O G-20 e os constrangimentos às iniciativas
contra-hegemônicas dos países em
desenvolvimento nas negociações da Rodada
do Desenvolvimento de Doha
Ricardo Weber
Professor de Relações Internacionais, IBMEC/RJ
Doutor em Relações Internacionais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Volume 1 – ANO 9– 2010
Sumário
Introdução
3
Testemunho do Autor
22
Debate
39
2
Introdução:
A tese tem como objeto o surgimento e a trajetória do G-20 durante as negociações
da Rodada do Desenvolvimento de Doha (2001) da OMC até a paralisação das negociações
em junho de 2008. Contrariamente à maior parte da literatura de Relações Internacionais
sobre o tema, optamos por analisar o G-20 a partir de uma perspectiva sistêmica que discute
e questiona o significado político do surgimento do grupo na ordem internacional pós Guerra Fria, durante a primeira rodada de negociações da Organização Mundial do
Comércio.
Nesse sentido, o estudo de caso sobre o G-20 assumiu uma dimensão mais ampla de
pesquisa ao questionar as bases da ruptura ou continuidade da ordem internacional, a partir
do papel das instituições. A análise do grupo dos vinte se orienta na direção das
implicações e do significado do ressurgimento da clivagem Norte-Sul no pós Guerra Fria.
O G-20 é, portanto, analisado como encarnando uma iniciativa contra-hegemônica de
contestação às bases da ordem internacional.
O objetivo do trabalho consistiu em explicar como a principal conseqüência do
surgimento do Grupo dos Vinte resultou na impossibilidade de conclusão das negociações
da Rodada de Doha (2001), determinando a sua suspensão, coincidente com o racha no
núcleo da coalizão entre Brasil e Índia, em Julho de 2008.
De uma perspectiva sistêmica, o G-20 que busca uma reforma fundamental da
agricultura no regime de comércio consiste num reflexo do papel que a OMC passou a
assumir na ordem internacional pós Guerra Fria, a partir do final dos anos 90. A hipótese
deste trabalho sustenta que somente a partir da análise da relação que se estabelece entre os
três pilares do multilateralismo econômico no momento do lançamento da rodada (2001),
torna-se possível perceber grandes implicações sistêmicas sobre o formato da ação coletiva
dos países em desenvolvimento no interior do regime, assim como sobre o rumo posterior
das negociações.
3
Essa hipótese se baseia numa teoria institucionalista, que deriva a estabilidade da
ordem internacional do papel das suas instituições fundamentais, atuando em conjunto e
permitindo a restrição do emprego direto do poder, em contrapartida pelo aumento da
influência ou autoridade legítima dos países desenvolvidos sobre a ordem internacional
(IKENBERRY, 2001). Dessa perspectiva, a pergunta que esse trabalho buscou responder
consistiu em identificar quais os constrangimentos institucionais o G-20 encontrou - no
cenário multilateral do começo do novo século - ao liderar uma iniciativa de balanço diante
da influência dos países desenvolvidos sobre o regime de comércio.
Esse desenho da pesquisa aparece no primeiro capítulo da tese “Ordem
Internacional e Instituições”, justificando o resgate da atuação complementar das
instituições como determinante da estabilidade ou da mudança nas relações de poder entre
Estados na esfera do multilateralismo econômico. Nesse sentido, o trabalho buscou
contrastar o momento do lançamento da Rodada de Doha (2001) com alguns momentos
anteriores da trajetória das instituições de Bretton Woods nas respostas às crises e nos seus
impactos sobre o regime de comércio. A divisão em capítulos da tese se subordinou a essa
dinâmica.
O segundo capítulo, “O Surgimento do GATT-1947 e a Crise da Arquitetura de
Bretton Woods” apresenta o regime de comércio do GATT, ressaltando sua inserção no
multilateralismo econômico do pós Guerra e a relação de complementaridade que esse
regime assumiu em relação ao FMI e ao BIRD.
A análise parte dos dilemas colocados pelos idealizadores da ordem internacional no
pós Guerra, quando opções políticas fundamentais estavam em jogo entre os parceiros da
aliança atlântica. As escolhas feitas naquele momento se reproduziram no design
institucional multilateral, expressando uma relação particular entre a regulação multilateral
do comércio e das finanças. Essa relação é percebida como fundamental para a estruturação
do ambiente institucional sob o qual o grande sucesso do GATT foi possível, durante a
vigência do compromisso de Embeeded Liberalism (Ruggie, 1983). Foi essa relação que
possibilitou o crescimento da liberalização do comércio compatibilizando-a com a proteção
4
social do Welfare State, contribuindo para o grande avanço na redução tarifaria durante
Bretton Woods.
A atuação complementar das instituições seria responsável por muitas das
características do regime de comércio que permaneceriam condicionando a sua trajetória
futura. Regras e princípios refletiam o design institucional complementar à atuação das
outras instituições, como nos casos de princípios fundamentais, como o do Tratamento
Nacional e o de Nação Mais Favorecida – MFN. Isso aparece pela natureza multilateral
dessa regulação que teoricamente deveria se estender a todas as partes contratantes do
Acordo, mas que, na prática, termina sofrendo muitas derrogações, pois esses princípios
sempre operaram limitados por uma grande flexibilidade necessária para acomodar os
países em desenvolvimento no interior do Acordo. No entanto, mesmo os países
desenvolvidos detinham prerrogativas na aplicação das regras que possibilitavam restrições
de importações, nos casos de desequilíbrios no balanço de pagamentos, conforme
disciplinava o Artigo XVIII. Nesse espírito, havia sido sempre resguardado algum espaço
para a manutenção do protecionismo comercial.
A flexibilidade na aplicação das regras era compatível com uma ordem econômica
na qual o valor era o crescimento para todos os países, a partir do equilíbrio
macroeconômico entre as nações. A baixa institucionalização do comércio frente às demais
instituições, como o FMI e o BIRD, atuava no sentido de aliviar as pressões do
cumprimento das regras nas áreas sob maior institucionalização, responsáveis pelo
equilíbrio macroeconômico sistêmico.
Com o colapso da arquitetura econômica de Bretton Woods, essa característica do
regime traria amplas repercussões sobre o GATT-1947. Principalmente pela forma como as
instituições responderam à sucessão de crises que se inicia com o fim de Bretton Woods,
como os choques do petróleo, a crise da dívida do terceiro mundo e a incerteza econômica
dos países desenvolvidos, nos anos 70.
Foi nessa conjuntura de crises que a Rodada Tóquio (1973-1979) foi lançada como
5
recurso para estimular a atividade econômica nos países desenvolvidos, quando a baixa
institucionalização do regime e a flexibilidade das suas regras foram utilizadas por esses
países como instrumentos no enfrentamento das conseqüências da crise, contornando as
suas repercussões recessivas. O regime evoluiria na resposta à crise, avançando sua agenda
sobre novos itens como barreiras não-tarifárias, subsídios, anti-dumping e restrições
voluntárias às exportações que proliferavam diante do crescente protecionismo comercial
empregado pelas nações do Norte. Nessas negociações, o curso de evolução do regime foi
determinado pela criação dos códigos.
A repercussão fundamental sobre as partes contratantes menos desenvolvidas se deu
sobre a sua inserção no regime. Como países em desenvolvimento não tinham condição de
assumirem os maiores compromissos implicados na celebração desses acordos, eles foram
deixados à parte, originando uma grande fragmentação do GATT-1947, a partir da criação
do chamado “GATT à La Carte”. No processo daquelas negociações, a adesão aos códigos
era feita de forma opcional, relegando a maior parte dos países em desenvolvimento à
marginalização dentro do Acordo.
Enquanto para os países desenvolvidos havia um GATT dinâmico, que avançava
rapidamente sua regulação sobre as novas áreas da agenda, os países em desenvolvimento
passaram a se ressentir da sua pouca participação. Essas repercussões da rodada seriam
fundamentais para o formato que assumiram as negociações comerciais no futuro, pois essa
fragmentação teria de ser revertida, para que o multilateralismo comercial pudesse avançar
na Rodada do Uruguai (1986-1994).
No terceiro capítulo, “O Consenso de Washington e a nova inserção dos PEDs
nas negociações da Rodada do Uruguai (1986-1994)”, a análise parte das conseqüências
do choque dos juros do FED, sob Paul Volcker (1979) sobre as instituições da ordem
econômica, concentrando-se sobre as suas implicações sobre o regime de comércio do
GATT-1947. O capítulo analisa o processo de negociações da Rodada do Uruguai (19861994) da perspectiva da nova inserção em bases de reciprocidade dos PEDs no regime,
explorando como o papel das demais instituições de Bretton Woods contribuiu para esse
6
resultado e suas implicações nos termos do surgimento de uma nova concepção de
desenvolvimento propugnada pelas instituições.
A partir da crise de Bretton Woods, os EUA, que se sentem ameaçados pelo fim da
hegemonia do dólar (1979), decidem autonomamente elevar os juros da sua economia,
resgatando o papel da sua moeda como meio de reserva internacional. Nesse processo, o
país resgata a sua hegemonia sobre as finanças, forçando uma grande sincronização das
políticas econômicas dos países em nível global. A partir dos crescentes influxos de
recursos sobre a sua economia, os EUA passariam a deter capacidade quase irrestrita de
financiamento, a partir da conversão das suas dívidas em imperativo da estabilidade
sistêmica das finanças internacionais.
