Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Biopatologia 2006/2007 – 11ª Aula Teórica: 27/11/06
Aula dada por: Dr. Raquel Almeida
Células estaminais e medicina regenerativa
Hoje eu vou falar de células estaminais e o uso para fins terapêuticos numa área da
Medicina que se chama Medicina Regenerativa.
A investigação em células estaminais é somente uma das áreas científicas em maior
expansão; é uma área que tem despertado muito interesse e na qual são depositadas muitas
esperanças de que venha a funcionar na terapia de algumas doenças, nomeadamente nas doenças
para as quais não existe actualmente cura.
Através do conhecimento das células estaminais procura-se perceber como se forma um
organismo a partir de uma única célula, como é que as células novas substituem as células velhas
ou danificadas dos tecidos e a área que tem interessado mais os investigadores é qual a
possibilidade de utilizar terapias de células estaminais para tratar doentes.
O uso potencial de células estaminais para fins terapêuticos, como por exemplo em doenças
degenerativas e na reparação de tecidos que não tem a capacidade de se auto-reparar, é uma área
da Medicina que se chama Medicina Regenerativa.
Dos 3 grandes grupos de doenças, aquelas que mais beneficiariam com a terapêutica de
células estaminais são as doenças degenerativas. Doenças degenerativas porquê? Porque
geralmente não têm cura ou tratamentos que sejam suficientemente bons.
O que são células estaminais? São células que se diferenciam (são diferentes das células do
organismo) da maior parte das células que constituem os tecidos e os órgãos por 3 características
fundamentais:
• São células indiferenciadas e que têm a capacidade de se manterem indiferenciadas ao
longo do tempo;
• Têm a capacidade de se dividir de uma forma que se considera mais ou menos indefinida
e, durante esse processo, têm capacidade de se auto-renovar, ou seja, dar origem a células
indiferenciadas como elas próprias;
• Têm capacidade de dar origem a células filhas que se vão diferenciar e constituir as
células dos tecidos.
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Têm capacidade de se dividirem assimetricamente, gerando uma célula igual a ela própria e
que permanece indiferenciada e dar origem a uma célula diferente dela própria e que constitui os
tecidos e vai desempenhar uma outra função.
Estas células têm capacidade de proliferação infinita, têm capacidade de se auto-renovar
através de uma divisão simétrica, dando origem a uma célula igual a ela própria, mantendo
sempre constante o pool de células estaminais e têm capacidade de dar origem às células
diferenciadas que vão constituir os tecidos.
Quanto à sua capacidade de diferenciação, as células estaminais dividem-se em 3 grandes
grupos:
• Células estaminais totipotentes – são as primeiras células embrionárias, as que resultam
das primeiras divisões embrionárias e que têm capacidade de dar origem a um indivíduo
completo;
• Células pluripotentes (que se designam também de células estaminais embrionárias) – são
as células que existem no embrião no estadio de blastocisto (massa celular interna). Esta células
têm elevado potencial de diferenciação, podem dar origem a todos os tipos celulares de um
organismo adulto, menos a placenta (portanto não podem dar origem a um indivíduo
independente).
• Células multipotentes – têm uma menor capacidade de diferenciação; são as células que se
designam por células estaminais adultas ou somáticas, são aquelas que existem nos tecidos
adultos onde contribuem para a homeostasia desses tecidos; pensa-se que estas células têm uma
capacidade de diferenciação menor e estas, em princípio, diferenciam-se apenas nos tecidos onde
estão localizadas.
A investigação em células estraminais embrionárias é, como já disse, uma área que está em
expansão e que gera muita polémica porque é uma área que levanta certos problemas morais e
éticos.
