O QUE DIZEM PROFESSORES E ALUNOS SOBRE O FRACASSO
ESCOLAR EM MATEMÁTICA? INTER-FACES ENTRE AS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O DESEMPENHO ESCOLAR.
Fatima Maria Leite Cruz
Lícia de Souza Leão Maia
Programa de Pós-graduação em Educação/UFPE
RESUMO
Apresentamos parte dos dados de uma tese de Doutorado em Educação, que
discute o fracasso escolar em matemática, nas representações sociais de
professores e alunos de matemática da Educação Básica e do Ensino Superior, em
instituições públicas e particulares, no Estado de Pernambuco. A pesquisa tentou
compreender o pólo psicossocial da aprendizagem, ainda pouco explorado,
articulando simultaneamente os pólos do professor, do aluno e do saber.
Especialmente, o estudo focou a matemática, cujos índices de reprovação é uma
das explicações para a descontinuidade dos estudos. A partir de Moscovici(1978),
Abric(1994),
Flament(1994)
e
Jodelet(1994)
vemos
que
há
uma
multireferencialidade de sentidos compartilhados por diferentes grupos e que estes
influem nas práticas sociais. A amostra do estudo foi composta de 528 sujeitos, 163
professores e 365 alunos, e usamos um método com fases interdependentes:
aplicamos questionários de associação livre e os dados analisados pelo software
tri-deux na análise fatorial de correspondência e análise temática de conteúdo,
realizamos seminários temáticos e entrevistas aprofundando os dados. Neste
trabalho, apresentaremos os dados relativos à fase de entrevistas, delimitando os
achados relativos ao ensino superior.
Palavras-chaves:
representações
sociais,
fracasso
escolar
em
matemática, inclusão/exclusão escolar.
Introdução
O fenômeno do fracasso escolar em matemática tem sido foco de muitos
estudos da educação matemática, na busca de argumentos que expliquem
melhor as altas e persistentes taxas de retenção na disciplina, apontada
como um dos vetores da descontinuidade da escolarização, sobretudo dos
alunos em desvantagem social. Os estudos da área têm trazido
importantes contribuições para a prática pedagógica e a didática dos
conteúdos específicos, entretanto, ainda são pouco explorados os estudos
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que enfocam o conhecimento do senso comum que é disseminado em
relação aos sujeitos sociais da aprendizagem, o professor e o aluno.
Neste sentido, a teoria das representações sociais traz um olhar
psicossocial para esta dinâmica, vendo que conteúdos e sentidos são
partilhados nas práticas sociais e se tornam guias das condutas de sujeitos
e de grupos. Assim, compreendemos a realidade como uma construção
social e vemos que há inter-relações entre os pólos epistemológico,
pedagógico e psicológico da aprendizagem, pois os sujeitos intercambiam
nas interações sociais estas distintas dimensões.
Nesta perspectiva, o saber do senso comum constrói verdades, como uma
amálgama, nas quais os sujeitos e grupos são autores, e certamente, tais
significados influem no desempenho escolar do aluno e no fazer do
docente. Portanto, partimos do pressuposto de que se queremos conhecer
o cotidiano da sala de aula precisamos conhecer a teoria coletiva do senso
comum que explica a realidade, e sustenta as práticas sociais.
Apresentaremos parte dos resultados de uma pesquisa, integrante de uma
tese de doutorado em andamento, que analisou as representações sociais
de professores e alunos sobre o fracasso escolar em matemática, dos
níveis da educação básica e superior, nos contextos de instituições
públicas e particulares no Estado de Pernambuco.
Particularmente,
focaremos, aqui, o que foi capturado na terceira fase do estudo, as
entrevistas semi-estruturadas, especialmente analisando o que disseram
professores e alunos do ensino superior.
Como pressupostos teóricos nos apoiamos na teoria das representações
sociais, segundo Serge Moscovici, e demais autores da área, entre outros,
Abric(1994), Flament(1994) e Jodelet(1994), na tentativa de olhar o
fenômeno da sala de aula na perspectiva multireferencial, como
discutiremos na próxima sessão.
A teoria das representações sociais e a perspectiva multireferencial
de análise dos fenômenos e práticas sociais.
Moscovici inaugurou na França, na década de 60, a ruptura da
fragmentação entre sujeito e objeto ao apresentar a análise articulada do
sujeito epistêmico e psicológico, vendo que sujeito e realidade se
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intercambiam, portanto são representados. O arcabouço da teoria nasce
tendo como referência os processos de divulgação e socialização do
conhecimento, que se expandiam naquele contexto sócio-histórico, e levao a buscar entender como os saberes do senso comum formam um saber
circunscrito para distintos grupos.
Dessa maneira, ele legitimou os saberes do senso comum em igualdade
aos
saberes
científicos,
exatamente
por
serem
generalizáveis
e
operacionais. Assim, sistematizou que as representações sociais são
conhecimentos elaborados e compartilhados e que se constituem como
uma visão prática da realidade que é construída e comum a um
determinado grupo social, sendo, simultaneamente, produto e processo.
Nesta perspectiva, os sujeitos constroem a realidade ativamente, e são por
ela transformados, em um movimento e interação recíprocos.
