Rouquidão
CIM
A rouquidão, também designada por disfonia, é o termo que define uma alteração na qualidade da voz, não constituindo uma doença ou sintoma específicos. É uma situação comum, com diversas possíveis causas e manifestações.
As alterações na voz podem ser descritas pelo doente como voz entrecortada, fraca, áspera, rouca, tensa ou trémula; também pode ser necessário um maior esforço para produzir som ou uma alteração ao tom ou timbre de voz
habitual. A afonia é a impossibilidade de produzir qualquer som.
A voz é o principal meio de comunicação do ser humano. Os problemas da voz afectam a comunicação, podem
causar alterações na vida diária e não devem ser subestimados, já que tanto podem indicar uma situação benigna,
p. ex. laringite associada a infecção – que é a causa mais frequente, como uma doença grave, como cancro das
cordas vocais. O problema não deve ser ignorado, especialmente se dura há mais de duas semanas.
Mecanismo de produção da voz
A laringe participa na respiração, deglutição e fonação. As estruturas anatómicas que constituem a laringe são,
basicamente, o esqueleto cartilaginoso, que alberga as cordas vocais, músculos intrínsecos e extrínsecos e o revestimento mucoso. Os músculos intrínsecos alteram a posição, forma e tensão das cordas vocais. A laringe é inervada
por 2 ramos do nervo vago, os nervos laríngeo superior e inferior.
A voz é produzida quando o ar exalado causa a vibração das cordas vocais; em repouso estão separadas e quando
falamos vibram, devido à pressão do ar que respiramos. A forma e volume da laringe e a elasticidade das cordas
vocais definem o som e timbre de cada voz. O som gerado é modulado pela ressonância da caixa torácica, garganta e cabeça, e articulado, na oro e nasofaringe, pelos lábios, língua, dentes e palato. Para que seja produzida uma
voz normal, é necessário um suporte respiratório adequado, ausência de alterações nas cordas vocais, nomeadamente na mucosa laríngea, músculos e nervos, e uma ressonância normal.
Etiologia
A causa mais comum de rouquidão é uma alteração patológica da laringe, de carácter benigno e autolimitado.
A alteração produzida na voz pode fornecer alguma indicação quanto à etiologia. A voz pode soar entrecortada
quando as cordas vocais não se conseguem aproximar o suficiente, o que pode ser devido a paralisia das mesmas;
se, pelo contrário, estão demasiado comprimidas ou existe edema, a voz vai soar tensa e pode parecer estrangulada. Algumas lesões e alterações na consistência do muco podem resultar numa voz áspera, enquanto dificuldades
no controlo motor que provoquem tremor ou espasmos podem produzir uma voz trémula ou ondulante. Alterações
na ressonância podem conduzir a uma voz nasalada, como resultado, p.ex., de inflamação ou tumor.
A avaliação de um doente com rouquidão implica a recolha do historial clínico, vocal e ambiental, exame físico e,
se necessário, visualização da laringe. Alguns elementos importantes a ter em conta são: presença de asma, tosse,
disfagia, odinofagia, otalgia, dor de garganta, doença da tiróide, duração do problema e saber se houve episódios
anteriores semelhantes.
Rouquidão aguda – Deve-se, na maioria dos casos, a inflamação e edema da laringe relacionados com uma causa
específica, como uso excessivo da voz, infecção do tracto respiratório superior ou irritação do mesmo.
O uso excessivo da voz pode ocorrer em actividades sociais (acontecimentos desportivos, festas), profissionais (professores, cantores, trabalho em ambiente ruidoso) ou pelo convívio com um familiar com problemas de audição.
Uma das causas primárias da perda de voz é a laringite aguda infecciosa, habitualmente viral. Nas crianças mais
pequenas, o edema subglótico da infecção viral determina a disfonia e o “croup”, com a tosse “de cão” característica. Também pode haver raras infecções bacterianas da endolaringe.
Infecções noutras estruturas do tracto respiratório que causem tosse, produção de muco, necessidade de pigarrear
ou respirar pela boca podem também afectar a laringe.
A exposição a alergenos pode também causar o típico edema e eritema visto em laringite infecciosa ou irritativa.
A irritação aguda da laringe pode ser causada por refluxo gastroesofágico (RGE), que provoca uma rouquidão tipicamente matutina, pela inalação de substâncias irritantes, consumo de álcool e tabaco, alergias, como rinite alérgica, e tosse. A rouquidão aguda também pode ser causada por problemas emocionais ou psiquiátricos, sendo uma
das mais frequentes a afonia histérica.
Uma intubação recente pode causar rouquidão por irritação das cordas vocais ou dano nos nervos laríngeos, mas
que se resolve habitualmente em 3 a 5 dias após a retirada do tubo.
Rouquidão crónica – Quando a rouquidão tem um início insidioso e uma duração superior a 2 semanas, requer
uma avaliação cuidada, já que as causas podem ser diversas e de diferentes graus de gravidade. Entre as possíveis
causas, temos a laringite crónica, causada principalmente pelo tabagismo e uso excessivo da voz, lesões benignas
da laringe como nódulos, pólipos e papilomas, ou lesões pré-malignas ou francamente malignas.