Esse movimento determinaria o gatilho do grande endividamento externo das
economias da periferia. Sob esse novo constrangimento sistêmico para a manutenção da
estabilidade nas finanças, os EUA puderam liderar os países do G-7 no grande esforço de
coordenação macroeconômica exigido para a estabilização da crise através do controle do
valor do dólar.
A partir dessas alterações que partem do pilar financeiro, abordamos a reconstrução
lenta e gradual da nova arquitetura econômica, quando as mudanças na economia dos
países desenvolvidos alteravam as estruturas produtivas das principais economias do
planeta. Essa nova estruturação da economia encontraria expressão nas negociações da
Rodada do Uruguai (1986-1994), resultando na maior institucionalização do regime, como
forma de lidar com as mudanças na economia que reclamavam a ampliação e
complexificação das áreas e temas sob regulação do GATT-1947.
As conseqüências do fim do compromisso de Embeeded Liberalism (RUGGIE,
1993), apresentam-se sobre a forma da ameaça de cerceamento da autonomia política dos
Estados sobre temas politicamente sensíveis. Isso geraria grande resistência dos países em
desenvolvimento em participar daquelas negociações, pela sua apreensão diante dos novos
temas, como os Serviços, a Propriedade Intelectual e os Investimentos.
7
No entanto, diante da fragmentação gerada pelo GATT A LA CARTE na rodada
anterior, seria agora fundamental assegurar a adesão dos PEDs às negociações para que a
rodada pudesse promover uma verdadeira reforma regulatória da economia global. Papel de
destaque nesse processo coube à atuação das instituições de Bretton Woods, pois elas
constrangeram os países em desenvolvimento ao ajuste estrutural das suas economias,
forçando essa transição pela imposição das condicionalidades, associadas ao cumprimento
da agenda de reformas econômicas do consenso de Washington. A Rodada Uruguai
acontece no momento de transição política para a democracia nos países da América
Latina. Nos anos 80, somava-se a isso a conjuntura de dívida e negociação desses países
com o FMI e o Banco Mundial, o que fragilizava as economias em desenvolvimento
minando sua resistência à agenda de reformas defendida pelas instituições.
Foi a partir desses constrangimentos que o G-10, enquanto primeira iniciativa de
formalização de coalizão de países em desenvolvimento no GATT, que resistia ao avanço
das negociações nos novos temas rachou, sepultando definitivamente as coalizões de bloco,
que consistiam no modo de representação tradicional dos países em desenvolvimento no
regime. A partir do processo de Jaramillo, inaugurou-se o rumo à reciprocidade nas
negociações da rodada, abrindo caminho para o surgimento das cross-over coalitions,
envolvendo países desenvolvidos e em desenvolvimento em prol de uma solução conjunta
para as negociações. Esse foi o caso do Grupo de Cairns, que permitiu a superação das
divergências entre os EUA e a UE, aproximando suas posições nas negociações em
agricultura que impediam a finalização da rodada.
O que possibilitou essa convergência de posicionamentos no regime consistiu na
alteração da visão preponderante da estratégia para atingir o desenvolvimento econômico
nos PEDs, durante o longo processo de negociação. Paulatinamente, durante esse longo
processo, os PEDs passaram a incorporar o receituário de políticas recomendadas pelas
instituições. Segundo essa nova perspectiva, o desenvolvimento econômico seria atingido a
partir do ajuste estrutural, aumentando a eficiência daquelas economias, pela integração ao
mercado internacional via reformas e abertura econômica dos seus mercados, ambas
8
promovendo o incremento das suas exportações. Ou seja, o caminho para o
desenvolvimento econômico consistia na combinação do comércio com estabilidade
macroeconômica interna e não mais no processo da Industrialização por substituição de
importações, recomendado pela CEPAL, anteriormente prevalecente na percepção dos
países em desenvolvimento.
O quarto capítulo da tese, “Anos 90: Crise das Instituições, o Debate sobre as
Reformas e as Estratégias de Desenvolvimento dos PEDs”, concentra-se sobre as
repercussões das crises financeiras dos mercados emergentes na década de 90 - México
(1994-1995), Leste Asiático (1997), Rússia (1998) e Brasil (1999)- sobre as instituições da
ordem econômica e o modelo hegemônico de desenvolvimento do Consenso de
Washington.
Em meados da década de 80, a estabilização macroeconômica fora atingida pela
coordenação entre os países desenvolvidos do G-7, atuando por trás das instituições. Em
seguida aos acordos que permitiram o retorno da periferia endividada ao mercado
financeiro internacional, a crescente liberalização e desregulação desses mercados
passariam a caracterizar as finanças crescentemente globalizadas da década de 90 como um
não-sistema (BRESSER PEREIRA, 1997).
A generalização desse modelo econômico seria crescentemente percebida como
responsável pelas crises financeiras. Para BACHA (2002), o efeito das crises estaria
deslocando o Consenso de Washington quanto às perspectivas do desenvolvimento da
periferia, para dar lugar ao Dissenso de Cambridge, representando o amplo movimento de
contestação e debate envolvendo as alternativas para o desenvolvimento econômico dos
PEDs.
Esse debate reverberou com força no interior dessas instituições, desde 1999. Em
setembro desse ano, o relatório semestral do FMI, World Economic Outlook1 reservou um
1
World Economic Outlook. IMF, sept-1999. In: http://www.imf.org
9
capítulo do documento às propostas de prevenção e resolução das crises financeiras. No
mesmo ano, o relatório anual do Banco Mundial procedeu da mesma forma.
Nesses documentos constam as primeiras autocríticas do Fundo e do BIRD. Ambas
as instituições adotavam uma inflexão no seu posicionamento tradicional que consistia em
atribuir as crises exclusivamente aos fatores estruturais ou macroeconômicos dos mercados
emergentes. A partir daquele momento, houve o reconhecimento do papel desempenhado
pelo funcionamento inadequado e ineficiente do sistema financeiro internacional como
responsável pela vulnerabilidade dos mercados vitimados pelas fugas de capitais. Naquela
oportunidade, reconheceu-se que o Fundo e o G-7 tinham sua parcela de responsabilidade,
pois a concessão de empréstimos aos países em crise de liquidez agravara o risco moral –
moral hazarard.
O fortalecimento do sistema financeiro impunha uma série de medidas, que
incluíam a reforma do sistema financeiro e do FMI. Os EUA divulgaram uma proposta
nesse sentido em fins de 1999 que foi defendida na reunião conjunta do FMI e do BIRD, de
abril de 2000. A proposta de reforma institucional era originária do Congresso norteamericano e vinha sob a forma do Relatório Meltzer2, que defendia uma reestruturação
radical do FMI e do BIRD.
Esse documento gerava muitas críticas do Governo Clinton e do Congresso, pois
nele se sobressaíam duas tendências principais. Uma delas era objetiva e voltada para os
aspectos técnicos das propostas específicas para obtenção de metas econômicas definidas.
Outra dimensão questionava o futuro papel do FMI e do Banco Mundial. Nesse caso, as
críticas buscavam estabelecer se essas instituições deveriam perseguir metas econômicas
concretas, definidas de forma técnica, ou permanecer sendo utilizadas como instrumentos
para a prática de uma diplomacia ad hoc, por parte dos países desenvolvidos (Calomiris,
2000)3. Esse consistia no ponto mais crítico da mudança e que despertava as maiores
2
Report of the International Financial Institution Advisory Commission – IFIAC2000.
Calomiris, Charles W. When will economics guide IMF and World Bank Reforms. In: Cato Journal, Vol.
20, No. 1 (Spring/Summer 2000).
3
10
resistências no debate interno dos EUA, segundo o Chairman do IFIAC, Allan Meltzer
(2000)45.
Nos princípios que deveriam contribuir com a credibilidade das reformas
reverberava a influência dos debates sobre as novas vias para o desenvolvimento dos PEDs.
Isso aparecia no princípio que chamava à atenção para a necessidade de respeitar a
soberania dos países, recomendando a minimização da interferência sobre a regulação
econômica dos Estados no que diz respeito aos critérios para o ingresso nas instituições,
assim como no que concerne às condições estabelecidas para que os países possam recorrer
à assistência das instituições multilaterais (IFIAC, 2000)6.
Outro princípio importante dizia respeito à ausência de complementaridade entre a
atuação das instituições econômicas, desde o fim de Bretton Woods, pois ressaltava a
necessidade de uma clara distinção da área de atuação dos mandatos das instituições com o
objetivo de aumentar a eficiência dos recursos (IFIAC, 2000). Inaugurava-se o debate sobre
a necessidade de maior coerência entre os mandatos das instituições de Bretton Woods,
refletindo a influência do novo debate sobre o desenvolvimento através das expectativas da
comunidade internacional sobre a necessidade da incorporação dos países em
desenvolvimento nos projetos de reforma das instituições.
Esse debate que refletia uma concepção mais ampla do desenvolvimento, a partir da
luta contra a pobreza e as privações de maiores graus de liberdade social, ganhava espaço
no interior das Nações Unidas, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ONU,
2000)7. Um marco importante nesse sentido consistiu no papel do Comitê de Ajuda e
Desenvolvimento da OCDE - CAD (OCDE, 1996).8
4
Meltzer, Allan H. Reform of the IMF and World Bank. Carnegie Mellon University Year 2000. Tepper
School of Business. In: http://repository.cmu.edu/tepper/14. Consulta em 09/01/2010.
6
International Financial Institution Advisory Commission - IFIAC- Allan H.Meltzer, Chairman. Report of the
International Financial Institution Advisory Commission. March, 2000. In: http://phantomx.gsia.cmu.edu/IFIAC. Consulta em 10/02/2010.
