UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I- SALVADOR
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
REINALDO ALVES DE MIRANDA
O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:
UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS
PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!
SALVADOR-BAHIA
2014
REINALDO ALVES DE MIRANDA
O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:
UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS
PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Estudo de Linguagens –
PPGEL da Universidade do Estado da Bahia
– UNEB, como parte dos requisitos para
obtenção do grau de Mestre em Estudos de
Linguagens.
Linha de Pesquisa: Língua, Discurso e
Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Gilberto Nazareno
Telles Sobral.
SALVADOR-BAHIA
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Miranda, Reinaldo Alves de
REINALDO
ALVES
O discurso showrnalístico:
uma
análiseDE
dosMIRANDA
processos argumentativos presentes
em textos do Jornal Massa! /Reinaldo Alves de Miranda. - Salvador, 2014.
124f.
Orientador: Gilberto
Nazareno Telles
Sobral.
O DISCURSO
SHOWRNALÍSTICO:
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Ciências Humanas. Campus I. 2014.
UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS
ContémPRESENTES
referências e anexos.
EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!
1. Argumentação. 2. Retórica. 3. Jornalismo - Linguagem. I. Sobral, Gilberto
Nazareno Telles. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de
Ciências Humanas.
CDD: 808.51
REINALDO ALVES DE MIRANDA
O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:
UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS
PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em
Estudo de Linguagens, submetido ao Programa de Pós-Graduação em Estudo
de Linguagens, do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do
Estado da Bahia – UNEB, Campus I. Área de concentração: Língua, Discurso e
Sociedade.
Aprovada em 06 de março de 2014.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral (Orientador)
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Prof. Dr. João Antonio de Santana Neto
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Prof. Dr. Edson Fernando Dalmonte
Universidade Federal da Bahia - UFBA
SALVADOR-BAHIA
2014
Ao meu pai (in memorian),
por me mostrar, no seu silêncio, que a autenticidade de um homem
está em conjugar a ação com a palavra.
AGRADECIMENTOS
A Deus,
por tudo que Ele fez, faz e continuará fazendo acontecer na minha vida,
proporcionando-me conhecimento e sabedoria.
À minha mãe,
com quem obtenho as mais importantes lições para o meu caminhar.
Aos meus irmãos e sobrinhos,
por confiarem no meu potencial e se orgulharem das minhas conquistas.
Aos verdadeiros amigos,
por estarem presentes na alegria e na tristeza.
Aos parceiros do Colégio Estadual Maria de Lourdes Parada Franch,
pelo companheirismo e cumplicidade em nossa árdua – mas gratificante –
imersão no mundo da educação.
Aos colegas do PPGEL,
pela oportunidade de convivência, aprendizado e partilha nessa importante
trajetória de construção do conhecimento.
Ao corpo docente do PPGEL,
pela generosa acolhida nesse espaço de aprendizagem, que é,
essencialmente, um intercâmbio de saberes.
Ao corpo administrativo do PPGEL – em especial Camila, Geisa e Danilo –,
pelo profissionalismo e atenção que a mim dispensaram.
Aos membros da banca – Prof. João Santana Neto e Prof. Edson Dalmonte –,
pelas importantes contribuições no processo de qualificação.
Ao meu orientador – Prof. Gilberto Sobral –,
pela confiança recíproca, desde o primeiro momento, e por imprimir um sentido
mais amplo à palavra orientação.
Como dizia o maestro,
“é impossível ser feliz sozinho”.
A vocês, muito obrigado!
A linguagem é como uma pele:
com ela eu entro em contato com os outros.
(Roland Barthes)
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 -
USO DO LEXEMA APAGAR NO JORNAL MASSA!...........
45
Quadro 2 -
USO DO LEXEMA SACIZEIRO NO JORNAL MASSA!.......
45
Quadro 3 -
USO DO LEXEMA BARRIL NO JORNAL MASSA!.............
46
Quadro 4 -
USO DO LEXEMA ABRIR O GÁS NO JORNAL MASSA!...
46
Quadro 5 -
USO DO LEXEMA “PENEIRADO” NO JORNAL MASSA!...
46
Quadro 6 -
Aplicabilidade do ethos no Jornal Massa!............................
59
Quadro 7 -
Comparativo entre os jornais Massa! e A Tarde - Teoria do
Agendamento no período de 02 a 13/12/2103.....................
80
Constituição do corpus da pesquisa.....................................
83
Quadro 9 - Argumentos e tipos de argumentos......................................
95
Quadro 8 -
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 -
Seção Linha Direta..................................................... 61
Figura 2 -
Seção Deixa com a gente!.........................................
Figura 3 -
Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha......................... 63
Figura 4 -
Manchete: Tarado estupra prima...............................
Figura 5 -
Manchete: Super Maria: 32 filhos............................... 84
Figura 6 -
Notícia do dia: Maria, 32 filhos e muitas histórias......
84
Figura 7 -
Matéria: Elas pagam pena dobrada...........................
86
Figura 8 -
Matéria: Mamães estrelas..........................................
86
Figura 9 -
Matéria: Tarado estupra prima...................................
89
Figura 10 -
Matéria: Ex-candidato é suspeito de abuso sexual.... 92
Figura 11 -
Manchete: Vídeos, ameaças e estupro...................... 93
Figura 12 -
Matéria: Garotos apontam estuprador.......................
62
63
94
RESUMO
No presente estudo, promovemos um debate sobre a função jornalística
e a relação desta com a argumentação, tendo como pressuposto que
jornalismo e retórica encontram-se imbricados no processo da linguagem.
Delineiam-se, portanto, aqui os principais aspectos que envolvem a
argumentatividade, notadamente no jornalismo de cunho sensacionalista, cuja
linha editorial tem contornos na linguagem popular, apelativa e, por vezes,
grotesca, de modo que as emoções são priorizadas em detrimento da razão e
da objetividade. Ancorados nessas premissas, elegemos como objeto de
estudo o Jornal Massa!, com o propósito de analisar as estratégias
argumentativas – advindas de mecanismos linguísticos presentes em textos de
04 (quatro) edições do noticiário – as quais visam a alcançar a persuasão do
auditório ao qual o referido veículo se destina. Neste percurso investigativo,
discorremos acerca dos elementos que compõem a tríade argumentativa
aristotélica – o ethos (a imagem do orador), o pathos (a reação do auditório) e
o logos (o discurso em si e por si mesmo, isto é, o argumento) –, associando
tais componentes à proposta discursiva desenvolvida pelo Jornal Massa!.
Ademais, propomos uma discussão, à luz do Tratado da Argumentação: a nova
retórica, de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no que concerne aos
efeitos produzidos por meio das técnicas argumentativas utilizadas pelo orador
(jornal), na sua busca por conquistar a adesão do auditório (leitores), e aos
desdobramentos desses recursos na prática jornalística. Com base nas
análises a que procedemos, e a partir das evidências observadas no arcabouço
teórico que norteou o estudo sobre o tema, concluímos que a eficácia da
argumentação requer, dentre outros critérios, uma cumplicidade com o
auditório construído pelo orador. Quanto ao objeto da nossa pesquisa,
evidenciamos que o Jornal Massa! e o leitor se identificam, cuja interlocução se
traduz no slogan do próprio veículo: um jornal feito do seu jeito.
PALAVRAS-CHAVE: Retórica; Argumentação; Tríade argumentativa; Discurso
jornalístico; Jornal Massa!
