A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO MESTRADO INTERDISCIPLINAR
EM DESENVOLVIMENTO HUMANO SOBRE O QUE É
INTERDISCIPLINARIDADE
Mariana Aranha Moreira José1 - UNITAU
Grupo de Trabalho – Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as percepções que um grupo de vinte e três
mestrandos ingressantes em um Mestrado Interdisciplinar em Desenvolvimento Humano no
ano de 2015 possuem sobre o conceito de Interdisciplinaridade. Para isso, procurou-se
apresentar as características que orientam a constituição do Mestrado em questão e do
referencial teórico que o sustenta: a Interdisciplinaridade e o Desenvolvimento Humano.
Procurou-se discorrer sobre os fundamentos que norteia o conceito de Interdisciplinaridade e
sua relação com o Desenvolvimento Humano, sobretudo nas relações que os sujeitos
estabelecem com o meio no qual vivem e sobre o qual exercem influência na mesma medida
em que são por ele influenciados. Foram analisados trechos dos textos destes mestrandos,
produzidos durante a disciplina “Epistemologia e Metodologia da Pesquisa Interdisciplinar”, a
fim de compreender qual a relação que os mestrandos percebiam acerca do conceito de
Interdisciplinaridade e Ciência. As falas dos mestrandos apontaram para uma consideração
teórica que aponta para a importância da atitude interdisciplinar enquanto enunciadora de
práticas e propulsora de pesquisas. Além disso, colocaram em evidência que a
Interdisciplinaridade é um conceito ainda em construção, que apresenta características
culturais que merecem ser consideradas e que convergem para uma interligação complexa de
saberes, para além da incipiente junção de disciplinas. Acredita-se que tal constructo teórico
subsidia de maneira eficaz os estudos sobre Desenvolvimento Humano, uma vez que este
último, também pode ser considerado um conceito interdisciplinar em sua essência,
justamente por sua plasticidade e complexidade inerentes.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Desenvolvimento Humano. Atitude interdisciplinar.
1
Doutora em Educação: Currículo pela PUCSP. Professora Visitante e Colaboradora do Programa de PósGraduação em Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté. Pesquisadora do GEPI. Email: [email protected].
ISSN 2176-1396
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Introdução
O Mestrado Interdisciplinar em Desenvolvimento Humano tem como premissa
construir um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento sobre as questões que envolvem
o desenvolvimento humano. Esse diálogo é trazido intencionalmente por profissionais de
diferentes áreas do conhecimento que se propõem a estudar as diferentes manifestações do
desenvolvimento humano, a partir de seus paradigmas, ou seja, na compreensão do indivíduo
que age em seus ambientes interativos: família, escola, trabalho, trocando com eles relações
dinâmicas e complexas.
Ao longo dos cinco anos de existência deste Mestrado, muitos foram os estudos que
envolveram tanto as questões que envolvem o Desenvolvimento Humano, quanto àqueles que
envolvem à Interdisciplinaridade. Este último, compreendido enquanto construção teórica e
metodológica, que auxilia o pesquisador na sua formação enquanto sujeito e no olhar que
administra para com a realidade que o envolve, para com a pesquisa que desenvolve e para
com o seu próprio processo formativo e de desenvolvimento.
Uma das disciplinas obrigatórias que os mestrandos cursam logo no início do curso
denomina-se “Epistemologia e Metodologia da Pesquisa Interdisciplinar” e tem como um dos
objetivos, compreender o conceito que os mestrandos possuem sobre Interdisciplinaridade e
promover discussões acerca de seus fundamentos e orientação para a pesquisa.
Estudos anteriores (YAMAMOTO, 2013) apontaram a existência de um certo
distanciamento entre o conceito de Interdisciplinaridade que os mestrandos possuíam e o que
era de fato discutido no curso. Da mesma forma, demonstrou o mesmo distanciamento entre a
Interdisciplinaridade desejada e a vivida no curso.
