Congresso Nacional de Segurança Pública
O Espaço, o Território, a Questão Social e os Conflitos
Urbanos
Direito à Cidade:
Moradia ou Propriedade?
Regina Dulce Barbosa Lins
Núcleo de Estudos do Estatuto da Cidade
NEST-FAU-UFAL
[email protected]
Maceió, 06 de junho de 2006
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
• De um mestre, Roberto Lobato Correa sobre um tema:
o desafio da dimensão espacial em uma
sociedade mais justa
– urbanização brasileira - metrópoles - principais focos de sua
concretização;
– tamanho – desses centros - faceta importante na dinâmica
sócio-espacial brasileira;
– concentração econômica e demográfica - pouco mais de
uma dezena de epicentros nacionais e regional;
– gerou - transformações quantitativas e algumas mudanças
qualitativas.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
• De um mestre, Roberto Lobato Correa sobre um tema:
o desafio da dimensão espacial em uma
sociedade mais justa
– Inúmeros problemas:
– – alguns > existiam e foram ampliados;
– – outros > apenas latentes - eclodiram de modo dramático.
– Problemática social metropolitana - ao mesmo tempo:
– – geral > refletindo a realidade social brasileira;
– – particular > espelhando características próprias dos
centros metropolitanos: Maceió?
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
• Ainda de um mestre, Roberto Lobato Correa (ref. seu pupilo
Marcelo Lopes de Souza: O Desafio Metropolitano)
Sobre a postura ao tratar o tema
Envolvimento com a questão: seriedade, persistência e zelo,
enriquecidos:
– por uma rigorosa prática de investigação;
– por sensibilidade e compromissos sociais;
– por sólidas e boas referências teóricas.
Não apenas no sentido de dar conta da realidade,
mas de serem portadoras de uma generosidade e
comprometidas com as possibilidades de uma
sociedade mais justa
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
• Ainda de um mestre, Roberto Lobato Correa (ref. seu pupilo
Marcelo Lopes de Souza: O Desafio Metropolitano)
Sobre a postura ao tratar o tema
Também naquilo que privilegia a dimensão espacial da
sociedade:
Em sua mutidimensionalidade/complexidade (dimensões
econômica, política, cultural, física);
O espaço vivido é concebido:
ora como LUGAR; ora como TERRITÓRIO; ora como
ARENA DE LUTAS.
Em realidade, o espaço social (espaço urbano) é parte
do desafio metropolitano; não é só uma questão de
modo de produção mas de modelo civilizatório
(SOUZA, 2000; 18-29)
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Ainda de um mestre, Roberto Lobato Correa sobre a postura ao
tratar o tema:
Como um intelectual “deve” enfrentar esses
desafios?
• Pensando criticamente a realidade do seu tempo e,
acrescentando, de seu espaço: de seu espaço-tempo, em
realidade;
• Um profundo compromisso, por intermédio da ciência,
com as questões sociais;
• Um olhar específico sobre a realidade: um olhar que
exibe uma perspectiva crítica e, ao mesmo tempo,
contém uma generosidade.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Este olhar se faz minuciosamente:
Radiografando criticamente uma realidade dramática que
se expressa por meio de uma espacialidade que reflete e
condiciona uma sociedade injusta.
Volto, então, ao título desta minha fala — um recorte
neste desafio:
Hoje altamente imbricado com conceitos/processos que
norteiam esta mesa: Espaço, Território, Questão Social e
Conflitos Urbanos
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Para tratar do recorte refiro um caso em Maceió:
a produção continuada de dois empreendimentos residenciais
ilegais, irregulares, não-mais clandestinos, nesta interpretação,
informais; e
vizinhos, portanto disputando uma mesma localização.
uma favela onde moram miseráveis
loteamento onde moram não-pobres
e
um
A discussão é sobre:
o processo de suas regularizações de naturezas distintas,
apesar do seu objetivo comum:
o direito de permanecerem morando onde estão
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Neste sentido, esta análise propõe duas vertentes
distintas para referenciar as regularizações
pretendidas
Por um lado, no caso da favela
o reconhecimento sócio-político do
direito à moradia e a sua posterior
efetivação, cujo reconhecimento
social é disputável
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Neste sentido, a análise propõe duas vertentes
distintas para referenciar as regularizações
pretendidas:
Por outro lado, no caso do loteamento, autointitulado condomínio, a questão passa a ser
a efetivação do direito à propriedade,
cujo reconhecimento social é
indisputável.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Essas duas histórias distintas, — da favela e do
loteamento:
encontram-se, agora, totalmente imbricadas,
impedindo a separação dos objetos das duas
regularizações;
Enquanto uns:
lutam pelo direito à moradia – coletivo e difuso,
mas direito humano básico e em última instância,
direito à vida;
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Os outros:
brigam pelo direito à propriedade – o direito à coisa,
individual e objetivo.
Este último, o da propiedade:
portador de visibilidade plena nos
sistemas dominantes;
enquanto aquele outro, o da moradia:
é absolutamente invisível.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Neste caso, a iminente desativação do lixão,
aprofunda aquela invisibilidade:
segundo alguns, ao se fechar o lixão, pode-se
demolir os barracos, pois nada mais justifica a
permanência daquela população naquele lugar.