ABSTRACT
In the present dissertation, we promote a debate on journalistic function
and its relation to the argumentation, with the presupposition that journalism
and rhetoric are interwoven in language processing. Therefore, the main
aspects involving argumentation are delineated here, especially in
sensationalist journalism, whose editorial line is contoured in popular, appealing
language and sometimes grotesque, in which emotions are prioritized in
detriment of the reason and objectivity. Anchored on these premises, we
choose as the object of study the newspaper Massa!, with the purpose of
analyzing the argumentative strategies – arising from linguistic mechanisms
presented in the texts of four (04) editions of the newscast - which aim the
persuasion of the audience to which the vehicle is designed. In this investigative
journey, we discus about the elements that compose the Aristotelian
argumentative triad - the ethos (the image of the speaker), the pathos (the
reaction of the audience) and the logos (the discourse itself, in other words, the
argument) – associating these components with the discursive proposal
developed by newspaper Massa!. Furthermore, we propose a discussion in the
light of the Treaty of Argumentation: the new rhetoric, by Chaïm Perelman and
Lucie Olbrechts-Tyteca, in regard to the effects produced by means of
argumentative techniques used by the speaker (newspaper) in his quest to
conquer the adhesion of the auditorium (readers), and the consequences of
these features in journalistic practice. Based on the analysis that we proceeded,
and from the evidence observed in the theoretical framework that guided the
study on the theme, concluded that the effectiveness of the argumentation
requires, among other criterions, a complicity with the audience constructed by
the speaker. In relation to the object of our research, we evidenced that the
Newspaper Massa! and the reader identify with the dialogue that is reflected in
the slogan of the vehicle itself: a newspaper done in your way.
KEYWORDS: Rhetoric; Argumentation; Argumentative triad; Journalistic
discourse; Jornal Massa!
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO...........................................................................................
2
DA INFORMAÇÃO AO ESPETÁCULO: UMA ABORDAGEM SOBRE
O JORNALISMO SENSACIONALISTA ...................................................
O GÊNERO SENSACIONALISTA............................................................
BREVE HISTÓRICO SOBRE O SENSACIONALISMO
O Sensacionalismo no Mundo................................................................
O Sensacionalismo no Brasil..................................................................
CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM SENSACIONALISTA NO
JORNAL IMPRESSO.................................................................................
O SENSACIONALISMO NO NOTICIÁRIO DA BAHIA: O JORNAL
MASSA!......................................................................................................
2.1
2.2
2.2.1
2.2.2
2.3
2.4
3
3.1
3.2
3.3
3.4
4
4.1
4.1.1
4.1.2
4.1.3
4.1.4
4.2
4.2.1
4.2.2
4.2.3
5
IMAGENS,
PAIXÕES
E
ARGUMENTOS:
A
TRÍADE
ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA E A SUA APLICABILIDADE NO
DISCURSO DO JORNAL MASSA!...........................................................
A ARTE RETÓRICA: DE ARISTÓTELES A PERELMAN; OLBRECHTSTYTECA E AUTORES CONTEMPORÂNEOS..........................................
ANALISANDO O ETHOS E OS SEUS DESDOBRAMENTOS
RETÓRICOS..............................................................................................
O
PATHOS
E
SUAS
IMPLICAÇÕES
NO
ATO
DE
PERSUADIR..............................................................................................
NOÇÕES SOBRE O LOGOS NA TRÍADE ARGUMENTATIVA
ARISTOTÉLICA.........................................................................................
10
17
17
29
29
31
33
38
49
50
55
69
73
A NOTÍCIA E OS SEUS EFEITOS DE PERSUASÃO: UM ESTUDO DA
ARGUMENTATIVIDADE NO DISCURSO JORNALÍSTICO DO
MASSA!, A PARTIR DA NOVA RETÓRICA.............................................
A ARGUMENTAÇÃO NO GÊNERO NOTÍCIA: O CORPUS DA
PESQUISA.................................................................................................
Texto 1. Super Maria: 32 filhos...............................................................
Texto 2. Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos............................
Texto 3. Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha......................
Texto 4. Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro.......................
AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO NOTICIÁRIO DO MASSA!.......
Os argumentos quase-lógicos................................................................
Os argumentos baseados na estrutura do real.....................................
Os argumentos que fundamentam a estrutura do real.........................
83
84
87
90
93
95
95
100
105
CONCLUSÃO............................................................................................
REFERÊNCIAS..........................................................................................
ANEXOS....................................................................................................
ANEXO A: Edição utilizada na análise do Texto 1.....................................
ANEXO B: Edição utilizada na análise do Texto 2.....................................
ANEXO C: Edição utilizada na análise do Texto 3....................................
ANEXO D: Edição utilizada na análise do Texto 4....................................
111
116
120
121
122
123
124
76
10
1 INTRODUÇÃO
"A mídia não é apenas a mensagem. A
mídia é uma massagem. Estamos
constantemente sendo acariciados,
manipulados, ajustados, realinhados e
manobrados."
(JOEY SKAGGS)
Os veículos midiáticos desenvolvem um papel de visível importância na
sociedade do conhecimento. São eles que possibilitam ao indivíduo conhecer a
maior parte dos acontecimentos do mundo, fazendo com que o direito à
informação seja ampliado. No segmento jornalístico, de modo particular, a
finalidade precípua é, essencialmente, a de buscar informações, organizá-las e
transmiti-las, com objetividade para o público leitor, fazendo-se cumprir a sua
função referencial no âmbito da linguagem.
Entretanto, nem sempre as agências de comunicação se restringem a essa
função, visto que alguns profissionais extrapolam o nível das informações –
exemplo disso é a veiculação de conteúdos impactantes sobre violência,
erotismo, escândalos, sempre em tom exagerado pelas mídias – e, muitas
vezes, não demonstram preocupação com a natureza ética1 que rege a
profissão jornalística.
Tais
práticas
constituem
um
subgênero
da
notícia
denominado
de
sensacionalismo, isso porque se referem às ações e narrativas que buscam
provocar sensações, o que, no jornalismo, especificamente, indica audácia,
irreverência e, muitas vezes, a inversão da realidade, no que diz respeito à
emissão e ao tratamento das notícias. Nessa “sociedade do espetáculo” –
termo cunhado pelo pensador francês Guy Debord, em 1967 – desenvolvem-se
signos e símbolos que fabricam necessidades e maneiras de desejar que se
incorporam às multidões de espectadores, isto é, às massas.
1
Nesse contexto, faz-se alusão ao Código de Ética que norteia a atividade jornalística, ao
preconizar princípios de conduta dos profissionais os quais atuam no âmbito da informação.
11
O sensacionalismo não é um fenômeno exclusivo da contemporaneidade, haja
vista que o homem sempre utilizou de expedientes nem sempre éticos para
chamar a atenção de um fato, especialmente quando tal exibição lhe era
conveniente. É o que se observa recorrentemente nas redes formais e
informais da comunicação e, em se tratando de canais midiáticos, podemos
afirmar que a exploração da miséria tem se popularizado em um ritmo intenso,
vertiginoso. Não obstante, o jornalismo destaca-se, como instrumento a favor
da linguagem, ao mobilizar códigos e signos linguísticos, tornando-se, por
conseguinte, uma prática discursiva a qual lança mão de estratégias da
argumentação, com o intuito de conquistar a adesão do seu público.
É, portanto, diante dessa instância comunicacional que se delineia o objeto da
presente dissertação de Mestrado – O discurso2 showrnalístico: uma
análise dos processos argumentativos presentes em textos do Jornal
Massa! –, no que tange à argumentatividade, na tentativa de se associar o
gênero discursivo à perspectiva funcional da linguagem. Para tanto,
consideramos o teor sensacionalista de que se apropria o referido jornal,
analisando os argumentos que se desdobram com vistas à imagem que é
construída especificamente por esse veículo da mídia impressa (o ethos), à
persuasão do leitor, por meio de argumentos (o logos) e à natureza emocional
do interlocutor ao qual se direcionam as informações (o pathos). Essa tríade,
preconizada por Aristóteles, é amplamente explanada por Perelman e
Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000) no Tratado da Argumentação: a nova retórica,
cujas teorias, entre outras, norteiam o campo das reflexões em face do nosso
objeto de estudo.
