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HOW THE EAST WAS WON: A REPRESENTAÇÃO DE EAST LOS ANGELES
NA FICÇÃO DE HELENA MARÍA VIRAMONTES
Lidia da Cruz Cordeiro Moreira (Mestre UERJ)
A história de mexicanos e chicanos 1 é profundamente marcada por quinhentos
anos de conflitos sobre seu território, desde a invasão espanhola, iniciada em meados do
século XVI, até os dias atuais, marcados pela imigração ilegal para os EUA. Entre esses
dois momentos, estão outros igualmente conflituosos: trezentos anos de colonização
espanhola, que dizimou os povos nativos do México, mas não sem antes dar origem a
um povo mestiço; a luta pela independência da Espanha, a qual finalmente veio em
1821; o imediato interesse dos EUA no território mexicano, levando a mais cinquenta
anos de guerra e à derrota do México; e, finalmente, a luta diária de chicanos vivendo
como “estrangeiros” no que um dia fora sua terra natal, os territórios do sudoeste norteamericano, invadidos e anexados pelos EUA durante o século XIX.
Em “Politics, Representation, and Emergence of Chicana Aesthetics”,
introdução a seu livro Home Girls: Chicana Literary Voices, Alvina Quintana defende a
ideia de que a perda do território mexicano durante a Guerra Mexicano-Americana
determinou a subsequente imigração para os EUA em busca de melhores condições de
vida, mas também como um retorno para a terra natal perdida. Quintana acrescenta:
“Chicano/as herdaram uma história de colonialismo e imperialismo que os sujeita à
conquista, marginalização e dominação dentro de seus territórios nativos (do
sudoeste)”2. (Quintana: 1996, p. 16; grifo da autora). Chicanos têm, consequentemente,
uma relação peculiar e conflituosa com o espaço que ocupam. Mas Quintana vê um lado
positivo nessa condição: “esse dilema político inspirou uma miríade de mediações que
contribuem para uma rica variedade de interpretações culturais”. (Quintana: 1996, p.
16). Dentre essas interpretações culturais está a ficção de autoras chicanas
contemporâneas, tais como a de Helena María Viramontes.
Em sua ficção, Viramontes retrata a realidade dos chicanos, dando voz a
personagens até então silenciados pelo cânone anglo-americano. Muitas de suas
histórias se passam no bairro de East Los Angeles, onde a autora nasceu e cresceu. East
L.A. é um bairro pobre de Los Angeles, onde a quase totalidade da população é de
origem latino-americana. Embora se encontre em uma das cidades mais ricas dos EUA,
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o bairro tem estatísticas de países em desenvolvimento. Neste artigo, discutirei a
representação de East L.A. no segundo e mais recente romance de Viramontes, Their
Dogs Came with Them, publicado em 2007. O romance se passa em dois momentos
principais: o primeiro no início dos anos 1960, quando a maioria dos personagens é
ainda criança; já o segundo momento principal da narrativa se dá aproximadamente dez
anos depois, quando os personagens principais são adolescentes ou jovens adultos. Em
ambos os momentos o bairro é controlado pelo governo anglo-americano. O primeiro
momento é marcado pelo poder neocolonial, exercido através da construção das
freeways (vias expressas), que mudam a paisagem do bairro e as vidas tanto daqueles
que são despejados quanto daqueles que ficam. Já no segundo momento, o controle do
espaço assume a forma de poder disciplinar, através de uma quarentena contra a raiva
canina imposta na região.
O romance começa com Chavela, uma velha residente da First Street em East
L.A., arrumando as malas para se mudar. A menina Zumaya, Ermila, que vive do outro
lado da rua, observa Chavela etiquetando suas caixas em um inglês truncado, misturado
ao espanhol, enquanto escuta a história da velha mulher sobre o terremoto que destruiu
sua terra em sua juventude. A passagem termina com Chavela comparando o terremoto
que causou seu primeiro deslocamento às escavadeiras responsáveis por seu atual
deslocamento:
Preste atenção, Chavela ordenou. Porque deslocamentos sempre se
resumirão a duas coisas: terremotos e escavadeiras. A criança olhava
fixo para a fumaça do cigarro de Chavela subindo em espiral, tão
grossa e visível como a fumaça negra do escapamento das
escavadeiras pairando sobre o novo asfalto da First Street.