Segundo Abric1, “Representação Social é como uma visão funcional do
mundo, que
permite ao indivíduo ou grupo dar um sentido às suas
condutas e compreender a realidade através dos seus próprios sistemas
de referência, logo, adaptar-se e definir seu lugar nessa realidade”. Neste
sentido, a representação social é uma interpretação da realidade que é
coletivamente compartilhada e que orienta as práticas cotidianas,
organizando as condutas e as comunicações sociais, dando-lhes os
sentidos que foram construídos pelos grupos.
Nesta construção, dois episódios estruturam esta organização, a
objetivação e a ancoragem. A objetivação é uma construção seletiva,
através da esquematização estruturante, dá o sentido de naturalização ao
objeto representado, relacionado aos critérios culturais e às normas e os
valores do grupo, mantendo-lhe a coerência. A ancoragem, tem a função
cognitiva da representação para os significados, conteúdos e estrutura,
transformando os sentidos e garantindo o pensamento antecipado sobre o
objeto, facilitando a comunicação.
Ambos os eventos, a objetivação e a ancoragem, asseguram a segurança
ao sujeito na sua ação mobilizando as defesas psicológicas diante do
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novo, e assim, protegendo, garantindo a unidade e atuando como memória
que orienta as ações no dia-a-dia.
Para Abric (1994), a representação é constituída de duas estruturas, uma
denominada de núcleo Central que é o elemento mais forte e resistente à
mudança, por ser impregnado de forças mais consensuais; e a outra, os
sistemas periféricos atuam como um pára-choques relacionados ao
contexto. Assim, o sistema central normatiza o sentido e o sistema
periférico
o
operacionaliza,
por
se
ancorar
na
contextualização
circunstancial.
A contribuição dessa teoria já é mais consolidada em outras áreas, e mais
recentemente, começou a ser melhor compreendida na pesquisa
educacional em geral, e na educação matemática em particular,
merecendo destaque por permitir olhar por exemplo, o fracasso escolar,
em suas múltiplas variáveis que de agora em diante passaremos a
comentar.
O fracasso escolar em matemática e a exclusão escolar
Por muito tempo, o fracasso escolar teve uma explicação reducionista
pautada em um dos pólos das situações didáticas. Primeiro a atribuição de
culpas ao aluno, na perspectiva médica-biológica e a suposição de
problemas
de
aprendizagem
de
natureza
orgânica
funcional.
Posteriormente, os argumentos se apoiaram em teses culturalistas, cuja
base remetia às desigualdades sociais e suas repercussões no
desempenho, através de tese da carência-deficiência. Ambas as
tendências produziram mitos no pensamento pedagógico que se arrastam
e trazem o sentido discriminatório em relação aos grupos em desvantagem
social.
Na tentativa de superar tal construção social de exclusão, sobretudo para
os alunos das escolas públicas, os estudos pioneiros de Brandão, Patto e
os de Schliemann e Carraher marcam um novo tempo de discussão mais
preocupado com o papel interno da escola na produção do desempenho
constituindo-se como foi denominado o fracasso da escola.
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Nos anos 90, a cultura do sucesso, tenta resgatar os vetores que
produzem o fracasso e passa-se a discutir encaminhamentos a favor do
aluno, que são muitas vezes interpretados como aprovação sem
aprendizagem do aluno, o que fortalece a perspectiva de seletividade.
Especificamente,
na
disciplina
matemática
essa
seletividade
é
preocupante o que nos leva a tentar desvelar a participação dos agentes
internos e externos da escola neste quadro.
Todavia, as interfaces entre as representações sociais e a educação
matemática nos processos de aprendizagem e de não aprendizagem
escolar são recentes. Em um estudo da arte da educação matemática
Fiorentini nos apresentou trabalhos em educação matemática que olham o
cotidiano, as práticas, as linguagens e os discursos na gestão da sala de
aula, bem como a vida e a história de vida de professores e alunos. Nesse
sentido, começam a ser vistas outras variáveis se entrecruzando aos
comportamentos e as condutas na escola, e principalmente na relação
professor-aluno, como destacaremos agora a partir dos estudos realizados
na pesquisa em foco, sob o olhar das representações sociais de
professores e alunos sobre o fracasso escolar em matemática.
O fracasso escolar em matemática nas representações sociais de
professores e alunos
A amostra da pesquisa foi constituída de 528 sujeitos, sendo 163
professores e 365 alunos. Os alunos foram grupados por nível de ensino,
série e contexto institucional público ou particular: Ensino Fundamental –
8ª série, Ensino Médio – 3º ano, e Ensino Superior – 2º períodos dos
cursos de Licenciatura em Matemática e Engenharias. Os professores
foram grupados por nível de atuação - Ensino Fundamental, Ensino Médio
e/ou Superior, e pela área de atuação profissional: professores de
matemática e professores de outras disciplinas.
A amostra abrangeu escolas e instituições de ensino superior dos
municípios de Recife e Região Metropolitana, e no caso dos professores
de matemática e alunos das licenciaturas, os dados foram coletados
também em municípios do interior do Estado de Pernambuco.
