Ana Gomes
19 de Novembro 2008
Cimeira UE-África: Um ano depois, que avanços?
In Publicação EU ACUSO
Portugal empenhou-se em fazer da Cimeira UE-África o ponto alto da Presidência Portuguesa da UE.
Na altura escrevi que a cimeira poderia não passar de uma dispendiosa «photo opp» para líderes
europeus e africanos, com pouco impacto na realidade das populações africanas e que mais valia
investir nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio do que identificar novas prioridades. Um ano
depois, para além do diálogo estabelecido através de reuniões conjuntas, grupos de peritos e grupos
de aplicação, pouco se sabe sobre resultados concretos alcançados. Uma Comunicação recente da
Comissão Europeia sobre a Parceria desfia um rol de generalidades, mas não enuncia com clareza
objectivos alcançados.
Temos que admitir que as relações UE-África e os problemas com que África se depara não são
passíveis de resolução 'de um ano para o outro'. Mas esperamos que 2009 traga propostas concretas
para acção e uma avaliação do progresso feito no que diz respeito ao Plano de Acção acordado na
Cimeira UE-África.
Para além da participação na implementação da Estratégia, se Portugal quiser verdadeiramente
contribuir para o desenvolvimento em África, tem antes de mais que cumprir os compromissos
internacionais que assumiu em termos de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). É por isso
surpreendente que o montante global orçamentado para a cooperação em 2009 seja inferior ao de
2008, sobretudo tendo em conta que, nos últimos anos, Portugal tem já ficado aquém das metas
fixadas para membros da UE. Os valores orçamentados para 2009 correspondem a menos de 1/3 do
montante que Portugal deveria mobilizar para respeitar os seus compromissos. É, por isso, urgente
estabelecer um calendário nacional que assegure o cumprimento das promessas feitas.
Há também problemas de fundo na cooperação portuguesa que põem em causa a sua eficácia e sem a
resolução dos quais a contribuição que Portugal poderá dar no quadro das Parcerias UE-África ficará
limitada: a fraca promoção do estatuto da cooperação para o desenvolvimento no quadro político
nacional, a dispersão financeira e o facto de o IPAD controlar uma parte reduzida do orçamento para
a cooperação, a chamada 'ajuda ligada', a incoerência de políticas sectoriais (comércio, agricultura,
etc.), a falta de compromissos plurianuais, a escassez de recursos humanos em determinadas áreas
(como é o caso da igualdade de género) e a necessidade de introduzir avaliações por resultados.
Portugal participa activamente em cinco das oito Parcerias. Escolho aqui duas delas - segurança e
governação, temas em que trabalho regularmente - para rever o que foi feito neste ano.
No âmbito da Parceria Paz e Segurança, saliento pela positiva alguns avanços concretos (com
projectos definidos e montantes financeiros já previstos) no reforço do diálogo entre as Uniões
Africana e Europeia, na operacionalização da Arquitectura Africana de Paz e Segurança e no
financiamento das operações de paz africanas. No entanto, há lacunas graves que podem ser
identificadas na implementação da Estratégia no âmbito desta Parceria. Por exemplo, a total
ausência de iniciativas para a implementação da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das
Nações Unidas sobre o papel de mulheres nas situações de conflito e pós-conflito e da Resolução
1612 sobre Crianças em Conflito Armados.
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Ana Gomes
No que diz respeito à Parceria sobre governação democrática e direitos humanos, os avanços
parecem ser mais escassos. A primeira reunião informal conjunta do Grupo de Peritos teve lugar a 14
de Novembro, com o objectivo de definir métodos de trabalho, acordos de partilha de informação e
uma estratégia de comunicação. Quase um ano depois da adopção da Estratégia Conjunta e do Plano
de Acção, parecem-me fracas as ambições desta primeira reunião. Em contrapartida, já tiveram lugar
três reuniões da Equipa de Implementação do lado europeu. Mas conjuntamente, entre europeus e
africanos, pouco parece ter sido feito. Uma versão não oficial do Relatório Conjunto de Progresso
contém linguagem bastante vaga: quase sem propostas para acções concretas e sem qualquer
referência a calendários, fontes de financiamento ou objectivos mensuráveis. Faltam também, nos
documentos mais recentemente aprovados, referências a algumas das questões identificadas no
Plano de Acção como devendo fazer parte do diálogo bilateral (como igualdade de género, direitos
das crianças, direitos sexuais e reprodutivos ou corrupção). E ainda não percebi o que está ou irá ser
feito para apoiar a arquitectura de governação da Unão Africana.
Haverá outras áreas em que os avanços serão talvez mais notórios. A minha percepção é de que
algumas parcerias estão a avançar a um ritmo lento, especialmente do lado africano. Esperemos não
ter que aguardar a cimeira de 2010, na Líbia, para ver resultados mais palpáveis
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