Este estudo, de forma pontual, teve como objetivo investigar quais as percepções que
os mestrandos da turma ingressante no ano de 2015 tinham sobre o conceito de
Interdisciplinaridade e este conceito começou a ser reconstruído a partir dos estudos sugeridos
durante o curso.
Seria a Interdisciplinaridade um conceito já compreendido pelos pesquisadores que
procuram um mestrado interdisciplinar? Ou seria um conceito em construção?
Para
tanto,
serão
discutidos
aspectos
conceituais
da
Interdisciplinaridade,
considerando as dimensões da Atitude Interdisciplinar e da Pesquisa Interdisciplinar e os
aspectos do Desenvolvimento Humano, objeto de pesquisa do mestrado em questão. À luz
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desse referencial teórico, serão analisados exertos de textos dos mestrandos, a fim de situar
tais saberes a partir da perspectiva interdisciplinar.
Esta pesquisa não pretende levantar dados conclusivos, mas colocar em evidência
alguns aspectos que merecem atenção, sobretudo na discussão de aspectos que envolvem a
interdisciplinaridade e conceitos mais complexos, como o próprio desenvolvimento humano.
Referencial Teórico
Como Fazenda (2008, p. 112), acredita-se que a questão do desenvolvimento
“apresenta problemas de cunho epistemológico que dificultam a visualização clara do
caminho de formação do pesquisador quando comparado ao de outras áreas”. Conceitos
plásticos, como este, exigem uma visão multilateral, que procure evidenciar o fenômeno da
forma mais variada quanto for possível, a fim de que visões únicas e pontuais não se
sobreponham ao fenômeno como ele é de fato.
É a Interdisciplinaridade que lida bem com o emaranhado das relações e interfaces do
conhecimento e da formação dos docentes que o conduz, possibilitando um diálogo possível
para a construção e interpretação da realidade socialmente partilhada.
Chamon et al (2009, p. 7), por sua vez, já aponta que “o caráter interdisciplinar do
mestrado apresenta-se, já na própria polissemia do objeto de estudo – o desenvolvimento
humano – que é processo, sistema, prática, construção e transformação. Trata-se de um objeto
de fronteira [...]”.
Na direção deste mundo o caráter interdisciplinar assume proeminência e o aspecto do
desenvolvimento pessoal é produto de uma atitude de rebeldia, de ousadia, para o constructo
sólido que incita aos constantes questionamentos, num movimento metodológico de “[...]
parceria, cumplicidade, espera vigiada, propiciando a composição da situação onde a
confiança foi fundamental na relação e no expor-se [...]” (KACHAR, 2001, p. 111).
Não se tem nas Ciências Humanas um campo de certezas absolutas. No entanto, na
interdisciplinaridade o conhecimento é revelado na interlocução entre pesquisador e
pesquisados, a dialogicidade privilegia os participantes e alarga o campo conceitual que se vai
construindo pela sua clarificação.
O diálogo entre objetividade e subjetividade questiona, sobretudo, o que é o
conhecimento e onde ele está, e ensina que para busca-lo é necessário o respeito à alteridade,
a ética de atitudes e a desconstrução conceitual, na medida em que trazem aspectos diferentes
do que é verdade, outra forma de enxergar o momento em que se encontra a sua construção.
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Na mesma direção deste fundamento, alerta Santos (2010, p. 55): “[...] A ciência pós-moderna
sabe que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional: só a configuração de
todas elas é racional. Trata-se, pois, de dialogar com outras formas de conhecimento
deixando-se penetrar por elas”.
A proposta de Mestrado Interdisciplinar exige um novo compromisso epistemológico
que reconhece que, no universo dos fenômenos sociais e humanos, os obstáculos só podem
ser vencidos na medida em que se compreende que as grandes questões que dominam hoje o
conhecimento não são disciplinares e sim temáticas.
