Revista da Escola de Música da UEMG
Ano V - n. 7 - Novembro 2010
1
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7
ISSN: 1679-9003
Publicação da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG
Campus de Belo Horizonte
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Museu da Inconfidência - Ouro Preto, Minas Gerais
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UFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais
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UFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais
Paulo Henrique Campos Silva
UEMG - Belo Horizonte, Minas Gerais
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USP - São Paulo
Rodrigo Miranda de Queiroz
UCONN - Storrs Mansfield, Connecticut, USA
Modus : revista da Escola de Música da UEMG / Universidade
do Estado de Minas Gerais – Ano 5, n. 7, (novembro 2010) –
Barbacena MG : EdUEMG, 2008.
82 p.
Semestral.
ISSN 1679-9003.
1. Música – Periódicos. I. Universidade do Estado de Minas
Gerais. II. Título.
CDU: 78
Elaborada por: Marcos Antônio de Melo Silva - Bibliotecário CRB/6: 2461
2
ISSN: 1679-9003
Revista da Escola de Música da UEMG
Ano V - n. 7 - Novembro 2010
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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7
ISSN: 1679-9003
Editor responsável
José Antônio Baêta Zille
UNIVERSIDADE DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Capa e Projeto gráfico
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Tiragem: 400 exemplares
Revista semestral
Linha editorial
A revista MODUS é uma publicação semestral
editada pelo Centro de Pesquisas da Escola de
Música da UEMG com o propósito de estimular
a reflexão e a atuação crítica em contextos culturais
diversos. Procura ser um agente catalisador do
desenvolvimento da produção e do intercâmbio
de conhecimentos relacionados à música. Dentro
dessa perspectiva, abrange a produção de cunho
científico, teórico ou histórico, que envolve a
musicologia e as áreas que colocam a música, direta
ou indiretamente, frente à educação, tecnologia,
performance e outros sistemas de linguagem.
SUMÁRIO
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9
editorial
A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
Domingos Sávio Lins Brandão, Raissa Anastásia de Souza Melo
31
ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DO
CAVALO MARINHO PERNAMBUCANO
45
O USO DO PÍFARO INDUSTRIALIZADO NA
INICIAÇÃO DE CRIANÇAS À FLAUTA TRANSVERSAL
53
ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
67
ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DE
AQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES
77
Juliana Macedo Carneiro, Moacyr Laterza Filho
Alberto Sampaio
Fernando Macedo Rodrigues
Cristina de Souza Gusmão, Roberta Bahia Pereira, Luciana Lemos de
Azevedo, Maria Emilia Oliveira Maia
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
MODUS
EDITORIAL
Nos últimos dez anos, o ensino e a pesquisa em música, assim como as práticas
relacionadas a ela, evoluíram significadamente no Brasil. No âmbito do ensino,
as escolas de música cresceram e multiplicaram-se. Naturalmente, quantidade
e qualidade não caminharam no mesmo ritmo. Temos hoje, em nosso país, um
quadro multifacetado no qual núcleos de excelência se misturam a escolas de caráter
duvidoso, escolas pseudomodernas – com uso de ferramental tecnológico, mas com
metodologias ultrapassadas – e ainda, aquelas guardiãs do retrocesso – nas quais
as ementas dos programas mantêm inalteradas há décadas, ignorando qualquer
possibilidade de renovação.
Já no campo da pesquisa, nossa comunidade também experimenta notável
crescimento. Acompanhando os eventos anuais da Associação Brasileira de Educação
Musical (ABEM) tem-se um bom retrato do desenvolvimento dessa área. Porém,
todo esse vigor vem junto com alguns efeitos colaterais. Muitas escolas, para atender
às pressões institucionais, têm se desviado de seus principais objetivos. Além disso,
em meio à diversidade, sem dúvida saudável, prolifera a produção de irrelevâncias
que, em certa medida, isola a escola que se volta para si mesma, despreocupada com
a construção coletiva do conhecimento.
Não são, portanto, poucos os desafios de uma revista acadêmica como a Modus.
Devemos lidar com esse contexto positivo de desenvolvimento, porém, marcado por
paradoxos e ambiguidades. Ao fomentar a produção acadêmica, devemos encorajar
a reflexão crítica. Ao disseminá-la, devemos abrir espaço para temas pertinentes e
provocativos. Sob essa perspectiva última e certos da importância da construção
coletiva do saber, procuramos apresentar artigos que, enquanto apresentam
conhecimentos renovadores, o faz na esperança de instigar uma reflexão constante
e construtiva.
Domingos Sávio Lins Brandão e Raissa Anastásia Souza Melo nos remetem à Minas
Colonial do século XVIII para analisar o processo de transformação da organização
social dos músicos e as condições de produção, distribuição e consumo da música
daquele período. Segundo os autores, isso permitiu o surgimento de um conjunto
estilístico musical ímpar.
Juliana Macedo Carneiro e Moacyr Laterza Filho investigam os elementos formais,
cênicos e musicais do tradicional folguedo popular nordestino, “Cavalo Marinho”.
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MODUS
Para tal, analisam, de forma mais atenta, como a música e os elementos cênicos
dialogam entre si ao mesmo tempo em que buscam identificar as contribuições que
a músicas traz para a evolução da textura cênica do folguedo.
Alberto Sampaio busca demonstrar que o pífaro possui características que facilitam
o aprendizado inicial dos principais aspectos técnicos da flauta e, portanto, pode ser
usado com crianças nos estágios iniciais da aprendizagem da flauta transversal.
Fernando Macedo Rodrigues aborda a aprendizagem do violão desenvolvida
exclusivamente fora do ambiente formal de ensino musical. Para tal, o autor descreve
o processo de aprendizagem inicial autônomo utilizado pelos participantes de um
projeto patrocinado pela Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte em 2006.
O grupo de pesquisadoras Cristina de Souza Gusmão, Roberta Bahia Pereira,
Luciana Lemos de Azevedo e Maria Emilia Oliveira Maia apresenta o resultado de
uma pesquisa que procurou verificar a validade de um tempo apropriado para o
aquecimento vocal para cantores que atuam no universo do canto popular.
A Modus, como sempre, agradece ao seu valioso conselho editorial e, naturalmente,
aos colaboradores deste número. Esperamos sempre contar com suas participações,
bem como de todos que possam e queiram contribuir para que a Modus continue a
atingir seus objetivos.
José Antônio Baêta Zille
Editor
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Novembro de 2010
A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
Domingos Sávio Lins Brandão
Mestre em Sociologia e doutorando em História pela Universidade Federal de Minas
Gerias (UFMG), professor de História da Música, Estética da Música, Flauta Doce
e Musicologia na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG), coordenador do Núcleo de Acervos do Centro de Pesquisa e Diretor
do Festivitas - Grupo de Música Antiga da mesma escola. Em 2009 recebeu a
homenagem de Personalidade da Música Antiga em Minas Gerais,
na II Semana de Música Antiga da UFMG.
[email protected]
Raissa Anastásia de Souza Melo
Bacharel em Música com habilitação em flauta transversal pela Escola de Música da
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), mestre em Música pela Universidade
Federal de Minas Gerias (UFMG) e professora de História da Música Brasileira no
Departamento de Artes da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
[email protected]
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar o
processo de transformação da organização social dos
músicos em Minas Colonial durante o século XVIII,
bem como as condições de produção, distribuição
e consumo da música e o relacionamento dessas
condições com as “formas abertas do barroco”, que
prevaleceram em Minas e permitiram o surgimento de
um conjunto estilístico musical sui generis, homólogo
aos vários gostos de uma sociedade multifacetada.
Palavras-chave: Música colonial mineira; barroco;
campo artístico.
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 9-30
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A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
MODUS
Introdução
Em nossos estudos sobre música e sociedade em Minas Colonial, constatamos que
uma variedade de “gostos musicais” estiveram aqui “reunidos” (BRANDÃO, 2000).
Ao analisar as obras dos músicos mineiros setecentistas, verificamos que numa
sociedade barroca de formas abertas (THEODORO,1992,1997) e socialmente
multifacetada como a mineira do século XVIII, diversos tipos de sensibilidades
musicais foram suscitados. Para a nossa terra não foram transplantados apenas
modelos de uma arte sacra barroca e pré-clássica. Mas, além disso, modelos que
remontam ao arcaico moteto renascentista e à construção de uma concepção mineira
ao gosto da tradição de cantilenas religiosas, cantadas pelos fiéis ainda hoje, e obras
que revelam “não-observâncias” aos cânones musicais setecentistas europeus.
Tais evidências – especialmente as “não-observâncias” – se encontram presentes, por
exemplo, em diversas obras do compositor Manoel Dias de Oliveira e na Sonata
n.º 2 - batizada de Sabará - composta para teclado, a única do gênero do período
colonial brasileiro encontrada até a presente data e que em seus três movimentos
apresenta vários “gostos reunidos”, como o rococó, o clássico e o pré-romântico,
com claras alusões ao sturn and drang. Como exemplo do gosto arcaico, citamos as
obras reunidas no chamado “Manuscrito de Piranga”, que pertence ao Acervo do
Maestro Chico Aniceto, que hoje se encontra sob a guarda do Centro de Pesquisa da
Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Trata-se de
um manuscrito do início do século XVIII e que se encontra atualmente em fase de
editoração para publicação em um futuro próximo.
Enfim, por caminhos diversificados, encontramos um verdadeiro conjunto estilístico
musical sui generis, homólogo aos vários gostos de uma sociedade multifacetada e de
uma organização social de músicos que pouco tinha do sistema de corporação de
ofício, ainda predominante em várias regiões da Europa.
A atividade musical passou por processos de transformações em direção à formação
de “campo artístico” desde os primórdios da formação dos núcleos urbanos em Minas
no século XVIII. Considerando que “as práticas musicais devem ser entendidas como
práticas artísticas e culturais, como manifestação de uma determinada sociedade,
como um dispositivo agregado e funcional em seu tempo histórico” (MONTEIRO,
2010, p. 79), propomos ampliar, para três momentos, a periodização estabelecida
por Curt Lange em seu clássico texto “A música barroca” (1985). A atividade dos
músicos em Minas Colonial, primeiro momento: Período de formação (1700 1750), um segundo, período de transição (1750 - 1760), e um terceiro, período de
consolidação e formação do campo artístico (1760 - 1810).
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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 9-30
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Domingos Sávio Lins Brandão,
Raissa Anastásia de Souza Melo
Período de formação (1700 - 1750)
O primeiro período já se manifestava durante a ocupação inorgânica da região das
minas pela população ávida de riqueza. A música aparece então como um importante
elemento de coesão social. Fazemos uso do trabalho do historiador Geraldo Dutra de
Moraes, que encontrou documentos preciosos no Arquivo do Conselho Ultramarino
(MORAES, 1975). Mesmo lamentando a falta de minúcias quanto a sua citação
documental, aproveitamos sua pesquisa para revelar dados importantes, relativos ao
período inicial de povoamento de Minas1. Segundo um dos documentos estudados
por ele, Frei Francisco de Monte Alverne, em 1720, deixa seu testemunho sobre os
cânticos religiosos e profanos entoados durante a áspera jornada e observações sobre
os instrumentos musicais, agrupamentos de músicos e cantores.
Ouvia-se, à noite, o canto sentimental e sofrido dos menestréis,
acompanhados dos acordes de suas violas e saltérios
extravasando em versos improvisados, de contexto amoroso
e telúrico. [...] As sessões musicais se repetiam durante o
transcorrer da longa e exaustiva viagem, proporcionando, aos
conjuntos, prática e melhor harmonia instrumental [...]. Da
convivência cotidiana dos componentes, surgia uma amizade
e comunhão de propósitos, a ponto de músicos adventícios
jamais se separarem, dirigindo-se e instalando-se no mesmo
núcleo do povoamento (MORAES, 1975, p. 8-10).
No mesmo documento, também está registrada a presença da música dos escravos,
que “entoavam também melancólicas cantigas, em consonâncias bárbaras do dialeto
banto. Invocavam a proteção de seus orixás, através de danças e volteios de caxambu,
acompanhados do chocalhar e batidas compassadas dos pés” (MORAES, 1975, p.10).
A narrativa acima chama a nossa atenção para importantes aspectos históricomusicais, pois observamos, em meio à turba, não só a presença da música religiosa
erudita europeia e da música popular tocada na viola, mas também da música de
origem africana. Em meio àquela multidão heterogênea, não somente os músicos e
os cantores já desempenhavam funções essenciais, mas também diversos membros
do grupo, em sua incerta aventura: seja executando em suas violas versos profanos
improvisados; seja executando composições mais elaboradas em grupo, dirigindo ou
sendo dirigidos por um regente, seja, no caso dos negros, executando suas cantigas
acompanhadas de instrumentos de percussão.
1 Curt Lange, por esta deficiência de Geraldo Dutra, chega a qualificar as descobertas do mesmo como “livre fantasia”
em artigo publicado no jornal Estado de Minas. LANGE, C. Minhas viagens pela música colonial mineira. Estado de
Minas, Belo Horizonte, 15 de ago. 1979. Caderno de Cultura, p. 8.
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A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
MODUS
Aqui, a arte dos sons também se configura como um emblema cultural, funcionando
como um instrumento de solidariedades grupais, ou melhor, de coesão social. Uma
solidariedade mais estreita, pois a música, com seu incrível poder de presença,
possibilita uma intercomunicação entre os indivíduos, como se levasse a uma “fusão
parcial das consciências”, podendo agir, dessa forma, como um amálgama social.
As observações de Durkheim sintetizam a ação da arte ordenada num processo de
exaltação coletiva.
Sem dúvida, como um sentimento coletivo não pode
exprimir-se coletivamente senão com a condição de observar
certa ordem que permita o concerto e os movimentos de
conjunto, esses gestos e esses gritos tendem por si próprios
a se ritmar e a se regularizar; daí, os cantos e as danças
(DURKHEIM, 1989, p. 271).
Em outras palavras, poderíamos chamar esse primeiro momento de um tipo de
“emoção estética”, é um momento contagioso, no qual o gozo interior é tão intenso
que um indivíduo não pode guardá-lo apenas para si, sentindo a necessidade de
compartilhá-lo, comunicá-lo, senti-lo em comum. Ainda mais em se tratando da
música, que apela para um “tempo psicológico”, se dirige ao tempo fisiológico e até
visceral, ou seja, para um total envolvimento psicofisiológico do ouvinte (LEVISTRAUSS, 1991, p. 25). Por isso mesmo, a emoção estética musical é criadora
de solidariedade. Principalmente nesse momento, quando então os indivíduos se
encontram numa terra estranha, isolados de suas normas e sanções sociais, a música
vem evocar-lhes os seus vínculos culturais.
Naturalmente, essa música também se reveste dum aspecto de festa e diversão, bem
dentro do espírito barroco que se instalou em Minas, aquele das formas abertas,
que permite múltiplas manifestações culturais paradoxais e institui verdades em
diferentes planos. É o Barroco que Roberto da Matta considera como possuidor da
seguinte característica:
da capacidade de relacionar (ou pretender ligar com força,
sugestividade e inigualável desejo) o alto com o baixo; o
céu com a terra; o santo com o pecador; o interior com o
exterior; o fraco com o poderoso; o humano com o divino
e o passado com o presente [...] (DA MATA, 1991, p. 16).
Esse espetáculo de múltiplas manifestações, marcado pelo pluralismo cultural
e observado nos inícios do povoamento marcará o modus-vivendi do Barroco
“instituído” em Minas por todo o século XVIII.
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Domingos Sávio Lins Brandão,
Raissa Anastásia de Souza Melo
Salientamos também que, há 200 anos, a execução de uma peça musical era um
momento de grande expectativa, pois a sua existência se dava num momento
único em que o músico a interpretava, conferindo-lhe uma extrema efemeridade
e conseguindo mobilizar a atenção de todos os interessados. Para nós que hoje
“respiramos” música, é difícil compreender a força cultural aglutinadora de uma
execução musical ao vivo num ambiente aparentemente hostil. Como bem observou
Harnoncourt sobre a função da música em nossos dias, “hoje ela [a música] se tornou
um simples ornamento que permite preencher noites vazias [...], ou quando ficamos
em casa, com a ajuda de aparelhos de som, espantar ou enriquecer o silêncio criado
pela solidão” (HARNONCOURT, 1988, p. 13). Nossos antepassados consagravam
todas as suas forças e todo o seu amor, como também suas riquezas, para construir
o templo de sua devoção. Davam muito mais atenção a um instrumento musical
ou cerimonial com música do que ao seu próprio conforto. Isso é bem ilustrado
pela compra de um órgão em Sabará, em 1775, pela Irmandade do Carmo, por
“trezentos mil réis” (LANGE, 1965), ou seja, não foram poupados enormes esforços
pelos irmãos para levantar a quantia necessária para a compra do instrumento,
“simplesmente”, com o objetivo de abrilhantar o ritual.
Numa sociedade assim, o campo de atuação profissional para o músico era
abundante, pois a música era indispensável, como respirar. Muito diferentemente
de nossa percepção atual, ela era bem fruída de diversas formas. Principalmente a
música religiosa, estando inserida no aparato barroco, tornava-se aquele momento
supremo de suspensão de rotina:
[...] aquilo que agrada mesmo e entra pelos olhos e até pelos
narizes e pelos ouvidos, é o vulto ostentoso dos templos
barrocos, é o aparato e a graça dos altares, é a riqueza e a
arte impressiva das imagens, é o brilho e a cor das alfaias, é
o cheiro capitoso e ascético dos incensos, dos círios acesos,
das flores e dos ramos benzidos, é a solenidade e a elegância
dos gestos litúrgicos do altar, é a pompa e a ocorrência
dos triunfos e das procissões, e acaba sendo uma excelente
música nativa [...] (CARRATO, 1968, p. 29).