Um dos passos muito importante para a investigação em células estaminais embrionárias e o
seu potencial uso para fins terapêuticos foi o estabelecimento de linhas de células estaminais
embrionárias, ou seja, a possibilidade de cultivar essas células numa placa no laboratório. A
primeira linha de células estaminais germinativas foi obtida através de embriões de ratinho em
1981 e a 1ª linha humana foi obtida em 1998 (dois marcos históricos da investigação em células
estaminais embrionárias). O que se fez (e se faz) é tirar células da massa celular interna do
blastocisto e colocar essas células em cultura, com meios adequados, no laboratório. Este é um
processo difícil, moroso e, para além disso, tem um problema fundamental em termos científicos
é que as células estaminais embrionárias humanas têm necessariamente que crescer sobre uma
camada de fibroblastos embrionários de ratinho (essencial para manter as células estaminais
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embrionárias humanas em estado indiferenciado), o que traz sérios problemas pela possibilidade
de transmissão de doenças dos ratinhos para as células humanas.
A investigação em linhas de células estaminais embrionárias não se faz em muitos países,
faz-se apenas em alguns países onde é possível politicamente e legalmente – os EUA é o país que
tem mais linhas de células estaminais embrionárias humanas, embora com financiamentos muito
restritos porque apenas aquelas que foram obtidas antes de 2001 recebem financiamentos do
estado e as outras são financiadas por privados.
Recentemente, este ano, saiu um artigo que poderá contribuir para que seja facilitada a
investigação em células estaminais embrionárias humanas, uma vez que este grupo conseguiu
estabelecer uma linha de células estaminais humanas a partir de uma única célula retirada de um
embrião, sem a destruição deste. Este artigo tem duas vertentes: por um lado retirar uma célula de
um embrião com 8 células é um processo que já se faz na área da Medicina Reprodutiva para
diagnóstico genético pré-implantação, o que não ainda não tinha sido demonstrado é que a partir
desta célula retirada do embrião, era possível estabelecer um linha de células estaminais
embrionárias (e tal foi possível neste trabalho).
Durante o estabelecimento e manutenção das linhas de células estaminais embrionárias são
feitos vários testes para saber se as células mantém as suas características, o que é fundamental
para poderem ser usadas para trabalhos, não só de investigação mas eventualmente para fins
terapêuticos, de uma forma reprodutiva.
Sempre que se trabalha com linhas de células estaminais embrionárias humanas,
periodicamente verifica-se se estas se mantêm num estado indiferenciado em cultura. Para tal,
estuda-se a presença de marcadores moleculares característicos das células indiferenciadas,
estuda-se periodicamente os cromossomas para verificar se as células se mantêm normais (com
um nº normal de cromossomas) e verifica-se também se estas células se mantém viáveis quando
congeladas e repostas em cultura e verifica-se também se as células mantêm as suas propriedades
pluripotentes.
As células estaminais embrionárias são indiferenciadas, mas têm capacidade de se
diferenciar se as condições do meio/ambiente forem alteradas, e têm capacidade de se diferenciar
em vários tipos celulares e essa capacidade é testada periodicamente: quer deixando as células se
diferenciarem espontaneamente na placa de cultura nos três tipos celulares embrionários –
endoderme, mesoderme e ectoderme -, quer injectando as células em ratinhos e observando a
formação de tumores benignos que são designados de teratomas – estes tumores também têm
células de todos os 3 tipos celulares embrionários.
Esta figura pretende mostrar isso mesmo, que as células estaminais embrionárias em cultura
mantêm-se num estado indiferenciado.
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→ Se forem deixadas diferenciar espontaneamente, quer pelo aumento do nº celular
quer por alterações do meio ambiente, elas formam corpos embrióides que são focos
diferenciados mas de uma forma aleatória e que apresentam tecidos das três origens
embrionárias.
→ Se quisermos diferenciar as células num tipo celular específico, que é o grande
objectivo da investigação em células estaminais embrionárias, é necessário alterar as
condições do meio ou introduzir genes específicos nessas células. Actualmente, é bastante
reprodutível a transformação de células estaminais embrionárias em células neuronais
produtoras de dopamina e células produtoras de insulina in vitro.
As doenças em que se tem muita esperança que a investigação em células estaminais
embrionárias venham a receber uma terapêutica mais eficaz no futuro, resultante do uso destas
células são doenças neurológicas como a Doença de Parkinson, doenças do coração como
enfartes do miocárdio, diabetes, queimaduras graves e lesões permanentes da espinhal medula.
