POSSÍVEIS MUDANÇAS DE POSTURA EM PROFESSORES DO ENSINO
FUNDAMENTAL TRABALHANDO COM GEOMETRIA
Maria José Ferreira da Silva – PUC/SP – zezé@pucsp.br
Ana Lúcia Manrique – USJT/SP - PUC/SP – [email protected]
Saddo Ag Almouloud – PUC/SP – [email protected]
1. INTRODUÇÃO
O trabalho que apresentamos retrata uma parte de um projeto de pesquisa1 que
teve como objetivo estudar os fatores e as estratégias suscetíveis de influenciar o ensino
e a aprendizagem de noções geométricas nas séries finais do ensino fundamental.
A análise do sistema educativo, do discurso dos professores e dos jogos que
envolvem a própria geometria, nos permite identificar alguns fatores que podem ser
considerados como origem das dificuldades que os professores encontram no processo
de ensino e aprendizagem de conceitos geométricos.
Sabemos que a formação inicial dos professores em relação à Geometria é muito
precária pois os cursos não integram suficientemente uma reflexão profunda a respeito
desse ensino e as modalidades de formação contínua ainda não estão atendendo a eses
objetivos.
A esse respeito LORENZATO (1995) afirma que:
“Presentemente, está estabelecido um círculo vicioso: a geração que não estudou
Geometria não sabe como ensina-la”.[...] “é preciso um amplo e contínuo esforço de
diferentes áreas educacionais para que mudanças se efetivem no atual quadro do
ensino da Geometria elementar”. (p.4)
Confirmando tais afirmações, GOUVEA (1998) constata que a maioria dos
professores entrevistados para sua dissertação de mestrado afirmou que na época de sua
1
Estudo de fenômenos de ensino-aprendizagem de noções geométricas, realizado na PUC/SP e
financiado pela FAPESP.
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formação, não tiveram oportunidade de estudar geometria de forma a obter subsídios
para trabalhar com alunos.
As situações de ensino que estão nos livros didáticos e que são propostas pela
maioria dos professores, de uma maneira geral, não apresentam uma coordenação de
registros de representação semiótica; não mostram a importância da figura na
visualização e em fases de exploração; privilegiam resoluções algébricas nos problemas
propostos e poucos são os que exigem algum raciocínio dedutivo e demonstração. A
passagem da geometria empírica para a geometria dedutiva é quase inexistente e poucos
enfocam um trabalho sobre leitura e interpretação de textos matemáticos.
Além disso, a maioria dos professores do ensino fundamental e médio não está
preparada para trabalhar as recomendações e as orientações didáticas e pedagógicas dos
PCN.
Em nossa pesquisa, o estudo dos livros didáticos, dos PCN e das informações
obtidas a partir dos questionários aplicados revelam uma certa realidade do ensino de
Geometria e a necessidade de uma formação contínua dos professores. Estes resultados
nos guiaram nas escolhas de nossas hipóteses de trabalho quanto aos conteúdos
geométricos e as variáveis colocadas em jogo na formação dos professores, e também,
nas escolhas das situações de ensino e aprendizagem da Geometria.
Neste artigo analisaremos, essencialmente, os resultados de algumas atividades de
formação realizadas com os professores de matemática que participaram do projeto em
que algumas construções de triângulos foram feitas e os professores demonstraram e
elaboraram problemas utilizando o Teorema de Pitágoras. O nosso objetivo era observar
possíveis mudanças de crenças e comportamentos.
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A equipe de pesquisa é composta por pesquisadores, mestrandos do Programa de
Pós-Graduação em Educação Matemática e professores de matemática da rede pública
de ensino.
Para obtermos elementos que respondessem as questões propostas, procedemos da
seguinte maneira: realizamos um estudo diagnóstico aplicando testes, entrevistas
individuais e observações em diversos momentos e a formação dos professores foi
realizada em sessões semanais de 3 horas, em que situações didáticas envolvendo
conceitos, construções geométricas, problemas e demonstrações foram trabalhadas com
o grupo pesquisado visando sua formação em Geometria. Tais situações eram
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compostas por atividades que eram realizadas tanto com a ajuda de papel e lápis quanto
do ambiente informático com o software Cabri Géomètre II e a linguagem Logo. Foram
realizadas reuniões semanais para análise das atividades dos professores em formação;
experimentação e análise a posteriori de situações didáticas experienciadas em salas de
aula além da observação e estudo de possíveis mudanças na prática e no discurso desses
professores.