7
Resolução da Assembléia Geral (A/RES/55/2), de 8 de setembro de 2000.
8
Shaping the 21st Century; the Contribution of Development Cooperation, París, OCDE, maio (1996). In:
http://www.oecd.org/dac. Consulta em 13/01/2010.
11
Este Comitê passou a adotar esses objetivos oriundos das cúpulas das Nações
Unidas, como metas para a concessão da ajuda internacional. Foi somente a partir dessa
ampliação do escopo dos temas relacionados ao desenvolvimento que se tornou possível
assegurar o compromisso conjunto do FMI, do BIRD, da OCDE e das Nações Unidas em
relação a esses novos objetivos, propugnados pelo CAD, em Junho de 20009. O
compromisso conjunto das instituições assinalava uma mudança na sua atuação, pois
tradicionalmente elas não se aproximavam assim justamente em razão da maior
representação dos interesses dos países em desenvolvimento nas Nações Unidas, em
contraste com as instituições de Bretton Woods, que sempre representaram e sustentaram
políticas favoráveis aos países desenvolvidos.
Nesse documento, essas instituições assumem diretamente o comprometimento com
as metas internacionais do desenvolvimento, especialmente com a redução da pobreza.
Áreas como a ajuda internacional ao desenvolvimento e a abertura comercial passaram a
ser associadas diretamente a um direito do acesso das exportações dos PEDs aos setores
chave das economias desenvolvidas, assim como ao fim do protecionismo comercial nos
Têxteis e na Agricultura. As percepções tanto dos economistas neoliberais, quanto de
ONGs como a OXFAM passaram a coincidir na relação existente entre o protecionismo
comercial dos países desenvolvidos e a pobreza existente nos países em desenvolvimento10.
Uma expressão dessa nova relação entre o desenvolvimento dos PEDs e o fim do
protecionismo comercial nos países desenvolvidos consistiu na realização da Conferência
Internacional sobre o Financiamento e o Desenvolvimento – CIFD-, entre 18 e 22 de março
de 2002. A conferência representava o ponto culminante de um processo preparatório de
dois anos, que já incluíra cinco conferências regionais e quatro sessões preparatórias (ONU,
2002), consistindo na primeira iniciativa da ONU destinada a endereçar conjuntamente
9
Um mundo melhor para todos: implementação dos objetivos do desenvolvimento internacional. Documento
elaborado para a XXIV sessão especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, junho 2000 para
acompanhar o cumprimento dos compromissos da Cúpula do Desenvolvimento Social de Copenhague de
1995. In: http://www.paris21.org/betterworld. Consulta em 13/01/2010.
10
Cambiar las reglas. Comercio, globalización y lucha contra la pobreza. Oxfam, 2002. In:
http://wwwcomercioconjusticia.org. Consulta em 11/01/2010.
12
questões macroeconômicas e financeiras, num ambiente alternativo ao lócus tradicional das
discussões no interior das instituições de Bretton Woods.
A Conferência incluiu a participação do FMI, do BIRD e da OMC, conjuntamente a
outras agências do sistema ONU, como a UNCTAD e o PNUD11. Em Monterrey (2002)12,
estabeleceu-se que o comércio e o capital privado, principalmente no que diz respeito aos
investimentos diretos, consistem nas principais fontes de financiamento para o
desenvolvimento. Na Declaração de Monterrey, a seção “International Trade as an Engine
for Growth”,13 apresentava o comércio diretamente relacionado ao objetivo do
desenvolvimento dos PEDs14.
No quinto capítulo, “O G-20 e as Negociações Agrícolas da Rodada de Doha:
Possibilidades e Limites da Atuação dos Países em Desenvolvimento na OMC”,
analisamos como esse momento de transição das instituições coincidiu com o lançamento
da Rodada de Doha (2001), permitindo que as perspectivas do desenvolvimento dos PEDs
fossem incorporadas ao regime de comércio, transferindo muitas tensões para aquelas
negociações.
A incorporação do tema do desenvolvimento na Declaração de Doha (2001) abriu
grande espaço para a disputa do significado de uma rodada comercial comprometida com o
tema, pois não havia consenso para a tradução desse compromisso em termos concretos nas
negociações do regime. Essa disputa ressuscitaria a clivagem Norte-Sul e apresentaria
implicações definitivas sobre o destino da Rodada de Doha (2001).
Em torno das divergências nos temas mais sensíveis para os interesses do
desenvolvimento é que se daria o impasse em Cancun (2003). Nesse sentido, o
13
Report of the International Conference on Financing and Development. New York, United Nations, 2002.
Disponível em: http://dacceddssds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N02/392/67/pdf/N0239267.pdf?OpenElement.
Acesso em: 08 jun. 2008.
14
Monterrey Consensus of the International Conference on Financing Development. United Nations
Department of Economic and Social Affairs: Financing and Development Office, 2003. Disponível em:
http://www.un.org/esa/ffd/monterrey/MonterreyConsensus.pdf. Acesso em: 08 jun. 2008
13
ressurgimento da clivagem Norte-Sul no regime envolveria três temas fundamentais para
essa nova concepção do desenvolvimento, representados pela liberalização da agricultura,
pela rejeição ao avanço dos temas de Singapura (1996) e pela questão do Algodão.
O texto da Declaração de Doha (2001) já trazia uma grande ambigüidade quanto ao
destino dos temas de Singapura (1996). Não havia um compromisso claro no texto,
permitindo definir o status desses temas nas negociações. A rejeição a esses temas,
contudo, já figurava no comportamento das coalizões de PEDs como o Like Minded Group,
desde a Conferência de Singapura (1996). O G-90 que emergiu em Cancun (2003),
consistindo na base de apoio mais ampla para o G-20, tinha na rejeição ao avanço desses
temas o seu principal interesse negociador.
Foram as divergências quanto ao significado do compromisso do regime com o
desenvolvimento dos PEDs que possibilitaram que alguns BRICs liderassem muitos países
em desenvolvimento, buscando apontar o rumo correto daquele compromisso. O que
permitiu ao G-20 contar com o apoio de uma grande variedade de países em
desenvolvimento - como no caso de um G-90, em Cancun (2003) e de um G-110, em Hong
Kong (2005) - era a perspectiva de que a ênfase da rodada no desenvolvimento seria
deslocada da agenda pela tradicional liderança transatlântica das negociações. Nesse
sentido, a costura de uma proposta concreta de negociação em agricultura representou uma
reação ad hoc ao domínio das negociações pela aliança entre os EUA e a UE.
A política do Brasil e da Índia na OMC foi diretamente relacionada à concentração
sistêmica de poder e não simplesmente produto de interesses especificamente comerciais
(HURREL, 2009. p 36)
15
. A formulação de uma proposta concreta pelo G-20, que se
contrapunha àquela dos países desenvolvidos, surgiu como conseqüência da falta de
alternativas com que se defrontaram alguns BRICs, como Brasil e Índia, que diante daquela
conjuntura foram capazes de conquistar a adesão da China e de outros membros menores
do mundo em desenvolvimento, como Argentina, Chile e África do Sul, seguidos por
15
Hurrel, Andrew. Hegemonia, liberalismo e Ordem Global: qual é o espaço para potências emergentes. In:
Os BRICs e a Ordem Global. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
14
muitos países menores.
Esse formato da ação coletiva, entretanto, encerrava em si um grande dilema para o
futuro das negociações da OMC, pois abrigava no seu núcleo de liderança uma grande
heterogeneidade de interesses negociadores.
O Brasil, grande líder da coalizão e responsável pela iniciativa de formação do
grupo tinha grande interesse na liberalização da agricultura pela OMC. O setor do
agronegócio respondia por parcela importante do crescimento do PIB. No entanto, a alta
competitividade da agricultura brasileira não possibilitava o recurso ao argumento do
direito ao desenvolvimento como figurava no mandato de negociação da rodada.
No caso da Índia, o que menos desejava em Doha consistia no fim do direito de
proteger a sua agricultura doméstica. Conservando grande parte da população em áreas
rurais, habitadas por agricultores pobres, o país se conservava na coalizão pelo
compromisso celebrado com o Brasil de que haveria exceções para os países em
desenvolvimento, possibilitando a manutenção do seu protecionismo doméstico. Sua
presença no G-20 possibilitava que a Índia permanecesse conservando as mesmas bases da
sua política externa em agricultura, a partir de um papel de maior protagonismo nas
negociações. Como apontaram PANAGARYIA (2002) e SRINIVASAN (2003), a postura
da Índia refletia a falta de uma formulação clara do interesse nacional nas negociações,
resultando numa postura retraída, negativa e defensiva na rodada. Isso contribuiu de forma
central para que a Índia aderisse ao projeto de liderança daquele grupo por iniciativa do
Brasil.
No caso da China, o país emprestava seu grande peso político ao G-20 não se
interessando na liderança das negociações ou sequer assumindo uma postura ativa esperada
de um grande poder emergente no cenário multilateral. O principal interesse da China em
Doha consistia em NAMA. Com relação ao tratamento especial e diferenciado para os
PEDs, a China admitia, mas não fechava questão sobre sua necessidade, pois possuía
grande interesse em obter maior acesso a grandes mercados emergentes como Índia e Brasil
15
em agricultura. A conveniência da China em permanecer no G-20, resultava da aspiração
pela liderança dos países em desenvolvimento. Os seus interesses mais fundamentais
consistiam no avanço da liberalização comercial, que lhe interessava pela competitividade
das suas exportações. Isso entrava em conflito com a excepcionalidade de tratamento na
OMC. Desse modo, à China convinha ser menos clara ou demandante acerca dos seus
interesses concretos, pois ela podia deixar as demandas pela liberalização comercial dos
PEDs a cargo dos países desenvolvidos, que poderiam avançar esses objetivos sem assumir
o desgaste de pressionar os países em desenvolvimento (LAWRENCE, 2006, p. 27).
