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A (RE) INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS NO SISTEMA EDUCACIONAL
GT4 - Práticas Investigativas.
Émile Dantas de Carvalho Cartaxo*
Milka Correia Leite**
RESUMO
O presente artigo pretende tecer uma reflexão teórica a cerca da (re) integração das pessoas no sistema
educacional. Para tanto, fora utilizado autores como Paulo Freire, Emília Ferreiro, Fábio Konder,
Imanuell Kant, entre outros, na fundamentação desta produção. Partiu-se das primeiras noções
conceituais do Ser Humano como sujeito de direitos universais, possuidor de dignidade e autonomia,
até a re inserção deste e o resgate de valores fundamentais trazidos na educação, em especial no
processo de alfabetização de jovens e adultos. Nesta prática investigativa terá a Filosofia, o Direito e a
Pedagogia os contornos principais da interface com o tema, buscando a compreensão da problemática
sob novos olhares, tendo na interdisciplinaridade terra fértil para grandes plantações, que esperam ser
colhidas e frutificadas no seio da sociedade, através do transformar e viver.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, alfabetização, direitos humanos.
ABSTRACT
This article attempts a theoretical reflection about the (re) integration of people in the educational
system. For so long been used authors as Paulo Freire, Emilia Ferreiro, Fabio Konder, Imanuell Kant,
among others, in the grounds of production. It started from the first conceptual notions of the human
being as a subject of universal rights, possessed of dignity and autonomy, until re insertion of rescue
and brought fundamental values in education, especially in the process of youth and adult literacy. In
this research practice will have the Philosophy, Law and Pedagogy the main contours of the interface
with the subject, seeking to understand the problem from new perspectives, and in interdisciplinary
fertile land for large plantations, waiting to be harvested and brought forth within the society through
the turn and live.
KEY WORDS: education, literacy, human rights.
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Émile Dantas de Carvalho Cartaxo é graduanda (2010/1) do Curso de Direito pela Universidade Tiradentes. O
presente artigo foi originado a partir da disciplina de Práticas Investigativas 2011/1, sob orientação da professora
Msc. Maria Balbina de Carvalho Menezes. Email: [email protected]
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Milka Correia Leite é graduanda (2010/1) do Curso de Direito pela Universidade Tiradentes. O presente artigo
foi originado a partir da disciplina de Práticas Investigativas 2011/1, sob orientação da professora Msc. Maria
Balbina de Carvalho Menezes. Email: [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
O anseio por descobertas de conhecimentos até então desconhecidos – ou
superficialmente conhecidos- descortinam a sede de mudança inerente à prática investigativa
nesta produção. A busca pela (re) significação dos caminhos anteriormente traçados pelo
assunto gestou o presente trabalho, pois se acredita no envolvimento das diversas áreas do
conhecimento
para
o
aperfeiçoamento
e
valoração
da
pesquisa
científica:
“a
interdisciplinaridade edifica um arranjo teórico questionador, complementar e complexo que
faz do pesquisador um elo fundamental entre a teoria, a crítica e a análise da pesquisa”. Não
se fala aqui do “surgimento de uma nova teoria, mas a compreensão do que o outro faz, bem
como a descoberta de novas estratégias tanto na própria ciência como na do outro (...) [visto
que] a interdisciplina-ridade não objetiva unificar as diversas ciências e sim levar à
compreensão dessas de uma forma crítica e criativa” 1.
Partindo, então, da realidade de que na Constituição Federal brasileira se têm partes
especificas tratando sobre a educação, não só a título de definição, mas também contemplando
aspectos diversos – como, por exemplo, os princípios basilares do ensino, as garantias efetivas
que o Estado deve oferecer para promover a Educação, a distribuição dos recursos públicos na
área, a previsão do artigo que estabelece a formação do Plano Nacional de Educação (PNE), a
erradicação do analfabetismo – é que se busca o estudo da alfabetização, vendo nele a base
para a ideal Educação.
Trata-se da reintegração do indivíduo que foi privado desse acesso na idade própria²,
período trazido por Ferreiro (1991) como duas faces da alfabetização: “uma, relativa aos
adultos [a que versará o presente estudo], e a outra, relativa às crianças. Se em relação aos
adultos trata-se de sanar uma carência, no caso das crianças trata-se de prevenir, de realizar o
necessário para que essas crianças não se convertam em futuros analfabetos.”.