O caminho da interdisciplinaridade afasta, pois, o determinismo causal, mecanicista
aquele que se percorre metricamente os efeitos dos fenômenos para lhe dar uma explicação
funcional. A interdisciplinaridade privilegia o processo bem de acordo com a nova
racionalidade científica expressa por Santos (2010, p. 16 - grifos do autor): “As leis da ciência
moderna são um tipo de causa formal que privilegia o como funciona das coisas em
detrimento de qual o agente ou qual o fim das coisas”. A proposta do mestrado acadêmico
exige, pois, a prática da tolerância e o afastamento da arrogância, aquela que se esconde atrás
do ‘eu sei mais o meu saber’. É o primeiro movimento para perceber-se interdisciplinar, que
se dirige ao fazer e ao pensar metodologicamente, a interdisciplinaridade, sem o qual uma
proposta dessa natureza vai utilizar-se de uma palavra atual aplicada diferentemente e com
qualquer sentido que lhe for atribuído em situações diversas e em contextos diferentes.
O conceito de interdisciplinaridade na lógica de Fazenda (2001) volta-se para a
revelação de um mundo significativo para a nossa maneira de ser, com possibilidades de
compartilhar novas e velhas ações. Esta é a atitude interdisciplinar ou uma atitude primeira de
autoconhecimento e de escuta sensível, “[...] uma atitude diante das alternativas para conhecer
mais e melhor [...], que impele à troca, que impele ao diálogo com pares idênticos, com pares
anônimos ou consigo mesmo” (FAZENDA, 2001, p. 82).
A Interdisciplinaridade é uma construção teórica da qual muito se fala, sobretudo no
campo educacional, e pela qual diversos profissionais, das mais variadas origens, desejam
fundamentar suas práticas, constituindo grupos interdisciplinares, estudos interdisciplinares,
textos interdisciplinares. Porém, é preciso um posicionamento acerca do que se compreende
por interdisciplinaridade e quais suas implicações no decorrer desta pesquisa. Fazenda (2008,
p. 17) acredita que a Interdisciplinaridade é muito mais que apenas uma junção de disciplinas,
“é uma atitude de ousadia e busca diante da questão do conhecimento”.
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Isso significa compreender que o conceito de Interdisciplinaridade vai muito além
do imaginário que o compreende a partir da interconexão entre as disciplinas que fazem parte
de determinada “grade curricular” (FAZENDA, 2008). É um conceito que circunda as
fronteiras entre as ciências que compõem a própria ciência e, por isso, converge para a sua
unicidade.
De igual forma, compreende que a ciência – e o conhecimento, por conseguinte – só
se realiza na medida em que o Homem pensa sobre ela, estabelece relações e a faz e refaz
constantemente. Ora, pensar na Interdisciplinaridade exige, necessariamente, pensar sobre o
Homem que interage com o conhecimento, com outros homens em contextos, espaços e
tempos diferenciados. A Interdisciplinaridade encontra no Desenvolvimento Humano uma
possibilidade real para investigar este Homem, suas relações e contextos de forma sistêmica e
complexa, considerando as variáveis estruturais, temporais, de mudança e continuidade que o
envolvem e vice versa: “Compreender as interações complexas, dinâmicas e multifacetadas
entre a pessoa em seu ambiente em um determinado contexto social, histórico e cultural,
requer uma investigação sistêmica e interdisciplinar” (ASPESI et al, 2005, p. 19).
É, portanto, um desafio de enormes proporções o olhar multifocal para investigar
aquelas interações dinâmicas e multifacetadas que resultam da relação pessoa-contexto em
mudança e continuidade que podem representar (ou que representam) as condições de
maturação, experiência e consequentemente de agregação de transformações em cada
comportamento, ou diga-se: desenvolvimento humano.
Aqui se coloca outra grande questão para a interdisciplinaridade: falar ou investigar o
desenvolvimento humano é penetrar num território de grande extensão, mas nem por isso
desértico. Exige, sim, generosidade e compreensão, abertura para o novo, ultrapassagem das
áreas cinzentas do conhecimento, para que ele flua além dos limites herméticos de cada
ciência, criando-se acima do que já foi criado.
Metodologia
Esta pesquisa possui uma natureza qualitativa, sobretudo porque procurou
compreender a percepção que vinte e três alunos, iniciantes em um Programa de PósGraduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Humano no ano de 2015, possuem do que é
a Interdisciplinaridade.