Era, na verdade, um espetáculo, aquilo que nasce e perece no momento de sua execução.
Voltemos aos primórdios da atividade musical. Nos templos, ainda em fase de
construção, quando nem mesmo havia o altar-mor ou as laterais, a música já era
uma condição previamente requerida. Nunca é demais evocar a vista do governador
Dom Pedro de Almeida à São João del-Rei em 1717. Um texto de Samuel Soares
de Almeida, conservado em arquivo sanjoanense (NEVES, 1987, p. 16), relata com
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A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
MODUS
detalhes a recepção oferecida pelo Senado da Câmara ao governador. A marcha da
comitiva, desde a entrada da vila até a igreja matriz, foi regada “ao som de uma
música organizada pelo Mestre Antonio do Carmo” e, na igreja, foi entoado o “Te
deum” solene a dois coros.
Em Vila Rica, a chegada do Conde Assumar mereceu também do capitão-mor
Henrique Lopes a compra de três negros “charameleyros”, que custaram quatro mil
cruzados, e sua agregação ao conjunto já existente, no qual se vestiam ricamente.
Em Prados, em 26 de setembro de 1716, “se fez a festa do glorioso San Miguel, de
meio dia, de forma do termo em frente ao coal fez de custo o que se segue: [...]; a
música se deo 43 oytavas de oiros; [...]” (CAMPOS FILHO, 1989, p. 621). Em
Sabará, o historiador Zoroastro Viana Passos faz referência à festa do Divino e à
festa do Espírito Santo, em1711, com a presença da “banda de música” e danças
(REZENDE, 1989, p. 632). Em Vila Rica, os livros de receitas e despesas do Senado
da Câmara, já em 1721, informam a contratação de Bernardo Antônio como
responsável pela música daquele ano (LANGE, 1966, p. 17). Já nos primeiros livros
de receita e despesas das Irmandades e nos livros de acórdão do Senado da Câmara,
de 1715-1716 e 1720, aparece um número apreciável de cantores e instrumentistas
nas diversas festas (LANGE, 1966, p. 9).
A atividade musical era livre desde os primeiros tempos. As companhias de músicos, os
regentes compositores e seus companheiros ou mesmo um músico individualmente,
como no caso dos organistas, desempenhavam seus ofícios de acordo com as
flutuações e necessidades sociais. Atuavam para as Irmandades Religiosas e para os
Senados das Câmaras. No caso destes, os serviços de música eram outorgados por
um convênio chamado de obrigação, que era um tratado direto entre o senado e o
diretor do grupo musical. É provável que entre os músicos e as irmandades também
se estabelecesse uma “obrigação”. Quanto ao músico individual, era assinado entre
eles e a irmandade, um contrato, como no caso dos organistas.
É muito provável que a “poética musical” também fosse livre. A não existência de
ordens religiosas em Minas, a distância das terras lusitanas e as “formas abertas” do
barroco possibilitaram tal liberdade não somente referente às letras das composições
musicais, mas também das “solfas”, conforme observaram os prelados que aqui
estiveram na primeira metade do século.
Pois bem, o bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei Antônio de Guadalupe, em visita
pastoral a Minas, em 1726, ficou surpreendido com o “Te deum” cantado na matriz
do Pilar, referindo-se à qualidade e perfeição comparáveis à música da metrópole. Ao
mesmo tempo, o prelado inquietou-se com a licenciosidade de certas programações,
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Domingos Sávio Lins Brandão,
Raissa Anastásia de Souza Melo
mandando uma carta queixa a El Rei, em que se referia aos aspectos “profanos e
indecentes” presente não só nas encenações de comédias e óperas, mas também no
texto e na música utilizada nas festividades religiosas. Além do mais, perguntava
o sacerdote que “contraponto sensualista” é esse dos “compositores sem escola”?
(MONTEIRO, 2006, p. 7). O bispo, diante dessa situação, nomeia em cada
comarca um “vedor”, designado como “mestre de capela”, que por tal função recebia
um salário anual (LANGE, 1966, p. 9). O mesmo acontece em 1743, quando o
bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz, em visita a Minas, numa pastoral
datada de 20 de abril, adverte os fiéis contra o excesso de festas e comédias (ÁVILA,
1978). Em Conceição do Mato Dentro, em sua segunda visita a Minas, 1745, o
mesmo bispo proíbe, sob pena de excomunhão, “comédias, óperas, bailes, máscaras,
touros ou entremesses” (ÁVILA, 1978, p. 29).
Infelizmente, não possuímos nenhuma documentação que revele o que eram tais
excessos. Porém, se tomarmos por base as descrições de festejos religiosos na Bahia,
na mesma época, é possível que entendamos melhor as preocupações dos prelados.
Um viajante francês, La Gentil, descreve os festejos natalinos numa igreja da Bahia,
onde “um grupo de jovens freiras, numa tribuna, cantou canções jocosas com
acompanhamento de harpas e tamborins numa balbúrdia extremamente cômica,
durante a qual as religiosas abandonaram-se a uma dança frenética” (CACCIAGLIA,
1986, p. 20). Tais atos ainda foram seguidos por um relatório de uma das freiras
sobre as aventuras galantes dos oficiais da corte do vice-rei (CACCIAGLIA, 1986, p.
20). O mesmo francês, numa festa de São Gonçalo do Amarante, em 4 de fevereiro
do ano seguinte, descreve que, ao redor da igreja, “um grupo de bailarinos dançava
freneticamente, ao som de vários instrumentos” (CACCIAGLIA, 1986, p. 20).
Segundo ele, na chegada do vice-rei, os sacerdotes, escravos e demais gritavam a
todo pulmão “Viva São Gonçalo” e, ainda, dentro do próprio templo, havia danças
frenéticas e diversões em que uns jogavam pequenas estátuas de santo nos outros,
além de, em volta da igreja, terem sido levantadas várias tendas cheias de mulheres
com costumes fáceis (CACCIAGLIA, 1986).
Claro que a música e as festividades em Minas não sofreram abalos significativos
com a ação dos prelados no tocante à organização musical. O próprio Senado da
Câmara de Vila Rica, em 1728, incentiva a participação das irmandades nas festas
de São João, “com bandeiras, músicas e danças na forma de costume” (MORAES,
1975, p. 19). O Áureo Trono Episcopal nos mostra que a folia andava à solta.
Nas Devassas do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, são vários os
processos que tentavam coibir os excessos nas festas religiosas e nos saraus. Dentre
vários, podemos citar, por exemplo, uma festa do Divino em Ouro Preto, no ano
de 1738, quando vários padres seculares, moradores daquela cidade, andavam num
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 9-30
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A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
MODUS
carro “tocando violas e, entre eles, uma negra chamada Vivência, cantando vestida
de homem. Vivência cantava o ‘arromba’ e outras modas da terra, as mais desonestas”
(MELLO; SOUSA, 2004, p. 228).
O próprio Estado não só permitia tais manifestações como também as estimulava,
pois a festa barroca, em várias partes da Europa, é a arte da corte. Leoni afirma que:
A música era um dos elementos que constituíam o arsenal
de representações do Antigo Regime. Nas sociedades de
corte européias, a música foi elemento obrigatório nas
manifestações organizadas para engrandecer e mostrar
maior triunfo do soberano quando de suas aparições
públicas. Em Portugal, o poder da Igreja misturado ao
poder secular do monarca através do Padroado também se
valia dos mesmos artifícios no rito católico. Apesar de não
se comparar em suntuosidade com as demais cortes da
Europa, a corte portuguesa seguia o modelo continental
dessas representações. Nas celebrações a presença do corpo
místico do rei era assinalada através da música, mesmo em
terras distantes (LEONI, 2007, p. 9, grifo nosso).
Porém, acrescentamos que em Minas Colonial, as manifestações do Antigo Regime
assumem uma coloração reconceptualizada. Essa reconceptualização se manifesta
nas festas ruidosas, quando as manifestações de alegria tendem a transgredir o decoro
do catolicismo tridentino e a diminuir a tensão da organização da sociedade mineira,
pois todos caíam na “folia”. Não se tratava de uma inversão da ordem, mas de um
tensionamento da ordem, necessário para a própria manutenção da organização
social existente em Minas. O “espírito” barroco era perfeitamente compatível com
as múltiplas manifestações que aqui, no nosso caso, se expressavam nas festas seja
através da música religiosa, tendo como matriz a estética europeia resignificada, que
se configurava através de um “contraponto sensualista de compositores sem escola”
(CARRATO, 1965, p. 124), seja através de modas de viola ou dos batuques de
origem africana: “o Barroco é um jogo, como transgressão consentida e vigiada. Ele
transgride toda a intenção (canônica) mas sabe-se até quando e porque transgride”
(NEVES, 1986, p. 69). Ainda mais que,
no Brasil colonial, particularmente, a articulação de culturas
fez surgir características próprias, em ocasiões e espaços
de audiências também característicos; reorganizou formas
de relacionamento profissional e diletante e, sobretudo,
formou uma coletividade de ouvintes/espectadores singular
(MONTEIRO, 2010, p. 80).
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Período de transição (1750 - 1760)
A segunda fase tem seu início quando o primeiro bispo de Mariana, Dom Frei
Manoel da Cruz, tenta fazer cumprir as determinações de seu antecessor Dom
Antônio de Guadalupe, logo após sua posse. Conforme comenta o monsenhor
Cônego Trindade, “Fuão Messias, Mestre de Capela em Vila Rica, punha nas igrejas
músicas teatrais, profanas, em que nada havia de sacro” (BRANDÃO, 1993, p. 99).
O piedoso bispo da Ordem de São Bernardo encontrou diversas dificuldades para
impor suas ordenações, não só com relação aos músicos, mas também com relação
ao próprio cabido, considerando-se a devassidão dos costumes do clero.
A esse respeito, vale registrar a documentação da Inquisição de Lisboa, Arquivo
Nacional – Torre do Tombo – sobre as práticas de sodomia entre o clero e os
músicos. Um dos documentos, de 1747, registra a acusação contra o padre José
Ribeiro Dias, de que ele mantinha “atos desonestos de molícia e atos nefandos
sodomíticos” (BRANDÃO, 1993, p. 99) com os músicos Carlos de São Caetano,
Manoel Ramos, harpista, pardo forro, Francisco Messias, João Alves de Vila Rica e
João Boquinha, rabequistas (BRANDÃO, 1993, p. 99).
Ainda sobre a inquisição, vale à pena apresentarmos as informações que gentilmente
nos foram enviadas pelo citado antropólogo, extraídas de um documento datado
de 1749, tendo em vista sua raridade e o fato de tratar-se do músico Antônio do
Carmo2, um dos primeiros a aparecer nas documentações sobre a música mineira
colonial: “Perante o Comissário do Santo Ofício de Mariana, Pe. Félix Simões
de Páscoa, aparece o músico Antônio do Carmo, natural da Ilha Terceira, Açores
(BRANDÃO, 1993, p. 99). “Para desencargo de sua consciência”, confessou que
pecara sodomiticamente, agente e “pacienta”, com diversos rapazes. Ele revela ainda
que em dezembro de 1747, na festa de São José dos Pardos, em Congonhas do
Campo,
se deitara na cama com outros músicos rapazes, por muitas
vezes, e com eles estava com brincos desonestos, fazendo
pulsões nas mãos dos ditos rapazes, e outras vezes por entre as
pernas, e eram os seguintes músicos: João Antunes, mulatinho;
Filipe Nunes3, pardo, filho de Domingos João Antunes;
Tomás Espírito Santo, ajudante do Tenente, que principiava a
2 Antônio do Carmo é um dos primeiros músicos citados nos antigos documentos como responsável pela música oficial de
um evento. Em 1717, ele foi responsável pela música de cortejo de recepção ao Conde de Assumar em sua visita à São João
del-Rei. Entre os anos de 1738 e 1752, ele atuou para diversas Irmandades de Vila Rica. No ano de 1749, ele aparece diante
da Inquisição para confessar atos sodomíticos, de onde sua procedência é revelada: Ilha Terceira, Açores.
3 Esse músico aparece, esporadicamente, como rabequista no rol de músico do Senado da Câmara de Vila Rica entre os
anos de 1762 e 1778.
4 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 20º Caderno do Nefando, fl. 89, 1749, Liv 145. Torre do Tombo,
Lisboa, Portugal
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ser paciente. [...] e que todas as vezes estava esquentado com
aguardente e com pitar4 (BRANDÃO, 1993, p. 99-100).
Voltando às resoluções do bispo sobre a prática musical nos templos, no Códice
das Provisões da Diocese da Mariana, há a designação dos responsáveis pela música:
mestre de capela, padre Gregório dos Reis Melo; organista, padre Manoel da Costa;
chantre, padre Alexandre Nunes (cantor-mor). Dom Frei Manuel da Cruz, inclusive,
em 13 de maio de 1751, dirige-se a El-Rei, em carta, com a mesma queixa de seu
antecessor: achava muita profanidade e indecência nas peças musicais e avisava que
os papéis de música seriam examinados para serem executados.
Dou conta a Vossa majestade, que meu predecessor dom
frei Antônio de Guadalupe, que Deus haja, vindo visitar
pessoalmente esta Capitania das minas, achou nas músicas
que se cantavam nas festividades da igreja tanta profanidade,
e indecência tanto nas letras, como na solfa por serem quase
todos os músicos homens pardos ordinariamente viciosos
[...] proibiu com graves penas aos mestres da capela, não
levassem coisa alguma pelas tais licenças [...]; para evitar
porém as profanidades, e indecência da música mandou
por uma provisão, que não cantassem papéis alguns de
música nas igrejas, e capelas sem serem revistos assim no
latim, como nas letras, e solfa em observância ao Concílio
Tridentino, determinando em cada comarca um revedor,
que vulgarmente se chama mestre da capela (LEONI, 2008,
p. 305-306).
Os músicos, entretanto, não se conformavam com as intervenções do bispo. Sob a
liderança do regente Francisco Meixa, levanta-se a oposição à revisão da música pelos
vedores. E dom Frei Manoel da Cruz afirma:
Este regimento se observou em todo este bispado desde então
até o presente, que haverá mais de vinte anos sem contradição
alguma dos músicos, e só agora em Vila Rica Francisco Mexia
solteiro, e homem pardo, mal procedido e revoltoso, recusas
mandar rever os seus papéis desprezando o determinado
no regimento, e as minhas ordens, que são as mesmas que
expediram os meus antecessores, para observância do tal
regimento [...] (LEONI, 2008, p.306; LANGE, 1966).
Tanto a “letra como as solfas” eram consideradas inadequadas para os serviços
religiosos. Dom Manuel, diante do repertório exíguo, manda trazer de Lisboa
cantos gregorianos e peças no melhor estilo orquestral europeu. Segundo Neves, “é
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remetido de Portugal um caixote contendo livros gregorianos e música polifônica
para missas, matinas, vésperas, ofícios fúnebres e novenas” (NEVES, 1997,
p. 17). Tal atitude já tinha sido tomada anteriormente, pois há notícias que em
1741 chegou a Minas partituras dos renascentistas Orlando de Lassus e Palestrina
e de compositores seiscentistas e setecentistas como Frescobaldi, Monteverdi, A.
Scarlatti, Lully, Rameau e Pergolesi (NEVES, 1997, p. 17). Ações semelhantes
foram também tomadas posteriormente: em 1788, o frei Antônio de Castro Moreira
enviou para Mariana composições de Mozart, Haendel, Purcell e Byrd (LANGE,
1967; REZENDE, 1989; NEVES, 1997; MONTEIRO, 2006).
A resposta de El-Rei ao bispo, em 1752, veio serenar um clima de tensão entre os
músicos, apesar do prelado insistir em controlar a música: “Me parece dizer-vos que
os prelados não podem gravar os vassalos com imposições novas; [...] recomendo-vos
levanteis estas opressões [...]” (REZENDE, 1989, p. 582).
Discórdias entre músicos e prelados aconteceram também em outras partes da colônia.
Em Itu, por exemplo, em 1749, a câmara escreveu ao rei de Portugal e queixou-se
de que o bispo de São Paulo privilegiava o cantor Francisco Vaz Teixeira, mestre
de capela daquela vila, em detrimento de outros profissionais. O rei, ao responder,
recomenda ao bispo que informe sobre o assunto. Dois anos depois, o bispo responde
que os músicos continuarão a ser designados por ele (DUPRAT, 1985).
A vontade de controlar a música em Minas, por parte das autoridades do clero,
transcorre pela década de 1750 : o bispo nomeia alguns censores, como, por exemplo,
em 1750, um mestre de capela para comarca do Serro Frio e, no mesmo ano,
transfere o padre Gregório dos Reis Melo para a comarca de Sabará, também como
mestre de capela. Em 1753, o padre Julião da Silva Abreu é feito mestre de capela
da comarca do Rio das Mortes. No livro das provisões do bispo, datado de 1752 a
1775, estão contidas as orientações que os mestres de capela deveriam observar: não
é permitido que se cantem nas missas composições de mestres profanos “ou outras
que não sejam antífonas, salmos, hinos, graduais” (BRANDÃO, 1993, p. 101).; os
papéis deverão ser examinados; “não se cantem músicos alguns, ou se levantem tons
de salmos e antífonas, Ofícios Divinos, sem a aprovação do dito Mestre de Capela,
no qual mandamos debaixo de excomunhão” (BRANDÃO, 1993, p. 101-102). Em
outro documento, dirigido às autoridades portuguesas, em 1753, o mestre de capela
da Catedral de Mariana (vale observar que o mestre de capela da Sé era nomeado
pelo bispado) solicita que, na catedral e filiais, só eles e seus músicos cantassem
(REZENDE, 1989).
