compreensão. Cabe ao educador
criar situações e armar dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis, e para organizar em seguida, contra-exemplos que levem à
reflexão. O que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um
conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se
contentar com a transmissão de soluções já prontas.
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A grande importância da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias no desenvolvimento intelectual está na qualidade
e na quantidade de conceitos, aos quais se busca dar significado nos
quatro componentes curriculares: Física, Química, Biologia e Matemática. Cada componente curricular tem sua razão de ser, seu objeto de
estudo, seu sistema de conceitos e seus procedimentos metodológicos,
associados a atitudes e valores, mas, no conjunto, as áreas correspondem
às produções humanas na busca da compreensão da natureza e de sua
transformação, do próprio ser humano e de suas ações, mediante a produção de instrumentos culturais de ação alargada na natureza e nas
interações sociais (artefatos tecnológicos, tecnologia em geral).
Assim como a especificidade de cada uma das disciplinas da área
deve ser preservada, também, o diálogo interdisciplinar, transdisciplinar
e intercomplementar, devendo ser assegurado no espaço e no tempo
escolar por meio da nova organização curricular. (Brasil, 2006)
Entretanto os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
advertem que a interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposição
de disciplinas e, ao mesmo tempo evitar a diluição delas em generalidades. De fato será principalmente na possibilidade de relacionar disciplinas em atividades ou projetos de estudo, pesquisas e ação, que a
interdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática adequada aos objetivos do Ensino Médio.
Essa integração entre as disciplinas para compreender, prever e
transformar a realidade aproxima-se do que Piaget (2005) chama de
estruturas subjacentes. É destacado pelo autor um aspecto importante, a
compreensão dessas estruturas subjacentes não dispensa o conhecimento
especializado, ao contrário, somente o domínio de uma dada área permite superar o conhecimento meramente descritivo para captar suas conexões com outras áreas do saber na busca de explicações.
Concepções e Princípios para uma Nova
Proposta Curricular
A escolha de outro caminho depende, em primeiro lugar, do Projeto
Político Pedagógico elaborado pela escola, considerando a realidade regional e a de seus alunos. O que o ensino da Química deve buscar é
assegurar no Ensino Médio que a competência investigativa resgate o
espírito questionador, o desejo de conhecer o mundo em que se habita.
O currículo deve buscar a integração dos conhecimentos, especial321
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mente pelo trabalho interdisciplinar. A interdisciplinaridade só é possível em
um ambiente de colaboração entre os professores, o que exige conhecimento, confiança e entrosamento da equipe e, ainda, em tempo disponível para
que isso aconteça. Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade implica uma
mudança de atitude que se expressa quando indivíduo analisa um objeto a
partir do conhecimento das diferentes disciplinas, sem perder de vista métodos, objetivos e autonomia próprios de cada uma delas.
Os conteúdos escolhidos devem ser relevantes para os alunos jovens
e adultos do ponto de vista social, cultural e científico, auxiliando-os a compreender e superar interpretações ingênuas sobre as relações entre a natureza, o ser humano e as tecnologias existentes em seu cotidiano. Para
selecionar conteúdos relevantes, social, cultural e cientificamente, o professor de EJA/PROEJA precisa conhecer seus alunos: seu trabalho, suas
relações familiares, que tipo de contatos mantêm com a ciência e a
tecnologia, quais as suas concepções sobre os fenômenos naturais etc.
Questionários respondidos pelos estudantes, debates e apresentações de
seminários, que permitam maior contato com o grupo de alunos, favorecem um conhecimento inicial, que deve se aprofundar com as
problematizações no decorrer do trabalho. As informações iniciais e a constante observação das características dos alunos tornarão mais fácil para o
professor da Educação de Jovens e Adultos definir os conteúdos relevantes para o grupo específico com o qual está trabalhando.
Os conteúdos devem favorecer uma visão do mundo como um todo
formado por diversos elementos (o ser humano e sua cultura, os outros seres
vivos, os componentes do meio físico, as tecnologias), em permanente
interação. O aluno adulto deve ser capaz de perceber que o mundo está em
constante transformação (tem caráter dinâmico) e que o ser humano é um
dos agentes dessa transformação, principalmente pelo uso da tecnologia.
Por isso, a abordagem estanque dos conteúdos de cada uma das Ciências
Naturais (Biologia, Física, Química etc.), sem estabelecer conexões entre
eles, deve ser evitada. Os conteúdos devem ser, não apenas fatos e conceitos, mas também procedimentos, atitudes e valores a serem promovidos de
forma compatível com as possibilidades e necessidades de aprendizagem
dos alunos e, principalmente, compatíveis com a melhoria da sua qualidade
de vida. Ao escolher conteúdos, deve-se ter sempre em mente que a Educação de Jovens e Adultos deve possibilitar ao indivíduo a retomada de seus
potenciais, o desenvolvimento de habilidades e a confirmação de competências adquiridas na vida. Portanto, será necessário assegurar que a seleção
dos conteúdos e metodologias propicie ao aluno “aprender a aprender”, “aprender a ser”, “aprender a conhecer” e “aprender a conviver” (Brasil,2006).
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Exemplificando uma proposta
Conforme os aspectos apresentados, pode-se exemplificar uma
proposta curricular inclusiva, democrática e interdisciplinar onde o currículo está dentro da contextualização da realidade do sujeito, ou seja, a
construção curricular que está em desenvolvimento nas primeiras turmas de EJA/PROEJA do Colégio de Aplicação e da Escola Técnica da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
A construção da proposta curricular iniciou com base em uma pesquisa realizada para conhecer a realidade do aluno que está retornando a
sala de aula, tendo em vista que, a idade mínima exigida para ingressar
na turma é de 18 anos (critério estabelecido na Proposta Pedagógica de
acordo com interpretações do Documento Base - PROEJA do Ministério da Educação, 2006). Essa pesquisa procurou avaliar o perfil dos alunos com questões que envolviam formação anterior, hábitos de leitura,
acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, situação profissional, motivo da retomada dos estudos, entre outras.
Responderam a essa pesquisa 45 alunos (total de 60 alunos matriculados), sendo que: 21 alunos estão matriculados na modalidade EJA e
24 alunos matriculados na modalidade PROEJA.
Entre os alunos do PROEJA 18 alunos cursaram o Ensino Fundamental regularmente e na EJA 10 alunos, totalizando 62% dos educandos,
22% concluíram o Ensino Fundamental na modalidade EJA, 16% concluíram através de Supletivos (não foi especificado qual a forma), nenhum concluiu no Ensino à distância.
Considerando a rede de ensino de conclusão do Ensino Fundamental, a pesquisa registrou entre os alunos que 62% concluiu na Rede Pública e 38% na Rede Privada.
Os alunos do PROEJA concluíram o ensino Fundamental a mais
tempo, 8 alunos concluíram esta etapa entre 6 e 10 anos e 8 alunos entre
2 e 5 anos atrás. Porém, os alunos da EJA estão a mais tempo afastados
da escola, 7 alunos não freqüentavam a escola a mais de 10 anos.
Quanto ao acesso as novas tecnologias, computadores e navegação
no World Wide Web – www - (navegação na internet) apenas 23% dos
alunos não tem o hábito de navegar e 56% não tem computador em casa.
Após a análise do perfil dos alunos outra atividade semelhante,
entretanto mais específica para a área do conhecimento de Ciências da
Natureza foi realizada para investigação de conhecimentos prévios, necessidades e interesses por parte desses alunos. O grupo respondeu a
duas perguntas específicas:
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• Qual o objeto de estudo da Química?
• Que palavras estão relacionadas ao estudo da Química?
Uma Proposta Curricular para o ensino de Química no EJA/
PROEJA consistiria em estabelecer uma relação entre os conteúdos
tradicionais e os assuntos de interesse de grande parte dos alunos, demonstrados através do instrumento de pesquisa (adequado a cada realidade escolar).
Ciências da natureza
A abordagem dos quatro componentes curriculares da área do conhecimento, Ciências da Natureza: Física, Química, Biologia e Matemática, de uma forma interessante, pode acontecer através de Temas de
Trabalho, visando à integração entre os mesmos, conforme Figura 1.
Figura 1 – Integração entre os componentes curriculares da área Ciências
da Natureza.
Como conteúdos selecionados para compor a proposta pode-se
exemplificar:
· Química e Matemática
Densidade; solubilidade, Ponto de Fusão e Ponto de Ebulição (P.F. e P.E.)
– Plano Cartesiano (interpretação de gráficos)...
· Química e Física
Matéria, corpo, objeto e energia; Mudanças de estado físico; Fenômenos
físicos e químicos; Sistemas Aberto, Fechado e Isolado...
· Química e Biologia
Classificação periódica dos elementos – Alimentação, Ciclos biológicos,
nutrição, elementos traços...
Assim cada turma deverá ter sua proposta curricular de acordo
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com o perfil (especificidades e interesses) dos educandos que compõe o
grupo. Pode-se integrar não só os componentes desta área do conhecimento, mas também haver promover a integração com outras áreas do
conhecimento.
Esta proposta difere bastante da prática de significativa parcela
dos professores de ciências, seja no ensino de crianças e adolescentes,
seja na educação de jovens e adultos. Até a conclusão do presente artigo, o primeiro semestre ainda não havia terminado, para a retomada e
análise crítica da proposta curricular.
Considerações Finais
O ensino no Brasil vem se mostrando, de modo geral, insatisfatório
em resultados. Rápido esquecimento do que se estudou, dos problemas
com a indisciplina, com alunos desinteressados e cuja motivação é exclusivamente a promoção são alguns dos sintomas de um ensino cujas
falhas vêm sendo diagnosticadas com índices cada vez maiores. É preciso mudar. É preciso que a aprendizagem escolar envolva conteúdos relevantes à vida em sociedade.
Os professores que já começaram ou querem começar a transformar sua prática tanto suas aulas, em particular, quanto sua atuação profissional, em sentido amplo não devem inibir-se na experimentação de
novos conteúdos, novas técnicas e recursos. Tal processo conferirá a
escola dinamicidade e flexibilidade, não permitindo que nem ela nem o
currículo tornem-se desestimulantes.
Espera-se, portanto, a possibilidade de testar tal proposta, integralmente, que poderá ser realizada por outros educadores. É importante
ressaltar que este artigo não tem o objetivo de encerrar as discussões
sobre práticas curriculares para o ensino de Química na Educação de
Jovens e Adultos, mas pretende apresentar orientações e pontos para
debate e discussão desse tema entre os educadores e administradores
da escola brasileira.
Referências
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BECKER,Fernando. “A Origem do Conhecimento e Aprendizagem Escolar.”
Porto Alegre: ARTMED, 2003.
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dezembro de 1996.
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Tecnológica (Setec). Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –
PROEJA, Documento Base. Brasília: MEC/Setec, 2006.
_. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Básica. Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Integrar para quê? Brasília: MEC,
2006.
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da ULBRA, 1995.
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Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.
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Martins Fontes, 2001.
Ministério da Educação e Cultura (MEC). Disponível em: <http://www.mec.gov.br>
Acesso em abr. 2007.
Revista Nova Escola. Disponível em:
<http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/158_dez02/html/eja> Acesso em:
28 mar. 2007.
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O ensino de Física nas classes
de EJA/PROEJA: buscando
uma nova paisagem
Francisco Barbosa Teixeira1
Roselaine Machado Albernaz2
Ensaio
Num país de enormes desigualdades sociais, como o Brasil, em
que grande parte da população não pode freqüentar a escola na época
própria, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem tido uma crescente
procura e despertado uma série de reflexões políticas e pedagógicas ao
longo dos últimos anos.
O governo Federal criou o Programa de Integração da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) através do Decreto 5.478, de
24 de junho de 2005. Tendo como desafio político, inserir milhões de
desescolarizados do país e, como desafio pedagógico, construir os currículos dos cursos de maneira integrada, valorizando os conhecimentos e
as experiências de vida dos(as) estudantes.
Busca-se com a produção deste texto, trazer subsídios para uma
reflexão sobre o ensino da Física nessa modalidade de ensino.
Não pretendemos oferecer prescrições nem tampouco esgotar os
desafios e as possibilidades envolvidas na temática em pauta. O propósito é outro: estimular professores(as) a refletirem sobre suas práticas de
modo que busquem outras possibilidade metodológicas.
1
Licenciado em Física pela Universidade Federal de Pelotas
Profa de Matemática do PROEJA e EMA do CEFET/RS, Mestre em educação AmbientalFURG- Rio Grande, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do presente
artigo.
2
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O PROEJA: como possibilidade
Em 2005, o decreto n° 5.478 de 24 de junho revelou a decisão do
governo de atender à demanda de jovens e adultos, excluídos do ensino
regular, ofertando a educação profissional de nível médio articulada ao
ensino médio. É instituído o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade educação de Jovens e Adultos (PROEJA) tendo como base a Rede Federal
de Educação Profissional e Tecnológica uma vez que, mesmo anteriormente ao decreto, algumas instituições federais já desenvolviam algumas experiências com a EJA.
O Programa visa à universalização da educação básica aliada à formação para o mundo do trabalho. Pensar na sua consolidação enquanto
política pública nos remete a condição humanizadora da educação que não
se restringe a tempos ou idades próprias, mas se faz ao longo da vida.
[...] Não nascemos humanos, nos fazemos. Aprendemos a ser. Todos passamos por longos processos de aprendizagem humana. Se preferirmos,
toda criança nasce humana, mais isso não basta: temos que aprender a sêlo. (ARROYO, 2000, p. 53)
Diante das limitações do Estado brasileiro no que se refere à garantia do direito de todos(as) à educação pública, gratuita e de qualidade,
é fundamental que esta política seja levada aos jovens e adultos que
foram excluídos do sistema educacional ou que a ele não tiveram acesso
anteriormente.
Segundo o Documento Base do PROEJA (p.27), o Programa prevê “o enriquecimento cultural, social, histórico dos alunos(as) e a oferta
de uma nova maneira de ler o mundo, em uma perspectiva freireana,
estando no mundo e o compreendendo de forma diferente da anterior do
processo formativo”, ressalta ainda que, os sujeitos desse processo terão todas possibilidades de alcançarem seus objetivos porém, sem a garantia de melhoria material de suas vidas.
Como podemos observar, o Programa é mais uma tentativa de resgate e inserção de milhões de jovens e adultos que compõe o quadro de
desescolarizados no País. Obviamente qualquer iniciativa nesse sentido
é um desafio, porém pensamos que o PROEJA é um desafio muito além
de político, é um desafio essencialmente pedagógico.
O que temos então é uma integração epistemológica de conteúdos
e práticas educativas, integração entre o saber e o saber-fazer, pois, o
termo integrar tem
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...seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou
da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social,
isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos
educativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como principio
educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho
intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de
formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.
(CIAVATTA, in BRASIL, 2005, p.31).
Portanto, devemos pensar o novo modelo integrado de ensino com a
consciência de que na sociedade atual não há mais lugar para uma educação positivista, pois para dar conta das mudanças no mundo do trabalho,
emerge cada vez mais a necessidade de desenvolver nos(as) alunos(as) a
capacidade de aprender e de apreender o conhecimento. Mais importante
do que desenvolver habilidades sobre um processo de produção, uma seção na linha de montagem, uma máquina ou uma operação é a capacidade
de ler um manual, de se comunicar com os parceiros de trabalho, de ter
iniciativa, de criar processos produtivos inéditos e reconstruir o conhecimento já dado. Portanto, o que mais se demanda de um profissional do
futuro é a capacidade de “aprender a aprender fazer”.
Contudo na construção do currículo dos cursos desse Programa,
um passo a mais deve ser dado: o aproveitamento das experiências
dos(as) estudantes, sendo assim, o conhecimento que eles(as) trazem de
seu dia-a-dia deve ser considerado na construção do currículo.
Portanto, para que tenhamos sua consolidação enquanto política
pública, nós, trabalhadores(as) em educação, temos o desafio de construir um curso verdadeiramente integrado que privilegie os saberes da
formação humana e, ao mesmo tempo, a formação técnica e que valorize os saberes que os(as) estudantes trarão de suas mais diversas experiências.
A escola, o conhecimento e a EJA: forças que
convergem
Nas duas últimas décadas, a sociedade tem se deparado com grandes avanços da ciência e tecnologia. Com o mundo da informação cada
vez mais rápida e da busca de uma economia crescente, surgiu a
globalização competitiva, onde a acumulação de capital provocou mudanças nas concepções de valores sociais e éticos. E é a partir dessas
mudanças que devemos pensar como a escola trata a construção do
conhecimento.
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É função da escola como instituição educativa, educar para a vida,
para cidadania e, assim sendo, saber que educar não é “transferir conhecimento”, mas possibilitar condições para que os(as) educandos(as) construam múltiplos saberes e valores éticos.
Os conceitos trabalhados pelo professor(a)-educador(a) serão reelaborados pelo aluno(a) para se constituir um novo conhecimento. Acreditamos que o conhecimento é produzido quando o sujeito, a partir de sua
história, atuar sobre o que percebe.
Demo (2002), nos diz que o conhecimento na perspectiva libertadora
deve estar articulado a uma compreensão crítica da realidade. Logo, o
conhecimento consiste numa representação mental de relações coletivas.
No contexto da modalidade da Educação de Jovens e Adultos, tendo em vista a riqueza de experiências vivenciadas pelos(as) estudantes,
tanto no seu cotidiano, como no mundo do trabalho, não devem ser desprezadas uma vez que podem contribuir no desenvolvimento das atividades de sala de aula, sendo ponto de partida para a construção de novos
saberes já sistematizados e aceitos cientificamente.
Com isso, acreditamos que a ação metodológica deve partir da
contextualização de problemas, de forma que os conhecimentos estejam
carregados de significados e de praticidade e que correspondam às necessidades cotidianas dos cidadãos(ãs) que conseguiram voltar à escola
em busca de melhor qualidade de vida.
Segundo Gauer (2001), não podemos ignorar a realidade do(a)
educando(a). No entanto, pode-se partir do estágio atual de desenvolvimento da cultura regional, ou seja, das experiências e concepções preliminares, sem negá-las, favorecendo, assim a reelaboração do seu
arcabouço conceitual, relacionando-as com o conhecimento historicamente produzido.
Não precisamos criar tópicos novos, mas sim repensá-los, reinventálos no cotidiano da sala de aula, entendendo que aprender é um processo
complexo, onde o(a) estudante deve ser o sujeito ativo na construção do
conhecimento, a partir da sua ação sobre a realidade.
Num mundo de incertezas, não tem mais sentido tratarmos o conhecimento como algo constituído de verdades estáticas, mas sim de um
processo dinâmico, que acompanha a vida e não se constitui em mera
cópia do exterior. Emerge das diferentes interações na sociedade.
Além disso, Gauer (2001), resgatando o pensamento de Giroux
(1997), nos aponta para a necessidade de conscientização crítica dos(as)
professores(as) a respeito dos conteúdos a serem abordados, desenvolvendo uma resistência à tendência a-histórica e fragmentaria. Sinaliza
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também para a necessidade da conscientização e reformulação conceitual,
propondo a formação de um novo arcabouço teórico conceitual do conhecimento que possa auxiliar o(a) professor(a) no sentido de formular
uma nova visão de mundo.
O que queremos é buscar meios que apontem no sentido de uma
educação científica voltada à formação integral e humana do indivíduo,
rompendo as barreiras necessárias para que possamos almejar um outro
mundo possível.
Acreditamos não ser possível um processo de ensino-aprendizagem sem que as partes se encontrem, não se conheçam e não se percebam em formação mútua. Assim pensamos ser imprescindível, como
ponto de partida, considerar o mundo dos(as) alunos(as), seus objetivos
e necessidades para desenvolver um processo pedagógico para uma
modalidade de ensino tão específica como a EJA.
A sala de aula conectada à Física da vida
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio (PCNEMs),
Área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, destacam
a importância de trabalhar os conceitos da Física através de conexões com
a cultura e a vida dos(as) estudantes, passando a ser um instrumento
tecnológico que crie possibilidades de formação de cidadania.
Segundo o documento, espera-se que o ensino de Física na escola
média permita ao indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais, situando e dimensionando a interação do ser humano
com a natureza. (p. 22)
Porém, nos dias de hoje, os conteúdos de Física desenvolvidos em
grande parte das escolas, provocam nos(as) estudantes, ao invés de interesse, um grande temor.
Aqui apresentaremos algumas percepções desse fenômeno, bem
como algumas possibilidades de contribuir para um novo ensino de Física.
Acreditamos que a fragmentação em tópicos dos conteúdos de
Física é uma das causas desse problema. Além disso, a maneira como se
trabalha a Física, carregada de fórmulas e equações, prioriza a resolução sistemática e repetitiva de exercícios em detrimento a compreensão
e leitura conceitual de seus resultados impedindo, assim, sua visão dinâmica e interativa. Com isso, acaba privilegiando, a teoria e a abstração
em vez do desenvolvimento gradual da abstração a partir da prática e de
exemplos concretos e significativos, pois,
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O ensino de física tem-se realizado com freqüência mediante a apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada, distanciados do
mundo vivido pelos alunos e alunas e professores e professoras e não só,
mas também por isso, vazios de significado. BRASIL (1999, p. 48)
Conforme Gauer (2001), quando cita a fala do Dr. Silvio Ancizar
Sánches Gamboa, “os saberes oferecidos nas apostilas e livros didáticos são limitados e empobrecidos pelos formalismos e reducionismos
de um receituário que inibe a criatividade e o olhar crítico sobe o
cotidiano”.
Para Arroyo (2000), este pensamento reflete a imagem da escola fechada, segmentada, a escola que se preocupa em ensinar somente os conteúdos formais, a escola que segundo ele ensina, mas se esquece de educar.
Essa mesma idéia encontramos em Gauer (2001),
Está em jogo a falácia de uma educação que propõe a formação do cidadão
do futuro, mas devido as condições materiais, sociais, culturais e políticas,
a prática encontra-se limitada a uma transmissão de saberes inoperantes e
inibidores da formação de um espírito científico produtora de conhecimentos competentes à transformação da realidade. (p.07)
Muitas vezes, reféns de livros didáticos ultrapassados e fora do
contexto histórico-cultural regional, muitos professores(as) de Física desenvolvem seus conteúdos da mesma forma que desenvolviam a décadas atrás, desconsiderando assim, as mudanças na sociedade contemporânea, bem como as mudanças na maneira de pensar dos(as) estudantes
e “menosprezando” o desejo dos(as) alunos(as) em querer entender também o seu mundo.
Estamos no início do século XXI, mas em termos de ensino, longe
do início do século XX. Para citar um exemplo desse contra-senso, em
1905, Einstein propunha o Princípio de Relatividade Geral, tópico raramente desenvolvido no ensino médio nos dias de hoje. Assim, o que
temos é a constatação da Física em uma disciplina chata, desmotivante e
difícil, afinal como pode ser gostoso algo que não faz sentido ou que é
distante de sua realidade?
Em contrapartida, emergem novas possibilidades para mudar esse
quadro, tanto em nível internacional, com o planejamento pela
International Commission on Physics Education de uma série de conferências internacionais com essa finalidade, como em nível nacional, a
partir de trabalhos científicos nessa área e de grupos de pesquisa que
têm como objetivo trazer a Física contemporânea para o ensino médio.
No Brasil, um ícone desses esforços é o Grupo de Reelaboração
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do Ensino de Física (GREF)3. Para o cientista e educador Luis Carlos
Menezes, o GREF pressupõe a participação ativa de professores(as) e
alunos(as) no processo de ensino-aprendizagem, evitando a apatia em
relação à ciência, comum nos métodos tradicionais de ensino.
Iniciativas como essas talvez possibilitem a construção de um novo
ensino de Física, mais prazeroso, contextualizado e significante aos
educandos(as).
A Física na EJA/PROEJA: o contexto como fio
condutor
Tendo em vista a vivência dos(as) estudantes com as diversas experiências que trazem consigo, ao desejar um ensino que faça sentido aos
mesmos(as), ressaltamos a necessidade de trabalhar com os conteúdos
de forma contextualizada, permitindo desencadear uma prática pedagógica que leve o(a) aluno(a) a pensar, a analisar os dados da realidade e a
fazer relações para resolver questões oriundas de seu cotidiano.
Machado (2000) nos diz que,
...contextuar é uma estratégia fundamental para a construção de significações. [...] a contextuação enriquece os canais de comunicação entre a
bagagem cultural, quase sempre essencialmente tácita, e as formas explícitas ou explicitáveis de manifestação do conhecimento. (p. 20)
Nessa perspectiva, acreditamos que os conteúdos de Física a
serem trabalhados nos cursos de EJA e de PROEJA não devam estar pré-determinados e/ou elencados anteriormente, mas sim pensados, repensados e atualizados para cada realidade num determinado
contexto histórico.
Contudo, queremos salientar a necessidade de uma metodologia
diferenciada para essa modalidade que potencialize a experiência de vida
trazida pelos(as) estudantes uma vez que a Física está presente no diaa-dia de todos(as) e, portanto não pode ser ensinada como um dogma
inquestionável. Sendo assim, um ensino de Física que não ensine a pensar, a refletir, a criticar, que substitua a busca de explicações convincen3
Grupo de professores da rede estadual de ensino de São Paulo coordenado por docentes do
Instituto de Física da USP. O objetivo do grupo é elaborar uma proposta de ensino de Física
para o ensino médio que esteja vinculada à experiência cotidiana dos alunos, procurando
apresentar a eles a Física como um instrumento de melhor compreensão e atuação na
realidade.
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tes pela fé na palavra do mestre, não possibilita a construção do conhecimento. “É antes de tudo um ensino de obediência cega, incorporado
numa cultura repressiva” (MEDEIROS, 2000).