A partir dessa limitação temporal questiona-se: Como (re) inserir? Como (re) agregar
– ou em casos mais graves, como agregar- essas pessoas no sistema educacional, sem lhes
impor mudanças impossíveis dentro de suas realidades. Entenda-se por “mudanças
impossíveis” os obstáculos apresentados ao educando cujos respectivos meios para saná-los
são externos às suas realidades. Essa impossibilidade reflete os caminhos que se buscam para
findá-las e os seus respectivos insucessos atribuída ao descompasso destas com o tempo do
1
Extraído da Revista Trimestral do Programa de Pós- Graduação em Psicologia- PUC- Campinas Volume 23
Número 3, 2006.
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educando. Logo, como fazer desse obstáculo – o analfabetismo- um sentido de desafio para
alcançar resultados? Para transcender dificuldade e limitações?
Far-se-á abordagens de aspectos múltiplos – dentre eles perspectivas pedagógicas e
sociais do problemática, mas também uma ótica filosófica, histórica, cultural e jurídica- que
possam fornecer ao leitor uma visão interdisciplinar do problema para que o mesmo tenha a
oportunidade de pensar o analfabetismo mais amplamente.
Pretende-se, trazer as abrangências que delineiam esses aspectos mencionados de
acordo com uma análise sem meras rotulações reducionistas. Primeiramente, será apresentado
o aspecto filosófico que subsidiará as questões que envolvem o homem e sua dignidade.
Nesse envolvimento, serão apresentados os conceitos de direitos humanos e a história do
surgimento dos direitos humanos de segunda geração- os sociais, dentre eles o direito à
educação, embasados principalmente pela Constituição Federal/88, e secundariamente no
Plano Nacional de Educação- Lei Nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001- e na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional- Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Relacionado a esses aspectos, se argüirá sobre a história da alfabetização no Brasil, os
problemas do sistema educacional, as rupturas com os paradigmas do passado e os reflexos
dessas mudanças vividas pela sociedade, trazendo, pois, aí os aspectos em si pedagógicos da
alfabetização e seu contexto social e cultural.
Em consonância com o referencial teórico e com a estrutura do texto, fora pensado a
metodologia. Aplicar-se-á o método indutivo. Utilizar-se-á, também, dos métodos de
procedimento histórico, o método comparativo – ao confrontar as duas realidades históricas
do analfabetismo: o ontem e o hoje –, o método estruturalista, e por fim o método estatístico.
2 O HOMEM NA PERSPECTIVA FILOSÓFICA DE KANT: AS PRIMEIRAS
NOÇÕES TEÓRICAS DO CONCEITO DE PESSOA COMO SUJEITO DE DIREITOS
UNIVERSAIS
Muito se confabulou sobre a relação do indivíduo com os seus congêneres e destes
com a sociedade. Esse cenário, durante séculos, fora sufocado pelo momento histórico vivido
e pela incessante fome do poder da época em manter os sujeitos dessas relações alienados nas
suas verdades: a Igreja ofertava a máxima do Homem e o Reino de Deus tão somente para
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suprimir a antinomia Homem-sociedade e manter o sistema feudal enraizado no seio da
humanidade.
Lutas foram travadas para tornar tais conflitos objetos de reflexão e a partir daí
converter-se em um problema social fundamental, que refletiriam a inquietação do Homem e
a busca pela sua identidade.
É neste panorama de transformação que surgem, singularmente, as primeiras
elaborações do conceito de pessoa como sujeito de direitos universais anteriores e superiores a
toda ordenação estatal, estudadas pelo Filósofo Alemão Imanuell Kant, do qual não se poderia
deixar de abordar, pois é dado a ele precursor destas idéias e relevância ímpar no meio
científico, tanto para a moral quanto para o Direito.
Kant, em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes, pretende investigar o
princípio supremo da moralidade, o qual versa tão somente na razão, longe de qualquer
elemento empírico, visto que, conforme sua própria divisão assenta seu fundamento na
filosofia pura, e não na empírica.
O filósofo constitui dois imperativos, expressados através de um dever ser, para
chegar às suas idéias de dignidade humana (leia-se dignidade dessacralizada) e autonomia da
vontade. Entretanto, para subsidiar a compreensão do universo de conhecimento Kantiano, é
de suma importância se traçar conceitos como o de boa vontade e o de dever.