Os referidos autores ressaltam que “para argumentar, é preciso ter apreço pela
adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental”
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 18). Definem auditório
como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua
argumentação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 22),
2
Pertinente observar que, nos estudos de linguagem, atribuem-se algumas acepções ao termo
discurso. Para este trabalho, o interesse recai sobre a noção de discurso defendida por
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 1996), qual seja, o ato de fala, a locução, que se
materializa no texto.
12
podendo ser considerado auditório também os leitores de um discurso. No caso
do Jornal Massa!, trata-se de um público que busca informações rápidas, de
fácil entendimento, apesar de grotescas, e com bastante apelo emocional,
permitindo, em muitos casos, que a tragédia se converta em risos e escárnios,
seja por aqueles que leem o noticiário, seja pelos que o conduzem, isto é, os
próprios editores e jornalistas. E, nesse contexto, não interessa somente aquilo
que o veículo diz, mas também o modo como se diz, residindo aí o poder da
argumentatividade.
Com relação ao discurso sensacionalista, os veículos recorrem a esquemas
argumentativos, lançando mão de alguns mecanismos persuasivos – temas
inusitados, o uso de vocabulário simples com utilização de gírias, a passividade
e impacto do receptor e o domínio da hipérbole e adjetivação – de modo que
não se exige esforço por parte do auditório para que os fatos sejam
interpretados. Observa-se que há uma grande aproximação emocional entre
emissor e receptor, viabilizando, por isso mesmo, que se concretize um
discurso de adesão.
As notícias veiculadas no Jornal Massa! denotam esta finalidade, a de fazer
apelo a reações mais baseadas na emoção do que na razão, trazendo à tona
sentimentos primários ao interlocutor, simplificando polêmicas em vez de
fornecer elementos que permitam pensar, compreender, formar opinião.
A linguagem também é muito forte nesse gênero, com a presença de gírias e
“palavrões”, para relatar as representações periféricas, criando assim uma
aproximação com a realidade na qual os episódios se desdobram, sendo
reforçados, certamente, pelo poder das imagens. É, por assim dizer, uma
tentativa – bem-sucedida, por sinal – de estabelecer uma identificação, de
modo que o auditório se sinta coadjuvante, e até mesmo protagonista, da
narrativa jornalística, tal o impacto exercido em sua mente.
Considerando a intencionalidade dos argumentos na produção dos discursos
que circulam nas mídias sensacionalistas, e em razão dos seus formatos e do
modo como são veiculadas as notícias, justifica-se a escolha do Jornal
13
Massa! – produto do Grupo A Tarde –, para a concepção da pesquisa. A
discussão incide, principalmente, sobre a argumentatividade presente nas
manchetes do Jornal Massa! e na relação destas com o texto, bem como na
forma de abordagem dos assuntos e os critérios de noticiabilidade, cujo
enfoque recai na teoria do agendamento (TRAQUINA, 2000), pela qual se
discute o papel dos meios de comunicação, no momento de se determinar
quais os assuntos que estarão na pauta, no centro das atenções.
As práticas adotadas pelos jornais de cunho sensacionalista têm sido capazes
de promover a aceitabilidade do público-leitor, resultando em níveis
significativos de venda, notadamente entre consumidores que integram as
camadas C e D da população3, nas quais se tem verificado uma ascensão
quanto à mobilidade socioeconômica e cultural. Configura-se, desse modo, um
novo momento para a imprensa popular – estando aí incluso o Jornal Massa! –,
que aproveita o aquecimento da economia brasileira e o crescimento dos níveis
de escolaridade das referidas classes, convertendo os seus integrantes em
leitores e, por conseguinte, fiéis consumidores desse produto jornalístico.
O Jornal Massa! representa claramente o segmento que se baseia na
exploração da violência e do sensacionalismo como estratégia para atrair o
público, em sua maioria com textos e imagens que causam impacto, comoção,
revolta, e que, na maioria das vezes, aguçam a curiosidade do leitor. O
presente estudo desdobra-se, portanto, no entendimento acerca dos processos
que envolvem a argumentatividade. Para tanto, no trabalho pretendemos
responder à seguinte questão: Quais os mecanismos argumentativos utilizados
pelo Jornal Massa! para convencer e persuadir o leitor?
A partir do embasamento teórico de que se constitui esta dissertação, foi
possível desvendar os principais elementos acerca da temática, qual seja, a
argumentatividade e a sua repercussão diante do público-leitor do gênero
3
Trata-se de uma nova classe média, a qual não deseja o estilo de vida das elites e prefere
produtos que valorizam a sua origem. A renda média das classes C e D aumentou em 50%
entre 2010 e 2011. E o movimento de democratização de alguns privilégios antes gozados
apenas pelas classes A e B aumentou proporcionalmente. Informações disponíveis em:
http://<www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58>. Acesso em 19 nov. 2013.
14
sensacionalista. No percurso da investigação, os processos argumentativos
foram estudados a partir dos três componentes da argumentação persuasiva: o
ethos (imagem do orador); o logos (o discurso em si e por si mesmo, o
argumento) e; o pathos (imagem do auditório).
Nessa perspectiva, o objetivo geral no presente estudo concentra-se em
analisar os processos argumentativos que interagem nos mecanismos de
atração e consumo dos textos sensacionalistas veiculados pelo Jornal Massa!
Para atender ao objetivo geral, foram traçados, especificamente, os seguintes
objetivos: verificar o processo de construção do ethos discursivo no Jornal
Massa!; identificar o acordo, a tese e os argumentos que a sustentam na
abordagem dos fatos, notadamente os de caráter sensacionalista e; analisar o
tipo de auditório a que se destinam os textos veiculados pelo Jornal Massa! e
qual a natureza das emoções nele suscitadas.
Quanto à metodologia utilizada para o estudo, escolhemos a técnica de
pesquisa bibliográfica, pois esta se mostrou compatível aos objetivos
pretendidos, tendo como instrumentos a produção de conhecimentos já
teorizados em livros e artigos nos quais são expostas visões tanto sobre o
fenômeno do sensacionalismo na construção de textos jornalísticos quanto
sobre o processo da linguagem e da argumentação.
No que se refere ao método de abordagem, utilizamos o dedutivo,
considerando-se que a temática encontra ressonância em estudos teóricos já
fundamentados, com o intuito de explicar fenômenos particulares e emergentes
– no caso do presente estudo, o sensacionalismo que está inserido no discurso
do Jornal Massa!.
Como objeto investigativo para o campo da argumentação, analisamos no
corpus 04 (quatro) edições do Jornal Massa!, veiculadas nos dias de
sábado/domingo, utilizando-se como recorte a Notícia do dia, que corresponde
15
à principal manchete desse noticiário, quais sejam: Texto 1: Super Maria: 32
filhos; Texto 2: Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos. Texto 3: Estuprador
é solto: Inimigo n. 1 de criancinha e; Texto 4: Infância roubada: Vídeos,
ameaças e estupro.
Embora sejam de acesso irrestrito ao público as informações apresentadas
neste trabalho – tanto no Jornal Massa! quanto em sites da web –, ao
identificarmos os indivíduos que estão envolvidos nas reportagens e nos
trechos das entrevistas capturados para análise, optamos por utilizar as iniciais,
a fim de preservá-los quanto à sua identidade.
Escolhemos,
para
análise,
as
publicações
do
referido
período,
por
entendermos que, tradicionalmente, no final de semana os exemplares de
jornais têm maior circulação entre os leitores. Quanto ao critério de seleção das
matérias de capa, elegemos textos cujas abordagens recaíssem, de algum
modo, sobre a infância, considerando ser esse um assunto recorrente na pauta
dos noticiários e que comove os leitores. São temas que suscitam pontos de
vista dos mais calorosos num debate que envolve variadas classes sociais.