Desta forma, partindo das vivências trazidas pelos(as)
educandos(as) poderemos ir sistematizando os conceitos trabalhados.
Esse pensamento é reforçado por Vieira (2004), quando nos diz,
O professor não pode se esquecer de que, para haver um ensino efetivo,
não se pode ignorar a bagagem cultural do aluno e todo o conjunto de
noções espontâneas que ele carrega ao se deparar com o ensino formal na
escola. Deve-se cuidar da “Física espontânea” dos alunos, para não se
correr o risco de uma ficar superposta à outra.
Ao procedermos dessa forma, os(as) alunos(as) sentem-se mais
criadores e não meros repetidores da idéia do(a) professor(a). Freire
(1996) já dizia que ensinar exige respeito aos saberes do(a) educando(a).
As proposições de Vygotsky a respeito desse processo de formação de conceitos possibilitam verificar a relação existente entre o pensamento e a linguagem, pelos quais ocorre a internalização do conhecimento, e as relações estabelecidas entre os conhecimentos cotidianos e
os científicos. Para ele,
A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa [...] o
processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de
imagens, à interferência ou as tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o
meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o
seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos. (VYGOTSKY, 1999, p. 72).
Pode-se, assim, utilizando-se dos conhecimentos do(a) adulto(a), estabelecer situações onde a experimentação em Física mostre que a ciência está presente em seu dia-a-dia. Nesse processo, durante a formalização
dos conceitos, salienta-se que o conhecimento empírico e o saber científico, embora pareçam antagônicos, não o são; apenas pertencem a diferentes níveis de desenvolvimento da pessoa. Para Vygotsky (1999), esses
dois conceitos se relacionam e se conectam constantemente.
Cabe assim, ao(a) professor(a), ter a sensibilidade de provocar e
promover, a partir das experiências que os(as) alunos(as) trazem, novos
conhecimentos e outras formas de ver o mundo, a partir dos conhecimentos sistematizados pela Ciência.
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Tecendo caminhos
O presente artigo teve como eixo norteador o ensino de Física nas
classes de EJA/PROEJA. Com este trabalho, pudemos perceber que a
EJA necessita ser tratada de forma diferente do ensino regular, pois
atende uma parcela da população que busca, na educação, uma forma
de suprir suas deficiências. Logo, é fundamental que políticas públicas
sejam consolidadas, como é o caso do PROEJA, para isso, o governo
necessita investir não só em recursos materiais, mas, também, na formação de professores(as).
Os(as) alunos(as) dessa modalidade são, em grande parte, trabalhadores e trabalhadoras que não dispõem de muito tempo, com isso, é
muito fácil para esse público abandonar os estudos, caso a escola não
ofereça condições apropriadas. Assim, aproveitar o tempo na sala de
aula passa a ser fundamental, buscando metodologias que atendam as
necessidades desse público. Os educadores devem ser incentivados a
investir em estudos e pesquisas, para que possam enfrentar os desafios
dessa modalidade de ensino, assegurando a permanência desses estudantes e evitando a evasão, tão comum nas classes de EJA ou PROEJA.
Para oportunizar um trabalho em sala de aula, especificamente,
acreditamos na importância da contextualização dos conteúdos, pois através da problematização e construção de conhecimentos, numa prática
contestadora e crítica, buscaremos um ensino de Física significativo e
centrado nas necessidades dos(as) educandos(as), privilegiando seus
conhecimentos e experiências de vida.
Por fim, acreditamos no comprometimento dos trabalhadores(as)
em educação que buscam práticas pedagógicas que atendam aos interesses desses(as) alunos(as) para que possam realizar a travessia necessária para um mundo mais humano e mais bonito, como nos dizia
Freire, com um novo traçado, com uma nova paisagem.
Referências
ARROYO, Miguel G. Oficio de Mestre: imagens e auto imagens. Petrópolis, RJ,
2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias, 1999.
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica. Programa de Integração da educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –
Documento Base, 2005.
BRASIL. Decreto n° 5854, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
básica na Modalidade de educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras
providências. Brasília, DF: 13 de julho de 2006.
DEMO, Pedro. Política Social do conhecimento: sobre futuros do combate à
pobreza. SP: Vozes, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro:Paz e Terra,1996.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise (orgs.). Ensino
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105.
GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. (Orgs). Educação de Jovens e Adultos:
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VYGOTSKY, L. S.Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
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Pensando a Informática
Educativa no PROEJA
Nelza Jaqueline Siqueira Franco1
Tania Beatriz Iwaszko Marques 2
Introdução
Este ensaio pretende apresentar reflexões sobre a utilização da
Informática Educativa no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos – PROEJA – levando em consideração a possibilidade de articulação da minha experiência como professora de Informática
Educativa no Ensino Fundamental com os saberes adquiridos durante o
curso de Especialização PROEJA realizado na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – UFRGS.
Como utilizar a Informática Educativa no PROEJA? Como uma
disciplina à parte ou como ferramenta para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem dos alunos nos diferentes cursos/ênfases que o programa apresenta?
O objetivo deste trabalho é contribuir para que se leve em conta a
Informática Educativa como auxiliar na aprendizagem dos alunos do
PROEJA, bem como constituir uma proposta curricular de ensino e de
aprendizagem, utilizando os diversos recursos computacionais e das redes de computadores na educação tais como editores de texto, planilhas,
1
Licenciada em Computação e Professora de Séries Iniciais da Escola Municipal Afonso
Guerreiro Lima (Porto Alegre/RS), Especialista em Educação Profissional Média Integrada
ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos turma Porto Alegre.
2
Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. Em Educação, orientadora do Trabalho
de Conclusão de Curso da autora que resultou no presente artigo.
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editores de página de internet, editores de apresentação, ferramentas de
comunicação entre outros, com os alunos que cursarão o PROEJA.
Este artigo justifica-se pela ausência de trabalhos de Informática
Educativa no campo da EJA e foi pensado a partir das discussões provocadas
no Curso de Especialização Proeja. Ele apóia-se em reflexões, percepções,
compreensões de minha prática enquanto educadora, decorrente de experiências nesta área desde 1999. Naquele ano, atuei na condição de estagiária
de informática educativa nos ambientes informatizados da Escola Municipal
de Ensino Fundamental Lauro Rodrigues e da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Afonso Guerreiro Lima, ambas de Porto Alegre. Essa experiência despertou meu interesse em aprofundar os conhecimentos na área da
Educação e da Informática. Sou Licenciada em Computação, pelo Centro
Universitário Feevale, além de professora com habilitação nas séries iniciais
do ensino fundamental. Dos sete anos de efetivo exercício do magistério,
quatro anos e meio foram com atuação nos laboratórios de informática das
escolas, atendendo todas as turmas da escola ou daquele turno (em escolas
maiores), planejando e executando as atividades, além do suporte pedagógico e informático ao professor titular da turma. Dois anos e meio de minha
prática profissional docente foram dentro da sala de aula, como professora
titular/referência de turma da Rede Municipal de Ensino Fundamental de
Porto Alegre, onde atuei/atuo com segunda e terceira séries e terceiro e
primeiro ano do I Ciclo, além da Totalidade 1 (alfabetização na EJA).
Breve histórico da informática educativa no Brasil
A introdução da informática na educação no Brasil teve início há
mais de trinta anos. As primeiras iniciativas se deram nos anos 70: em
1971 pela primeira vez se discutiu o uso de computadores no ensino de
Física na USP/São Carlos. Em 1973, algumas experiências começaram
a ser desenvolvidas, usando computadores de grande porte como recurso auxiliar do professor para ensino e avaliação em Química (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e desenvolvimento de software
educativo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Nesta mesma década iniciaram-se as experiências do Laboratório de
Estudos Cognitivos do Instituto de Psicologia - LEC, da UFRGS, apoiadas nas teorias de Piaget e Papert, com público-alvo de crianças com
dificuldades de aprendizagem de leitura, escrita e cálculo.
Nos anos 80 destaca-se na história da informática educativa brasileira o projeto EDUCOM e o PRONINFE. O primeiro constituiu-se numa
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iniciativa conjunta do MEC, Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq,
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP e Secretaria Especial de
Informática da Presidência da República - SEI/PR, voltada para a criação de núcleos interdisciplinares de pesquisa e formação. Foi o marco
principal do processo de geração de base científica e formulação da
política nacional de informática educativa. O segundo, Programa Nacional de Informática na Educação - PRONINFE, com duração de 1985 a
1995 tinha como objetivo “desenvolver a informática educativa no Brasil, através de atividades e projetos articulados e convergentes, apoiados
em fundamentação pedagógica, sólida e atualizada, de modo a assegurar
a unidade política, técnica e científica imprescindível ao êxito dos esforços e investimentos envolvidos”3.
A partir de 1997 contamos com o PROINFO – Programa Nacional de Informática na Educação – criado para promover o uso da
Telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino
público fundamental e médio. O Programa é desenvolvido pela Secretaria (Nacional) de Educação à Distância - SEED, por meio do Departamento de Infra-Estrutura Tecnológica - DITEC, em parceria com as
Secretarias Estaduais e algumas Municipais de Educação.
Neste ano de 2007, destaca-se o Projeto UCA (Um Computador
por Aluno), promovido pelo Governo Federal que visa à distribuição a
cada estudante da Rede Pública do Ensino Básico Brasileiro um laptop
voltado à educação. O programa tem a intenção de inovar os sistemas
de ensino para melhorar a qualidade da educação no país contribuindo
para preparar desde pequenos os alunos para serem agentes criativos.
Acredita-se que o laptop seja uma ferramenta fundamental, já que auxilia o aprendiz na criação e compartilhamento do conhecimento, através
da interação na rede tecnológica. A constante troca de experiências e
informações entre os próprios alunos e entre as crianças e suas comunidades poderá aproximar Escola e Comunidade, motivando os alunos a
produzir conhecimento. O ponto alto é o fato dos alunos levarem os
equipamentos para casa, nos moldes do Programa Nacional do Livro
Didático excetuando-se o aspecto da devolução do mesmo ao final do
ano. UCA é a tradução do projeto do Instituto de Tecnologia de
Massachussets (MIT), nos Estados Unidos, “One Laptop per Child”
(OLPC) e os equipamentos utilizados no projeto (laptops XO) não têm
fim comercial. Eles foram feitos especialmente para fins educacionais,
têm um custo de cem dólares cada, utilizam software livre, possuem um
3
História da Informática Educativa no Brasil – extraído do site do MEC/SEED/PROINFO,
autor não indicado.
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visual atrativo para o público infantil, além de seus teclados serem revestidos com borracha e o material de fabricação ser resistente a eventuais
quedas. Possui canetas especiais com as quais será possível desenhar
na tela e suas antenas de acesso a internet possibilitarão que no local
onde o laptop esteja funcione como um transmissor/receptor de internet,
proporcionando que as comunidades pobres estejam interconectadas e
tornem-se comunidades virtuais. No Rio Grande do Sul, o Laboratório
de Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal foi convidado a
participar, coordenando a experiência do projeto-piloto de construção de
modelos pedagógicos que utilizem os Laptos XO e a Escola Estadual de
Ensino Fundamental Luciana de Abreu de Porto Alegre foi selecionada
para a primeira experiência. Todos os/as alunos/as e professores/as receberão os equipamentos para levarem consigo, além do acompanhamento dos bolsistas do LEC.
Como vimos, a relação entre nossa educação e os recursos da
informática não é nova (embora ainda muitas escolas não contem com
eles). Mas, de que forma as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC’s) são utilizadas atualmente? Quais as possibilidades da
utilização da informática na educação? E o que é preciso para que essa
utilização seja efetiva, que contribua para a construção do conhecimento
do/a aluno/a, mais especificamente do/a aluno/a do PROEJA e não que
as mesmas estejam presentes por puro modismo?
A tecnologia informática no ambiente escolar
Segundo o professor Luciano Meira, da UFPE, em entrevista ao
jornal Diário de Pernambuco no ano de 2003, a maioria das escolas brasileiras decidiu montar laboratórios de informática ao contrário das norte-americanas, por exemplo, que colocaram os computadores nas salas
de aula. Essa foi uma opção encontrada em função dos custos já que a
nossa realidade é investir pouco em educação, diferente dos Estados
Unidos. Portanto, seria muito caro equipar cada sala de aula com computadores. A forma de utilização da tecnologia no ambiente escolar vem
ocorrendo de forma e concepções variadas, desde a simples digitação
de uma redação manuscrita, ao uso de softwares prontos, como também
através de projetos educacionais com um enfoque interdisciplinar. Ferreira
ressalta que “na informática educacional deve existir uma dinâmica de
complementação entre o laboratório de informática e a sala de aula.
Atividades desenvolvidas em sala de aula podem ser complementadas
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no laboratório e vice-versa”. Lopes (s.d) comenta que o principal objetivo está na utilização do computador como instrumento de apoio às matérias e aos conteúdos lecionados, além da função de preparar os alunos
para uma sociedade informatizada. Meira afirma: “Ao optar pelos laboratórios, o micro não tem uma participação efetiva na aula, como o giz.
Ele passa a fazer parte de atividades extracurriculares”. O ideal é o
computador inserido na proposta educacional, onde professores/as orientam e juntamente com alunos/as criam atividades a partir dos recursos
que ele nos fornece.
A aprendizagem utilizando os recursos tecnológicos, seguindo os critérios de Jonassen (1996, apud Lopes, s.d), pode ser realizada das seguintes formas: Aprender a partir da tecnologia (learning from), a tecnologia
apresenta o conhecimento e o papel do aluno é receber esse conhecimento, como se ele fosse apresentado pelo próprio professor; Aprender acerca da tecnologia (learning about), a própria tecnologia é objeto de aprendizagem; Aprender através da tecnologia (learning by), o aluno aprende ensinando o computador (programando o computador através de linguagens
como BASIC ou o LOGO); Aprender com a tecnologia (learning with), o
aluno aprende usando as tecnologias como ferramentas que o apóiam no
processo de reflexão e de construção do conhecimento (ferramentas
cognitivas). Nesse caso a questão determinante não é a tecnologia em si
mesma, mas a forma de encarar essa mesma tecnologia, usando-a, sobretudo, como estratégia cognitiva de aprendizagem. O professor deve ter
definido como utilizará as tecnologias em sua aula. Conforme Almeida
(2000, p.137) a utilização do computador dentro de uma abordagem
construcionista necessita que o professor integre a informática e a educação na prática pedagógica, estando preparado para ensinar os recursos
computacionais, que tenha conhecimento dos fundamentos educacionais
subjacentes aos diferentes usos do computador, reconheça os fatores
afetivos, sociais e cognitivos implícitos nos processos de aprendizagem e
identifique o nível de desenvolvimento do aluno, para poder interferir adequadamente no processo de aprendizagem.
É certo que grande parte das escolas brasileiras não conta com os
recursos de informática disponíveis para o uso pedagógico e se observa
que, das escolas que estão equipadas, muitas não utilizam efetivamente
essas tecnologias na sua prática cotidianamente para a promoção da aprendizagem e construção de conhecimentos. Isso decorre por alguns fatores
dentre os quais: falta de profissionais capacitados para coordenar o ambiente informatizado; uso da tecnologia como transposição do que ocorre na
sala de aula tradicional para o uso dos meios eletrônicos. E há ainda aque-
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las onde o espaço informatizado é uma hora a mais de recreio para os
alunos “jogarem joguinhos” (e o professor descansar e tomar o seu
cafezinho), sendo os joguinhos totalmente descontextualizados com o que
os alunos estão aprendendo. “É pra eles brincarem um pouquinho...”
(fala de uma professora a qual uma vez deparei-me numa escola em que
trabalhava). O computador é um recurso caro, utilizá-lo da forma exposta
acima é menosprezar o que se pode fazer com ele na educação.
É importante ressaltar que simplesmente equipar a escola com os
recursos de informática além de conectá-la a rede mundial de computadores não significa melhora no processo educativo. É claro que a
informática de início vai ser um elemento motivador, mas se não tivermos definidos os objetivos que queremos e a forma de utilizá-la, logo
tudo vai se esvaziar e os alunos se cansarão.
Na educação profissional, a utilização das Novas Tecnologias
não deve ser diferente, haja vista como nos lembra Lévy (2000, p.153)
que “pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional
estarão obsoletas no fim de sua carreira.”. Ele ainda lembra da nova
natureza do trabalho, onde a troca de conhecimentos não pára de crescer, trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e
produzir conhecimentos. Daí que como vamos dar conta de toda a gama
de conhecimentos produzidos, ou melhor, precisamos dar conta de tudo
ou importa acessar o que se faz necessário e interessante?
O velho esquema segundo o qual aprende-se uma profissão na juventude
para exercê-la durante o restante da vida encontra-se ultrapassado. Os
indivíduos são levados a mudar de profissão várias vezes em suas carreiras, e a própria noção de profissão torna-se cada vez mais problemática.
Seria melhor raciocinar em termos de competências variadas das quais
cada um possui uma coleção particular. As pessoas têm o encargo de
manter e enriquecer sua coleção de competências durante suas vidas.
Essa abordagem coloca em questão a divisão clássica entre período de
aprendizagem e período de trabalho (já que se aprende o tempo todo),
assim como a profissão como modo principal de identificação econômica e
social das pessoas. (LÉVY, 2000 p.173)
A comunicação através das redes de computadores, denominado
ciberespaço, suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam
e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (através
de banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos),
imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidade virtual), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenôme-
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nos completos). O/a aluno/a da EJA deve, assim como os demais estudantes, apropriar-se destas tecnologias e saber locomover-se no ciberespaço
a fim de que desfrute dos saberes gerais e específicos da sua área.
Organizar-se em comunidades virtuais de aprendizagem, comunidades estas que estão presentes no ciberespaço, onde as categorias de
tempo e espaço estão redimensionadas. Funcionam como uma enciclopédia viva, onde é possível aprender colaborativamente, trabalhar cooperativamente, eliminando a barreira da distância e do tempo. Segundo
Ferreira e Bianchetti (2005), Rheingold foi pioneiro em organizar comunidades virtuais, a primeira comunidade dele denominava-se WELL em
1985 e nela integrantes mantinham relações intelectuais, sociais e afetivas.
As particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) se
coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, e
isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários. O que nos conduz diretamente à virtualização das organizações que, com a ajuda de ferramentas da cibercultura4, tornam-se
cada vez menos dependentes de lugares determinados, de horários de
trabalho fixos e de planejamentos em longo prazo. Da mesma forma, ao
continuar no ciberespaço, as transações econômicas e financeiras acentuam ainda mais o caráter virtual que possuem desde a invenção da
moeda e dos bancos (LÉVY, 2000, p.49).
As comunidades virtuais de aprendizagem caracterizam-se pelo
conhecimento ser coletivamente construído através delas, os saberes
são adquiridos através da construção social, alunos/as pedindo ajuda a
alguém e não somente aos professores, evidenciando a descaracterização
do professor como única fonte de saber. A este cabe assumir o papel de
companheiro, liderança, com a capacidade de mobilizar a comunidade
de aprendizes em torno de sua própria aprendizagem, fomentar o debate,
manter o clima para ajuda mútua, incentivar cada um a se tornar responsável pela motivação do grupo e claro orientar e direcionar quando necessário. Num novo contexto, que é dinâmico, nós, aprendizes, somos
colocados como agentes de um processo, porque não basta entrar na
comunidade e assistir. Se, num clássico contexto educacional, trabalhávamos somente como espectadores de uma temática, nas comunidades
virtuais de aprendizagem temos que participar, senão não seremos membros dela. Se não interagirmos é como se não existíssemos.
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Lemos (2002) movimento sócio-cultural que surge da relação entre a sociedade, a cultura e
tecnologias digitais
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Um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) nos proporciona
formas de organização dos saberes acumulados e os construídos através
das Comunidades Virtuais de Aprendizagem (CVAs) de uma forma mais
interativa devido aos recursos de armazenamento e rápido acesso oriundo dos sistemas de computação. Sobre a interatividade, Lévy afirma que
esta pressupõe participação ativa do beneficiário de uma informação. O
canal de comunicação funciona nos dois sentidos. Como modelos de
mídia interativa, destacam-se o telefone, o videogame, o computador...
(2000, p. 79-80). Proliferam atualmente exemplos de AVAs no
ciberespaço, destaco rapidamente os elementos principais que compõem
o mesmo, ressaltando que sempre podem ser acrescentadas melhorias
para dar conta do que circula na infovia. Bate-papo, Lista de discussão,
Fóruns, Correio Eletrônico, espaço destinado ao envio/disponibilização
de materiais pelos membros, Blogs, Fotologs e Videoblogs, Sites de Relacionamento, Comunicadores instantâneos e outros.
Conclusão
Sem dúvida, a informática deve estar presente nos cursos do
PROEJA, pois os alunos deste programa não devem ficar à margem das
inovações tecnológicas nessa área porque a sociedade como um todo
está mergulhada no mundo digital e suas interconexões. Uma vez que o
programa visa a incluir o jovem e o adulto socialmente e ainda no mundo
do trabalho, deixar a informática de fora dos cursos ofertados é negar
um dos princípios no qual o programa está fundamentado.
Porém, na oferta de cursos de profissionalizantes integrados ao
Ensino Médio no âmbito do PROEJA, assim como na Educação Básica
como um todo, a Informática Educativa não deve ser uma disciplina a
parte, estanque, isolada, descontextualizada e, sim, que sirva de suporte,
ferramenta, recurso para aprendizagem nas diversas ênfases/habilidades que estão sendo ofertadas. Como o próprio nome do programa ressalta, há integração entre o Ensino Médio e o Profissional, dentro de uma
perspectiva transdiciplinar, pode-se fazer uso dos recursos computacionais
e de comunicação, pois estes se prestam muito bem a este papel. As
possibilidades de pesquisa, publicação e trocas através da rede mundial
de computadores, poder se agrupar e formar comunidades virtuais de
aprendizagem, a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem são
elementos com os quais os alunos do curso terão familiaridade durante o
curso e que poderão utilizá-los no decorrer de suas vidas.
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Mais uma vez vale ressaltar que o mundo do trabalho está cada
vez mais digital, que os saberes produzidos crescem exponencialmente e
que o ciberespaço está acessível tanto para acessar quanto para
disponibilizar esses saberes. As trocas favorecem a promoção da aprendizagem, já o Proeja tem como objetivo, entre outros, a auto-aprendizagem, oportunizar a jovens e adultos a articulação de suas experiências
com os saberes escolares, a qualificação e habilitação de profissionais
para acompanhar a evolução do conhecimento tecnológico. Portanto fazer
uso dos diversos softwares como editores de texto, planilhas de cálculo,
editores de apresentação e de páginas de internet, gerenciadores de banco
de dados, simuladores, jogos aplicados à Educação e também o manuseio de equipamentos digitais, tais como câmeras, celulares, dispositivos
de armazenamento, impressoras, scanners entre outros são necessários
durante todo o curso contextualizados com as competências que os alunos devem adquirir.
Referências
ALMEIDA, Maria Elizabeth. PROINFO: Informática e Formação de Professores. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – Ministério da Educação,
2000
BRASIL. Decreto Nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui no âmbito federal o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA
Computadores nas escolas, mas longe das salas de aula. Disponível em: http:/
/webinsider.uol.com.br/index.php/2003/02/26/computadores-nas-escolas-maslonge-das-salas/ - acesso em 05/04/2007
Projeto UCA – Um computador por Aluno. Disponível em: http://
www.lec.ufrgs.br/index.php/Projeto_UCA_-_Um_Computador_por_Aluno acesso em 03/04/2007
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: editora34, 2000
LOPES, José Junio. A Introdução da Informática no ambiente escolar. Disponível em: http://www.clubedoprofessor.com.br/artigos/artigojunio.htm - acesso
em 03/04/2007
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CONECTANDO SABERES NO
PROEJA:Possibilidades de
Aprendizagem em Ambientes Digitais
Kely Goze Ferreira1*
Rosália Procasko Lacerda2**
Introdução
O avanço das tecnologias digitais exige uma reformulação das práticas pedagógicas e, neste contexto, a escola deve assumir novas posturas frente à “sociedade de informação”, pois o conhecimento hoje é
dinâmico e torna-se necessário que os professores busquem novas percepções frente à realidade, possibilitando ao aluno trabalhador ser o construtor do seu conhecimento a partir das descobertas que os ambientes
informatizados em rede podem propiciar. A necessidade de uma proposta inovadora e emancipatória para a educação de jovens e adultos também se origina da nova estrutura social dominante de nossa realidade, ou
seja, a chamada sociedade em rede, a economia informacional global e a
cultura da virtualidade real, na qual o novo trabalhador deverá saber
interagir com a máquina desenvolvendo assim novas habilidades exigidas
pela atual sociedade. A inserção neste novo ambiente possibilitará ao
aluno trabalhador desenvolver, na escola, as habilidades exigidas pelo
século XXI, bem como, convida o professor a repensar a aprendizagem,
explicitando a necessidade de mudança em seus espaços, tempos e modos de trabalhos.
1
Professora substituta de Língua Espanhola do Colégio de Aplicação UFRGS e do PROEJA/
UFRGS, Especialista em Educação PROEJA.
2
Professora do Colégio de Aplicação UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão de
Curso da autora que resultou no presente artigo.
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Dentro dessa perspectiva, este trabalho vem refletir sobre o papel
da inclusão social como fator de inclusão digital, através da viabilização
de uma proposta inovadora em sala de aula a qual contemple toda a
diversidade de experiências do aluno trabalhador, as necessidades e características exigidas pelo século XXI bem como as possibilidades de
interação que a internet oferece na busca da construção do conhecimento dentro da proposta do PROEJA. A idéia é que, com a exploração
dos ambientes que a internet disponibiliza na rede, os alunos conectados
possam atuar no mundo compartilhando suas idéias com outras culturas,
rompendo com o tempo e o espaço e relacionando as novas formas de
aprendizado nas quais a interação, o acesso ilimitado às informações
podem transformar-se em conhecimento.