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Na primeira fase do estudo, fizemos a identificação do campo semântico
das representações analisadas pelo software tri-deux, através da análise
fatorial
de
correspondência,
que
nos
assegurou
ainda
ver
as
diferenciações das representações nos planos fatoriais, complementados
pela análise temática segundo Bardin. Aplicamos questionários de
associação livre usando as expressões-indutoras: desempenho do aluno
da escola pública, desempenho do aluno da escola particular, professor da
escola pública, professor da escola particular, professor de matemática,
aluno reprovado e aluno reprovado em matemática vistas como temários
subjacentes à representação sobre o fracasso escolar.
Na segunda fase, apresentamos aos dois grupos de participantes, um
formado por alunos e outro por professores, no formato de seminários
coletivos, os dados analisados na primeira fase para que fossem
hierarquizados e discutidos. E na terceira fase, que aqui apresentaremos,
realizamos entrevistas individuais nas quais devolvíamos os dados
analisados da segunda fase e aprofundamos os sentidos de seus
conteúdos.
O fracasso escolar em matemática nas representações sociais de
professores e alunos: Os achados em relação ao ensino superior
Entre os achados da pesquisa, a Matemática foi consensualmente vista
como uma disciplina difícil, “ um bicho de 7 cabeças”, pelo conjunto de
professores e alunos do ensino superior, cujas representações apontam a
crença nas “dotações genéticas”, e no “dom de aprender matemática”.
Portanto, vimos que a despeito de toda a produção e socialização de
estudos da educação matemática ainda persiste a visão seletiva e inatista.
Entre os próprios professores prevalece a idéia da matemática concreta,
como visto por Maia, e a abstração seria uma complexa dotação que é
própria apenas dos alunos considerados “de exatas”.
De modo geral, os professores de matemática do ensino superior e os
alunos
das
licenciaturas
em
matemática,
viram
positividade
e
superioridade no desempenho, a partir do contexto da escola, no caso a
escola particular, apoiados no tripé: situação cognitiva, econômica e social
do aluno expressos no investimento nos estudos, privilégios na assistência
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da família e cobrança. E de modo contrário, viram negatividade e
inferioridade relativa ao aluno da escola pública, na representação de falta,
tanto no sentido da falta material, quanto simbólica. Na situação da falta
material os professores referiram-se aos prédios das escolas públicas:
... não tem condições mínimas dignas de dar uma boa educação. Os professores
mal pagos...não tem recursos pra lecionar, eu tive numa escola que tive vontade
de chorar... a professora disse venha aqui dr... olha a goteira...como ensinar
cidadania se o aluno não pode nem estudar, não tem condições de
receber...infelizmente vai ser despreparado o governo desvaloriza o aluno, a
educação básica, não é só o governo municipal, é estadual, federal, tudo. (M, 49,
ES, BE, RPART, ENG).
Entre outras condições das escolas, a questão do funcionamento
institucional, como o quantitativo excessivo de alunos em sala de aula, que
limita o fazer do professor, mesmo quando ele é competente:
“... com 45 alunos numa sala de 5ª série... .ele já vem obrigado, por ele mesmo
não tava ali... a concentração de alunos é demais, 45 é muita coisa ...se a gente
pensar direitinho...as mães fazem de creche, deixa lá e não quer nem saber.
Agora vá mandar um pra casa.... não tem educação nenhuma de casa, a gente
tem que ser pai, mãe, psicóloga, diretora, apartadora de brigas... e aí por isso que
eu digo a bagunça é que é a maior complicação, puxa as outras, o desinteresse e
a dificuldade... A bagunça é por causa da quantidade de aluno. Não acredito... se
fosse 20 dá pra controlar, 45 é querer que o professor faça milagre. Hoje é muito
aluno mesmo. Até você quer dá uma ajuda individual, mas não vai ajudar 40, não
pode nem querendo. Quando chega a mãe... fulano? Ah, sim, o gordinho? Quem
é? Você fica...”.” ( F, 26, ES, LM, REP, TRAB)
Nessas ilustrações do dia-a-dia, os professores do ensino superior dizem
que o grande vilão da educação e do fracasso do aluno é o Estado:
“... eu sou muito crítico em relação ao Estado. Os grandes responsáveis por esse
desinteresse. Eu tô olhando o material e pensando na matemática, mas isso pode
ser estendido a todos. O Estado é o responsável. .. Pela deficiência no ensino
básico, médio e superior. Nós não vemos o país... o governo não tem condições
financeiras de beneficiar o ensino? Se fosse isso tiraria o chapéu, vamos
criar...mas.... nós professores ir à luta? Nós estamos presos ao sistema
governamental! Os programas teóricos são bonitos, mas não têm projetos pra
melhoria do ensino, não é prático na melhoria da educação básica. Nós temos
condições de melhorar. Falta vontade e coragem política. Não sei o que acontece
atrás dos bastidores...Quando tava na secretaria de Jaboatão, na época eu sabia
que tinha condições de mudar. Mas não é questão de coragem é vontade!,
interesse! Vê a necessidade e se decepciona, fica preso ao sistema”.(M, 47, BE,
ES, RPART, E)
Entretanto, apesar do discurso analisando as políticas educacionais
deficitárias, quando o professorado discorre sobre o aluno revelou outras
crenças implicadas ao fracasso. Na representação do aluno carente, o
professorado
expressou
o
sentido
de
que
o
aluno
é
fraco
e
desinteressado. Nesse caso, a pobreza é vista como carência afetivo-
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social e que provoca nos professores sentimentos de compaixão e/ou de
exclusão em relação ao aluno. Na perspectiva da exclusão, o que chama a
atenção é a rejeição à diversidade sócio-cultural, através do desrespeito,
desvalorização, e discriminação pela situação de pobreza e seus costumes
e valores. A positividade para os alunos da escola pública só emergiu
relativa aos alunos das universidades federais, considerado “bom aluno da
federal”.