Nessa perspectiva, pudemos confirmar a aplicabilidade da Teoria do
Agendamento pelo veículo Massa!, quando o jornal seleciona assuntos que
considera mais importantes para exercer a sua função informativa e por fazer
também o seu público acreditar que a referida notícia é relevante, em
detrimento de outras informações. O intuito é, portanto, perceber, também, a
partir da abordagem jornalística, qual a interlocução que o Massa! estabelece
com o seu público.
Apesar de estarem mencionados os aspectos visuais que compõem as
notícias, a análise direciona-se exclusivamente aos textos de natureza verbal,
priorizando, assim, o recurso da palavra para os efeitos da argumentatividade.
Assim, em função dessa seleção temática, são aleatórios os períodos
analisados, sem que haja, necessariamente, uma sequência cronológica das
publicações. Os dados foram interpretados à luz das concepções teóricas
16
norteadoras do estudo, na tentativa de se confirmarem as hipóteses que
suscitaram a investigação.
A partir deste tópico introdutório, a dissertação está estruturada em três
seções, além dos tópicos da Conclusão, Referências e Anexos.
Na primeira seção – 2. Da informação ao espetáculo: uma abordagem
sobre o jornalismo sensacionalista –, explanamos os conceitos relativos a
esse formato de linguagem, bem como suas características e desdobramentos
no campo jornalístico. Ainda nesse item apresentamos o nosso objeto de
pesquisa – o Jornal Massa! –, em um breve histórico acerca do processo de
criação desse veículo e da finalidade a que se propunha com um novo estilo
para divulgação de notícias no estado da Bahia.
Na segunda seção – 3. Imagens, paixões e argumentos: a tríade
argumentativa aristotélica e a sua aplicabilidade no discurso do Jornal
Massa! –, verificamos em que medida esses três elementos se conformam no
processo da argumentação, com vistas a alcançar a persuasão por parte do
auditório.
Na terceira seção – 4. A notícia e os seus efeitos de persuasão: um estudo
da argumentatividade no discurso jornalístico do Massa!, a partir da Nova
Retórica –, os conceitos e as definições sobre a Nova Retórica encontram-se
associados à análise dos textos escolhidos para o corpus da pesquisa, de
modo a classificar e identificar os argumentos ali presentes, facilitando assim a
compreensão acerca da aplicabilidade de tais estratégias as quais permitem
criar o efeito persuasivo no leitor do Jornal Massa!.
No tópico final – 5. Conclusão –, destacamos as impressões gerais obtidas
por meio da pesquisa, no que diz respeito às características do Jornal Massa!
e às estratégias da argumentatividade por ele desenvolvidas. Nessas reflexões
finais, ressaltamos, ainda, a importante função dos veículos midiáticos como
instrumento comunicacional e o papel do público-leitor na recepção dos
argumentos que lhe são dirigidos.
17
2 DA INFORMAÇÃO AO ESPETÁCULO: UMA ABORDAGEM
SOBRE O JORNALISMO SENSACIONALISTA
“As palavras são também instrumentos de ação
e não apenas de comunicação.”
(MARCUSCHI, 1982).
Nesta seção apresentamos inicialmente conceitos e definições acerca do
sensacionalismo, um pouco do histórico dessa linha editorial na mídia mundial
até a sua inserção nos jornais impressos brasileiros. Na sequência,
explanamos o perfil do Jornal Massa! – objeto que nos serve de análise para o
estudo da argumentação –, identificando as principais características que
revelam o formato concebido por esse veículo cuja maior finalidade se
assemelha a de outros títulos concorrentes no mercado jornalístico baiano:
garantir a adesão do auditório a que se destina.
2.1 O GÊNERO SENSACIONALISTA
No universo midiático, marcadamente no contexto do jornalismo, é necessário
que se desenvolvam estratégias de comunicação capazes de despertar no
público o interesse pelas informações ali veiculadas. Em virtude do fenômeno
18
da competitividade existente no mercado, alguns jornais impressos, em busca
de aumentar o número de leitores e, com isso, vender mais exemplares,
passaram a utilizar manchetes e/ou imagens impactantes no intuito de moldar a
emoção do receptor, fazendo surgir o rótulo de “jornais sensacionalistas ou
populares”.4
Pedroso (1983) se reporta a esse gênero do jornalismo com a seguinte
definição:
Modo de produção discursivo da informação de atualidade,
processado por critérios de intensificação e exagero gráfico,
temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e
elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou
subtraídos no contexto de representação ou reprodução de real
social (PEDROSO, 1983, p. 114).
Pedroso (1983, p. 114) afirma que, nesse contexto, “há uma valorização da
emoção, em detrimento da informação”, o que gera uma forma particular de
discurso, ou seja, um discurso que se reveste de um caráter sensacionalista.
Esse discurso é composto de questionamentos referentes ao teor do
sensacionalismo, ao planejamento e à disposição das fotos, das legendas e
das manchetes no jornal, cujos elementos estão orquestrados, a fim de atingir
o terreno das emoções.
Marcondes Filho (1989, p. 66) caracteriza sensacionalismo como “o grau mais
radical da mercantilização da informação: tudo o que se vende é aparência e, na
verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor
do que a manchete”. As notícias da imprensa sensacionalista sentimentalizam
as questões sociais, criam penalização no lugar de descontentamento e se
constituem num mecanismo reducionista que particulariza fenômenos sociais.
A informação é sensacionalizada para vender mais jornal e se localiza no
âmbito do lazer, como contraposição à opressão social do trabalho.
4
Na consulta bibliográfica sobre o tema, identificamos o uso indistinto dos vocábulos
“sensacionalista” e “popular”. Para o interesse desta investigação, o primeiro termo é o mais
apropriado, visto que traduz a ideia de apelo, emoção, sensações que acometem o leitor do
Jornal Massa!, nosso objeto de pesquisa.
19
As várias definições dadas ao gênero sensacionalista convergem para alguns
pontos comuns, sendo de interesse na nossa investigação o que é sintetizado
por Angrimani Sobrinho (1995):
Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que,
em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse
tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar
aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se
para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso.
Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o
real, que superdimensiona o fato (ANGRIMANI SOBRINHO,
1995, p. 16).
Atribui-se o termo sensacionalista àquele tipo de postura editorial – adotada
regular ou esporadicamente por determinados meios de comunicação –, a qual
se caracteriza pelo uso exagerado de determinadas expressões que não
correspondem exatamente àquelas utilizadas por quem participou dos fatos, ou
por argumentos pessoais dos jornalistas, enraizados em expressões pessoais,
chulas e até mesmo preconceituosas, sem que haja uma ligação coerente com
a realidade.
Amaral (2005) argumenta que esse expediente – o da apelação – é utilizado,
em menor ou maior grau, de modo geral, no segmento jornalístico.
O sensacionalismo é um modo de caracterizar o segmento
popular da grande imprensa, uma percepção do fenômeno
localizada historicamente e não o próprio fenômeno.
Corresponde mais à perplexidade com o desenvolvimento da
indústria cultural no âmbito da imprensa do que um conceito
capaz de traduzir os produtos midiáticos populares mais
recentes (AMARAL, 2005, p. 2).
Esse novo jornalismo, caracterizado pelo apelo aos conteúdos sensacionalistas,
os quais buscam atrair mais leitores, mais anunciantes e, consequentemente,
visam trazer mais lucros à empresa jornalística, considera a informação uma
mercadoria importante. Trata-se de uma conduta adotada, na atualidade, por
todos os veículos, mas inegavelmente é a televisão que melhor utiliza os
recursos dos quais dispõe para demonstrar o caráter espetacular dos
20
acontecimentos. A consagração da televisão fez com que os jornais impressos,
por exemplo, precisassem passar por diversas mudanças, de modo a
assemelharem seu texto, seu ritmo, sua produção ao estilo televisivo.