CARRASCOSA (1996) afirma que “a falta de conhecimentos específicos sobre o
conteúdo que se deseja ensinar constitui, com certeza, o primeiro e grave impedimento
para que os professores possam desenvolver um ensino de qualidade”. (p. 8). Por isso
decidimos elaborar o conjunto de situações propostas contendo a maioria dos conteúdos
da Geometria habitualmente trabalhada no Ensino Fundamental.
Assim, apoiamos o processo de formação em três aspectos: os conteúdos
geométricos, a formação didática e a análise crítica da prática de sala de aula.
Salientamos que a equipe de pesquisa acompanhou de perto todas essas fases, seja em
intervenções diretas na formação ou indiretas nas atividades de sala de aula.
3. ANÁLISE DE ATIVIDADES PROPOSTAS AOS PROFESSORES
No decorrer do trabalho percebemos que os professores pesquisados preferiam e
reivindicavam um trabalho voltado para a geometria métrica, alegando ser um conteúdo
necessário para sua prática de sala de aula e com utilização no cotidiano. Logo a seguir
entendemos o por quê de tal reivindicação, o início do trabalho com triângulos
2
solicitava sua construção utilizando alguns instrumentos de desenho: régua, compasso e
transferidor e, pudemos perceber que alguns professores não sabiam usa-los.
As atividades que propunham descrição de uma construção ou a construção a
partir de uma descrição permitiram que os professores tomassem consciência de suas
deficiências de uso, de escrita e de compreensão da linguagem matemática.
Principalmente, quando se escolhia uma das descrições produzidas por eles e a
escrevíamos na lousa para que todos a realizassem. Nesses momentos, todos davam suas
sugestões, faziam críticas e apontavam as deficiências percebendo a necessidade e a
importância do uso correto da linguagem matemática.
Em um outro momento foi solicitado aos professores que elaborassem problemas
que mobilizassem o conhecimento do Teorema de Pitágoras3. Depois, esses problemas
2
3
Fascículo 5 do material de formação: Triângulos.
Do fascículo 8 do material de Formação: Teorema de Pitágoras.
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foram propostos e resolvidos por todo o grupo. Tais problemas apresentaram diversas
abordagens: aplicar diretamente a fórmula em dados na forma numérica e algébrica; dar,
ou não, uma figura que interpretasse o enunciado; utilizar outros conteúdos matemáticos
(diagonal, área e quadrado) e apresentar contextos da realidade (bombeiros e pedreiro).
A seguir, analisaremos alguns desses problemas:
Criando atividades
A atividade 6, após algumas reflexões à respeito do Teorema de Pitágoras,
solicitava a elaboração de problemas que o envolvesse em sua resolução.
Atividade 06: dissertando sobre a relação entre as medidas dos lados de um
triângulo retângulo.
Agora você já sabe que, em qualquer triângulo retângulo, o quadrado da medida da
hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos catetos. Esse teorema já era
conhecido pelos babilônios e egípcios, mas foram os pitagóricos os primeiros a
demonstrá-lo rigorosamente. Daí o nome Teorema de Pitágoras.
a) Explique, com suas palavras, qual a vantagem de se saber o Teorema de
Pitágoras, no que se refere à resolução de problemas envolvendo triângulos
retângulos. Em outras palavras, o que ele permite calcular e o que deve ser dado, para
isso, no problema.
b) Invente quatro exemplos de problemas, em cujas resoluções você utiliza o
teorema de Pitágoras.
Objetivo: Fazer o professor perceber que dados relativos a dois lados de um
triângulo retângulo são suficientes para obter o terceiro e criar problemas que
envolvam esse resultado.