Para além da utilização das células estaminais embrionárias para a Medicina Regeneretiva,
para fins terapêuticos, também se tem explorado e investigado muito para perceber qual o
potencial das células estaminais adultas. Estas teriam uma grande vantagem porque não há
nenhum problema até agora levantado de ordem moral ou ética para a utilização de células
estaminais adultas, para fins terapêuticos. No entanto, têm outras limitações.
Então o que são células estaminais adultas? São as células indiferenciadas que existem nos
tecidos, no que se designa de nicho de células estaminais nos tecidos; são células que existem em
pequeno nº nos tecidos. Actualmente, o grande problema das células estaminais adultas é que não
existem bons marcadores moleculares que as permitam distinguir das outras células dos tecidos
(não se consegue isolar de forma eficaz as células estaminais adultas). Aquelas que se conseguem
isolar de forma mais eficaz são as células estaminais hematopoiéticas (as outras de outros tecidos
não são fáceis de isolar).
A principal função destas células é manter e reparar os tecidos onde se encontram.
Recentemente descobriu-se que existem mais tecidos com células estaminais do que se pensava –
era muito evidente que determinados tecidos tinham células estaminais (medula óssea, todos os
epitélios respiratório, gastrointestinal e pele) e era menos evidente que o cérebro e o coração
tinham células estaminais – mas vários trabalhos têm demonstrado que estes também têm células
estaminais, apesar destas células serem mais indolentes (terem uma capacidade de reparação
muito menor que as células dos outros tecidos).
Uma característica importante das células estaminais adultas é que estas tem maior
plasticidade do que se pensava inicialmente, ou seja, têm uma capacidade de se diferenciar em
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mais tipos celulares do que se pensava, quando dadas as condições ambientais necessárias para
tal.
Um trabalho mostra isso mesmo (a maior plasticidade das células estaminais adultas do que
se pensava) – um indivíduo do sexo masculino recebe um transplante de um coração de uma
pessoa do sexo feminino. É possível distinguir as células masculinas das femininas marcando o
cromossoma Y com um fluorocromo. O que aconteceu foi que, estudando este coração algum
tempo após o transplante, verificou-se que existiam células do músculo cardíaco que foram
retiradas do coração que veio de um dador do sexo feminino e algumas células do músculo
cardíaco tinham o cromossoma Y, ou seja, eram células do aceitador do coração. O que mostra
que aqui houve células que migraram para o coração novo e essas células sofreram um processo
que se designa por transdiferenciação (diferenciaram-se noutro tipo celular). As células que têm
capacidade de migrar são as células estaminais hematopoiéticas. Portanto, este é um trabalho que
mostra a plasticidade que se verifica em alguns tipos celulares. As células estaminais
hematopoiéticas têm a capacidade de se diferenciarem noutros tipos de células, nomeadamente
em músculo cardíaco.
Outra prof:
Vocês reparem que as duas hipóteses que estão aqui postas:
•
Uma é de que as células masculinas tenham vindo da medula óssea e se tenham
transdiferenciado no coração, fazendo aí uma célula muscular (hipótese mais provável);
•
A hipótese menos provável é que o próprio coração que recebeu de transplante tenha
células estaminais que possam ter migrado aqui localmente. Portanto, esta célula muscular
cardíaca masculina pode ser resultado de uma migração de uma célula estaminal cardíaca
(achava-se que não existia, mas hoje em dia interroga-se a possibilidade de existir) que
migrou para o coração que foi transplantado.