Boa vontade é o ponto de partida do princípio da moralidade, logo, é esta absoluta e
não comporta restrições. Sobre o dever, é nele que a boa vontade se opera, fazendo com que
as ações humanas se revistam de valor moral apenas quando praticadas por ele e não em sua
conformidade. Conclui-se, pois, a esse respeito que o dever é a “necessidade de uma ação por
respeito à lei”, lei esta que constitui o fundamento determinante da vontade.
Todavia, que lei é essa a qual representará a vontade boa em absoluto, sem qualquer
restrição? Discorre Kant ser “a universal legalidade das ações em geral” ao afirmar: Eu não
devo obrar [agir] mais que de modo que possa querer que minha máxima deva converter-se
em lei universal.
Isto posto, e nesse sentir, Kant traz os imperativos e classifica-os em dois: hipotéticos
e categóricos. Os imperativos hipotéticos vêem a ação como meio para obtenção de
propósitos, logo, ela – a ação - estará condicionada a um fim- Já para os imperativos
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categóricos, a ação se mostra como determinada em si mesma- necessária e incondicionada, o
que a faz própria da moralidade, centro da elaboração teórica do conceito de pessoa. Tal
imperativo é dito segundo Kant como único e está expresso da seguinte maneira: “obra só
segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal”. É
deste imperativo que derivam todos os outros do dever, “pois só a lei leva consigo o conceito
de uma necessidade incondicionada e objetiva, e, portanto, universalmente válida.”
Mas, aonde se quer chegar? Diante desta breve noção kantiana a cerca de algumas
idéias, Kant vem trazer o ser humano, o ser racional, como aquele que existe com um fim em
si mesmo, e “não simplesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servir-se ao
seu talante”. Pois, diferentemente das pessoas que possuem dignidade, existam as coisas, que
têm unicamente um valor relativo, como meios.
Para Kant, a dignidade não se faz apenas na diferença das coisas – que possuem um
preço e são meios para obtenção de resultados; ela é resultado também da vontade, vontade
esta autônoma do Ser racional, pois “só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é,
capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
Com isso, não basta apenas ter um fim em si mesmo, ou em outras palavras dignidade;
há também que está associado a essa dignidade, a noção de autonomia da vontade.“Deste
modo, o ser humano não deve condicionar-se a nenhuma outra vontade, salvo a dele próprio
na condição de legislador universal, por ser dotado de dignidade. Assim, o ser humano é
digno por ter autonomia de vontade. „A autonomia é, pois, o fundamento da dignidade da
natureza humana e de toda natureza racional‟.” (LEITE, 2011)
Kant foi precursor da concepção da dignidade autônoma, rompendo com as raízes medievais,
e as suas idéias da não instrumentalização do Homem e de sua existência num fim em si
mesmo são marcos que não se apagaram na história do homem, de sua identidade e direitos.
3 ENTENDENDO OS DIREITOS HUMANOS E A SUA DIMENSÃO SOCIAL
Para alcançar os direitos humanos e a sua dimensão social faz-se necessário a análise e
compreensão do seu significado. Tendo em vista que cada sociedade, ou melhor, cada Estado
vive em momentos ou situações diferentes em seu contexto social, político e cultural, definir
direitos humanos torna-se, pois, uma tarefa de natureza um tanto quanto complexa.
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Em sua etimologia, a palavra direito significa aquilo que é reto, justo. Logo, ao pé da
letra, e não menos certo que as conceituações que aqui abordaremos, direitos humanos são os
direitos correspondentes à dignidade dos seres humanos; aqueles “que possuímos pelo
simples fato de que somos humanos”.
Dentre as diversas conceituações, ressalta Ângelo (1998) que os direitos humanos
nada mais é que a proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana
contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado ou regras para se estabelecer
condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Já para Canotilho (2002) a expressão direitos humanos só pode ser bem compreendida
se segmentada em dois grupos menores que comporiam os direitos do homem e os direitos do
cidadão. Ou seja, tais direitos, respectivamente, pertencentes ao homem como tal e ao homem
como ser social.