Por sua vez, os alunos responsabilizaram a dimensão econômica pelo
fracasso escolar, seja pela precariedade para os estudos do aluno que não
quer nada e/ou do aluno-trabalhador, seja pelo fato de que o aluno sofre
preconceito por ser da universidade pública. Vejamos as falas sobre a
performance do aluno visto como aquele que “não quer nada” e do aluno
que sofre preconceito:
“Não liga estudo e relaxado é igual. É tudo com as carinhas de bezerro... eu tiro
por mim mesmo. Estudava na melhor escola da cidade, ai me encontro com a
galera... é tu terminasse no melhor colégio, tu pode isso... tu teve oportunidade,
não sei que... ainda encontro a galera que estudava comigo e tudo diz....tu tivesse
mais chance... a pessoa acha que porque tá na particular sabe mesmo....agora eu
nunca liguei pra estudo... porque achava que tem pai, mãe, já tem tudo. A mãe já
tem condição de dar uma vida melhor. Achava que não tinha importância. Assistia
uma aulinha, na véspera da prova lia... passava mesmo... não dava valor mesmo.
Parei no primeiro ano...só procurava ver a aula, até o .... primeiro, segundo....
como é que chama? Sim, ensino médio, é tudo besteira. Depois de algum
tempo....quando perdi o primeiro vestibular, passei um ano parado... sem fazer
nada... aí pensei... rapaz eu tenho que estudar pra ser alguma coisa na vida.
Acho que com quase todo mundo é assim. O cara demora a acordar...”
“... sofre preconceito pelo fato, talvez, de não ter dinheiro e ter que estudar na
escola pública. Só o fato de estudar na pública já é desvalorizado... é pública... a
galera não dá nem... todo mundo sabe que lá falta fazer o negócio andar. Falta
uma coisinha.... em geral a sociedade tem esta idéia. É como é passada, sabe
que não tem planejamento, não é preparada, estudada. Aí é que entra a
deficiência, entendeu?”. ( M, 19, EES, RPUB, NR, NT)
Quando fala sobre o aluno trabalhador, o aluno se vê positivamente como
esforçado, mas diz que a estrutura curricular desconhece as suas
necessidades e horários, levando-o muitas vezes a experimentar vergonha
em falar nesse assunto, por entendê-lo proibido para uma realidade que só
valoriza o acadêmico:
“ ... E muitos trabalha também, tem que trabalhar pra ajudar em casa... trabalho
porque não é mole... a galera passa o dia trabalho, larga 6, 6 e meia... conheço
uma porrada de gente que é assim... come alguma coisa correndo e vai estudar,
cansado, com sono, com o stress do dia de trabalho. A carga horária, inclusive
das federais devia pensar nisso. Mas ninguém pensa... Todo mundo hoje tem que
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trabalhar, pra ajudar em casa, o pai sozinho não agüenta... é muita despesa. Tem
que estudar e trabalhar... mas ninguém pensa nisso, principalmente aqui. A carga
horária da gente não absorve o trabalho... é só pra quem pode. Aí o nego fica
pingando uma cadeira aqui, outra acolá... tô doido pra trabalhar, me viro dando
aula particular. Mas não dá não...” “ (M, 19, EES, RPUB, NR,NT)
O aluno revela que a família não é mais sozinha a provedora da
sobrevivência dos seus filhos. Apesar do aluno-trabalhador expressar que
luta por um futuro melhor, a expectativa dos professores é de que o aluno
da escola pública não investe nos estudos porque não tem projeto de
futuro:
“... Profissão para o futuro. Ele não tá querendo... vamos supor geografia,
geografia porque quero estudar os fundamentos da geografia. Se geografia tiver
perspectiva de ganhar muito dinheiro não importa... perspectiva de bons salários
no futuro... isso é que tá pegando hoje. Tem alunos decepcionado porque o curso
tinha perspectiva de ganhar dinheiro e ele não acompanha o programa, as
normas. É terrível. Tem aluno que estuda no investimento e de repente...faz até
mestrado e tal... de repente faz um concurso e deixa, quer nem saber...é 8, 10
mil... o curso, o projeto de vida não interessa mais.”