PROEJA: uma proposta
O aluno trabalhador está inserido em um processo educativo do qual
fazem parte a família, o trabalho, o bairro e a escola, ou seja, o aluno traz
consigo uma forte experiência, principalmente no que diz respeito ao trabalho, já que muito cedo deixa o seu lar em busca de um emprego para
garantir o sustento. De acordo com o Documento Base do PROEJA (2006,
p.40), “a educação deve compreender que todos têm história, participam
de lutas sociais, têm nome e rostos, gêneros, raças, etnias e gerações
diferenciadas”. O que significa que a educação precisa levar em conta as
pessoas e os conhecimentos que estas possuem. È importante respeitar a
sua história na troca de saberes e construir juntamente com a comunidade
um novo espaço educativo aberto a inovações, um novo Ensino Médio,
comprometido com o coletivo capaz de formar trabalhadores conscientes
com a forma de “compreender e se compreender no mundo”.
Pensando em uma sala de aula que conte com a ativa participação
dos alunos, o PROEJA vem romper com o Ensino Médio centrado nos
conteúdos específicos e nas disciplinas, ou seja, não se pode tratar da
formação como algo exclusivamente do mundo do trabalho ou do mundo
da educação. Portanto, pode-se falar aqui em qualificação social e profissional desse aluno trabalhador que experimentará, dentro da sala de aula,
atividades baseadas em metodologias inovadoras, emancipatórias e de inclusão, sendo o trabalho seu princípio educativo e tendo como principal
objetivo a atuação cidadã consciente e a inserção no mercado de trabalho.
A proposta do PROEJA de dialogar com a realidade, de conceber o
homem como ser histórico-social, de respeitar as habilidades adquiridas
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por meios informais, de utilizar a experiência na construção do conhecimento, de participação, de colaboração, de criatividade, de construção dinâmica interdisciplinar, transdisciplinar e intercultural permite variadas formas de organização curricular. E para construir uma proposta de trabalho
que possibilite a inclusão e a inovação faz-se necessário conhecer e refletir sobre a nova estrutura social dominante de nossa realidade, a qual nos é
apresentada da seguinte maneira, segundo Ruiz (2002):
· a chamada sociedade em rede;
· a economia informacional global;
· a cultura da virtualidade real.
Segundo Silva (2006), as características e contradições da sociedade atual vão gradativamente influenciando nosso dia a dia, afetando a
forma de pensar, a maneira como nos comunicamos, trabalhamos, nos
relacionamos com os demais, aprendemos e ensinamos. Aos poucos,
vamos alterando nossos hábitos e nossas atividades já que, para aprender nessa sociedade, é necessário compreender como funciona esse
espaço dinâmico que está em constante expansão e apropriar-se dos
seus meios de interação para emancipação.
Para que as tecnologias não se tornem um fator de exclusão social, é necessário que a escola promova a aproximação entre o aluno trabalhador e este novo espaço de aprendizagem. Segundo Baggio (2000):
(...) o novo trabalhador deve ter a capacidade de aprendizagem e de adaptação a mudanças, deve saber trabalhar em equipe, de preferência em equipes multidisciplinares e ter domínio das linguagens das máquinas.
Nessa nova era da informação, em que, a cada segundo tudo se
modifica, faz-se necessária a interação entre o aluno trabalhador e a
máquina. Tal aproximação irá configurar uma forma de inclusão social
que possibilitará oportunidades diversificadas de adaptação às novas linguagens da comunicação, socialização e descoberta de novas habilidades e interesses que não são desenvolvidos na escola tradicional.
Assim, a escola vem buscando uma nova forma de “repensar” a
aprendizagem e explicita a necessidade de mudança em seus espaços,
tempos e modos de trabalhos, pois formar para as novas tecnologias,
segundo Perrenoud (2000, p.128):
(...) formar o julgamento, o senso crítico, o pensamento hipotético e
dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a
capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de textos e
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imagens, a representação de redes, de procedimentos e de estratégias de
comunicação.
Dessa forma, é frente a esse contexto que inserimos novamente o
aluno trabalhador nesta nova proposta de sala de aula. Segundo o Programa de Formação Continuada Mídias na Educação (2006): “É preciso
ressignificar as idéias de Paulo Freire”, na medida em que, com a
tecnologia digital criam-se condições para que os alunos reescrevam sua
história dentro desse novo espaço, conectados de tal maneira que possam compreender criticamente a realidade e o desenvolvimento humano, social, cultural e educacional e, dessa maneira, construam uma sociedade mais justa e igualitária.
2.1. A internet e a construção do conhecimento
Segundo Ramal (2002), hoje falamos na configuração de um novo
trabalhador que deve estar pronto para obter informações e assimilá-las
sempre que for necessário. Dentro desse novo cenário, o conceito de
trabalho vem se modificando e é papel do trabalhador estudar, aprender,
enriquecer seu potencial profissional, podendo dessa maneira gerar inovações e desenvolver novas competências. Muitos de nossos alunos não
têm acesso ou desconhecem o ambiente digital e este cada vez mais se
faz necessário, pois é um dos requisitos indispensáveis para a habilitação
profissional num mercado de trabalho competitivo. O aprender dentro
das tecnologias passa a configurar uma nova forma de os indivíduos
utilizarem e ampliarem suas possibilidades de expressão, constituindo
novas interfaces para captarem e interagirem com o mundo.
Na proposta de educação para adultos, não podemos deixar de
pensar na inclusão digital e inclusão social, pois as duas caminham juntas
promovendo a educação. Estar inserido no meio virtual é uma condição
para estar incluído nesta nova sociedade. Não basta apenas estar
conectado, é preciso saber selecionar as informações e dar significado a
elas de forma que estas possam contribuir no processo de construção do
conhecimento.
Para Pierre Lévy (apud RAMAL, 2002), a informática traz consigo um novo modo de pensar o mundo, de conceber relações com o conhecimento, de aprender coisas e, com isso, surgem novos imaginários,
novas formas de nos relacionarmos com o conhecimento e novos estilos
de regulação social. E o computador nos ajuda a ver e compreender o
mundo.
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Partindo da idéia de que o conhecimento é uma produção social e
que o acesso a ele implica a mediação, pode-se concluir, então, que, para
aprender algo novo, é necessária a participação, a interação e a colaboração do outro. Com isso, o trabalho cooperativo vem ao encontro das
necessidades dos alunos na busca da construção do conhecimento.
Este novo ambiente colaborativo que nos é apresentado com o
uso do computador em rede pede-nos novas formas de organização e
trabalho, de maneira que permita a participação de inúmeras pessoas
nesse processo. Assim, a construção do conhecimento dentro do espaço
digital pode ser apresentada da seguinte maneira:
Figura 1: A aprendizagem dentro do ambiente digital
Teremos aqui não um único autor ou leitor e sim muitos autores e
leitores num processo de colaboração. Podemos dizer, então, que esta
nova possibilidade que a internet nos abre, ou seja, os ambientes nela
encontrados são espaços compartilhados de convivência que dão suporte à construção, à inserção e à troca de informações pelos participantes
visando a construção do conhecimento. Dentro dessa sala interativa,
todos têm possibilidade de falar, de levantar hipóteses, de refletir, de
negociar e chegar a conclusões que ajudem o sujeito a se perceber como
parte de um processo dinâmico de construção. É a partir dessa interação
e posterior internalização que teremos a construção do conhecimento.
Nessa nova organização espaço-temporal a partir do trabalho com
a tecnologia digital, o professor encontrará:
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· compartilhamento de idéias a partir do trabalho em equipe;
· aprendizagem centrada no aluno;
· interação entre sujeito e objeto;
· construção do conhecimento e desenvolvimento de habilidades
cognitivas; e
· conhecimento como produto das operações que o aprendiz realiza com
as informações (coordenações, inferências, argumentos, demonstrações
etc) e da interatividade com outros parceiros.
Nesse novo contexto, o professor entra como orientador, ou seja,
aquele que estimula, incentiva e abre caminhos para que seus alunos de
forma interativa busquem a construção de novos saberes.
2.2. As possibilidades de interação virtual
para a construção de uma proposta
Para inserir o aluno nesse ciberespaço3, faz-se necessário que os professores conheçam alguns ambientes disponibilizados na rede para, assim,
construírem uma proposta inovadora. Apresentarei tais ambientes a seguir.
2.2.1. Correio Eletrônico
O correio eletrônico ou e-mail como é conhecido, pode promover
uma interação entre pessoas de todo o mundo. Dentro da sala de aula, o
correio eletrônico possibilita ao professor e aos alunos quebrar as barreiras da comunicação permitindo a troca de idéias e informações culturais,
independentemente das fronteiras espaciais e temporais. Por permitir a
expressão, a discussão e a contraposição de idéias entre os sujeitos, é
um recurso que promove a aprendizagem e possibilita a construção do
conhecimento. É muito importante a aproximação do aluno trabalhador
com o uso do correio eletrônico, pois ele é quase uma exigência nas
empresas do mundo moderno.
2.2.2. Bate-Papo
As salas de bate-papo são ambientes não presenciais de conversação. Existem salas de bate-papo com grande variedade de assuntos,
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essas salas possibilitam “conversas escritas” entre pessoas localizadas
em diferentes partes do mundo voltadas para assuntos que as aproximam, como lazer, música, ciência, negócios e muitos outros.
Os chats também são utilizados como ferramenta educacional. A
professora pode, por exemplo, promover um bate-papo entre uma especialista em educação, ou ainda um escritor e seus alunos por meio dessa
ferramenta. Depois, eles podem fazer dissertações (trabalhar com diferentes gêneros, como por exemplo: argumentação, com a qual os alunos
argumentariam a favor ou contra os pontos de vista, posicionando-se)
sobre os assuntos discutidos na conversa para serem inseridas num blog
ou numa página (a página do colégio e o blog dos alunos).
2.2.3. Lista de Discussão
Dentro desse ambiente, o professor ou os alunos podem criar uma
lista e debater diferentes assuntos, todos podem acessar a qualquer momento, postar comentários e ler os comentários, pois ela é uma ferramenta de comunicação assíncrona, ou seja, para o recebimento e envio
de mensagens não é necessário que os participantes estejam conectados
ao mesmo tempo como num chat. Minha experiência dentro da lista de
discussão com alunos é muito proveitosa, criamos uma lista para debater
sobre as principais notícias da semana e para conversar sobre assuntos
do cotidiano deles. É bastante produtivo, pois dentro desse processo os
alunos desenvolvem de maneira significativa a escrita e o poder de argumentação tanto que a proposta seguinte é escrever textos a partir das
idéias que surgem na discussão.
2.2.4. Blogs
A possibilidade da criação coletiva e a aproximação de alunos e
professores são as principais contribuições que os blogs podem trazer
para o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, são disponibilizados
a qualquer leitor na rede. O trabalho utilizando esta ferramenta privilegia
a interatividade, a autoria, a autonomia bem como o registro de idéias,
fatos e situações diversas. Através da interação com pessoas de outros
espaços geográficos, o conhecimento poderá ser construído e
reconstruído, trocando idéias sobre diferentes realidades. Juntos todos
estão passando pelo processo chamado alfabetização digital. Exis-
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tem muitas possibilidades de trabalho dentro do blog, várias escolas já adotaram esta ferramenta de trabalho em sala de aula. O
blog propicia aos alunos o registro simples e rápido, possibilidade de
interação entre os sujeitos, a promoção da troca de idéias e resolução de
desafios de forma colaborativa.
O blog Ponto de Vista4 desenvolvido no Colégio de Aplicação,
busca oportunizar aos alunos o contato com outras culturas por meio de
discussões e trabalhos presenciais aproximando os alunos de outras realidades pelo meio virtual.
Dentro dessa perspectiva, venho desenvolvendo com os alunos do
PROEJA da UFRGS um projeto intitulado “A Minha Vida é um Filme”5,
no qual os alunos disponibilizarão na web por meio de blogs textos que
serão construídos de forma colaborativa. Esses textos são autobiografias que serão compartilhadas com alunos do PROEJA de outras escolas
com o objetivo de refletir sobre a história de vida desses alunos.
Assim, o estudo com o uso do blog não se restringe aos minutos de sala de aula. O professor instiga os alunos a estudar mais, a
buscar no blog desafios e exercícios abrindo as atividades da escola para pessoas de outros colégios, cidades e até países, ampliando, dessa maneira, a visão de mundo. As produções do aluno ou do
professor podem ser vistas, comentadas e conhecidas por qualquer
internauta do mundo, isso é um incentivo para alunos e professores
se dedicarem a montar blogs.
2.2.5. Wiki e Home Page
A Wiki é uma ferramenta disponibilizada ao professor que permite a
interação, a postagem de comentários a partir de senha compartilhada e a
visualização do histórico de trabalho, ou seja, o professor poderá acompanhar, nesse ambiente, todo o processo de construção do aluno, todas as
contribuições feitas por eles, pois a cada postagem tudo ficará registrado.
A Home Page, dentro de um projeto de sala de aula, possibilita a
argumentação do ponto vista a partir das hipóteses que dão origem a
uma pesquisa ou projeto de aprendizagem, por exemplo, descrição de
4
Ponto de Vista é um blog construído por alunos do Projeto Amora, desenvolvido no Colégio
de Aplicação da UFRGS, sob a coordenação da professora Rosália Procasko Lacerda.
5
O projeto “A Minha Vida é um Filme” é realizado através da apresentação de filmes
hispânicos que mostram diferentes realidades culturais e sociais, buscando o diálogo com a
história de vida do aluno trabalhador do PROEJA/UFRGS. Trabalho coordenado pela professora Kely Goze Ferreira.
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ações ou de fatos, estabelecimento de relações entre estes, testagem de
hipóteses e contraposição de informações que o autor obteve por si próprio ou por meio de interações. Além disso, é evidente a autoria do aluno
observada no texto escrito, a qual se materializa através das escolhas
feitas pelo autor, revelando sua identidade literária. Dentro desta perspectiva venho desenvolvendo juntamente com alunos do PROEJA/
UFRGS uma Home Page dentro do projeto “A Minha Vida é um Filme”
já citado anteriormente, na página os alunos compartilham o que está
sendo produzido em aula.
Dentro do site do projeto Amora6 existem inúmeras páginas desenvolvidas por grupos de alunos sobre diversos temas escolhidos por eles.
2.2.6. Plataforma ou Ambiente Digital
A plataforma ou ambiente digital é uma sala de aula virtual: os
alunos a acessam por meio de uma senha de segurança e interagem por
meio de diversas ferramentas disponibilizadas.
Estes ambientes vêm sendo bastante utilizados, pois valorizam o
conhecimento compartilhado, a autoridade compartilhada, a aprendizagem mediada, a valorização da diversidade e das diferenças e a construção de significações e ressignificações no processo de aprendizagem.
Existem muitos projetos sendo desenvolvidos dentro de plataformas digitais. Estou desenvolvendo juntamente com uma colega para trabalhar com a Língua Estrangeira (LE) um projeto chamado “Trabajando
con Historietas”7. Dentro deste trabalho buscamos desenvolver a aquisição da LE por meio da interação, do contato com novas realidades e
com outras culturas no ambiente virtual. O projeto consiste na construção de histórias em quadrinhos utilizando a escrita colaborativa na internet.
Considerações finais
A proposta de sala de aula desenvolvida dentro de ambientes digitas
para os alunos trabalhadores do PROEJA vem romper com algumas
barreiras, de forma que este aluno interaja com o mundo e conheça
novas culturas, novas realidades nas quais possam, por meio deste inter6
7
Website do Projeto Amora: http://www.amora.cap.ufrgs.br.
Trabajando com Historietas disponível em http://br.geocities.com/gizele.oliveira.
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câmbio, participar de maneira colaborativa buscando desenvolver, dentro desse espaço, habilidades para a emancipação dentro de uma perspectiva enriquecedora, reflexiva, libertadora, de respeito à diversidade e
às diferentes experiências vividas pelo grupo, resgatando a auto-estima
e incluindo-se dentro do novo contexto escolar.
Para tanto, é preciso partir de uma concepção de aprendizagem
que atenda à individualidade do aluno, concebendo-o como sujeito
aprendente responsável por sua própria aprendizagem, mas integrado no
coletivo, quer real ou virtual. Dessa maneira, faz-se necessária uma reorganização do tempo, do espaço e da configuração escolar de forma a
flexibilizá-los em favor dos interesses e necessidades dos alunos trabalhadores. Tal flexibilização demanda um redimensionamento tanto no que
tange ao espaço físico e aos recursos quanto no que diz respeito à formação continuada do professor. Sabemos que a utilização pedagógica
da Internet é um desafio já que é preciso estar conectado a redes, o que
demanda instrumentalização, preparação e atualização dos professores
para enfrentar os novos desafios. Esse processo exige um maior entendimento de como ocorre a aprendizagem nesses contextos de interação
virtual e, também, de qual é o papel do professor diante de situações que
necessitem sua intervenção. É preciso, portanto, considerar a importância da construção de uma proposta pedagógica coerente que permita a
alunos e professores a leitura e o diálogo dentro da internet utilizando
projetos interdisciplinares ousados, criativos e desafiadores.
Referências
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2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/v29n2/a03v29n2.pdf> Acesso em 20 de jan. 2007.
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informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Documento base do Programa de Integração da
Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
MORAN, José Manuel. As possibilidades das redes de aprendizagem. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/textost.htm> Acesso em 03 de mar.
2007
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PERRENOUD, Philippe. 10 Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre.
Editora Artmed. 2000.
RAMAL, Andréa. Educação na Cibercultura. Porto Alegre. Ed. Artmed. 2003
RUIZ, Osvaldo. Manuel Castells e a “Era da Informação”. 2002. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/reportagens/internet/net16.htm#1>Acesso em 12 de
mar. 2007.
SEED/MEC (Org.). Programa de Formação Continuada Mídias na Educação:
Módulo Introdutório de Integração de Mídias na Educação. 2006. Disponível
em:<http://teleduc332.cinted.ufrgs.br/pagina_inicial/mostra_curso.
php?&cod_curso=458&tipo_curso=I&extremos=> Acesso em 2 de nov. 2006.
VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente. trad. José Cipolla Nt. - São
Paulo: Martins Fontes, 1994.
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CANÇÕES, SINFONIAS E INVENÇÕES
INTEGRADAS À EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS:
ÂNIMO, CORPO E PENSAMENTO
Bernhard Sydow1
Rafael Arenhaldt2
Introdução
A Música é um recurso imprescindível na educação de jovens e
adultos profissionais? É verdade que o delicado processo da educação
pode quebrar se o jovem ou o adulto sentir autoridade demais no professor? Que a única possibilidade de educá-lo é seduzi-lo pela beleza da
coisa que estamos estudando? É verdade que a Música nos faz sentir a
beleza das coisas?
Como o presidente Lula declarou em 15 de março de 2007,
[…] milhões de jovens estão no pior dos mundos, porque estão, de um
lado, fora da escola... certamente, estão fora da escola porque a escola não
foi motivadora para eles continuarem. As pessoas, hoje, só fazem e só vão
quando gostam, ou seja, se a escola não for uma coisa que desperte neles
uma coisa prazerosa, eles não vão (Lula, 2007).
Existem barreiras entre os campos da Música e da Tecnologia, da
Engenharia, da Física, da Matemática, das Letras, da História. A intenção deste trabalho é romper estas barreiras. É lembrar enfaticamente
1
Bernhard é professor de flauta-doce no Projeto Prelúdio e de Música nas turmas de EJA e
PROEJA na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email:
[email protected].
2
Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre e
coordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do
presente artigo.
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que a Música faz parte do cotidiano e da identidade de jovens adultos.
Cabe então perguntar: o que nos impede, jovens adultos estudantes, de
cantar, dançar e ouvir música quando estamos na aula? Dança e música
não são as melhores maneiras de cuidar de corpo e alma, cuidar de
lembranças e esquecimentos?
Morin (1999) afirma que é preciso estarmos conscientes “que a
esfera das coisas do espírito nos dá o impulso para delírios, massacres, crueldades, adorações, êxtases e sublimidades” (p. 29).
A alma ocidental do século XX alimenta-se das fontes vivas da
arte africana, dos filósofos e místicos do Islã, dos textos sagrados
da Índia, do pensamento do Tao do budismo (MORIN, 1999, p. 104).
Não foram estas algumas das fontes em que beberam, em que se
inspiraram nossos grandes artistas e músicos da Contracultura, do
Tropicalismo, da Música de protesto e da Música Popular Brasileira a
partir dos anos 70?
A alma ocidental do século XX aspira à paz interior e à relação harmoniosa com o corpo distanciando-se do mundo do ativismo,
do produtivismo, da eficácia, do divertimento (MORIN, 1999, p. 104).
Já em 1960 Morin refletia sobre a alma quando preconizava que
uma colonização, não mais horizontal, mas vertical, penetraria na alma
humana. A alma é a nova colônia. “A segunda industrialização passa
a ser a industrialização do espírito; a segunda colonização passa a
dizer respeito à alma.” (MORIN, 1962, p 13). A técnica agora penetra
também no domínio interior do homem.
Nunca os murmúrios deste mundo – antigamente suspiros de
fantasmas, cochichos de fadas, anões e duendes, palavras de gênios e de deuses, hoje em dia músicas, palavras, filmes – haviam sido
fabricados industrialmente e vendidos comercialmente (MORIN,
1962, p. 13).
Mais adiante avança associando a alma à cultura,
[…] corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram
o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas
nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades
míticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os
deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semireal, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma),
o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si e
no qual se envolve (sua personalidade) (MORIN, 1962, p. 15).
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Ora, a purificação do pensamento pela eliminação de todas as escórias, impurezas e impertinências revelou-se um expurgo que levou junto tripas e intestinos: o sonho de encontrar fundamentos absolutos desabou com a descoberta, em meio à aventura, da ausência de tais fundamentos. (MORIN, 1986, p.21). Afinal, quantas vezes a Poesia e a Música foram expurgadas da sala de aula?
Não é necessário abandonar nem música, nem razão para nos lançar à compreensão poética das coisas, e procurar captar a poesia que
brota do prosaico (ARENHALDT, 2005, p.139), ou estudar a tecnologia
que há na música.
INTERROGAÇÃO [aprendizagem, (desejo,
razão, poder), música]
Música é sinal de estar bem. Alguns antropólogos afirmam que
antigamente só podia fazer música quem não estivesse fugindo de alguma fera predadora. Só pode fazer música alguém que esteja tão bem
preparado que possa fazer música apesar do predador. Antropologicamente a música sempre foi um sinal de estar bem, de estar preparado, de
poder chamar à atenção apesar das ameaças.
O aluno que deseja aprender escolhe seu mestre. Falando em
termos psicológicos, o inconsciente tem dificuldades em colocar em
posição de mestre alguém que se apresenta em situação de desconforto. Porém, ao contrário, colocamos inconscientemente em posição de mestre aqueles que nos parecem estar bem. E nenhum sistema de ensino funciona se o professor não for objeto de consideração e eventualmente de idealização (CALLIGARIS, 2005).
Por isso a política e o marketing usam tanto a música. Porque quem
faz música está bem preparado e talvez tenha algo que possamos aprender.
Nem o pensamento mais forte, nem o procedimento mais claro têm
o poder que tem o sentimento. Como o musgo minúsculo vai penetrando,
penetrando, desfazendo a infinita dureza da pedra, assim o amor vai se
enredando, se enredando, sussurrando seu doce canto ao animal feroz,
tornando criança ao homem desesperado, livrando-o de seus rancores,
parando o eterno fugitivo, libertando o prisioneiro: Volver a los
diecisiete, como lavrou Violeta PARRA (1964), para abrir janelas de
par em par, para ver com outros olhos outra paisagem. Esta volta para os
dezessete poderia ser uma viagem da educação de jovens e adultos atra-
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vessando a Arte, embarcando na Música, entrelaçando saberes e sentimentos humanos históricos e científicos.
O trabalho sobre o ser humano incorpora no seu íntimo o mistério e
a complexidade humana, afirma Edgar Morin. Cita as frases de Blaise
Pascal que, no século XVII, tinha uma visão do ser humano muito mais
rica do que muitos antropólogos atuais.
Que quimera é, pois, o homem? Qual novidade, qual monstro,
qual caos, qual objeto de contradições, qual prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário do verdadeiro, cloaca de
incerteza e de erro, glória e reverso do universo que é o homem na
natureza? Um nada diante do infinito, um todo diante do nada, um
meio entre nada e tudo. O homem é ele mesmo o mais prodigioso
objeto da natureza, pois ele não pode conceber o que é o corpo e
menos ainda o que é espírito e menos do que qualquer outra coisa,
como um corpo pode estar unido a um espírito. Eis aí o cúmulo de
suas dificuldades, e no entanto, é seu próprio ser: a maneira com
que o espírito está unido ao corpo não pode se compreendida pelo
homem e, no entanto, isso é o próprio homem. (Blaise Pascal apud
MORIN, 2000, p.7)
O colorido e a transparência dos escritos de Bacon (1620) esclareceram-nos sobre nossos ídola tribus, specus, fori e theatri (preconceitos, idiossincrasias, modismos semânticos, crendices), e ensinaram-nos
em seu Novum organum que não é apenas através do pensamento,
mas através da observação e da experimentação que chegaremos a uma
conclusão de valor científico. Mas é o Discours de la méthode pour
bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences de
René Descartes (1637, p.25) que desmonta o organon (visão integral,
teleológica do mundo e do ser humano) aristotélico, decompondo em
suas peças até mesmo o corpo e a alma humanos.