Há de se pontuar, pois, o caráter de semelhança e pertencimento entre os direitos
humanos e os direitos fundamentais, visto que quando estes não são confundidos, são muitas
vezes igualados no Direito. Para tal tarefa, de maneira esclarecedora, Galuppo (2003) sintetiza
que os direitos fundamentais são produtos de um processo de constitucionalização dos direitos
humanos, entendido estes últimos como elementos de discursos morais justificados ao longo
da História. Não pertencem aos direitos fundamentais o peso e significado moral-histórico que
assim está carregado a história dos direitos humanos; sendo aqueles “elementos em constante
processo de (re) construção” posto que sua justificação e normatividade decorrem da
Constituição positiva e mutável.
Os direitos humanos fazem parte, ou melhor, são os frutos dos sacrifícios de muitos e
de seus ideais revolucionários travados em determinado período da história em busca de
mudanças profundas, que antes de se tornarem um texto jurídico previsto na Constituição,
anunciaram-se “sob a forma de movimentos sociais, tensões históricas, de tendência
insensível das mentalidades evoluindo para outra maneira de sentir e pensar”. (MBAYA,
1997).
Ao falar em Direitos Humanos, sabe-se também, que a garantia destes nem sempre
existiram ou nem sempre foram protegidas pelo ordenamento jurídico.Ao longo de toda a
história da humanidade, houve uma busca por direitos. Rozicki (2000), trazendo esta idéia,
afirma que “a expressão direitos fundamentais do homem designa um conjunto de
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prerrogativas fundamentalmente importantes e iguais para todos os seres humanos, cujo
principal escopo é assegurar uma convivência social digna e livre de privações.”
Conforme o exposto, os direitos humanos se mostram fortemente em sua concepção
histórico-cultural. Unido a essas idéias e pertencendo a eles estão as gerações ou também
chamadas dimensões dos direitos humanos. Estas se referem ao seu surgimento no decorrer da
história.
Os primeiros direitos, denominados de direitos de primeira geração/dimensão,
surgiram no século XVIII: os direitos civis e políticos. Visando afastar os privilégios de
ordem Estatal e as posturas arbitrárias e desarrazoadas do Estado, eclodem as liberdades
individuais, garantindo aos sujeitos desses direitos – o indivíduo – essencialmente a vida e a
dignidade da pessoa humana.
Por conseguinte os da segunda geração são os chamados direitos sociais, econômicos e
culturais; o século XIX e XX foram o seu palco inicial, e o Estado que estava limitado,
reflexo da primeira dimensão, agora se via participando diretamente na ascensão do cidadão,
versando sobre o aspecto coletivo, de maneira a suprir as necessidade dos sujeitos desses
direitos e intervindo até mesmo para garantir tais liberdades individuais conquistadas
anteriormente. Fora neste período histórico que a Democracia Social se fundava nos novos
direitos e a justiça social traria esperança como em momentos importantes.
Os direitos difusos, assim chamados os da terceira dimensão, possuem uma
particularidade: “o resgate do teor humanístico oriundo da tomada de consciência de um
mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas [como] elemento importante
para o pensar de uma nova geração de direitos fundamentais” (FERNANDES, 2011). São eles
o direito a paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente protegido.
Tendo afirmado sua existência depois da Segunda Guerra Mundial, esses direitos
integram uma relação com seus sujeitos: o ser humano, que conforme visto anteriormente
possuem dignidade e autonomia.
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RETROSPECTIVA
HISTÓRICA
DA
EDUCACÃO
REVOLUÇÃO CONCEITUAL DO ALFABETIZAR
BRASILEIRA
E
A
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No final do período Imperial e no começo da República era delimitada uma política
educacional criada pelo Estado, como conseqüência do crescimento e fortalecimento deste;
anterior a esse contexto, a educação era de responsabilidade da Igreja Católica e da própria
sociedade civil.
Até os anos 20 a Educação era tratada como instrumento de mobilidade social, onde a
parcela da sociedade que detinha em suas mãos o poderio econômico e político se utilizava da
educação para a separação das camadas da população, quanto ao nível de renda e
escolaridade.
Em 19302 criou-se o Ministério da Educação e da Saúde, fundando-se a universidade,
estruturada pela junção de varias instituições independente de ensino superior. Instituiu-se
então o sistema nacional de ensino. Pouco tempo depois fora promulgada a Constituição de
1934, se fazendo necessária a criação de um Plano Nacional de Educação que mantivesse o
controle sob todas as atividades de ensino. A partir de então estaria deliberado verbas em
cotas fixas para a Federação, os Estados e Municípios.