Quando diz que o aluno só acredita no valor do dinheiro, o professor
anuncia sua visão de intelectual que busca transformar a realidade com
seu ofício, e ao mesmo tempo revela uma visão ingênua sobre a
competitividade do mundo do trabalho e a luta dos jovens por uma
inserção.
Entre os alunos, a representação sobre o professor da escola pública é
ambígua: competente/descompromisso, dedicado/não dedicado, professor
legal/professor desmotivado, mas prevalece a positividade pelo mérito
intelectual:
“Competente todos são porque tem que fazer concurso pra entrar, não é?”
“É inteligente porque pra ser professor tem que ser, senão não é professor. Podia
ser estudioso também ou intelectual, é tudo a mesma coisa. ...”.
A imagem é de êxito, e o professor como profissional de sucesso é visto
quando bem pago, como aconteceu em toda a pesquisa e nesse caso,
professor valorizado são apenas os professores das federais:
“ o do Ensino Superior não é mal pago. o que é mal pago é o do Ensino
Fundamental, da Educação Básica, esse é. Esse é terrivelmente mal pago. É mal
pago mesmo. E ele é a chave de tudo, tá ali, uma dureza pra ganhar ... um doutor
inicia ganhando uns 4500, isso é ruim? É nada!!! Bote as bolsas, as pesquisas, e
as virações que pode fazer, né, consultoria, mil troço.... o da Educação Básica
não tem como, tem que tá na sala. Tá vendo você deveria separar...eles acham
que tão ganhando pouco, teve a greve né, mas tão não. No Ensino Superior o
professor tem um belo salário e pode buscar pesquisa, tem verba pra isso. ...”
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“... pensando no Ensino Superior porque eu acho que eles não têm compromisso
para passar o saber pro aluno. Não são todos. Tem uns que a gente tira o
chapéu, dá o recado. Sou professor, o livro é tal...te vira! E a cobrança é lá em
cima, é astronômica. Tem o compromisso, quando terminar o curso vai mais... a
maioria dos alunos são bons porque são autodidatas, pesquisa, vai atrás.”
No caso, o professor é representado como competente, valorizado, bem
pago, mas descomprometido com o aluno. A diferenciação, a partir dos
contextos, apareceu quando o professor diz que a escola particular obriga
o professor a “dar o conteúdo”, diferente da autonomia da instituição
pública, como conferimos aqui:
“... agora na pública a gente escolhe o conteúdo, quantas provas vai fazer e aqui
a escola impõe. A gente dá o conteúdo mesmo que ele não aprenda, mas viu,
entendeu? Se a escola é tradicional é mais puxado mesmo.” ( F, 26, ES, LM,
REP, TRAB)
Nesse caso, é a ausência de mando, de cobrança, de organização do
professor, da escola e do sistema, que levam à acomodação, cujo sentido
é a estabilidade funcional por serem servidores públicos:
“ ... Agora tem os que ensina por prazer e aqueles só porque passou no concurso,
só querem o salário. Aí não se importa, dá qualquer merda aí, ninguém vai saber
mesmo... já é funcionário público...por isso é desmotivado”.
“ O professor disse que o mesmo cara que trabalha aqui desmotivado... os
melhores professores... tá tudo stressado. Aí vão pra particular, recebem bem, dá
aula com motivação...”
“ E trabalhador porque pra passar teve que fazer esforço, estudar... e esforço pra
mim é trabalho. E quando entra tem que trabalhar pra completar o salário... é
pouco, aí tem que ter mais de um emprego. O professor da gente mesmo de
prática... trabalha numa empresa, tem que ficar driblando o horário...tudo faz
trabalho por fora pra sobreviver......outros trabalhos... sem ser de professor”
Nesse caso, os alunos dizem que vêem o professor sacrificado, porque
mal pago, denunciando a crise da profissionalização docente pelo
aviltamento salarial.
Quanto
à
formação
profissional,
o
professor
de
matemática
foi
representado em superioridade cognitiva visto como “o professor
inteligente”, e a crença do senso comum é na anormalidade de seu
desenvolvimento, que provocaria problemas nas suas relações sociais, daí
ser visto ‘fora da normalidade’, na imagem do “professor doido”,
social.
Entre
alunos
e
professores
as
representações
antidessa
“anormalidade” constroem uma aura de proteção ao professor, na qual o
rigor e o distanciamento do aluno modelam o mito do “professor de
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matemática no pedestal”. Pareceu-nos que este é o caminho encontrado
de valorização profissional, escolhido por professores em formação inicial
e professoras iniciantes, também em outros níveis de ensino.
Nessa dimensão sócio-afetiva, uma das objetivações dos professores de
matemática é o “bicho-papão” e “difíceis no relacionamento”. Entretanto,
nas ancoragens vimos que estes são valorizados, nas representações do
“docente
que
sabe”,
“professores
pesquisadores”,
“professores
qualificados”, “puxam pelo aluno”, “ensinam bem”, enfim, a representação
do bom professor. Em outras palavras, aquele que ensina bem e leva o
aluno a prender, mesmo que afetivamente seja distante e carrasco. A
“anormalidade” outorga ao professor um lugar do saber, e a “rigidez”, lhe
oferece um poder que o distancia das fragilidades humanas dos demais
professores.