A seguir, apresentamos os problemas que foram escolhidos para discussão na
socialização com o grupo, observando que o fato de eles próprios terem criado os
problemas provocou uma reflexão mais aprofundada dos problemas a serem trabalhados
com os alunos.
1o Problema: Uma árvore de medida AB = 8 m quebra no ponto P e a
extremidade do último galho toca o solo em C a 2 m de sua raiz (B).
Qual a distância entre o ponto de quebra do galho e a extremidade da
árvore?
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Nesse problema, criticaram, por exemplo, a explicitação da figura, que não seria
“a extremidade do último galho”, mas sim “a extremidade do tronco” e outras questões
desse tipo. A intenção do autor é aplicar o Teorema de Pitágoras, a partir da distância de
ponto a ponto e chegar na expressão não usual nos livros didáticos (8 − d ) 2 + 22 = d 2 .
Tal intenção provocou forte reação dos colegas porque explicitou suas dificuldades e a
provável dificuldade dos alunos em resolver a equação.
2o Problema: Um pedreiro construiu um muro de 3 m de altura. Como ter
certeza de que este muro está “reto”?
Nesse problema, a professora queria provocar os alunos para discutirem
possibilidades de resolução. Discutiu-se a questão da verticalidade da altura na
expressão “muro ser reto”
3o Problema: Um bombeiro está no alto de uma torre de 20 m, que por sua vez está
localizada em um morro de 500 m. De lá avista um incêndio. Sabendo-se que do
seu ponto de visão até o local do incêndio tem 875 m. Quero saber qual a distância
do incêndio até o pé do morro.
No terceiro problema nenhuma figura era apresentada e o problema também
envolve distância, a intenção era ver como os alunos interpretariam o enunciado. Na
discussão cada professor fez uma interpretação diferente.
Um deles fez a figura ao lado para “um morro de
500m” provocando dúvidas a respeito de 500 m ser a
altura ou o trajeto a andar no morro.
Outro professor disse que não foi considerada a altura do bombeiro para os
cálculos algébricos.
E outro, ainda, pensou que o incêndio estaria em um outro morro e não no solo, o
que coloca os 875 m na horizontal – um dos catetos – e não na diagonal – a hipotenusa.
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Os outros problemas envolvem a aplicação direta da fórmula e privilegia o cálculo
algébrico, não provocando assim grandes discussões.
4o Problema: Dada a medida do cateto BC = 6 e a hipotenusa 10. Calcular o cateto AB.
5o Problema: Calcule a diagonal (d) do retângulo dado:
6o Problema: Em um triângulo retângulo a medida da hipotenusa é igual a a2 e a de um
dos catetos é igual a b2. Qual é a medida do outro cateto?
7o Problema: Calcular a área de um quadrado cuja diagonal mede 3 2 cm.
No fechamento dessa atividade a formadora salientou a capacidade de todos
possuem para elaborar problemas de diversos tipos, envolvendo outros conteúdos.
Como os problemas apresentam diferentes níveis de dificuldade, era necessário
determinar em que momentos do ensino deveriam ser utilizados, já que todos são
importantes para a compreensão do conteúdo pelo aluno. Foi também discutido nessa
conclusão o rigor na linguagem natural, na linguagem Matemática e na linguagem
figural. Tal preocupação foi apontada por um dos professores em seu relatório final.
A criação de exercícios pelos professores foi bastante estimulante e gerou
discussões interessantes. Fez com que percebêssemos os cuidados necessários na
redação de questões, o momento certo para cada questão (pré-requisitos
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necessários) e, principalmente, fez-nos ver que temos capacidade de elaborar
nossas próprias questões. (Professora E, relatório 10, 23/11/2000).
Uma outra professora também fez um comentário sobre a elaboração dos
exercícios.
Foi interessante, pois fizemos um intercâmbio entre os colegas e pudemos
analisar as nossas falhas na elaboração dos problemas. (Professora F, relatório 10,
23/11/2000)
Nessa atividade, notou-se que como cada professor tem uma tendência na
elaboração de exercícios, que mescladas com as de outros professores a partir das
discussões coletivas, produzem resultados ricos e proveitosos para todos que
participaram da discussão. Uma professora escreve em seu relatório que esse tipo de
atividade a fez repensar sua forma de ensinar.