Por outro lado, a rouquidão crónica pode ser devida a uma paralisia das cordas vocais, parcial ou completa, por
afectação da inervação laríngea, o que pode ser provocado por uma lesão em qualquer ponto do trajecto nervoso,
desde doenças do tronco cerebral ou base do crânio até tumores pulmonares, esofágicos ou tiróideos.
Por vezes, a disfonia é o sintoma inicial de miastenia gravis. Mais frequente é a disfonia espasmódica, doença da
motilidade neuromuscular.
O RGE constitui também uma causa de rouquidão crónica ou recorrente, tal como alergias e sinusite crónica.
A rouquidão crónica pode ter origem em causas sistémicas, como artrite reumatóide, doença de Sjörgen, ou hormonais, como hipotiroidismo. Este pode causar rouquidão progressiva como resultado de edema das cordas vo-
ficha técnica n.º 54
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cais, que se resolve com terapia de substituição tiróidea. Certos medicamentos podem provocar alterações na voz,
nomeadamente os que possuem propriedades anticolinérgicas, como alguns anti-histamínicos e antidepressivos
tricíclicos, cujo efeito desidratante na mucosa do tracto respiratório pode irritar a laringe, bem como os corticosteróides por inalação.
O processo de envelhecimento provoca uma modificação fisiológica da voz. Quando nenhuma causa orgânica é encontrada, a rouquidão pode ser devida a factores psicogénicos ou, mais frequentemente, a maus hábitos vocais.
Alguns casos de rouquidão podem constituir emergências, como quando aparece acompanhada de estridor, o que
pode indicar uma obstrução, quando ocorre subitamente após um esforço intenso (vocal ou manobra de Valsava),
o que pode indicar um hematoma das cordas vocais ou quando surge após um trauma externo, já que pode significar uma fractura laríngea.
TRATAMENTO
A rouquidão dura normalmente só umas horas ou dias. A recuperação é, na maioria dos casos de laringite aguda,
espontânea; contudo, algumas medidas podem acelerar a cura e diminuir o risco de ocorrerem alterações permanentes na voz. Os objectivos principais da terapêutica são o repouso da laringe e o controlo de factores desencadeantes ou contributivos.
O repouso da voz é o factor mais importante, já que continuar a usar a voz normalmente durante uma laringite
aguda é traumático para as cordas vocais, pode atrasar a cura e provocar a formação de cicatrizes. As restrições
ao uso da voz devem ser aplicadas conforme a gravidade da situação. Em casos graves, o doente deve ficar em
casa, evitar o telefone e não sussurrar. O repouso total pode não ser aconselhável, por ser quase impossível e poder provocar atrofia dos músculos laríngeos. Em situações menos graves, o doente pode trabalhar se isso não implicar muito uso da voz e se o ambiente de trabalho não contiver agentes irritantes.
A ingestão de líquidos deve ser adequada, de forma a evitar a formação de secreções espessas que dificultem a
lubrificação da laringe; fazer inalações de vapor também pode ajudar. A cafeína e o álcool devem ser evitados, pelo
seu efeito diurético.
Em presença de tosse irritativa não produtiva, pode ser administrado um antitússico que de preferência não tenha
efeito secante nas secreções, o que poderia conduzir a uma tosse mais intensa. O doente deve evitar pigarrear,
já que, apesar de proporcionar alívio, este acto é traumático para a laringe e atrasa a melhoria da inflamação.
Quando a rinite contribui para a rouquidão, a administração de um descongestionante nasal, tópico ou oral, pode
ser adequada. No caso de rinite alérgica, o anti-histamínico utilizado deverá ter efeitos secantes do muco pouco
pronunciados.
Se a perda de voz for acompanhada de febre durante vários dias, dificuldade em engolir e expectoração ou se a
pessoa afectada for um bebé ou criança, o melhor é consultar o médico. Se existir uma infecção, pode ser necessária a administração de antibióticos.
No caso de laringite, aguda ou crónica, motivada por RGE, há que modificar hábitos alimentares, nomeadamente
diminuir a ingestão de cafeína, evitar alimentos condimentados e evitar refeições 2-3 horas antes de ir dormir, elevar a cabeceira da cama e controlar a acidez gástrica. A cura de uma rouquidão com esta etiologia é demorada, e
o doente deve estar ciente disso, para que não suspenda a terapêutica.
A rouquidão crónica causada por inflamação da laringe pode melhorar com a supressão dos factores irritantes,
como o fumo do tabaco, ou com terapia da voz, se causada por uma utilização inadequada da mesma. Esta medida também pode melhorar a rouquidão devida a nódulos nas cordas vocais. Contudo, pode haver necessidade de
remoção cirúrgica, como no caso de pólipos ou papilomas. Em presença de lesões malignas, a abordagem terapêutica será de acordo com a gravidade da situação. Os pequenos nódulos das cordas vocais, usualmente bilaterais,
podem melhorar com terapia da fala e reeducação do esforço da voz.
Em situações de rouquidão devida a edema laríngeo, sem nenhuma causa grave subjacente, e quando o doente
tem uma necessidade inadiável de utilizar a voz, pode-se recorrer à administração sistémica de corticosteróides ou
à aplicação tópica de um vasoconstritor. Estas medidas, contudo, não aceleram a cura nem protegem as cordas
vocais de sofrerem maior dano.
Mendes A. P.
Simón A.
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