INTRODUÇÃO
Currículo e Educação Infantil
A Educação Infantil é dever e obrigação do Estado e responsabilidade
política e social da sociedade e não apenas daqueles que vivenciam a realidade
escolar, utilizando-se dos préstimos da escola ou exercendo nela suas funções
profissionais. Cabe, pois, ao Estado, à família e à sociedade responderem pela
Educação
Infantil,
resguardando
suas
especificidades,
traduzidas
na
indissociabilidade das ações de educar, cuidar e brincar.
O direito à educação e aos cuidados para crianças de 0 a 6 anos, bem como
a afirmação do binômio educar e cuidar como funções indissociáveis nesse
atendimento foram incorporados, pela primeira vez, à legislação da Constituição
Brasileira de 1988.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº.
9394/96) afirma a função educativa da Educação Infantil e o seu funcionamento,
anunciando que o Brasil não terá mais currículo nacional para nenhum nível de
ensino e sim uma base comum nacional na forma de áreas de conhecimento.
Posteriormente, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNEI, p.27) define o brincar ao lado do educar e cuidar, considerando
que “Nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já
possuem anteriormente em conceitos gerais com os quais brincam”.
Em função dessas premissas, o Conselho Nacional de Educação (CNE),
por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), definiu, em 1999, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CEB 1/99),
orientando a organização das instituições que se dedicam a essa etapa de ensino.
Tais diretrizes estabelecem exigências quanto às orientações curriculares e
elaboração dos projetos político-pedagógicos institucionais. Neste sentido,
devem ser contemplados os seguintes princípios:
•
Éticos - autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem
comum;
•
Políticos - direitos e deveres do cidadão, exercício da criticidade e respeito à
ordem democrática;
•
Estéticos - sensibilidade, criatividade, ludicidade e diversidade de
manifestações artísticas e culturais.
Ressaltam-se também aspectos organizacionais como a adoção de metodologia
do planejamento participativo e a afirmação da autonomia das escolas na definição da
abordagem curricular a ser adotada.
Para garantir o direito à Educação Infantil são explicitadas as coresponsabilidades entre as três esferas governamentais (federal, estadual, municipal) e a
família, consonantes com a legislação atual:
•
Constituição Federal de 1988, inciso IV do art. 208;
•
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90;
•
Lei sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), Lei nº 8.080/90;
•
Lei orgânica de Assistência Social – (LOAS), Lei nº 8.742/93;
•
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96;
•
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI/99);
•
Plano Nacional de Educação (PNE) Lei nº 10.172/01;
•
Constituições Estaduais e Municipais;
•
Planos Estaduais e Municipais de Educação;
•
Política Nacional de Educação Infantil - 2005.
Porém, como questiona Kramer (2003), devemos atender as crianças só porque é
lei? Garantir os direitos é responsabilidade social, neste sentido, a educação das
crianças, além de direito social, constitui-se em direito humano. Assim sendo, a
legislação existente representa conquistas daqueles que buscaram assegurar os direitos
da população infantil.
Em cumprimento à legislação da política educacional brasileira, o Plano
Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01) delegou competência aos estados, municípios
e Distrito Federal para elaborarem os seus planos decenais. Em decorrência, foi
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aprovado o Plano Municipal de Educação de Natal-RN, para o período de 2005/2014,
Lei nº 5.650/05, fruto de reflexões coletivas realizadas por representantes de entidades
civis, políticas e educacionais, tendo como foco quatro grandes metas:
•
Universalização da Educação Infantil e do Ensino Fundamental;
•
Melhoria da qualidade do ensino;
•
Ampliação e melhoria da rede física;
•
Valorização profissional.
Desse modo e com base nas metas estabelecidas, bem como na busca de
melhoria da sua oferta, a Secretaria Municipal de Educação de Natal instituiu uma
Comissão de Currículo responsável pela coordenação do processo de reformulação
dos referenciais curriculares para a rede municipal de ensino. Um aspecto
considerado relevante por essa Comissão foi a participação tanto das escolas da
rede municipal quanto das escolas conveniadas para a reformulação destes
referenciais, valorizando e legitimando a atuação, as experiências e os
conhecimentos acumulados pelos educadores que lidam com essa etapa de ensino.
Tal iniciativa vem se opor ao alijamento dos professores na elaboração do RCNEI,
quando estes foram deixados à margem do processo decisório, conforme consta da
crítica feita por Aquino & Vasconcelos (2005).