No dia 9 de março de 2007, em sua turnê mundial com o show The
dark side of the Moon, o músico inglês Roger Waters, ex-integrante da
banda de rock Pink Floyd, comparou a visita do presidente americano
George Bush à América Latina à de outras autoridades a seu rancho no
Texas.
Enquanto cantava “Sheep”, soltou um balão com o desenho de um
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porco com a frase “O chefe Bush visita o rancho da Colômbia”. Foi
aplaudido por um público de 20.000 pessoas. No dia 23 de março esteve
no Sambódromo do Rio de Janeiro, e dia 24 no Morumbi, em São Paulo.
Impeach Bush. Bring the boys back home. Até onde é honesta a
intenção de criticar o imperialismo americano e quanto deste barulho é
marketing, manifestação política para angariar simpatias, posar como
líder feito cidadão Kane no filme de Orson Welles (1915 – 1985)?
INTERRUPÇÃO
O assunto da gozação entre alunos ou de professores contra alunos, também chamado bullying, é tema de filmes como Tiros em
Columbine, de Michael Moore (também autor de Fahrenheit 9/11 e
Elephant), Jeremy Spoken in class today da banda Pearl Jam. A música The Wall representa um professor reprimindo fisicamente um aluno
que escreve poemas em vez de prestar atenção na aula. We don’t need
no education, hey, teacher, let the kids alone é o refrão que simboliza
a falta de respeito e compreensão do professor em relação ao trabalho
criativo do aluno.
Em 24 de abril de 1996 dezenove sem-terra foram mortos e outros
51 feridos, a título de desobstruir uma rodovia do Pará. Por que negas
um espaço aos que querem ter um lar, pergunta Pedro Munhoz (1996,
CD Cantigas de Andar só) na música procissão dos retirantes.
INTEGRAÇÃO [aprendizagem, (protesto,
conscientização, motivação), música]
Para dar conta do pensamento complexo e interdisciplinar aplicado
à educação criei uma nova ferramenta articuladora de idéias e atores
que chamo de “polinômio recursivo”. Polinômio porque se trata de um
processo que envolve diferentes “variáveis” x, y, z, n que agem entre si,
umas sobre as outras. O Estudante Jovem ou Adulto é influenciado, mas
também age sobre a Música, constituindo o binômio recursivo (Estudante, Música). A Educação age sobre o Estudante Jovem ou Adulto, mas
também é influenciada pelo Estudante, constituindo o binômio recursivo
(Estudante, Educação). A Educação age sobre a Música, mas também
pode ser modificada pela Música, esse é o nosso objetivo constituindo o
binômio recursivo (Educação, Música). Se observarmos que o binômio
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(Educação, Música) age sobre o Estudante Jovem ou Adulto, mas também sofre modificações por ação deste, teremos o trinômio recursivo
(Estudante, Educação, Música).
O Estudante pode ser visto pelos ângulos (Ânimo, Corpo, Pensamento); a Educação pode ser vista pelos ângulos (Psicologia, Didática,
Cultura); a Música pode ser vista pelos ângulos (História, Letra, Melodia). São novos polinômios recursivos onde cada elemento age e é acionado pelo seu par: para fazer uma letra de música é preciso haver uma
história, para fazer uma melodia também é preciso haver uma história.
Mas a letra da música pode modificar a história: a melodia do mundo
passará a ser outra. A mesma dinâmica aplica-se aos outros dois trinômios,
(Psicologia, Didática, Cultura) e (Ânimo, Corpo, Pensamento) e teremos
assim um poderoso super-polinômio recursivo. A vantagem de pensar
em termos de polinômios recursivos é de possibilitar combinações inusitadas e, talvez, infinitas, se considerarmos que são infinitas as perspectivas em que podemos ver as coisas. A outra vantagem é a de nos darmos
conta de que o objeto de uma ação é também ator: ele age sobre a coisa
que o influencia.
A Música pode colocar o universo dos saberes e conhecimentos
científicos e tecnológicos numa perspectiva histórica. Pode contribuir
para o jovem e o adulto compreenderem-se como sujeitos do e no mundo. É possível, sim, colocar a Música a serviço de uma formação na vida
e para a vida e evitar que apenas atenda às demandas do mercado.
A Música tem o poder de tornar os sujeitos mais criativos, sociáveis, competentes. A participação em uma atividade musical coletiva
favorece comprovadamente a sociabilidade, a estabilidade emocional, a
capacidade de concentração e de raciocínio, o desenvolvimento da percepção, a capacidade de trabalhar em grupo. A música tem efeitos
profiláticos num mundo agressivo e violento. A Música favorece a capacidade de perceber e tomar decisões nos desafios do cotidiano. Um dos
maiores resultados sociopolíticos da aprendizagem e prática musical é a
vantagem obtida por sujeitos inicialmente desfavorecidos em seu desenvolvimento social e cognitivo. A prática musical incrementa sensivelmente a paciência, a resistência, a constância, a flexibilidade e a capacidade de desenvolver pensamentos divergentes (BASTIAN, 2001, p.2).
Podemos colocar o estudante jovem e ou adulto como construtor
do conhecimento articulando teoria e prática através de temas que reintegrem conteúdos curriculares a partir de sínteses significativas, de estudos focados em temas unificadores situados historicamente e, por que
não, motivados musicalmente através da letra de uma música. Ouvindo
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uma sinfonia ou ópera ou drama musical, deixamos de reduzir o conhecimento à mera informação, se lhe acrescentarmos a amplitude e complexidade que tem na realidade estética e sócio-econômica.
É quase impossível imaginar o Movimento das Diretas Já (1984)
sem as músicas Coração de estudante de Milton Nascimento e Wagner
Tiso (1983), Vai passar ou A gente vai levando, de Chico Buarque
(1975, 1984). A História da República do Brasil e da Música Popular
Brasileira estão inseparavelmente entrelaçadas.
Era um garoto que, como eu, gostava dos Beatles e Rolling
Stones, mas foi abruptamente recrutado para a Guerra do Vietnã. A letra
narra o drama de um garoto que embora fosse pacifista (gostava dos
Beatles e Rolling Stones) e girava o mundo cantando a liberdade, foi
separado da sua guitarra para lutar no Vietnã “tocar” a única nota que a
metralhadora produz: ta-ta-ta-ta. Não era belo mas, mesmo assim, mille
donne, muitas garotas gostavam dele quando cantava Help e Yesterday.
O fato de não se achar belo é típico de todo jovem a procura de uma
nova identidade. Morreu na batalha e em lugar do coração agora carrega duas ou três medalhas no peito, Nel petto un cuore più non ha, ma
due medaglie o tre. Através desta canção é possível integrar várias
disciplinas como: o estudo da língua italiana, por sua letra original; o estudo da identidade jovem dos anos 60 e 70; a problemática da cidadania, do
serviço militar, do patriotismo; do direito à autodeterminação dos povos;
da história do Oriente, da guerra do Vietnã; do respeito à política externa
dos países amigos; da contracultura e suas propostas pacifistas no movimento Hippie e de Woodstock.
Beethoven inspirado pelos ideais da Revolução Francesa dedicou
a III Sinfonia a Napoleão: “Sinfonia grande, intitolata Bonaparte”
Após receber a notícia de que Napoleão havia invadido a Inglaterra e se
autocoroado no dia 18 de Maio de 1804, Beethoven enfurecido apagou o
nome da folha de rosto, colocando-lhe novo título: Sinfonia Heróica.
IMPLICAÇÃO
A construção do currículo integrado implica em nova cultura escolar e na produção de material educativo que seja de referência (MEC,
2006, pp. 49-50).
Não se faz música sem saber contar, somar, subtrair, multiplicar,
dividir. A Matemática está sempre presente, mesmo que de forma intuitiva. Fazer música envolve conceitos da Física: tempo, intensidade, po-
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tência, onda sonora, superposição de ondas, Série de Fourier. Tanto o
músico consciente quanto o historiador conseqüente têm conhecimento
do papel desempenhado pelos atores da Música Popular Brasileira (MPB)
na História recente: a denúncia e o registro das violentas agressões aos
direitos humanos. Anistia e a Abertura foram sintetizadas pela voz de
Elis Regina (O bêbado e a equilibrista) e de Milton Nascimento (Coração de Estudante)
Concordamos com o sociólogo e professor Alexandre Virgínio: “a
diversidade cultural, porquanto estética, deve ser colocada à disposição
dos professores.” Que estes tenham “como única fonte dos códigos de
referência cognitiva, moral e afetiva os meios de comunicação de massa
é inaceitável” (VIRGÍNIO, 2006, p. 318): a televisão rádio e jornal estão
nas mãos de poucos e, pelo visto, têm interesses particulares a defender.
INOVAÇÃO
Qual é a música mais importante na tua vida? Formulei esta pergunta para conhecer letras e melodias que animam corpos e mentes dos
meus alunos. Entre as respostas mais citadas estava Faroeste caboclo
de Renato Russo, que narra a trajetória do destemido João de Santo
Cristo.
Lectio prima3: não tinha medo o tal João de Santo Cristo. Lá
estava eu cara a cara com meus jovens alunos adultos, cheios de expectativa.
Lectio secunda: na escola, até o professor com ele aprendeu. Quem vai aprender com quem?
Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu
Qual papel teriam minhas idéias no espaço de ensinagem de uma
educação não bancária, onde a cultura resulta das relações sociais?
Lectio tertia: do violão ao monocórdio. Optei por uma educa-
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ção musical de alta qualidade com conteúdo histórico-científico. Parti do
cotidiano, da técnica de afinar um violão: intervalos, oitavas, quintas e
quartas justas estabelecidas à razão simples de ½, 2/3 e ¾ entre o comprimento das cordas. Razões matemáticas cuja definição é creditada a
Pitágoras. O mesmo Pitágoras do triângulo reto onde a soma dos quadrados das medidas dos catetos opostos é igual ao quadrado da medida
da hipotenusa. E assim me veio a inspiração “Pro churrasco da Ivanusa”
Tanto Pitágoras quanto Kepler acreditavam na harmonia da Natureza. Kepler chegou a compor uma melodia para cada planeta. Pouca
L
gente sabe, mas o som como movimento oscilatório, o pêndulo, T = 2π g ,
Leonardo da Vinci, Galileu, Foucault, o chronomètre de Loullié, o
metrônomo de Mälzel, Beethoven, a VIII Sinfonia, Napoleão, timbre,
altura, intensidade, duração, andamento, pulso, relógio atômico, semelhança do violão com a tábua de logaritmos, a série de Fibonacci e o
ritmo dos poemas de rituais hindus, tudo está vinculado.
Lectio quarta: aula de Música? Allegro ma non troppo4, trouxeram violão e cavaquinho, levei meu teclado, cantamos Pingos de amor,
É mágica, Faroeste caboclo e Frère Jacques, por que não? Depois
da análise métrica das letras inventamos letras e músicas novas usando
como tema gerador o trabalho e a vida. Classificamos baixos, barítonos,
tenores, contraltos, mezzo-sopranos e sopranos para formar um grupo
vocal. Quem não quer saber a que naipe pertence?
4
alegre, mas não demais: sem oba-oba.
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Conclusão
A Música oferece um universo inesgotável de motivações para
animar a educação profissional de jovens e adultos. Permite a integração
das áreas de conhecimento, multiculturalismo, memória, gênero, etnia e
éticas através do trabalho interdiscipilinar.
Referências
ARENHALDT (2005), Rafael. Das docências narradas e cruzadas, das sur-presas e trajetórias reveladas: Os fluxos de vida, os processos de identificação e as
éticas na escola de educação profissional. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Programa de Pós-Graduação
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PARRA, Violeta (1964). Volver a los 17. Disponível em: <http://
www.violetaparra.scd.cl> Acesso em 9 jan. 2007.
VIRGÍNIO (2006), Alexandre Silva. Escola e emancipação: O currículo como espaço tempo emancipador. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2006.
Orientadora: Drª. Clarissa Eckert Baeta Neves.
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IGUALDADE E DIFERENÇA:
DIÁLO
GOS PPARA
ARA O PROEJA
DIÁLOGOS
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O CUMPRIMENTO DA LEI 10639 / 2003
NO PROEJA: ANÁLISE DO MATERIAL
DIDÁTICO “A COR DA CULTURA”
Letícia Batistella Silveira Guterres1
Simone Valdete dos Santos2
Introdução
Neste trabalho pretendemos analisar a ocorrência da Lei 10.639 /
2003 e suas implicações no processo educativo, especialmente no que
diz respeito à sua implementação enquanto possibilidade de tratar da
diversidade étnico-cultural na escola.
Embora verificássemos a recorrência, em cursos de pós-graduação, do desenvolvimento de dissertações e teses referentes ao tema da
escravidão, percebemos, por outro lado, as brechas ao longo do caminho.
A princípio, ficava evidente o grande volume de escritos publicados sobre tal temática, porém, restritos à análise da região sudeste brasileira. Algo inteligível, pois tais estudos em sua área de interesse estavam
associados à economia agro-exportadora, palco da utilização maciça do
trabalho cativo. Inserido em lógica semelhante, no que diz respeito à
região sul-rio-grandense, a área mais presenteada com pesquisas neste
sentido era então (e ainda hoje) àquela voltada para uma economia de
exportação, neste caso, a charqueada gaúcha. Os estudos, entretanto,
voltavam-se fundamentalmente às questões que abordavam a economia
e a mão-de-obra nela envolvida.
1
Graduada em História Licenciatura Plena pela Universidade Franciscana – UNIFRA (2001),
Mestrado em Historia das sociedades Ibéricas e Americanas pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é professora de História do Centro Federal
de Educação Tecnológica de São Vicente do Sul.
2
Graduada em História Licenciatura Plena pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1994),
Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998) e Doutorado
em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). Atualmente é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientadora do Trabalho de Conclusão de
Curso da autora que resultou na redação do presente artigo.
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A produção científica, que compreendia fundamentalmente a cultura afro-brasileira, esteve por muito tempo exclusivamente ligada à tentativa de explicar a escravidão no Brasil, partindo de um viés eminentemente
economicista e, portanto, ignorando os aspectos humanos que transcendem os econômicos presentes em tal processo. Nesse sentido, as características sócio-econômicas bem como de natureza política estavam acima
das aspirações, atos, valores, ou seja, dos próprios sujeitos sociais que as
constituíam. Assim, revelava-se a construção da imagem de escravo “coisa” na historiografia a respeito3, relegando a eles o quadro de coadjuvantes, pois frutos do processo de expropriação que os relegava a meros
expectadores e reféns da escravidão e de seu resultado.
Porém, inevitavelmente, tal concepção historiográfica, atingiu sobremaneira o ensino e sua forma ao tratar de temáticas envolvendo o
negro no Brasil. Ou seja, a produção historiográfica a respeito do tema
do negro acabou sempre estando vinculada à construção da imagem de
uma vítima do processo de escravidão, sem condições de resistir à ela e
tão pouco recriar estratégias de convivência social diante dela. Com
isso, a imagem de escravo constituiu-se na figura do negro, que por sua
vez esteve atrelado, a sua importância, essencialmente enquanto mãode-obra para o funcionamento da economia dele “dependente”. Os reflexos disto são plenamente verificáveis na sociedade brasileira atual;
reflexos estes associados às práticas racistas e discriminatórias de que a
imagem do negro (associada à de escravo, portanto ser inferior) acaba
reproduzindo. Não que a escravidão tenha criado o racismo, mas acabou
o tendo como pressuposto.
Recentemente, a partir de novas produções historiográficas, frutos do interesse pela abordagem de novos objetos e problematizações
históricas passou-se a abordar temáticas até então não atentadas pelo
meio acadêmico.
Especificamente, em se tratando da temática em torno do negro e
escravidão no Brasil, destaca-se a obra de um historiador norte-americano, Robert W. Slenes4. Nela o autor demonstra as possibilidades e
3
Ver: MAESTRI, Mario J. O escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; Caxias do Sul:
EDUCS, 1984. Também do mesmo autor: MAESTRI, Mario J. A charqueada e a gênese
do escravismo gaúcho. Porto Alegre; Caxias do Sul: EDUCS; EST, 1984.
4
SLENES, Robert W. Na Senzala uma Flor. Esperanças e recordações na formação da
família escrava – Brasil, Sudeste, Século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Ver
também: SLENES, Robert W. Senhores e ubalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO,
Luis Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. V. 2. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997. Do mesmo autor: SLENES, Robert W. Lares negros, olhares brancos: história
da família escrava no século XIX. In: Revista brasileira de História. ANPUH, 1988.
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significados da formação de famílias escravas na região sudeste brasileira em meados do século XIX. Seu trabalho é importante não só enquanto desmistificador da pseudo inexistência – pregada por diversos
estudiosos – da possibilidade da formação de tais laços familiares, como
também e, em seu aspecto mais rico, em resgate à cultura africana,
viabiliza o vislumbre dos significados destas famílias para aqueles sujeitos, ou seja, demonstrou sua importância para formar as esperanças e
recordações das pessoas, isto é, para a formação de memórias, projetos, visões de mundo e identidades5. Seu estudo ajudou a reavaliar a
suposta licenciosidade sexual de cativos, visão que unia parte de intelectuais como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes6. Sem dúvida, embora
de forma lenta e gradual, os novos caminhos de investigação sobre o
negro no Brasil, que o concebem enquanto agente histórico e não “coisa”, vem ajudando a alterar as concepções sobre este tema bem como
problematizando a forma de estudá-lo e ensiná-lo.
Neste mesmo sentido e diante destas novas abordagens e
reformulações de concepções é que está inserida a Lei 10.639 / 2003,
que prevê a obrigatoriedade do ensino sobre História e cultura afrobrasileira, tanto em estabelecimentos de Ensino Fundamental quanto nos
de Ensino Médio, nas redes de ensino públicas ou privadas. Inclui o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil. Determina ainda que os conteúdos sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de educação artística e de Literatura e História brasileiras.
Prevê ainda, a inclusão no calendário do dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra”.
Este trabalho pretende analisar material didático publicado a partir
da Lei, observando e analisando em que medida suas prerrogativas são
tratadas e propostas para serem abordadas em sala de aula. Tal material
denomina-se “A cor da Cultura” e será aqui trazido enquanto possibilidade de se trabalhar as questões étnicas na escola e no PROEJA.
5
SLENES, 1999, op.cit; p. 13
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 48 ed. São Paulo: Global, 2003 e
FERNANDES, Florestan. A introdução do negro na sociedade de classes. 2 v. São
Paulo: Dominus/Edusp, 1965.
6
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Modos de Ver
O material, em seu primeiro livro, coloca o leitor a par de textos que
vão desde uma perspectiva de análise sobre a África e suas diversidades e,
até mesmo, a sua conjugação com percentuais atuais, que trazem a situação
do negro no Brasil. Este primeiro livro chama-se “Modos de ver”, e, como
seu próprio nome diz, permite a abertura para o olhar sobre estas culturas7.
Eliane dos Santos Cavalleiro, em artigo incluso neste mesmo livro a
que estamos a referenciar, apresenta as várias formas de como o racismo
é perpetuado na escola: desde o material didático utilizado pelos professores até a utilização de apelidos pejorativos carregados de uma carga semântica também pejorativa. As práticas racistas vigentes em nossa sociedade estão pautadas em um pressuposto ou preconceito da suposição do
que Sérgio Costa chama de “hierarquia qualitativa entre os seres humanos, os quais são selecionados em diferentes grupos imaginários, a partir
de marcas corporais arbitrariamente selecionadas” (COSTA, 2006, p.11)8.
Portanto, parece-nos imprescindível que pensar na inclusão do
ensino da África e dos africanos é antes fazê-lo nas formas que ela
historicamente vem sendo ocultada. Só assim, permitindo o conhecimento sobre estas questões, teremos condições de transcender o estado de
ignorância, que inevitavelmente nos aproxima às reações discriminatórias
e racistas, típicas da condição de quem ignora.
Embora não existindo “receitas prontas” no que diz respeito às
práticas metodológicas de ensinar, assim mesmo, há possibilidades. E
será exatamente no âmbito destas possibilidades que apresentaremos
uma discussão, a seguir, pautada na segunda obra deste material, “Modos de Sentir”, onde realizamos algumas discussões conceituais imprescindíveis para então se pensar em práticas metodológicas.
Modos de sentir
O segundo livro, que é parte deste material chama-se “Modos de
sentir” e problematiza a utilização de alguns conceitos, ainda hoje em7
Tendo em vista a diversidade étnico-cultural em que é formado o continente africano,
procuramos quando em referência ao mesmo nos utilizar do termo “culturas” e não cultura.
Até porque compreendemos que não há entre os grupos uma nítida fronteira cultural, pelo
contrário, um continuum cultural.
8
COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, ani-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
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pregados erroneamente. Quer dizer, traça alguns cuidados metodológicos
que temos de ter ao tratar a temática que envolve o negro e a escravidão. Um dos conceitos tratados na obra, que ainda erroneamente vem
sendo utilizado no senso comum diz respeito ao conceito de raça.
O conceito de raça esteve historicamente ligado às explicações em torno da forma de identificação de categorias humanas socialmente definidas, ou seja, esteve atrelado às características fenotípicas diferentes
existentes entre os povos (brancos, negros, amarelos). Pesquisas recentes realizadas pelo italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza9 com 2.000 tribos e
comunidades indígenas de várias regiões do mundo comprovam que as
raças são formidavelmente idênticas, em termos de conteúdo genético.
“A cor dos olhos e da pele, as proporções corporais e os tipos de cabelo
são vernizes passados sobre uma estrutura biológica idêntica”, definiu
Cavalli-Sforza. “Os estudos genômicos vêm destruindo completamente
a noção de raça”, ecoa Sérgio Danilo Pena. “Do ponto de vista genômico,
elas não existem.” Porém, isto não significa que não possamos incorporar uma nova forma da utilização deste conceito. Até porque sabemos
que conceitos são construídos e reconstruídos historicamente e que, portanto, são transformados pelos grupos sociais que dele fazem uso.Além
do apontamento de alguns cuidados de caráter conceitual que devemos
ter, a obra também propõe algumas propostas metodológicas, ou seja, o
como se utilizar deste material. As propostas giram em torno da necessidade de um projeto interdisciplinar, ou seja, que perpasse todas as disciplinas. O material contempla um rico manancial de dez programas, contendo livros animados, expondo os alunos a situações e personagens das
culturas africanas e do mundo afro-brasileiro. Embora indicado especialmente para o Ensino fundamental, pode ser adequado às diferentes
realidades que permeiam os alunos do PROEJA.
Modos de Interagir
O terceiro livro, denominado “Modos de Interagir”, propõe a
interação de algumas referências afro-brasileiras e seus valores articulando-os ao conhecimento da África, ou melhor, das possibilidades de
melhor conhecê-la.
As referências trazidas como proposta de discussão, contemplam
amplos aspectos do acesso ao conhecimento. Ou seja, a proposta de
9
CAVALLI-SFORZA, Francesco & Luigi Luca.Quem somos? História da diversidade humana. Unesp, 1998.
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tratar da Memória, da Ancestralidade, Religiosidade, Musicalidade,
corporeidade são algumas dessas possibilidades, que talvez permitam
aproximarmo-nos, inclusive, de possíveis novas organizações curriculares.
Organizações curriculares estas “(...) que possam religar os saberes que
os antigos currículos fechavam em áreas incomunicáveis. Este é o grande desafio deste novo século: religar os saberes dentro de uma nova
estrutura globalizante”10. A “religação dos saberes”11 só ocorrerá se atrelada à reformulação curricular, sem perder de vista a complexidade humana. Ultrapassar os limites da dicotomia em que está fundado o pensamento humano é antes conseguir alterar nossa mentalidade, algo que
além de extremamente difícil leva muito tempo. Assim, podemos repensar não só a prática para a implementação da Lei a que estamos a nos
referir neste trabalho, mas, e inserido nesta mesma perspectiva, é que
também podemos refletir acerca do próprio entendimento que temos
quando tratamos do tema ligado à negritude. Ou seja, parece que a questão da diferença que permeará o trato com tal temática deve ir além da
visão dicotômica que nos aprisiona e limita nosso olhar. Tratar deste
tema, a exemplo do papel do negro e de sua imagem, é partir para o
princípio inicial da inclusão. Esta inclusão não deve partir de fora para
dentro, mas de dentro para fora. Não basta tratarmos com os alunos
sobre estes temas, tentando convencê-los de algo que nem mesmo nós
estamos cientes e convencidos. Até porque a primeira inclusão a ser
realizada é de âmbito mental, que muito bem pode ser oferecida pela
discussão de literatura adequada à reflexões desta ceara.
Além da inclusão da literatura como algo permanente em nossas
vidas, também, para repensar nossa prática, torna-se necessário uma
reformulação mental, que nos viabilizará a um novo debate e entendimento sobre as questões que dizem respeito ao negro e ao racismo.
Homi K. Bhabha pode nos auxiliar para a busca por um novo caminho para o repensar as questões que envolvem a diferença. Em sua
obra, “Local da Cultura”12, propõe o refletir a diferença enquanto negociação13 e não enquanto negação, de forma comparativa, onde a discriminação está implícita.
10
MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF, 2004, p.52.
MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001.
12
BHABHA, Homi K. O Local Da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998.
13
A negociação refere-se à estrutura da iteração, “na tentativa de articular elementos antagônicos e oposicionais sem a racionalidade redentora da superação dialética ou da transcendência”
(BHABHA, 1998, p.52).