Outros trabalhos têm demonstrado outras possibilidades das células estaminais
hematopoiéticas se diferenciarem em vários tipos celulares. In vitro, em trabalhos experimentais,
tem sido possível observar essa diferenciação em músculo cardíaco, em células neuronais e em
algumas células epiteliais. De facto, estes estudos experimentais têm demonstrado que as células
estaminais adultas e em particular as hematopoiéticas têm uma maior plasticidade do que se
pensava. Através de um processo que se designa por transdiferenciação têm capacidade de dar
origem a um tipo celular para o qual não estavam inicialmente programadas. Este é um processo
interessante do ponto de vista da Medicina Regenerativa porque permitiria, a partir de células do
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mesmo indivíduo, células que se iriam transdiferenciar e serem utilizadas no mesmo indivíduo de
onde essas células foram retiradas. A grande vantagem disto é que as células são do próprio
indivíduo e ultrapassam-se problemas de rejeição.
As terapias do futuro visam manipular as células estaminais adultas, de forma a que estas se
transformem noutro tecido que não aquele de onde foram extraídas.
Há vantagens e desvantagens no uso de células estaminais embrionárias e adultas em
terapias regenerativas.
As principais vantagens das células estaminais embrionárias são bastante evidentes:
• A pluripotência (a capacidade que estas células têm de dar a origem a todos os tipos
celulares de um indivíduo adulto);
• Actualmente já é possível obter grande nº de células estaminais embrionárias em cultura
(o que não é o caso para as células estaminais adultas).
As vantagens de utilizar células estaminais adultas é que:
• Não traz nenhum problema de natureza ética
• Há uma possibilidade de se usar células do próprio indivíduo, evitando a rejeição pelo
sistema imune. Portanto o transplante seria utilizando células do próprio indivíduo e não haveria
rejeição desse transplante.
Um dos problemas que ainda se estuda, em relação ao uso de células estaminais
embrionárias em Medicina Regenerativa, é o facto de não se saber como o indivíduo vai reagir ao
receber essas células.
Os grandes desafios em relação às células estaminais são:
• Perceber como se mantém as células em cultura em estado indiferenciado;
• Como se diferenciam nos vários tipos celulares de uma forma dirigida e organizada;
• É preciso perceber qual o comportamento das células depois de transplantadas;
• É preciso ultrapassar o elevado risco dessas células gerarem teratomas.
Já existem alguns trabalhos experimentais em ratinhos, onde foi possível observar que nas
células estaminais embrionárias diferenciadas em células que produzem dopamina, se uma célula
em 100 não estiver num estado diferenciado, essa célula tem capacidade de gerar um teratoma
quando transplantada num ratinho (risco muito elevado de gerar tumores).
Portanto, muito é necessário perceber em relação ao comportamento das células estaminais
embrionárias e adultas também.
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Actualmente, não existe nenhuma terapia utilizando células estaminais embrionárias (todo o
processo ainda está muito no inicio); utilizando células estaminais adultas faz-se o transplante de
medula óssea. Este transplante de medula óssea faz-se como terapia adjuvante em indivíduos que
sofrem de leucemia ou outras doenças sanguínease que passam por processos de radioterapia ou
quimioterapia muito forte (em que todas as suas células estaminais hematopoiéticas são
destruídas, para destruir o cancro de uma forma mais eficaz). Depois é necessário repor essas
células estaminais hematopoiéticas através de transplante de medula óssea a partir de um dador
compatível. Este processo, não tendo sido designado de terapia de células estaminais, no fundo é
o que é (é uma terapia de células estaminais porque o que é necessário repor naquele indivíduo
são as suas células estaminais hematopoiéticas).
As células estaminais hematopoiéticas são células da medula óssea que têm a capacidade de
se diferenciar em todos os tipos de células sanguíneas; podem ser obtidas a partir da medula óssea
e também podem ser encontradas no sangue periférico e no cordão umbilical.
Antes do transplante de medula óssea, houve um tratamento muito agressivo de
quimioterapia e/ou radioterapia, que destruiu as suas células estaminais hematopoiéticas e é
necessário repor essas células através do transplante de células da medula óssea de um dador
compatível. Estas células transplantadas migram para o local onde deviam existir (medula óssea)
e vão repor o pool de células estaminais hematopoiéticas nesse indivíduo.