Agora vá para casa! A velha mulher disse abruptamente, encaixotando
um jogo de pratos enrolados em jornal. Pelo menos você tem uma.
(Viramontes: 2007, p. 8).
As escavadeiras mencionadas por Chavela e lembradas pela garota são aquelas
usadas para a construção das vias expressas do Complexo de East L.A. Elas se
tornariam parte da paisagem da vizinhança durante décadas, enquanto as vias expressas
eram construídas. De acordo com Los Angeles A to Z: An Encyclopedia of the City and
County, escrita por Leonard e Dale Pitt, o sistema de vias expressas, o qual consiste de
“vias de concreto, com quatro a seis pistas e sem cruzamentos” (Pitt: 2000, p. 158),
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“unificou e definiu a estrutura física da área de Los Angeles desde a década de 1960”.
(Pitt: 2000, p. 157). Desde a década de 1920, tinha se falado em criar um sistema de
vias expressas, mas apenas em 1947 a criação de um sistema completo se tornaria
possível, e a construção mais pesada, no entanto, só aconteceria nas décadas de 1960 e
70, quando a maioria das vias expressas planejadas originalmente estaria terminada.
Todavia, alguns dos planos originais jamais sairiam do papel graças à pressão do
público. As vias expressas nunca foram um consenso entre a opinião pública. (Pitt:
2000, p. 158-161). O Complexo de Vias Expressas de East Los Angeles é hoje o mais
movimentado não só na cidade, mas em todo o mundo. Seis diferentes caminhos se
formam pela interseção das Vias Expressas de Santa Mônica, Golden State, Pomona e
Hollywood. Por elas passam todos os dias mais de quinhentos mil veículos.
Considerado uma maravilha da engenharia à época de sua construção, o complexo de
East Los Angeles foi responsável pelo deslocamento de inúmeras famílias locais, que
tiveram que deixar suas casas da noite para o dia.
A personagem Chavela, por exemplo, não mais será vista no romance depois
daquela primeira cena, a não ser esporadicamente nas memórias de alguns personagens.
Felizmente, a casa dos avós de Ermila, onde a menina mora, fica do outro lado da rua, o
lado que ficou de pé, “o lado vivo da First Street” (Viramontes: 2007, p. 12), já que o
projeto da via expressa destruiria apenas as casas de um lado da rua. Entretanto, o
isolamento dos que ficam é claro. Ermila tem uma nova “vizinha” que ela vê da janela
de seu quarto: a via expressa. O capítulo dezessete, cujos acontecimentos se desenrolam
no segundo momento da narrativa, começa com uma descrição da paisagem
transformada:
Um perpétuo nevoeiro letárgico de fumaça pairava sobre as rotas da
via expressa. Divergência e convergência, seis vias expressas no
quintal de Ermila, bem em frente à janela do seu quarto, embora ela
raramente fizesse uso dos corredores delineados. Velocidade e
caminhões, vans, motocicletas, arrancadas explosivas, trailers e mais
carros, logo ali. Mas Ermila não conseguia, nem por um minuto,
imaginar aonde ir se não direto para a cama. (Viramontes: 2007, p.
313).
Esse pequeno trecho aponta para dois importantes aspectos. Em primeiro lugar, embora
a garota tenha que ver as seis vias expressas de sua janela todos os dias, ela raramente as
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usa, assim como a maioria dos habitantes de East L.A., que não possuem automóveis.