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Os dados foram coletados na quinta aula de uma disciplina obrigatória, intitulada
“Epistemologia e Metodologia da Pesquisa Interdisciplinar”. Cada um dos vinte e três
mestrandos deveriam escrever o que entendiam sobre Interdisciplinaridade e Ciência, os
aspectos que consideravam importantes antes dos estudos e os aspectos que acrescentariam
após os estudos epistemológicos.
Fazenda (2013, p. 17) afirma que “a pesquisa interdisciplinar inclui desafios de
diferentes ordens: teórica, pessoal, metodológica”. O tratamento às Histórias de Vida, a
presença de metáforas que referenciam análises e interpretações de dados, a configuração de
uma hermenêutica que prioriza os sujeitos e o cuidado com a formação de professores são
preocupações que ganharam destaque na medida em que as pesquisas interdisciplinares foram
tomando corpo desde a década de 60.
As direções da pesquisa interdisciplinar tiveram substância na medida em que os
pesquisadores iniciaram um movimento investigativo a partir de suas histórias de vida –
pessoal e profissional. O universo mais próximo de cada pesquisador deu origem a dados
advindos das mais diferentes naturezas e, por isso, a sistematização em quatro direções
distintas de ordenação das pesquisas. No entanto, os fundamentos que as orientam, sobretudo
quanto à sua epistemologia (fundamentada na hermenêutica, na descrição detalhada das
práticas, na descoberta da metáfora) e à sua ontologia (rememoração das histórias de vida e da
descoberta do próprio sentido da pesquisa) permanecem inalterados em todas elas.
Procuraremos apresentar as principais representações que os alunos possuem sobre o
conceito de Interdisciplinaridade e Ciência e os aspectos que eles consideraram importantes
após os estudos realizados em sala de aula, a partir da análise do conteúdo das falas.
A fim de preservar a identidade de cada mestrando, optou-se por denomina-los por M
(mestrando), acrescido do número de 1 a23.
Resultados e discussão
A ousadia na escolha das metodologias de pesquisa parece conferir à
interdisciplinaridade um caráter de “novo”, de uma pesquisa mais próxima do fenômeno
estudado, do objeto e dos sujeitos, além do próprio pesquisador - o sujeito que pesquisa. A
metáfora do olhar revela esta preocupação ao tentar desvendar todas as camadas e véus
possíveis que encobrem o problema de investigação.
Pesquisa interdisciplinar e atitude interdisciplinar encontram convergência na
dimensão do saber-ser interdisciplinar. O saber-ser interdisciplinar orienta a pesquisa para
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uma dimensão que tenta compreender a totalidade do fenômeno estudado que se camufla em
suas diferentes manifestações. O olhar que se multiplica e que, em camadas, procura iluminar
o todo só pode partir da atitude do sujeito que pesquisa. É esta a atitude interdisciplinar.
Os textos escritos pelos mestrandos da turma de 2015 apresentam construções teóricas
que podem ser agrupadas em Interdisciplinaridade e Atitude Interdisciplinar e apresentam
correlação com a proposta formativa do curso, ainda que de forma inicial.
Interdisciplinaridade
Garcia (2000, p. 54) afirma que o termo disciplina assumiu, ao longo da história, a
denominação para um grupo de saberes transmitido a um discípulo, o que mais tarde a faria
ser reconhecida como campo de conhecimento. “De modo ainda mais amplo, esse termo vai
indicar processos e modos de conhecimento. Em complemento, o modo como tais processos
serão desencadeados, ou seja, o ensino será também considerado disciplina”. Também
verifica a conotação do termo disciplina como disciplina escolar, e enfatiza que os conteúdos
das disciplinas escolares são diferentes dos conteúdos observados nas disciplinas científicas,
tanto nas suas lógicas de estruturação interna quanto nas suas finalidades.
No entanto, Fazenda (2008) considera que a compreensão do conceito de
Interdisciplinaridade apenas a partir da revisão de seu significado, não é suficiente para a
fundamentação das práticas e pesquisas interdisciplinares.