A partir do momento em que a China empresta seu peso político, às margens da
influência que poderia exercer sobre a rodada, o caminho estava aberto para que Brasil e
Índia conduzissem o grupo a partir de uma liderança que não dividia propostas substantivas
ou metas concretas em comum. Precisamente por interpretarem o conteúdo do
compromisso com o desenvolvimento dos PEDs da Declaração de Doha (2001) de forma
diversa, a proposta do grupo para as negociações consistia na fusão do objetivo central do
Brasil da liberalização do comércio agrícola com a conservação da excepcionalidade das
regras de tratamento diferenciado para os PEDs, que representava o interesse supremo da
Índia nas negociações.
Entretanto, essa conciliação heterogênea de interesses no G-20 possuía também um
fator estabilizador representado pela sua concentração de poder. A distribuição do poder no
G-20 se concentra num G–3+3. Num nível fundamental, há um G-3, formado por BRICs –
Brasil, Índia e China. Em um segundo nível, configura-se outro G-3 composto por
membros de menor expressão – Argentina, Chile e África do Sul. A esse núcleo se
somavam 12 membros de pouca expressão. Essa concentração de poder blindava o grupo
do assédio dos países desenvolvidos, pois enquanto não houvesse uma defecção no núcleo
de poder do grupo, o G-20 se manteve capaz de prosseguir com seu projeto de liderança
sobre as negociações.
Esse formato de ação coletiva que permitiu o resgate da clivagem Norte-Sul
começaria a se desgastar a partir das negociações do Documento de Modalidades de Julho
16
de 2004. Na ocasião, os líderes do G-20 foram incorporados ao círculo de negociações mais
estreito da OMC, mediante a constituição do Five Important Parties (FIPs) que envolvia,
além de Brasil e Índia, EUA, UE e Austrália.
Uma repercussão fundamental dessa forma de aumentar a representatividade da
OMC frente o desafio das coalizões de países em desenvolvimento consistiu em estimular
os líderes do G-20 a prosseguirem negociando na liderança do grupo à frente de uma
grande maioria de países pobres, refletindo-se num dilema para o progresso das
negociações.
Durante o longo processo de negociações, a tese acompanha a dinâmica do G-20
que se associa ao dilema de que mesmo diante da falta de resultados substantivos, e a
despeito das divergências de interesses na coalizão, conservava-se um grande estímulo para
o investimento na manutenção do grupo na perspectiva dos seus líderes. No entanto, a
maioria dos seus membros ambicionava um resultado concreto que entregasse as promessas
depositadas no compromisso com o desenvolvimento expresso em Doha (2001). Para esses
países, o desgaste do G-20 tenderia a crescer com a evolução das negociações.
Quando o processo de negociação passa a se desenvolver na direção da maior
participação dos PEDs através do FIPs, surgiram as primeiras críticas dos demais membros
do G-20 que não se sentiam representados por essa incorporação. Ao contrário, a percepção
desses atores era a de que estava surgindo um novo QUAD, pois a diferença entre os níveis
de desenvolvimento no interior do G-20 reproduzia aquela existente no interior do regime,
sobre a qual se legitimava o direito ao desenvolvimento como tema central da rodada. Isso
tornava incompatível a representação da maioria dos membros do G-20 por esses grandes
mercados emergentes.
O avanço das negociações em direção a outras agendas, como iniciativa que poderia
ampliar as bases da barganha, possibilitando novos trade offs entre países desenvolvidos e
em desenvolvimento, não seria capaz de vencer o desafio trazido pelo G-20 para a Rodada
de Doha (2001). Ao contrário, o que o prosseguimento das negociações evidenciou foi que
17
o G-20 e as negociações em agricultura foram colocados no centro da rodada, impedindo
um compromisso entre os membros da OMC.
Este capítulo se concentra sobre a análise do processo de negociação que
progressivamente exaure os esforços da coalizão na busca pela manutenção da sua coesão.
A dinâmica das negociações apresentaria desafios críticos para o G-20, ao acentuar as
enormes divergências que separavam seus líderes do restante do grupo. Acompanhamos a
evolução dos documentos produzidos pelas negociações e confirmamos uma grande
incompatibilidade entre o compromisso formal com a ambição do mandato de Doha reafirmado em várias fases das negociações - em contraste com a ausência de resultados
concretos ou substantivos que satisfizessem o interesse da grande maioria dos membros do
grupo.
Essa ambigüidade que o processo de negociação assume se torna cada vez mais
claro para a liderança do grupo. Isso faria com que o G-20 passasse a se distanciar do seu
perfil original que buscava compatibilizar o compromisso com os avanços no processo
negociador da OMC - que aproximava sua liderança dos interesses dos países
desenvolvidos - com a manutenção da aliança dos países em desenvolvimento que
formavam as grandes coalizões de PEDs da rodada, como o G-90 e o G-110.
Progressivamente, o Brasil, na liderança do G-20, passaria a buscar o apoio político externo
às negociações da OMC, encaminhando-se para uma grande sinergia com os BRICs. Foi a
partir dessa nova fase da sua atuação que o racha no seu núcleo de liderança se tornou
inevitável. Os processos que levaram a esse resultado consistem no núcleo de análise desse
trabalho.
18
Testemunho do Autor:
Muito obrigado. Gostaria de agradecer sinceramente a iniciativa do CEBRI, que é
uma oportunidade maravilhosa para mostrar meu trabalho. Queria me congratular com
todos vocês, estou vendo que tem uma parcela jovem bastante significativa aqui me
ouvindo e isso é sempre um prazer muito grande. Talvez a forma mais franca e mais clara
de explicar um pouco de por que o interesse pelo tema do G-20 esteja profundamente
ligado ao que o G-20 representava ou representou para alguém que estava acompanhando a
política externa do Brasil na época de Cancún, em 2003, quando o grupo surge parecendo
que iria arrebentar as portas da OMC.
O G-20 inaugura uma iniciativa de balanço, em relação ao poder de influência dos
países desenvolvidos sobre aquelas negociações e é considerado, em grande parte, um dos
responsáveis pelo grande impasse que marcou a conferência de Cancún, paralisando tais
negociações, atrasando o cronograma da Rodada, definindo do quadro de modalidade para
2004.
Há um grande interesse em entender como esses novos heróis do mundo em
desenvolvimento conseguem se unir e paralisar as negociações da Rodada Doha.
Exatamente questionando um pouco essa primeira idéia de como as coalizões estão se
formando e estão negociando na OMC, comecei a questionar um pouco: será que foi o G20 que paralisou essas negociações? Ou quanto do G-20 responde pela paralisação dessas
negociações? Qual o significado político da formação do G-20? Porque, num primeiro
momento, uma grande parte da literatura, inclusive, considera o G-20 como parte de uma
coalizão de terceira geração. O que seriam essas coalizões de terceira geração? Seriam
coalizões de geometria variável. Isso quer dizer que esses países do terceiro mundo,
antigamente identificados por uma dimensão, sobretudo ideológica no seu comportamento
de ação coletiva no regime comercial, teriam passado a agir num sentido mais pragmático
de identificação de seus interesses para, a partir desses, formar coalizões pontuais em
determinados temas da negociação que não teriam obrigatoriamente uma continuidade em
19
outras arenas de negociação. Haveria um pragmático muito maior dessas coalizões de
países em desenvolvimento (PEDs) que estão atuando na OMC desde sua criação pós-1995.
Comecei a questionar isso, essa tese é uma tentativa de leitura da coalizão do G-20 a
partir da perspectiva da Rodada Doha, como Rodada do Desenvolvimento. Isso porque o
fator explicativo e causal mais forte, no qual apoio minha explicação, consiste no fato dessa
Rodada ser uma Rodada do Desenvolvimento e no fato do tema do desenvolvimento se
apresentar de uma forma ímpar, completamente diferente do que já se apresentou em todas
as outras etapas das rodadas de negociação do regime de comércio. Assim que, exatamente
buscando explorar qual é essa concepção de desenvolvimento e como ela pode ter uma
influência tão grande sobre as negociações da OMC - estou na verdade sustentando que o
G-20 consiste num sintoma mais acabado dessa manifestação, dessa idéia de
desenvolvimento – isso me levou a olhar para como o regime de comércio vem se
desenvolvendo desde o pós-guerra. Ainda, como que nas diferentes fases do
desenvolvimento do regime comercial, a atuação do regime de comércio regulam as
finanças internacionais, ou seja, as esferas do multilateralismo econômico assumiram
diferentes configurações e como essas diferentes configurações da relação entre comércio e
finanças condicionaram, até certo ponto, a inserção dos países em desenvolvimento no
regime de comércio.
Apresentando o primeiro capítulo desse trabalho, um capítulo teórico, recorro a um
institucionalista chamado John Ikenberry, que defende a tese de que, após as guerras,
surgem oportunidades de mudança. Mudança por conta do fim de uma ordem que permite a
construção de uma nova ordem. A grande implicação nesse ponto é que a grande
estabilidade depende do papel das Instituições. Instituições garantem princípios e regras
que são favoráveis a alguns Estados e desfavoráveis a outros. Mais favoráveis aos países
hegemônicos no momento da “pactuação” da ordem, um “Path Dependence” que
constrange as oportunidades de mudança da ordem internacional.
