XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.
O Conhecimento e as práticas locais dos agricultores periurbanos do
entorno da CEASA/PE (Recife, Pernambuco, Brasil)
Juliana Gomes de Moraes 1 , Ângelo Giuseppe Chaves Alves²

Introdução
As populações com conhecimento ecológico local, entre elas quilombolas, indígenas, pescadores artesanais e pequenos
produtores familiares, criam técnicas de produção e realizam a apropriação do espaço local, através de conhecimentos
acumulados sobre a natureza circunscrita no espaço de produção destes. (Almada, 2010). A etnoecologia – ciência de
síntese entre a ecologia e a antropologia – é fundamental para ilustrar a complexidade e profundidade desses sistemas
de conhecimentos locais sobre a classificação do meio ambiente (Reyes-Gárcia et al 2007). Se em linhas gerais, a
etnoecologia, possibilita estudar os saberes de determinadas sociedades sobre a natureza, inclui-se aí as sociedades
urbanas. No entanto, os significados culturais e as relações das sociedades com os recursos naturais em áreas urbanas
constituem um aspecto importante, mas ainda pouco explorado, no âmbito da etnoecologia (Almada, 2010). Este
trabalho diz respeito aos resultados finais da pesquisa científica do Departamento de Biologia/Ecologia, da
Universidade federal Rural de Pernambuco. Objetivou-se descrever e analisar os conhecimentos de agricultores
urbanos sobre as suas estratégias de convivência com aqueles animais que eles considerassem pragas.
Material e métodos
A região em estudo está localizada na zona Oeste do Recife, Pernambuco, Brasil, numa área de confluência entre os
bairros do Curado, Várzea, Engenho do Meio e San Martin (Ferreira, 2005). A área é ocupada com hortas,
distribuídas ao longo de aproximadamente 24 hectares de terras, no entorno da CEASA. As informações foram obtidas
através de entrevistas semi-estruturadas (Albuquerque et al., 2010), buscando identificar, a partir do discurso dos
informantes, os temas e as situações relevantes no âmbito dos objetivos da pesquisa. Utilizaram-se gravadores digitais
para o registro de áudio durante 19 visitas à campo para comporem a amostragem não probabilística intencional,
conforme Albuquerque et al. (2010).O critério de seleção dos informantes foi o tempo de trabalho no local (a partir de
10 anos). A pesquisa foi complementada com turnês guiadas (Mccurdy et al. 2005) em sete hortas distintas (Mccurdy
et al. 2005). Os nomes dos animais citados foram registrados de acordo com a linguagem local. As espécimes de
insetos citadas passiveis de coleta foram classificadas e depositadas no laboratório de Entomologia Agrícola da
UFRPE. Os roedores classificados por meio de registro fotográfico foram identificados por consulta a especialista da
Universidade Federal da Paraíba. Antes das entrevistas foi explicada aos entrevistados a natureza da pesquisa e
registrada a permissão deles para utilizar as informações em relatórios e publicações. O método adotado para a coleta
de dados foi a entrevista semi-estruturada (Albuquerque et al., 2010). Para a análise inicial das respostas foi aplicada a
técnica da Análise de Conteúdo (Bardin, 1979). As ferramentas utilizadas para análise qualitativa foram do tipo
temática e categorial, de acordo com Bardin (1979). A Importância Relativa da Espécie (V.I.E) foi calculada
conforme a proposta de Albuquerque et al (2010) que possibilita medir a proporção de informantes que qualificaram
uma determinada espécie. Foram consideradas como importantes as etnocategorias taxonômicas mais citadas pelos
informantes como daninhas às lavouras. Realizou-se a análise dos dados visando articular as dimensões êmica e ética.
A abordagem êmica diz respeito à perspectiva dos membros de uma cultura local, como percebem e classificam o seu
meio, ou seja, é a visão interna do universo estudado. A abordagem ética é a interpretação e transcrição analítica deste
universo. Refere-se à perspectiva dos pesquisadores em relação às descrições dos informantes locais (Harris, 2000).
Resultados e Discussão
ASPECTOS COGNITIVOS DO UNIVERSO AGRÍCOLA
Foram entrevistados 33 agricultores, 28 homens e 5 mulheres. A idade dos entrevistados variou de 34 a 82 anos, e o
tempo de atuação no local foi de 10 a 70 anos. O cultivo de plantas e o controle de pragas é um componente cultural
pertinente a todos os agricultores entrevistados. Nos roçados mais extensos e mais expostos nota-se a predominância
de plantas para a comercialização. As plantas cultivadas para comercialização citadas pelos informantes foram alface
1
A primeira autora é discente do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n,
Dois Irmãos - CEP: 52171-900 - Recife/PE. Email. [email protected]. Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Cnpq. ² O segundo autor é docente do Departamento de Biologia/Ecologia, Universidade Federal Rural de
Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos - CEP: 52171-900 - Recife/PE. Email. [email protected]. Este trabalho foi
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Cnpq
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(Lactuca sativa L.), quiabo (Abelmoschus esculentus (L.) Moench), cebolinha (Allium fistulosum L.), coentro
(Coriandrum sativum L.) maxixe (Cucumis anguria L.), milho (Zea mays), e milhã (Digitaria sanguinalis). Nos
roçados menos expostos e próximos às casas de ferramentas, observa-se agricultura de subsistência. As plantas
cultivadas para subsistência citadas pelos informantes foram couve (Brassica oleracea L.), macaxeira (Manihot
esculenta Crantz), batata doce (Ipomoea batatas), feijão (Phaseolus vulgaris) e abóbora (Cucurbita spp). Segundo os
entrevistados, os cultivos destinados a comercialização são os mais atacados por pragas, o que causa prejuízos à
lavoura.