Amaral (2005) defende essa finalidade mercadológica de que lançam mão os
jornais sensacionalistas, observando que os recursos são diferentes daqueles
utilizados nos jornais tidos como sérios:
Também é preciso considerar que um jornal destinado ao
público popular não se utiliza dos mesmos recursos de um
jornal tradicional. [...] Muitas das críticas à imprensa em
questão utilizam-se do argumento de que são jornais “feitos
para o mercado”. É evidente que as empresas jornalísticas
produzem jornais para o mercado. Aliás, qualquer jornal é feito
para um determinado mercado, seja ele popular ou de elite,
alternativo, de oposição sindical, que vise ao lucro ou não
(AMARAL, 2005, 16).
O sensacionalismo, além de caracterizar-se pelo apelo emotivo e pelo uso de
imagens chocantes na cobertura de um fato, também se caracteriza pela
capacidade de induzir o telespectador a prender-se a fatos geralmente
distorcidos, trazendo à tona uma realidade irreal e alterada do cotidiano. Daí
inferir-se que uma informação com teor sensacionalista tem a sua credibilidade
discutível.
Pode-se dizer que a mídia é, em grande parte, a principal responsável pelas
transformações sociais da atualidade. O jornalista é seu cúmplice e, por isso,
conhece as armas capazes de construir ou destruir ideologias. Ciente desse
conceito, a imprensa em geral atua cada vez mais com a ideia de que a
qualidade está associada à preferência do público, ou seja, torna-se bom o
produto que o público gosta e ao qual, portanto, cria adesão. A partir do
momento em que os produtos midiáticos são consumidos, tornam-se
mercadorias e, na guerra em busca de audiência, as regras da ética e moral
são colocadas em segundo plano. É a partir dessa interpretação que, quando
se fala em mídia sensacionalista, esse modelo de jornalismo é então associado
à arte de manipular a informação de modo incompleto ou parcial e de
apresentá-la num formato exagerado ou enganador.
21
Chaise (2007), em seu artigo intitulado O sensacionalismo e a dependência do
jornalismo ao mercado (2007), ratifica:
A responsabilidade da isenção, da objetividade quanto à
informação divulgada, deveria ser a base da atuação ética do
jornalista. Entretanto, sabe-se que em todas as chamadas e
matérias há juízos de valor, há valores reconhecidos e
expressos, mesmo que implicitamente (CHAISE, 2007, p. 10).
Da forma como se apresentam hoje os jornais e telejornais, as pessoas acabam
por pensar que o mundo gira em torno da violência, dos crimes, dos assaltos,
mortes, sequestros, pânico. E nessa ânsia de demonstrar o sensacional, que
tomou conta de todas as redações jornalísticas, tanto profissionais quanto
proprietários de veículos ultrapassaram o limite ético que distingue um fato de
interesse humano, de divertimento, e apelaram para a linguagem do espetáculo
e do sensacional. É sob essa ótica que a autora analisa o comportamento do
auditório no contexto da linguagem apelativa a que se propõe, por exemplo, o
noticiário sensacionalista:
Esta forma de tratar os aspectos da vida privada em sua
dimensão de dor, tragédia ou humor duvidoso de forma tão
visível – às vezes cruel e às vezes grosseira – tem algo a ver
com a vida de quem é atraído pela informação. Afinidade de
conflitos e problemas entre o leitor e o sujeito do texto,
curiosidade social ou morbidez se mesclam no interesse comum
que mantém, cotidianamente, um jornal com este perfil nas
bancas (CHAISE, 2007, p. 11).
De modo geral, os veículos utilizam esse recurso para ganhar audiência, já que
o conteúdo atrai a atenção do público por meio do choque. Essa prática não é
um fenômeno isolado, ou seja, faz parte de um processo histórico e cultural,
sendo influenciado por matrizes como a pornografia, o melodrama, o folhetim, a
literatura de horror, a literatura fantástica e o romance policial, em que se
mesclam realidade e ficção. Importante frisar que tal prática tem sido
igualmente utilizada, ainda que com a devida discrição, em jornais
considerados sérios – estes, em algum momento, podem oscilar entre a
realidade e a ficção, ao construírem o seu discurso. Entretanto, inegavelmente,
é nos jornais populares (aqui tratados como sensacionalistas) que esse formato
se acentua.
22
A mídia sensacionalista expõe programas e jornais em que se divulga a
violência, revelam-se bandidos e o erro dos outros em troca de audiência. Seus
métodos de divulgação baseiam-se em expor as suas próprias opiniões como
fatos, não admitindo o distanciamento ou a neutralidade preconizada no ofício
do jornalismo. Nesse sentido, Marcondes Filho (1986) é enfático quanto ao
papel a que esse gênero se propõe:
[...] O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia, a sua
carga emotiva, apelativa e enaltece. Fabrica uma nova notícia
que a partir daí se vende por si mesma [...] não se presta a
informar, muito menos a formar. Presta-se básica e
fundamentalmente a satisfazer as necessidades instintivas do
público, por meio de formas sádicas, caluniadoras e
ridicularizadora das pessoas. Por isso, a imprensa
sensacionalista serve mais para desviar o público de sua
realidade do que voltar-se a ela (MARCONDES FILHO, 1986,
78).
Agregando maior voltagem de cor na diagramação, textos sintéticos, várias
seções de prestação de serviços e uma mescla entre temáticas de
entretenimento, casos policiais e a redução, quando não exclusão, dos
tradicionais editoriais de política e economia, esses jornais lançam à prática do
jornalismo o desafio de conciliar interesse público com o interesse do público a
que se dirige. Buscam, sobretudo, uma relação de cumplicidade e visibilidade
do leitor, que é priorizado e exposto nas páginas, principalmente por meio da
personificação
das
notícias,
em
nome
da
carga
de
humanidade
(PREVEDELLO, 2007).
Está imbricado, nesse cenário, de um lado o conflito diante da finalidade do
jornalismo como instituição pública mediadora; de outro lado, a perseguição e
conquista de novos mercados consumidores de leitores por uma instituição que
também é de economia privada.
No intuito de se aproximarem de uma camada de público com baixo poder
aquisitivo e pouco hábito de leitura, os jornais, muitas vezes, transformam-se
em mercadoria em todos os sentidos. Com frequência, deixam o bom
jornalismo de lado para simplesmente agradarem ao leitor, em vez de
23
buscarem novos padrões de jornalismo que reforcem os compromissos sociais
com a população de renda mais baixa.
Entretanto, na visão de Amaral (2005), esses jornais têm alterado o conceito e
o modo de informar – antes exclusivamente sensacionalista, e hoje maleável
na sua concepção de noticiário. Segundo a autora, é necessário considerar que
as estratégias de popularização da notícia não estão mais reduzidas à opção
por temática de sangue e sexo.
Muitos produtos jornalísticos populares contornam o estilo
“espreme que sai sangue” e usam outros recursos para
conectarem-se com o público popular como o entretenimento, o
assistencialismo, o denuncismo, a prestação de serviços e a
superexposição das pessoas comuns e das celebridades.
Muitos produtos informativos populares, ao abandonarem as
falsas informações e o exagero, passam também a apostar na
sua credibilidade, conceito antes considerado privilégio da
imprensa de referência (AMARAL, 2005, p. 4).
Observa-se que o “boom” dos jornais populares mudou a relação de leitura das
classes C, D e E. Com esse formato de texto, cujas especificidades buscam
atrair a atenção do público, os editores cumpriram sua missão e potencializaram
esse público para o jornalismo impresso. Mesmo o jornalismo considerado sério,
que era tradicionalmente forte no tratamento dado à informação, enveredou
pelos caminhos do espetáculo. Por conta disso, acredita-se que esse culto à
espetacularização – em detrimento da informação de qualidade – tem frustrado o
público leitor que integra a classe mais privilegiada cultural e economicamente
da sociedade.