11
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Esta temporalidade – negociação – tem algumas vantagens: o reconhecimento da ligação sujeito e objeto da crítica, que afasta a possibilidade da ocorrência de uma oposição simplista, essencialista, ou, nas
palavras de Bhabha “entre a falsa concepção ideológica e a verdade
revolucionária” (BHABHA, 1998, p.52). A outra vantagem da utilização
desta temporalidade é assim apresentada por Bhabha: “Se temos consciência desta emergência (e não origem) heterogênea da crítica radical,
então a função da teoria no interior do processo político se torna dupla”
(BHABHA, 1998, p.52). Nesse sentido, os referentes ou prioridades – a
luta de classes, o anti-racismo, a perspectiva negra – não refletem um
objeto político homogêneo, não existem com um sentido naturalista. Só
tem sentido quando construídos nos discursos do marxismo, feminismo,
etc. Seus objetos, portanto, estão em constante tensão histórica ou em
referência cruzada com outros objetivos.
Habitualmente, nos trabalhos que costumam tratar sobre os aspectos da negritude, o que se têm é a ênfase na necessidade de resgate da
história de seus ascendentes negros para que, a partir daí possa ser percebido pela sociedade “a verdadeira contribuição desses povos”14 (citação retirada de “Aspectos da Negritude”, p.10). Resgate este que tenderá a ter em seu discurso a impregnação de uma crítica vitimizante.
Quanto a esta “linguagem da crítica” a que tais obras costumam fazer
uso Bhabha afirma (1998, p. 51):
A linguagem da crítica é eficiente não porque mantém eternamente separados os termos do senhor e do escravo, do mercantilista e do marxista, mas na
medida em que ultrapassa as bases de oposição dadas e abre um espaço de
tradução: um lugar de hibridismo, para se falar de forma figurada, onde a
construção de um objeto político que é novo, nem um nem outro, aliena de
modo adequado nossas expectativas políticas, necessariamente mudando
as próprias formas de nosso reconhecimento do momento da política.
A linguagem assumida por estes estudos acabam postulando uma
política de tolerância, implicando um reconhecimento da diferença, porém, sem acolhida. Aqui parece estar implícita a idéia da discriminação,
ou seja, a partir das “ilhas” da diferença.
Renée Green – artista afro-americana - aponta para a necessidade de se compreender a diferença cultural como produção de identidades minoritárias que em si já se acham divididas; no ato de se articular
em um corpo coletivo. Pensa que o multiculturalismo não reflete a com14
TRIUMPHO, Vera (org.). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude. Porto Alegre: Martins
Livreiro, 1991.
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plexidade da situação de sua vivência no dia a dia, mas acabaria por
“essencializar a negrura” ((BHABHA, 1998, p.21)). Assim, as diferenças sociais poderiam ser vistas enquanto signos da emergência da comunidade concebida como projeto, sendo este ao mesmo tempo uma
visão e uma construção (BHABHA, 1998).
Na análise de Green percebemos o deslocamento da lógica binária
através da qual identidades de diferenciação freqüentemente são construídas,
qual seja, negro/branco, oprimido/opressor, etc. Nesse sentido, fazemos referência novamente à posição assumida por Homi Bhabha, da necessidade
de se pensar os deslocamentos operados nas identificações tradicionais de
“sujeitos históricos” compreendendo a dinâmica da negociação em detrimento à negação. Portanto, rompendo com o modelo burguês/proletário;
oprimido/opressor; negro/branco. E, assim, construindo um processo reflexivo que foge da análise dual e pretende ser com isto, menos simplista.
Longe da tentativa de dar um fechamento ou receita ideal para as
problemáticas que envolvem a implantação da Lei 10.639 / 2003 no Ensino fundamental e Médio, mas de contribuir no repensar das práticas
educativas que envolvem, especialmente o curso do PROEJA.
A proposta deste curso, de unificar a formação básica com a
profissionalizante ecoa no sentido de uma reflexão sobre a tentativa de
barrar a idéia por muito tempo perdurada, de que o trabalho intelectual e
o “braçal” devem estar desagregados, até porque estão também embutidos na dicotomia ou em uma idéia de hierarquia de escalas de valores
distintos e, portanto, de ideais discriminatórios.
O Curso do PROEJA, iniciado em São Vicente do Sul no início
deste ano de 2007, mostra o quanto devemos ainda trabalhar em torno
da necessária promoção de uma inclusão social. Sem cair em riscos
argumentativos, e mesmo não tendo realizado o levantamento para verificar o quanto é ou não significativo o número de negros em São Vicente
e em seus arredores, percebe-se que a inexistência de negros no curso
pode ser um identificador das questões relacionadas à exclusão social.
Isso, no entanto, não exime o curso de tratar dos assuntos referentes ao negro, à África, etc. Muito antes pelo contrário, na realidade,
esclarecer à comunidade a existência da Lei, suas necessidades, a partir
das questões históricas já mencionadas neste trabalho, bem como debatêlas torna-se algo imprescindível e de caráter urgente. Estes assuntos
devem ser tratados no âmbito da reconstrução curricular, não só por
haver sido identificado a inexistência de tal temática nas demais disciplinas que contemplam o Currículo (exceto na disciplina de História e brevemente mencionada na disciplina de Geografia), o que passa a revelar
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a idéia errônea de responsabilização de determinadas disciplinas para o
trato com estes aspectos.
Talvez, o fato do humano se caracterizar enquanto “existente-emfalta”, algo ignorado pela pedagogia tradicional, nos deixe inseguros no
sentido de lidarmos com a situação de incompletude, ou de lidar com o
que Morin denominou de “inacabamento ontogenético”, ou seja, a dificuldade que temos de aceitar e lidar com a incompletude. Esta mesma
pedagogia tradicional acabou por vincular ao Homem apenas a idéia da
racionalidade, esquecendo o animal. “O ser humano não é (não ainda ou
nunca) um ser racional, e a razão não basta para dar conta da totalidade
dos fatos e dos atos de nossa vida” (Moles, 1991, p.31 in Morin, 2004,
p.34)”. Nesse sentido, é que devemos caminhar em direção a uma pedagogia que integre o homem racional ao homem louco. Isto, melhor dito
nas palavras de André Baggio15:
Para uma pedagogia da inclusão antropológica, faz-se necessário que a
prática educativa integre o homem racional (sapiens) ao homem louco
(demens), o homem produtor, o homem técnico, o homem construtor, o
homem ansioso, o homem gozador, o homem estático, o homem cantante e
dançante, o homem instável, o homem subjetivo, o homem imaginário, (...),
o homem racional num rosto de faces múltiplas.
Considerações finais
A análise da Lei 10.639/2003 junto ao material didático “A cor da
cultura” nos permitiu vislumbrar possibilidades de se trabalhar com a
diversidade no PROEJA. Evidentemente que o material por si só, não
traz as soluções para a implementação da Lei, mas que permite um caminho para o embasamento do profissional, bem como o alerta para a
necessidade de se levar a discussão para além do âmbito escolar, mas da
comunidade como um todo. Esta necessidade está no seio da própria
essência da Lei, ou seja, tornar viável o ensino da história dos africanos
e da África, sua cultura e heranças construídas (no Brasil) no âmbito de
todo o currículo escolar. Isto é, sem dúvida, tarefa nada simples, pois
exige, além da boa vontade dos profissionais envolvidos, também o estudo e discussão em torno da temática. Não se trata de apenas estudar
para ensinar a história dos africanos e da África, da africanidade em
15
Pensador citado na obra de MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF:
2004, p. 34-35.
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nós, de nossa constituição étnica, mas também dos significados desta
diversidade, das possibilidades que ela nos traz.
A Lei 10.639/2003 assim compreendida pode nos tornar mais
sensíveis para “ver, sentir e interagir”. Que assim seja.
Referências
A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de ver. Copyright Fundação Roberto
Marinho. Rio de Janeiro, 2006.
A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de Sentir. Copyrigh Fundação
Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006.
A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de Interagir. Copyright Fundação
Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006.
ASSUMPÇÃO, Euzébio & MAESTRI, Mário (coords.). Nós, os afro-gauchos.
Por-to Alegre: Edi-to-ra da URFGS, 1996.
BHABHA, Homi K. O Local Da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998.
CAVALLI-SFORZA, Francesco & Luigi Luca. Quem somos? História da diversidade humana. Unesp, 1998.
COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, ani-racismo, cosmopolitismo. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2006.
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São Paulo: Dominus/Edusp, 1965.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 48 ed. São Paulo: Global, 2003
MAESTRI, Mario J. O escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; Caxias do
Sul: EDUCS, 1984.
. A charqueada e a gênese do escravismo gaúcho. Porto Alegre; Caxias
do Sul: EDUCS; EST, 1984. MORIN, Edgar. A religação dos saberes. Rio de
Janeiro: Bertrand, 2001.
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SLENES, Robert W. Na Senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luis
Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. V. 2. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997
. Lares negros, olhares brancos: história da família escrava no século
XIX. In: Revista brasileira de História. ANPUH, 1988.
TRIUMPHO, Vera (org.). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1991.
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Um olhar para as relações étnico/
raciais no espaço pedagógico da
EJA do PROEJA.
Maritza Ferreira Freitas Flores1
Georgina Helena Lima Nunes2
“Uma chama não perde nada ao acender outra chama”
( Provérbio Africano)
A origem do estudo: experiências docentes,
“dançantes” e a EJA
As reflexões presentes neste artigo, emergem das minhas experiências como docente no Colégio Municipal Pelotense (CMP), escola pertencente à rede municipal de ensino, com níveis de ensino desde a Pré-Escola
até o Ensino Médio, Curso Normal e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A instituição possui 263 professores, 3500 alunos e 93 funcionários, constituindo-se, portanto, a maior escola pública da América Latina.
No presente momento, trabalho em turmas do Curso Normal e
coordeno o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, ainda em fase de construção; este projeto é pioneiro no nível de educação básica porque suas
ações perpassarão a formação continuada de professores, o ensino, a
pesquisa e um amplo espectro de atividades que vão ao encontro da
1
Professora Especialista em PROEJA do Colégio Municipal Pelotense, Coordenadora do Núcleo
de estudos Afro Brasieliros do Colégio Municipal Pelotense (NEAB-CMP), Coordenadora da
Organização Não Governamental Odara / Centro de Ação Social, Cultural e Educacional.
2
Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa/ UFPel. Dra. em Educação pela
UFRGS.
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reflexão e ação pedagógica que tenha como perspectiva a educação das
relações étnico-raciais3, o conhecimento e reconhecimento da cultura,
história e processos de formação identitária da população negra da
diáspora4 africana.
Outros aspectos da minha trajetória profissional no CMP, dizem
respeito a dois momentos primordiais da minha docência e que orientam
a discussão construída neste texto que articula a EJA, a educação
profissionalizante e as questões étnico-raciais. Os momentos referemse ao tempo que atuei como Coordenadora do Grupo de Dança e professora no “Projeto de Complementação”.
Como coordenadora do Grupo de Dança, eu entendia que a
performance corporal e estética, não estava cindida de uma acurada
apreensão dos significados históricos, políticos e sociais que o movimento humano comporta; o trabalho com a dança, ao longo do
tempo, expandiu-se para além do espaço interno da escola tornando-se protagonista de um evento chamado “Mostra de Dança Escolar”. Este evento reuniu educandários públicos e privados que,
na forma de arte, “mostravam” metodologias de trabalho relativas
à diversidade presente na escola, na região e no país que, em essência, a cada passo, ritmo e encenação que constituía o espetáculo, estavam, acima de tudo, coreografadas a experiência sócio-cultural de cada um dos envolvidos.
Através do Grupo de Dança do CMP, fazia-se a ruptura com a
hegemonia cultural branca da escola, buscava-se, principalmente, na dança
inspirada em raízes africana, a problematização a respeito dos processos
de escravização-libertação-resistência que unem a população negra brasileira ao continente africano. Tal prática se constituía uma provocação
para melhor compreender as posições sociais ocupadas por este
grupamento étnico-racial em termos de educação, moradia, saúde, mer3
A utilização do termo “étnico-racial” justifica-se por uma opção política emergente
dasconstruções teóricas de alguns intelectuais e , também, do campo de luta travada pelo
Movimento Social Negro; o termo “raça” não é utilizado na sua concepção biológica, ou
seja, é consenso que raças humanas não existem. Este termo _ étnico-racial _ possui validade
enquanto “significado político construído a partir da análise do tipo de racismo que existe no
contexto brasileiro e considerando as dimensões histórica e cultural que este nos remete. Por
isso, muitas vezes, alguns intelectuais ao se referirem ao segmento negro utilizam o termo
étnico-racial, demonstrando que estão considerando uma multiplicidade de dimensões e
questões que envolvem a história, a cultura e a vida dos negros no Brasil “ (GOMES, 2005,
p.47).
4
Segundo Lopes (2004, p.237) a palavra “diáspora” possui origem grega cujo significado é
“dispersão”; “[...] o termo ‘Diáspora’ serve também para designar, por extensão de sentido,
os descendentes de africanos nas Américas e na Europa e o rico patrimônio cultural que
construíram”.
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cado de trabalho5 em um país que se orgulha da pseuda democracia
racial que carrega como emblema.
Os desafios em entender a presença e, paradoxalmente, a ausência negra em diferentes contextos, mais especificamente falando, o escolar, aflora, com mais intensidade, quando da minha participação no
Projeto de Complementação do Colégio Municipal Pelotense. Este projeto refere-se à modalidade da EJA que recebeu esta denominação por
parte da equipe que coordenava a Secretaria Municipal da Educação
(SME) do município de Pelotas, durante o Governo da Frente Popular,
compreendido entre o período de 2001 até 2004.
O Projeto funciona à noite e recebe um grupo de alunos formado
por jovens trabalhadores que deixaram de estudar já há algum tempo e
por aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho e buscam na
escolarização a possibilidade de inserir-se no mercado de trabalho ou
ascensão para profissões de maior prestígio6 que ocupam.
A modalidade de EJA no Colégio Municipal Pelotense, através de
uma percepção visual (pela não negação do olhar!!!), acolhe um número
significativo de alunos negros. Esta realidade não é exclusiva do Colégio
Municipal Pelotense, sabe-se que, em todo o país, a população negra
ocupa o dobro7 das vagas ocupadas pela população não-negra nas turmas da EJA.
Neste momento, não será abordado as inúmeras razões pelas quais
os negros e negras são expulsos, precocemente, dos bancos escolares.
5
Os números relativos à educação são reveladores da situação da população negra: “ o
tempo médio de educação de um jovem branco com 25 anos é de 8,4 anos, enquanto o negro
na mesma idade passou apenas 6,1 anos na escola. Para cada negro que não sabe ler nem
escrever há dois negros nessa condição. Entre os brasileiros com mais de 25 anos que têm
curso superior completo há um negro para cada cinco brancos. Estudos recentes do professor
Ricardo Henriques, do Ipea [...] traz um dado desmascarador da retórica evolucionista quanto
à negritude: desde 1929, a diferença entre a escolaridade média dos adultos brancos e negros
é de 2,3 anos. E revela também que os negros eram, ao tempo de sua pesquisa, menos de 2%
da massa de alunos das universidades brasileiras” (JOSÉ, p.65, 2004). Mais dados referente à
educação, saúde, taxas de desemprego, mercado de trabalho, IDH (Indice de Desenvolvimento Humano) e outros, encontra-se no Relatório de Desenvolvimento Humano: racismo,
pobreza e violência, PNUD, 2005.
6
Fonte: Censo Escolar 2005 inova ao revelar perfil racial dos estudantes brasileiros. Disponível em: www.açãoeducativa.org.br. Acessado em : 27/02/2007.Segundo dados do censo
escolar de 2005, o total de matrículas observando o quesito cor/raça da população negra se
constitui da seguinte forma: parda (1.993.114) e preta (532.750) (Fonte: Instituto Nacional
de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ INEP. Disponível: www.inep.gov.br e
Acessado em: 27/02/2007).
7
O “prestígio” das profissões segundo Queiroz (2002, p.46) está relacionado refere-se ao
valor conferido às profissões não é estabelecido “ apenas por critérios objetivos, dados pela
sua demanda no mercado de trabalho, mas, em elevada medida, por uma representação
construída socialmente, isto é, aquilo que a tradição consolidou”.
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No entanto, sabe-se que, independente das formas como o binômio discriminação/exclusão opera, o racismo8 está, em tese, presente neste processo. O racismo, na maioria das vezes, é invisibilizado por práticas
(anti) educativas (MUNANGA, 2005; CAVALLEIRO, 2001) que, ao
negá-lo, lhe confere, simultaneamente, sobrevida.
Na concepção de Cavalleiro (2005,p.26),
o silêncio escolar sobre o racismo cotidiano não só impede o florescimento
do potencial intelectual de milhares de mentes brilhantes nas escolas brasileiras, tanto de alunos negros quanto de brancos, como também nos
embrutece ao longo de nossas vidas, impedindo-nos de sermos seres
realmente livres “para ser o que for e ser tudo”- livres dos preconceitos,
dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males .
Por isso, a perspectiva desta escrita vai ao encontro do questionamento
acerca de que modo a educação em todos os níveis e, principalmente, em
EJA, pode se constituir uma pedagogia anti-racista9? Questiono-me também, se a diferença étnico-racial é elemento pedagógico para se pensar o
processo de aquisição de novos conhecimentos que vislumbram uma formação humana que questiona e, dentro de alguns limites, pode transformar
um mercado de trabalho e um mercado de afetos impregnados de preconceitos em relação à população negra? No processo de aquisição de conhecimentos técnico-científicos, os alunos da EJA são considerados sujeitos
que através das suas experiências educativas, formais ou não, adquiriram
aprendizados _ aprendizados de sobrevivência _ que podem se “constituir
pontos de partida para novas aprendizagens quando retornam à educação
formal” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 1098)? A nova
modalidade de ensino voltada para os alunos da EJA, o PROEJA, pode
trilhar novos caminhos a fim de que não trabalhe na lógica da
‘descontextualização da tecnologia’ ao tratá-la como força autônoma
desvinculada das ações humanas que a produziram e dela se apropriaram
8
Racismo, segundo Taguieff (1997, p.67), se “distribui por três dimensões distintas: as
atitudes (opiniões, crenças, preconceitos, estereótipos, disposições ou predisposições), os
comportamentos (conduta, actos, práticas, instituições, ou mobilizações) e as construções
ideológicas (teorias, doutrinas ligadas a nomes de autores, visões de mundo, mitos modernos)” . Segundo o autor, “ nem o estudo do racismo nem a luta contra as suas formas atuais
poderão basear-se simplesmente numa definição do tipo: ‘ O racismo é a doutrina que
assenta na afirmação de uma hierarquia entre as raças humanas” (p.07).
9
Munanga (2005, p.17), afirma que “ a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como
aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram
socializados”.
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em contextos históricos” (LIMA FILHO apud CIAVATTA, 2006, p.217)?
E, por fim, de que forma a lei nº. 10639, sancionada em 9 de janeiro de
2003, que obriga a inclusão da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na Educação Básica, se faz presente no cotidiano da EJA, como
redirecionamento possível em relação a uma visão de educação e de
mundo em que a ciência, cultura, trabalho e tecnologias são dissociadas,
favorecendo, de sobremaneira, o modelo societário cuja produtividade nem
sempre é produtividade de “mais” vida, “mais” alegria, “mais” prosperidade mas sim a produção , tão somente, de “mais-valia”10?
A questão étnico-racial e o ensino
profissionalizante: um olhar histórico e
contemporâneo em relação à população negra.
Ao ingressar no “Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Ensino de Educação de Jovens e Adultos do Centro de Educação Tecnológica” , exacerba-se a minha capacidade reflexiva em
torno da relação etnia/raça e EJA, quando passo a ter maiores informações a respeito do PROEJA, Programa de Integração da Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
Os Artigos 2º e 3º do Decreto nº. 5154/2004, se constituíram os
preceitos legais para que o Ministério da Educação e Cultura (MEC)
lançasse o PROEJA:
[...] artigo 2º do Decreto 5154/2004, a saber: a organização, por áreas profissionais, em função da estrutura socioocupacional e tecnológicas; e a articulação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego, e da
ciência e da tecnologia. Pelo mesmo motivo, o artigo 3º desse decreto
indica a possibilidade de oferta dos cursos e programas de formação
inicial e continuada de trabalhadores segundo itinerários formativos, compreendidos como o conjunto de etapas que compõem a organização da
educação profissional em uma determinada área, possibilitando o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos. O parágrafo segundo do mes10
Em Bottomore (2001, p.227), encontra-se a seguinte definição de mais-valia : “ A
extração de mais valia é a forma específica que assume a EXPLORAÇÃO sobre o capitalismo, a ifferencia specifica do modo de produção capitalista, em que o excedente toma a forma
de LUCRO e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido
que pode ser vendido por mais do que ela recebe como salário”.
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mo artigo indica a necessidade de esses cursos se articularem com a modalidade de educação de jovens e adultos (FRIGOTTO et. al. , 2005, p.1096).
Este programa, o PROEJA, obriga as instituições da rede federal
de educação técnica e tecnológica a destinar, a partir de 2006, o correspondente a 10% das vagas oferecidas no ano de 2005 para o ensino
médio integrado à educação profissional ofertado a jovens acima de 18
anos e adultos que tenham apenas cursado o ensino fundamental
(FRIGOTTO et. al., 2005, p.1097).
Estudiosos da educação profissional no Brasil (MANFREDI, 2002;
FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005; CIAVATTA, 2006), levantam vários questionamentos de cunho político-ideológico acerca dos princípios que orientaram e, ainda, orientam a educação profissionalizante
no Brasil. Os autores remetem-se às origens históricas do ensino
profissionalizante e trazem como contraponto ao ponto de vista capitalista, outras concepções de trabalho, educação e cidadania:
O que significa educar o cidadão emancipado e não apenas o cidadão produtivo? Ser produtivo, buscar a produtividade do trabalho e a qualidade dos
produtos é, em si mesma, uma coisa boa, uma busca de humanidade em todas
as épocas e ainda hoje, até no mais simples artesanato. Mas como redirecionar
a formação do cidadão produtivo subsumido pelos critérios mercantis da
produção capitalista? Como superar a dualidade estrutural da sociedade brasileira que sempre destinou o ensino médio propedêutico o que se destinam
ao ensino superior, à formação da intelectualidade; e o ensino profissional aos
“desfavorecidos da fortuna”, aos filhos dos trabalhadores, herdeiros das
funções subalternas e das atividades manuais” (CIAVATTA, 2006, p.922).
Ao voltar-me para a realidade na qual estou inserida _EJA_ e ao
analisar as possibilidades de um curso de EJA com caráter profissionalizante
como o PROEJA para os “desfavorecidos da fortuna”11, encontro em
Queiroz (2004), ao refletir o “Trabalho, educação e ações afirmativas
para o negro no Brasil”, a seguinte alusão em relação à população negra12
e aos seus vínculos com o ensino técnico profissionalizante:
11
Conforme Piovesan (2005, p.40), os “desfavorecidos da fortuna” têm cor porque, no
Brasil, “os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA), em
que no índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000), o país figura em 74º lugar, mas
que, sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente indica a 108ª
posição (enquanto o IDH relativo à população branca indica a 43ª posição)”.
12
Opta-se pela nomenclatura “negra”, seguindo o encaminhamento político do Movimento
Social Negro e de alguns intelectuais que escrevem sobre a questão racial (GUIMARÃES,
2003; NASCIMENTO, 2003) que englobam a designação conferida pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) que “tecnicamente” fragmenta a população brasileira em
pretos e pardos.
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[...] Os negros são, em todas as universidades, aqueles que apresentam as
mais elevadas proporções de estudantes oriundos de cursos técnicos,
evidenciando que, para significativa parcela deles, a prioridade com relação ao curso médio não era a continuidade dos estudos em níveis mais
elevados, mas o ingresso no mercado de trabalho. Desse modo ao contrário do que ocorre com o segmento branco, na história escolar do estudante
negro a universidade não se apresenta de imediato, como um projeto
prioritário (p.52).
Quando se tem a compreensão a respeito da história da educação
do negro no Brasil (ROMÃO et. al., 2005), recupera-se os mecanismos
através dos quais a população afrodescendente foi impedida de freqüentar a educação formal, bem como, as estratégias de escolarização forjadas pelos negros no âmbito de uma sociedade escravocrata ou de uma
sociedade de abolição inconclusa .
Segundo Silva e Araújo (2005), o ensino profissionalizante paulista
surge em 1909 a partir do Decreto nº. 7556 do Presidente Nilo Peçanha.
O objetivo deste projeto educacional seria o de instruir os filhos dos trabalhadores para a formação de um mercado interno com mão de obra
qualificada. Nos anos da década de 1920, o ensino expande-se pelo interior do Estado e na década de 1930 “o ensino técnico é reformulado e
equiparado ao curso secundário, aproximando-se das necessidades do
mercado de cada região [...]” (SILVA e ARAUJO, 2005, p.73).
A partir das escolas profissionalizantes paulistas, se escolarizou
uma pequena parcela da população negra, independente da
[...] conspiração de circunstâncias sociais que mantinham os negros fora
da escola. Pretos e pardos que obtiveram sucesso nessa direção formaram
uma nova classe social independente e intelectualizada. A mobilização
desta classe configurou-se como um mecanismo de auto-proteção e resistência, servindo de base para a (re) organização das primeiras reivindicações sociais negras no pós-abolição e o surgimento dos movimentos negros (Idem, 2005, p.73).
A insurgência na década de 1930, da Frente Negra Brasileira e do
Teatro Experimental do Negro (TEN), na década de 1950, se constituiu
um marco histórico para os movimentos sociais subseqüentes a estas
organizações. Juntamente com a denuncia ao racismo, tais movimentos
executaram práticas de educação popular para os negros que se constituíram projetos pedagógicos revolucionários cujo cerne era a construção
e reconstrução identitária da comunidade negra .
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Na contemporaneidade, as lutas negras adentram a “grade”
curricular da educação básica brasileira, através da lei nº. 10639/03.