Prof. Sobrinho Simões
Reparem que esta é uma das terapêuticas mais antigas, em termos de eficiência, para a
leucemia – a leucemia mieloide crónica tem taxas de sucesso, há muitos anos, muito boas com
esta terapêutica – e é esta terapêutica que está a ser progressivamente substituída pela utilização
do glivec?????(aquela droga que tem actividade anti-tirosina-quinásica). Na leucemia mieloide
crónica conhece-se o mecanismo da leucemia e acredita-se que pode ser possível substituir o
transplante pelo glivec????.
Porque é que há esta vantagem se a terapêutica pelo transplante era tão boa? Porque apesar de
tudo, há morbilidade e mortalidade associada ao transplante de Medula óssea. A morbilidade que
vocês conhecem é, por exemplo, a doença do enxerto contra o hospedeiro. Isto é, quando vocês
transplantam linfócitos de um dador, eles podem passar a ser agressivos para o receptor. Portanto
o ideal seria terem sempre transplantes de um irmão gémeo univitelino.
(uma prof. fala no fundo do anfiteatro , mas não se consegue perceber)
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O professor Carlos Tavares estava a dizer outra coisa que é muito importante. Um autotransplante é também uma forma de transplante, como é evidente, portanto o que vocês têm é que
ter a certeza é de que quando voltam a por o transplante na pessoa, se viram livres dos clones
leucémicos. Isto é, se vocês têm uma pessoa que têm uma leucemia, portanto que têm clones
leucémicos, se vocês vão usar um auto-transplante, têm que ter a certeza, e isto às vezes é um
problema porque há clones leucémicos em quantidades tão pequenas que não são detectados.
Outra coisa que o professor está a dizer é que é verdade que nas neoplasias sólidas, se vocês
tratarem as pessoas de tal maneira que lhes dêem cabo da medula óssea, o auto-transplante é uma
condição indispensável para que a pessoa sobreviva.
Mas agora deixem-me só voltar atrás porque há sempre esta dúvida.
Teoricamente nós quando queremos fazer transplantes de dadores compatíveis, o ideal seria então
termos gémeos univitelinos, porque são imunologicamente iguais, portanto nem haveria reacção
contra o transplante nem haveria reacção do transplante contra o hospedeiro. Está a fazer sentido?
Mas vocês sabem, primeiro nem todos temos gémeos univitelinos, e depois, quando se começou a
fazer estudos de eficiência do transplante na leucemia verificou-se que se tinha melhores
resultados quando se usava dadores compatíveis, mas que não eram gémeos nem univitelinos
nem bidivitelinos. Agora porque será? Estão a perceber o que eu estou a dizer? Atenção que já há
aí milhares de pessoas com leucemia tratadas, e bem. Quando se foi ver a eficiência da resposta
terapêutica, isto é, a desaparição dos clones leucémicos, persistentemente ao fim de dez, quinze,
vinte anos, tiveram melhores resultados os tratamentos de transplantes com dadores compatíveis
que não eram gémeos das pessoas que estavam doentes. Porquê?
(uma colega dá uma hipótese)
Essa era uma hipótese boa. A vossa colega está a dizer assim: - " A pessoa se têm uma leucemia,
já têm ali um defeitozinho qualquer. E portanto se receber sangue de um irmão gémeo, quem sabe
ele têm o mesmo defeito e passados uns tempos vêm a fazer a mesma leucemia. "
Boa explicação. Por acaso parece que não é verdade, mas é uma excelente explicação. Tiro o meu
chapéu! Qual é a outra hipótese Sra, Doutora, ora pense.
A outra hipótese é os Srs. Drs. pensarem que parte destes clones leucémicos são mantidos em
níveis muito baixos devido a alguma resposta imunológica de surveilence por parte do receptor, e
então, se vocês tiverem dado à pessoa um transplante de um dador compatível, mas que não é um
gémeo, vocês têm lá alguns linfócitos que vão reagir contra as coisas do receptor. Esses
linfócitos, há alguma resposta imunológica boa, para manter os clones leucémicos baixinhos, ou
inexistentes.
Não sei se estão a ver o que eu quero dizer.