Assim, os professores de matemática foram distanciados da normalidade o
que parece perenizar em todos os níveis de ensino o mito do bicho-papão:
“ Acho que a disciplina é difícil, é a mais difícil mesmo e os professores são
mais chatos, se acha mais inteligente, superior mesmo... e a gente se fecha pra
não ouvir piadinha dos colegas. É todo mundo despeitado com a gente...eu
mesmo só sento perto dos meninos de física, química, tudo homem, elas
pensam que sou sapatão...isso vem lá dos avós... lá de trás mesmo, é a
questão familiar, se a mãe diz que é o bicho-papão... são várias gerações...
professor de história, geografia... o despeito é grande com a gente... ah você
fala errado, e daí? Falar por falar até papagaio fala minha filha. Agora tudo só
progrediu porque teve o cálculo... só tem progresso em cima do cálculo. Calo a
boca de tudinho. É uma linguagem própria entende? Aí o pessoal de português
fica danada... tem aquelas linguagens todas não é... linguagem formal, não sei
que...ah, vão conversar com o papagaio que é melhor.....”
“... bicho-papão porque é essa a idéia que o povo tem.... logo eles têm medo
de matemática por causa da reprovação. É a mais relevante de todas. Essa é a
visão que o pessoal tem. Estudar física sem saber matemática, nada de
abstrato, aí quer o quê? A gente fala rápido... pode ver quem raciocina fala
rápido...”
Os alunos de engenharia explicaram a lenda do bicho-papão ao
expressarem, concretamente, a dificuldade didática não trabalhada, por
exemplo, a partir do ritmo do professor na exposição dos conteúdos:
“Agora impaciente.... isso é normal. São bastante stressado, nervoso, quer que a
gente resolva logo... se não resolver fica preocupado... pelo menos os que eu
peguei era assim. É meio azogado.... a gente tinha um professor de cálculo....
falava assim, pá, pá, pá, zum e a gente olhando...pronto, dava a matéria toda... a
gente nem... ainda tava..... ...( pergunto como é mesmo ser azogado) é
...pronto... agitado. É muito agitado... fala rápido... assim, se for escola pública,
diz brrrrpública, sai cortando tudo, entendeu?. Agora, quando eu tô dando aula
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particular de física é assim mesmo. Vou, vou....nem lembro, depois é que
pergunto... entendeu? Parece que o cara se empolga e se esquece... acho que
ele acha que é superior... nem lembra se o cara acompanha...é mesmo... agora
vou lembrar, vou perguntar, entendeu?, tá tudo bem? (risos) Esse negócio é bom
pra gente pensar..” .
De uma parte, no sentido da superioridade do professor de matemática há
a obrigação de saber mais, e se distanciar, inclusive dos demais colegas,
como foi ilustrado:
“... Tem que tá se atualizando sempre pra se surgir uma pergunta... nunca
surge, mas se surgir tem que responder na hora. Qualquer coisa pode
perguntar. Se for de história pode trazer na próxima aula...não precisa dar
reposta... agora se eles trouxerem uma questão e você não souber, ah, fica
tudo ... é burro...é burro... vou perguntar a fulano do ano passado que sabia
tudo... faz de propósito.... as outras pode perguntar depois, a gente é logo
burro...não sei porque eles são assim...”
A professora diz que existe a cobrança do aluno para que o professor de
matemática corresponda a este ideário de superioridade, e entre os
próprios professores parece-nos que há uma hierarquia, vista quando a
aluna da licenciatura nos diz que “ É.... quer ver, os professores um testa o
outro pra ver quem erra...é um testando o outro...os próprios de
matemática, .. .isso acontece mais com os mais antigos...”. De outra parte,
a superioridade e a hierarquia apareceram, também, entre os professores
que têm a formação nas ciências exatas e os que possuem curso de
Licenciatura em matemática e vice-versa.
Nesse caso, são os professores-engenheiros e professores-matemáticos
que se consideram mais habilitados do que os professores com
licenciatura, numa clara demonstração de profissões com mais prestígio
do que a carreira docente. Por sua vez, os alunos das licenciaturas vêem
diferenças, mas favoráveis para os licenciados, por terem a formação
pedagógica, como ficou explícito no extrato da fala a seguir apresentado:
“... a gente não pode dar ir dando toda a linguagem de uma vez, tudo tem que
ser contextualizado...vai mudando as palavras...uma questão que tem prejuízo,
a gente não diz, troca as palavras...se preocupa pra eles entender o que é que
aconteceu, pensar sobre os dados e não só resolver...... um engenheiro que dá
matemática não é desse jeito, puxa os outros....e a gente tem as matérias, a
matemática é alta, a mesma das exatas, e tem as didáticas, quer dizer, tem a
mais...”.