Os informantes possuem um conhecimento específico relacionado à classificação dos animais, bem como aos modos
de evitá-los ou controlá-los. Os entrevistados apresentam formas próprias de categorizar os animais causadores de
danos aos cultivos. Um total de 13 etnocategorias taxonômicas foi descritas pelos informantes locais. Os animais
citados foram “Formiga” “Pulgão” “Lêndea” “Piolho Preto” Piolho Branco/Mofo” “Rato” “Preá” “Paca” “Grilo”
“Lagarta verde” “Lagarta borboleta” “Mosca branca” “Cágado”. Aqueles animais que, segundo informantes,
“devoram” ou interferem negativamente em grandes proporções nos plantios dos entrevistados são aqui considerados
como membros da categoria cultural “praga”. De forma geral, os animais concebidos localmente como “pragas” foram
inseridos também na categoria cultural “inseto”. Por isso, determinados animais que não pertencem à classe científica
Insecta (e.g. “rato” e “preá). Evidencia-se ainda o emprego dos termos “bichos” e “animais” que se distingue dos
“insetos”. Os informantes diferenciaram as categorias “pragas” e “insetos” da categoria “animais e bichos”. Estes
também ocorrem no local, mas não são considerados daninhos às lavouras. Os insetos foram designados como
prejudiciais, nocivos e menores, enquanto os animais e bichos foram caracterizados como selvagens, maiores, úteis e
que aparecem em pequenas quantidades.
COMBATE LOCAL ÀS PRAGAS
Para o combate às “pragas” os entrevistados descreveram formas variadas de controle. As 13 etnocategorias foram
consideradas como pragas dos cultivos locais, pois “comem” (15 citações), “cortam” (33 citações), “devoram” (33
citações), “toram” (33 citações), “roem” (9 citações), e “prejudicam” (33 citações) e “ofendem” (16 citações) as
plantas. Para controlá-los, os informantes indicaram estratégias como o uso de inseticidas e de uma solução composta
de fumo, sabão e álcool, bem como a catação ou captura manual dos animais. Para evitar os danos causados por
mamíferos, como ratos e preás, que atacam as culturas de quiabo, macaxeira e maxixe, pratica-se a captura com
armadilhas (fojos) e/ou com auxílio de outros animais. Indicaram, neste caso, o uso de gatos para caçar ratos, e os cães
para caçar preás. Do total de entrevistados 100% afirmaram liberar a área para a caça. Segundo relatos, a caça é
tradicionalmente realizada pelas crianças e jovens da região. Os agricultores locais apenas criam gatos e cães de
guarda, enquanto os cães farejadores são trazidos para caçar pela população local. Assim entende-se que os
informantes dominam as técnicas de domesticação de cães farejadores, mas não as empregam devido a participação de
terceiros na prática da caça ao preá. A caça ao preá na área abordada consiste na busca das presas para uso recreativo,
com fim alimentar e comercial, primariamente e de importância secundária para o controle de pragas.
CONCLUSÃO
Os dados demonstraram que o uso de técnicas de abate para controle de determinados animais indesejados como
insetos, preás e ratos está atrelado ao contexto social, precisamente material. Por outro lado, a organização cognitiva
de domínio semântico etnoecológico dos agricultores sobre a classificação dos animais é influenciada por aspectos
emocionais, ou seja, pelas relações de cooperação e aversão.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R.F. P.; ALENCAR, N. L. 2010. Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e
etnoecológica. NUPPEA. Recife40-72.
ALMADA E. D. 2010. Sociobiodiversidade urbana: por uma etnoecologia das cidades. In: SILVA, A. S.; ALMEIDA,
A. L. S & ALBUQUERQUE, U. P. Etnobiologia e Etnoecologia: pessoas & natureza na América Latina. NUPEEA.
v.1, 39-63 p.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.
FERREIRA, R.J. CASTILHO, C.J.M. 2005. O processo de produção agrícola em áreas do entorno da CEASARecife/PE: Uma atividade rural no Centro de uma metrópole. III Simpósio Nacional de Geografia Agrária. Presidente
Prudente,
11
a
15de
setembro.
Acesso
em
02/03/2013.
Disponível
em:
http://www.fct.unesp.br/grupos/nera/publicacoes/singa2005/Trabalhos/Artigos/Rubio%20Jos%E9%20Ferreira.pdf
HARRIS, M. 2000. Teorías sobre la cultura en la era posmoderna. Ed. Crítica, Barcelona. 2° ed.57-63
McCURDY, D.W & SPRADLEY, P.J.; SHANDY, J.D. 2005. The Cultural Experience. Ethnografhy in Complex
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Society. Waveland, 2° ed.13-103.
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