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Nós estamos a apesar de tudo, a ter melhores resultados se tivermos alguma resposta do xenograft
contra o hospedeiro. Não pode é ser muito! Mas se for um bocadinho, os linfócitos que lá são
metidos não reconhecem totalmente as estruturas do hospedeiro, vão manter as coisas baixinhas.
Tá a fazer sentido ou não?
Portanto não se esqueçam, há aqui uma evolução muito engraçada, da fase em que se queria
sempre gémeos, para a fase em que hoje em dia o que a gente quer é ter coisas que sejam
compatíveis. Vocês vão ver, é o que a Raquel vai agora falar quando falar das células
embrionárias do cordão.
Prof. Raquel
Portanto, um dos problemas que vai aparecer num transplante de medula óssea, num tratamento
que ainda traz problemas de morbilidade e mortalidade associados, o principal problema é a
obtenção de dadores de medula óssea. E portanto, têm-se procurado, sendo um tratamento que é
muito eficaz, muito bom, têm-se procurado pontos de alternativa, células estaminais
hematopoéticas. E por isso ultimamente têm-se feito muitos trabalhos, e já se utilizam as células
estaminais do sangue do cordão umbilical. No entanto, as células estaminais do sangue do cordão
umbilical constituem uma alternativa às da medula óssea, mas com vantagens e desvantagens.
As vantagens é que a obtenção dessas células é um processo seguro e indolor, e a vantagem é
que, a utilização dessas células para transplantar no próprio individuo resultam em 100% da
compatibilidade com o dador (o dador e o receptor seriam a mesma pessoa) mas, tal como o Prof.
Sobrinho disse, não é recomendado, os transplantes não são recomendados precisamente porque
actualmente se pensa, ou sabe, que alguma reacção do xenograft contra o hospedeiro é vantajosa
para o próprio processo curativo da leucemia, ou da doença hematológica que está a ser tratada.
Têm grande margem de compatibilidade com familiares directos, têm menor risco de rejeição,
apesar de tudo, mesmo sendo utilizadas em transplantes heteromeros têm vantagens, porque estas
células por serem imaturas, porque são obtidas à nascença têm um menor risco de rejeição por
parte do receptor, mesmo não sendo o mesmo individuo, são células que estão imediatamente
disponíveis para transplantação e que têm menor risco de estar infectadas com agentes
infecciosos, também pelo facto de serem recolhidas à nascença.
As desvantagens, é que, o transplante células estaminais do cordão umbilical, o sucesso desse
transplante é muito inferior ao sucesso de transplantes utilizando células estaminais da medula
óssea, quer em indivíduos adultos quer em crianças, mas sobretudo em indivíduos adultos porque
o numero de células estaminais que se consegue obter a partir do sangue do cordão umbilical é
muito inferior ao numero de células estaminais que se obtêm a partir da medula óssea. Portanto é
actualmente apenas recomendado transplantes utilizando células do sangue do cordão umbilical
em transplantes pediátrico. O tempo de restabelecimento também por o número de células
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estaminais ser menor, é também mais lento, e há um risco associado da transmissão de doenças
genéticas, ou da manutenção da doença genética nos transplantes. Porque tal como estava a dizer
a vossa colega, se as células são transplantadas no próprio individuo, são transplantadas, em
indivíduos jovens, crianças ou adolescentes, a possibilidade de ele ter desenvolvido a doença por
factores genéticos que já existiam à nascença, é muito elevada, e portanto à a possibilidade de as
células estarem a ser transplantadas também com a mesma mutação ou a mesma alteração que
deu origem à doença inicial.
Portanto também por esse motivo os transplantes autologos não são recomendados.
Prof. Sobrinho Simões
Portanto Srs. Drs. aquilo que os Srs. Drs. têm lido, há praí umas empresas privadas a fazer, é uma
aldrabice total, portanto por amor de Deus, vocês não conservem células do cordão embrionário
quando tiverem crianças, porque é um disparate!
