A proliferação das seitas religiosas em Angola, por João Ngola Trindade - 05-21-2015
por Por Dentro da África - Por dentro da África - http://www.pordentrodaafrica.com
A proliferação das seitas religiosas em Angola, por João Ngola
Trindade
por Por Dentro da África - quinta-feira, maio 21, 2015
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Por João Ngola Trindade, Por dentro da África
Introdução
A proliferação de seitas religiosas é um fato constatável no nosso país. A sua complexidade e abrangência
exige uma abordagem interdisciplinar, razão pela qual diversos especialistas em Ciências Sociais
angolanos analisam-na nos meios de comunicação social com o propósito de prestar algum contributo no
esclarecimento deste fenômeno. O texto que se segue apresenta uma abordagem histórico-cristã do
referido fenômeno e, igualmente, uma breve reflexão sobre as possíveis causas do surgimento de seitas
religiosas em Angola.
OBS: O artigo faz referiência ao massacre na província de Huambo, no centro de Angola. O governo da
região declarou que nove policiais e 13 civis foram mortos em um confronto, quando a polícia tentou
prender José Kalupeteka, líder da seita religiosa “Luz do Mundo", no dia 16 de abril. Moradores da
região e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) falam em até 1.000 mortos. Veja mais: Massacre em Angola: "Entre heróis e mártires de uma causa promovida por todos nós", por
Albano Pedro
A religião em Angola
O período pré-colonial, que podemos chamá-lo igualmente de pré-cristão em Angola, foi marcado pela
manifestação de crenças religiosas tradicionais seguidas pelos diversos grupos etno-linguísticos
angolanos. Convém esclarecer que a alusão às crenças religiosas tradicionais traz em si a ideia da
existência de um Ser Supremo (Nzambi), mas também a fé nos bakulos (ancestrais). A estes eram
dedicados cultos, periodicamente, com o intuito de garantir a felicidade terrena dos seus invocadores.
A chegada do Cristianismo, em cumprimento do mandato divino “ide por todo mundo e pregai o
Evangelho à toda criatura”, resultou na coexistência da religião tradicional com o Cristianismo. A
aceitação deste último não significou a rejeição da religião tradicional africana. Pelo contrário, ocorreu
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um fenômeno conhecido como sincretismo religioso, isto é, a fusão entre a religião tradicional e o
Cristianismo que deu origem à vários movimentos religiosos dentre os quais se destacam o movimento
antoniano, fundado por Kimpa Vita (séc. XVII), e, posteriormente, o Tokoísmo de que falarei mais
adiante.
Porém, na História de Angola, o período de transição política, de democratização, foi o que terá
registrado o surgimento de um número elevado de seitas religiosas.
Os estudiosos angolanos são unânimes em afirmar que o processo de abertura política, e a Revisão
Constitucional, criou um ambiente favorável para o exercício de um direito consagrado legalmente, isto é,
da liberdade religiosa, de culto e de consciência que reconhece a igualdade de todos os credos religiosos
perante a lei.
Durante este período (1991/92 até hoje) o solo angolano, rico em recursos minerais e naturais, ficou
marcado pela presença de cidadãos estrangeiros, provenientes, majoritariamente, do Brasil e do ex-Zaíre,
atual RDC que, alegavam trazer a Boa Nova num país cujos dirigentes haviam adotado durante 15 anos o
ateísmo científico e o marxismo-leninismo. O resultado foi o surgimento rápido de várias confissões
religiosas, de matriz evangélico-pentecostal, que posteriormente registraram cisões dando origem ao que
conhecemos como seitas religiosas.
Causas do surgimento das seitas religiosas
Um dos fatores que contribui para a proliferação das seitas religiosas é, sem dúvida, os desvios de
interpretação dos textos sagrados decorrente da deficiente formação bíblica e teológica e secular de
muitos líderes religiosos. Este fato estará associado, até certo ponto, ao desinvestimeno de muitas
confissões religiosas no setor da educação – atitude que contribui para a permanência de muitos crentes
no obscurantismo, uma das raízes do fanatismo religioso.
Acrescido à este facto está a interpretação deturpada da Teologia da Prosperidade que, até certo ponto,
mercantiliza a fé cristã. Acredita-se ser possível prosperar ainda que a pessoa tenha um baixo nível de
escolaridade e dedique apenas grande parte do seu tempo à oração.
Multidões constituídas por iletrados, doentes, desempregados e com outros problemas acreditam
piamente em mensagens deste tipo, pois, interessa-lhes apenas a visão materialista da vida, em detrimento
da salvação eterna. Por este motivo fala-se atualmente em “mercado da fé”, isto é, da compra e venda da
salvação.
Características das seitas religiosas
Algumas seitas caracterizam-se pela ênfase ao regresso de Cristo. Os seus líderes anunciam que tal
acontecimento ocorrerá numa data que eles alegam ter encontrado com base na leitura da Bíblia
Sagrada. Outra característica das seitas religiosas diz respeito a sua localização. Geralmente elas
encontram terreno nas zonas periféricas onde a exclusão social se manifesta pela falta de hospitais,
doenças, pobreza, analfabtismo, desemprego. Tais factores, associados ao desejo de mudança de vida,
contribui para a fanatização das mentes de muitos cidadãos.
Algumas seitas religiosas existentes em Angola
O tokoísmo
A escravatura e a opressão colonial terão despertado em alguns angolanos a esperança e a fé no advento
do messias entendido aqui como o homem que seria enviado por Deus para libertá-los do domínio
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colonial que contava com o suporte espiritual do catolicismo. O tokoísmo terá surgido como uma
ideologia de libertação do angolano oprimido pelo colonialismo e o catolicismo. Talvez seja esta a razão
pela qual este movimento religioso, oriundo do protestantismo, goze de simpatia do Estado
Angolano. Apesar de reconhecido pelo Ministério da Justiça, alguns lideres eclesiásticos consideram-no
uma seita religiosa pelo fato de, por exemplo, ele apresentar Simão Gonçalves Toko como o Cristo Negro
e a sua terra natal (Ntaia, Maquela do Zombo, Uíge) como a «nova» Jerusálem.
A «Igreja» a Luz do Mundo
Esta confissão religiosa foi fundada por Julino Kalupeteka, antigo membro da Igreja Adventista do
Sétimo Dia.
O autodenominado «profeta» Kalupeteka pregava o retorno de Cristo para o final do mês de Dezembro do
ano em curso – uma atitude que por si só faz-nos recordar os primeiros anos de existência do adventismo
e de outras seitas religiosas que baseiam a sua mensagem e doutrina no fim do Mundo.
Conclusão
A proliferação de seitas religiosas é um fenômeno que se insere no cumprimento da profecia segundo o
qual surgiriam falsos profetas que anunciariam o regresso de Cristo neste ou naquele local e dia. Para um
país como Angola, profundamente influenciado pelo Cristianismo, sugere-se que as igrejas cristãs
desenvolvam contínua e profundamente um trabalho de evangelização e promoção do ensino, elemento
que, a semelhança da Palavra de Deus, liberta o homem da ignorância e do obscurantismo.
Ao Estado compete, entre outras ações, a aposta continua na massificação do ensino de qualidade, na
expansão de serviços básicos, e não só, em toda a extensão do território nacional com vista a reduzir os
níveis de pobreza e a possibilidade de adesão dos cidadãos a movimentos religiosos que possam atentar
contra a dignidade humana.
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