Além disso, pode-se ver mais uma dimensão da destruição causada pela construção das
vias expressas: ela destrói não apenas as vidas dos que partem e nunca mais são vistos
mas também daqueles que têm a “sorte” de ficar. Eles têm que conviver com o
“perpétuo nevoeiro letárgico de fumaça”, o qual prejudica tanto sua saúde quanto a
“saúde” do bairro.
O romance pinta um retrato perturbador do declínio do bairro e da deterioração
no comportamento de seus jovens, que se seguem à construção das vias expressas. No
segundo principal momento narrado no romance, dez anos após a construção das vias
expressas, vemos uma vizinhança muito mais empobrecida, dominada por gangues de
jovens. Alfonso, ou Big Al, namorado de Ermila, é o líder dos McBride Boys e Turtle é
parte da gangue. Eles se juntam na noite para dirigir pela vizinhança e marcar seu
território, pichando seus nomes nos muros. Os Lote Maravilla Homeboys são seus
inimigos. Na passagem a seguir, depois que Turtle deserta da gangue, ela vaga sozinha
pelas ruas e lê a escrita nos muros, como se lesse uma profecia:
Ela sabia ler, Turtle não era burra. Os riscos, assinaturas e emblemas
de novas gangues por cima das pichações dos McBrides nos muros da
ponte – tudo más notícias. A gangue do Lote M tinha desafiado os
McBride Boys para um confronto classe-A completo. [...]
Os vatos do Lote M falavam sério e gravavam grosseiramente por
cima das assinaturas caligráficas – Alfonso aka Big Al, sir santos,
Palo, Lucho Libre, Luis Lil Lizard, turtle, Mc Bride Boys Que
rifa. Perfurando novos conquistadores por cima dos antigos com um
martelo cego, as assinaturas que sobravam apagadas, cagadas, com
golpes de tinta spray vermelha que escorria. Manchetes atrevidas,
destemidas, Turtle pensava, olhando fixamente para o velho desenho
de um lagarto de Luis, um rascunho para sua tatuagem, agora apagado
por baixo das iniciais vermelhas da gangue do Lote M. Aquilo era
exatamente o que os vatos do Maravilla planejaram fazer na ponte,
enviar um anúncio de apagamento. (Viramontes: 2007, p. 217; grifo
da autora).
De acordo com Carole Boyce Davies na introdução de Black Women, Writing
and Identity, “[u]ma das jogadas finais dos conquistadores, depois da conquista, é a
divisão dos territórios, criando fronteiras artificiais e, assim, levando a uma luta
perpétua sobre o espaço e os lugares. Nesse contexto, invasões ganham um significado
complexo”. (Davies: 1994, p. 16). Tendo isso em mente, pode-se ler a construção das
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vias expressas como uma continuação da série de invasões sofrida pelo povo mexicano
desde o século anterior. No século XIX, o governo dos EUA criara uma fronteira
artificial ao invadir o México e deixar uma parte considerável de sua população no lado
agora norte-americano, tornando-os estrangeiros em seu próprio território. Por volta de
cem anos depois, os chicanos de East L.A. sofrem outra invasão, a qual expulsa parte de
sua população, redesenha a geografia do bairro e muda sua paisagem para sempre. Essa
leitura é reiterada pela afirmação de Alicia Arrizón e Lillian Manzor de que latinos nos
EUA “são tanto sujeitos pós-coloniais quanto neocoloniais: pós-colonialismo espanhol e
neocolonialismo norte-americano”. (Arrizón; Manzor: 2000, p. 12).