Durante a criação e análise dos exercícios surgiu uma discussão bastante
importante sobre o modo como nós ensinamos. Esta discussão realmente me
abalou. Fez com que eu pensasse seriamente sobre modificações não só na forma
de ensinar como também no quê ensinar. (Professora E, relatório 10, 23/11/2000)
Além disso, fala que a profissão de professor necessita estar em constante
perturbação, ou seja, o professor precisa estar sempre pronto para se surpreender com os
fatos que ocorrem no contexto escolar.
Acho que nós, professores, devido principalmente às condições precárias de
trabalho e ao retorno financeiro irrisório, acabamos passando por fases, em nossas
carreiras, de absoluto marasmo. Tendemos a deixar o barco correr sem nos
preocuparmos muito com o que fazemos. É muito importante que, de tempo em
tempo, sejamos “cutucados” e comecemos a pensar novamente em “mudar o
mundo”.
Adorei essa discussão. Deixou-me extremamente perturbada e, nessa
profissão, é muito importante estar constantemente perturbada. (Professora E,
relatório 10, 23/11/2000)
Acrescenta ainda comentários a respeito da socialização de saberes, tanto de
conteúdos matemáticos quanto do saber-fazer do dia-a-dia, afirmando que a tomada de
consciência de que os outros professores fazem diferente e de que, às vezes, um pode
ajudar o outro, fica adormecida no cotidiano profissional, mas que é necessária para que
a prática pedagógica se enriqueça.
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Nessa sessão de fechamento da atividade, um dos professores comentou a respeito
dos efeitos colaterais que essas atividades provocam no que o professor pensa sobre a
aprendizagem de seus alunos, constatando que não é seguindo receitas que se aprende;
que o aluno sabe refletir e construir, e principalmente sobre a necessidade de saber o
que o aluno pensa durante uma atividade matemática. Esse comentário nos fez
identificar os objetivos que tínhamos para as atividades propostas e para as dinâmicas
adotadas nos encontros do projeto de formação. Esses objetivos seriam desenvolver nos
professores participantes algumas competências e habilidades tais como, fazer o
professor questionar-se, procurar sempre outras soluções possíveis para as situações
propostas, não aceitar receitas prontas que não saiba justificar; elaborar e interpretar
textos matemáticos, procurar similaridades e diferenças, além de construir figurar
geométricas. Era necessário também fazer com que o professor soubesse ouvir, falar
matematicamente, relacionar, transferir conhecimentos e adequá-los a novos contextos,
bem como perceber que cada um tem um tempo próprio para aprender e que todos tem o
que ensinar.
Uma professora que iniciou o curso no segundo semestre de 2000 escreve, em seu
relatório, sobre a dinâmica adotada nas atividades.
Os exercícios são bastante criativos e encaminham o aluno na direção da
resolução sem simplesmente exibi-la. Apesar das vantagens oferecidas pela
apostila, a mesma seria inútil sem o acompanhamento do professor, orientando e
inquirindo. (Professora E, relatório 9, 05/10/2000)
No ano seguinte continua apontando essa dinâmica como facilitadora de
mudanças:
Cada um criar um problema e, depois, analisar o que todos fizeram, o que
cada um fez; essa dinâmica de se expor e ver o que você fez de errado, o que o
outro fez... Isso, eu achei interessante, achei que deu uma abertura legal. Você
compara, às vezes, você pensa que está fazendo uma coisa que todo mundo faz, ou
que todo mundo trabalha do mesmo jeito, que ninguém tem problema com
determinada coisa, só você, e aí você vê que todo mundo tem aquilo. É
interessante, essa troca de informações, eu achei legal. (Professora E, entrevista,
30/03/2001)
Além do trabalho coletivo o cuidado com a formação individual também foi
percebido por essa professora quando afirma.
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Achei interessante a metodologia de ensino utilizada. Há um cuidado
constante para que, na medida do possível, o aluno observe as propriedades e
formule suas próprias definições. Observei também que o bom andamento da aula
depende da observação quase constante de cada aluno. Preocupa-me o transporte
desta metodologia em salas grandes, sem auxiliares. Seriam necessárias diversas
modificações.