A lei 10639/03 e outros marcos legais no
espaço da EJA : a necessária ruptura e
emergência de novas construções de
conhecimento e processos identitários
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº. 9394/96, no seu Art. 4º,
Inciso VI, assegura a “oferta de educação escolar para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as
condições de acesso e permanência na escola”.
Na medida em que a LDB assevera a importância em capturar
as características dos alunos e assinala que as modalidades de ensino
devem ser adequadas às necessidades dos mesmos a fim de que sejam
garantidas as condições de acesso e permanência dos trabalhadores
na educação formal, ela traz, em essência, uma perspectiva política em
que a realidade social dos educandos é diretriz para a planificação e
execução da tarefa pedagógica.
A atenção ao retorno de jovens e adultos para o universo escolar,
então, não tem como vir desacompanhada de um olhar sobre a sua
história de vida econômica, social, cultural e, especificamente tratando, racial. Frente a isso, a lei nº. 10639/03, que altera o Artigo nº. 26
da LDB e torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação básica, tem como objetivo o direito à
igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como, a garantia
ao direito “ às histórias e culturas que compõem a nação brasileira,
além de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos os
brasileiros” (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana, 2004).
A partir desta determinação legal, os educadores necessitam
vislumbrar possibilidades de práticas que consolidem o ideário de uma
educação anti-racista que, em síntese, proporciona a elevação da autoestima do aluno negro, favorece o respeito às diferenças religiosas,
culturais e estéticas em uma escola que, obstante seu currículo
monocultural, acolhe, cotidianamente, sujeitos sociais pertencentes a
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múltiplas culturas. Uma educação anti-racista, também gesta relações
mais solidárias em um espaço que o respeito à singularidade do outro
deveria ser a norma. Caberia recuperar a EJA como um lugar em que
as relações entre quem ensina aprendendo e quem aprende ensinando,
podem transcender a histórica cisão pertencente a uma sociedade do
trabalho e, para muitos, do não trabalho, em que a divisão racial e
social do trabalho, pressupõe agonisticamente, que para alguns é “dado”
a potencialidade do pensar e para outros a suposta competência de, tão
somente, executar.
Corroborando com o pensamento acima, Ciavatta (2006, p.923)
entende que a educação técnica de nível médio13 deve remeter seus
educandos
a seus fundamentos científicos tecnológicos e histórico-sociais, à compreensão das partes no todo a que pertencem, de tratar a educação como
uma totalidade social, isto é, suas múltiplas mediações históricas e não
apenas técnicas, tecnológicas ou produtivas.
Ao construir, então, uma reflexão que articule mundo do trabalho
e educação, situada em uma sociedade capitalista, urge a necessidade
em transpor o sentido de uma luta que se resuma às questões voltadas à
classe social de pertencimento; mesmo nas classes menos favorecidas
economicamente, atrelada à luta pela materialidade das condições materiais de existência, estão presentes outras tantas lutas de cunho
emancipatório corporificadas na “ rebeldia dos negros contra o racismo
dos brancos, a luta dos trabalhadores imigrantes contra o nacionalismo
xenófobo, dos homossexuais contra a discriminação sexual, entre as tantas clivagens que oprimem o ser social hoje” (ANTUNES, 2003, p.203).
A inclusão do estudo das relações étnico-raciais na perspectiva de
uma educação anti-racista nas turmas de EJA, pode conduzir o educador a um repensar crítico de suas práticas, resultando em novos olhares
em relação aos elementos de um currículo eurocêntrico que, aliado ao
13
Manfredi (2002, p.209), traz dois exemplos de como no seio da sociedade civil, grupos
sociais movidos por ideários político-ideológicos, têm sido protagonistas de iniciativas no
campo da Educação Profissional que se constituem como iniciativas contra-hegemônicas aos
grupos dominantes. A autora exemplifica tal reflexão a partir da experiência da formação
profissional no projeto educativo do Movimento sem Terra e no Projeto Axé cujo nome
remete-se à palavra axé do candomblé baiano que significa “ princípio vital, que permite que
todas as coisas existam. A escolha desse nome além de ser uma homenagem à religiosidade
baiana e à cultura afro-brasileira significa a afirmação de que a criança é o axé mais precioso
da nação” (p.227).
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mito da democracia racial14, negligencia a existência do racismo e da
discriminação no cotidiano escolar.
Práticas racistas, com certeza, tendem a produzir mais práticas
racistas e este ciclo reprodutivo de condutas e pensamentos pode, se
não eliminado, ser questionado e fragilizado em um lugar que por não
ser neutro _ o campo das educação-se constitui parte de uma engrenagem viva em que constantemente seres humanos estão em processo de refazimento das suas idéias e concepções em relação a si próprio
e ao outro.
É na perspectiva do jogo das identidades, da possibilidade de se
construir como homens e mulheres, que a educação também intervém.
A identidade compreendida enquanto um processo cambiante em que a
mesma, ao não ser fixa, está sempre em mutação, transforma-se em
conformidade com as experiências vividas e com a representação social do que se pode/deve ser ou não ser (HALL, 1999; MALOUF, 2003).
A lei nº. 10639/03 tende a fortalecer as pertenças identitárias dos
grupamentos étnicos, trazendo-lhes outras versões do que significou e
significa o continente africano na sua relação com o povo brasileiro de
todas as etnias/raças; os conhecimentos de matriz africana permanecem nos modos de filosofar, nas manufaturas, nas artes, na matemática,
enfim, em vários campos de saber que estão subsumidos em densas
relações de poder. O currículo enquanto artefato cultural, forjado no
seio de disputas pelo poder, atua no governo (mando!) da subjetividade
das pessoas ditando “ qual o conhecimento é legitimo e qual é ilegítimo,
quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e
o que é errado, o que é moral e imoral, o que é bom e o que é mau, o que
é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são
(SILVA, 1995, p.166).
Considerações, momentaneamente, finais!
À guisa de encerramento deste diálogo inconcluído como decorrência de sua complexidade, acredita-se que o espaço da EJA e do
PROEJA, sejam espaços em que a questão étnico-racial, por questões
14
“O mito da democracia racial pode ser compreendido, então, como uma corrente ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil como fruto do
racismo, afirmando que existe entre estes dois grupos uma situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. Esse mito pretende, de um lado, negar a discriminação racial contra os
negros no Brasil, e, de um lado, perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminações
construídos sobre esse grupo racial” ( GOMES, 2005, p.57).
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históricas e contemporâneas, deva estar sempre presente. A modalidade
de ensino para jovens e adultos se caracteriza pela especificidade de
ensino em que, por algum motivo, as pessoas se viram impedidas de
estudar no tempo regular. Para a população negra, os impeditivos acentuam-se na medida em que, enquanto sociedade cuja perspectiva de “progresso” se efetivaria com o extermínio da negritude presente no corpo e
alma brasileira, os resquícios de tal pensamento excludente persiste reforçado por uma educação cuja perspectiva didática, metodológica e
curricular tem o ocidente enquanto parâmetro.
Acredita-se que os movimentos sociais há muito tempo têm tencionado o saber e fazer técnico-pedagógico e que o progresso anuncia-se
quando se alia o conhecimento técnico ao conhecimento que gera “trabalho” de transformação da natureza, do homem e das suas próprias
consciências. Torna-se difícil pensar em uma modalidade de ensino em
que homens e mulheres sentem nos bancos escolares, sem que sejam
contempladas as suas experiências de saber e de exclusão de outras
formas de saberes; o manejo com as tecnologias e com as inovações
requeridas pelo mundo do trabalho e da produção, só serão satisfatórias
quando desafiarem o conhecimento humano a transformá-las em outros
tipos de conhecimentos, seja na forma de máquina, seja na forma de
serviços ou, então, de novas “gentes” que recuperem, cotidianamente,
a boniteza de conviver com diferentes maneiras de ser.
Para finalizar: “É aprendi que se depende sempre, de tanta muita
diferente gente, toda a pessoa sempre é as marcas das lições diárias de
tantas outras pessoas”! (Gonzaguinha).
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FALAS QUE DIZEM Expectativas
dos educandos da Escola Especial
O Sorriso de Amanhã da APAE –
Passo Fundo em relação
ao mundo do trabalho
Maria Arlete Pereira1
Naira Lisboa Franzoi2
Contextualizando
O mundo se transforma velozmente. Vive-se um tempo em que as
tecnologias modificam as relações em todos os sentidos da vida. As ações
humanas determinam grandes avanços em algumas áreas, como as da
ciência, da informática, das comunicações e paradoxalmente, o planeta
sofre em nome do desenvolvimento e da civilização. Neste contexto,
surgem idéias de vida e de igualdade fundamentadas no enfrentamento
da discriminação. Entre estes projetos, encontra-se o movimento por
uma sociedade de diferentes, uma sociedade inclusiva que leve em consideração as diferenças na igualdade dos seres humanos. Muitos setores
da sociedade buscam, baseados nos princípios dos direitos humanos, uma
melhor qualidade de vida envolvendo educação, saúde, moradia, lazer,
trabalho, dignidade.
A educação também passa por um momento de mudanças. A luta
dos familiares, educadores e pessoas com deficiência, enfrenta o desafio da construção do conceito de inclusão educacional. Em Salamanca,
na Espanha, em 1994, na Conferência Mundial de Educação Especial,
foram construídos os pilares da educação inclusiva. As vozes dos parti1
Professora Coordenadora da EJA e Área Profissionalizante da APAE – Passo Fundo.
Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.
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cipantes, representando 88 governos e 25 organizações internacionais,
falaram e disseram o que as pessoas com deficiência já haviam pronunciado nas discussões, intervenções e realidades vividas diariamente
pelo mundo:
Acreditamos e proclamamos que:
• toda criança tem direito fundamental à educação, e a ela deve ser dada a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;
• toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas;
• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta
diversidade de tais características e necessidades;
• aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada
na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades;
• escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os
meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última
instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional “(Salamanca,
1994, p. 1) .
Este novo paradigma vem movendo ações de transformação nos
países signatários. No Brasil, o Ministério da Educação prepara a Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:
“Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Especial apresenta o documento Política Nacional de Educação Especial
Inclusiva, que considera a evolução dos marcos filosóficos, políticos, legais e da pedagogia, definindo novas diretrizes para os sistemas de ensino. Essas diretrizes devem se traduzir em políticas educacionais que produzam o deslocamento de ações e incidam nos diferentes níveis de ensino,
acompanhando os avanços do conhecimento e das lutas sociais, constituindo políticas públicas promotoras do amplo acesso à escolarização.”
(MEC,2007,p.3)
Quando se fala em sociedade inclusiva, para além da educação,
se pensa em outros aspectos da vida cotidiana. Dentre estes aspectos,
talvez o de maior importância seja, a inclusão no mundo do trabalho. A
legislação trabalhista brasileira também vem sofrendo modificações e no
que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência, vem determinan392
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do a não discriminação e o atendimento igualitário em relação às vagas e
especificidades de cada pessoa. A necessidade de formação qualificada
para o trabalho e o direito da pessoa com deficiência estão explícitos na
LDB e, a partir dela, na sua regulamentação através do Parecer 17/2001
do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica e Diretrizes Nacionais para Educação Especial, quando determinam que a
educação profissional é um direito do aluno com necessidades educacionais especiais e visa à sua integração produtiva e cidadã na vida em
sociedade. Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regulares de ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meio
de adequações e apoios em relação aos programas de educação profissional e preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acesso
das pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos de
nível básico, técnico e tecnológico, bem como a transição para o mercado de trabalho. (BRASIl, 2001, p. 28)
A questão fundamental é que as idéias geradas nas grandes convenções e assembléias e, também, a legislação por si só, não levam a
ações concretas. São, na verdade, o primeiro passo, porém, devem se
traduzir em mudanças reais no dia-a-dia das pessoas, gerarem o novo e
a inclusão social de modo que o respeito à diversidade impulsione “ações
de cidadania voltadas ao reconhecimento de sujeitos de direitos, simplesmente por serem todos, seres humanos. Suas especificidades não devem ser elemento para a construção de desigualdades, discriminações
ou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de políticas afirmativas
de respeito à diversidade, voltadas para a construção de contextos sociais inclusivos”, como nos diz o Documento do MEC: Educação Inclusiva
– A fundamentação Filosófica. (BRASIL, 2006, p. 4).
Neste sentido, a necessidade de se ouvirem as falas que dizem,
na história das pessoas com deficiência, na história dos movimentos que
atendem a pessoas com deficiência, nas vozes de seus familiares e educadores, na escrita dos documentos oficiais, nas lutas diárias das pessoas que dizem, pelas suas ações, que é possível um mundo sem exclusões e discriminações.
Este trabalho, portanto, tem por objetivo, ouvir as falas, determinando expectativas dos educandos da Escola Especial O Sorriso de
Amanhã da APAE – Passo Fundo, em relação ao mundo do trabalho e
às possibilidades da organização do currículo integrado EJA-Educação
Profissional.
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Falas que dizem, na história
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE é um
movimento iniciado no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1954. Um
grupo de pais, amigos, médicos e professores de pessoas com deficiência, organizaram a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, a primeira APAE do Brasil, ocorrendo, em março de 1955, a primeira reunião do Conselho Deliberativo.
A APAE de Passo Fundo surgiu da necessidade de criar uma escola para pessoas co deficiência. Este objetivo movimentou a campanha
de fundação, onde um grupo de senhoras, em junho de 1967, criou a
entidade. A partir do Estatuto a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE de Passo Fundo, estava já em funcionamento. Em
1984, a Escola Especial O Sorriso de Amanhã foi reconhecida enquanto
tal, com o objetivo do desenvolvimento da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, tendo hoje, seu Regimento
aprovado pelo Conselho Municipal de Educação e pelo Conselho Estadual de Educação. Atualmente, a APAE de Passo Fundo tem caráter
cultural, assistencial, educacional, de saúde, de estudo e pesquisa, com
capacidade de atendimento para 400 pessoas com deficiência mental e/
ou múltipla, de zero ano à idade adulta. Conta, portanto, com a Escola
Especial O Sorriso de Amanhã, o Centro de Triagem, Diagnóstico e Pesquisa Regional (CTDR), e o Centro de Aprendizagem Rural (CAR).
Os educandos da Educação de Jovens e Adultos são 165 habitantes dos municípios de Passo Fundo, Coxilha, Pontão e Mato Castelhano.
São oferecidas atividades na área do lazer (passeios, visitas educativas,
música, filmes, teatro), na área da profissionalização (artesanato, pintura
em tela, bijuterias, culinária, informática, saúde alternativa) e na área do
conhecimento formal (escolarização - distribuída nas áreas do conhecimento e etapas da Educação de Jovens e Adultos), além dos projetos de
apoio que são, hoje, o coral e a dança. Vinte educandos participam do
projeto do trabalho, como jovens aprendizes, na lavanderia, padaria, recepção, cozinha, limpeza, digitação e na escola, além do CAR:
Equoterapia, agricultura e serviços gerais.
Falas que dizem, na construção do novo
Historicamente, constituiu-se o paradigma da segregação para pessoas com deficiência ou com altas habilidades. Somente a partir do ano
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de 1981, denominado pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes, começaram as discussões sobre as questões da pessoa com
deficiência.
Embalados por esse debate, especialmente fomentado por pessoas
com deficiência, seus familiares e educadores, na busca de uma efetiva
aplicação de seus direitos enquanto cidadãos, os organismos internacionais começaram a propor processos de mudanças.
Na área educacional, em especial, aconteceu em 1990, em Jomtien,
na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos. Já em
1994, Salamanca, na Espanha, foi o local da Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais, com o objetivo de discutir como
atender às pessoas com necessidades educacionais especiais. Os países
signatários declararam que todas as crianças têm interesses, características, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios
e que devem, por isso, serem atendidas em suas diferenças.
Depois da Convenção da Guatemala, em 2001, o Estado brasileiro,
através do decreto 3.956, propôs a eliminação de todas as formas de
discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. No mesmo
ano, houve a regulamentação da Educação Especial, no Brasil, com a
publicação, pelo Conselho Nacional de Educação, do parecer 17/2001,
que conceitua a inclusão, dizendo que
a construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental
importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão, a garantia, a todos, do acesso contínuo
ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar
orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação
das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento com qualidade, em todas as dimensões da
vida. (BRASIL, 2001, p. 7)
Os sistemas de educação, nos municípios, agregando-se a esta
política, passaram a implementar um processo de discussão em torno da
inclusão social da pessoa com deficiência, desde a sala de aula, formação de professores, atendimentos especializados, escolas especializadas,
prevenção, saúde, habitação, acessibilidade e trabalho, para a efetivação
dos direitos de todas estas pessoas.
Em relação ao mundo do trabalho e ao exercício profissional de
pessoas com deficiência, este novo modo de pensar aparece na realidade sob dois aspectos. Um que diz respeito à própria possibilidade da
pessoa com deficiência e outro em relação à legislação e à concorrência
em igualdade de condições com todos os demais trabalhadores.
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Na Proposta APAE Educadora, que fundamenta toda a ação pedagógica do Movimento Apaeano, a formação para o trabalho é colocada
como condição para o pleno desenvolvimento, a autonomia e o exercício
da cidadania. Como explicita a proposta, a LDB 9394/96 enfatiza a necessidade de vinculação da escolarização ao mundo do trabalho e, além disso,
afirma que “a educação profissional é uma modalidade educativa aberta a
qualquer pessoa, considerando os níveis mais elevados de escolarização
ou a condição de não-escolarização”. A APAE toma a legislação e esclarece que, para as pessoas com deficiência mental, essa prerrogativa legal
merece consideração. (FENAPAEs, 2001, p. 45).
Materializou-se, portanto, no Movimento Apaeano, a partir da Proposta APAE Educadora, a prática voltada para a execução da legislação
e com vistas às expectativas dos educandos e de suas famílias.
Falas que realmente dizem. Esxpectativas dos
educados em relação ao mundo do trabalho
A Proposta da APAE – Educadora e a própria legislação já apresentam os fundamentos para uma educação voltada para a realidade,
porém, o mais importante objetivo é encontrar o modo de construir uma
proposta de escola em que, os educandos e suas expectativas, sejam
envolvidos no processo.
A presente pesquisa foi realizada na Escola. O questionário foi
respondido por escrito por educandos da Educação de Jovens e Adultos,
hoje organizada como Escolarização - Etapa II A, que possuem entre 16
e 26 anos, por educandos que já foram incluídos e que retornaram à
Escola por opção das família,. por uma educanda que freqüenta o Ensino
Regular e optou pela Escola Especial para apoio pedagógico e Atividades Variadas, participando da Etapa da Iniciação para o Trabalho.
Algumas categorias de análise podem ser construídas a partir das
respostas dadas, na perspectiva de um currículo integrado – EJA e Área
Profissionalizante. A partir daí, pode-se considerar: a) a importância do
trabalho e da educação na vida de todo ser humano; b) o lugar do trabalho para a realização pessoal e melhoria das condições de vida; c) a
possibilidade que cada um possui de fazer escolhas e de estas serem
decisivas para a realização profissional; d) a expectativa em relação à
possível ocupação profissional; e) o conhecimento das reais possibilidades de cada um; f) a formação escolar como fundamento para o bom
desempenho profissional, no que diz respeito à leitura, à escrita e às
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habilidades e competências nas diversas profissões; g) as possibilidades
de aprendizagem de cada um; h) a escola como centro formador para a
capacitação profissional; i) a escola como vínculo com o mundo do trabalho, no que diz respeito à organização das possibilidades de emprego,
segurança na formação; j) a compreensão das necessidades de formação para inserção no mundo de trabalho; l) a compreensão do mundo do
trabalho como algo mais amplo que a própria atividade profissional, entendendo as dificuldades de sua organização; m) a compreensão das
relações de trabalho; n) o identificar-se como pessoa com deficiência;
a luta pelos direitos e consciência dos deveres; o) a compreensão da
cidadania na prática profissional.
A escola e a constituição da autonomia
O que significa ser autônomo? A autonomia está colocada para os
indivíduos na relação de dependência ou não de outras pessoas e do meio
ambiente onde se vive. Isto significa, para a pessoa com deficiência, o grau
de independência com que executa as ações do dia-a-dia, na família, escola,
ambiente social e nas relações de trabalho. É a capacidade que a pessoa
possui de fazer escolhas, de se constituir enquanto ser humano de direitos,
mas também de deveres. Autonomia é uma capacidade que se constrói na
medida das relações sociais e de situações de aprendizagem em que são
colocadas as pessoas, além das próprias condições de cada ser.
A escola se situa neste lugar: o das aprendizagens, para além das
condições pessoais de cada um, identificar as possibilidades de, no convívio social, sentir-se capacitado e realizado também profissionalmente.
Os educandos identificam o papel social da escola: ensinar a leitura e a
escrita como suportes para o exercício profissional, dar condições para o
desenvolvimento das capacidades laborativas. Identificam, também, a
função da escola em preparar, habilitar, formar para o trabalho, para o
exercício de uma profissão. Sabem de suas limitações, mas identificam
possibilidades e se identificam com as profissões que reconhecem no
seu dia-a-dia. Falam e dizem da necessidade do conhecimento para
adquirirem autonomia e capacidade para trabalhar. Identificam os problemas e as dificuldades do mundo do trabalho em dar condições de
empregabilidade a todas as pessoas com deficiência ou não.
Os educandos apontam para a necessidade da qualificação profissional, pois desejam entrar no mercado para competir profissionalmente.
Buscam seus direitos. Na prática, não desejam ser protegidos. Entendem
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o trabalho como condição para a realização humana. Ainda não se sentem
preparados, mas acreditam na proposta da escola, no que diz respeito a
sua preparação para o mundo do trabalho. Sentem-se cidadãos e, como
tais, capazes de, autonomamente, buscar formação e trabalhar. Gostariam
de ter sua renda, sentirem-se úteis socialmente para ajudar as suas famílias, não sendo “um peso” para os pais e responsáveis. “Produzir” na sociedade, para a sociedade. Buscam ter na instituição um programa de inserção no mundo do trabalho, pois entendem o seu papel de construir, coletivamente, a formação e a possibilidade do emprego.
Para que isso aconteça, “defendemos, hoje, uma capacitação profissional irrestrita” mais abrangente, mais inclusiva, integral, voltada à
diversidade humana. “Isso significa dizer que os cursos existentes e os
cursos futuros deverão adaptar-se ao perfil do novo alunado, esse alunado
que reflete a diversidade humana. Essa abordagem segue o paradigma
da inclusão social. Ou seja, é a sociedade que deve adequar-se às
necessidades e habilidades das pessoas e não o inverso (grifos do autor)” (SASSAKI, 2006, p. 102).
Perspectivas para a integração da EJA e da
Área Profissionalizante Ensino
Fundamental – APAE – Passo Fundo
Existem, portanto, as bases legais e uma proposta – em andamento
– do Movimento Apaeano, além das falas que explicitam as expectativas
dos educandos quanto à formação profissional na Escola Especial O
Sorriso de Amanhã da APAE de Passo Fundo. É necessário entender,
no entanto, o que seja uma proposta de integração da Educação de Jovens e Adultos – Ensino Fundamental e Profissionalização. Esta Proposta – PROEJA pretende:
a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos, historicamente, pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita
compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca
de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação
na vida e para a vida, e não apenas para qualificação do mercado ou para
ele. Por esse entendimento, não se pode subsumir a cidadania à inclusão
no ‘mercado de trabalho’, mas assumir a formação do cidadão que produz,
pelo trabalho, a si e o mundo. (MEC, 2006, p.10).
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Os educandos e suas famílias têm muito a dizer com relação às
suas possibilidades de aprendizagem. A comunidade tem papel importante na definição dos objetivos educacionais e na recepção dos alunos
inseridos no mundo do trabalho.
A partir das falas dos educandos, podem-se apontar princípios para
uma organização curricular voltada para o mundo do trabalho, na Escola:
respeito à diversidade, construção da autonomia – respeito às escolhas
individuais, realidade como ponto de partida, trabalho como princípio
educativo, e a formação para os profissionais que atuam na EJA e na
área profissionalizante a partir da construção de um currículo integrado
e interdisciplinar. Neste aspecto, é fundamental o planejamento coletivo
das atividades e da pesquisa da realidade, entendendo a aprendizagem
como processo, e a avaliação como definição de rumos a serem tomados para que os objetivos sejam alcançados, evitando, assim, a fragmentação da proposta curricular.
Para que a inclusão se efetive, realmente, a partir da escola e do
trabalho, além da compreensão restrita, é preciso vivê-la como a idéia de
uma sociedade inclusiva que “se fundamenta numa filosofia que reconhece e valoriza a diversidade, como característica inerente à constituição de qualquer sociedade” (BRASIL, 2006, p.5).
Conclusão
Revendo os princípios que norteiam a Proposta do PROEJA é necessário salientar que é importante entender o programa, num sentido
amplo, como uma política pública e também assumi-lo como proposta de
escola – possibilidade de escolarização e de formação para a vida e para
o trabalho, ter o currículo fundamentado no trabalho, entendendo que as
pessoas “homens e mulheres, produzem sua condição humana pelo trabalho, ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem”
(MEC,2006, p.35) e ter a pesquisa como fundamento da formação de
educadores e educandos, todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, na escola.
Portanto, a partir destes pressupostos, é possível a implementação
da proposta do PROEJA na Escola Especial O Sorriso de Amanhã da
APAE – Passo Fundo, considerando, como condição, as falas que dizem, indicando sobretudo, que as falas das pessoas que construíram,
com suas vidas, pensamentos e opções a realidade, são importantes e
têm significado.
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Referências
BRASIL. Educação Inclusiva: A Fundamentação Filosófica. Documento MEC.
Brasília – DF: 2006.
_______. Parecer 17/2001 – CNE/CEB – Diretrizes Nacionais para Educação
Especial na Educação Básica.