Entre estes, o fato de saber matemática e saber as outras áreas da
Psicologia e da Educação os diferenciam, como se segue na fala da
estudante de licenciatura:
CRUZ, F., MAIA, L. O que dizem Professores e Alunos de Matemática sobre o Fracasso Escolar em
Matemática? Inter-faces entre as Representações Sociais e o Desempenho Escolar. In Anais do
SIPEMAT. Recife, Programa de Pós-Graduação em Educação-Centro de Educação – Universidade
Federal de Pernambuco, 2006, 17p
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“ o despeito é da pedagogia, tem gente das outras licenciaturas mas elas fica
tudo... só com a gente. Teve um seminário e elas não sabia explicar análise
combinatória, deixei mesmo só pra ver. É lógico isso... dizia como se fosse
simples sem saber que ali tinha 3 associações de 3 e 2 associações de 2... é
sempre assim a gente vai dar cadeiras lá no CEE, P6, P7 vai compreendendo...
Agora veja a gente não disse que dava aquilo tudinho na licenciatura? E não
pode ensinar no primário, na segunda, na quarta, não pode. A maioria, 80% do
que aprende é matemática. Aprende a ler, tudo bem, mas puxa mais pela
matemática. A professora sem saber, prepara, dá as 4 operações básicas, não
explica, não sabe explicar e joga o brinquedo quebrado pra você fazer o milagre
na 5ª. Só chega assim pra gente consertar o estrago... Agora qualquer coisa,
vocês são burros...”
No entanto, mesmo este saber superior apareceu fragilizado diante das
situações do cotidiano e da violência urbana. Os alunos das licenciaturas
denunciaram que as relações entre professor-aluno estão difíceis pelo
clima de guerra que adentra o espaço escolar, inclusive, com riscos à sua
integridade física como foi relatado:
“...E é da escola mesmo porque não tem supervisão, não há cobrança, nenhuma
exigência da parte pedagógica mesmo, o conteúdo você trabalha o que
quiser....você não é exigido no plano de aula, quem faz? não tem amparo, o aluno
lhe agride e não tem a quem recorrer. É você ameaçado pelo aluno.... ele já vai
pra escola desmotivado, grita, stressado... porque o professor virou inimigo do
aluno é o chato que vai lá obrigar a ele ver, a aprender, e ele não quer... e o chato
tá ali... já vi dizerem na minha cara... viche, chegou a chata... Se for puxar, não
tem quem lhe leve na parada... e aí? Já vi mesmo aluno dizendo, professor.... o
sr. não tem medo não? Cuidado... quer dizer... vai arriscar?” . ( F, 26, ES, LM,
REP, TRAB)
“ Quando você quer levar à sério... é o bonitão... chegou, ah, é porque é aluna da
federal....mas termina entrando no processo. Ninguém vai se arriscar... termina se
acomodando mesmo...” ( F, 26, ES, LM, REP, TRAB)
Na verdade, foi anunciado que a insegurança é tão grande que mesmo
quem chega diferente, termina se acomodando, ou seja, não sendo um
bom professor que “ensina e puxa pelo aluno”.
Quanto à dimensão pedagógica, a professora em formação vê a
complexidade da disciplina matemática quando diz que: “ tem é que botar
pra pensar, quebrar a cabeça até resolver, não é trocar um número pra ele
fazer a conta”. Por outra parte, ao reconhecer a diferenciação entre o
processo de ensino e o de aprendizagem a futura professora de
matemática anunciou que há um movimento coletivo de compreensão
sobre o ensino de uma outra linguagem ao aluno, no início absolutamente
incógnito, e que será desvelada na medida em que situações didáticas
favoráveis sejam traçadas e desenvolvidas. Os professores em formação
inicial revelam este processo:
CRUZ, F., MAIA, L. O que dizem Professores e Alunos de Matemática sobre o Fracasso Escolar em
Matemática? Inter-faces entre as Representações Sociais e o Desempenho Escolar. In Anais do
SIPEMAT. Recife, Programa de Pós-Graduação em Educação-Centro de Educação – Universidade
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“... agora sei que a matemática tem uma linguagem muito diferente da deles. é
equação 3x, 4x, eu vejo que soma e eles? A linguagem é mais rápida para
quem já sabe o processo. O professor corre porque pra ele é fácil, pra gente é
simples...equação x + 2 = 10, eu sei que o resultado é 8 e ele, x é incógnita?
Porque é do primeiro grau? O que é um grau? Grau em geometria é uma coisa
e em álgebra é outra...o pi, é mesma coisa...”
Estes professores em formação, juntamente com os estudantes de
engenharia apontaram que os alunos aprendem dependendo das
situações didáticas que lhes forem apresentadas, mas também pelo
esforço do aluno e em sua dedicação pessoal:
“É a bagunça que deixa eles pra trás... Esses meninos de rua, quem enrola? Vai
lá passa o troco, á dá assim... Uma professora mostrou uma pesquisa com
meninos de rua no Rio e com oportunidade todos chegam...as inteligências são
várias...”
“Despreparado. Não adianta desculpa que é deficiente. Se você quiser... sou
bem duro nisso. Eu tenho um amigo, um exímio pessimista. Tem momento que
eu bato de frente com ele, rola stress, passa uma semana sem se ver, aí depois,
tudo bem. Ele estudou comigo até o segundo ano, depois teve que trancar, teve
uns problemas financeiros na família dele, não podia mais pagar... quase
aconteceu comigo também... depois ele voltou terminou na pública... tem mesmo
uns problemas aí de família e tal.... mas o cara se julga o pior... vem na rua, por
exemplo, esse negócio de mulher, que é o que mais rola... se a menina passa e
não olhou... pronto! meu irmão tá ruim...não é hoje ... o patrão tava batendo
forte... e aí vai. Eu não, pára meu irmão! Tem que ralar...”