Para o Mestrando 15,
Interdisciplinaridade é um convite para que os caminhos do conhecimento se cruzem
e formem um novo olhar a partir daquilo que já existe. A ciência se desenvolve
nesse ato de quebrar paradigmas e movimentar o estagnado para criar novas
condições para a vida humana, com questionamentos das situações percebidas no
cotidiano (M15).
Fazenda (2008), amparada por Lenoir (2005-2006), acredita que o conceito de
Interdisciplinaridade está atrelado à cultura do lugar onde se formam professores e
pesquisadores. A construção de saberes novos ocorre a partir de uma construção
contextualizada, tecida no universo pessoal e social do pesquisador. Sobre isso, o Mestrando
16 aponta a necessidade de estar atento à outras perspectivas para além daquelas sobre as
quais já se tem conhecimento:
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A construção de novos saberes, a partir dos saberes já constituídos necessita de
diferentes perspectivas = problema visto de diversas formas (M16).
O Mestrando 9, por sua vez, apontou que a Interdisciplinaridade se configura como
uma atitude de ousadia e busca diante das questões do conhecimento, parafraseando Fazenda
(2008). Há a perspectiva de considerar um referencial teórico que sustente as afirmações e as
abordagens escolhidas, o que sugere um crescimento da convicção de que pesquisas
acadêmicas precisam estar fundamentadas em um referencial teórico consistente.
Interdisciplinaridade é atitude de ousadia e buscar conhecimento implica em sair da
zona de conforto diante da questão do conhecimento. Como ciência implica na
quebra de paradigmas, a interdisciplinaridade e ciência caminham juntas na prática,
na investigação de um problema e construção de um conhecimento (M9).
Ao mesmo tempo, acredita-se que o caminho da interdisciplinaridade afasta, nesse
sentido, o determinismo causal, mecanicista, que se percorre metricamente os efeitos dos
fenômenos para lhe dar uma explicação funcional. Ela privilegia o processo, de acordo com a
nova racionalidade científica expressa por Santos (2010, p. 16 - grifos do autor): “As leis da
ciência moderna são um tipo de causa formal que privilegia o como funciona das coisas em
detrimento de qual o agente ou qual o fim das coisas”. O Mestrando 13 se aproxima destas
questões ao afirmar que:
A interdisciplinaridade e a ciência nunca tem uma resposta definitiva ou pronta.
Nem sempre respondem o que queremos ou da forma que queremos. Os saberes
científicos e interdisciplinares à luz das exigências sociais, políticas, econômicas
apresenta desdobramentos muito complexos diante das formas de pensar do ser
humano nas diferentes culturas (M13)
É fato que a pesquisa interdisciplinar evidencia a provisoriedade do conhecimento, a
aceitação da dúvida e a consideração do erro como processo de quem pesquisa. São
características do movimento complexo, do qual nos apresenta Morin (2008). Ao reconhecerse como pesquisador de sua prática, o pesquisador assume a construção de um conhecimento
novo, a partir do caminha que vai descortinando ao longo de sua investigação.
Muito mais importante que os resultados alcançados com a pesquisa encontra-se o
caminho percorrido por quem se pesquisa. Na interdisciplinaridade, o caminho que se constrói
delineia o próprio processo de desenvolvimento humano, objeto de estudo e reflexão do
mestrado no qual os alunos estão inseridos.
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Atitude Interdisciplinar
A atitude interdisciplinar indica cinco princípios que a orientam: coerência,
humildade, espera, desapego, respeito e olhar (FAZENDA, 2001).
A convergência das atitudes e das palavras assume a diretriz de uma postura
interdisciplinar que, de acordo com Giacon (2001, p. 37) “[...] não poderia ser diferente, pois
ela é a amálgama entre o manifesto e o latente, entre o pensar, o fazer e o sentir”.