Primeira coisa, não queiram saber o sexo do bébé, às oito semanas. Esperem pelas dez, e vêem
com a eco-cardiografia, não precisam percebem? Querer saber o sexo às oito semanas é um
disparate, é típico da oferta das coisas que não são precisas. Pior ainda é agora esta coisa de vocês
guardarem as celulazinhas das vossas crianças, só é garantido por quinze, vinte anos não é?
Prof. Raquel:
Reparem que agora existem várias empresas, que criopreservam as células do sangue do cordão
umbilical a menos 196graus, através de um processo muito sofisticado de preservação das
células, durante quinze a vinte anos essas células estão disponíveis num banco de células
estaminais onde podem ser, se necessário, depois ressuscitadas digamos, e utilizadas para terapias
de um conjunto de doenças no próprio dador ou em pessoas que revelem compatibilidade.
Prof Sobrinho Simões
Isto é propaganda porque é mentira! Esta coisa de um vasto... não é nada. A única coisa onde isto
pode ser utilizado, teoricamente, era se a criança tivesse uma leucemia. Mas como a Raquel já
disse se a criança tiver uma leucemia e vocês fizerem o transplante das suas próprias células do
cordão umbilical, arriscam-se a que a criança volte a ter a leucemia. Portanto isto é das maiores
aldrabices que há. Primeira coisa, por isso é preciso aceitar, é uma aldrabice! Portugal está cheio
destas "empresas vão-de-escada" a fazer isto.
Agora segunda coisa. Isto não quer dizer que nós não devamos, e vocês como médicos têm que
fazer um esforço muito grande de pressão sobre o governo, para nós termos bancos públicos de
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células do cordão umbilical para transplantes heterologos. Isso é que é importante! Aquilo que a
gente vai ter que fazer que está a ser feito em todo o mundo, como dizia a Raquel, o grande
problema do transplante é terem poucas células, portanto o que estão a desenvolver é técnicas de
expansão in vitro do numero de células, tiram-se as células do cordão umbilical e há processos in
vitro de expansão daquelas células, de modo a aumentar o seu numero e assim permitir o
transplante. Os médicos em Portugal tem que ter um espírito crítico e o que está acontecer no
comércio de genética é vergonhoso.
Prof. Raquel:
A criação de um banco público de células do cordão umbilical teria de ser acompanhada de
pesquisa e investigação em técnicas de expansão dessas células.
A Parte final da aula, é sobre outro tipo de células estaminais, que não boas, são más. São as
células estaminais do cancro. É um conceito que tem surgido nos últimos anos com estudos que
sugerem a presença destas células no cancro (estabelecendo semelhanças entre as células
estaminais e as células do cancro).
O cancro tem uma grande heterogeneidade de células, o que sugere que essas células deveriam
resultar de uma célula estaminal, que depois poderia diferenciar-se em vários tipos de células
cancerosas, no fundo, o cancro seria um "tecido" anormal ao lado de um tecido normal. O facto
de as células cancerígenas acumularem mutações é também uma semelhança em relação as
células estaminais, porque as células estaminais são as células dos tecidos que duram mais tempo.
A maior parte das células adultas dos tecidos, morrem após um tempo limitado, e portanto para
essas células acumularem mutações teriam que durar mais tempo.
Daí surge a ideia que o cancro poderia resultar de uma célula estaminal alterada e que as
mutações que são origem ao cancro ocorreriam nessas células estaminais, que depois se
diferenciariam nos vários tipos celulares que ocorrem no cancro.