A fase de transição é marcada, portanto, pelas tentativas mais incisivas de disciplinar
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a produção musical por parte do bispado, segundo “os padrões permitidos e tolerados
pela Igreja” (MONTEIRO, 2006) e pela tentativa de organização dos músicos para
resistir às ações do prelado.
Período de consolidação e formação do campo artístico (1760 – 1810)
A terceira fase se inicia quando o próprio Senado da Câmara de Vila Rica, em 1760,
implanta outra maneira de contratar a música para as festividades anuais. Nos
primeiros tempos, como já salientamos, os serviços de música eram outorgados
por um convênio chamado de “obrigação”, tratado direto entre o senado e o
diretor do grupo musical. A partir de 1760, é instituído o Sistema de Arremates
através do qual os grupos de músicos “disputavam” o serviço anual. O vencedor
tinha como obrigação apresentar a lista dos componentes de seu grupo: cantores
e instrumentistas. Era o “rol” dos músicos. Era obrigação também do vencedor
apresentar uma garantia do serviço, levando ao Senado um colega fiador, caso fosse
impedido. O habitus individualista aqui prevaleceu, inclusive com o incentivo do
próprio poder público.
O historiador Boschi (1988) sustenta que, embora submetidos à legislação, o controle
profissional de artistas e artífices pelo Estado não era rígido. A regulamentação do
Estado vinha posteriormente, pois as atividades profissionais se desenvolveram desde
os primórdios do povoamento, ao sabor das circunstâncias. Sendo assim, os artífices e
os artistas estavam submetidos às flutuações e às demandas do mercado consumidor,
pois deles não era exigida qualquer tipo de licença para a atuação profissional. Eles
nem mesmo se organizavam em corporações de ofício como no reino e no litoral
do Brasil, o que permitia aos consumidores acesso direto aos mesmos. Portanto,
era o músico compositor e/ou regente (aquele que cria uma obra e /ou rege um
grupo de instrumentistas, o “dono do compasso”) o responsável pela condução da
dinâmica do processo de produção, difusão e consumo da música. O caráter do
habitus individualista do “compositor/regente”, controlador exclusivo do produto e
do processo de trabalho musical, é um sinal marcante do processo de autonomia do
nosso campo artístico musical.
Como bem se observa no rol dos músicos apresentado ao Senado da Câmara de Vila
Rica para a arrematação dos serviços da música nos festejos oficiais anuais (LANGE,
1967), de tempos em tempos, um novo maestro e seu grupo - formado segundo a
conveniência - vencia a concorrência num arremate público realizado pelo Senado
da Câmara. Procedimento observável não só em Vila Rica, mas também em outras
cidades. Em momento algum aparecem referências a corporações de ofícios nos
moldes medievais, que negociavam as atividades musicais com as autoridades
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públicas e fiscalizavam a atuação dos profissionais. Havia, sim, companhias
de músicos com estatutos próprios, em alguns casos rivais entre si, às quais os
músicos se associavam livremente. Essas companhias disputavam as arrematações
públicas dos serviços com Senado da Câmara, conforme já salientamos, ou serviços
religiosos com as mesas das Irmandades, ou ainda saraus, “festas de casa”, folias,
cantatas, ladainhas, funerais.
Havia também os músicos que se agregavam em torno de um líder,
temporariamente, conforme as necessidades que se impunham. Podemos citar,
por exemplo, o “Registro do Rol dos instrumentos de vozes”, de 1775 (LANGE,
1967), o arremate para as festas oficiais foi o maestro Manoel Lopes da Rocha
com um grupo de mais de dez músicos. No mesmo ano, para as cerimônias do
Nascimento da Sereníssima Princesa, aparece outro grupo também de músicos
como arrematante, tendo como regente o compositor Francisco Gomes da Rocha.
Porém, esse contava com alguns instrumentistas e cantores que já estavam no
grupo anterior, por exemplo, Felipe Nunes, no rabecão; Caetano Rodrigues da
Sylva, na rabeca; Ignácio Parreyras Neves como tenor e Julião Pereira Machado
como “bayxa”. No grupo anterior, Gomes da Rocha desempenhava apenas a
função de cantor, no registro de contralto.
Alguns músicos preferiam se associar em torno de um regente, em orquestras mais
ou menos fixas. As bicentenárias orquestras de São João del-Rei se enquadram
perfeitamente nesse modelo: em torno do “mestre” Manoel Custódio de Almeida,
se reuniam mais de três companheiros. Aliás, com ele foi feito um contrato através
do qual lhe eram pagas quarenta oitavas de ouro divididas em partes iguais, em
1755. Com o “mestre” José Joaquim de Miranda foi ajustado o serviço musical
para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em 1776. No primeiro caso, o
pagamento foi dividido igualmente entre o regente e seus companheiros. Há casos
em que aparece nitidamente um emolumento maior para o “regente”. É o caso da
peça “Filho abandonado”, levada à cena em janeiro de 1811, na Casa da Ópera de
Vila Rica, pelo que o regente João de Deus de Castro Lobo recebeu a quantia de
900 réis e os demais músicos 750 réis (FRIEIRO, 1984).
Um documento de 17675 nos dá, com muita clareza, as dimensões das obrigações
dos músicos para com um grupo livremente formado e não centralizado na
figura de um regente, que inclusive não permitia a colaboração de seus membros
com outros, pois, em seu compromisso, estava prevista punição para aquele que
colaborasse com o tal de Manoel Coelho Lião. O documento foi assim assinado
5 Casa Setecentista, Setor de Arquivo Histórico, Mariana, MG - 2º Ofício, Códice 267, auto 6585.
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por dez músicos e registrado em cartório, tendo o efeito de um compromisso onde
são definidas as sentenças para quem desrespeitar alguma de suas cláusulas. Os
principais pontos são:
- Comprometiam-se a não participar de qualquer função em que atuasse Manoel
Coelho Lião ou qualquer pessoa de sua família. Se alguém o fizesse, deveria pagar
duas oitavas de ouro a cada um dos demais. Seria aquele um regente rival? É o que
parece, pois Manoel Coelho aparece no livro de receitas e despesas da Irmandade
de Nossa Senhora da Conceição de Mariana, no ano de1755, recebendo a quantia
de 20$ 000 (vinte mil réis) por seus serviços.
- Se algum deles acertasse algum trabalho, deveria convidar todos os outros e dividir
o pagamento entre aqueles que dele participassem, depois de descontados os custos.
- Não se poderia ajustar festas fiadas. Se alguém quisesse, poderia doar apenas a parte
do pagamento que lhe cabia.
- Se fosse ajustada uma festa e o ajustante dissesse que era de graça (porém não era),
ele deveria abrir mão de sua parte e o pagamento seria distribuído somente entre
os outros. Se o ajustante recebesse o pagamento, ele teria de devolvê-lo e pagar a
quantia de cem oitavas para ser repartida aos demais.
Como se vê, era uma “companhia” de músicos que regia a si própria. Na maioria
dos casos, não havia um regente responsável, podendo os serviços ser tratados com
qualquer um dos membros do grupo. No caso dos grupos que arrematavam os
serviços oficiais, as orquestras eram formadas em caráter transitório, guiadas pelo
termo do contrário de arrematação temporário. Em se tratando de serviços prestados
para as irmandades, tanto os grupos musicais de caráter mais permanente como os
de caráter mais transitório poderiam atuar, sendo escolhidos aqueles cujas propostas
financeiras fossem mais convenientes. Convém observar, porém, que as orquestras
de caráter mais permanente de que temos notícias são poucas: além do grupo
marianense e das duas de São João del-Rei, uma em Prados e outra em Vila Rica – a
da Matriz do Pilar – as duas atuando em princípios do século XVIII; ainda outra,
atuante no teatro da última cidade.
A noção de “mestre”, aquele que deveria ter uma “carta de habilitação”, obtida com
a aprovação em exame prestado diante de “juiz” do seu ofício, mesmo que não
fosse caráter rígido, não existia para os músicos. O aprendizado inclusive se fazia de
um modo em que nada lembra um regime de corporação de ofício. Não havia um
processo de treinamento sistemático ou ritualístico. A própria demanda de trabalho
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se encarregava da seleção dos músicos.
Na Europa, na mesma ocasião, principalmente no terceiro quartel do século XVIII
e particularmente em Viena, na Áustria - o grande centro produtor e irradiador
de música da época - a posição social do músico estava distante das liberdades
que seus colegas mineiros desfrutavam. O jovem músico, logo que terminava seus
estudos, provavelmente só encontraria trabalho tocando na orquestra particular de
uma família rica ou nobre ou sendo professor particular. Esses trabalhos muitas
vezes eram acompanhados de deveres da natureza doméstica. Guiseppe Sammartini,
oboísta e compositor competente, por exemplo, trabalhou para o Príncipe de Gales
não só como músico, mas também como mordomo (GALWAY, 1987). Anúncios
como o publicado no Wiener Zeitung de 23 de junho de 1789 ilustram como os
músicos eram tratados, como verdadeiros serviçais em Viena.
Precisa-se de um valet-de-chambre músico. Precisa-se de
um músico que toque bem piano, saiba cantar e seja capaz
de lecionar ambas as matérias. Este músico deverá exercer
também as funções de valet-de-chambre. Aos que desejam
aceitar esta função, pedir informações no primeiro andar
da pequena casa Colloredo, no. 982 em Weihburggasse
(LANDON, 1990, p. 27).
Haydn e o jovem Mozart ainda ocupavam uma posição social correspondente à dos
servos. Seus papéis eram de servir às necessidades de diversão de seus senhores. Era
a corte ou a Igreja que determinava a função da música. A música estava a serviço
de poderes incontestáveis. Alguns músicos, como Haydn, tiveram sorte com seus
patrões. Apesar da condição subalterna de músico da corte, a música de Haydn
trouxe a ele e a seu senhor tanta fama que ele se tornou um membro da família
muito favorecido. Seu trabalho repartia-se em compor música para o uso doméstico,
peças para ocasiões importantes, óperas para o teatro da corte, encontrar cantores e
executantes necessários e ensaiá-los, tratar dos instrumentos, fazer arranjos e copiar
a música, dirigir e ensaiar os músicos e tratar de todos os problemas relacionados
com eles. No entanto, o compositor palaciano, trabalhando por encomenda e
satisfazendo os gostos estabelecidos, não deixava de ser um criado de categoria
superior. Mozart, na sua irreverência, detestava Salzburg, porque enquanto esteve
na corte do Arcebispo, devia comer com os criados, “seus iguais em categoria, cujas
conversas o aborreciam” (RAYNOR, 1981, p. 337).
Não só os compositores, mas também os cantores e os instrumentistas careciam de
segurança nesse sistema social. Para um príncipe, dispensar um músico era uma simples
medida de economia. Eram mal pagos e seus proventos eram arbitrariamente negados.
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A situação era um pouco melhor para aqueles que conseguiam empregos municipais.
No entanto, o trabalho era igualmente árduo. A sorte sorria para os músicos somente
em Paris e Londres, onde podiam tornar-se empresários e empregar outros. Um dos
mais famosos empresários foi o compositor e violinista Johann Peter Salomon, que
morava em Londres e em 1790, segundo um jornal inglês, ao visitar Viena, resolveu
contratar Haydn e Mozart. O violinista empresário conseguiu levar apenas Haydn.
Constamos, portanto, que em Minas Barroca, sob o incentivo do próprio Estado,
notadamente no caso da música, processa-se a “autonomização” do campo artístico tal
como acontecia na Europa em passos lentos. A ação dos músicos se configura, naquele
momento, como expressão das transformações da função do sistema de produção
musical enquanto um bem simbólico. Seguiremos aqui, para ilustrar tal processo, os
passos de Bourdieu (1982) nas suas observações sobre a transformação da produção
artística europeia nos finais do século XVIII e nos princípios do período Romântico.
Podemos afirmar que os legisladores do campo artístico musical em Minas Colonial
eram os próprios músicos e não outras instâncias do poder, muito embora fossem
incentivados também pelos senados das câmaras. Sendo assim, por analogia com a
lógica do processo de autonomização que estava acontecendo no Velho Mundo, no
mesmo momento histórico, estabelecemos os seguintes princípios que confirmam tal
desenvolvimento em Minas no final do século XVIII:
- O público consumidor da música era socialmente diversificado, pois não era a
aristocracia e nem a Igreja que patrocinava e dirigia a arte, mas sim os senados das
câmaras, empresários de óperas e especialmente as irmandades legais, que propiciavam
aos grupos musicais (produtor do bem simbólico) condições de organização
autônoma economicamente e de legitimação da própria atividade musical. Cardoso,
ao comentar o trecho de um texto de Lange, enfatiza esse aspecto.
Quando Curt Lange afirma que a atividade musical não
era baseada na iniciativa clerical ou oficial, quer dizer que
não era a Igreja, com seus arcebispados e suas catedrais,
que contratava a maioria dos músicos, mas as irmandades,
que eram congregações de leigos, profissionais liberais
que se reuniam em torno de determinada devoção. No
caso da iniciativa oficial, ou seja, aquela incentivada pelo
Poder Público, quer dizer que este, de maneira distinta
da que ocorria em Portugal, não mantinha orquestras
pagas regulares, isto é, não existiam músicos funcionários
públicos (CARDOSO, 2008, p. 39).
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- Constituiu-se um corpo de produtores musicais cada vez mais numerosos,
pois observamos a ação de uma enorme quantidade de regentes, compositores,
instrumentistas, cantores de coros e solistas, além de empresários que se dedicavam
à produção de espetáculos operísticos e teatrais. Vale a pena evocar as observações do
magistrado Teixeira Coelho ao visitar Minas em 1780:
aqueles mulatos que não se fazem absolutamente ociosos, se
empregam no exercício de músicos, os quais são tantos na
Capitania de Minas que certamente excedem em número
dos que há em todo reino [...] Mas em que interessa ao
Estado este aluvião de músicos?6
- O caráter secular das instâncias de consagração da música (irmandades legais,
senados e empresários ligados à produção de espetáculos teatrais e operísticos)
permite reconhecer que a atividade musical era como uma arte regida por normas
autônomas internas, o que resultava num relacionamento dos músicos com sua
clientela através de práticas pouco corporativas (contratos anuais, sistemas de
arremates).
- Correlata à autonomização da produção musical, observamos a constituição
de uma categoria de músicos profissionais, socialmente distinta e com anseios
de ascensão na pirâmide social, que buscavam não submeter completamente sua
produção aos ditames do catolicismo oficial. Porém, o campo artístico ainda não
era completamente autônomo, os músicos não eram completamente livres, pois
não podiam evitar que sua arte servisse, nas festas e cerimônias, de instrumento de
exaltação da monarquia portuguesa. Basta constatar que o Senado da Câmara de
Vila Rica realizou uma “licitação” em 1792 para a composição e execução da música
destinada ao “Te deum” pelo malogro da Inconfidência Mineira. A arrematação foi
vencida pelo rabequista Manoel Pereyra de Oliveira por dezoito oitavas de ouro.7
- A música em Minas, no período em questão, não possuia ainda um valor
completamente estético, pois ela, inserida no aparato barroco, ainda desempenhava
funções antigas. O campo artístico no século XIX completou sua autonomização
quando a arte conseguiu ser reconhecida enquanto uma atividade de valor próprio,
emancipando-se das ligações com a corte e a Igreja.
- A demanda do campo artístico musical não estava submetida a um público
anônimo. Porém o público, no caso das irmandades e do Senado da Câmara,
6 Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano VIII, fasc. I/II,
p. 561-562.
7 “Ata da Arrematação”, Revista do Arquivo Público Mineiro, ano II. p. 39 e 40
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relacionava-se de uma maneira impessoal com os músicos, já que lhes era permitida
uma competição através de sistemas de arremates e apresentações de propostas para
serviços musicais. Dessa forma, era o músico quem organizava as leis de mercado
de seus bens simbólicos. Diferentemente de seus colegas na Europa, que ainda se
encontravam submetidos ao sistema de mecenato, típico do Antigo Regime que,
somente a partir do pedido de demissão de Mozart ao seu mecena, o Arcebispo
Colloredo de Salzburgo, em 8 de junho de 1781, começa efetivamente a se
transformar.
É um acontecimento de grande importância na história da
música. Porque Mozart decidiu então não procurar outro lugar
e conservar sua liberdade. Foi a primeira vez que um músico sem
fortuna escolheu ser independente e aceitou o risco de se tornar
inteiramente responsável por sua vida (CANDÉ, 1982, p. 98).
O músico em Minas Barroca, além de dominar as leis de seu mercado produtor,
também se sentia relativamente autônomo para não se submeter totalmente aos
ditames da estética musical europeia contemporânea a eles. As obras musicais
aqui compostas eram exemplos de uma variada gama de estilos, indo da música
modal renascentista, passando pelo Barroco e pelo Pré-classissismo, Pré-operismo
e a “não observância” dos cânones vigentes no Velho Mundo. Tais estilos eruditos
conviviam com as modinhas, de caráter mais popular, e com os lundus, um gênero
de música europeia e africana, resignificado, que também fazia parte do métier do
músico profissional, já que era muito consumida em saraus e festas. Dessa forma,
poderíamos afirmar que os modelos musicais eram europeus, mas, para além deles,
ocorreu um processo de “resignificação estética”. Nada melhor que as considerações
de Chartier para bem caracterizar a situação da música e dos músicos nesse processo.
A força dos modelos culturais dominantes não anula o espaço
próprio de sua recepção. Sempre existe uma brecha entre a
norma e o vivido, o dogma e a crença, as normas e as condutas.