A composição de uma política educacional de jovens e adultos somente deu-se
efetivamente a partir dos anos 40, embora já existisse, ao menos, esta preocupação
mencionada no texto constitucional. Este passo tomado, foram criadas nessa época, ações
concretas com a finalidade de oferecer educação à camada da população privada da vivência
escolar.
Cabe citar, a título de conhecimento, algumas campanhas que ganharam grande destaque,
em virtude da sua mobilização nacional. Foram elas: 1942 – A criação do Fundo Nacional de
Ensino Primário; 1947 – Campanha de Educação de Adultos; 1958 – Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo.
A campanha de 1947 trouxe espaço para grandes reflexões a respeito da alfabetização e do
caráter crítico que ela poderia alcançar. Entretanto, só no inicio dos anos 60, quando o
trabalho de Paulo Freire tornou-se conhecido, é que se produziu uma proposta metodológica
do ensino de jovens e adultos a qual declaravam a necessidade de desempenhar uma educação
crítica de adultos, voltada á modificação da sociedade e não apenas a adaptação da população
a processos de modernização.
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Os dados retirados dessa categoria de análise foram extraídos do site do MEC. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=171> Acesso: mar 2011.
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Diante da problematização do analfabetismo que se instaurara e toda sua repercussão, o
Ministério da Educação, em 1964, organiza o Programa Nacional de Alfabetização de
Adultos, baseado nas orientações do Educador Freire. Esses e outros projetos governamentais
acabaram desaparecendo, em virtude da grande repressão dos governos do ciclo militar. Mas
esta circunstância não impediu que ações educativas inspiradas nos ideais Freireano
sobrevivessem, acolhidas por organizações, associações de moradores, igrejas e espaços
comunitários.
A partir de 1969 o governo federal organizou o Movimento Brasileiro de Alfabetização –
MOBRAL que fora criado no dia 15 de dezembro de 1967 em pleno regime militar, visando à
alfabetização de jovens e adultos. Este programa tinha a tarefa de ensinar as técnicas
necessária para a leitura, escrita e cálculos.
Os custos financeiros do MOBRAL eram altíssimos, daí justificava-se o auxílio de
recursos oriundos da União, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2% do
Imposto de Renda e ainda percentual da Loteria Esportiva. Porém, em virtude da crise
econômica que estava por vir, em 1980, o MOBRAL tornou-se inviável, pois não se poderia
mais manter seus altos gastos, o que causou, cinco anos mais tarde, a sua extinção.
Entretanto o acesso mais amplo à Educação Básica para os jovens e adultos só seria
estendido expressamente na Constituição de 1988 no artigo 208, I – “Educação básica
obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive em sua oferta
gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria.” (Grifa-se)
Percorrido esse caminho, inevitável foram as mudanças que assim vieram junto a ele.
Toda essa evolução histórica antecedia uma grande renovação de pensamentos. O
amadurecimento da idéia da educação, em especial da alfabetização de jovens e adultos,
tornava-se real e as conseqüências – e influências – eram cada vez mais visíveis no País.
Trazer parte dessa revolução conceitual, baseada nos grandes pedagogos que fazem
parte desta história de conquista, e seus reflexos no contexto dos que são agentes ativos nela é
importante para sedimentar os conhecimento e solidificar os próprios conceitos e sua
evolução, visando não só a construção teórica da pesquisa, mas também sua intervenção na
realidade.
Segundo o Dicionário Aurélio, alfabetização é aprender a ler e escrever. Partindo
dessa simples conceituação pode-se chegar a caminhos muito mais profundos, sem olvidar do
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momento histórico inerente à completude de qualquer definição. Ressalvando estas idéias, há
de se guardar que o conceito de alfabetização “(...) corresponde aos diferentes modos
encontrados ao longo do tempo para encarar o analfabetismo e se relaciona com as
concepções filosóficas sobre o homem, a sociedade e a educação” (PERROTA, 1985).
É necessário, também, a construção de conceitos mais aprofundados da alfabetização,
com o intuito principal de fornecer ao leitor um subsídio propiciador da formação de um
autentico entendimento a cerca desta.
Segundo (SOARES, 2003) Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio
de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da
tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Logo, o acesso
à esse domínio aparentemente objetivo, proporciona ao homem subjetividade sem igual: a sua
própria conscientização como criador de cultura.