Apresento no primeiro capítulo esse desenho de pesquisa, sustentando o argumento
do Ikenberry de que é a partir da complementaridade da atuação das Instituições que a
20
estabilidade da ordem internacional se mantém. No segundo capítulo, investigo essa
complementaridade da atuação das Instituições, nesse caso envolvendo a regulação das
finanças e a regulação do comércio, para dar conta como o Acordo de Geral de Tarifas de
Comércio (em inglês General Agreement on Tarifs and Trade, GATT) surge na ordem de
Bretton Woods. Continuarei a percorrer a literatura institucionalista, cito o John Ruggie16,
menciono o compromisso de “bitter liberism” que sustenta que as Instituições estão
permitindo que os Estados tenham um grande sucesso na liberalização comercial dos vinte
primeiros anos do pós-guerra.
O grande sucesso dessas rodadas de negociação comercial acontecem sobre essa
grande complementaridade institucional. A partir dessa, os países em desenvolvimento têm
uma inserção no GATT à margem das regras, conseguem uma série de exceções para
viabilizar o seu desenvolvimento econômico, na época associado à industrialização por
substituição de importações. Percorro esse caminho para dar conta do fim dessa ordem de
Bretton Woods, para chegar à crise dos anos 70 quando começam as crises do Petróleo,
crises do Câmbio; começam também uma série de movimentos financeiros e uma crise
muito grande que é preciso tentar restaurar, suprir as consequências recessivas da crise
através da promoção do avanço da liberalização comercial.
Como é que isso vai implicar na inserção dos países em desenvolvimento dentro do
GATT? Entramos na Rodada Tóquio, de 1973 à 1979, que busca lidar com as
consequências recessivas da crise e, para tanto gera uma grande fragmentação no acordo.
Essa grande fragmentação que surge pela celebração dos códigos na Rodada Tóquio. Os
países em desenvolvimento são deixados, em grande parte, à margem dessas negociações.
Não obstante, conquistam a base jurídica do Code of Good Practice (CGP) através da causa
de habilitação de 1979, no final da Rodada.. Os grandes ganhos de liberalização comercial
dos novos setores de desenvolvimento econômico estão concentrados na celebração dos
códigos que são celebrados de forma voluntária. Os países que têm interesses, têm ganhos
16
John Ruggie é um professor universitário de Direitos Humanos e Negócios Internacionais austroamericano. É representante especial na ONU para área de negócios e direitos humanos e professor da
Universidade de Harvard.
21
para realizar naquela celebração se dedicam a essas negociações enquanto que os PEDs
ficam à margem delas sem participar dos ganhos da mesma forma.
No terceiro capítulo, dou conta da reconstrução da arquitetura institucional e da
relação entre comércio e finanças. Abordo a Rodada Uruguai do GATT, mas o faço sob a
perspectiva de como as Instituições do multilateralismo econômico vão constranger os
países em desenvolvimento a embarcar em negociações recíprocas com o mundo
desenvolvido. Abordo o papel do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional
(FMI), como se dá o constrangimento das reformas, como essas negociações e a imposição
de condicionalidades, num primeiro momento, vencem a resistência dos PEDs, quebrando a
coalizão do G10. Começam a aparecer as Crossover Coalitions, o grupo de Kerns e mais
uma série de iniciativas que estão mexendo profundamente com a exceção tradicional
desses países no regime. Abordo ainda a questão do Choque de Juros de 1979, de que
forma esses constrangimentos impostos pelas Instituições levamos países a liberalizarem o
seu comércio e como esses constrangimentos começam a partir de certo momento
naturalizados, generalizados, já que os PEDs começam a ingressar na liberalização
unilateral do comércio, muitas vezes sem constrangimento e sem a presença de uma
barganha. Eles interiorizam essa perspectiva de desenvolvimento ligado à abertura
econômica, juro estrutural, ao aumento da eficiência e promoção das exportações.
Entrando no capítulo quatro, concentro-me nos anos 90 e como esses países recém
incorporados nas negociações com o mundo desenvolvido dentro do regime de comércio
vão sofrer os efeitos da fuga de capital dessa década. Recorro novamente no capítulo
quatro, à separação entre comércio e finanças, e concentro-me na parte das finanças, nas
crises que sucessivamente vão percorrer leste asiático em 1997, Rússia em 1998, Brasil em
1999, e como a ressaca dessas crises financeiras gera amplo debate no cenário internacional
sobre a questão do desenvolvimento dos PEDs. Se anteriormente, durante ainda a Rodada
Uruguai, esses países interiorizam sua concepção do desenvolvimento associada ao
Consenso de Washington, quando se fala no final de 1989, o relatório conjunto do Banco
Mundial, do FMI, está ressaltando pela primeira vez na história dessas Instituições uma
autocrítica. Uma autocrítica não só no sentido da atuação do Banco Mundial e do FMI na
22
gestão das crises financeiras, mas, sobretudo, uma autocrítica em relação à receita para o
desenvolvimento econômico. A partir desse momento, há um resgate muito grande do papel
do Estado na promoção do desenvolvimento. Se pegarmos a literatura nacional, veremos o
Edmar Lisboa Bacha falando em algo que ele chamará de Dissenso de Cambridge em
contraposição ao Consenso de Washington. O Dissenso de Cambridge estaria associado aos
nomes de Dany Rodriguez, do Ha-Joon Chang – do Chutando a Escada –, e do Joseph
Stliglitz.
E qual a grande lição desse grande Consenso? É papel do Estado de ser o grande
promotor do desenvolvimento. Não é mais possível acreditar que o desenvolvimento dos
países menos desenvolvidos será atingido única e exclusivamente via integração no sistema
internacional e uma retirada do Estado do seu papel de regulador ou locador de recursos.
Então, a partir desse questionamento, dessa nova concepção do desenvolvimento, que está
surgindo desses relatórios, o próprio Congresso dos Estados Unidos interioriza isso. Ele
passa a trabalhar sob a perspectiva da reforma das Instituições de Bretton Woods. E, dentro
dessa perspectiva de reforma, o que pode-se perceber é uma grande preocupação com o
resgate na confiança dessas Instituições. Como esse resgate da confiança deveria ser
perseguido? Através de uma reforma que tivesse em vista princípios para atuação dessas
Instituições. Princípios como, por exemplo, respeito à soberania dos países na regulação e
na locação de recursos nos seus cenários domésticos e respeito à questão do
desenvolvimento como direito fundamental desses países que seria financiado, sobretudo
através do comércio internacional. O comércio é uma grande fonte de financiamento para o
desenvolvimento. Isso aparece no relatório da Comissão Meltzer, é acentuado no Consenso
de Monterrei, na Conferência Internacional para o Financiamento para o Desenvolvimento,
em 2002, e, a partir desses movimentos que estou citando, passamos a ter uma crescente
associação da liberalização do comércio agrícola com o direito ao desenvolvimento dos
PEDs.
Creio que esse seja um ponto fundamental para poderemos entender um pouco do que
está acontecendo na OMC e do que leva o G-20 não apenas a se formar, mas também a
possuir algumas medidas de potencial explicativo para entendermos o que está acontecendo
23
no transcorrer das negociações da Rodada Doha. Então, se pensarmos em termos de cenário
internacional e essa relação comércio e finanças no começo do século XXI, quando foi
lançada a Conferência de Doha, observamos que o tema de desenvolvimento, antes
associado profundamente ao receituário do Consenso de Washington e o papel do FMI, está
completamente deslocado do interior dessas Instituições, e isso algo que não aconteceu
antes. Onde é que o tema do Desenvolvimento vai encontrar abrigo na alvorada do século
XXI? Exatamente como programa da primeira rodada da Organização Mundial do
Comércio, há a incorporação do tema do desenvolvimento no interior, mas o faz pleno de
contradições e de incertezas quanto ao significado preciso do desenvolvimento dos países
menos desenvolvidos. Creio que o ponto fundamental seja “pleno de incerteza”.
O tema do desenvolvimento adentra a OMC, vira o tema da primeira rodada de
negociações em Doha e, desde então, conseguimos perceber uma série de ambiguidades
que se manifestam no texto em relação à questão do desenvolvimento. Em primeiro lugar, a
declaração de Doha menciona o compromisso dos países desenvolvidos com a liberalização
do comércio agrícola como via para o desenvolvimento dos PEDs. Mas, ao mesmo tempo,
não se compromete com nenhum tipo de resultado. “Without prejudging the results of
negotiations”. Em segundo lugar, a questão dos Temas de Cingapura17 que vêm desde a
Conferência de Cingapura em 1996. Quatro são os temas profundamente ligados à
interferência da regulação multilateral sobre o comportamento dos Estados e também sobre
a capacidade de regulação dos Estados. Essa questão encontra um abrigo completamente
ambíguo na Rodada de Doha.
Esses quatro temas estão completamente deslocados nessa nova concepção do
desenvolvimento que está surgindo no cenário multilateral. E como eles aparecem em
Doha? Aparecem com a declaração dúbia quanto à interpretação. Na declaração de Doha,
aparece escrito, basicamente, que, após a quinta Conferência Ministerial, ou seja, após
Cancún, seriam decididas as modalidades das negociações desses temas. Os países em
desenvolvimento interpretam essa mensagem significando que teriam oportunidade de,
através do processo do consenso, rejeitar a negociação desses temas.