Também acredito que deva haver uma maior interação entre os grupos, pois,
como as definições são deduzidas pelo aluno, não se pode contar apenas com o
auto-policiamento por parte do mesmo. Suas hipóteses devem ser testadas e
refutadas para um refinamento da definição final. (Professora E, relatório 9,
05/10/2000)
Na realidade, o projeto de formação tenta trabalhar com esses professores a
responsabilidade para com a aprendizagem de todos os alunos, e não só de alguns
privilegiados, baseados na crença de que todos têm o direito à educação. Cada professor
era sempre orientado a fazer as adaptações necessárias em suas salas de aula para que
conseguisse alcançar tal objetivo. Foi necessário salientar que a experimentação e a
institucionalização do conceito estudado são fases distintas da aprendizagem.
Tais discussões estavam apoiadas na Teoria das Situações de Guy Brousseau que
se caracteriza por quatro tipos de interações com o meio: ação, formulação, validação e
institucionalização. Em uma situação de ação é dado para o aluno um problema em cuja
solução aparece o conhecimento que se deseja ensinar, por sua vez, o aluno age e julga
o resultado de sua ação, abandonando ou melhorando seu modelo além de expressar
suas escolhas e decisões pelas ações. Na situação de formulação o aluno troca
informações com uma ou mais pessoas, é o momento em que o aluno ou grupo de
alunos explicita, por escrito ou oralmente, as ferramentas que utilizou e a solução
encontrada. Na etapa de validação o aluno deve mostrar porque o modelo que criou é
válido. As situações de institucionalização são aquelas em que o professor fixa
convencionalmente e explicitamente o saber, tornando-o oficial. O aluno administra sua
relação com o saber nas três primeiras fases e o professor se encarrega da última.
(ALMOULOUD, 1997, pp. 68-71)
Uma mudança no comportamento crítico desses professores foi observada na
discussão de uma das atividades em que o professor apresenta sua resolução aos outros
colegas que fizeram diversas críticas e comentários. O que nos chamou a atenção foi o
fato de esse professor tentar justificar, explicar e defender sua descrição, visto que desde
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o começo da formação sempre apresentou dificuldades com os conteúdos matemáticos,
com o uso do computador e muita insegurança na resolução dos exercícios. No
momento da discussão, aceitou as correções após explicações e justificativas do que
estava errado ou impreciso. Percebemos, então, que não se desenvolveu no grupo um
clima de ofensa, mas de liberdade de opiniões que proporcionou uma aprendizagem
coletiva. Em situações desse tipo, notamos que muitos atributos precisam ser
desenvolvidos para que a aprendizagem ocorra em grupo: reconhecer os momentos de
falar e de ouvir, tolerância para com a crítica de nossa produção, humildade para
reconhecer que errou, paciência para com os outros e vontade de ajudar o colega no
sentido de não rebaixá-lo e, sim, incentivá-lo a melhorar.
Além disso, esperávamos que os professores desenvolvessem atitudes de
questionar, desconfiar, construir e justificar. E tais mudanças puderam ser observadas
em uma outra situação que solicitava que os professores verificassem a possibilidade de
construção de triângulos com varetas de medidas variadas4. Tal situação verificou a
mudança de postura de uma professora. No início, ela desenhava as figuras solicitadas
no Cabri Géomètre II sem se preocupar com suas propriedades e ficava desolada
quando as movimentava, pois as figuras se deformavam. Na atividade em questão, foi
solicitado que verificassem a possibilidade de construir um triângulo com varetas de
medidas 5 cm, 4 cm e 9 cm. Como as varetas não apresentavam exatamente essas
medidas, essa professora e uma outra concluíram que era possível construir um
triângulo com tais varetas, mas ficaram com dúvida após uma intervenção da formadora
sobre as varetas não estarem bem encaixadas. Essa dúvida conduziu a professora a
verificar a construção desse triângulo com régua e compasso. Ela que anteriormente se
satisfazia apenas com a aparência das figuras!