Contudo, pode-se inferir que o jornalismo popular, embora pautado no
sensacionalismo, nos moldes atuais, tem sido responsável por fazer ler uma
população que não tinha leitura como hábito diário e tinha somente a televisão
como quadro de referência midiático principal. As comunidades também nunca
tiveram tanto espaço quanto nesses jornais. Além de gerar interesse nos
leitores, há demonstrações de que as periferias ganham importância nesse
novo jornalismo. Em algumas colunas, os jornais tentam, inclusive, fazer
24
denúncias, prestar serviços e manter-se como um mediador entre a população
e o poder público.
Marcondes Filho (2002) avança na condução do conceito buscando aportes na
política e na economia. Para o autor, sensacionalismo vai rimar com
manipulação, com mercantilização da informação. O autor ainda afirma que "a
notícia, como mercadoria, vai recebendo cada vez mais investimento para
melhorar sua aparência e sua vendabilidade” [...] (MARCONDES FILHO, 2002,
p. 24). Para tanto, criam-se as manchetes, os destaques, as reportagens,
trabalha-se e investe-se muito mais na capa, no logotipo, nas chamadas de
primeira página, de modo que o conteúdo passa a figurar no segundo plano.
Todo esse processo somente contribui para dificultar ou minimizar o poder de
reflexão e discernimento do leitor, e assim a criticidade vai, aos poucos,
cedendo lugar ao espetáculo, que é facilmente absorvido e incorporado pela
massa.
Arbex Jr. (2002) corrobora o debate acerca do gênero sensacionalista. Para
ele, tudo não passa de espetáculo, um “showrnalismo”, baseado no
“infontenimento” – fim da fronteira entre informação e entretenimento –, que
obrigou o jornalismo, por exemplo, a se adaptar ao ritmo das mensagens
publicitárias, pois "ninguém que tenha acabado de passar pelo impacto visual
proporcionado pelas mensagens da Coca-Cola ou Marlboro suportaria uma
sequência longa mais do que trinta segundos ou densa sobre algum evento"
(ARBEX Jr., 2002, p. 51-52). Assim as notícias se tornam cada vez mais rasas
de conteúdo e efêmeras, não possibilitando reflexões cuidadosas por parte do
leitor.
O autor destaca também que no jornal televiso "as notícias são apresentadas
por belas mulheres, ou por 'âncoras', que funcionam como showmen, não
tendo importância o fato de eles saberem ou não de que trata a notícia lida
no teleprompter" (ARBEX Jr., 2002, p. 52). Portanto, o acontecimento político e,
mais amplamente o social e/ou cultural, contrai os contornos de um grande
show.
25
O crítico francês Guy Debord (2005), um importante estudioso do universo
permeado pela sociedade do espetáculo, também traz para a discussão o
império da mídia na construção e representação de personagens Em sua
concepção, o espetáculo se tornou, na contemporaneidade, uma mercadoria
que ocupou totalmente o espaço da vida secreta, numa relação de poder e
eficácia:
O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação
social entre pessoas, mediatizada por imagens. [...] Sob todas
as suas formas particulares, informação ou propaganda,
publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetáculo
constitui o modelo presente da vida socialmente dominante
(DEBORD, 2005, p. 8).
Ao se referir a esse contexto mercadológico que interferiu sobremaneira no
modo de se fazer jornalismo, Marcondes Filho (1992) acredita que a indústria
cultural produz uma transformação na identidade das pessoas e das culturas, na
medida em que as torna cada vez mais indiferenciadas. Para o autor, os fatos
sociais são ajeitados, adaptados, interpretados, traduzidos, alinhados para o
grande público. A matéria-prima, que são os fatos crus, precisa ser transformada
em produto cultural, e este é o trabalho promovido pela comunicação
industrializada. Tem-se, portanto, a formação da mercadoria cultural.
Para Debord (2005), em nenhuma outra época da história os profissionais do
espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram
todos os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política –,
passando a organizar, de forma consciente e sistemática, o império da
passividade e da indiferença. O autor lança a mais forte e aguda crítica à
sociedade que se organiza em torno dessa falsificação da vida comum.
O espetáculo que inverte o real é efectivamente produzido. Ao
mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela
contemplação do espetáculo, e retoma em si própria a ordem
espectacular dando-lhe uma adesão positiva. [...] a realidade
surge no espectáculo, e o espectáculo é real. Esta alienação
recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente. No
mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do
falso (DEBORD, 2005, p. 10-11).
26
Nesse sentido, o jornalismo sensacionalista insere-se de maneira inequívoca
na sociedade do espetáculo, ao optar por assuntos do cotidiano, de forma que
cause comoção no telespectador, ao estabelecer uma simbiose entre o que é
real (os fatos em si) e o que é fictício (a espetacularização dos fatos).
Debord (2005), ao definir o modo de ser da sociedade atual como “sociedade
do espetáculo”, afirma que o espetáculo nada mais é que o exagero da mídia
que, em vez de comunicar, pode chegar a excessos. Assim, a sociedade surge
do espetáculo e o espetáculo é real. Tal reciprocidade toma forma em todos os
campos da vida humana e, nesse caso, atua fortemente nos meios de
comunicação de massa, em que o jornalismo passa a construir um discurso
baseado em modelos fictícios e a ficção constrói o seu discurso baseando-se
em modelos reais.
Marcondes Filho (1986), por sua vez, aponta uma característica importante que
pode ser notada na construção jornalística: a semelhança dos textos, tanto
impressos quanto televisivos, aos dramas. Isso talvez explique o porquê de os
noticiários serem produzidos como espetáculos. “Por seu caráter festivo, esses
fatos, sem quaisquer vínculos com a realidade imediata do telespectador, são
politicamente esvaziados (...). O cenário, o apresentador, as cores e todas as
‘informações paralelas’ neutralizam as notícias” (MARCONDES FILHO, 1986, p.
52), atingindo tão somente o estado emocional do leitor.
O autor afirma que esse tipo de informação busca fabricar um mundo
embelezado, de preocupações minimalistas, que se voltam para o privado, para
o individual. As pautas não são definidas pelas inquietações macrossociais ou
de interesse geral, mas por uma série de assuntos definidos como notícia pelos
próprios meios de comunicação –trata-se da teoria do agendamento –, cujos
interesses buscam apresentar, como já mencionamos, notícias de apelo
emocional com discursos voltados para o sensacionalismo, com ampla repetição
de fatos como crimes, assassinatos e tragédias. “O que se vê é uma série de
subprodutos do jornalismo em que o banal, o supérfluo, o vazio ocupam o
espaço de uma suposta densidade desaparecida das páginas dos jornais”
(MARCONDES FILHO, 1986, p.107).
27
Ao analisar a relação do jornalismo com o mercado, Bourdieu (1989, p. 61)
afirma que “os jornalistas tendem a usar certas práticas de enquadramento dos
casos novos, que aparecem nas redações, a certos esquemas préestabelecidos de representação”. Nesse jogo de poder, aquele veículo que
conseguir enquadrar o acontecimento, determina o seu capital simbólico sobre
os concorrentes, visto que, segundo Bourdieu (1989, p. 61), “o poder simbólico
é um poder que está em condições de se fazer reconhecer, de obter
reconhecimento”.
Bourdieu (1997) complementa que há, da parte da imprensa, uma busca por um
público mediano, tendo como objetivo atrair um número maior de leitores e
satisfazê-los. Na prática, o processo faz com que os textos aprofundados sejam
substituídos por construções leves, fáceis de serem assimiladas, mesmo que
superficiais e descontextualizadas da realidade.