17
Compras Governamentais; Facilitação do Comércio, Propriedade Intelectual e Investimentos.
24
Os países desenvolvidos interpretam a mesma declaração no sentido de que esses
sistemas seriam discutidos apenas quanto a sua modalidade de negociação, mas que a sua
inclusão no quadro de negociação já estaria assegurada na partir da Declaração de Doha.
Então, essas ambiguidades que vão se acumulando no texto da Declaração de Doha são, em
larga parte, responsáveis pelo fracasso que é verificado em Cancún. O que acontece em
Cancún? Quem paralisa Cancún? É apenas o G-20? Não! Quem está por trás desse grande
malogro de Cancún é, sobretudo o G-90, que está surgindo pela participação do grupo
países africanos, caribenhos e do Pacífico (ACP, sigla em inglês) e do Grupo Africano. Eles
estão reunindo 90 países em desenvolvimento que rejeitam, como um todo três dos Temas
de Singapura, os que representam a agricultura e a questão do algodão. Essa última,
sobretudo, uma questão ligada ao desenvolvimento dos países mais pobres; os africanos
produtores de algodão têm um grande problema, têm uma grande reparação contra o
comportamento dos Estados Unidos e mercados desenvolvidos que subsidiam altamente o
único produto do qual eles têm vantagem comparativas que se destacam.
Dessa forma, é mais ou menos traçando essas ambiguidades que vou conduzindo a
interpretação do que está acontecendo na Rodada de Doha. A formação do G-20 é
tradicionalmente tida como uma coalizão de Geometria Variável, uma coalizão de terceira
geração na OMC. Estou me posicionando de uma forma extremamente crítica em relação a
isso. Quais são os interesses compartilhados pelos membros do G-20? Ou esses membros
do G-20 se dividem em termos de interesse em relação àquela proposta agrícola? Há uma
grande barganha ali. No caso dos três países líderes, de maior peso econômico no G-20 China, Índia e Brasil – há um interesse muito grande do Brasil na liberalização da
agricultura, mas não há esse interesse da parte da Índia, muito menos da parte da China. Há
uma grande predileção desses grandes países pela concessão do tratamento especial, que
figura em Doha.
No caso da China, essa está ainda em um período de transição recém admitida como
membro da OMC, não está preparada nem está disposta a fazer maiores concessões em
negociações, não está disposta a liderar coalizão nenhuma. A Índia tem um interesse em
25
dividir a liderança dessa coalizão com o Brasil, mas é, ao mesmo tempo, muito presa. A
Índia sempre se prendeu muito ao seu papel tradicional de liderar os países em
desenvolvimento no GATT, dentro do grupo informal, dentro do regime que não existe
mais, então o que se vê pela junção desses grandes atores é uma oportunidade sistêmica
única que permite, sobretudo, ao Brasil, liderar essa coalizão da qual a China não aparece.
A China empresta um grande poder econômico, um grande poder político, uma
grande visibilidade para esse G-20, mas não se manifesta nessas negociações. Quase que
deixa essas negociações correrem em torno da liderança brasileira. E a consequência que
surge no transcorrer das negociações é a ausência completa de compromissos concretos
com as metas do G-20. Aprova-se, por exemplo, um acordo “Marco de Julho”, um
compromisso em torno dos princípios que o G-20 está defendendo para a forma de redução
tarifária, mas, em termos de compromissos concretos, isso não acontece.
Em 2005, a mesma coisa. A partir de certo momento, o G-20 percebe que uma
tentativa de balanço profundamente associado à idéia de legitimidade do direito de
desenvolvimento dos PEDs não encontra espaço para se concretizar no interior da
Organização Mundial do Comércio. Como o G-20 reage a essa limitação? Cada vez o
grupo desgasta mais a sua coalizão com os PEDs diante das oportunidades que se oferecem
de aproximação com os países desenvolvidos e isso se torna uma tendência no
comportamento do grupo. Principalmente depois da incorporação da Índia e do Brasil no
FIPs (Five Important Parts) que acontece nas negociações de 2004, no “Marco de Julho”; e
mais tarde, com o transcorrer das negociações, o Brasil começa a perceber que investir
nessa polarização não entrega resultado concreto. E o Itamaraty tem uma iniciativa muito
interessante, passando a tentar vincular a idéia de legitimidade, que defendo, como sendo
aquilo que permitiu a formação do G-20, e começa a vincular essa idéia de legitimidade
com o tema dos biocombustíveis, da redução da fome no planeta e da liberalização dos
mercados agrícolas internacionais.
Começa a fazer isso no fórum econômico mundial de 2007, investindo nos temas dos
biocombustíveis como meio de extinguir a pobreza nos países mais pobres e de
26
proporcionar uma oportunidade aos países desenvolvidos de atingirem uma maior limpeza
na matriz energética do planeta, trazendo esse tema para o encontro dos BRICs. Nesse
momento, – em 2007 ainda -, creio estar se revelando a “cara” do G-20 de uma forma
muito clara. Esse encontro de 2007 acontece, creio, que a duas semanas, mais ou menos, do
encontro final na sede da OMC de junho de 2008, que é quando acontece o racha definitivo
entre Índia e Brasil. O Brasil apóia uma proposta dos EUA e o grupo arrebenta. Nas
palavras de Celso Amorim, “ele estava por um fio e o fio arrebentou”. Tentei passar uma
visão ampla da pesquisa, de como se desenvolveu, mas tem muita coisa ainda para ser
explorada.
27
Debate:
Pergunta:
Muito obrigada, Ricardo. É difícil resumir Em meia hora, ele acelerou uma tese de
tantos anos e tantas páginas. Foram mais de 400 escritas, fora o que tinha por trás na
pesquisa. Agradecemos muito e vamos abrir agora para um debate e para comentários. Vou
fazer uso da minha prerrogativa de apresentação e pedir que ele comente, também.Ele citou
alguns constrangimentos. Queria que você mencionasse o constrangimento causado
também no Mercosul pela “crítica” à liderança e à atuação. Você citou os FIPs – Five
Importants Parts. E é claro que dentre os FIPs, a Argentina não estava e isso criou um
constrangimento, veio muito à imprensa. Então, queria saber se na sua tese isso é
mencionado e também esse impacto.
Pergunta:
Você estava falando das oportunidades que apareceram para o Brasil mediante a
articulação do G-20 e mencionou que há uma dificuldade, um enfraquecimento do
movimento do G-20, a medida que as oportunidades de aproximação com países
desenvolvidos vão aparecendo. Então, minha pergunta é: Quais, você acha, são os melhores
caminhos para o Brasil atuar? Se é melhor que ele se apegue mais às oportunidades de
aproximação com esses países ou se ele abra a mão de alguns interesses para poder
representar melhor o grupo.
Dr. Ricardo Weber:
Antes para esclarecer, deixe-me eu lhe perguntar uma coisa: Você está se referindo,
quando fala “abre mão”, a que especificamente?
Pergunta:
28
A algumas oportunidades de negócios, de aproximação
com os países
desenvolvidos...
Dr. Ricardo Weber:
Em prol da união?
Pergunta:
É, em prol da credibilidade do G-20, de que ele tem como líder em relação aos países
menos desenvolvidos.
Dr. Ricardo Weber:
Perfeito.
Pergunta:
Mais alguma colocação nessa primeira rodada?
Pergunta:
Sou da ABIFINA, Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina. Você falou
como a Rodada de Doha paralisou a partir do momento em que o Brasil, em 2008,
concordou com a proposta americana, a Índia interferiu e deu para trás e as coisas não
evoluíram mais. Mas, a partir daí, se seguiu à crise internacional e os EUA se tornaram,
mais do que nunca, hiperprotetores; então esse hiperprotecionismo que aconteceu inclusive
na questão agrícola, você acha possível retomar a partir daquele estágio que paramos em
2008?
29
Pergunta:
Bom dia, pretendo fazer uma pergunta um pouco mais espinhosa, em relação a sua
opinião, de fato. Minha intenção é perguntar alguma coisa no modelo da primeira pergunta,
só que então foi o seguinte: haja visto que muita gente considera que o Mercosul está
paralisado e que agora, que a Rodada de Doha está paralisada; onde você vê o melhor
caminho? Onde, Brasil deve investir mais as suas fichas? O seu capital político, o seu
capital para avançar esse tipo de negociação. Porque, como foi levantado, muita gente
critica a negociação global porque fere a regional. Então, uma vez que isso já foi feito e que
as duas já estagnaram, onde vale a pena o Brasil investir mais?
Dr. Ricardo Weber:
Está ótimo. Vou começar pela primeira pergunta em relação à Argentina. No caso
da Argentina, ela foi profundamente crítica da liderança do Brasil no G-20. Começa a se ter
uma denúncia muito grande. Essa denúncia da Argentina reverbera de uma forma muito
forte no Ministério das Relações. Exteriores. O Rubens Ricupero está denunciando, no final
das negociações, o comportamento do Brasil à frente do G-20, como esse projeto de
liderança na OMC está pondo a perder uma série de esforços diplomáticos que já foram
construídos no passado. Uma aproximação de tantos anos foi colocada para escanteio em
prol de uma estratégia que, segundo o depoimento do Ministro, se não me engano, sempre
foi de improvável concretização. Ele, inclusive, cita que, em termos concretos, os grandes
mercados que interessam ao Brasil no longo prazo são os mercados de seus próprios
parceiros do G-20. É o grande mercado indiano, é o grande mercado chinês. O G-20 é uma
coalizão que se forma de forma Ad Hoc exatamente para tentar se contrapor a tal poder de
agenda de países desenvolvidos nas negociações e que não possui complementaridade e
interesse suficiente para sustentação dessa coalizão a longo prazo.