E em dez anos, se daria uma terceira invasão. O segundo momento narrativo do
romance é marcado por uma quarentena contra a raiva canina imposta na região. As
Autoridades da Quarentena, com o pretexto de caçar cães raivosos, implementam
barreiras nas ruas e seus helicópteros sobrevoam o bairro durante toda a noite. Eles têm
autorização para atirar em qualquer mamífero solto pelas ruas e para parar e exigir os
documentos de qualquer habitante. Assim como as escavadeiras dez anos antes, as
Autoridades da Quarentena invadem o bairro, mas, em vez de destruir sua paisagem,
implementam a vigilância da área vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana,
criando um exemplo perfeito da sociedade disciplinar descrita por Michel Foucault em
“A verdade e as formas jurídicas” (Foucault: 1994). Mesmo que não esteja sendo
vigiada o tempo todo, essa é a sensação que a população tem, de vigilância constante:
[Ermila e suas amigas] viviam dentro da área sombreada no mapa
impresso apenas em inglês e distribuído pela prefeitura. Da First
Street até a Boyle até a Whittier e de volta à Pacific Boulevard, as
barreiras impunham a quarentena para conter uma potencial epidemia
de raiva. No inicio de fevereiro, um panfleto distribuído pelo correio
dizia: Aumento do número de casos de raiva relatados na vizinhança
(ver área sombreada) forçaram os oficiais da Saúde a aprovar, por
tempo limitado, a observação aérea e a caça de mamíferos não
domesticados. Mamíferos sem coleira e/ou sem licença não serão
isentos. (Viramontes: 2007, p. 54; grifo da autora)
É importante ressaltar que a informação nos panfletos distribuídos para os
moradores notificando a quarentena é “impressa apenas em inglês”, a língua oficial, a
língua do governo, a qual muitos dos habitantes de East L.A. não compreendem;
entretanto, espera-se que eles sigam as instruções impressas. Além disso, o citado
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“aumento do número de casos de raiva relatados na vizinhança” aponta para o fato de
que os próprios vizinhos denunciam uns aos outros, mostrando que os hábitos da
sociedade de vigilância anglo-americana já invadem a comunidade chicana. Mas o que
é mais impressionante é que os panfletos falam de “mamíferos não domesticados” e não
de “cães não domesticados”, o que, aparentemente, autoriza a polícia a atirar em
qualquer ser andando pelas ruas depois de escurecer e automaticamente isenta os
oficiais de quaisquer “erros” cometidos, o que no desfecho do romance se mostrará
muito mais sério do que parece, depois que a polícia atira e mata Turtle e possivelmente
também Tranquilina.
Outra passagem mostra o poder da propaganda em ação: “o prefeito assinara o
folheto com uma assinatura tão espetacular que o Avô Zumaya julgara o homem
incapaz de ignorância ou injustiça. Trabalhemos juntos para manter nossas famílias e
nossa cidade segura, clamava o final da mensagem”. (Viramontes: 2007, p. 54).
Aqueles que se opõem aos helicópteros e barreiras não se opõem meramente ao controle
arbitrário de suas vidas por um governo e uma polícia que pouco fazem para realmente
ajudá-los; os panfletos transmitem a ideia de que eles se opõem à ordem e à saúde e são
a favor do caos e da doença. “Exceto por agitadores, o povo do bairro engoliu a
quarentena sem questionar. [...] Os próprios avós de Ermila estavam convencidos de
que o toque de recolher e os tiros e as Autoridades da Quarentena todos continham a
epidemia de raiva”. (Viramontes: 2007, p. 55).