Nessa brecha se insinuam as reformulações e as resistências, os
desvios, as apropriações e as resistências (CHARTIER 2009,
p.46 e 47).
Numa sociedade em que seu campo artístico se encontrava num processo de
autonomização, instituições nos moldes de corporações de ofícios só podiam se tornar
inoperantes. As Irmandades de Santa Cecília fundadas na ocasião da instalação do
bispo de Mariana (REZENDE, 1989) devem ter atuado apenas como devocionais.
Não há notícias de um funcionamento profissional e atuante de tais irmandades
em Minas. As Irmandades de Santa Cecília, com um caráter regulamentador da
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profissão, só foram instituídas em Minas em 1816/1817 com dom João VI. Este,
com a corte, trouxe a burocratização do Estado português para as terras brasileiras.
A música, que até então estava aberta aos empreendimentos individuais e buscava
autonomizar seu próprio campo de ação, no século XIX, buscou sua legitimação
através da proteção de amparos legais.
Considerações finais
“As formas abertas do barroco” que prevaleceram em Minas no período colonial
permitiram o desencadear do processo de formação de um “campo artístico” em
que a organização social dos músicos se processava homóloga à organização social
multifacetada da capitania e à própria produção das obras musicais. Obras que
pertenciam ao campo da estilística europeia, porém resignificadas, transmudadas,
reconceptualizadas num contínuo jogo circular entre modelos oriundos da matriz
e as representações, práticas e apropriações sociais e estéticas que aqui prevaleciam.
Minas Barroca, num processo de mestiçagem cultural, encontrou seu modo próprio
de organizar e fazer música.
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A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICAL
EM MINAS BARROCA
MODUS
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21-29.
The formation of the artistic and
musical field in baroque Minas Gerais
Abstract
The present article has how I aim to analyse the process
of transformation of the social organization of the
musicians in Minas Colonial during the century XVIII
as well as the conditions of production, distribution
and consumption of the music and the relationship of
these conditions with the open forms of the rut that
prevailed in Minas, which allowed the appearance of a
stylistic musical sui generis, homologous set to several
tastes of a multifaceted society.
Keywords: Colonial mineira music; baroque; artistic field.
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Novembro de 2010
ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DO
CAVALO MARINHO PERNAMBUCANO
Juliana Macedo Carneiro
Licenciada em Educação Musical pela Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG). Co-fundadora do Teatro da Figura, em que é atriz e diretora. Musicista
integrante (intérprete e compositora) do grupo de música instrumental Cataventoré.
[email protected]
Moacyr Laterza Filho
Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa e mestre em Teoria da Literatura.
Pianista e cravista, professor da Escola de Música da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG) e da Fundação de Educação Artística.
[email protected]
Resumo
Este trabalho trata da investigação acerca de elementos
formais, cênicos e musicais do Cavalo Marinho da
Zona da Mata Norte de Pernambuco. Folguedo
popular do nordeste, que inclui teatro, dança, música
e poesia, o Cavalo Marinho tem sido fonte de estudo
de pesquisadores de várias áreas. Além disso, serve de
inspiração estética para encenadores, músicos, poetas e
artistas-plásticos brasileiros e estrangeiros. Nosso olhar
se detem em analisar mais amiúde como a música
dialoga com os elementos cênicos e contribui para
a evolução da textura cênica como um todo, aspecto
ainda pouco explorado.
Palavras-chave: Cultura popular; folclore; música;
teatro.
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ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DO
CAVALO MARINHO PERNAMBUCANO
MODUS
Abrindo o terreiro
O Cavalo Marinho é uma manifestação da cultura tradicional da Zona da
Mata Norte de Pernambuco. Localmente é chamado de brinquedo, sambada
ou folguedo. Agrega indissociavelmente o teatro, a música, a dança e a poesia.
Possui características cênicas específicas, estando no limiar entre espetáculo de rua
e brincadeira popular. Brincar, para os participantes, é um misto de tocar, cantar,
representar, jogar.
Brincadores ou folgazões são os atuantes da brincadeira, sejam eles os músicos
ou figureiros (aqueles que “botam figuras”). As figuras são as “personagens”. Um
Cavalo Marinho, que pode durar até dez horas, terminando ao amanhecer, possui
cerca de 70 delas. Oliveira (2006) as divide em humanas, animais, fantásticas e
bonecos. Essas personagens são caracterizadas de diversas maneiras: ora homens
com rostos pintados como Mateus, Bastião e Catirina; ora “atores” mascarados
como o Soldado da Gurita, o Empata Samba, a Véia do Bambu; ora animais e
seres fantásticos como o boi, a onça, a burrinha, o cavalo, o parece-mas-não-é (que
são também bonecos), e ora os bonecos em si que representam figuras humanas de
tamanho desproporcional como a Margarida e o Zé Pequenino.
Este trabalho só foi possível, primeiramente, pelo encantamento que a pesquisadora
Juliana Macedo viveu em uma brincadeira no mês de dezembro de 1999, na cidade
de Olinda, Pernambuco. Outro fator imprescindível foi o contato da pesquisadora
com os mestres e artistas locais, mais especificamente Manoel Salustiano (falecido
em 2008), Biu Alexandre e seu filho Agnaldo, e o rabequeiro Luís Paixão, com
quem ela pôde vivenciar momentos raros de uma música instintiva, viva e criativa.
Música
A música é elemento indispensável numa apresentação de Cavalo Marinho, pontuando
os vários momentos do brinquedo. Ela perpassa toda a brincadeira: apresentando ou
interagindo com as figuras (“toadas dramáticas”), nas partes instrumentais e vocais
que não estão ligadas a figuras (“as toadas soltas”), no elemento rítmico (pulsação da
dança e métrica poética).
A música é um fator importante para sustentar uma
brincadeira de cavalo-marinho durante muitas horas ou uma
noite inteira. [...] É usada para estruturar o tempo e o sabor
da performance, a fim de manter a atenção da assistência e de
conservar a energia dos brincantes (MURPHY, 2006, p. 105).
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Juliana Macedo Carneiro,
Moacyr Laterza Filho
O conjunto de executantes musicais da brincadeira, chamado de banco – denominado
assim por que os músicos se sentam num banco de madeira –, é composto por
rabeca, um pandeiro (membranofone), um “mineiro” ou ganzá (chocalho de metal
- idiofone) e dois “bages” (ganzá ou reco-reco feito de taboca – idiofone raspador).
Há um vocalista principal - que na maioria dos casos é o pandeirista ou o tocador
de bage - e os outros vocalistas de apoio, que respondem ao canto principal seja
cantando em uníssono, seja produzindo intervalos de terças, quintas e oitavas. As
vozes secundárias não são padronizadas.
A rabeca ou “rebeca” é uma espécie de violino rústico, artesanal, confeccionado por
artesãos da região. É considerado pelos artistas como o instrumento do brinquedo
mais difícil de ser tocado. Sem a rabeca, uma brincadeira não acontece.
No Cavalo Marinho, as rabecas são de quatro cordas, afinadas em intervalos de
quinta, com padrão de afinação determinado pelo próprio músico, de acordo com
o vocalista principal do brinquedo. Murphy define três afinações básicas (FIG. 1).
FIGURA 1 - Diferentes afinações da rabeca
Fonte: MURPHY, 2008, p. 63.
Entre os instrumentos de percussão, o pandeiro talvez seja o mais importante
na brincadeira. Utiliza-se, no Cavalo Marinho, o pandeiro de dez polegadas
com cobertura sintética, geralmente de produção industrial, dotado de timbre
relativamente mais agudo.
A “bage” é um tipo de reco-reco. Confeccionada pelos próprios integrantes do
folguedo. Ela é feita de taboca, que é uma espécie de bambu mais fino. São sulcados
anéis em toda a sua extensão e depois são feitos quatro cortes longitudinais. Ao
serem raspados por uma baqueta, produzem um som estridente.
O ganzá - ou “mineiro”, como é chamado na região - tem forma cilíndrica com
peças roliças dentro. Ao ser chacoalhado, ele emite um som que complementa as
células rítmicas das bages. É de “origem africana, e muito difundido no Brasil”
(ANDRADE, 1989, p. 239).
Além dos instrumentos musicais tradicionais usados - rabeca e percussão -, podemos
mencionar ainda outras fontes sonoras importantes para a formação de uma textura
própria e peculiar: o apito do capitão, as bexigas de boi cheias de ar, os adereços de
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personagens que emitem som, a fala/sonoridade onomatopaica de algumas figuras,
além dos “trupes” (padrões de movimento que utilizam a batida forte com os pés
no chão).
As bexigas são mesmo as bexigas de boi, limpas e secas, depois cheias com ar e
amarradas. Ao serem percutidas no corpo, geram um som volumoso e grave, contrastando com o pandeiro, que emite um som mais agudo. Funcionam também como
adereço de Mateus e Bastião, as figuras das mais importantes da brincadeira.
O apito, geralmente de produção industrial, tem papel fundamental de reger
entradas, saídas e coreografias. É usado somente pelo mestre da brincadeira.
Enredo
O enredo do Cavalo Marinho trata de aspectos relativos à vida camponesa, à cultura
de cana-de-açúcar e aos elementos de origem religiosa. Dramatiza a relação entre
patrão e empregado, conflitos cotidianos, figuras comprometidas com a ordem e
autoridade social, vendedores, ambulantes, escravos, caboclos e figuras do imaginário
popular, míticas ou necessárias à evolução da trama. Cada figura possui passos
específicos (“pisadas”), versos falados (“loas”) e uma música tocada e cantada (toadas).
No desenrolar da brincadeira, se articulam, de forma cômica, elementos sociais,
morais e religiosos amalgamados no que poderíamos chamar de ritual da festa,
do riso e da representação teatral. Os brincantes possuem grande liberdade para
improvisar rimas e adivinhações, jogar com o banco e com o público, transformar
em brincadeira qualquer interferência do momento. O elemento cômico é uma
tônica constante na brincadeira.
Oliveira (2006) define três instâncias principais para entender a dinâmica do
brinquedo e de como o cômico se dá: a da festa, a do jogo e a do riso. Esses elementos
estão na ancestralidade da manifestação humana, sendo encontrados em todas as
sociedades humanas.
No Cavalo Marinho, observamos, ainda, o fenômeno do prazer, do divertimento
como fim em si ou até como veículo de escape de problemas sociais através do corpo,
da arte, da brincadeira. Oliveira (2006) chama esse fenômeno de “corpo prazenteiro”
e o liga à noção de festa.
A busca ou redescoberta deste corpo prazenteiro que ri, que goza,
que se diverte e que ama, traz à tona esta noção, determinada
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por nós de ancestralidade festiva, na qual o homem suporta
e redimensiona seu cotidiano através da prática da festa, da
brincadeira e do jogo, criando e fixando formas espetaculares
que subvertem as estruturas rígidas das normas do dever-ser
(MAFFESOLI, 19851 apud OLIVEIRA, 2006, p. 44).
O jogo (HUIZINGA, 19932 apud OLIVEIRA, 2006) possui quatro características
marcantes e principais que o definem. A primeira é a liberdade, a segunda é o
divertimento e a terceira é um intervalo da vida real que, integrado à própria vida,
interrompe os mecanismos de desejo e a necessidade das atividades cotidianas. A
quarta característica é seu tempo e espaço limitados, com estabelecimento de início,
meio e fim. Situa-se entre o plano individual e coletivo, na representação ou na luta
para se adquirir algo e também na criação de uma lógica própria para acontecer.
Podemos encontrar esses mesmos elementos na festa e nos eventos espetaculares. “Por
espetacular deve-se entender uma forma de ser, de se comportar, de se movimentar,
de agir no espaço, de se emocionar, de falar, de cantar e de se enfeitar” (PRADIER,
1999, p. 24).
Entre a cena e o som
Função
A música ao vivo, ou o músico fazendo parte do jogo cênico e dramático, está na origem
do teatro e das manifestações populares com teor dramático. Tragtenberg afirma:
É importante ter em mente que a chamada música aplicada
ou trilha sonora, que designo genericamente como música
de cena, é resultado de uma tradição que remonta aos
primórdios da expressão artística humana. Ela se insere
numa tradição que no ocidente, já mesmo antes dos dramas
gregos, dramatizava temas retirados do Antigo Testamento
(TRAGTENBERG, 1999, p. 17).
Segundo esse autor, a “música de cena não é a música em estado puro, mas em
estado dialógico, o que não a impede de ter a sua porção de livre especulação”
(TRAGTENBERG, 1999, p. 89). Para ele, essa música se articula basicamente de
dois modos: como “fenômeno acústico” e como “elemento referencial dentro da
narrativa”. Ele ainda classifica as principais funções da narrativa sonora, que são
1 MAFFESOLI, M. L´ombre de Dionysos. Paris: Librairie dês Méridiens, Klincksieck et Cie, 1985.
2 HUINZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo:
Perspectiva, 1993.
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apoio, contraste e voz paralela.
No caso da comédia e também do teatro popular, a narrativa sonora tem principalmente
a função de apoio, com o “uso referencial e gestual do som” (TRAGTENBERG, 1999,
p. 34). Observamos vários momentos do brinquedo onde a função de apoio acontece:
parece-nos claro que o som da bage remete ao trote de um cavalo ou tem a função de
mover algo, fazer andar. A célula rítmica básica do pandeiro é alterada em termos de
acentuação e divisão rítmica para enfatizar e compor sonoramente o bater dos pés no
chão do brincador. Nos momentos de dança, a música também cumpre essa função.
Outro fator relevante é o uso da transformação de objetos cotidianos em
instrumentos sonoros, deslocando, assim, o objeto de seu contexto e uso originais.
Para Tragtenberg (1999), o instrumento-adereço caracteriza-se pelo desempenho
integrado de diferentes funções – sonoras, dramáticas e coreográficas – a partir de
um mesmo objeto. Aqui citamos dois exemplos claros: a bexiga usada por Mateus e
a vara de bambu da figura do Pisa Pilão.
Peguemos o caso da bexiga: ela tem a dupla função citada por Tragtenberg
(1999): a “transformação do objeto” (uma bexiga de boi que vira instrumento) e
a de “instrumento-adereço” – a partir do momento em que é instrumento, o uso
da bexiga tem a função de bater, assustar com seu barulho e ao mesmo tempo dar
a sonoridade grave do conjunto musical, substituindo uma “zabumba” ou bumbo,
muito comuns em formações musicais populares.
A figura do Pisa-Pilão é o outro exemplo. Ele representa um trabalhador que soca grãos
de milho ou café. Ele entra em cena com uma vara de bambu grossa e faz repetidas vezes
a ação de socar. Esse socar é feito no ritmo da toada e produz também um som grave.
Outra articulação de apoio, ou voz paralela, também classificada por Tragtenberg
(1999), é a do som como elemento referencial dentro da narrativa, trazendo uma
carga simbólica e relacionando esse som emitido a um estado de espírito da figura,
por exemplo. É o caso da rabeca, que, em três momentos bem distintos, toca,
acompanhando a voz sem o uso da percussão: na Toada de Reis, na Toada do Caboclo
de Arubá e na Toada do Boi ou Aboio. São esses os fragmentos do brinquedo no
qual a atmosfera da brincadeira se modifica e o andamento musical passa de mais
rápido (recorrência maior dentro da brincadeira) para mais lento, também as frases
musicais são mais longas.
Acreditamos que o “brincador” do Cavalo Marinho, além de seguir formalmente
uma tradição, articula materiais a partir de um movimento natural, gestual,
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improvisacional e que está em relação com a lógica de jogo da cena. O músico
também improvisa, principalmente a partir do gesto do atuante.
Gênero
A partir da análise de material coletado em vídeo, no Cavalo Marinho Estrela de
Ouro, encontramos basicamente cinco gêneros musicais: toada, baiano, “incelença”,
marcha e aboio. O “côco” é mencionado por estudiosos como outro gênero do Cavalo Marinho, mas não o encontramos especificamente no material coletado. Esses
gêneros citados são encontrados em praticamente todos os grupos de Cavalo Marinho da Zona da Mata Norte pernambucana.
Andrade em seu Dicionário Musical Brasileiro define: “Toada – Cantiga. Sem
forma fixa. Se distingue pelo caráter no geral melancólico, dolente, arrastado”
(ANDRADE, 1989, p. 518).
Baiano – Dança brasileira. Mais ou menos o mesmo que
samba e provavelmente originado deste. Na minha viagem
de 1928 pude notar que o povo em geral, no Rio Grande do
Norte, Paraíba e Pernambuco, quando falava em baiano se
referia a uma dança não cantada (ANDRADE, 1989, p. 35).
Excelência (Incelença) – Cantiga fúnebre cantada nos
velórios do nordeste. Segundo Renato Almeida, as
excelências ou “incelências” são cantadas ao pé do defunto,
enquanto os benditos são cantados à cabeceira (ANDRADE,
1989, p. 207).
Marcha – Gênero de composição caracterizada pela escrita
em compasso binário, ou mais raramente quaternário,
com o primeiro tempo forte, acentuado, principalmente
instrumental. [...] no Brasil passou de passos militares a
dança (ANDRADE, 1989, p. 307).
Nesse Cavalo Marinho, a marcha não é apenas instrumental e a encontramos no
momento do Baile do Divino com a temática de pedir licença para brincar no
terreiro em louvor a Nossa Senhora da Conceição e na cena da Véia do Bambu.
Sobre o aboio, Andrade faz um extenso estudo que basicamente o classifica como
advindo da voz de chamado ou de acalmar, “ôoooo”, “êeeee”. No caso do Ca-valo
Marinho, aboio é feito no fim da brincadeira. O que se vê é a inflexão “Ê boi!”. Não
observamos, porém, a ênfase em certa característica muito comum em cantos de
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aboio e que consiste no prolongamento das vogais e de sua utilização melismática.