Indo mais além na conceituação, Paulo Freire inova ao afirmar: “Ler a palavra é ler o
mundo”; vendo Freire, o processo de alfabetização como uma prática libertadora, que
condiciona o ser humano à uma atuação ativa do seu sujeito– “através do contato com o
mundo escrito o sujeito apreende mais sua cultura e nela se insere com poder maior de
educação”.
Na concepção de Emília Ferreiro, “O alfabetizando é sujeito participante do processo
ensino/aprendizagem e não mais um indivíduo que recebe passivamente os estímulos
externos.”
É inevitável, pois, tendo em vista alguns conceitos abarcados, a mudança de postura
que o homem assume após o processo de alfabetização. O leque de conhecimentos que se
revelam e as possibilidades de superação e transformação sócio-cultural.
5 RAZÕES DO FRACASSO ESCOLAR
Falar em causas do analfabetismo – ratificando que o objeto desta produção são as
pessoas que não desfrutaram do ensino na idade própria – remete à análise do problema a dois
contextos diferenciados: o indivíduo e a sociedade.
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Reconhecer a importância e prioridade da existência de um sistema educacional justo,
igualitário e eficaz, torna ainda maior a consciência do reconhecimento de que o direito
humano à educação não é respeitado em sua totalidade. Nesse aspecto, Emilia Ferreiro vem
tratar dos chamados “males endêmicos” do sistema educacional, ou seja, fatores que causam,
na maioria da população da América Latina, o analfabetismo e a subinstrução. São eles o
absenteísmo, repetência deserção
O absenteísmo escolar é a ausência/afastamento do ambiente escolar por longos
períodos, quer sejam, mais freqüente na zona rural, por motivos climáticos ou de distância;
como também por necessidade de sustento familiar. Já a repetência reflete o fracasso na
aprendizagem, questionado da por Ferreiro (1991) “É está a solução? Reiterar uma
experiência de fracasso em condições idênticas não é, por acaso, obrigar [o educando] a
„repetir seu fracasso‟? Quantas vezes um sujeito pode repetir seus erros?”. Por fim, a
deserção. Este fator tem uma carga de significância pessoal, visto pela maioria como uma
responsabilidade voluntária do sujeito. Todavia, Emília Ferreiro questiona essa visão ao trazer
o abandono como resultado de uma escassez de estratégias para conservar interessado e re
inserido o sujeito no sistema educacional.
Diante do exposto, é perceptível que tais problemas de caráter pessoal/individual do
educando estão intimamente relacionados com os aspectos sociais, quase que inerentes uns
dos outros. Em outras palavras, trata-se mais de um problema de dimensões sócias do que da
conseqüência de vontades individuais. É por essa razão que acreditamos que, em lugar de
“males endêmicos”, deveria se falar em seleção social do sistema educativo; Em lugar de se
chamar “deserção” ao abandono da escola, teríamos de chamá-lo de expulsão encoberta. E
não se trata de uma mudança de terminologia, mas de um outro referencial interpretativo,
porque a desigualdade social e econômica se manifesta, também, na distribuição social de
oportunidade educacionais. (FERREIRO, 1991).
O indivíduo sem escolaridade compartilha de uma limitação pessoal e social, que o
prejudica para exercer a prática da liberdade e cidadania; logo, quanto mais pessoas sem
instrução educacional maior é o subdesenvolvimento do País.
As pessoas, sujeitos que compõe e integram a sociedade, necessitam ser ativos dentro
dela; desta forma, reconhecer seus direitos é um grande passo a caminho da consciência
crítica e cidadania.
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6 A REINTEGRAÇÃO E OS NOVOS SUJEITOS DA HISTÓRIA: O ENSINAR NA
VISÃO FREIREANA
É evidente que quando falamos em educação, sabemos da sua importância para o
desenvolvimento da sociedade. Mas, como (re) inserir pessoas que por motivos diversos
ficaram a margem do sistema educacional?
A educação de jovens e adultos é um eficiente instrumento para o desenvolvimento
social, é a porta para grandes avanços na sociedade, pois busca diminuir os fatores que
causam a evasão escolar, assegurando o retorno dos alunos que se encontram a margem do
ensino regular, oferecendo novas oportunidades para estes.