Por conseguinte, estes referenciais para a Educação Infantil devem orientar
os Projetos Político-Pedagógicos, subsidiando os diversos saberes e fazeres que
circulam no dia-a-dia escolar. Não se trata, porém, de propor uma antecipação da
escolaridade com o formalismo do Ensino Fundamental, mas direcionar o trabalho
dos profissionais que atuam nessa instância, no sentido de traduzir a
intencionalidade educativa em atividades cotidianas. Igualmente, não significa
eleger um elenco de conteúdos que deve ser desenvolvido em determinado tempo e
seqüência e, tampouco, um conjunto de atividades educativas organizadas em uma
rotina.
Para Machado (2004, p. 6), “o caráter pedagógico da Educação Infantil não
está na atividade em si, mas na postura do adulto frente ao trabalho que realiza”.
Assim sendo, os presentes referenciais - definidos a partir das concepções,
experiências e intenções daqueles que as elaboraram - possibilitam instruir as
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ações educativas dos profissionais da Educação Infantil, cujo trabalho deve ser
obrigatoriamente intencional e sistematizado, comprometido com a integridade e o
desenvolvimento das crianças.
O esforço não está em adaptar estas orientações a um único padrão de
instituição de ensino, mas apontar direções que possam se adequar a cada realidade
escolar. Logo, tanto o presente documento quanto o projeto educativo de cada
instituição compõem propostas curriculares que devem ser abertas, flexíveis e
constantemente atualizadas.
Desse modo, o projeto político-pedagógico constitui-se de um conjunto de
intenções, ações e interações vivenciadas no cotidiano da instituição e devem estar
registradas no documento que o expressa. Tais intenções, ações e interações
traduzem a concepção que se tem acerca da criança, da função da Educação
Infantil e do papel dos pais, dos educadores e da sociedade.
Para a implementação do projeto político-pedagógico, é necessário que os
educadores desenvolvam uma intenção educativa, organizem o ambiente onde
atuam e planejem as situações de aprendizagem, quer seja sozinhos, com seus
pares, ou envolvendo a participação das crianças.
Sendo assim, mais importante do que a definição de áreas de conhecimento,
ou disciplinas preestabelecidas, está a compreensão acerca do mundo infantil. Isto
significa que a criança deve ser o foco de todo o trabalho pedagógico para a
tomada de decisões, planejamento, execução e avaliação das ações educativas
desenvolvidas na escola.
Portanto, é função do professor de Educação Infantil mediar o processo de
ensino e aprendizagem, propondo atividades e lançando desafios ajustados às
características, potencialidades, expectativas, desejos e necessidades infantis. Em
função disso, o referencial avaliativo adotado deve ser a criança em relação a si
mesma, de modo que o professor observe, registre e reflita continuamente, em
caráter diagnóstico e processual, sobre tudo o que ocorre com cada uma, para que
essa avaliação oriente as decisões pedagógicas, especialmente acerca de quais
atividades poderão favorecer uma aprendizagem mais prazerosa e significativa
para o desenvolvimento infantil, em seus aspectos individual e social.
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Além das questões amplas e essenciais ligadas às políticas públicas,
decisões orçamentárias, implantação de políticas de recursos humanos e condições
físicas adequadas, a qualidade e o sucesso no atendimento às crianças na Educação
Infantil estão intrinsecamente relacionados ao que se faz no dia-a-dia escolar. Para
isso, são importantes o comprometimento do professor e a relevância dada às
especificidades biológicas, afetivas, emocionais, sociais, culturais, lingüísticas,
lúdicas e cognitivas das crianças. Assim, o desafio da Educação Infantil é
compreender que elas possuem uma natureza singular e maneiras específicas de ser
e estar no mundo.
Nesse sentido, evite-se considerar que o currículo corresponda a um
programa de conteúdos organizados a ser cumprido segundo determinada
seqüência lógica e temporal, fragmentando, desse modo, a realidade e forçando os
alunos a pararem de pensar sobre o que pensavam porque o tempo deste pensar
acabou, sendo preciso passar para o conteúdo seguinte.
Se o currículo fosse genuinamente planejado em função das
necessidades de aprendizagens das crianças, talvez nós
tivéssemos toda uma geração de crianças amando aprender, em
vez de grupos de ‘aprendentes principiantes’ ansiosos e
desanimados, já com sentimento de inedaquação (ANNING,
2005, p. 93, grifo da autora).
Por melhor que seja a política educacional de um país e a organização
curricular desenvolvida por um sistema educativo, são as atividades de ensino e
aprendizagem que ocorrem no cotidiano escolar que afirma a qualidade do que foi
proposto, desde que sejam consideradas as particularidades histórico-sociais de
cada comunidade, escola, turma e aluno.