Para os “brincadores”, as toadas estão mais ligadas à sua função na brincadeira que ao
seu gênero específico. Vilar (2001) classifica basicamente duas: “toadas soltas”, que
podem ser instrumentais ou com letra, e “toadas de figura”, que, como o próprio
nome diz, são executadas durante a apresentação das figuras.
FIGURA 2 - Exemplo de Baiano. Instrumental.
Fonte: GONÇALVES, 2001, p. 23
FIGURA 3 - Toada do Boi ou aboio
Fonte: MURPHY, 2008, p. 75
Musicalidade da cena
Propomos aqui um olhar sobre a composição cênica como um todo para compreender
como a musicalidade acontece, em termos do evento sonoro (som), em relação ao
visual (gesto) e o sensorial (ritmo), este último, latente ou não.
Podemos verificar algumas pontes entre som, cena e movimento no fluxo dramatúrgico
do Cavalo Marinho pernambucano, bem como a gama sonora presente na estrutura
da manifestação e principalmente como esta sonoridade está em relação com o corpo
que dança, toca, fala e ri. É através desses elementos que se constrói uma textura
sonora peculiar, uma musicalidade que se ouve no contexto da cena, para a cena e
com a cena. Sabemos que a música pode ser observada como elemento independente
e autônomo, mas ressaltaremos a sua complexidade quando inserida nesse contexto
plurilinguístico.
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Podemos dizer que, na brincadeira, a música é o elemento de ligação, aglutinador
e unificador do brinquedo. Ao mesmo tempo, podemos acrescentar que o
elemento plástico – o corpo do brincador, seus deslocamentos, pausas e danças – é
extremamente relevante. A evolução das figuras, mais do que pelas palavras, se dá
pelo corpo, dança, ações. Aqui, talvez, esteja a importância fundamental da música:
ela é necessária para esse corpo que “dança” a fim de “dramatizar”. Podemos ainda
mencionar certa circularidade e constância da música. Essa mesma característica é
observada no espaço cênico. A brincadeira acontece numa roda. Estabelece aí um
diálogo contínuo entre as linguagens corporal, espacial e musical.
Para Meyerhold3, a música é como "uma corrente que acompanha os deslocamentos
do ator sobre o espaço cênico e os momentos estáticos de seu jogo" (MEYERHOLD,
19734 apud PICON-VALLIN, 1989, p. 35). Segundo Picon-Vallin, a música para
Meyerhold não é um pano de fundo, mas um sistema de interpretação e dramaturgia,
um ponto de apoio para a composição cênica, um não-naturalismo, pois coloca em
cena um ritmo que difere do cotidiano.
Castilho aponta que “a musicalidade, ou sensação musical de um espetáculo, resulta
da forma como se articulam suas partes e seus movimentos; e que o principal
elemento aglutinador para este fim é o ritmo” (CASTILHO, 2007, p. 01). A autora
prossegue dizendo que:
Ao reconhecermos essa organização rítmica/dinâmica,
estamos de certa forma valorizando o esforço de organização
do artista, que produz em nós, intencionalmente, uma
sensação de movimento – ou da ausência dele. Seu trabalho
consiste exatamente em dominar os meandros de tempo e
espaço, moldando-lhes a forma, ritmo, pulsação, intensidade
etc., quer seja na dança, na arquitetura, na literatura,
conforme sua habilidade na articulação entre suas partes,
sejam elas movimentos, linhas ou palavras. Por isso levanto
aqui a hipótese de ampliar o termo musicalidade para
designar, enfim, a habilidade de articular intencionalmente
os signos da obra artística (CASTILHO, 2007, p. 02).
A noção de ritmo é algo que está presente em qualquer apresentação cênico-teatral.
De fato, ritmo, pulsação ou dinâmica são termos recorrentes na dinâmica da
preparação de obras cênica: mesmo que de uma forma intuitiva, a noção rítmica é
3 Vsevolod Meyerhold (1874-1942), diretor, encenador, pedagogo teatral. Foi ator do Teatro de Arte de Moscou quando
foi discípulo de Stanislaviski
4 MEYERHOLD, V. Écrits sur le théâtr. v. I, L’Age d’Homme:1973, pág. 66.
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MODUS
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CAVALO MARINHO PERNAMBUCANO
algo que perpassa a de criação e composição na atividade teatral.
No Cavalo Marinho, observamos que o ritmo muitas vezes se mantém no corpo do
figureiro, sendo que seus movimentos e ações estão em constante relação com essa
rítmica, como se aquilo que é artifício (música) se tornasse natural no seu corpo,
mesmo em momentos de pausa gestual. Pela experiência, improvisação e jogo, o
ritmo se mantém. Na utilização dos objetos cênicos isso também acontece.
Abaixo, eis um quadro de análise com algumas das partes do brinquedo.
QUADRO 1
Eventos cênicos e sonoros
Espaço
cênico
A
Primeira parte:
pisadas
Indefinido;
Dinâmico.
Espaço
gestual
(das figuras)
Várias pessoas em
linha, intercalando
com livre;
Avanços e recuos;
Plano alto;
Dinâmico.
Voz - fala ou
onomatopeia
Pausa
Música
instrumental
e/ou vocal
Apito do capitão. Início
do baiano: música mais
rápida e movida para
dançar. Intercalado com
cantada e instrumental.
Batidas dos pés no chão.
B
Segunda parte:
entrada Mateus
(momento 1:
chamada)
Dinâmico;
Abertura da roda
para entrada da
figura.
-
-
Baiano de entrada para
chamar Mateus. Música
mais rápida e movida.
Cantada.
Definido;
Fecha a roda;
Estático.
Uma pessoa com
trajetória livre, mas
avançando com
direção definida.
Rarefeitos: gritos
onomatopeicos de
cumprimento.
Baiano. Música mais
rápida e movida.
Cantada.
Definido;
Estático.
Estático. Figura e
capitão parados, ao
lado do banco.
Falas e gritos
de boa noite.
-
C
Segunda parte:
entrada Mateus
(momento 2:
evolução
cumprimento)
D
Segunda parte:
entrada Mateus
(momento 3:
diálogo)
40
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Novembro de 2010
Juliana Macedo Carneiro,
Moacyr Laterza Filho
A título de exemplo, transportemos os conceitos relacionados à textura musical e
o apliquemos para a relação cênico-musical. Assim, analisando a tabela acima e o
brinquedo como um todo, vemos que ele tende à polifonia, pois relaciona, num
mesmo espaço-tempo, materiais distintos e autônomos. Nas chamadas B, podemos
observar uma monodia, um material sonoro (fala e grito ou o banco), com o espaço
cênico e gestual estáticos.
Cada linguagem tem suas especificidades, é certo. Porém, acreditamos ser possível,
através de alguns parâmetros e definições musicais, fornecer elementos para uma
análise cênica, sobretudo em se tratando de sua importância dentro de algum
fenômeno artístico específico.
A investigação das manifestações populares e de seus elementos é de extrema
importância para o entendimento das relações cênico-musicais. Essa investigação
pode fornecer elementos e materiais contidos em formas espetaculares seculares que
dialogam vivamente com processos artísticos contemporâneos.
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 31-44
41
ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DO
CAVALO MARINHO PERNAMBUCANO
MODUS
REFERÊNCIAS
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Novembro de 2010
Juliana Macedo Carneiro,
Moacyr Laterza Filho
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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 31-44
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ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DO
CAVALO MARINHO PERNAMBUCANO
MODUS
Between scene and sound: an approach
of the Cavalo Marinho of Pernambuco
Abstract
This work deals with the investigation about formal
elements of the performing and musical art of the
“Cavalo Marinho” from the coastal forest area of the
state of Pernambuco. Popular Folguedo (revelry) of
the Brazilian northeast, this musical drama tradition
includes theater, dances, music and poetry. The Cavalo
Marinho has been a source of study for researchers
of several areas and inspiration for theatre directors,
musicians, poets and Brazilian and foreign fine artists.
The analysis dealt with the importance of the music as
a vehicle for dialogue with the theatrical elements and
how it contributes to the evolution of the theatrical
texture of the performance, a subject little explored.
Keywords: Popular culture; folklore; music and theater.
44
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 31-44
Novembro de 2010
O USO DO PÍFARO INDUSTRIALIZADO NA
INICIAÇÃO DE CRIANÇAS À FLAUTA TRANSVERSAL
Alberto Sampaio
Mestre em Música e bacharel em Flauta Transversal pela Escola de Música da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); especialista em Música Brasileira
pela Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
Professor dos cursos de bacharelado e licenciatura da UEMG e professor na
Fundação de Educação Artística e escola de música Flutuar Orquestra de Flautas,
que também dirige.
[email protected]
Resumo
O presente artigo propõe o uso do pífaro industrializado
na primeira etapa de aprendizagem (iniciação)
de crianças na flauta transversal. Demonstramos
que o pífaro possui características que facilitam o
aprendizado inicial dos principais aspectos técnicos
da flauta. As características particulares do pífaro, em
alguns casos específicas, mas em outros casos análogas
às da flauta transversal, fazem dele um instrumento
adequado e propício para o ensino da flauta em seu
estágio mais inicial. Assim, este trabalho aponta para o
desenvolvimento de uma nova metodologia de ensino.
Palavras-chave: Flauta transversal; pífaro; crianças.
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 45-51
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O USO DO PÍFARO INDUSTRIALIZADO NA
INICIAÇÃO DE CRIANÇAS À FLAUTA TRANSVERSAL
MODUS
Introdução
O presente artigo é fruto do primeiro capítulo de nossa dissertação de mestrado,
defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2005, intitulada: “A
iniciação infantil à flauta transversal a partir do pífaro: repertório, aspectos técnicos e
recursos didáticos”. Nessa pesquisa estudamos a iniciação de crianças à flauta transversal
e propusemos a utilização da flauta pífaro nas primeiras etapas de aprendizagem.
Abordamos, em profundidade, os quatro principais aspectos técnicos trabalhados na
fase de iniciação, a saber: a maneira de segurar o instrumento, a emissão do som (a
embocadura e o sopro), os ataques com golpes de língua e o dedilhado (mecanismo).
Para se trabalhar cada um desses aspectos em consonância com as diretivas da área de
educação musical – como a diversidade e a criatividade – selecionamos e elaboramos
várias “ferramentas” didáticas, isto é, muitos materiais e atividades.
Para a montagem de um repertório amplo e diversificado, apropriado à iniciação
com o pífaro, selecionamos e analisamos 35 músicas, priorizando as brasileiras.
Cada uma delas foi analisada por tópicos, avaliando o seu potencial didático.
Com o intuito de se estabelecer parâmetros referenciais que pudessem propiciar
uma noção de progressividade no repertório, definimos 28 aspectos técnicomusicais e seus respectivos fatores de complexidade. A dissertação apresenta, ainda,
dois importantes recursos didáticos que foram elaborados e desenvolvidos para a
iniciação ao instrumento: as gravações de acompanhamento (todas as músicas do
repertório foram gravadas em um CD) e as partituras-gráficas (que utilizam grafias
não-convencionais).
No entanto, não é exatamente nesse repertório, nem tampouco nesse material
didático que nos deteremos aqui, mas tão somente nos aspectos particulares do
pífaro como instrumento de iniciação à flauta transversal, mostrando analogias e
diferenças entre os dois instrumentos.
A flauta transversal e a criança
Para as crianças, sobretudo as pequenas (com idade entre cinco e nove anos), a flauta
transversal é um instrumento muito grande, pesado e de difícil equilíbrio. Por ser
tocada transversalmente e com uma postura assimétrica - com deslocamento dos
braços à direita do eixo central do corpo - a flauta geralmente causa desconfortos
corporais, podendo inclusive provocar torções e tensões musculares que são,
obviamente, indesejáveis. Na fase inicial de aprendizagem, frequentemente, as crianças
têm dificuldades para sustentar o instrumento na posição própria para tocá-lo e, por
isso, costumam levar algum tempo para se adaptarem de forma razoável.
46
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 45-51
Novembro de 2010
Alberto Sampaio
Diante de tal problema, uma solução encontrada por alguns fabricantes foi a
substituição do bocal de formato convencional por um bocal-curvo, semelhante ao de
uma flauta-baixo. O uso desse bocal propicia às crianças um melhor posicionamento
de seus braços: o esquerdo já não necessita mais deslocar-se excessivamente em
direção à esquerda (permanecendo com o antebraço à frente do tronco) e o direito
não precisa mais ficar muito esticado lateralmente.
Porém, um bocal-curvo avulso, que pode ser encaixado em uma flauta de modelo
normal, é fabricado apenas no exterior e a um preço considerado caro para os
padrões brasileiros.
Atualmente, existem também flautas transversais que são projetadas especificamente
para crianças. Além de possuir o bocal-curvo para diminuir seu tamanho e peso, elas não
incluem as duas chaves da parte final do instrumento, que se chamam “pés”. Por esse
motivo, sua nota mais grave é o ré e não o dó. Outra característica muito interessante é o
formato diferente das chaves. Para que a criança não precise abrir tanto os dedos, foram
incluídos “adendos adaptadores” que ficam sobrepostos mais lateralmente com relação às
chaves normais de uma flauta padrão, que ficam bem acima dos furos do tubo.
Apesar de serem utilizadas em diversos países, as flautas transversais projetadas para
crianças ainda são raríssimas no Brasil. A razão disso é seu preço relativamente alto.
Há que se considerar, também, o fato de que em pouco tempo a criança cresce e passa
a tocar em um modelo normal, exigindo a substituição do primeiro instrumento.
Porém, o preço de uma flauta transversal convencional – especialmente as de
suficiente qualidade – é também elevado para os padrões econômicos da maioria
da população brasileira. Mesmo que as condições financeiras da família sejam boas,
como se trata de um investimento considerável, é perfeitamente compreensível que
os pais relutem na hora da compra de um instrumento com receio de que seus filhos,
em um futuro próximo, desistam de continuar o estudo.
O pífaro para a iniciação
Diante desse contexto, uma alternativa, levando-se em conta a realidade brasileira, é
a utilização da “flauta pífaro” industrializada no início do processo de aprendizagem,
anteriormente ao trabalho com a flauta transversal convencional. Esse período
inicial poderá variar, dependendo do caso, de alguns meses a pouco mais de
um ano. O pífaro industrializado tem demonstrado ser um grande facilitador
no processo de iniciação à flauta transversal. Os bons resultados observados na
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 45-51
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O USO DO PÍFARO INDUSTRIALIZADO NA
INICIAÇÃO DE CRIANÇAS À FLAUTA TRANSVERSAL
MODUS
contínua experiência didática com o pífaro1 permitem-nos afirmar que, devido às
suas características, ele é um catalisador para o desenvolvimento de crianças na fase
inicial de aprendizagem. Isso porque ele ameniza algumas das dificuldades inerentes
a essa fase, propiciando aos principiantes uma sensação de maior naturalidade e
familiaridade com o instrumento. Além disso, ao mudarem para a flauta transversal,
as crianças não costumam sentir nenhum tipo de ruptura que abale a fluência
natural de seu desenvolvimento musical. Pelo contrário, o momento de mudança é,
frequentemente, sentido como uma conquista, um marco, um novo impulso.
Com o intuito de evitar qualquer tipo de mal entendimento, é importante que
se faça uma diferenciação entre o pífaro industrializado e os pífanos, pífaros e/ou
pifes, que são instrumentos artesanais populares típicos do Nordeste brasileiro.
No Dicionário Musical Brasileiro de Mário de Andrade, os termos pífaro, pífano
e pife são tratados como sinônimos: “Pífaro (s.m.) – Instrumento de sopro, nome
genérico que indica flauta vertical ou transversal, de bambu ou de metal, sem chaves
e geralmente com seis orifícios; também chamado de gaita (no Nordeste), pífano
e flautim” (ANDRADE, 1999, p. 398). Já a flauta pífaro, objeto central de nossa
pesquisa, é uma flauta industrializada, cujo material de fabricação é o plástico.
O pífaro industrializado possui um tamanho pequeno, semelhante ao de uma flauta
doce soprano. Diferencia-se, porém, deste instrumento, essencialmente, por seu
bocal. A flauta pífaro é dividida em duas partes, cabeça e corpo, que são encaixáveis.
O bocal (cabeça) possui um pequeno porta-lábio, semelhante ao de uma flauta
transversal. O corpo do instrumento possui oito orifícios e não apresenta nenhuma
chave ou mecanismo. Diferentemente dos pifes artesanais, o industrializado possui
um orifício destinado ao dedo polegar da mão esquerda. A escala (posição e tamanho
dos furos) foi projetada para a tonalidade de dó maior. Como o flautim, o pífaro soa
exatamente uma oitava acima da flauta transversal: sua tessitura abrange a extensão,
que vai do dó-4 até o mi-6.
O preço de um pífaro é bastante baixo, similar ao de uma simples flauta doce soprano de
plástico, e ele encontra-se à venda em lojas especializadas em instrumentos musicais. Se
comparado ao valor de uma flauta transversal, o custo não ultrapassará a casa dos 3%.
Encontram-se à venda no Brasil pelo menos duas marcas de pífaro industrializado:
Yamaha e RMV (de fabricação brasileira), de design e qualidade praticamente iguais.
No exterior esse instrumento é comumente chamado de yamaha-fife.
1 Há cerca de 20 anos, o pífaro vem sendo adotado no Centro de Musicalização Infantil da Escola de Música da UFMG.
Além dessa escola, utilizamos o instrumento também durante todo esse tempo, em outras instituições de ensino como,
por exemplo, na Fundação de Educação Artística e, mais recentemente, em um projeto de cunho sociocultural intitulado
Projeto Vila Aparecida, realizado por essa fundação.