Alguns mestrandos apontaram a importância da atitude interdisciplinar para a
constituição do conceito de interdisciplinaridade:
Interdisciplinaridade e ciência enquanto atitude e prática convergem na direção da
construção de um olhar multifacetado e ao mesmo tempo paradoxalmente uno em
relação a realidade. Trabalham de forma a buscar compreender o todo e suas partes
que, como vimos com Morin, formam realidade complexa por serem “tecidas
juntas” na construção do conhecimento (M2)
A metodologia da pesquisa interdisciplinar se preocupa, em primeira instância, em
fazer com que o pesquisador descubra, em sua própria história de vida, as motivações que o
conduziram até aquela reflexão e a sua relação com ela. Este é um movimento, de
circularidade e complexidade, que não exige que o pesquisador utilize todas as descrições no
texto final da dissertação ou tese, mas que descreva exaustivamente sua trajetória, como em
uma abordagem biográfica. O mestrando 4 aponta tal importância.
A ciência e a interdisciplinaridade estão entrelaçadas, pois vem da própria história
de vida, das necessidades humanas, dos problemas do cotidiano. É preciso ter um
olhar humano, técnico, político social, levando em consideração o outro, a
integração com o meio e a percepção crítica do processo formativo, buscar o
compartilhamento harmônico e uma forma de trazer soluções para os
questionamentos apontados (M4).
A ousadia na escolha das metodologias de pesquisa parece conferir à
interdisciplinaridade um caráter de “novo”, de uma pesquisa mais próxima do fenômeno
estudado, do objeto e dos sujeitos, além do próprio pesquisador - o sujeito que pesquisa. A
metáfora do olhar revela esta preocupação ao tentar desvendar todas as camadas e véus
possíveis que encobrem o problema de investigação.
A interdisciplinaridade é, antes de tudo, uma atitude de ousadia no sentido de se
“atrever” a questionar aquilo que se faz de forma sempre igual e há muito tempo.
Questiona um conhecimento antigo para a construção de um conhecimento novo
(M8).
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Por fim, o Mestrando 20 apontou a importância do processo de reconstrução do
conhecimento a partir da metáfora do olhar interdisciplinar:
Pensar ciência e interdisciplinaridade corresponde ao processo de (re)contrução do
conhecimento a partir de um olhar ativo e aberto ao novo, compreendendo a
complexidade e interdependência / influência mútua de diferentes aspectos,
seguindo parâmetros acadêmicos para validação do conhecimento construído, porém
em constante reflexão, revisão e reconstrução (M20).
O processo de reflexão, revisão e reconstrução é próprio do movimento metafórico do
olhar interdisciplinar de Fazenda (2001), que pretende enxergar o fenômeno em suas mais
variadas manifestações.
Conceber a Interdisciplinaridade enquanto constituinte daquilo que o próprio ser
humano o é, significa compreende-la como um conceito contextualizado num tempo e
espaços concretos e reais sem, contudo, desprezar sua ontogênese discutida num tempo
kairós. Aliás, é essencialmente a partir desta concepção que se pode estabelecer uma
cumplicidade entre ela e o Desenvolvimento Humano.
Considerações
Tentar apreender qual a concepção que um grupo de mestrandos que ingressa em um
Mestrado Interdisciplinar possui sobre o conceito próprio de Interdisciplinaridade se constitui
em um grande desafio, sobretudo porque o próprio conceito de interdisciplinaridade é
extremamente polissêmico.
No entanto, os textos dos mestrandos demonstraram uma compreensão, ainda que
inicial, da complexidade que envolve as questões epistemológicas, ontológicas e práticas,
absolutamente condizentes com o objeto de pesquisa a que o mestrado se destina.
A Interdisciplinaridade considera que tão importante quanto o produto é o processo da
pesquisa. O saber perguntar, próprio de uma atitude interdisciplinar, envolve uma arte, cuja
qualidade extrapola o nível racional do conhecimento.
Ao compreender a importância desse arcabouço teórico para sustentar a prática do
pesquisador é que a Interdisciplinaridade passa a subsidiar com propriedade as pesquisas que
envolvem o Desenvolvimento Humano como eixo fundamental.
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