“A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave
para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma
plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do
desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça da igualdade entre os sexos,
do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um requisito fundamental para a
construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na
justiça.” (Declaração de Hamburgo sobre educação de adultos, 1997).
Conquistar esse direito não está delimitado apenas ao seu acesso (por vezes
momentâneo), se faz necessário condições para se obter a permanência. Segundo o Art. 205
da CF, a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Desta forma, o governo poderá agir, oferecendo ensino de qualidade, incentivando as
pessoas a prática da leitura, ao pensamento critico, relacionando o conteúdo aos
acontecimentos do dia a dia, tornando o acesso fácil a este ensino, criando políticas publicas
de educação e trabalhando na formulação e efetividade de projetos voltados para a inclusão,
levando em consideração as diversidades regionais, o patrimônio cultural. É valido ressaltar
também a importância da capacitação dos docentes, digna remuneração, e cursos de
capacitação contínua.
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Como resultado do equilíbrio e funcionamento desse sistema educacional há a (re)
inserção das pessoas neste, que se tornam sujeitos de uma nova história – a suas próprias
histórias –, fortalecem a capacidade de lidar com as transformações que o ocorrem na
sociedade em que vive e no mundo.
Ao falar em reintegração é necessário relevar todo contexto histórico, cultural e social
do individuo. Re integrar segundo o dicionário Aurélio significa restabelecer alguém na posse
de um bem, ser novamente investido. Ou seja, o indivíduo re inserido no sistema educacional
toma posse de um bem que já é seu por direito, que é o acesso a educação.
A prática pedagógica é uma via de mão dupla, onde o professor ensina e aprende, e o
aluno da mesma forma que absorve o conhecimento transmite conhecimento; destarte, é
propiciando ao aluno a socialização do conteúdo, as suas experiências vividas, dando valor a
todo conhecimento obtido por ele antes da chegada à escola, que teremos menos dificuldades
na reintegração deste.
Como via de mão dupla, a educação, ou melhor, o ensinar, não pode ser visto como
uma transferência de conhecimentos, de teorias que precisam ser memorizados. Neste
sentindo Paulo Freire ensina que a prática pedagógica proporciona possibilidades para a
produção e construção. Transferir não educa, domestica o aluno.
Segundo Freire (2000) ensinar exige ética, respeito aos saberes dos educandos,
aceitação do novo e rejeição de qualquer forma de descriminação. Nós, seres humanos
precisamos estar conscientes de que somos seres inacabados e por isso estamos aptos a
aprender, podendo sempre ir mais além.
“Inacabado sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que
posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser
determinado.” (FREIRE, 2001).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, foi possível apreciar alguns aspectos a respeito da dignidade da
pessoa humana, da afirmação da educação através dos direitos humanos, da história da
educação de jovens e adultos no Brasil, conceitos de alfabetização, pensamentos e idéias de
grandes pedagogos, e a trajetória do EJA até os dias atuais.
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Este artigo também cientificou a respeito da importância da EJA e de suas
contribuições para a erradicação da evasão escolar. Com o passar dos anos, e com o
crescimento demográfico, a globalização e o grande aumento da exigência do mercado de
trabalho levou às pessoas a buscar pelo conhecimento e o retorno ao sistema educacional,
visando uma melhor qualidade de vida e uma ascensão profissional. Conseqüência disto, fora
a diminuição do déficit de ensino, aprimorando a aprendizagem destes cidadãos.
Vale ressaltar que todos podem e devem contribuir para o crescimento da EJA, os
governantes devem implantar políticas especializadas para estas pessoas, as escolas e o corpo
docente devem aplicar métodos próprios e específicos para seus alunos, valorando o
conhecimento advindo da vivência de cada um, proporcionando, assim, que o discente adquira
seu próprio pensamento critico; tornando o acesso tardio ao sistema educacional não mais
uma impossibilidade, mas uma oportunidade para novos conhecimentos.
REFERÊNCIAS
BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL. História da
Educação no Brasil. Período do Regime Militar. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993.
Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb10a.htm>. Acesso em: 23 de
mar. 2011.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6.ed. São
Paulo: Saraiva, 2008.
DI PIERRO, Maria Clara; JOIA, Orlando; RIBEIRO, Vera Masagão. Visões da educação de
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A (RE) INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS NO SISTEMA