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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 45-51
Novembro de 2010
Alberto Sampaio
O pífaro possui semelhanças significativas em relação à flauta transversal:
• A forma de emissão sonora e o tipo de embocadura do pífaro são idênticos aos da
flauta. Tanto o nível de pressão de sopro como o trabalho de controle do fluxo da
coluna de ar funcionam de maneira semelhante nos dois instrumentos. Podemos
afirmar ainda que ambos possuem praticamente o mesmo nível de dificuldade para
a emissão. Se comparado ao flautim de madeira, instrumento de mesmo tamanho, o
pífaro é mais fácil para um iniciante, sobretudo em seu registro grave;
• em toda a extensão do pífaro, os dedilhados das notas dentro da escala diatônica de
dó maior são idênticos aos da flauta transversal. Consideramos pertinente destacar que
essa afirmativa inclui os dedilhados das notas dó e ré do registro médio, diferentemente
da flauta doce que possui outros dedilhados para essas notas. Além disso, os dedilhados
do dó#, tanto o médio quanto o agudo, são os mesmos da transversal;
• ao tocar o instrumento, o posicionamento básico das mãos, ou seja, a maneira de
se segurar o pífaro, é equivalente ao da flauta transversal. Nesse sentido, podemos
especialmente destacar o tipo de contato que acontece na mão esquerda, notadamente
na base do dedo indicador (fator que gera uma firmeza), e, por outro lado, na mão
direita, as posições dos dedos polegar e mínimo;
• os golpes de língua também funcionam de forma idêntica em ambos os instrumentos;
• o timbre do pífaro possui uma proximidade razoável com o timbre característico
da flauta transversal em seus registros médio e agudo.
Em comparação com a flauta transversal, o pífaro possui qualidades importantes
que favorecem os primeiros contatos da criança com o instrumento. Ressaltamos os
seguintes aspectos que os diferenciam:
• Devido a seu pequeno tamanho - praticamente a metade de uma flauta transversal
- e peso reduzido, o pífaro apresenta maior facilidade para a criança segurar o
instrumento, proporcionando-lhe maior comodidade e equilíbrio;
• por ser de plástico, o pífaro pode, sem problemas, cair no chão, bater em
outros objetos, arranhar, molhar etc. Disso surge um ambiente de maior soltura e
naturalidade, características altamente desejáveis na fase inicial de contato com um
instrumento, sobretudo, em se tratando do universo infantil.
A única desvantagem, por assim dizer, em se começar com o pífaro é que, assim
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 45-51
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O USO DO PÍFARO INDUSTRIALIZADO NA
INICIAÇÃO DE CRIANÇAS À FLAUTA TRANSVERSAL
MODUS
como acontece no aprendizado da flauta doce, o aluno precisa, com os dedos, fechar
completamente os orifícios do corpo do instrumento, pois uma mínima fresta pode
comprometer a emissão do som. Iniciar com o pífaro exige, portanto, um pouco mais
da coordenação motora fina das mãos e uma maior sensibilidade nas pontas ou polpas
dos dedos. É preciso dar atenção a esse aspecto, principalmente na medida em que se
vai aprendendo as posições das notas mais graves. Isso demanda um número maior de
dedos em contato com pífaro, fechando cada orifício. Algumas crianças, especialmente
as menores, podem levar algum tempo para adquirir tal nível de destreza.
Outro aspecto que diferencia a iniciação realizada com o pífaro refere-se ao nível de
dificuldade de emissão das notas mais graves do instrumento. Uma característica da
acústica da flauta transversal é a sua tendência natural à diminuição de volume sonoro à
medida que as notas se tornam mais graves. No pífaro, por outro lado, esse problema pode
ser considerado relativamente pequeno. Não há dúvidas de que também exista alguma
perda de volume, mas emitir a nota dó grave no pífaro é bem mais fácil do que na flauta
transversal. Um aluno que inicia diretamente neste segundo instrumento, levará um
tempo maior para conseguir tocar de maneira consistente, conforme se pode constatar na
“pergunta” de Artaud: “[...] por que atormentar o aluno com o dó sustenido e o dó natural
graves se, seis meses mais tarde, esses problemas se resolverão por si mesmos, com o sopro
mais firme e a embocadura mais segura?” (ARTAUD, 1995, p. 10).
Finalmente, é importante acrescentar que, se por um lado, o pífaro pertence à família
da flauta transversal por possuir semelhanças quanto à forma de emissão, à maneira
de segurar e ao dedilhado, por outro, ele compartilha com a flauta-doce algumas das
qualidades que fazem dela um excelente instrumento para a iniciação de crianças
à música: seu tamanho e leveza, sua resistência a quedas e a pequenos acidentes
(podendo inclusive se molhar), além de preço acessível.
Conclusão
Por todas as razões apresentadas nesse artigo, podemos concluir que o pífaro é um
instrumento que prepara e precede, de forma adequada, a iniciação infantil à flauta
transversal. Assim, cremos estar clara a pertinência do desenvolvimento de uma
metodologia de ensino que o utilize como possibilidade real e eficaz, levando em
consideração aspectos específicos da realidade e da cultura brasileira e apresentando
materiais didáticos, atividades e repertório adequados, criativos e diversificados.
Nesse sentido, acreditamos que exista um grande potencial para a multiplicação do
uso do pífaro no Brasil. Assim, uma nova proposta surge como sopros de vitalidade.
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Novembro de 2010
Alberto Sampaio
REFERÊNCIAS
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D’ávila e Carmem C. O. Gonçalves. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1995.
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SAMPAIO, A. A iniciação infantil à flauta transversal a partir do pífaro: repertório,
aspectos técnicos e recursos didáticos. Dissertação (Mestrado em Música) - Escola
de Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte 2005.
The usage of the yamaha-fife as an
introductory tool to the flute for children
Abstract
The current article proposes the use of pífaro flute
(Yamaha-fife) in the first stage of children’s introduction
to transverse flute learning. This paper demonstrates
that, because the pífaro has facilitating characteristics
to the learning of the transverse flute, main aspects
of the flute technique could be developed. Pífaro’s
specific features, sometimes different, but in other
cases similar to the transverse flute, make it suitable
and favorable to the pedagogy of the flute in its earliest
stage. This paper points, thus, to the development of a
new teaching methodology.
Keywords: Flute; yamaha-fife; children.
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MODUS
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Novembro de 2010
ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
Fernando Macedo Rodrigues
Bacharel em Violão, com especialização em Didática Musical; mestre em Práticas
Musicais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é
professor e coordenador do curso de Licenciatura em Música com habilitação em
Instrumento ou Canto da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG). Atua como violonista e guitarrista em diversos grupos em Belo
Horizonte.
[email protected]
Resumo
Este artigo1 descreve os procedimentos utilizados pelos
participantes do projeto Arena da Cultura de 2006,
ao começar a tocar os instrumentos violão e guitarra.
Nesta pesquisa, utilizamos o método qualitativo,
ou naturalístico, bem como técnicas etnográficas de
coletas de dados. A proximidade de familiares e/ou
pares que já tocavam influenciaram na escolha e no
desenvolvimento do aprendizado do instrumento.
Como recursos adicionais dessa aprendizagem,
ressaltamos a utilização da linguagem de cifras, de
fitas de videocassete e do processo de “tirar músicas de
ouvido”. Dentre as principais conclusões, destacamos
que os entrevistados foram ensinados por pessoas de
seu convívio e aprimoraram sua percepção musical,
o que proporcionou maior desenvolvimento em sua
aprendizagem no violão.
Palavras-chave: Aprendizagem de violão; aprendizagem
musical não-formal e informal.
1 Resumo da dissertação: “Tocar violão: um estudo qualitativo sobre os processos de aprendizagem dos participantes
do Projeto Arena da Cultura”, defendida em maio de 2007 no Programa de Pós-Graduação em Música da UFMG –
Mestrado, sob a orientação da professora doutora Walênia Marília Silva.
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 53-66
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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
MODUS
Introdução
O violão é um dos instrumentos de grande popularidade no Brasil. Hoje em dia,
sua presença pode ser notada em shows, concertos, reuniões de amigos, escolas e nos
mais diversos espaços e estilos musicais. Devido, em grande parte, à sua populariade
e praticidade, muitas pessoas escolhem o violão com a intenção de começar a tocar
um instrumento. A aprendizagem desse instrumento pode ser observada em diversos
ambientes, com diferentes níveis de ensino. De uma maneira geral, podemos destacar
as aulas particulares de instrumento, as aulas em escolas formais de música e as que
acontecem em ambientes fora do contexto escolar.
Em 2006, fomos convidados a realizar uma oficina e um workshop de violão e
guitarra no projeto Arena da Cultura, patrocinado pela Fundação Municipal de
Cultura, em Belo Horizonte. O projeto foi implementado em 1998, gratuito,
direcionado a um público de baixa renda - sem acesso às escolas de música da cidade
- e com a proposta de uma ação extensa nas nove administrações regionais de Belo
Horizonte, englobando oficinas de Artes Cênicas, Artes Plásticas e Música.
Observamos que os participantes desse projeto, em sua maioria, já estavam compondo
e tocando seus instrumentos em atividades nas suas comunidades. Muitos deles
nunca haviam frequentado aulas regulares de música ou de instrumento. De que
maneira essas pessoas aprenderam a tocar?
O objetivo principal desta pesquisa consistiu em obter esclarecimentos que pudessem
ser agregados aos estudos já existentes sobre a aprendizagem musical em ambientes
externos à escola, em especial a aprendizagem de violão desenvolvida exclusivamente
fora do ambiente escolar de ensino musical.
Historicamente, esse tema vem despertando o interesse de vários estudiosos e/ou
educadores musicais, dentre os quais Green (2001), Gohn (2003), Feichas (2006)
e Libâneo (2007) – de uma forma mais abrangente. Corrêa (2000), Willie (2003)
e Rodrigues (2004), que trataram do aprendizado do violão de uma forma mais
específica. No entanto, além da fundamentação nos estudos mencionados, para
atingir os objetivos deste trabalho, faz-se necessário atentarmos para a utilização de
alguns conceitos referentes ao aprendizado fora dos contextos tradicionais de ensino
musical, os quais são descritos a seguir.
Educação musical formal, não-formal e informal
Há várias interpretações para os termos da aprendizagem musical que acontece fora
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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 53-66
Novembro de 2010
Fernando Macedo Rodrigues
dos ambientes da escola tradicional de música. Autoaprendizagem, aprendizagem
informal e não-formal são algumas definições associadas a essa aprendizagem, não
havendo, por parte dos autores, unanimidade quanto à utilização de tais conceitos.
Há um consenso entre pesquisadores ao associar o termo “aprendizagem formal”
ao ensino sistematizado que ocorre em escolas e instituições de ensino musical
(GREEN, 2001; GOHN, 2003; WILLE, 2003; RODRIGUES, 2004; FEICHAS,
2006; LIBÂNEO, 2007).
Green (2001) e Feichas (2006) utilizam o termo “informal” para delimitar aquela
aprendizagem que ocorre fora do ambiente escolar. Há autores que separam as
definições dessa aprendizagem em dois conceitos: informal e não-formal. Esses
autores destacam a atitude intencional (não-formal) ou não intencional (informal)
por parte do aprendiz na busca pelo seu aprendizado. Sendo esse um fator diferencial
na definição dos termos (LIBÂNEO, 2007).
Como educação intencional, o autor separa as modalidades em educação formal, que
seria “aquela estruturada, organizada, planejada intencionalmente, sistemática, sendo
que a educação escolar convencional seria o exemplo típico” (LIBÂNEO, 2007, p.
88); e educação não-formal, constituída por “aquelas atividades que possuem caráter
de intencionalidade, mas pouco estruturadas ou sistematizadas, onde ocorrem relações
pedagógicas, mas que não estão formalizadas” (LIBÂNEO, 2007, p. 89).
Como não intencional, Libâneo (2007) destaca o termo “educação informal”,
que “considera mais adequado para indicar uma modalidade de educação que
resulta do ‘clima’ onde os indivíduos vivem, pois não existem metas ou objetivos
preestabelecidos conscientemente” (LIBÂNEO, 2007, p. 90).
A pesquisa foi realizada adotando os conceitos de educação formal, não-formal e
informal desenvolvidos por Libâneo (2007).
Metodologia
Para observar e compreender os processos e recursos utilizados para a aquisição
de conhecimento prático nos instrumentos violão e guitarra, foi necessária uma
aproximação com os participantes do projeto Arena, em 2006. A proximidade
conduz o processo de investigação para um estudo naturalístico ou qualitativo do
objeto a ser estudado. Essa modalidade de pesquisa “envolve a obtenção de dados
descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada,
enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva
dos participantes” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 13).
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 53-66
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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
MODUS
Tal pesquisa desenvolveu-se com o auxílio das técnicas etnográficas de coletas de dados,
como observação participante, questionários, entrevistas semiestruturadas e análise
documental. O questionário padronizado foi elaborado a partir dos modelos utilizados
por Corrêa (2000) e Rodrigues (2004) e distribuído a todos os 55 participantes das
oficinas de violão e workshops de guitarra no projeto Arena da Cultura.
No cruzamento das respostas, foi possível apontar 22 pessoas que já tocavam
sem nunca frequentar aulas de instrumento e estavam aptas para participar da
entrevista. Foram realizadas nove entrevistas semiestruturadas, gravadas em áudio,
com a finalidade de aprofundar as questões em relação ao aprendizado e identificar
os procedimentos utilizados para que ele fosse possível. Queiroz (1988) define as
histórias de vida como sendo “o relato de um narrador sobre sua existência através
do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a
experiência que adquiriu” (QUEIROZ, 1988, p. 20).
As entrevistas realizadas foram observadas e analisadas primeiramente levando em
conta os comentários de cada entrevistado para, num momento seguinte, agrupálos em categorias e, assim, delinear seus processos de aprendizagem (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 221).
Os dados obtidos com questionários, entrevistas, observação participante e análise
documental podem ser comparados pela consistência da informação e também
checados por meio desses procedimentos, associados com a revisão bibliográfica.
A triangulação das informações é definida como a “verificação de um dado obtido
através de diferentes informantes, em situações variadas e em momentos diferentes”
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 52). Como resultado, as entrevistas podem confirmar
e apoiar informações recolhidas nos questionários, e os dados das observações podem
ser confrontados com os dados das entrevistas (FEICHAS, 2006, p. 33).
Processos de aprendizagem identificados entre os participantes
Através dos depoimentos, observamos que todos os entrevistados tiveram a
oportunidade de maior proximidade com pessoas de seu convívio que têm ou tiveram
algum contato com música. São pais, irmãos, tios, primos, colegas de escola, vizinhos
que, quando estavam tocando, podiam despertar interesse naqueles que observavam
e que talvez gostassem de aprender a tocar violão. Algumas dessas pessoas próximas
aos entrevistados se colocaram à disposição para dar mais informações referentes ao
instrumento, estimulando os interessados a iniciar e/ou aprofundar seu aprendizado.
Quando uma pessoa decide tocar violão, as músicas que servirão de referência
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Novembro de 2010
Fernando Macedo Rodrigues
inicial provavelmente serão aquelas que escutou e reconhece. Temos aí um pequeno
exemplo de “enculturação”, definido como um processo através do qual um indivíduo
é influenciado pela cultura na qual está imerso. De acordo com Silva (1995), podemos
considerar como enculturação musical “o aprendizado que acontece como resultado de
nossa exposição aos produtos musicais de nossa cultura durante a infância, junto com
a aquisição de habilidades em reproduzir pequenas canções” (SILVA, 1995, p. 85).
Segundo Green, “está claro que os adultos e outras pessoas próximas, inclusive
irmãos e amigos, têm um efeito profundo nos modos nos quais as crianças e jovens
são musicalmente enculturados” (GREEN, 2001, p. 22). A autora ainda cita como
exemplo pesquisas no campo da psicologia musical, sugerindo que o apoio familiar
de vários tipos é um dos fatores cruciais para a formação de músicos eruditos.
No âmbito da música popular, a autora obteve resultados semelhantes em seu estudo:
“a probabilidade é que os pais cumprem um papel proeminente na formação dos
músicos populares” (GREEN, 2001, p. 24). Isso, de acordo com a autora, é devido
à ênfase que é dada no aprendizado das práticas em música popular nas famílias.
Porém, ela ressalta a necessidade de novas pesquisas para a verificação desse fato.
Através dos relatos, foram observadas duas situações de aprendizagem:
a) uma pessoa ensina à outra ou a várias pessoas, o que, no âmbito desta pesquisa,
chamamos de “aprendizado vertical”;
b) aquele que ensina em um momento coloca-se na posição de aprendiz em um
momento seguinte, o que promove um compartilhamento de informações que
chamamos de “aprendizado horizontal”.
Na primeira situação, temos uma pessoa assumindo o papel momentâneo e inconsciente
de professor, ensinando movimentos necessários para realizar os acordes e/ou ritmos no
violão. A outra pessoa se coloca no papel de aprendiz, também de maneira inconsciente,
ou seja, sem delinear essa interação como uma aula específica de música.
Essas situações nos levam à seguinte reflexão: todos os entrevistados relataram
que nunca tiveram aulas de violão ou guitarra, mas, em suas declarações,
comentaram sobre situações nas quais havia sempre alguma pessoa tocando violão e,
inconscientemente, mostrando como tocar. Eles (os entrevistados) não identificavam
essas situações como aulas, nem a pessoa que estava tocando como professor. Esses
momentos são encarados muito mais como uma ajuda e/ou coleguismo daquele
que sabe tocar para com aquele que quer aprender do que aulas propriamente ditas.