Entretanto, Ermila e suas amigas percebem que as barreiras são mais um
mecanismo de opressão estabelecidas para controlá-las do que qualquer outra coisa:
“Em um tom de suspeita, o guarda examinava as amigas dos tênis aos brincos, estudava
suas identidades, longas pausas de desconfiança para enervá-las, para convencê-las de
alguma culpa”. (Viramontes: 2007, p. 55). Convencendo a população chicana de sua
periculosidade, as Autoridades da Quarentena ajudam na interiorização do sentimento
de inferioridade e desconfiança em relação ao seu povo e a si mesmos. Nesse contexto,
muitas das pessoas oprimidas acabam acreditando que merecem qualquer punição dada
a eles. Além disso, a associação do “outro” com o mal e com o demônio na tradição
puritana, herdada pela população anglo-americana, ajuda a explicar a desconfiança
associada à população chicana. Na verdade, pode-se especular se a quarentena não é
simplesmente uma desculpa para a polícia impor a ordem no bairro com a cooperação
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de parte de sua população, influenciada pelo medo levantado pela propaganda espelhada
pela prefeitura. Parece que, na verdade, não existe epidemia de raiva nenhuma – ao
menos, não há nenhum registro dela na narrativa. O fato de Ermila ser mordida por um
cachorro no meio do romance e não desenvolver nenhum sintoma corrobora essa
hipótese. Em uma época em que minorias ganhavam espaço e direitos nos EUA, na
trilha do movimento pelos direitos civis e outros movimentos de minorias, controlar
essas populações era de importância fundamental para as estratégias governamentais de
disciplina. Impedir a população de sair de casa depois das oito da noite parece uma
maneira bastante eficiente de impedir que as pessoas se encontrem depois do trabalho e
se organizem para lutar contra o governo. Fazer os vizinhos acreditarem na
periculosidade de outros vizinhos pode também ser uma excelente maneira de fazê-los
delatar seus pares.
Se considerarmos a origem de alguns oficiais das Autoridades da Quarentena, a
situação ganha um aspecto ainda mais perturbador. Em uma passagem, Ermila não
consegue chegar a sua própria casa, mas dessa vez ela está tão ansiosa para chegar que
decide desafiar os oficiais:
Ei, por que a demora? Ermila gritou. Nós queremos chegar em casa!
Os vizinhos que estavam na sua frente viraram-se de suas conversas
tranquilas porque ela falou alto, com petulância, uma agitadora
criando problema, e de repente eles tinham opiniões e sussurravam
entre si. [...] Um oficial troncudo andou até Ermila, ofegando e
rangendo, e os vizinhos seguiram o barulho com os olhos. Eles
inconscientemente se afastaram de Ermila. (Viramontes: 2007, p.
289).
Quando nos deparamos com o nome e a aparência do oficial que se aproxima de Ermila,
vemos que a situação de opressão é ainda mais complexa: “O oficial era um homem
envelhecido, com costeletas grisalhas e seu crachá dizia Ulysses Rodriguez. Ele tinha a
pele escura como a Avó, da cor do cacau”. (Viramontes: 2007, p. 289). Fica claro que o
oficial Rodriguez impõe a lei do “conquistador” à comunidade, embora ele mesmo seja
parte dela. Neste ponto, o título do romance ganha um novo significado. A princípio,
pode parecer que os cães do título são os cães raivosos sendo caçados pela quarentena,
mas quando percebemos a origem dos oficiais, vemos quem são realmente os cães.
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Para isso, é necessário voltar à epígrafe do romance, retirada de The Broken
Spears: The Aztec Account of the Conquest of Mexico, de Miguel Leon-Portilla, o qual
narra a invasão do México pelos espanhóis do ponto de vista de um nativo, e do qual é
retirado o título:
Eles vieram em formação de combate, como conquistadores, e a
poeira subia como um furacão nas estradas, suas lanças brilhavam ao
sol e suas flâmulas agitavam-se como morcegos. Eles faziam um alto
clamor ao marchar, pois suas cotas de malha e suas armas se batiam e
faziam um estrondo. Alguns estavam vestidos em ferro cintilante da
cabeça aos pés; eles aterrorizavam todos que os viam.
Seus cães vieram com eles, correndo à frente da coluna. Eles
levantavam alto seus focinhos; eles levantavam seus focinhos para o
vento. Eles corriam à frente com saliva pingando de suas mandíbulas.
(Viramontes: 2007, n/d).
Os cães do conquistador correm à frente de seus donos, protegendo-os orgulhosamente
com seus focinhos levantados. Sem a menor ideia do que realmente está acontecendo,
eles ajudam o conquistador a impor sua lei, assim como os oficiais chicanos, que
parecem até acreditar – ou fingem acreditar – que a quarentena é justificada.
