PALAVRA DA OUVIDORIA
Autora: Joseti Marques
Da natureza da Ouvidoria da EBC
A velha parábola do escorpião e do sapo serve como analogia para explicar o instituto da Ouvidoria de
Comunicação Pública, especialmente a da EBC. Singular entre todas as ouvidorias públicas no Brasil, a da
EBC tem sua gênese na própria lei que cria a empresa. E diz o Art. 20, parágrafo 3o., item I, que no exercício
de suas funções, o Ouvidor “deverá redigir boletim interno diário com críticas à programação do dia
anterior a ser encaminhado à Diretoria Executiva.” No entanto, nos deparamos frenquentemente com a
mesma questão: “vocês são ouvidores ou são ombudsman?”. Algumas vezes, a pergunta vem em tom de
questionamento enfático, embutindo a premissa de uma afirmação: “vocês são ouvidores; não são
ombudsman!”.
Recentemente, fomos mais uma vez interpelados sobre isso, o que nos leva a crer que está na hora de, mais
uma vez, voltar a explicar: ombudsman e ouvidor são sinônimos em línguas diferentes; têm atribuições e
compromisso público semelhantes. A palavra ombudsman, de origem suíça, não é flexionada em gênero e
número – não existe “ombudswoman”. Já o nome ouvidor é de origem e herança histórica do Brasil Colônia.
Ouvidor é a forma empregada na Administração Pública; ombudsman, na iniciativa privada.
O desconhecimento da função do ouvidor na Comunicação Pública provoca, nos outros, a desagradável
impressão de que exorbitamos de nossa atribuição e abusamos da imunidade que nos confere o mandato.
Em um passado ainda não tão distante, já ouvimos que nosso papel era apenas atender ao público e não
fazer críticas de conteúdo.
E daí pode-se deduzir que a negação recorrente da função da crítica a que a lei nos obriga é a pedra no
sapato que impede a caminhada em busca da qualidade e até mesmo da inovação em comunicação pública,
a partir, também, da contribuição trazida pela Ouvidoria. Pode-se tomar como exemplo o caso das
transmissões de futebol pela TV Brasil, que ocupou várias edições dos Boletins e de Relatórios da Ouvidoria.
Aparentemente resolvidas as inconsistências, o público foi o primeiro a reconhecer o salto de qualidade
nos programas de esporte e a comunicar isso à Ouvidoria. Mas foram longos meses de resistência até se
chegar a esse ponto.
Todos sabemos que a EBC tem profissionais valorosos em seus diversos veículos – pessoas que desde os
tempos da extinta Radiobrás fazem os mesmos programas, adquirindo prestígio junto ao seu público. Mas
isso não os torna imune a eventuais falhas técnicas, erros conceituais e equívocos. O tempo não nos
protege de nossa humanidade; somos todos sujeitos a erros, inclusive a Ouvidoria. No entanto, os outros
podem ter a Ouvidoria como aliada para alertar sobre erros que, até mesmo pelo hábito, podem passar
despercebidos. À Ouvidoria cabe o dever da autocrítica, do reconhecimento e publicação de falhas
eventuais, mas principalmente a obrigação de não errar – é uma meta, igual aquela defendida pelos
goleiros; não é uma garantia.
Pontualmente, temos que exibir nossas credenciais simbólicas – currículos profissionais, títulos acadêmicos,
publicações e pesquisas em Comunicação – para nos darem créditos ambíguos e votos de confiança frágeis,
que nos são negados logo na próxima crítica. A ampliação discreta, por solicitação de alguns gestores, do
acesso aos Boletins da Ouvidoria – publicação diária para a Diretoria Executiva das observações críticas,
conforme determina a Lei – é que nos alertou para a necessidade de voltarmos a esse tema.
Em uma das edições do Boletim, a Ouvidoria apontou duas falhas em uma determinada produção. Eram
falhas óbvias e que significavam apenas dois apontamentos na maior parte do texto elogioso à qualidade
geral da referida produção. No entanto, o que saltou aos olhos foi a crítica, que provocou situação
emocional extremada no profissional envolvido, descrita por ele mesmo como “humilhação”, “ódio”,
“vontade de reagir”, de “abandonar a profissão”, porque, como afirmou, em décadas de trabalho naquela
mesma produção nunca havia recebido crítica. Interessante notar que as análises feitas pela Ouvidoria não
apontavam diretamente para a atuação dele, e que a maior parte do texto era elogioso.
A ênfase na descrição da dor causada pela crítica nos fez sentir como o escorpião da fábula, que picou o
sapo que acabara de lhe ajudar a atravessar o rio. Assim como o escorpião que tentava explicar ao sapo que
não o picou por maldade, mas apenas porque era da sua natureza, tentamos explicar, sem muito sucesso,
que a crítica não é uma maledicência, uma maldade, mas é parte fundamental da natureza do nosso
trabalho.
No entanto, ao ter ciência do sofrimento do interlocutor, percebemos que, mesmo estando certos,
estávamos de alguma forma errados. E é aí que cabe a analogia com a fábula do escorpião: não podemos
deixar que a natureza do nosso ofício cause dor ou constrangimentos a quem quer que seja. E não é
porque somos ouvidores, mas porque é da nossa própria natureza individual. Falo por mim e posso dizer o
mesmo dos ouvidores adjuntos.
Aceitamos a indignação inflamada do interlocutor como a parte da “crítica” que cabe a nós; como uma
contribuição para melhorar, e pedimos desculpas se ainda não atingimos o nível ideal. E quanto à Ouvidoria,
é a sua atuação como ombudsman que a distingue das demais. Sem isso, no âmbito da comunicação
pública, ela seria comparável a um propagandista de porta de loja, que tenta convencer o público de um
produto que às vezes nem bem conhece, e do qual não pode dar garantias da qualidade.
Julho de 2015
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