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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
MODUS
Consideramos então que os entrevistados aprenderam a tocar com outras pessoas,
familiares ou colegas, mas não se submeteram a aulas de violão.
Ao longo dos relatos, observamos a existência de uma relação entre o início do
aprendizado do violão e pessoas do convívio familiar - amigos e colegas. Primeiramente
entre familiares, quando houve o contato inicial com o instrumento em situações em
que os entrevistados viam pessoas tocando em reuniões ou encontros familiares. O
acesso ao instrumento era facilitado, sempre havia um instrumento na própria casa
ou na de parentes e vizinhos. Assim, os futuros aprendizes não precisavam comprar
um violão para começar a aprender. Esse aprendizado teve o consentimento e o
incentivo daqueles que já tocavam, e, em alguns casos, esses violonistas mostravam
os primeiros acordes e ritmos para aqueles que desejavam aprender.
No momento em que o aprendizado está acontecendo, com a presença de uma
pessoa mostrando como tocar, três aspectos importantes devem ser destacados:
a) a coordenação motora responsável pelos movimentos necessários para tocar com
ambas as mãos;
b) o aspecto visual. O aprendiz observa a região do violão utilizada e o que o
violonista faz para tocar, tentando imitar os movimentos que estão sendo feitos;
c) o aspecto auditivo. O aprendiz está escutando o resultado sonoro dos movimentos
realizados pelo violonista enquanto este toca. A audição também é responsável pela
verificação, pois num momento seguinte, o aprendiz observa se o som está igual
àquele que foi tocado pelo violonista.
No momento do aprendizado, esses três aspectos funcionam conjuntamente em
tentativas e erros: o aprendiz observa, tenta fazer e, se não conseguir o mesmo
resultado sonoro, efetua novas tentativas, seguindo o procedimento até tocar de
maneira semelhante ao que ouviu.
Recursos utilizados na aprendizagem
Após o contato inicial com o instrumento e seguindo a decisão de começar a tocar
violão, os entrevistados empregaram procedimentos que auxiliaram no início do
aprendizado, a saber:
a) utilização de músicas cifradas, obtidas em revistas ou pela internet;
b) fitas de videocassete/DVD;
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Fernando Macedo Rodrigues
c) auxílio de pessoas próximas/grupos e bandas;
d) utilização do processo de “tirar músicas de ouvido”.
É importante salientar que não há uma hierarquia de valores na sequência dos
procedimentos citados.
Revistas com cifras
Dentre os nove entrevistados, oito relataram que em seu aprendizado tiveram contato
com cifras por meio de publicações específicas para tal fim (revistas de cifras) e, mais
recentemente, pela internet. “Os sites se tornam diferentes bibliotecas, e é possível
acessá-las, sem custo, comparando versões, ou quando algo não é encontrado,
buscando outras fontes” (CORRÊA, 2000, p. 153).
Nas revistas, as cifras aparecem acima da letra da música e a sua localização indica
o momento mais próximo que se deve tocar o acorde para que ele coincida com
a letra. Para isso, o executante deverá ter o conhecimento prévio do ritmo e da
melodia da música que ambiciona tocar. Acompanhando a letra da música, a
maioria dessas revistas traz gráficos do braço do violão com indicações de números
que correspondem aos dedos e cordas que devem ser pressionadas para tocar aquele
acorde específico. Não há uniformidade para a apresentação desses gráficos, ficando
a cargo da editora de cada revista sua padronização.
Os violonistas, ao usar as cifras, podem apenas identificar a letra com a posição a
ser feita, sem associá-la a conceitos teóricos de formação de acordes. Por exemplo:
a letra A remete à posição que corresponde ao lá maior. O iniciante, possivelmente,
não fará essa associação, ele não dará o nome de lá maior para a letra A porque essa
informação não está descrita na revista. Então, ele fará somente a associação com a
forma correspondente à posição A.
Fitas de videocassete
O videocassete e, mais recentemente, o DVD fazem parte do desenvolvimento
tecnológico citado por Gohn (2003). De acordo com o autor, a informação em vídeo
“tornou-se uma importante referência, substituindo parcialmente a necessidade da
presença física no local da realização musical” (GOHN, 2003, p. 19).
Uma das principais características destacadas no uso do vídeo é a possibilidade de
manipulação da imagem e do som. A pessoa poderá assistir na hora que for mais
conveniente, alterar a velocidade da exibição ou repetir trechos que chamaram a sua
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 53-66
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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
MODUS
atenção, tanto no aspecto visual quanto no aspecto sonoro, para uma observação
detalhada.
Entretanto, para a certificação dessas possibilidades do aprendizado pela utilização de
meios visuais como videocassete e DVD, novas pesquisas necessitam ser realizadas.
Grupos e bandas
Conforme já mencionado, a presença de familiares e amigos exerceu considerável
influência sobre o aprendiz, auxiliando tanto na escolha do instrumento quanto no
início e desenvolvimento do aprendizado dos entrevistados.
Podemos destacar como outro ambiente de aprendizagem a reunião de colegas
para tocar músicas afins, o que, na maioria das vezes, acaba dando origem a grupos
musicais amadores.
De acordo com Corrêa (2000), “as bandas representavam um espaço significativo para
trocas de aprendizagens do violão e guitarra. Muitas vezes serviam também de motivação
e justificativa para se dedicarem ao estudo do instrumento” (CORRÊA, 2000, p. 143).
Robson , um dos entrevistados, relatou sua experiência como convidado de um
colega músico para um ensaio de sua banda. Naquela oportunidade, ele procurava
observar como o guitarrista estava tocando, na tentativa de aprender a fazer da
mesma forma. Passou, então, a prestar atenção nos movimentos da mão esquerda e
na região do braço da guitarra, onde determinado solo era realizado, com o intuito
de aprender como fazer - aprendizado não-formal. Em um momento seguinte, com
maior disponibilidade, ele tentava realizar os mesmos movimentos em casa para
conseguir tocar como o guitarrista do ensaio.
Vemos descrito aqui um processo básico de observação, tentativa de repetição, erro/
acerto. O aprendiz elege seu objeto de referência e o copia, tentando obter a maior
proximidade possível com sua performance musical.
Tirando músicas de ouvido
Essa categoria emergiu inicialmente no questionário com a pergunta: Qual(is)
material(is) você utilizou no início do seu aprendizado? Uma das alternativas
indicadas era: CDs/fitas cassete (tirar músicas de ouvido). Posteriormente, a
categoria foi dividida em subcategorias nas quais discutimos os diferentes materiais e
procedimentos utilizados no início da aprendizagem através dessa prática.
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A expressão “tirar músicas de ouvido”, citada nesta pesquisa, refere-se à tentativa
do aprendiz de “reproduzir no violão/guitarra um determinado trecho musical
utilizando a audição proveniente de uma fonte sonora gravada, como, por exemplo,
CDs, DVDs e músicas no computador” (GREEN, 2001, p. 24). Essa autora
destaca que a audição, de uma maneira geral, “é uma atividade crucial para todos os
músicos” (GREEN, 2001, p. 24). Na aprendizagem, a audição associa-se à visão e à
coordenação motora, orientando o que estamos ouvindo ou tocando.
Vale ressaltar que “tirar músicas de ouvido” pode ser definido como técnica de
aprendizagem quando o universo estudado contempla apenas iniciantes. Porém, é senso
comum que essa prática constitui um meio legítimo de músicos experientes trabalharem
musicalmente, pois “tirar músicas de ouvido”, “transcrever” uma música ou “fazer notação”
musical de uma determinada composição é recurso comum e necessário à atividade do
músico em geral. Para efeito dos estudos desta pesquisa, foi considerado o caráter didático
dessa prática como instrumento de aprendizagem de iniciantes, não retirando dela seu
mérito como ferramenta usual entre músicos profissionais.
A seguir, são descritos procedimentos enfatizados nas entrevistas sobre os processos
de tirar músicas de ouvido. Essa metodologia assume maior ou menor grau de
destaque de acordo com a percepção que cada entrevistado tem desse procedimento.
Audição como referência: tocando e comparando
Com o CD e a revista com a cifra (acordes) da música que deseja em mãos, o aprendiz
necessita inicialmente afinar o violão “junto com o CD”, isto é, fazer com que as
alturas dos acordes, indicados na cifragem da revista, correspondam às alturas do CD.
Nesse sentido, ele compara aquilo que está tocando com o que está ouvindo. Se achar que
não está parecido, tentará novamente até que consiga tocar de uma forma semelhante à
música. Nesse processo de comparações e novas tentativas, durante seu empenho para
conseguir reproduzir os aspectos rítmicos e melódicos da música, há um desenvolvimento
prático no instrumento e também na percepção musical do aprendiz.
Simplificação na substituição dos acordes desconhecidos
Quando alguns dos entrevistados encontravam nas músicas acordes com dissonâncias
ou com sonoridades diferentes daquelas conhecidas, eles procuravam simplificar
esses acordes, retirando as dissonâncias e/ou executando somente o acorde básico,
sem nenhuma nota acrescentada, no sentido de facilitar sua tocabilidade.
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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
MODUS
Os acordes dissonantes eram substituídos por acordes conhecidos e que possuíam
uma sonoridade próxima àquela procurada. A música, como descrito no relato de
Cláudia, “[...] não ficava igualzinha, [...] mas dava pra tocar”. Devemos destacar que
foram percebidos os acordes que estavam de acordo com a música e os que poderiam
ser tocados, mas que não representavam a mesma sonoridade dos acordes originais.
Nenhum entrevistado deixou de tocar alguma música por não reconhecer ou não
saber tocar algum acorde, pois sempre se buscava elaborar uma versão de execução
facilitada da música.
Buscando sonoridades: nota, power chord, acorde maior ou menor
Observamos nesse procedimento o mesmo processo de tentativas/erros e comparação
descrito anteriormente. Ao escutar um acorde, Robson tocava uma nota no violão,
nas cordas graves, e deslizava o dedo pelo braço do instrumento na tentativa de
encontrar a nota que se igualasse à nota fundamental do acorde que estava ouvindo.
Quando encontrava a fundamental, ele montava, a partir dessa nota, um power chord3.
Com o objetivo de completar a sonoridade que ouviu, Robson tocava a partir
do power chord um acorde maior ou um menor, experimentando “[...] encaixar,
modulando ele para maior ou menor”, escolhendo aquele acorde que, segundo sua
percepção, possuísse uma sonoridade mais próxima do original. E assim, através de
tentativas e erros, ele comparava a sonoridade que estava tocando com sua referência
sonora, decidindo-se por qual acorde utilizar.
Tirando músicas com acordes já conhecidos
Márcio experimentava os acordes que já conhecia na música que estava tentando
tocar e comparava, a fim de verificar se nessa música havia algum desses acordes. Ele
comenta que “[...] normalmente o rock e o pop-rock são quatro ou cinco acordes
no máximo, não tem muita mudança [...]”. O fato de possuir poucos acordes é
uma característica dos estilos citados, geralmente no âmbito dos acordes maiores,
menores e maiores com 7ª menor, não possuindo tensões como 9ª, 11ª e 13ª. Assim,
sua execução no violão fica facilitada. Nesse sentido, houve uma transferência de
aprendizagem: Márcio experimentava adaptar o material que conhecia - como
acordes, por exemplo - a uma música que não sabia tocar.
Elegendo trechos a serem tirados de uma música
Reinaldo enfatiza a maneira como dividia a música em partes, com o objetivo de
tirar cada parte de uma vez, seguindo assim até o final da música. Ele destaca a
repetição de cada parte – “[...] aí eu tentava fazer aquilo mais de três vezes [...]”
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– como forma de aprender a sequência dos acordes e do ritmo da música. Após
repetir este procedimento em todas as partes determinadas, “[...] eu pegava a música
todinha e tocava junto com o CD”, certificando-se de que aquilo que estava tocando
coincidia com o que ouvia. Com a possibilidade de repetir um trecho qualquer
desejado, através desses recursos, o aprendiz tem a oportunidade de fazer correções
nas partes em que a execução não está semelhante ao CD e voltar, caso queira, a
tocar o trecho novamente.
Nos procedimentos descritos (simplificação na escolha dos acordes; busca por uma
sonoridade – qual acorde usar; tirar as músicas com acordes já conhecidos e elegendo
trechos a serem tirados), a audição tem um papel importante, sendo a principal
referência na comparação entre diferentes fontes sonoras. Na tentativa de “tirar uma
música de ouvido”, há uma mistura desses processos, pois eles não são excludentes
e podem acontecer concomitantemente, em maior ou menor grau, dependendo da
habilidade e da percepção do aprendiz.
Conclusão
O objetivo desta pesquisa foi identificar os procedimentos adotados por alguns
participantes do projeto Arena da Cultura na sua aprendizagem de violão. Através
dos relatos dos entrevistados, procuramos reconstruir os acontecimentos ligados às
experiências vividas na aprendizagem do instrumento.
Em relação aos procedimentos na aprendizagem do violão, podemos ressaltar que,
inicialmente, foi através do ambiente familiar que os entrevistados tornaram-se
musicalmente enculturados (GREEN, 2001, p. 22). As primeiras referências musicais
sobre o que escutar vieram da família. Dos nove entrevistados, seis relataram que
alguém na sua família tocava violão. Eram pais, irmãos, tios e primos que geralmente
tocavam nos encontros familiares, propiciando ao aprendiz uma oportunidade de ver e
ouvir alguém tocando o instrumento. Posteriormente, essas referências musicais foram
ampliadas através do convívio com seus pares, amigos, vizinhos e colegas de escola.
Em todas as situações de aprendizagem, seja no convívio com familiares ou no contato
com seus pares, notamos que não houve menção, por parte dos entrevistados, a uma
aula ou a alguma situação que a caracterizasse. Nenhum dos entrevistados associou
aquele que está mostrando como fazer a alguém que exerce o papel do professor e
aqueles que estão aprendendo aos que exercem o papel dos alunos. Apesar de não
identificarem aqueles momentos como aula, os entrevistados foram efetivamente
ensinados a tocar. Dessa forma, concluímos que, através da proximidade com
pessoas que estão tocando, podem surgir o desejo e a oportunidade de iniciar um
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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃO
FORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES
MODUS
aprendizado no violão.
Podemos reconhecer a importância da presença de um orientador, introduzindo,
supervisionando, corrigindo e direcionando o desenvolvimento das habilidades
musicais do aprendiz. Normalmente, esse papel é exercido exatamente pelo professor
de violão, definido como a pessoa mais adequada para o ensino do instrumento.
Conforme evidenciam os relatos dos participantes da pesquisa, esse papel foi
assumido por alguém “não habilitado” e não reconhecido como professor, mas que,
na prática, exerceu exatamente essa função. Isso só reforça a hipótese de que, na
verdade, em nenhum dos casos estudados, houve autodidatismo puro.
No processo de “tirar músicas de ouvido”, observamos uma multiplicidade de
procedimentos que variavam de acordo com o nível de percepção de cada entrevistado.
Houve unanimidade em relação à ideia de que, no início da aprendizagem, não
conseguiam “tirar músicas de ouvido”. Os participantes relataram que, com a prática,
começaram a identificar alguns acordes ou partes de uma música. Conscientemente
ou não, com o passar do tempo, “tirar músicas de ouvido” deixou de ser um problema.
A aquisição de conhecimento musical ocorreu sem o vínculo ao ensino formal do
instrumento. Esse fato demonstra que, mesmo existindo múltiplos procedimentos que
viabilizam a prática do violão, a persistência e a perseverança dos entrevistados em
aprender a tocar foram significativas para que o aprendizado ocorresse. Além disso,
durante a busca pelo conhecimento, a percepção musical dos aprendizes entrevistados
foi aperfeiçoada. E com a prática do violão e a compreensão dos possíveis materiais a
serem utilizados, o objetivo inicial desses aprendizes (que era tocar violão) foi atingido.
Isso nos permite considerar as possibilidades de adaptação e/ou aproveitamento
desses mesmos procedimentos pelos educadores musicais como forma de auxílio na
metodologia de ensino.
Sendo assim, podemos considerar válidos os processos de aprendizagens
identificados nessa pesquisa (informais e não-formais) não como únicos, mas como
possíveis ferramentas para facilitar o aprendizado do violão. O desafio é aproveitar
as oportunidades oferecidas por esse processo de aprendizagem que ocorre fora dos
contextos formais do ensino institucionalizado da música, agregando seu potencial
didático ao ensino musical formal.
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Fernando Macedo Rodrigues
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47-50, Jan./Jun. 2003.
Aspects of learning acoustic
guitar outside school contexts
Abstract
This article describes the procedures used by the
participants of the “Arena da Cultura” Project, in 2006,
when they begun playing the acoustic and electric
guitar. In this research, it was used the qualitative or
naturalistic method and etnografic techniques of data
collections. The contact with relatives and friends
who play guitar had influence over their choice and
development of learning. Additional resources of this
learning stood out: the use of the language of chords,
as well as the use of video-tapes and “catching music by
ear”. The main conclusions were that the participants
learnt how to play with their relatives and friends and
there were an improvement in their musical perception
and a development in their guitar learning.
Keywords: Informal and non-formal acoustic guitar
learning; guitar learning.
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Novembro de 2010
ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DE
AQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES
Cristina de Souza Gusmão
Fonoaudióloga graduada pela FEAD/Minas - Centro de Gestão Empreendedora,
especialista em Voz pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/
MG). Graduada em música com habilitação em canto pela Universidade do Estado
de Minas Gerias (UEMG). Atualmente, trabalha com assessoria e consultoria para
profissionais da voz. É cantora integrante do Grupo Experimental de Ópera (GEL)
da UEMG, professora de canto e preparadora vocal.