_______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. Versão preliminar. Mimeo. MEC. Brasília – DF:2007.
_______. Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível
Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA – Documento Base. MEC. Brasília – DF: 2006
CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Declaração de
Salamanca – sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades
educativas especiais. Salamanca, Espanha: 1994.
CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra
as Pessoas Portadoras de Deficiência. Guatemala: 1999.
FENAPAEs. APAE Educadora: A escola que buscamos – proposta orientadora
das ações educacionais. Brasília – DF: 2001.
__________. Manual Pais e Dirigentes – uma parceria eficiente. (Atualizado)
Brasília - DF: 2006.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Educação Profissional: desenvolvendo habilidades
e competências. In: Ensaios Pedagógicos – III Seminário Nacional de formação
de gestores e educadores. MEC. Brasília – DF: 2006.
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Prospecção – Pró-positiva Metáforas de um Tecnoimaginário
na produção das subjetividades na
Pesquisa em EJA e EAD na
construção de um AVA para a
Diversidade
Ronaldo Jorge Rodrigues de Oliveira1
Malvina do Amaral Dorneles2
“A substância dualista de Cristo - O Desejo ardente, tão humano,
tão super-humano, do homem de atingir Deus – tem sido sempre um
mistério e indecifrável para mim – Minha principal aflição e a causa de
todas as minhas alegrias e sofrimentos desde minha juventude tem sido a
batalha infindável e impiedosa entre a carne e o espírito... e minha alma,
a arena onde esses dois exércitos se encontraram e se digladiaram”3
Instante metafórico
“Modernidade é uma aventura, um avanço para os espaços sociais e
culturais muitíssimo desconhecidos, uma progressão em um tempo de
rupturas, de tensões e de mutações” (BALANDIER, 1997)
Há uma reflexão que gostaria que permeasse esse instante textual
inicial, como pensar a pesquisa na atualidade? Diante de um processo de
1
Graduado em Ciências Sociais – UFRGS/IFCH-DS e aluno de Mestrado do PPG-EDU/
UFRGS. Militante do Movimento Negro – Unificado e Conselheiro do CODENE-RS –
Conselho de Participação Desenvolvimento da omunidade Negra pela ONG_CADECUNE,
Especialista em Educação PROEJA turma de Porto Alegre.
2
Diretora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho de
Conclusão de Curso que resultou no presente artigo.
3
Nikos Kazantzakis, (Ultima tentação de Cristo – The last temptation of Chist, 136 min.
Drama legendado, 18 anos, cor. 1988, Universal city – studios, Direção de martin Scorsese.
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globalização4 alucinante, diariamente no universo da sala de aula convivemos com sujeitos complexos e que exigem um olhar cuidadoso diante
de suas especificidades, isto é, a sua diversidade étnica, cultural, religiosa e de gênero que se manifestam e muitas vezes não as reconhecemos.
Não há como negar as profundas modificações que aconteceram
na Educação de Jovens e Adultos - EJA a partir da LDB 9394/96, entretanto é importante salientar que essas mudanças estruturais e de concepção que envolvem uma discussão entre supletivo e EJA são decorrência de um processo de transformação do mundo real, independente
de qual realidade nos referimos, pois o mundo da vida determina o mundo dos objetos jurídicos, legais e institucionais, do mesmo modo que do
ponto de vista lingüístico, o documento escrito é efeito de linguagem já
instaurada, instituída.
A exemplo de tais modificações o público que convivemos em uma
sala de aula de EJA se constitui cada vez mais de Jovens, segundo
(Brunel, 2006, p.9) “Os diversos espaços da educação de Jovens e Adultos (EJA) têm recebido nos últimos anos um número cada vez maior de
jovens e adolescentes.” Isto é, seres com expectativas, crenças, modos
de vida muito diferentes dos quais atendíamos na ultima década do século passado. Compreende-se que os procedimentos que nós utilizávamos
em meados dos anos noventa, enquanto procedimentos5 didáticos e de
investigação, hoje em dia, para uma maior eficiência, devam ser
readequados.
Gostaria de acrescentar uma segunda reflexão: Quem é o público6
da EJA? Como pensar este sujeito e dar conta de suas especificidades
conforme nos exigem os dispositivos legais? Para Balandier “É preciso
aprender a ser explorador deste tempo, para não lhe ficar totalmente submisso e consentir em uma impotência que substituiria o
poder pelo acaso”, de modo que ao se pensar a educação a partir de
uma proposta transformadora, prescinde do reconhecimento do sujeito
enquanto foco da ação. Movimento da idéia que encontra na metáfora
4
Para Octavio Ianni “a GLOBALIZAÇÃO está presente na realidade e no pensamento,
desafiando grande número de pessoas em todo o mundo. A despeito das vivências e opiniões
de uns e outros, a maioria reconhece que esse problema está presente na forma pela qual se
desenha o novo mapa do mundo, na realidade e no imaginário” (Prefácio).
5
Para Maffesoli (2004) a mudança de comportamento e dos habitus juvenis são muito
significativas, diz ele “A imprensa oficial é cada vez menos lida pelas gerações jovens, que
preferem a horizontalidade da Internet, com seus foros de discussões e outras buscas de
encontros, sejam sexuais, filosóficos ou religiosos.”
6
Esta questão remete-nos a reflexões a respeito da educação continuada, ou para a vida toda.
Nesta condição, penso que a EAD se constitui em uma situação de EJA, até mesmo o curso
de formação de tutores que acontece na UFRGS através do PEAD.
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do Contorno Antropológico, subsídios a pensar de modo reflexivo a possibilidade de pensar o sujeito enquanto uma categoria complexa, desde
sua diversidade, entender singularidades e ambigüidades, pois somos atravessados por uma cultura que é anterior a nossa existência biológica,
que nos exigem entender o cotidiano, o mundo do dia a dia, da vida.
Compreendê-lo a partir da noção de Modernidade que “É movimento
mais a incerteza” onde “o imaginário é usado tanto por uma quanto por
outra” (Balandier, 1997:266).
A pesquisa complexa percebe na metáfora um campo fecundo,
para Morin (2004), metáfora é “carregar além de” e nessa perspectiva
diz esse autor que “o processo analógico realiza-se como ondas percorrendo os diversos campos da mente, transportando de um domínio para
outro imagens, noções, modelos”. A metáfora liga, é o cimento, o “com”,
que constitui o laço e possibilita os saltos de uma idéia a outras. A noção
de “matrix7” por exemplo, enquanto idéia da rede ilustra esta visualidade,
onde cada nó articula uma complexidade de conexões.
O ensaio metafórico oferece-nos uma riqueza de possibilidades no
campo das Ciências e suas alternativas contribuem a especulações e
abordagens reflexivas de modo bastante significativo ao partir-se do olhar
da complexidade, para o entendimento dos diferentes modos de inscrição e subjetivação dos sujeitos8, pois o cultural se dá a partir da relação
com o outro, desde um estar - juntos socializante, penso na constituição
de um “circulo-de-confiança”, onde há a necessidade de que nos enxerguemos através dos outros, dos vários que nos constitui e dos muitos que
convivemos cotidianamente, uma ação antropológica que ocorre através
dos movimentos de identificações do sujeito que olha e questiona se identifica e se relaciona, e que também estranha o fenômeno, que mesmo
sendo comum lhe é exterior.
Sob essas perspectivas lançarei um olhar prospectivo, sobre a EJA
e a EAD para a construção de um Ambiente Virtual de Aprendizagem –
AVA a partir da concepção do Contorno Antropológico, tendo em vista
os múltiplos movimentos de construção da identidade, como tipificação
se utilizando do Tutor on-line.
7
O filme The Matrix, Andy e Larry Wachowski, Waner Home Vídeo – Brasil, color, 136
min. 1999, visualiza uma sociedade totalmente controlada por máquinas, a todo instante os
sujeitos comuns podem ser invadidos pelos agentes que se transportam de um corpo a outro
em perseguição a resistência a esse domínio em rede.
8
A idéia de complexidade leva a procurar entender as várias corporeidades do sujeito, o físico,
o sensível, o criativo, o espiritual, o afetivo, etc. Assim, o imaginário fala muito, pois
atravessa vários campos de sentidos.
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Viscosidade do Estar-Juntos Socializante
Como definir o real9, que está aí, tão próximo ao qual sua familiaridade obstrui o estranhamento tão necessário ao fazer antropológico?
Sua emergência põe em dúvida as certezas e convicções, não há como
definir as saliências, tudo é ambíguo, relativo, momentâneo, assim são os
instantes de vivências de uma aprendizagem descolonizante 10.
Ritualisticamente há um ato de convulsão coletiva, a explosão de sentimentos e emoções, um sentido de identificação, que de acordo com
Maffesoli (2003) constitui um “Perder-se na tribo afetual, a natureza
matriz, um êxtase social, a dissolução do sujeito, uma explosão multiforme
da couraça identitária, onde há a crescente importância dos sentidos e
do sensível”. N’um segundo momento ritual a celebração, a epifinização
do corpo e dos sentidos em fim a viscosidade social, o laço social que nos
molda enquanto ser conjunto societal “gliscomorfo”;
Maffesoli refere-se a “distinção do eu e do tu, que se subsome em
um nós onipresente”, assim o estar-junto pode ser entendido a partir de
uma “união mística, o desejo de entrar em contato, de “tocar” o outro”,
um sentimento de “Empatia que faz viver em osmose com o outro”, onde
o antropológico se manifesta pelo “selvagizar a vida”, sendo definido o
“Selvagismo” como “sinônimo de vitalidade; a fecunda primitividade da
criança eterna, o mito do puer aeternus11, diz esse autor, inaugura o
destino individual coletivo. Essa questão faz perceber na identidade co9
Daí a máxima maffesoliana: “Só podemos entender bem uma época sentindo seus odores, os
humores sociais e instintivos são mais eloqüentes a seu respeito do que muitos tratados
eruditos (2004).
10
Pensar em um processo de descolonização dos espaços da escola, seu imaginário e as ações
cotidianas que percebem como valor tudo que é imposto de fora, isto é Europa e Estados
Unidos.
11
Aquela que é chamada popularmente de síndrome de ‘Peter Pan’, Puer Aeternus (‘menino
eterno’) é o clássico estudo de von Franz sobre a juventude dentro de nós, sempre resistente
ao trabalho e às relações, e incapaz de abandonar os sonhos e as fantasias da adolescência.
Von Franz mostra-nos como essa inocência infantil pode impedir nossa auto-realização e nos
condenar às decepções adoslescentes e à vida provisória. Analisando o conhecido O pequeno
príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e o menos conhecido O reino sem espaço, de Bruno
Goetz, a autora explora o potencial negativo do puer e sua relação com o complexo materno,
o donjuanismo e a homossexualidade. Acima de tudo, ela ajuda tanto os homens como as
mulheres a reconhecer esse aspecto da personalidade e a direcionar produtivamente a sua
energia.Marie-Louise von Franz foi uma das mais próximas colaboradoras de Jung, dedicando-se depois da morte dele à continuação de sua obra e pesquisa. É atualmente a maior
especialista em análise psicológica dos contos de fada e, nesta coleção já foram publicados
seus livros: A individuação nos contos de fada, A sombra e o mal nos contos de fada e A
interpretação dos contos de fada. (A Luta do Adulto Contra o Paraíso da Infância, MarieLouise von Franz, http://www.rubedo.psc.br/Revista/paulus/textos/puerete.htm)
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letiva aspectos dos signos que moldam as identificações dos seguimentos que tomamos como new tribos pós-modernas. Para esta visualidade,
utilizei-me da metáfora do cibernantropo12 e sua aproximação com o
mito imaginário do exu-elegbará13, que representa a identidade coletiva
afro-brasileira, a partir da idéia de um Brasil “multimiscigenado” cujos
vários contornos, uma mescla de desenvolvimento e desigualdade social,
permitem-nos problematizar essa diversidade do outro na pesquisa, o
quão preponderante são os efeitos da tecnocultura na vida e no cotidiano
de nossa sociedade. A idéia de New Age14, enquanto Index que indica
uma tendência orienta que para compreensão do outro é necessária “Ser
com o outro” (2003). Perceber nesse contato com, os laços que se
amolda aos contornos, “Um cimento constituído pelas emoções compartilhadas, pelas secreções animais e outros humores, que recordam que os humanos são feitos também de húmus”, afirma Maffesoli
que “Orgia, é colocar em comum as paixões, (...) celebração dos
mistérios. “O reconhecimento e a aceitação do outro em mim mesmo” (Maffesoli, 2003).
Contorno teórico
Balandier traz a noção de contorno antropológico como metáfora
para falar de uma modernidade que é movimento mais incerteza, que se
manifesta através de um vazio, um tempo de vacância, dado por um
tempo de incertezas teórico-metodológicas, crises interpretativas e
explicativas, transições aceleradas, imprevisibilidades, ruídos, diversidades, rupturas, ineditismo, desconhecimento. Como olhar o novo quando
tudo “se apresenta sob o aspecto do movimento, da decomposição e da
recomposição aleatória, do desaparecimento e da irrupção contínua do
novo” (Balandier, 1997: 10), diante dos contornos que ficam imprecisos
frente à lógica comum, à familiaridade das aparências, à realidade conhecida? Daí a metáfora do contorno antropológico, como recurso
metodológico, que significa tomar distanciamento, colocar-se fora da
12
Conforme trago a reflexão em Possibilidades de uma Poética Afro-ritualistica em Educação
(ver bibliografia).
13
Exu ou Bará é o deus Afro-brasileiro (Orixá) que reina nas encruzilhadas, senhor do destino
individual e coletivo, habita a eletricidade, o ar, liga o mundo dos homens aos deuses, por isso
o mensageiro, as comunicações, por seu impulso colérico e sua natureza sexual (fálica) muitas
vezes é confundido com o diabo cristão. Sua cor é o vermelho e preto, seu símbolo é o
tridente, possui dois chifres que representam o conhecimento, sua saudação é “Alupô”.
14
Nova Era.
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confusão para interrogar, buscar os possíveis, traçar outros itinerários
contextualizar por aproximação o que se sabe o que se consensualiza,
empreender uma exploração do conhecido buscando inventar uma cartografia15 resultante desse reconhecimento, a identificação de novas
configurações e de sua interpretação. É um avanço para o desconhecido. A ação do contorno antropológico é dada por um duplo olhar, “uma
ação cognitiva que permite uma compreensão tanto pelo interior (o antropólogo se identifica para conhecer) quanto pelo exterior (o antropólogo vê em função de uma experiência estranha)” (Balandier, 1977: 18).
Dessa forma, o contorno é uma metáfora e como tal só entendido
na sua substantividade, o que significa que não se aplica a uma ação de
contornar, sim o antropologizar realizar um contorno é usar o recurso
antropológico, de modo que a ação é o estudo antropológico, o
antropologizar, pois a metáfora do contorno só existe enquanto tal, como
substantivo.
Os vários tempos de controle na EAD: O Tutor
On-line - Contornos16 de uma identidade
A perspectiva de entender as subjetividiades de uma identidade online, enquanto procedimento de análise em uma pesquisa, direcionou o
meu interesse pelo uso das tecnologias na educação, a partir da constituição das oficinas de Descolonização do Corpo e da Expressão e Construção da Cidadania criadas e ministradas por mim no PEFJAT-UFRGS, passei
a questionar sobre a necessidade de construir-se alternativas de aprendizagem diferentes das reproduzidas, muitas vezes, de modo naturalizado
através do uso, quase mecânico do giz, saliva, olho, orelha, trazer o corpo,
os sujeitos e suas vidas, isto é, complexidades para a sala de aula.
Constituir-se uma experiência que mesclasse musicaliade, dança,
poética, ritualística, gravador, videocassete, televisor, CD´s, câmeras fotográficas, hoje em dia o Computador e toda sua parafernália que cha15
Aleph_ava procura constituir tal configuração cartográfica, a carta A Roda da Fortuna
(2007, 15) enuncia a trilha. Esta mandala é o mapa de bordo que delineia o percurso
investigativo, como pode ser visto pelo cruzamento das descrições e ação temporal dos
acontecimentos investigativos.
16
Para o entendimento do contorno propõe um deslocamento do centro, sair da confusão,
procurar compreender as margens, as beiras, ouvir as bordas, assim em um ir e vir do olhar,
através dos contrastes e semelhanças, procurar perceber a centralidade do que se fala, uma
espécie de sinergia entre entropia e neguentropia, centro-periferia. Como experimento
procurou-se aproximar as noções de complexidade, contorno e viscosidade, três áreas do
conhecimento “separadas”.
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mamos de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, entender
as possibilidades da pesquisa, limites e alternativas. A EAD, experiência
de Informática na Educação, conforme os vários processo que acontecem na UFRGS a partir da experiência de Pedagogia AD permite pensar os vários usos das NTIC’s (Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação) e concomitantemente como se da à constituição da aprendizagem, a partir da auto-aprendizagem, conforme o movimento de identificação e apropriação de uma identidade, neste caso o Tutor on-line,
enquanto uma identidade em construção.
O tutor constitui-se em um híbrido na condição de ator no processo
de construção da EAD enquanto modalidade de Ensino na UFRGS, nem
professor, nem monitor nem aluno, o que é e quem é o tutor na UFRGS?
Como reconhecê-lo e defini-lo perante as outras identidades, isso é, sujeitos co’partícipes da educação nesta Universidade, os alunos, os técnicos e os professores, qual a condição deste novo sujeito, se é permanente, momentâneo como entende-lo além da função que desempenha?
Quanto de trabalho alienado está incorporado para a consolidação dessa
possibilidade de aprendizagem e os níveis de poder que estabelecem
essa relação e atravessam os sujeitos até o momento produziram reflexões a respeito dessa condição tutor.
Neste processo inicial, minhas observações foram construídas através de um procedimento de observação participante, situações que aconteceram ao longo dos dois semestres enquanto tutor desta Universidade
(2006-2007), alternando monitoramento e orientação a professores da
rede pública vinculados ao PEAD na condição de alunos e do meu próprio processo de aprendizagem, enquanto aluno do curso de formação
de tutores. Assim, me permitindo visualizar e pensar a constituição de
uma identidade. Três categorias me chamaram bastante a atenção nesse processo, principalmente pela novidade que é o uso das TIC’s na
EAD, a questão do trabalho alienado e a noção de mais-valia, os processos de auto-controle em oposição ao disciplinamento e a simultaneidade
dos eventos. Essas categorias que até o momento permearam meu
olhar auxiliam-nos a uma compreensão mais profunda sobre as interfaces
do poder, as relações entre professor-aluno-tutor, tutor-tutor e na condição de sujeito em ação o significado do cuidado ético com os objetos de
controle, tais reflexões serão trabalhadas de modo mais elaborado em
outro instante textual.
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A intersecção da EJA e a EAD, facetas de uma
complexidade
EAD – Educação a Distância é uma modalidade de educação que
pressupõe o rompimento das barreiras de tempo e espaço uma vez que é
possível realizar as atividades de um curso sem a necessidade do deslocamento até a escola/universidade, ou seja, sendo a atividade assíncrona17,
em qualquer tempo, isto é, sem o horário fixo determinado de um curso
presencial. Utilizando-se das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, tem-se a possibilidade de interação aluno/professor, aluno/
colega, o que não se tinha no início da EAD onde os recursos utilizados
eram correspondência postal, via rádio ou TV.
A EAD através da Internet permite que os cursos tenham atividades sincrônicas e assincrônicas. A primeira exige que os participantes
estejam conectados num mesmo local virtual, como exemplos sala de
bate-papo, videoconferência e outros, em um mesmo horário. Já a segunda utiliza-se do mesmo local virtual, mas no tempo que o participante
tiver possibilidade, como exemplos, fóruns de discussão, mural, o próprio
correio eletrônico, entre outros.
AVA- Ambiente Virtual de Aprendizagem: local virtual onde acontecem as interações que contribuirão para que os participantes construam seus conhecimentos. Fisicamente pode-se afirmar que é uma área
na internet que contém recursos para gerenciamento de cursos e auxílio
aos participantes (professor/aluno/tutor) no decorrer daqueles. Um AVA
pode contar com as seguintes ferramentas: espaço para identificação
(onde informa-se nome de usuário e senha); e-mail; fórum; mural;
dowload/upload, bate-papo, comunicador instantâneo; estatísticas de
acesso, videoconferência.
A EJA, na forma como a LDB 9394/96 propõe, é uma modalidade
de Ensino da Educação Básica. Porém, em meu entendimento, a EJA
pressupõe os múltiplos espaços de formação humana onde encontram-se
jovens e adultos. Atuar com as TIC’s em EJA pressupõe reconhecimento
das especificidades que constituem as duas modalidades de ensino em
questão. É preciso compreender que os processos de aprendizagem/ensino propostos pelas TIC’s envolvem a concepção de diferentes
17
Assim transparece a idéia de que tendo um plug, qualquer tempo é tempo de EAD, assim
somos invadidos pela tecnologia que vai aos poucos determinando nossas ações cotidianas, a
simultaneidade e velocidade das informações altera no ritmo diário, há muitas narrativas de
tutores a UFRGS que se pré-ocupam com a distancia de um acesso a outros dos e-mail ou dos
ambientes de controle.
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temporalidades, assim como a EJA propõe: são diferentes tempos de aprendizagem entre os sujeitos, o que, confortavelmente pode ser “comportado”
nas TIC’s, tempo necessário de permanência para acomodação das Aprendizagens, assim como são diferentes os tempos de organização dos sujeitos, o que também é comportado pelas TIC’s, onde horário de acesso (onoff), as constantes de plug/não plug são mediadas pela necessidade de
cada sujeito no seu processo de aprendizagem e assimilação do conhecimento disponível. São diferentes os tempos de disponibilidade ao acesso e
permanência no ambiente, o que exige uma pressuposta autonomia do
sujeito (no caso de ele possuir o recurso “em casa”).
A possibilidade de retorno ao ambiente em qualquer tempo leva a
uma noção de memória em permanente constituição, já que o ambiente
se constitui por um currículo em movimento, essa questão do acesso de
tudo a qualquer tempo e de qualquer lugar, onde todos acessam o tudo
simultaneamente dá a noção de reconhecimento, democratização dos
movimentos identitários dos sujeitos, salientando os diferentes níveis de
poder que operam no processo.
Constituição Metafórica de um AVA
Para visualidade da noção de diverso e sua complexidade, que permeia
o imaginário dessa pesquisa no campo antropológico em inserção na educação, apresento o ambiente metafórico [email protected], que
encontra-se em estado bem incipiente. Este ambiente vem sendo arquitetado ao longo dos últimos dois anos enquanto a metáfora de um ambiente
virtual de aprendizagem voltado à pesquisa da diversidade na EJA e a
EAD. O Cibernantropo emerge enquanto figura metafórica que constitui a noção de um outro que não seja eu, conforme foi trabalhado em
Possibilides de uma Poética Afro-Ritualistica em Educação19, se utilizando
do ambiente de vivências de Descolonização do Corpo da Expressão e
Cidadania20, que a fim de entender o acontecimento da aprendizagem desde um estar-juntos, permitiu-se pensar a pesquisa, através do imaginário
de uma sala de aula. A perspectiva de compreender uma cultura ciber
18
aleph_ava · [email protected] aleph_ava · Aleph Ambiente Virtual de Aprendizagem - [email protected]
19
Referência na bibliografia.
20
Oficina pedagógica por mim coordenada e que tem como objetivos principais a pesquisa das
subjetividades, o estudo do corpo e do imaginário no espaço de uma sala de aula e os vários
recursos tecnocientíficos. Assim através do Centro Alternativo de Cultura Negra - CAdeCUNE
procurei aliar aprendizagens a constituição desse instrumento de investigação.
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passa pelo entendimento dos vários níveis de controle e autocontrole aos
quais estamos sujeitos e que a noção antropológica de cultura nos permite
à visualidade através do conceito de “imprinting” de Edgar Morin, pois,
segundo esse autor é através das experiências culturais que somos marcados de modo sem retorno.
Essas questões ofereceram-me um desafio: dar conta da infinidade
de objetos de investigação, um conjunto muito significativo de registros
que compõe o inventário dessa pesquisa. A partir da sistematização de
questionários e registros de depoimentos a respeito dos sentimentos e percepções das experiências de vivências descolonizantes, fui cada vez mais
me aproximando das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação N’TIC’s, a fim de solucionar um dos problemas que inquietou-me de modo
significativo: o excesso de material colhido. Assim, Aleph está sendo pensado a partir de quatro funções, a primeira é a de constituir-se enquanto
banco de registros e dados das vivências, a segunda, possibilitar a apropriação de conceitos mínimos a respeito de uma cultura de domínio cultural
coletivo, neste caso a afro-brasileita, conforme pode ser evidenciado na
arquitetura do ambiente, a terceira refere-se a conceitos de ordem científica, igualmente verificável através do desenho desse ambiente e por fim,
um instrumento de produção de registros, relatórios, informações, etc,
Nesta perspectiva, assim comporta o ambiente:
· Cibernantropo: Roteiro Metafórico.
· Glossário: Conceitos.
· Apêndices: Vários suportes disponibilizados de modo a uma visualidade
mais intensa do ambiente (links).
· Estrutura: Construída através do uso do editor de texto, PPT, Blog, Pbwiki,
e-mail, etc.
Conforme me referi anteriormente, este ambiente está sendo
construído. Abaixo apresento as etapas da construção metafórica do
AVA para estudos da diversidade étnico-cultural:
Primeira etapa – Esboço da idéia, produzida ao longo do mestrado em
educação, no período entre 2004 e 2007.
Segunda etapa – Produção de um roteiro ensaístico, que ocorreu no mesmo período referido anteriormente.
Terceira etapa – Apresentação da proposta, que acontece através da dissertação, conforme bibliografia anexa e o presente artigo.