Confunde-se aqui a população com o lixo:
enquanto não se reconhecem, nem social, nem
politicamente, dois outros direitos fundamentais,
porém também difusos:
o direito à cidade e ao meio ambiente.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Ao não se reconhecerem os direitos dos mais
pobres:
continuarem naquele lugar, com os benefícios que
lhes são incorporados — proximidade com áreas
que concentram oportunidades na cidade;
Retiram-se daquelas pessoas a única vantagem
de estarem ali:
a localização, e não a existência do lixão,
conforme argumentos dominantes.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Como exercício de previsão: por um lado
ao manter o loteamento dos não-pobres naquele
lugar,
reconhecendo-lhe o direito de propriedade sobre a
“coisa” que afirmam possuir,
reforça-se o processo de valorização imobiliária
daquelas terras urbanas, conforme “planejado”
pelo setor imobiliário formal, com o apoio do
Estado.
Este processo não demonstra
garantia de “sustentabilidade”, diferente do que é
apregoado em todos os discursos como símbolos
de modernidade e de atualidade.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Como exercício de previsão, por outro lado
a “expulsão” dos moradores da favela, sem solução alternativa
que lhes garanta a mesma vantagem locacional,
redundará no já conhecido, o “insustentável”: ocupação de
outras áreas ambientalmente frágeis da cidade, fora do
mercado formal,
reforçando ciclos de miséria e destruição ambiental, portanto,
violência.
Apresentam-se as duas faces da mesma moeda
características dos processos de apropriação, produção,
organização e gestão dos espaços urbanos brasileiros
contemporâneos, quando divide de pobres e não-pobres, em
todas as suas dimensões constitutivas:
valorização e valoração
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
Quais PRESSUPOSTOS para um quadro de referências
conceituais:
Urbanismo sensato - DEUTSCHE, Rosalyn: (2005)
... sobre ética e urbanismo, em que o urbanismo não se refere
simplesmente ao modo de vida das pessoas nas áreas
urbanas mas num sentido político amplo à nossa maneira de
viver juntos – com os outros – na cidade (p.11).
Direitos invisíveis – SOUZA FILHO, Carlos F.
(1999)
...crise do direito – deslocamento do centro do sistema: do
privilégio da ordem privada, para a ordem pública; do direito
individual (loteamento) para o coletivo (favela) (p.308).
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
PRESSUPOSTOS: Urbanismo sensato
(Deutsche, 2005)
... contestar duas ameaças ao urbanismo
democrático:
[1] atitude moralista e a hostilidade contra [a tentativa de
construir] os direitos e a igualdade que [poderiam dominar]
a política urbana atual;
[2] enquadramento de [alguns] debates urbanos que
estabelece uma divisão entre uma política homogeneizadora
e outra particularista.
...ambos os lados revelam um desejo de unidade:
procuram proteger aqueles que se identificam – que são como
“eu”, como “nós”;
não abre espaço para uma política baseada na capacidade da
“não-indiferença ao outro”, como denomina o filósofo ético
Emmanuel Lévinas.
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PRESSUPOSTOS: Direitos invisíveis
(Souza Filho, 1999: 309-313)
O direito se construiu sobre a idéia de propriedade
privada:
isto é de ser um bem, uma coisa... material, concreta...direito
individual que é, ele também, físico, concreto;
Nesta lógica, o direito coletivo [só pode ser]:
o conjunto ou a soma dos direitos individuais, e como direitos
individuais, tratados... e se não há a coisa, a propriedade,
não pode ser tratada. (cf. fala sobre decisão do juiz no Rio);
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
PRESSUPOSTOS: Direitos invisíveis
(Souza Filho, 1999: 309-313)
Garambombo (romance do Scorza)
reivindicante dos direitos da comunidade que não podiam ser
reconhecidos pelas autoridades, posto que eram invisíveis;
O [sistema não consegue outorgar-lhe efetividade];
No universo do direito individual, tudo que seja coletivo
é:
estatal, ou omitido, ou invisível; neste sentido o são direito à
moradia, mas também ao meio-ambiente...
posto que não-específicos, são coletivos,
sociais, portanto difusos.
Direito à Cidade: Moradia ou Propriedade?
...não poderemos ter direito à moradia se não se fizer cidades
mais includentes e coesas. Esse modelo de apartação social, de
segregação, todo em gueto, com os ricos fechados em fortalezas
fortificadas, só tem exacerbado a violência, o mal-estar, o
desequilíbrio econômico-social e ambiental de nossa sociedade.
Nós vamos ter de aprender a conviver e compartilhar os espaços
da cidade. Eu não vejo uma solução que não passe por isso. E
acredito que essa uma utopia possível, a humanidade tem que
colocar isso como utopia. Da mesma maneira que se quer colocar
como utopia a salvação do planeta de uma ruína ambiental, acho
que deveríamos também colocar a utopia de salvar o planeta da
ruína sócio-política-territorial para a qual estamos caminhando.
Vivemos um momento de crise, e a crise é sempre um excelente
momento para se repensar o modelo de civilização. Raquel Rolnik
(Relatora especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia;
Entrevista à A&U, maio 2008).
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