Para um jornal sensacionalista, o fait divers – termo criado pelo teórico francês
Roland Barthes, em 1964, na obra Essais Critique. Trata-se da notícia do dia,
na qual valerá a pena investir, aquela que traz mais proximidade com o seu
público, seja essa notícia o nascimento de um bebê diabo, seja o depoimento
de uma mulher com duas “pererecas” (termo grosseiramente atribuído à
genitália feminina). Considerado um dos principais nutrientes do jornalismo
sensacionalista, o fait divers encontra a sua melhor definição nas palavras de
Morin (1969), segundo o qual os limites do mundo real ou do inesperado
irrompem na vida cotidiana:
No fait divers, as proteções da vida normal são rompidas pelo
acidente, catástrofe, crime, paixão, ciúmes, sadismo. O
universo do fait divers tem em comum com o imaginário (o
sonho, o romance, o filme) o desejo de enfrentar a ordem das
coisas, violar os tabus, levar ao limite, à lógica das paixões
(MORIN, 1969, p. 78).
28
Nas discussões acerca do jornalismo sensacionalista, é pertinente inserir o
conceito de modos de endereçamento5, o qual “se baseia no argumento que,
para que o jornal ou programa funcione para um determinado público, o
espectador deve entrar em uma relação particular com a história” (AMARAL,
2006, p. 06). Referem-se às maneiras utilizadas pelos jornais para se dirigirem
aos leitores, às formas como os veículos se orientam para estabelecerem
relações com seu auditório. Estão, portanto, sempre vinculados a uma imagem
do receptor, ou seja, a imagem que o jornal tem do leitor resulta de processos
discursivos anteriores. Por antecipação, o jornal projeta um leitor e estabelece
suas estratégias com base nele. O leitor, por sua vez, também projeta um
jornal e imagina o que o jornal deve dizer e como deve dizer.
Nesse processo, emergem estas perguntas: - A quem o jornal é endereçado?; Quem o jornal pensa que seu público é? E ainda: - Quem esse jornal deseja
que o leitor seja? Assim sendo, voluntária ou involuntariamente, os jornalistas
adotam modos de endereçamento que posicionam o leitor em determinados
lugares, para que se instaure a cumplicidade necessária à adesão do auditório
frente aos argumentos que lhe são apresentados, a partir do noticiário em
geral. O modo de endereçamento consiste, portanto, na “diferença entre o que
poderia ser dito – tudo que é histórica e culturalmente possível e inteligível de
se dizer – e o que é dito” (ELLSWORTH, 2001, p. 47).
Na tentativa de adequar a informação jornalística a temáticas e linguagens
mais populares, os jornais eliminam de sua agenda vários temas de interesse
da cidadania e colocam, no mesmo status de informação, discursos de campos
diferentes do jornalismo. Na visão de Amaral (2005), para ser consumido, o
jornal precisa conhecer minimamente os gostos, a linguagem, a estética e os
estilos de vida de seus leitores. Da mesma forma que na imprensa de
referência, o jornalismo popular é um modo de transmissão de conhecimento,
mas nesse segmento, ele se configura melhor como um modo de
entretenimento.
5
A teoria de Modos de Endereçamento, apresentada por Elisabeth Ellsworth (2001), foi
direcionada ao discurso cinematográfico, mas pode ser igualmente aplicada ao discurso
jornalístico.
29
Com relação aos jornais de natureza sensacionalista, podemos inferir que o
produtor fará um texto com expectativas dirigidas àquele que vai consumir.
Pensando nesse consumo, o produtor idealiza um consumidor médio e sua
preocupação está no fato de como atrair esse consumidor médio. Conforme
assevera Morin (1969), tal relação constitui a cultura mediana.
[... a cultura de massa é média em sua inspiração e seu objetivo,
porque ela é a cultura do denominador comum entre as idades,
os sexos, as classes, os povos, porque ela está ligada a seu
meio natural de formação, a sociedade na qual se desenvolve
uma humanidade média de níveis de vida médios, de tipo de
vida médio (MORIN, 1969, p. 54).
O público leitor, em geral distante das esferas de poder, prefere ver sua
cotidianidade impressa no jornal, logo, a informação torna-se sinônimo de
sensação e da versão espetacularizada das diferentes realidades individuais. É
com frequência que o gênero popular da grande imprensa enfatiza matérias de
interesse humano que, ao serem personalizadas e descontextualizadas,
assumem a função de entretenimento e espetacularização. Muitas vezes,
constata-se o tratamento da informação de um ponto de vista tão particular e
individual que, mesmo que esta diga respeito à grande parte da sociedade, sua
relevância se evapora. Outras vezes, o interesse do público suplanta o
interesse público não somente em função da temática da notícia, mas também
pela forma como esta é editada, a partir da individualização do problema, o que
dá a sensação de que a função jornalística não é efetivada.
Um modo de endereçamento cada vez mais comum é a mudança no critério de
adoção de fontes: muitos jornais e programas adotam como prioritárias fontes
que não têm o papel de explicar o que ocorre na sociedade, mas assumem
uma função testemunhal de autenticar o acontecimento ou gerar sensação
(AMARAL, 2006). Em muitos jornais – enfatizamos aqui a prática do jornalismo
televisivo –, ocorre a intensa visibilidade da fala dos populares e o desprezo
pelas fontes públicas, oficiais ou especializadas. Em outros, toma-se o
declaracionismo das autoridades (principalmente policiais) como prática, e as
fontes falam apenas para dar credibilidade.
30
As notícias são selecionadas, principalmente, pela carga emocional ou de
humor, ou ainda pelo aspecto hilariante ou grotesco, com o intuito primeiro de
entreter o público, ficando o conteúdo da informação para o segundo plano. Nas
notícias, o texto produzido denota um exercício de interpretação e dramatização
do evento, para despertar principalmente as emoções no leitor ou espectador.
Desse modo, a sua publicação depende em grande parte da capacidade
inventiva do jornalista que seleciona e escreve as notícias. A escolha se justifica
por atrair a atenção dos leitores e distraí-los, ou, como sugere Morin (1969, p.
100), por afirmar a presença da paixão, da morte e do destino, “para o leitor que
domina as extremas virulências de suas paixões, proíbe seus instintos e se
abriga contra os perigos”. Morin (1969) ratifica que quanto mais espetaculares
forem os fait divers, tanto mais serão privilegiados na prática jornalística
contemporânea:
[...] as grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime
é quase romanesco, o processo é quase teatral. A imprensa
seleciona as situações existenciais carregadas de uma grande
intensidade afetiva. No fato variado, a situação é privilegiada, e é
a partir de situações chave que os personagens afetivamente
significativos são vedetizados (MORIN, 1969, p.105-6).
Os jornais e programas populares constroem sua legitimidade ao se
relacionarem, de uma forma peculiar, com o mundo do leitor. Já que precisam
falar do universo dos leitores, interpelam uma estética pragmática, pouco
importando se as informações são do âmbito do privado, do local ou do
entretenimento. Assim, o ideal da objetividade, embora varie de jornal para
jornal, muitas vezes é abandonado, e a credibilidade é construída por
intermédio de outros parâmetros, como a proximidade e o testemunho.
Além disso, os veículos são obrigados, por interesses mercadológicos, a
utilizarem determinados recursos temáticos, estéticos e estilísticos, que,
mesmo deslocados do discurso jornalístico tradicional, servem para legitimar a
fala do jornal entre seu público-alvo.
2.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O SENSACIONALISMO
31
2.2.1 O Sensacionalismo no Mundo
O sensacionalismo, enquanto vertente de inspiração para o jornalismo, tem
raízes históricas nos séculos passados. De acordo com Angrimani Sobrinho
(1995), os jornais populares franceses do século XIX já exploravam a violência,
catástrofes e os fenômenos inexplicáveis, de natureza ficcional ou crença
religiosa. Antes disso, por volta de 1690, o primeiro jornal lançado nos Estados
Unidos, Publick Occurrences, já apresentava características sensacionalistas
(AMARAL, 2006). Mas foi realmente no final do século XIX que o fenômeno
conhecido como Yellow Press (imprensa amarela), sinônimo de jornalismo de
escândalos no Brasil, lançaria as bases para um movimento sensacionalista
que serviu de modelo para jornais de todo o mundo.