As experiências realizadas em ratinhos na década de 90, vieram demonstrar que realmente em
alguns tecidos (cancro) resultariam de uma célula estaminal. O que se fez foi a partir de um tumor
humano, dissociaram-se todas as células, obtiveram-se suspensões celulares em que a célula está
isolada das restantes. Inocularam-se essas células em ratinhos e verificou-se que todos os ratinhos
(quando as células não são seleccionadas) desenvolveram cancro. Agora, se essas células forem
seleccionadas, se forem separadas umas das outras através da presença ou ausência de
determinados marcadores moleculares, foi possível verificar que apenas algumas células, que
produzem alguns marcadores é que têm capacidade de originar cancro em ratinhos. Isto sugeriu
fortemente, que apenas algumas células dentro de todas as células que existem num cancro é que
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têm capacidade de dar origem a esse mesmo cancro. Esta teoria foi inicialmente aplicada a
leucemias, nomeadamente à leucemia mieloide crónica, portanto sabe-se hoje que é o modelo que
está melhor caracterizado, que a leucemia mieloide crónica resulta de uma célula estaminal do
cancro (ou célula estaminal leucémica) que é uma célula rara na totalidade de células que
constituem o cancro. E este modelo tem sido aplicado em tumores sólidos, para verificar se o
crescimento desses tumores se processa de acordo com a teoria da célula estaminal.
Para que o modelo se confirme é necessário que uma minoria das células do cancro originado é
que dê origem ao cancro nos ratinhos, portanto, as células estaminais do cancro tal como as
células estaminais adultas de um tecido existem em baixo número, essas células tem de se
conseguido distinguir através de moléculas de superfície, consegue-se actualmente separar grupos
de células que produzem ou não produzem determinadas moléculas de superfície e dentro de um
desses grupos caem as células estaminais, este é um dos principais problemas actualmente, é que
não se consegue determinar quais os marcadores celulares específicos que vão permitir isolar
essas células, e os tumores que se observam nos ratinhos tem de ser heterogéneos tal como o
tumor original, porquê? Porque só isso é que vai demonstrar que está lá uma célula estaminal que
tem a capacidade de dar origem a todos os tipos celulares que existem num cancro, portanto
aplicando esta metodologia a alguns tipos de tumores sólidos (mama, cérebro e mais
recentemente colon-rectais) tem-se verificado que parecem ser originados a partir de células
estaminais do cancro.
O problema é que ainda não existe um marcador molecular que distinga essas células estaminais.
Um dos grandes objectivos é perceber como é que são essas células estaminais no cancro para o
seu tratamento. Actualmente, a maior parte das terapias, são terapias que visam diminuir muito o
tamanho do tumor, são terapias que diminuem a massa tumoral e que são mais ou menos
inespecíficas, que atacam várias células, particularmente as células em proliferação. Diminuem
muito a massa tumoral inicial mas depois esta volta a aparecer. Para perceber se um cancro
resulta de uma célula estaminal e perceber qual é essa célula, permite desenvolver alvos
terapêuticos específicos da célula estaminal do cancro, e que alteraria as terapias no sentido de
apenas essas células, uma minoria das células ser atacada pela terapia. Inicialmente não haveria
diminuição da massa tumoral mas a longo prazo seria um processo mais eficaz.
Prof. Sobrinho Simões:
Isto é muito importante... Nós sabemos que o comportamento das células que provocam o cancro
é do tipo de uma célula estaminal, isto nós sabíamos, e também sabíamos que há duas hipóteses,
ou as células estão lá (as células que dão origem, são células estaminais que estão nos órgãos
desde que nascemos e que sofreram uma mutação), ou são células um pouco mais evoluídas que
sofrem uma regressão, voltam a ser stem-like e seriam essas que teriam agora a propriedade de
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originar o cancro. Mas o outro exemplo é mais interessante do ponto de vista prático, porque as
pessoas estão-se um bocado nas tintas para saber se as células estaminais que dão origem ao
cancro estão lá desde que nós nascemos ou se são células adultas que regrediram, é muito
interessante do ponto de vista intelectual mas não nos resolve o problema prático!
Agora, isto sim! Se nós conseguíssemos tratar o cancro, atacando só as células progenitoras do
cancro, ganharíamos uma eficiência muito maior.
Fim
Pedimos imensas desculpas pelo atraso! Mas já cá está mais uma aulinha de biopaologia! Nós
optamos por fazer um desgravação integral da aula.
Esperamos que vos faça muito jeito!
Bom estudo!
As partes da aula que estão a verde correspondem aos momentos em que o Prof. Sobrinho Simões
falou!
Sofia Castro
Bárbara Sousa
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Células estaminais e medicina regenerativa