As atividades propostas para construção de triângulos foram orientadas tanto para
serem feitas no papel, quanto com a ajuda do software Cabri II, além disso, algumas
demonstrações também foram pedidas. Nestas últimas, alguns professores tiveram
dificuldades com o uso da linguagem matemática e em identificar o que é hipótese e o
que é tese. Para minimizar tais dificuldades diversas atividades foram trabalhadas
tentando uma articulação entre a linguagem matemática, a linguagem figural e a
linguagem natural em situações de demonstração. Tais discussões estavam apoiadas
teoricamente pelos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval.
4
Atividade 9 do fascículo 5 de formação: Triângulos
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Falar de registro de representação semiótica, da conversão e da coordenação de registros
significa colocar em jogo o problema da aprendizagem e disponibilizar ao professor
instrumentos que deverão ajuda-lo a tornar mais acessível a compreensão da matemática.
Segundo Duval (1995) a Geometria envolve três formas de processo cognitivo que preenchem
específicas funções epistemológicas: visualização, construção e raciocínio que são entrelaçadas
em sua sinergia e cognitivamente necessárias para a proficiência em Geometria. Por outro lado,
a heurística dos problemas de geometria refere-se a um registro espacial que dá lugar a formas
de interpretações autônomas. Para essas interpretações, Duval (1995) distingue quatro formas de
apreensões: seqüencial, perceptiva, discursiva e operatória. A resolução de problemas de
Geometria e a entrada na forma de raciocínio que essa resolução exige dependem da tomada de
consciência da distinção das formas de apreensão da figura. (ALMOULOUD, 2003, p. 125)
Quando os exercícios de demonstração foram intensificados, um professor
comenta sobre o fato de não se ter muito espaço no ensino fundamental para trabalhar
com a geometria, quanto mais para fazer demonstrações, sendo de opinião que tal
assunto deveria ser abordado somente no ensino médio. Entretanto, uma outra
professora rebate a opinião do colega afirmando que não é necessário fazer tudo, mas
que alguns passos podem ser dados com o intuito de introduzir a idéia de demonstração.
A discussão prossegue com alguns a favor e outros contra as duas opiniões.
Uma atividade interessante foi proposta aos professores com o intuito de fornecer
subsídios para as discussões a respeito das demonstrações no ensino fundamental. Foi
solicitado que, em grupo, entendessem, discutissem e apresentassem uma demonstração
do Teorema de Pitágoras. Sugerimos três formas diferentes para demonstrá-lo (ver
anexo) – a demonstração chinesa, por semelhança e de Garfield e os três grupos tiveram
uma semana para preparar sua apresentação. O mais relevante nessa atividade foi
perceberem a possibilidade de realizar a mesma demonstração em níveis diversos de
entendimento. A de Garfield não era simples para um aluno do ensino fundamental, por
não mostrar em que lugar se queria chegar de início e foi classificada como uma
demonstração própria para um especialista, sem preocupação com o ensino. A
demonstração por semelhança já se apresentou um pouco mais compreensível para um
aluno do ensino fundamental, pois primeiramente o professor esboçou um esqueleto da
demonstração e justificou que poderia ser aprofundada de acordo com os conhecimentos
do aluno. Além disso, explicitou o que era hipótese e o que era a tese, procurando dar
bastante importância a isso em sua apresentação. A chinesa foi a que se mostrou mais
simples para os professores, principalmente, por envolver a manipulação de material
concreto.
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Essa atividade levou os professores a refletirem sobre a possibilidade de introduzir
situações de demonstrações no ensino fundamental gerando uma discussão muito rica a
respeito do ensino ou não de tal assunto. Um dos professores fala um pouco sobre a arte
de “demonstrar e convencer”.
A arte do convencimento aliada aos significados dos termos de uma
demonstração quando concretizados indicam transferências de universos repletos
de inter-relações que não são apenas específicos. Dados, elementos pertinentes,
conclusões, linguagem, suposições, contradições, veracidades, representações,
desafiam-se e completam-se. (Professor A, relatório 10, 23/11/2000).