O currículo abrange um âmbito de interações, nas quais se entrecruzam
processos e agentes diversos, que compõem um verdadeiro e complexo tecido
social. São as relações estabelecidas nesse contexto que moldam o que se pode
chamar de currículo real.
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Uma coisa é o que dizem aos professores o que devem ensinar,
outra é o que eles acham ou dizem que ensinam e outra
diferente é o que os alunos aprendem. Em qual dos três espelhos
encontramos uma imagem mais precisa do que é a realidade?
Os três trazem algo, mas algumas imagens são mais fictícias do
que outras (SACRISTAN & GÓMEZ, 2000, p. 131).
Os autores citados sugerem que o resultado das duas primeiras imagens é o que
se pode chamar de currículo manifesto; porém, a experiência de aprendizagem dos
alunos não se reduz ou se ajusta à soma destas, visto que, ao lado do currículo que se
está desenvolvendo, há um outro denominado de oculto. Logo, a experiência de
aprendizagem dos alunos é composta da interação e mistura de ambos (manifesto e
oculto) e é nesse processo que consiste o currículo real.
Sacristán & Gómez (2000) ressaltam, ainda, que compreender a diferenciação
entre o currículo explícito (considerado oficial) e o currículo real (resultado do
manifesto acrescido do oculto) significa uma reflexão sobre as incongruências
existentes nas práticas escolares. Os autores explicam que o currículo oculto tem relação
direta com as especificidades e dificuldades do aluno, e nele está toda a experiência que
este vivencia na escola, surgindo, a partir daí, a necessidade de adaptação ao que se
propõe a cada educando. Por outro lado, Garcia (1993, p. 13) adverte que “O currículo
oculto, embora perpasse todas as atividades da escola, nunca é explicitado, porque de
modo geral não se coloca no nível consciente daqueles que elaboram, executam e
avaliam o projeto pedagógico”.
Para entender os ideais contidos nas propostas curriculares e o que de fato ocorre
na realidade, é imprescindível considerar o currículo enquanto processo social,
especialmente nos aspectos concernentes à reflexão sobre o que está sendo oferecido
aos alunos e os resultados de aprendizagem alcançados.
A organização curricular para a Educação Infantil, enquanto projeto educacional
e pedagógico, define-se como “o conjunto de intenções, ações e interações presentes no
cotidiano de qualquer instituição” (Machado, 2004, p.7). Para tanto, a autora sugere que
essa organização não se baseie apenas em áreas de conhecimento preestabelecidas, mas
primordialmente na compreensão de que o foco das decisões e ações deve ser a criança
pequena. Isso significa conceber a organização curricular para além da mera realização
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de atividades pedagógicas e divisão do tempo escolar em rotinas estruturantes, ou
apenas da organização do trabalho dos educadores.
Um currículo para a Educação Infantil necessita ter explícito, em sua elaboração
e desenvolvimento, a concepção de crianças reais e diversas, que interagem com o meio
em que vivem e aprendem a resolver problemas, especialmente em contato com outras
crianças ou através de informações que os adultos lhes oferecem.
Aspectos históricos da Educação Infantil
1. A Educação Infantil no Brasil
Até meados do século XIX, praticamente não existia no Brasil um atendimento
às crianças pequenas em instituições como Creches e Pré-Escolas. Essa situação se
modificou a partir da segunda metade daquele século, em função do crescimento
cultural e tecnológico que promoveram a possibilidade do trabalho feminino.
Em consonância com esse movimento histórico havia o ideário liberal da
construção de uma nação moderna, com preceitos educacionais importados do
movimento da Escola Nova (final do séc. XIX até meados do séc. XX), de influência
americana e européia.
A partir das discussões fomentadas foram criados os primeiros Jardins de
Infância, no Rio de Janeiro e São Paulo, inspirados nas idéias de Froebel (1782-1852)1.
Em decorrência do I Congresso Nacional Brasileiro de Proteção à Infância,
realizado em 1922, surgiram as primeiras regulamentações do atendimento às crianças
pequenas em Escolas Maternais e Jardins de Infância, que previam as instalações de
creches e salas de amamentação próximas ao ambiente de trabalho, de forma a facilitar
o atendimento ao lactante durante o horário de trabalho das operárias.
Na década de 30, foram criadas algumas instituições oficiais de proteção à
criança, cujo atendimento era de caráter assistencialista. Nas décadas seguintes, entre
1940 e 1960, o Departamento Nacional da Criança, pertencente ao Ministério de Educação e
Saúde, criou a Casa da Criança, com atendimento nas áreas da saúde e previdência.
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Educador alemão, que criou em 1837 um kindergarten (jardim de infância).
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