Na segunda pergunta, em relação ao enfraquecimento da coalizão pelos
compromissos assumidos com países em desenvolvimento que a impedem, em certo
sentido, de caminhar no ritmo das negociações. Qualquer proposta tem a ver com o G-90
30
ou G-110; em Hong Kong se forma o G-110 que está apoiando as propostas do G-20. Acho
complicado dizermos, agora, no conforto do exame, de todas essas negociações que já
aconteceram, que talvez fosse mais proveitoso não ter investido no G-20. Acho que o
investimento no G-20 gerou muitos custos. Muitos custos que não entregaram nenhum
resultado concreto. O fato é: essa estratégia demandou custos; envolveu uma enorme
capacidade de mobilização; deixou de lado uma série de alternativas anteriores; e não se
reverteu em nada concreto para o Brasil. Entretanto, houve um ganho de imagem para o
Brasil no cenário internacional? Sem dúvida de que houve. Quer dizer, como se mede? Em
que esfera você se propõe a avaliar a relação custo-benefício dessa iniciativa? Acho que aí
está a questão central, se você quer responder a pergunta se o Brasil deveria ou não. Acho
que talvez em termos de imagem internacional do Brasil, sim. O Brasil assumiu um papel
protagônico que não tinha até então. Será que valeu a pena em termos concretos? Minha
resposta é não.
Em relação à crise internacional, uma coisa que é interessante é que, quando o G-20
politiza as negociações da OMC, quando o G-20 investe na bandeira de biocombustíveis,
de despoluição do planeta, o que vai acontecer? A crise internacional se aproximando,
como essa bandeira de legitimidade do G-20 vai começar a ser atacada pelos países
desenvolvidos? Os países desenvolvidos vão investir no argumento de que os grandes
BRICs, que estão por trás do G-20, são grandes poluidores, e que a produção de
Commodities ligadas aos biocombustíveis tende a fazer o que? A encarecer os preços dos
alimentos que já estavam em alta no sistema internacional. Então a crise compromete de
uma forma central essa bandeira de legitimidade que o G-20 está buscando encontrar por
fora da OMC. Esse é um ponto central. Muito do que explica a ação coletiva nesse ponto
está ligada ao argumento da legitimidade do direito ao desenvolvimento e também é
verdade que a crise se aproximando descaracteriza essa bandeira até certo ponto. Então, não
acredito em um retorno do G-20. Não acredito mesmo. Para mim, foi uma etapa muito
interessante da nossa história.
A ultima pergunta, mais capciosa, de amigo, era se o avanço das negociações...
Pergunta:
31
A pergunta foi no sentido em que temos duas grandes iniciativas de certa forma
estagnadas, pelo menos muitas pessoas consideram estagnadas, Mercosul e o G-20. Você
respondeu a primeira parte, então, anterior: não vale a pena investir no G-20 porque, na sua
opinião, ele não funciona mais. Então, e para resposta natural é: vale a pena investir no
Mercosul? Esse é o caminho?
Dr. Ricardo Weber:
É, acho que sim. Mesmo porque não se tem uma outra alternativa no cenário
multilateral tão atrativa assim no presente. Pelo menos, eu não estou vendo.
Algum outro comentário? Pergunta?
Pergunta:
Sobre esse seu comentário de custo-benefício. Recentemente, numa palestra no
Itamaraty, o Ministro Celso Amorim falou que até os últimos anos o Brasil vinha a reboque
das decisões dos envolvidos, tendo que pedir licença para tudo. Hoje, o país se coloca sem
ter que pedir licença. Então esse respeito que o país adquiriu e que esse, independente de G20 ou não, você não vê como uma coisa irreversível? E só aí já terá valido a pena?
Dr. Ricardo Weber:
Olha, não sei até que ponto a gente pode falar de irreversível. Acho que é irreversível
se o Brasil seguir uma linha de maior protagonismo no tabuleiro das negociações daqui
para frente. Caso não siga, acho que se reverte até certo ponto. Não acho que isso justifique
qualquer coisa. Não acho que os danos que foram causados para o Mercosul possam ser
desconsiderados assim. Houve um ganho de imagem, sem dúvida. Agora, como avaliar esse
ganho de imagem vai depender da perspectiva que você vai adotar. Para isso, acho que é
fundamental a gente ver o que está acontecendo um pouquinho mais adiante. Sem dúvida
que é uma coisa nova, sem dúvida que é muito empolgante a gente ver essas negociações
32
acontecendo e esse protagonismo todo do Brasil; no entanto, a gente não pode esquecer – e
é isso o argumento que estou trazendo – que as condições foram excepcionais para que essa
coalizão se formasse. Um direito de desenvolvimento está associado à liberalização dos
mercados agrícolas e quem potencializa esse direito ao desenvolvimento são grandes
mercados emergentes que não estão interessados, com exceção do Brasil, na liberalização
propriamente da agricultura. As condições forma excepcionais.
O Brasil “surfou” nessa onda de uma forma fantástica. Realmente, quando a
oportunidade se apresenta fica muito difícil recusar uma coisa dessas. Isso que acho que faz
do fenômeno G-20 um fenômeno tão interessante. O G-20, como falei quando comecei
aqui, está querendo “arrombar as portas da OMC”; está querendo dizer que o movimento de
balanço, de poder, podem determinar resultados para as negociações. Acho que a OMC
mostra é que não podem. O que a OMC mostra é que o processo decisório do consenso, que
é um processo de grande informalidade entre os negociadores, permite que a Instituição vá
contornando as críticas, vá incorporando a parcela da liderança desses BRICs no seu
interior, no círculo mais estreito de negociações. Isso acontece no FIPs, em 2004, mas já
vem acontecendo desde que a OMC começa, em 1996. O Diretor Geral Mick Moore se
dedica a uma série de “Confidence-Building Measures”, medidas de resgate da confiança
na Organização”. Começa a expandir os ciclos decisórios através da realização de reuniões
“miniministeriais”.
Então, na verdade, o que a incorporação do Brasil e da Índia no FIPs mostra é que a
OMC, que já vinha lidando com as críticas à falta de transparência desde o começo da
Organização, consegue muito bem incorporar a liderança do Brasil e da Índia e, ao fazer
isso, ressalta muito o potencial de crítica dos outros membros de menor desenvolvimento.
Para isso, contou com a característica estrutural do G-20, porque é formado por um G-3
(Brasil, Índia e China, grandes mercados emergentes, BRICs); mais um outro G-“trêzinho”,
conformando um G-6 (Chile, África do Sul, Argentina) e o resto de países de menor
desenvolvimento. Essas características do G-20, por um lado, fazem com que o grupo se
converta num obstáculo para o prosseguimento as negociações. Porque, sem você desfalcar
o grupo na sua liderança, nesses três países líderes, nesse G-”trêzinho”, formado de Índia,
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China e Brasil; não há como quebrá-lo.Tanto é que depois de Cancún, os Estados Unidos
tentam desfalcar muitos países do G-20 e tem sucesso nessa iniciativa Celso Amorim vai se
referir ao G-20, num determinado momento, como um “G-12 Plus”, porque ele vai
perdendo membros mesmo; só que o núcleo duro do grupo, esse G-3, continua. Então,
enquanto esse G-3 continuar, o G-20 tem uma grande representatividade, já 60% da
população mundial está no G-20, 70% dos agricultores no mundo inteiro. É um argumento
de legitimidade muito forte. Acho que, havendo a legitimidade, é melhor para você
conseguir entender como é que essa coalizão se forma, muito mais do que a explicação em
termos de identidade e interesses negociadores naquele tabuleiro.
Comentário:
Queria fazer um comentário. Trazendo para o G-20 financeiro atual e, dentro dele, a
discussão também da reforma das Instituições, que é um dos capítulos do seu livro. Se você
acha que dentro dessa discussão das cotas, dos países em desenvolvimento que ainda é algo
muito pequeno – em termos de ganho mesmo, mas certamente é um ganho -; e, ao mesmo
tempo, queria aproveitar as colocações que você faz e a pergunta da Noemi e dizer que eu
sou mais otimista em relação ao Brasil. A gente teve uma discussão muito recente,
inclusive, em Washington, sobre a liderança e a responsabilidade brasileira.
Quer dizer, o Brasil como líder responsável e aí acho que a gente descola. É muito
difícil essa pergunta que o Ricardo teria que responder sobre o ganho real do G-20. Porque
você tem um ganho subjetivo enorme, mas não foi uma atitude isolada. Se a gente olha
hoje, o panorama é aquele cenário inicial que até comentei aqui. Quer dizer, o Brasil está
em todas as negociações. Institucionalizamos os BRICs; acabamos agora, em abril, de fazer
uma reunião dos BRICs em Brasília. Fez uma reunião do IBAS, que também é um outro
bloco Índia, Brasil e África do Sul). Quer dizer, aqui na região criou a UNASUL. Há uma
série de iniciativas. E a gente que está no CEBRI, discutindo o tempo todo isso, fez até um
dossiê agora recente; uma outra discussão aqui no Rio também – quando nos fizemos 12
anos -; tem uma crítica muito grande dizendo o seguinte: Olha, o Brasil está em todos esses
tabuleiros de negociação. Mas o que é na verdade a prioridade. Acho que a discussão que a
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gente deve colocar, reforçar, no Brasil, é realmente pelo qual vai se fortalecer essa
liderança brasileira.