Os professores em formação inicial revelam o momento de transição.
Alguns defendem as situações didáticas de ensino, ora mostrando que
apreenderam os novos construtos das pesquisas relacionadas ao
desenvolvimento e à aprendizagem, e já vislumbram que uma questão a
ser enfrentada é didática:
“ eu tive uma professora de matemática, sabia muito, mas não sabia ensinar...a
galera penava... ela respondia o quesito todo, explicava como se a coisa fosse
simples...”.
Ora apóiam-se novamente nas antigas teorias inatistas do senso comum.
Ou seja, o aluno está dizendo que o professor precisa ensinar de
diferentes jeitos, criar diferentes estratégias de ensino, e ao mesmo tempo,
reeditaram a crença de que há “o dom de ensinar, e o “dom de aprender”
como nos revelam:
“Agora inteligente é porque eles acham que a gente tem que saber de tudo.
Professor de matemática tem que dominar tudo, eles acham assim. Porque eu
sei que tem inteligência inata, mas tem também a construída. Os que são inatos
têm maior inteligência e são mais isolados. Não sei por que, mas são. Tem uns
com mentes brilhantes mesmo.”
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Matemática? Inter-faces entre as Representações Sociais e o Desempenho Escolar. In Anais do
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Entre os demais alunos de engenharia a crença compartilhada, é no
fracasso por culpa do aluno e das professoras das primeiras séries, e o
sucesso depende do aluno auto-didata:
“E a dificuldade de cálculo é basicamente todos os alunos. Tem gente que você
vê quando aprende, pensa mais devagar, erra coisas básicas, ordem da
divisão. Ai entra um pouco de atenção também. Quer dizer, não teve uma base
boa nas primeiras séries”.
As reprovações em cálculo são explicadas como culpa do aluno que “
pensa devagar”, “ erra coisas básicas” , e/ou pelas professoras das séries
iniciais, o que nos revela a crença de que as professoras-mulheres “não
sabem e não dão para matemática”.
O sentido inatista emergiu ao falarem, por exemplo, do jovem professor,
considerado inteligente, estudioso, paciente, “vocacionado”:
“a única exceção que eu conheço é R... esse é paciente! Nasceu pra
isso...repete, diz, e vai...todo mundo aprende. Na verdade ele ainda é aluno.. é
do bacharelado em matemática. É monitor da gente... Fez 7 vezes vestibular,
até ficar... deixou o Ita pra vim pra cá ensinar. Ele gosta. Saiu até uma matéria
com ele no globo repórter... pequenos gênios... desde pequeno que ele gostava
de ensinar foi fazer outras coisa, primeiro computação, depois ITA...é o cara
mais inteligente que eu conheço...”.
Nesta ênfase, embora prevaleça o mito da vocação e não o da
profissionalização, os alunos de engenharia anunciaram perspectivas de
novos tempos e novas práticas, em que o bom professor articula o saber e
a relação inter-humana.
Considerações finais
A questão do fracasso escolar é complexa e multifacetada e o referencial
teórico-metodológico das representações sociais nos permitiu revelar
algumas construções coletivas. Pareceu-nos que os professores ainda
isolam os processos, sem o entendimento de que pensar a didática da
sala de aula e as relações entre professor e aluno, é pensar em uma
composição de pluralidade, em um mosaico relacional de unidades.
Apesar do discurso, as falas dos professores revelaram formas sutis de
exclusão, seja em relação ao aluno-trabalhador, seja no embasamento nas
teorias inatistas, e na inferiorização dos alunos. Por sua vez, os alunos já
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Matemática? Inter-faces entre as Representações Sociais e o Desempenho Escolar. In Anais do
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enxergaram que a questão do fracasso não é só de aprendizagem, mas
também do ensino em suas metodologias, conteúdos e didáticas.
Os alunos das licenciaturas em matemática partilharam da negatividade
atribuída ao aluno da escola pública, o que nos demonstra a construção de
estereótipos na formação inicial dos docentes que merecem ser revistos, e
reafirmam a necessidade da formação continuada.
Os alunos das
faculdades particulares vêem a questão econômica, social e cognitiva do
aluno pobre interferindo em seu êxito, enquanto os das universidades
federais vêem também impedimentos relacionados ao comportamento
violento dos alunos intimidando o professor no interior da sala de aula, o
que certamente fragiliza a identidade profissional.
Nesse caso, foram os alunos das licenciaturas que mostraram o centro do
furacão que assola a escola, pois ao invés do temor dos alunos do
professor bicho-papão que amedronta, mas ensina, são os professores
que por medo dos alunos, não ensinam. O desafio, nos parece ampliado,
sobretudo, se queremos na educação matemática compatibilizar a
dimensão didática e a perspectiva emancipatória que a docência sugere.
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