Ermila finalmente consegue se livrar da barreira quando diz ao oficial
Rodriguez que está violando o toque de recolher porque estava fazendo hora extra na
loja de carros usados do Salas. O oficial imediatamente se lembra com nostalgia da loja
onde comprou seu primeiro carro e não acredita que Salas ainda tenha a loja. Seu tom
de voz muda completamente e ele diz a Ermila para seguir. Essa passagem mostra a
contradição entre ser parte da comunidade e simultaneamente impor sobre ela a lei do
“conquistador”. Enquanto os vizinhos são simplesmente rostos sem nome, parece fácil
para aqueles oficiais fazer seu trabalho, mas quando eles de alguma forma se envolvem
em suas vidas, mesmo que através de uma lembrança, eles parecem amolecer e se tornar
parte da comunidade novamente, expondo, assim, uma falha nas estratégias de controle
e disciplina.
Por fim, embora os dois momentos narrativos discutidos nesta comunicação
pareçam ser, à primeira vista, fatos totalmente isolados que por acaso ocorreram na
mesma vizinhança, eles estão, na verdade, intimamente ligados. Essa ligação é, de fato,
sugerida pelo próprio narrador bem no início do romance: “O barulho das hélices do
helicóptero acima da rede elétrica aumenta em intensidade, mais alto e mais perto e
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mais perto e mais alto, assim como os incessantes motores das escavadeiras dez anos
antes quando a jovem mulher [Ermila] era uma criança”. (Viramontes: 2007, p. 13).
Mas a ligação entre esses dois momentos vai bem além do barulho produzido: ambos
são momentos nos quais o governo anglo-americano exerce sua opressão sobre a
comunidade chicana em East Los Angeles.
REFERÊNCIAS:
ACUÑA, Rodolfo. Occupied America: A History of Chicanos. 3rd ed. New York:
Harper Collins, 1988.
ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: The New Mestiza. San Francisco:
Aunt Lute Books, 1999.
ARRIZÓN, Alicia; MANZOR, Lillian. “Introduction”. In: ______. Latinas on Stage.
Berkeley: Third Woman Press, 2000. p. 10-20.
DAVIES, Carol Boyce. “Introduction: Migratory Subjectivies: Black Women’s writing
and the re-negotiation of identities”. In: ______. Black Women, Writing and Identity:
Migrations of the subject. London/New York: Routledge, 1994. p. 1-37.
FOUCAULT, Michel. La verité et les formes juridiques. In. ______. Dits et Ecrits
1954-1988 Tome II 1970-1975. Paris: Gallimard, 1994. p. 538-646.
PITT, Leonard; Dale. Los Angeles A to Z: An Encyclopedia of the City and County.
Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2000. 600 p.
QUINTANA, Alvina. “Politics, Representation, and emergence of Chicana Aesthetics”.
In: ______. Home Girls: Chicana Literary Voices. Philadelphia: Temple University
Press, 1996, p. 15-29.
49
VIRAMONTES, Helena María. Their Dogs Came with Them. New York: Atria, 2007.
336 p.
1
2
A questão da identificação com o termo “chicano” é uma questão política para os norte-americanos de
ascendência mexicana. Em geral, aqueles que têm um comportamento apolítico preferem ser chamados
“hispânicos”, enquanto aqueles que são ativos na luta pela igualdade na sociedade norte-americana se
identificam como “chicanos”. O termo “chicano”, usado primeiramente pela população anglo-americana
com uma conotação negativa, foi apropriado pelo movimento chicano da década de 1960 e ganhou uma
conotação positiva, passando a designar os mexicano-americanos politicamente conscientes, que lutam
pelos direitos de seu povo. (Anzaldúa: 1999, p. 84-5). Já o termo “hispânico” representa uma
conveniência para aqueles que querem a aceitação da maioria, como uma embalagem para torná-los um
produto mais atraente. (Acuña: 1988, p. x).
Minha tradução, assim como as demais no decorrer no texto cujo original seja em inglês.
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