Esse professor relacionou a ação de demonstrar com a de convencer, e apresentou
diversos elementos – dados, conclusões, linguagem – que podem ser utilizados em
outros contextos que não só o escolar. Além disso, fala em seu relatório da questão da
interpretação que podemos dar para um determinado texto, apontando que necessitamos
de muitos olhares para podermos tirar as nossas conclusões.
CONCLUSÃO
Pequenas mudanças foram percebidas, porém os comentários de alguns
professores apresentam uma variável que interfere para que as grandes mudanças
possam acontecer: a confiança. Confiar nos formadores, nas estratégias empregadas, nas
outras pessoas do grupo e na própria capacidade de poder mudar.
MANRIQUE (2003) aponta uma outra variável que interfere no processo de
ensino e aprendizagem:
“... as relações tecidas nas situações de aprendizagens. As relações com o
saber não são somente com o conteúdo a ser estudado, envolvem relações do
professor com os outros elementos presentes na ação educativa: com os
formadores, por validarem o saber explicitado; com os outros docentes, por coconstruírem o saber e o partilharem entre si; com ele próprio, por necessitar
enfrentar diversos dilemas para que o saber possa ser adquirido; e com a atividade
proposta, por propiciar exploração do conteúdo em suas diversas representações,
gerando uma aprendizagem significativa”. (p.125)
Essas variáveis permitiram aos professores alterarem os relacionamentos entre
eles e, principalmente, com a Geometria.
Palavras chaves: formação de professores, geometria, mudanças.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMOULOUD, Saddo Ag. Fundamentos da didática da Matemática e metodologia de
Pesquisa. CEMA – Caderno de Educação Matemática, Programa de Estudos PósGraduados no Ensino da Matemática. Vol. 3, 264 p. 1997.
ALMOULOUD, Saddo Ag. Registros de Representação Semiótica e Compreensão de
Conceitos Geométricos. In: MACHADO, Sílvia Dias Alcântara. (Org.). Aprendizagem
em Matemática – Registros de Representação Semiótica.São Paulo: Papirus, 2003, pp.
125-147.
GOUVÊA, F. A. T. Aprendendo e Ensinando Geometria com a demonstração: uma
contribuição para a prática pedagógica do professor de matemática do Ensino
Fundamental. 1998. Dissertação (Mestrado em Ensino da Matemática). PUC/SP, São
Paulo.
LORENZATO, Sérgio. Por que não ensinar Geometria? In: A Educação Matemática em
Revista, São Paulo, n. 4, p. 3-13, 1995. SBEM.
MANRIQUE, Ana Lúcia. Processo de Formação de Professores em Geometria:
Mudanças em Concepções e Práticas. 2003. 168 f. Tese (Doutorado em Educação:
Psicologia da Educação). PUC-SP, São Paulo.
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Atividade 10: Fazendo outras demonstrações do teorema de Pitágoras
Foram escolhidas três demonstrações diferentes do teorema de Pitágoras (ver item
7.):
•
por semelhança: número 1 do livro “The Pythagorean Proposition”, de
Elisha Scott Loomis
• chinesa: número 253 do livro citado
• do General Garfield: número 231 do livro citado.
Cada grupo está encarregado de entender, discutir e apresentar uma das
demonstrações.
Leia abaixo algumas considerações a respeito de cada uma.
1. Demonstração por semelhança
A demonstração leva em conta que, se
considerarmos a altura relativa à hipotenusa de um
triângulo ABC, retângulo em A, teremos três
triângulos semelhantes.
Estabeleça todas as proporções possíveis
decorrentes das semelhanças e prove o teorema.
Além disso, extraia todas as demais relações
métricas no triângulo retângulo.
2. Demonstração Chinesa
Prove o teorema de Pitágoras,
relacionando as medidas das áreas das
figuras.
3. Demonstração de Garfield
Essa demonstração surgiu em 1876.
Na figura ao lado o triângulo AHB é retângulo
em H e HB foi prolongado até D, de forma que BD =
AH. Por D foi traçado o segmento DC paralelo a AH
e de medida igual a BH.
Relacionar a área do trapézio CDHA com as dos
triângulos AHB, BCD e ABC.
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possíveis mudanças de postura em professores do ensino