Quarta etapa – Arquitetura do ambiente será finalizada em estudos futuros, o esboço do mesmo pode ser visualizado através do endereço
[email protected].
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Quinta etapa – Uso; etapa futura.
Sexta etapa – Avaliação; etapa futura.
Este momento
O artista é alguém que tem coragem de dizer sim: Dizer sim, apesar de
tudo, à vida!
Maffesoli, 2003.
Há uma pergunta que adormece e está latente no interior desse
instante, qual o sentido e o significado do ser tutor; na importância e no
sentimento que se expressa nesse instante final que é do acabamento de
uma trajetória, diz-se do colocar-se na balança, medir, finalizar? Mas há
sempre o seu contraditório, na duplicidade do olhar, não há conclusões
definitivas no acontecimento científico, pois as coisas da vida e do universo estão sempre em movimento; a vida é movimento e assim vem-me
essa metáfora do Contorno que fala dessa modernidade às portas de seu
sentido Pós. Se a vida é movimento, como negar seu sentido Dialético,
compreender que tudo se transforma nessa força transformadora que
diz que tudo que é sólido se desmancha no ar. Assim emerge a vitalidade de todas as coisas que são dos sentidos e sentimentos, a vitalidade do
humano que está no laço que compõe uma identidade. Talvez essa seja a
maior aprendizagem que tive ao longo dessa experiência, perceber o
quanto há de humus, isto é, orgânico e vísceras em um estudo de aprendizagem, o antropologizar que nos suscita a ação do Contorno do Antropológico, o sentido da metáfora que fala de uma complexidade humana, talvez aprendizagem mais significativa: entender a grande transformação humana que acontece através do uso da máquina, pela tecnologia.
Ensinamento que emerge enquanto uma das muitas contribuições da EAD
para a EJA e as Ciências da Educação, em seu estado de maturação, ser
humano a partir da máquina21, essa é a nossa condição homociber?
21
O filme TRANSFORMERS propõe a visualidade de tal metáfora, narra uma guerra de seres
máquinas de outro universo, que se trava no aqui e agora, no planeta Terra. A sensibilidade e
ética das máquinas, que propõe-nos uma segunda chance, tal como em Inteligência Artificial,
também de Steven Spielberg, propõe um pensar nossa condição humana. A experiência em
EAD, principalmente no uso dos Fóruns, fizeram-me refletir sobre a necessidade do entendimento de que do outro lado daqueles cabos e terminais existe um outro humano. Já dizia Marx
que no mercado há relações humanas por trás das mercadorias, uma noção de coisa humana,
que não deixa de ser humana. (*) TRANSFORMERS [conhecida como GENERATION 1, ou
apenas G1] Produção de Steven Spielberg do filme live action dos TRANSFORMERS. Com
Michael Bay [responsável pelas bombas (!) Armageddon e Pearl Harbor] como diretor.
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Referências
BALANDIER, Georges. O Contorno: Poder e modernidade. Rio de Janeiro:
Bertrande Brasil, 1997
BRUNEL, Carmem. EJA: uma população cada dia mais jovem. In: Mundo Jovem:
um jornal de idéias, ano XLIV, nº 372. PUCRS. Porto Alegre. 2006.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
IANNI, Octavio, Teorias da Globalização. Rio de Janeiro, 1996.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2001. Editora 34, coleção trans.
MAFFESOLI, Michel. A Parte do Diabo. Rio de Janeiro - São Paulo: Record,
2004.
______. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de
massa. 3ª ed. [s.l./s.d.]. Florense Universitária.
______. O instante eterno: O retorno do trágico nas sociedades pós-modernas.
São Paulo: Zouk, 2003.
MORIN, Edgar. O método 5 - a humanidade da humanidade: a identidade humana. Editora Sulina, 2005.
OLIVEIRA, Ronaldo Jorge Rodrigues. Possibilidades de uma poética AfroRitualistica em educação. Porto Alegre: UFRGS, 2007. Dissertação (Mestrado
em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.
SANT´ANNA, Sita Mara Lopes (org). Aprendendo com Jovens e Adultos. 1ª ed.
Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001.
______. O Ensino de Língua Materna para Jovens e Adultos Trabalhadores: a
busca de novos sentidos. Porto Alegre: UFRGS, 2000. Dissertação (Mestrado
em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.
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As identidades e as diferenças na
escolarização de jovens e adultos:
reflexões sobre os desafios do
PROEJA
Dirnei Bonow1
Mauro Augusto Burkert Del Pino2
O debate sobre a diversidade e a escolarização
de jovens e adultos
A questão da diferença e da construção de identidades é um aspecto cada vez mais presente nas discussões pedagógicas3. Conforme o
Documento Base do PROEJA, especialmente na escolarização de jovens e adultos, devem ser consideradas:
(...) as condições geracionais, de gênero, de relações étnico-raciais como
fundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais4. Nesse sentido, outras categorias para além da de ‘trabalhadores’, devem ser consideradas pelo fato de serem elas constituintes das
identidades e não se separarem, nem se dissociarem dos modos de ser e
estar no mundo de jovens e adultos. (MEC, 200, p.29)
Assim, o debate sobre a diferença nas relações sociais – para
além das diferenças de classe social –, e a emergência dos denominados
1
Professor do CEFET/RS – Pelotas ([email protected])
Professor da Faculdade de Educação da UFPel, Dr. Em Educação, orientador do Trabalho de
Conclusão de curso do autor do presente artigo.
3
“O debate acadêmico sobre as diferenças socioculturais no campo educacional vem
avolumando-se e complexificando-se recentemente também no Brasil”. (FLEURI, 2006,
p.501)
4
Grifo do autor.
2
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novos movimentos sociais afirmando identidades sem visibilidade no debate político tradicional, configuram novos entendimentos sobre as relações de poder e sobre as possibilidades de eqüidade social.
(WOODWARD, 2000). Neste processo de mudança, os campos acadêmico e social travam um intercâmbio profícuo, de forma que às vezes
as fronteiras entre eles sejam desestruturadas, o que sem dúvida demonstra a emergência do tema e a sua importância para o esclarecimento dos diferentes aspectos da dinâmica social no mundo contemporâneo.
“O que caracteriza a cena social e cultural contemporânea é precisamente o apagamento das fronteiras entre instituições e esferas anteriormente consideradas como distintas e separadas”. (SILVA, 1999, p.141).
Sem a intenção de discutir a polêmica sobre a mudança de paradigmas
ou as supostas evidências de um novo modelo de organização social que
substituiria a modernidade, o objetivo deste artigo é apontar alguns caminhos para a reflexão sobre as conseqüências desse debate para a área
educacional e, mais especificamente, para a interpretação do fenômeno
da escolarização e para o planejamento do trabalho docente no âmbito da
educação de jovens e adultos, especialmente do PROEJA.
Tratar do premente tema da diversidade na escola e conseqüentemente das suas repercussões sociais, é algo que exige da escola mais
que uma abordagem racional restrita ao conhecimento, pois o tema diz
respeito a representações que subentendem determinadas relações de
poder, que no cotidiano se manifestam em diferenciações, rotulações,
privilégios e discriminações. Portanto, mais que uma questão de saber é
uma questão de disputa política em prol de grupos tradicionalmente oprimidos e de valores que subsidiem a igualdade e a solidariedade, no reconhecimento das diferenças. Exige-se assim, dos trabalhadores da educação, além de uma consciência das formas de opressão, um processo
de crítica e autocrítica sobre as representações sociais e sobre o seu
papel como educador no cotidiano da escola. As finalidades da escola
quanto ao tema, são opções políticas como qualquer outra finalidade
educativa, contudo, neste caso, escolhas possivelmente mais polêmicas.
Abordar a questão da diversidade é mais que uma questão acadêmica e
formativa, pois é também uma questão de compromisso, de ação contra
o preconceito e a discriminação. “Pela sua própria heterogeneidade, a
diversidade cultural exige de nós um posicionamento crítico e político e
um olhar mais ampliado que consiga ampliar os múltiplos recortes dentro
de uma realidade culturalmente diversa”. (GOMES, 1999, p.02).
É por isto, que o envolvimento dos professores tem que ter como
base uma aproximação entre o campo do saber e o campo das lutas
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sociais, com os quais os professores muitas vezes mantêm contato superficial, sem que se estabeleçam outras formas de diálogo com os setores populares e seus movimentos sociais.
Tanto do ponto de vista da pesquisa como do ponto de vista da
pedagogia, a integração entre o campo acadêmico e o campo social,
possibilita a aproximação entre investigação e realidade, entre observador e objeto de estudo, entre professor e aluno, contribuindo para aproximar estes diferentes olhares e oportunizando maior consciência e diálogo sobre um contexto permeado por diferenciações, que também são
percebidas de maneiras diversas e até mesmo antagônicas. Segundo
Simone Valdete dos Santos (2006, p.56):
Reconhecendo na escola um campo privilegiado de saberes em disputa,
estando de um lado, o saber historicamente construído, intitulado como
saber científico, e de outro o saber popular, que serve ao provimento
cotidiano da vida. O projeto político-pedagógico da escola precisa considerar estes diferentes saberes constituídos na e pela experiência de vida
de jovens e adultos,(...)
Assim, numa área de intervenção social como é a educação, a
interpretação teórica deve ser acompanhada de um indispensável
posicionamento perante a complexidade do tecido social, posicionamento
que longe de ser dogmático e obscurantista deve estar calcado num eterno
confronto entre o que se tem e o que se pretende. A ação educacional
tem que ser orientada por uma finalidade, que não é só a crítica, mas que
parte dela para propor determinadas formas de superação dos entraves
a uma vida mais satisfatória; esta é a faceta política da educação, sem a
qual ela não tem sentido.
Portanto, a consideração das diferenças aponta para um entendimento crítico das diferentes formas de desigualdade estabelecidas nas
relações sociais e, mais que isto, para um posicionamento político-pedagógico perante esta realidade. Esta postura ao mesmo tempo analista e
interventora é uma necessidade do trabalho docente, no entanto, os profissionais e os discursos pedagógicos acabam, geralmente, por não dedicar a devida atenção, pois reduzem a atividade docente aos seus aspectos técnicos, administrativos e psicológicos, que só têm sentido se orientados por uma intencionalidade baseada num posicionamento e numa
proposta em relação ao diagnóstico da realidade. (AFONSO, 2003)
Todavia, não se pode restringir a atividade pedagógica ao debate
político. Tanto na pesquisa como na sala de aula, no tratamento dos temas como, por exemplo, a desigualdade, subentende-se um
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posicionamento e uma atitude, contudo, esta é diferente da atitude exigida
na disputa política. Na escola, e mais ainda na pesquisa, o exercício da
dúvida, da apresentação e do debate racional dos diferentes pontos de
vista e das suas fundamentações é uma exigência de rigor intelectual. O
professor, portanto, quando aborda determinado assunto, precisa estimular a análise crítica das diferentes formulações teóricas e as suas conseqüências na análise e na intervenção social.
Por outro lado, o jogo político, especialmente a disputa por cargos
governamentais no âmbito da democracia burguesa, exige
posicionamentos menos flexíveis, propostas e ações bem definidas, para
as quais o exercício da dúvida pode significar um erro tático. Não que a
racionalidade e a postura crítica devam ser dispensadas, mas ambas têm
um papel mais limitado na busca pelo poder.
Na escola, entretanto, há que haver um híbrido entre estas posturas, entre a investigação da realidade orientada pelos saberes científicos
e a posição política assumida perante um contexto de diversificação e
complexidade de valores. Tem que haver uma postura mais crítica que a
da prática puramente política e uma postura menos distanciada que a da
prática acadêmica, fundamentalmente porque a ação educativa é, além
de informativa, formativa.
Mas não é tarefa fácil conciliar tal atitude perante o conhecimento
e a sociedade no âmbito da escola. Além de discutir a questão política
que permeia o trabalho docente, geralmente desconsiderado, a escola,
principalmente a pública, deve ser um espaço de respeito à diversidade,
inclusive acadêmica e política, o que significa dizer que os diferentes
entendimentos sobre pedagogia e sociedade devem ser considerados legítimos, desde que não ofendam os direitos humanos.
Quando se discute a questão da diferença e a sua abordagem no
conhecimento escolar, é necessário usar o trabalho pedagógico para esclarecer as formas sociais de estabelecimento da desigualdade, analisar
os seus fundamentos e criticar as suas conseqüências. As diferentes
áreas do conhecimento científico na sua transposição para conhecimento escolar nos oferecem bases racionais para se criticar o senso comum
que fundamenta as desigualdades nas relações sociais; mas isto não é
suficiente. O conhecimento por si só não garante uma postura responsável e ativa perante o preconceito e a discriminação, pois isto depende,
sobretudo, de uma postura ética.
É isto que deve orientar as definições sobre a questão da diferença
na escola e fora dela, a investigação e análise do que é certo e errado no
mundo contemporâneo e as diferentes fundamentações para esta ques-
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tão. Um debate democrático que auxilie na identificação e no
enfrentamento, por meio do conhecimento e por meio da regulação das
relações escolares, das estigmatizações e dos conflitos que permeiam as
relações sociais dentro e fora dos muros da escola e que, a partir do
reconhecimento da diferença como um elemento importante para a definição das identidades e para a compreensão da distribuição desigual de
poder, estimule a construção políticas que questionem o imaginário dominante.
Tomar a cultura como sendo um campo de contestação e conflito, permeado
por relações de poder e, portanto, um campo em que se constroem diferenças e desigualdades e o currículo como sendo um dos espaços em que a
produção cultural se faz, implica em questionar os saberes e práticas que
produzimos, selecionamos e implementamos de forma a reconhecer o sexismo, o racismo e a discriminação que eles não só veiculam, mas constroem e ajudam a manter. Implica em procurar compreender quem tem a autoridade para dizer o que, de quem, em que circunstâncias. Implica, sobretudo, numa reflexão acerca de nosso próprio envolvimento em processos em
que diferenças são nomeadas e transformadas em desigualdades sociais e
políticas. (MEYER, 2000, p. 378).
Contudo, tanto na condução das convivências na escola como no
âmbito da sala de aula, a abordagem acadêmica e a resolução de conflitos que são provocados por diferenças de gênero, etnia, geração e religião, são tarefas extremamente delicadas porque mexem com a questão
das identidades.
Neste processo de construção de uma visão de si mesmo, a partir
dos grupos e da sociedade na qual se está inserido, é fundamental o entendimento da importância, e das conseqüências, do contínuo estabelecimento de semelhanças e diferenças em relação aos outros, como uma das
formas de se justificar e se afirmar a própria identidade por contraste. A
construção da própria identidade, de indivíduos ou de grupos, em oposição
à identidade dos outros, conforma padrões de normalidade, a cobrança por
papéis sociais que correspondam a esta expectativa e a definição de estigmas, estereótipos ou rótulos5 sobre determinados grupos sociais. Estes são
temas que precisam ser problematizados na escola, oportunizando reflexões tanto sobre as identidades dos professores como dos alunos, como
também sobre a reprodução de discriminações no ambiente escolar e sobre a necessidade de tratamento crítico destas por parte dos professores,
5
Sobre esses conceitos ver Allan Johnson (1997).
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como forma de se pensar no desenvolvimento de intervenções pedagógicas que contemplem o debate sobre a diversidade e os valores necessários
para se estabelecer relações sociais mais igualitárias, dentro e fora da
escola. Sobre o entendimento do processo de construção da identidade,
ressalta-se a visão de Stuart Hall:
Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que
elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas;
que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao
longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. (2000, p.108).
Desde os primeiros anos de vida, o ser humano está inserido num
processo contínuo e inesgotável de adaptação social, que tem características especiais e únicas, ou seja, individuais, mas que é edificado na
convivência social e, portanto, estabelecido sobre padrões de comportamento e representação que não se escolhe, mas que foram estabelecidos a priori e que são uma das formas, entre tantas outras, de criação de
um conjunto de significados que dão sentido à vida. Neste percurso,
repete-se uma série de hábitos e idéias que foram incutidos por diferentes formas de aprendizagem, conscientes e inconscientes, formais e informais, nos diversos grupos e agregados sociais pelos quais se passa. E,
embora haja um padrão dominante ou hegemônico do ponto de vista
cultural, nesta trajetória confrontam-se visões, princípios, expectativas,
diversas e até mesmo antagônicas, que influem e desafiam identidades
em constante desequilíbrio, principalmente no espaço urbano contemporâneo. Mais do que uma identidade, os sujeitos têm identidades, e tanto
quanto se é objeto de um arcabouço material e simbólico, se é sujeito de
uma história única e pessoal. O indivíduo repete e reproduz, mas o faz
com variada autonomia e consciência das forças que o constituíram, a
partir das quais pode constantemente se reconstituir, tendo sempre o(s)
outro(s) como referência, positiva e negativa, e o ambiente como base.
(GIDDENS, 2005).
Sem apegar-se à eterna discussão sobre as determinações naturais e sociais, cabe ressaltar que na construção permanente da identidade, a experiência da diferenciação garante ao sujeito um lugar no mundo,
um rosto na multidão, um jeito de ser e de ver que é inseparável dos
grupos nos quais se insere e da visão que tem dos outros. Da mesma
forma, a visão dos outros, mesmo que depreciativa, pode ser utilizada
como forma de afirmação da identidade. A luta por um espaço e uma
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imagem é o fundamento da construção de identidades e de diferenças e
a consciência deste mecanismo de integração, é primordial para se pensar sobre as atitudes e as escolhas políticas dos agentes.
O entendimento destas questões entre o professorado ainda carece de um mínimo de atenção e, se o discurso na e sobre a escola já
incorporou certos termos referentes ao debate sobre preconceito e discriminação, o cotidiano revela que a reprodução de representações desmerecedoras sobre determinados grupos não é problematizada. Será que
é percebida?
No âmbito da escola, nos diferentes rituais que caracterizam tal ambiente, podem ser identificadas manifestações de professores que incutem
determinadas características a pessoas ou grupos e que não são outra
coisa senão resultado de estereótipos – imagem falsa sobre grupos ou
indivíduos –, que são a base do preconceito. O tratamento crítico de tal
conceito pode auxiliar no esclarecimento das atitudes dos professores e as
suas respectivas conseqüências no relacionamento, na aprendizagem e na
avaliação, como também permitir uma reflexão sobre o imaginário dos
professores, principalmente num curso caracterizado pela diversidade dos
alunos como é o caso do PROEJA. Além disto, a questão da diversidade é
importante para a formação integral dos alunos, pois é um tema em que a
relação entre conhecimento e cidadania é bem concreta.
Assim, a questão sobre como os professores percebem determinados comportamentos não padronizados, pode nos dar sugestões de como
a questão da diversidade é compreendida e tratada na escola. Pesquisas
sobre as atitudes dos professores em sala de aula já demonstraram como
atua o preconceito, mediante expectativas socialmente construídas que
os professores podem confirmar de acordo com o que projetam para os
alunos conforme sua classe, cor, gênero, etc. 6 A questão da diversidade
não só não é discutida como, muitas vezes, os professores não avaliam
as conseqüências de atitudes às vezes impensadas, porque automatizadas
por representações generalizadas a determinados grupos sociais. As
contribuições das teorias sobre desvio nos indicam como tal mecanismo
é importante7.
A percepção que os alunos têm de si mesmos, da escola e dos
professores também é importante para se analisar o tema da identidade
e da diferença e reforça a necessidade desta discussão não só entre os
6
Ver, por exemplo, Meyer (2000, p.377).
“Normas e, daí, desvio, são socialmente importantes porque ajudam a definir e regular as
fronteiras dos sistemas sociais”. (JOHNSON, 1997, P.70).
7
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professores, mas também como conteúdo de ensino. Ao se trabalhar
com o conceito de estereótipo com os alunos, especialmente da E.J.A.,
surgem uma série de questões que indicam a apropriação pelos alunos
de um conceito abstrato que ajuda a entender o comportamento e as
relações sociais. Alguns alunos, a partir da compreensão do papel da
diferença na construção da identidade, relatam como afirmam a sua própria identidade ao caracterizar negativamente grupos diferentes, a partir
de idéias pré-concebidas. Percebem os estigmas que aprenderam e que
reproduzem, ao manifestá-los como verdades absolutas, mas que quando analisadas criticamente revelam o seu conteúdo arbitrário e
discriminador, ou seja, de representações pré-concebidas que não resistem a uma apreciação rigorosa. Pode não significar uma mudança nas
representações e menos ainda nas atitudes, afinal se lida com conceitos
arraigados e não se tem garantia de que o trabalho escolar resulte em
mudança de comportamento, mas, sem dúvida, esta é uma discussão
que deve ser priorizada nas escolas e nos cursos de PROEJA.
O compromisso com as premissas de uma
educação integral para jovens e adultos
A partir de uma fundamentada análise das causas e das conseqüências dos problemas educacionais brasileiros, o Documento Base do
PROEJA situa com propriedade intelectual e clara opção política, a necessidade de se construir uma alternativa sólida de formação escolar
que integre conhecimento e trabalho, constituindo-se assim numa possibilidade qualificada de inclusão social para jovens e adultos que foram
apartados do ensino regular.
Ao reconhecer a responsabilidade do Estado e da sociedade na
busca de soluções para este complexo problema que afeta as trajetórias
sociais de milhares de brasileiros e compromete o desenvolvimento social do país, o referido documento procura estabelecer os princípios que
devem sustentar a política proposta e indicar as características pedagógicas de um projeto de escolarização de qualidade, baseado numa formação sociolaboral para jovens e adultos.
Apesar de ser uma proposta bem contextualizada e bem alinhavada
tanto do ponto de vista teórico como político, a sua execução pode ser
afetada por tantos fatores previsíveis e imprevisíveis que a iniciativa pode
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se perder no limbo das inúmeras intervenções governamentais que não
lograram sucesso na história educacional brasileira. Supondo, que se some
a esta proposta bem elaborada, decididas ações governamentais que, independentemente das nuanças conjunturais da política partidária, consolidem
a política como uma proposta estratégica de enfrentamento da dívida social, ainda é preciso lidar com as idiossincrasias das instituições e dos agentes, cujo envolvimento autônomo e crítico com os princípios do PROEJA é
imprescindível para a efetivação de um projeto pedagógico qualificado de
educação integral. Assim, considerando que na elaboração da política foi
restrita a participação das comunidades escolares e acadêmicas, é necessário o desenvolvimento de mecanismos que estimulem a participação efetiva destas no debate e na condução dos cursos, condição indispensável
para a consolidação de um compromisso crítico e responsável.
Tal questão é primordial para que haja uma soma de esforços que
garantam a eficácia do investimento, tornando-o uma possibilidade concreta de inclusão social, o que, no entanto, não depende só de formação
escolar ou de uma única política pública, mas de uma mudança no modelo de produção e distribuição da renda; o que não diminui a importância
de um programa como o PROEJA.
Para que a seta se aproxime do alvo, o conhecimento e a identificação com os objetivos e pressupostos do programa são basilares na sua
implantação e ampliação, de tal forma que esclarecimento sobre as suas
intenções deve orientar a formulação, a execução e a avaliação dos projetos pedagógicos, superando as possíveis distorções sobre as finalidades da
educação de jovens e adultos que podem limitar a implantação de tais
projetos na rede federal de ensino, já que podem ser vistos como uma
alternativa não qualificada ou não eficiente de educação profissional.
A construção da proposta curricular deve, além de considerar as
especificidades da modalidade, orientar-se por uma integração que procure superar a separação entre a formação propedêutica e a formação
profissional, para a qual são necessários professores identificados com a
proposta e dispostos a construí-la coletivamente. Pode parecer uma
obviedade afirmar a necessidade do trabalho coletivo já que este é necessário em qualquer atividade pedagógica de escolarização, no entanto,
frente às dificuldades características do trabalho docente que estão presentes na cultura escolar – entre as quais o individualismo dos professores8 – e a complexidade da integração pretendida no PROEJA, prescin8
“A postura individualista dos docentes tem servido de obstáculo ao acesso e à partilha de
novas idéias e, conseqüentemente, a encontrar melhores soluções para os problemas do
ensino”. (MORGADO, 2004, p.127)
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dir deste planejamento conjunto pode, além de desviar o foco do programa, acentuar as dificuldades de adaptação e de rendimento dos alunos e,
conseqüentemente, a repetência e a evasão.
Portanto, a intenção deste trabalho de identificar e analisar os princípios pedagógicos do PROEJA é uma imposição para o desenvolvimento das propostas político-pedagógicas que serão criadas. Um debate que
não deve se restringir apenas a uma discussão prévia na criação dos
cursos, mas que deve ser uma reflexão constante orientada por uma
análise crítica destes pressupostos, como forma de avaliar se as finalidades do programa estão sendo atingidas.
Entre estes princípios, a questão das características e da diversidade dos alunos de PROEJA, deve ser considerada neste programa,
tanto no âmbito da adequação das instituições, para atender de forma
eficiente às peculiaridades deste público, como no âmbito acadêmico, no
tratamento da diferença como um tema de estudo e de interpretação das
relações sociais e, ainda, no âmbito das políticas de enfrentamento do
preconceito e da discriminação, inclusive dentro da escola, ampliando as
noções de cidadania e de democracia. Este princípio é importante também para se valorizar a experiência multifacetada de jovens e adultos
que, como sujeitos sociais, devem ser incentivados a desenvolver uma
atitude ativa, de protagonistas da sua aprendizagem.
Investigar, discutir e programar políticas que limitem atitudes
preconceituosas e discriminatórias é uma tarefa exigente e necessária
que requer o questionamento sobre as nossas representações e atitudes,
de forma que as diferentes identidades sejam problematizadas no reconhecimento da diferença e no entendimento da responsabilidade, ética e
política, que está implicada nos valores que estimulamos na educação
escolar.
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Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA: