RESPONSABILIDADE SOCIAL, CIVIL E CRIMINAL DAS
EMPRESAS
Ney Prado
Inserir um tema jurídico em Seminário fundamentalmente técnico e
específico como este, de Segurança e Medicina do Trabalho no Setor Elétrico,
parece ser algo desarrazoado. Todavia, não o é. Ao contrário, trata-se de
matéria importante, atual e necessária.
É importante porque existe uma relação unívoca entre direito,
segurança e medicina do trabalho, principalmente em se tratando de uma
atividade de alto risco. É atual porque recentemente o assunto tem sofrido
influências jurídicas, econômicas e institucionais. As primeiras em razão das
inovações surgidas com a Constituição de 88; as segundas em virtude da
privatização do setor; e as terceiras em função da criação da agência
reguladora (ANEEL). É necessário porque diretores, chefias e respectivos
prepostos precisam conhecer quais as suas responsabilidades face a lei. Assim
estarão mais bem instrumentalizados para as tomadas de decisões, tanto no
âmbito interno das empresas quanto nas relações contratuais com terceiros.
Todavia, responder à todas as indagações que o tema enseja não é tarefa
fácil. Diferentes conceitos, visões, métodos de abordagem e condições
objetivas e subjetivas podem gerar diversidade de atitudes e interpretações,
por parte dos doutrinadores, legisladores, agentes governamentais, membros
do Ministério Público e do Judiciário.
A finalidade da palestra é mostrar os aspectos legais que envolvem o
direito à segurança no trabalho, apontando o âmbito, alcance, modalidades e
grau de responsabilidade social, civil e penal das empresas no setor elétrico.
O direito à segurança e a higidez no trabalho é hoje um princípio
universal. Ao longo da história vem sendo uma reivindicação dos
trabalhadores e uma permanente preocupação dos Governos e dos Organismos
Internacionais. Tão grave tem sido as conseqüências dos infortúnios do
trabalho em todo o mundo, que levou a OIT a elaborar inúmeras Convenções
Internacionais sobre a matéria, implementando inclusive, ações práticas de
assistência técnica a diversos países. O Brasil reconheceu essas Convenções,
integrando-as na nossa legislação.
Como o enunciado do meu tema abrange a responsabilidade social da
empresa, julgo oportuno trazer ao conhecimento dos senhores duas teses que
se opõem: a de Milton Friedman e a de Keith Davis.
O primeiro, conhecido monetarista da escola de Chicago, diz que “a
responsabilidade social fundamental de uma empresa, e portanto todo seu
comportamento ético, é a de aumentar os seus lucros. Usar o dinheiro dos
acionistas para resolver problemas sociais é uma tributação encoberta, é usar o
dinheiro dos acionistas sem a sua autorização”.
O segundo, grande pensador, diz exatamente o contrário, que “os
negócios não estão isolados do resto da sociedade, que o poder dos negócios
cria a obrigação de ser socialmente responsável, os negócios têm de fazer
análise dos custos/benefícios sociais. Em vez dos chamados stakeholder os
acionistas têm de considerar os interesses de outros agentes. Os stakeholders
são os fornecedores, são os empregados, são os financiadores que são também
importantes para o sucesso de uma empresa”.
A Constituição Federal ampliou a responsabilidade social das empresas,
em seu art. 7o, inciso XXII, incluindo entre os direitos sociais do trabalhador a
“redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança”.
No tocante a responsabilidade trabalhista o mesmo artigo 7o, inciso
XXIII, determina o pagamento de “adicionais de remuneração” ao empregado
que executa “atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”.
Responde a empresa perante a justiça do trabalho pelas condições do meio
ambiente do trabalho oferecidas. Esse problema traduz-se principalmente em
pedidos de pagamento de adicionais e aposentadoria especial.
No plano infra-constitucional, a Lei 6.514/77, ao regular a matéria,
criou um novo Capítulo, o número 5, do Título II da CLT. Em seu artigo 157,
dispõe a referida Lei que cabe as empresas: “I- cumprir e fazer cumprir as
normas de segurança e medicina do trabalho; II- instruir os empregados,
através de ordens de serviço, quanto às preocupações a tomar no sentido de
evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III- adotar as medidas
que lhe sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV- facilitar o
exercício da fiscalização pela autoridade competente”.
Na seção que trata das penalidades, dispõe o art. 201: “As infrações ao
disposto neste Capítulo relativas à medicina do trabalho serão punidas com
multa de 30 (trinta) a 300 (trezentas) vezes o valor de referência previsto no
art. 2o, parágrafo único, da Lei n. 6.205, de 29 de abril de 1975, e as
concernentes à segurança do trabalho com multa de 50 (cinqüenta) a 500
(quinhentas) vezes o mesmo valor”.
Quanto a responsabilidade previdenciária estatui o art 7o, inciso
XXVIII: “seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou
culpa”. E também o art. 120 da lei no. 8.213/91 dispõe que “responde a ação
regressiva proposta pela previdência social, caso esta entenda que o
empregador foi culpado pelo acidente”.
O fundamento da responsabilidade civil está calcado no disposto do art.
159 do Código Civil, verbis: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica
obrigado a reparar o dano”.
A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade estão reguladas
pelos arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.533.
Pelo art. 1.518 “os bens do responsável pela ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos pela reparação do dano causado; e, se tiver
mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação”.
São também, de acordo com o que dispõe o art. 1.521, inciso III,
responsáveis pela reparação civil: “o patrão, amo ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos no exercício do trabalho que lhes competir,
ou por ocasião dele”. Essa responsabilidade abrange as pessoas jurídicas que
exercerem exploração industrial (art. 1.522).
Saliente-se que a nossa atual Constituição, em seu art. 5o, inciso X,
disciplina também os danos morais. Nossos Tribunais têm entendido que
pode haver duplicidade de apenação sobre o mesmo objeto, ou seja, a
reparação civil e moral simultaneamente.
Dentre as inúmeras inovações trazidas pela nossa Constituição estão o
Inquérito Civil e a Ação Civil Pública.
A Constituição de 88, no art. 129, inciso III alargou as hipóteses de
cabimento da referida ação, estabelecendo como das funções institucionais do
Ministério Público a promoção do “inquérito civil e ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”
A lei no. 8.625 de 12/02/93 que instituiu a lei orgânica nacional do
Ministério Público e a lei complementar no. 75 de 20/05/93 disciplinam que
compete ao Ministério Público da União promover o inquérito civil público a
ação civil pública para: a) proteção dos direitos constitucionais e b) proteção
dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos.
Resta, agora, abordar a responsabilidade penal. Define o art. 132 do
Código Penal como crime: “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto
e iminente”. Pena: “detenção de três meses a um ano”.
Ademais, a Constituição passou a atribuir ao Ministério Público a
competência para instaurar Inquérito Penal e também a Ação Penal Pública,
nas hipóteses que especifica.
“O Brasil possui uma das mais avançadas legislações, quando
comparada com aquela de muitos países considerados como de primeiro
mundo. Esta afirmação é embasada em dados e comentários apurados em
Congressos de abrangência mundial. No IV Congresso Internacional de
Segurança na Indústria da Construção Civil, onde participaram representantes
dos Estados Unidos, Itália, Espanha e San José, tomou-se conhecimentos dos
elogios, de forma unânime, concernentes ao atual estágio avançado de nossa
legislação, sendo que em alguns tópicos superam a legislação daqueles países.
Já no XIV Congresso Mundial sobre Seguridad y Salud en el Trabajo,
realizado na Espanha, pode-se definitivamente convencer-se desta posição de
destaque, onde esse país busca melhoria de sua legislação, que ainda encontrase em patamares inferiores, o que justifica sua grande vontade no intercâmbio
de informações, principalmente com o Brasil como ficou evidenciado naquela
oportunidade” José Fernandes Pereira in Revista CIPA, ano XVII-204, 1996,
pág. 100.
Não obstante o adequado sistema legal vigente, continuamos a
apresentar trágica estatística em matéria de acidentes do trabalho. Algumas
das causas apontadas em congressos, seminários e estudos de órgãos e pessoas
responsáveis são: a) falta de conscientização dos empresários e trabalhadores
para a importância da prevenção dos infortúnios do trabalho; b) formação
profissional inadequada; c) jornadas de trabalho com horas extraordinárias;
etc.
Sem negar a procedência dos argumentos citados, gostaríamos de
lembrar que, no campo da Segurança e Medicina do Trabalho, temos ainda
enormes desafios conjunturais a superar. Dentre eles merecem destaques: a) o
conflito entre o Brasil legal versus o Brasil real; b) a arrogância utópica do
legislador que o leva a se exceder na produção de leis; c) o alto nível de
corrupção fiscalizatória; d) o despreparo dos juizes para entender os
problemas complexos que o setor apresenta, principalmente no seu aspecto
técnico; e) a ânsia incontida do Ministério Público na sua ação investigatória;
f) a litigância de má-fé de muitos advogados, com o propósito de auferir
vantagens ilícitas; g) a falta de uniformidade jurisprudencial.
Esses aspectos negativos tem provocado sérios problemas para as
empresas e as pessoas direta ou indiretamente vinculadas ao setor elétrico.
Criam dúvidas quanto a melhor maneira de se agir e profundos receios de que
os atos praticados possam ser considerados ilegais pelos Poderes Públicos.
Como disciplinador da conduta, o Direito é um instrumento formidável,
mas a sua valia depende da adequabilidade de suas normas aos fatos da vida
humana, sejam elas do passado ou projetadas no futuro. Em ambas as
dimensões, o Direito não é instrumento dos interesses do Estado, mas dos da
sociedade.
Para ser legítima, não quanto a forma, mas quanto a substância, a norma
deverá ser recebida em sua aplicação como adequada, isto é, oportuna e
conveniente para os fins a que se destina.
A norma inadequada, por inoportuna ou inconveniente, é repudiada e,
geralmente, descumprida.
O mero descumprimento de uma norma já é estorvo para a ordem
jurídica – afinal, não devem medrar divergências entre sociedade e Estado –
mas o problema ainda mais se agudiza quando se multiplicam as normas
inadequadas no bojo do ordenamento jurídico e atingem um limite crítico de
tolerabilidade social
Aponte-se, sob esse enfoque restritivo, as seguintes, que se vêm
tornando não somente crônicas como, lamentavelmente, características de uma
ordem jurídica, marcadas por um alto nível de interferência na vida econômica
da sociedade brasileira; o excesso de leis, a irrealidade, a burocratização, o
distributivismo e o estatismo.
O grande dilema, portanto, das empresas de qualquer setor, em especial
do Setor Elétrico, é saber se devem ou não cumprir os preceitos de segurança
e higiene no trabalho estabelecidos em Lei. Tudo depende da relação custobenefício, do ponto de vista econômico, social e jurídico.
A mim cabe apenas avaliar esta relação do ponto de vista jurídico. E
nesse particular a resposta é simples. Em sendo desrespeitadas as diversas leis
que disciplinam o setor elétrico no concernente à segurança e higiene no
trabalho, poderão ser todos, a empresa, seus dirigentes, seus empregados e
prepostos, conforme o grau (culpa ou dolo), conforme o âmbito (trabalhista,
previdenciário, civil e criminal), conforme as modalidades de culpa
(objetiva, subjetiva e concorrente) responsabilizados patrimonial e
pessoalmente. Este é um risco, no entanto, que somente cada empresa pode
avaliar, em termos de possibilidade e desejabilidade.
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