[email protected]
Roberta Bahia Pereira
Fonoaudióloga graduada pela FEAD/Minas, especialista em Voz pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Atriz e professora de
expressividade. Atualmente, trabalha na reabilitação vocal de profissionais da voz.
[email protected]
Luciana Lemos de Azevedo
Graduada em Fonoaudiologia, doutora e mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade
Federal de Minas Gerias (UFMG); especialista em Distúrbios da Comunicação Humana
pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com aperfeiçoamento em Audiologia
pela Faculdade Metodista Isabela Hendrix (Famih); especialista em Voz pelo Conselho
Federal de Fonoaudiologia (CFFa) e certificada pelos Métodos de Tratamento Vocal Lee
Silverman e Lessac-Madsen. Atualmente, é professora adjunta III da PUC Minas.
[email protected]
Maria Emilia Oliveira Maia
Fonoaudióloga graduada pela FEAD/ Minas; especialista em Voz pelo Centro de
Estudos da Voz (CEV) - São Paulo, graduada em Psicologia pela Universidade
Fundação Mineira e Educação e Cultura (Fumec/BH), especialista em Psicologia
Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia. Atua em atendimento clínico com
assessoria e consultoria ao profissional da voz.
[email protected]
REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 67-76
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ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DE
AQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES
MODUS
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi averiguar se existe um
tempo adequado para o aquecimento vocal no canto
popular. Foram selecionados 10 cantores de baile que
se submeteram à análise acústica da voz cantada pré
e pós-aquecimento vocal. O tempo proposto para
o aquecimento foi de 15 e 30 minutos realizados em
momentos distintos. O parâmetro analisado foi o valor
em Hz da frequência fundamental. Os dados foram
analisados e comparados pré e pós-aquecimento vocal.
Verificou-se que o tempo mais adequado para esse grupo
de cantores foi o aquecimento vocal de 30 minutos.
Palavras-chave: Cantor; voz; aquecimento vocal;
análise acústica.
Introdução
A voz é a marca registrada da personalidade humana. Por meio dela, identifica-se
uma das características mais importantes do ser: a qualidade vocal, a “carteira de
identificação”, que torna cada indivíduo um ser único.
Se for comparada a voz cantada com a falada, percebe-se que são bem distintas;
isso se deve ao controle central diverso no cérebro e à distinta movimentação da
musculatura laríngea.
A voz cantada é considerada uma das mais belas formas de expressão, mas para
isso é imprescindível que o cantor esteja em condições psicoemocionais favoráveis
para que facilite o controle da modulação vocal durante a apresentação musical.
Há necessidade, também, de que ele pratique o aquecimento vocal, que é fator
importante para os ajustes vocais (COSTA; SILVA, 1998).
Vale ressaltar ainda que a anatomia e fisiologia da voz variam de indivíduo para indivíduo
e são, do mesmo modo, fundamentais e determinantes para a qualidade vocal no canto.
Ao se tratar do canto popular, pode-se dizer que apresenta características de uma
fala espontânea, natural, carregada de sotaques regionais do estilo cantado. Com
relação às técnicas vocais praticadas no canto, existem muitas divergências entre o
canto popular e o erudito, principalmente no que se refere à utilização do apoio
diafragmático, à abertura da boca e à articulação. A técnica do erudito depende
exclusivamente do ar subglótico para gerar a intensidade necessária, além da
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ressonância, do jogo melódico, da agilidade e da grande necessidade de harmônicos.
Enquanto que no canto popular, a técnica privilegia a compreensão do texto cantado
e a expressividade, sendo necessária a precisão articulatória, não exigindo tanta
impostação nem mesmo intensidade privilegiada (FILHO, 1997).
Outra característica bem comum quando se fala em canto popular é o fato dos
cantores de bailes usarem a voz de maneira inadequada, pois querem tentar atingir
ao máximo a qualidade vocal dos cantores que admiram, adquirindo, na maioria das
vezes, o abuso vocal (ZAMPIERI; BEHLAU; BRASIL, 2002).
É de conhecimento geral que o cantor tem o poder de levar alegria e despertar
sentimentos com sua voz e, para isso, nota-se a importância do aprimoramento na
comunicação verbal e não-verbal. Treinamentos específicos para a voz são essenciais
para qualquer ser humano, principalmente em se tratando de profissionais da voz
como os cantores, classificados como tal porque utilizam a voz como instrumento de
trabalho (FERREIRA et al, 1995).
A fonoaudiologia ressalta a importância da prática do aquecimento vocal
especialmente em relação à voz profissional. Todavia, a prática do aquecimento
é mais frequente entre os atores de teatro do que entre os cantores populares. Já
entre os cantores que atuam como coralistas, a prática do aquecimento depende
diretamente da formação e da direção que acompanha o coral (FILHO, 1997).
Esse fato ocorre, porque a maioria desses profissionais não possui as informações
necessárias quanto aos cuidados e preservação da saúde vocal, principalmente sobre
a importância do aquecimento e desaquecimento da voz, dicção, maus hábitos,
dentre outros. A falta do conhecimento sobre a classificação vocal no canto também
pode ocasionar uma disfonia funcional que, segundo Behlau e Pontes (1995), é a
utilização da voz que foge de seu padrão vocal normal.
Costa e Silva (1998) relatam a importância do aquecimento vocal antes de uma
apresentação musical, afirmando que há melhora na coordenação e resistência
vocal, favorecendo maior componente harmônico e diminuindo a sobrecarga. Os
autores consideram ainda o desaquecimento vocal como fator primordial para a
voz, ocorrendo rápida recuperação em relação à fadiga, promovendo melhor
saúde e longevidade vocal. Esses fatores proporcionam resultados valiosos para os
profissionais da voz, o que diminui a ocorrência de maus hábitos e abuso vocal.
Esses mesmos autores relatam a importância do aquecimento vocal antes das
performances como fator primordial para o cantor, independente da demanda ou
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ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DE
AQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES
MODUS
estilo musical, considerando que ele deve destinar 10 minutos para os exercícios
básicos de aquecimento. Relatam também que o aquecimento vocal não está
relacionado aos anos de aula de canto, nem mesmo ao conhecimento dos músculos
que estão sendo ativados, mas sim à forma como os músculos estão sendo utilizados
no ato de cantar.
Aydos e Hanayama (2004) também expõem sobre a necessidade da realização do
aquecimento vocal através de exercícios respiratórios e vocalizes antes da utilização
ativa da voz. Propõem que os exercícios de aquecimento vocal ocorram, em média,
durante quinze minutos com o objetivo de favorecer a adução correta das pregas
vocais, contribuindo para a qualidade vocal mais harmônica e agradável. Além disso,
melhora a projeção vocal, favorece ganho de intensidade e facilita a movimentação
dos músculos cricotireóideo e tireoaritenóideo durante as variações de frequência.
Em outro estudo, de Pinho e Tsuji (1996), foram avaliados sete cantores e três cantoras
pré e pós-aquecimento vocal a fim de verificar as variações nos efeitos do aquecimento
vocal. Foi constatado que todos os indivíduos sentiram diferença positiva após o mesmo.
Silva, Faria e Barbosa (2005) defendem que o cantor priorize sempre o aquecimento
e o desaquecimento nas apresentações musicais, devendo utilizar exercícios
personalizados que priorizem suas dificuldades.
A importância de aquecer e desaquecer o instrumento de trabalho é relatada por
Duarte, Pastrelo e Campiotto (1996). Os autores sugerem a realização de exercícios
vocais durante 30 minutos antes da performance musical.
Já Quintela, Leite e Duarte (2008), em uma pesquisa de aquecimento com cantores
líricos, afirmaram que o tempo de aquecimento utilizado pelos mesmos foi de
aproximadamente 30 minutos.
A eficácia do aquecimento vocal também foi descrita no estudo de Behlau (2001). Ele
verificou redução do escape aéreo através da glote, favorecendo melhor qualidade da voz.
Outros autores como Costa e Silva (1998) sugerem exercícios específicos para o
aquecimento vocal como, por exemplo, exercícios de inspiração e expiração, de
movimentos cervicais, de sons vibrantes em escalas ascendentes e descendentes,
ressonantais dentre outros.
Para Beuttenmuller (1995), o aquecimento vocal não se restringe a exercícios de
escalas ascendentes e descendentes, mas também exercícios que favoreçam melhor
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ajuste corporal, buscando harmonia entre a posição dos pés, mãos e ombros,
proporcionando melhor emissão vocal.
O desaquecimento vocal, do mesmo modo, é considerado de extrema necessidade
para o cantor, pois promove o restabelecimento da tensão vocal e diminuição da
fadiga (BEHLAU, 2001; DEDIVITES; BARROS, 2002).
Costa e Silva (1998) afirmam que para o desaquecimento, se faz necessário pelo
menos 5 minutos de silêncio total após a atividade vocal. Eles ainda recomendam
exercícios de sons vibrantes em escalas descendentes com frequência e intensidade
moderada, massagem na região cervical e de cintura escapular.
Pinho (2001) completa que o desaquecimento vocal favorece o retorno da voz falada,
devendo ser realizado com margem de tempo reduzida em relação ao aquecimento a
fim de recuperar os músculos que tiveram maior desgaste durante o canto.
A determinação de um tempo adequado para a realização do aquecimento vocal ainda causa
muitas discussões entre professores de canto e fonoaudiólogos, pois não há comprovação
científica quanto ao tempo ideal de aquecimento vocal para o canto. Na literatura, há
algumas sugestões com relação ao tempo utilizado por determinados profissionais. Porém,
as referências, até agora, são restritas em relação à voz profissional, especialmente no que se
refere ao canto popular (STERCHELE, 1999; FERREIRA, 1998).
Descobrir o tempo específico de aquecimento vocal é de suma importância para
quem trabalha como profissional da voz, principalmente em se tratando de cantores
que a utilizam como instrumento de trabalho de forma intensa, quando há maior
desgaste energético e muscular.
A busca pela melhor técnica no canto ainda é foco de diversas pesquisas que procuram
desvendar os mistérios da fisiologia aplicada à voz cantada, buscando rendimento
vocal, favorecendo a saúde da voz e consequentemente a estética (ROSA, 2003;
BEZERRA et al, 2008).
O presente estudo pretendeu verificar qual seria o tempo adequado para preparar a
musculatura da laringe para a grande demanda vocal no canto popular.
Material e método
Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Mater Dei, com o registro no CEP de número 103.
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ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DE
AQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES
MODUS
O grupo estudado foi constituído por dez cantores que atuam em bandas de bailes
na cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, sendo quatro (40%) do sexo
masculino e seis (60%) do feminino, com idade mínima de 21 e máxima de 42 anos
(média=28.0). Todos os cantores selecionados para a pesquisa assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido.
Esta pesquisa foi realizada no Centro de Gestão Empreendedora de Fonoaudiologia
(CEFF – Centro Fead de Fonoaudiologia). Foi solicitado a todos os cantores que
produzissem vogal [a] em registro modal, o qual foi registrado para posterior análise
acústica, para isso foi utilizado o software Vox Metria v.1.1 ®. A gravação foi realizada
antes e após o aquecimento vocal de 15 e de 30 minutos. A gravação da vogal [a] foi
realizada duas vezes: uma antes e outra após o aquecimento vocal. Vale ressaltar que
cada cantor foi submetido ao aquecimento vocal individualmente.
Todos os indivíduos selecionados foram submetidos a dois diferentes tempos de
aquecimento vocal, sendo o primeiro de 15 minutos e o segundo de 30. Para
determinar os tempos de aquecimento para o estudo, optou-se por fazer a média
de tempo utilizado normalmente por cinco professores de técnica vocal que foram
consultados, pois além da restrição de informações sobre o tema, há ainda na
literatura, divergências quanto ao tempo ideal de aquecimento vocal.
Cada cantor foi avaliado em dois momentos. No primeiro momento, os cantores
emitiram a vogal [a] e se submeteram ao aquecimento vocal durante 15 minutos,
utilizando uma lista de exercícios propostos e conduzidos pelas pesquisadoras.
Em seguida, foi gravado novamente a vogal [a]. Na semana seguinte, os próprios
cantores se submeteram ao mesmo procedimento, utilizando 30 minutos de
aquecimento vocal e a mesma lista de exercícios, mas com o tempo maior de
execução para cada um.
Os exercícios de aquecimento vocal visaram os parâmetros de relaxamento
cervical, da região da cintura escapular e de órgãos fonoarticulatórios, vibração de
mucosa, modulação com escalas musicais ascendentes e descendentes, articulação,
ressonância, projeção vocal e suavização da emissão.
Para que pudéssemos atingir o objetivo deste estudo, ou seja, averiguar o tempo
adequado para o aquecimento vocal, as gravações foram realizadas sempre nos
mesmos horários, no turno da tarde. Isso porque nesse período do dia, as pregas
vocais apresentam-se edemaciadas, o que dificultaria a execução dos tons agudos.
Para o aquecimento vocal, foi utilizado teclado Yamaha PSR – 410 (seis oitavas).
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Para a coleta dos dados, foram utilizados computador Celleron 500 MHz, microfone
cardióide (unidirecional) Lesson HD 75 conectado diretamente ao computador e
posicionado lateralmente à distância de cinco centímetros da boca de cada participante
e o software Vox Metria, versão 1.1 para a análise acústica ®. O parâmetro avaliado, na
análise acústica, foi a média da frequência fundamental. Sendo considerado melhora,
o aumento da frequência fundamental após o aquecimento.
Resultados
Houve aumento da frequência fundamental de 50% dos cantores após 15 minutos
de aquecimento vocal. Já após 30 minutos de aquecimento, 90% deles obtiveram
melhora. Esses dados estão ilustrados na TAB 1.
TABELA 1
Média da frequência fundamental pré e pós-aquecimento vocal
Amostra Pré-aquecimento Pós-aquecimento Pré-aquecimento Pós-aquecimento
15 minutos
15 minutos
30 minutos
30 minutos
1
194,24 Hz
203,49 Hz
206,3 Hz
212,01 Hz
2
134,64 Hz
133,46 Hz
140,53 Hz
145,84 Hz
3
119,54 Hz
140,75 Hz
105,82 Hz
118,55 Hz
4
166,77 Hz
220,92 Hz
166,99 Hz
246,55 Hz
5
211,2 Hz
199,81 Hz
186,97 Hz
199,39 Hz
6
126,79 Hz
121,7 Hz
128,23 Hz
131,63 Hz
7
229,82 Hz
211,52 Hz
258,49 Hz
249,85 Hz
8
243,08 Hz
236,51 Hz
228,19 Hz
276,81 Hz
9
166,22 Hz
191,91 Hz
164,98 Hz
172,6 Hz
10
205,39 Hz
216,01 Hz
191,25 Hz
203,08 Hz
Discussão
O resultado positivo observado em 50% dos cantores após aquecimento vocal de 15
minutos e em 90% dos cantores após o aquecimento de 30 minutos sugere a eficácia
e a importância do aquecimento antes da performance musical. Houve aumento da
frequência fundamental em ambos os tempos, promovendo uma voz mais aguda,
sendo esse aspecto considerado positivo para o presente estudo.
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ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DE
AQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES
MODUS
Vale ressaltar que o único indivíduo que não teve melhora após 30 minutos de
aquecimento, também, não obteve melhora após 15 minutos de aquecimento. Talvez
fosse necessário um tempo ainda maior de aquecimento vocal para esse indivíduo.
Com o fato de a grande maioria da população pesquisada (90%) ter obtido melhora
quando submetida ao aquecimento de 30 minutos, pode-se inferir que o tempo
maior de aquecimento é mais eficaz e está de acordo com estudos de Duarte, Pastrelo
e Campioto (1996) e Quintela, Leite e Daniel (2008). Esses autores sugerem que os
cantores destinem 30 minutos para os exercícios de aquecimento vocal.
Conclusão
Levando em consideração o grupo de cantores que participou da pesquisa, foi possível
concluir que a frequência fundamental aumentou, significando uma melhora para
ambos os sexos após o aquecimento vocal de 15 e 30 minutos. Sendo mais notória a
melhoria após o aquecimento de 30 minutos.
Assim, neste estudo, fica clara a importância e eficácia do aquecimento vocal
independente do tempo proposto. Além disso, o mesmo deve ser sempre realizado
respeitando o indivíduo, visto que o cantor é um ser único com particularidades e
necessidades individuais.
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Lemos de Azevedo, Maria Emilia Oliveira Maia
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FERREIRA L. P.; et al. Voz profissional - o profissional da voz. São Paulo: Pró-Fono,
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laríngea. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 68, Mai. 2002.
Comparative study of vocal
warm-up period for pop singers
Abstract
The objective of this research was to observe if there is
and adequate time for vocal warm-up exercises in popular singing. Methodology: 10 dancing show singers
were selected and submitted to singing voice acoustic analysis before and after vocal warm-up exercises.
The time suggested to vocal warm-up was between 15
to 30 minutes, performed at distinct moments. The
parameter analysed was the Hertz unit (Hz) of the
fundamental frequency. These measures were compared and analysed both before and after vocal warmup exercise. Conclusion: It has been concluded that
the most appropriate period for such singers was the
warm-up exercise of 30 minutes.
Keywords: Singer; voice; vocal warm-up exercise;
acoustic analysis.
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MODUS
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Esta revista foi composta em Belo Horizonte para a
Editora da Universidade do Estado de Minas Gerais - EdUEMG
e impressa em off-set, em papel reciclado, na tipologia Adobe Garamond,
corpo 9, entrelinha 9,6, capa em papel triplex 250g, em novembro de 2010.
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