Quer dizer, o fato de hoje estarmos no G-20 e querer a reforma das Instituições,
querer um papel mais protagônico. Por onde a gente, na verdade, vamos pressionar?
Fortalecer mais aqui a nossa a região? É o Mercosul? Porque a UNASUL também foi
criada; todas essas iniciativas têm um resultado muito pouco concreto se olhamos do ponto
de vista econômico, comercial, Doha parada, o Mercosul parado; onde é que realmente
colocamos nossas fichas? Em que temas dessas negociações? O Brasil, descolado de
governos, tem uma força econômica muito grande, uma estabilidade muito grande. São os
assets sobre os quais escrevemos. Por que o Brasil hoje é essa potência emergente? Porque
está no BRICs, porque está no G-5... Desculpe, no G-20; no G-5 era antes do tal Heiligen
prozess , que foi exatamente a tentativa do G-8 de dialogar com os emergentes, que é o G-8
mais o G-5.Cada hora aparece um grupo, agora o BASIC. Nas negociações de mudança do
clima.
Então, onde quer que esteja o tema, seja a água, segurança energética, segurança
alimentar, o Brasil vai estar lá porque é uma potência em cada um desses temas. Então, sou
otimista em relação ao Brasil, em termos dessa emergência. E, em todos os estudos e nessa
– como mencionei o debate em Washington –, acho que toda a conclusão disso é o
seguinte: Para que possamos, realmente, ser essa potência que todos esperam da gente, e há
uma perspectiva imensa interna e externa, doméstica e internacional, isso vai passar por um
trabalho enorme que o Brasil precisa fazer, é o famoso “dever de casa”. Se não
trabalharmos para dentro nas reformas de logísticas, econômicas, tributárias, regulatórias,
não conseguimos chegar lá. Então depende de nós. Queria fazer esse comentário e, se você
pudesse responder a pergunta sobre as instituições financeiras.Mais alguma colocação?
Pergunta:
Queria sua opinião sobre a possibilidade de conclusão da Rodada Doha em função
do recente protecionismo mundial pós-crise.
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Dr. Ricardo Weber:
Pois é, acho que a retomada das negociações vai depender de bastante coisa. Acho
que a gente não tem hoje uma forma de fazer previsão. Porque, a grande questão é, uma vez
retomadas as negociações, em que bases elas ocorreriam? A polarização, com certeza, vai
ser diferente. Acho que o G-20 não volta. O Brasil até tem interesse em que ele volte, mas
acho que ele não volta. Acho que a Índia não investe mais nisso da forma como investiu. É
muito interessante você tentar perceber o que a Índia está vivendo quando ela entra no G20. E havia uma grande controvérsia de qual seria o interesse nacional. Muitos acadêmicos
indianos estão criticando profundamente a forma como a Índia entra nessas negociações,
dizendo: a Índia superou seu passivo de país atrasado, deveria estar buscando uma inserção
maior nos mercados internacionais e não deveria fazer parte do G-20. Muita gente está
cobrando isso da Índia, uma formulação clara do seu interesse nacional. O Primeiro
Ministro indiano foi profundamente criticado em diversas ocasiões por seu posicionamento
de líder do G-20, então é complicado. Acho que é muito interessante estudar o que vai
acontecer, mas acho que, hoje, não temos uma condição muito clara de ver como é que
essas relações vão se restabelecer numa retomada de Doha. Para mim, é muito incerto.
Pergunta:
Sobre a fraqueza das instituições financeiras. Ou mais, vamos dizer, uma
necessidade de reforma. E hoje esse caminho começa a ser um pouco trilhado dentro do G20 financeiro com o sistema de cotas O que você espera dessa reforma?
Dr. Ricardo Weber:
É sim. Acho que esqueci de mencionar isso aqui, mas quando estou abordando a
crise de Bretton Woods, estou acentuando o componente que foi essencial para se fechar
tanto a Rodada Tóquio quanto a Rodada Uruguai que é o papel do G-7. O papel do G-7 foi
fundamental. O impulso político para fechar a rodada, vem de fora, não está dentro da
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OMC. A partir do momento que as Instituições não estão mais atuando de forma
complementar, há esse grande ator político, o G-7, coordenando o comportamento dos
Estados e propiciando o impulso político que fecha a Rodada Tóquio e a Rodada Uruguai.
O que acontece é que esse círculo é muito estreito. O grande crescimento dos anos 90
nesses mercados emergentes coloca a questão de que é necessário ampliar esse círculo de
governança global. O G-20 que estou abordando aqui é a manifestação disso no tabuleiro
de negociações comerciais, o G-20 econômico seria uma manifestação desse mesmo
movimento nas finanças internacionais. Na verdade última, estou abordando o regime
comercial, mas o simples fato do nome ali ser G-20 do Comércio, G-20 das Finanças são
“labels”, são rótulos. É o mesmo movimento. É essa briga por maior voz, maior poder de
influência. Para mim, não tem muita diferença. Quem está fazendo o G-20 acontecer são os
mercados emergentes, são os BRICs. São esses mercados que estão disputando uma maior
voz nas instituições de governança global.
Pergunta:
Gostaria antes de lhe parabenizar pelo seu trabalho. Continuando a sua linha de
raciocínio. Da mesma forma que sabemos que há um fundamento político do por que que a
Índia na liderança do G-20, e em relação aos demais do grupo privilegiado BRICs, você
concorda que também não há unanimidade em todos os demais em termos de participação
de cada um nessa busca de consolidação?
Dr. Ricardo Weber:
Sim, só que a grande questão que temos aqui é que, para o Brasil, interessa muito a
liberalização do comércio agrícola. 30% do PIB brasileiro são Commodities. Essa é uma
diferença fundamental: commodities para a exportação. É agronegócio, business. Coisa que
a China, por exemplo, tem uma grande promoção de commodities, mas que é direcionada,
sobretudo, para o mercado interno. No caso da Índia, são milhares de agricultores pobres.
Tem 32 países de colheita dentro das fronteiras indianas. Até pouco tempo atrás, a
agricultura era uma questão estatal. Cada estado determinava como é que a agricultura
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deveria ser gerenciada, porque a questão da subsistência da segurança alimentar é uma
questão fundamental. A questão da segurança alimentar equivalia à soberania alimentar.
Para eles, era muito clara essa equação, a produção de alimento é uma questão de segurança
no país. Aqui é diferente, quem gerencia o agronegócio no Brasil é o agrobusiness. 30% do
PIB está sendo produzido a partir disso. Então, para nós, o resultado concreto da
liberalização do comércio é um grande negócio, realmente. Para a Índia, o que representa
ali é você conseguir manter o tratamento especial diferenciado para sua agricultura. Quer
dizer, não ser invadida por exportações de outros países. Manter sua agricultura, a sua
população no campo. A segurança dos habitantes pobres indianos, é diferente.
Pergunta:
Pela sua resposta, então, isso também não é um fator como sendo uma das
principais barreiras de não adesão da bandeira do biocombustível que o Brasil tão bem
defende ou, de fato, é o líder desse processo ou é a voz única; até pelo outro fator da
fronteira entre o risco, ou seja, entre a segurança alimentar porque você tem que primeiro
ver a questão da fome – em detrimento da segurança do desenvolvimento através de uma
matriz limpa de combustível.
Dr. Ricardo Weber:
O que acontece é o seguinte: o Brasil chegou a inaugurar cooperação com a Índia
para exportação da tecnologia de produção de biocombustíveis durante as negociações da
Rodada Doha. Havia uma crítica muito grande do potencial de poluição do planeta desses
grandes mercados emergentes; a partir desse momento o Brasil entra na briga, celebra um
compromisso com a Índia, transferência de tecnologia, a Índia se mostra interessada em
comprar essa bandeira. Quer dizer, houve negociação, não sei até que ponto que isso
prosseguiu depois. Mas, o começo dessa aproximação, aconteceu em 2007, mais ou menos,
é aí que está acontecendo isso.
Pergunta:
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Você tem citado em determinado momento de sua tese os Temas de Singapura. Eu
queria saber qual é o cenário atual na OMC da discussão desses Temas porque a idéia que
tenho é que o G-20 discute a agricultura, então eu queria entender em que momento da sua
tese você cita os Temas e qual é o cenário atual na OMC da negociação desses.
Dr. Ricardo Weber:
O que acontece é que o menos controverso deles que é Compras Governamentais,
não sei se é Compras Governamentais ou Política de Concorrência; um deles foi mantido na
agenda, todos os outros foram eliminados. Todos os outros caíram nas negociações. Isso
aconteceu em 2004 ainda, no Marco de Julho, no Documento de Modalidades caem todos
eles e só fica o menos controverso que era Facilitação de Comércio. E a União Europeia,
que tinha um grande interesse nesses Temas, e vem perseguindo esse interesse durante
todas as fases da negociação, concorda com o abandono dos demais Temas em 2004.
Mantém um só na agenda.
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O CEBRI Tese é uma
publicação
baseada
na
apresentação e no debate, no
CEBRI, de teses acadêmicas em
relações internacionais e política
externa brasileira, elaboradas por
brasileiros
e
defendidas
e
aprovadas em instituições de
ensino superior no Brasil ou no
exterior.
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