Angrimani Sobrinho (1995) relata, ainda, que o informativo A Gazeta de
France, cuja publicação ocorreu em 1631, tem muita semelhança com os
jornais sensacionalistas que circulam nos dias atuais. Entretanto, antes desse
jornal, folhetins com ilustrações e impressos em caracteres góticos sobre um
papel de baixa qualidade eram muito procurados pelos leitores, porque
publicavam assuntos criminais e desastres. E já no século XIX, “as pessoas
que faziam os jornais saiam às ruas gritando as manchetes de cunho
sensacionalista” (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 19).
Conforme relata Angrimani Sobrinho (1995), o surgimento do New York Sun,
em 1833, como primeiro jornal norte-americano destinado às massas que
valorizava as histórias de interesse humano, mudou radicalmente o conceito de
jornalismo. A população era atraída demasiadamente por esse tipo de
informação que deixava de lado questões políticas e se dedicava a contar
histórias ligadas ao cotidiano, relacionadas a dramas de pessoas comuns, a
episódios policiais e ao dia a dia nos parlamentos. Ainda nos Estados Unidos,
os jornais de Joseph Pulitzer e William Hearst – New York World e Morning
Journal, respectivamente – priorizavam dramas, histórias falsas, manchetes de
impacto e eram dirigidos às classes populares, sendo vendidos a preços
baixos.
32
Um pouco anterior a esse período, surge o folhetim na Europa, por volta de
1830, considerado o primeiro texto escrito no formato popular de massa,
caracterizado pela linguagem simples, direta, sintética, temática flutuante entre
a informação e a ficção. É um momento em que a imprensa começa a adquirir
condições de produção industriais, mas, ao mesmo tempo, as tradições
populares passam a ser incorporadas aos assuntos de interesse do jornalismo
(ANGRIMANI SOBRINHO, 1995).
2.2.2 O Sensacionalismo no Brasil
De acordo com Prevedello (2007), no Brasil, é também no final do século XIX
que publicações de artigos de Brito Broca e Afonso Lima Barreto trazem à tona
o tema do sensacionalismo como faceta inerente à atividade jornalística. Há
interpretações
de
autores
que
consideram
a
hipótese
de
que
o
sensacionalismo é uma característica presente, de alguma forma, na prática
jornalística; por outro lado, há também a compreensão de que o caráter
sensacionalista seja um teto alargado para a exploração dos dramas humanos
e da manipulação da informação, com o propósito de provocar sensações de
natureza psíquica e alavancar as vendas de jornais.
O crescimento de jornais populares, ao mesmo tempo em que
sinaliza para uma faceta da segmentação característica dos
produtos midiáticos e da própria mídia impressa, que busca
diferenciar-se através do direcionamento a públicos
específicos, alerta também para o reconhecimento de uma
maior visibilidade aos modos de vida das classes consideradas
populares, denunciando a identificação de uma apropriação
simbólica desse público com o consumo de informação
(PREVEDELLO, 2007, p. 22).
Amaral (2006) relata que, nos anos 1970 e 1980, o exemplo mais notório desse
tipo de jornalismo era o Notícias Populares - NP, publicação pertencente ao
Grupo Folha, em São Paulo, que chegou aos 180 mil exemplares diários,
vendidos apenas em bancas, e que deixou de circular em 2001. Com discurso
33
justiceiro em nome do povo, o diário esgotava em poucos minutos nas bancas
próximas a saídas de fábricas. Seu texto persuasivo deixava a esfera da
polêmica para assumir um tom autoritário, taxativo, estigmatizante.
Esclarece a autora que a década de 1990 configura-se em um cenário propício
à renovação na mídia impressa brasileira, decorrente de alguns fatores. Um
aspecto
importante
consiste
nas
mudanças
econômicas,
as
quais
possibilitaram a consolidação de um público consumidor potencial de
informação nas classes C e D, que até então não se inseriam entre os
habituais leitores de jornais impressos. Ademais, o desafio lançado pela
expansão da Internet – um formato de comunicação que trouxe mudanças na
linguagem de apelo ao espectador – e o momento internacional, em que
grandes
empresas
na
Europa
e
América
Latina
lançam
periódicos
condensados, com linguagem mais direta, sucinta e apelo visual mais forte, são
elementos que, conjuntamente, proporcionam o aparecimento de uma nova
proposta no jornalismo impresso.
O
crescimento
desse
modelo
de
jornalismo
popular
– pautado no
sensacionalismo – é uma tendência mundial. O objetivo é levar informação aos
considerados “menos favorecidos”, atingir o público popular, mais precisamente
de comunidades carentes, onde vivem famílias de baixa renda e que não
tinham o hábito de ler jornais, além de ser mais um produto jornalístico no
mercado que irá concorrer com os grandes jornais de referência.
Com o objetivo de atender a essa demanda de novos consumidores, vários
desses novos jornais são lançados, no Brasil, por empresas já consolidadas
nesse segmento de mercado, dos quais brotam títulos que avançam sobre
faixas consumidoras até então desprezadas pelos jornais anteriores. Exemplos
dessa parceria são: o jornal Extra e Expresso da Informação, da InfoGlobo, que
tem O Globo; o Meia-Hora, da empresa jornalística de O Dia; o Diário Gaúcho
e A Hora de Santa Catarina, lançados pelo Grupo RBS, que edita o Zero Hora
34
e o Diário Catarinense e; o Massa! – objeto do nosso trabalho de investigação
–, que pertence ao grupo detentor do Jornal A Tarde6, na Bahia.
Fundado em 1912, o Jornal A Tarde é um produto de circulação diária na Bahia
e integra o segmento considerado jornais de referência. Recebeu essa
denominação
porque
sua
circulação
era
vespertina
e
surpreendeu
os soteropolitanos pela sua qualidade gráfica, que era o seu diferencial em
relação à concorrência. O Jornal A Tarde nasceu em um conturbado ambiente
político, marcado pelas eleições estaduais, e também em um contexto de mídia
competitivo, pois àquela época seis jornais circulavam em Salvador: Jornal de
Notícias, Diário da Bahia, Diário de Notícias, Gazeta do Povo, A Bahia e Diário
da Tarde.
Uma observação interessante é que tais empresas não veem concorrência
entre os produtos, por entenderem que há uma destinação e penetração em
públicos diferentes. Além disso, há um importante diferencial a ser considerado
na destinação aos variados públicos, isto é, a própria estratégia de distribuição:
enquanto os jornais principais dos referidos grupos são vendidos também por
assinatura, os sensacionalistas somente podem ser comprados nas bancas de
revistas e por meio de jornaleiros em pontos estratégicos das grandes cidades.
Com base nos indicadores do crescimento da circulação dos jornais populares,
podemos inferir que uma parcela de leitores está, de fato, aderindo a esse novo
formato, já que os exemplares não podem ser entregues em casa, e até pouco
tempo não dispunham de páginas na Internet.
Berthier e Silva (2012) defendem que se, por um lado, as notícias são de
entretenimento, e por isso são ignoradas pela imprensa de referência, por outro
lado, existe a possibilidade de se reverter esse quadro preconceituoso,
tornando esse estilo em um processo que possa desenvolver o interesse do
leitor de massa popular por assuntos relevância, seja no âmbito mundial, seja
na esfera local, da sua realidade.
6
O Jornal A Tarde comemorou, em 2012, seus 100 anos de existência. Custa R$ 2,00 nas
bancas, variando para R$ 3,00 no domingo e oferece possibilidade de assinatura nas versões
impressa e digital.
35
2.3 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM SENSACIONALISTA NO JORNAL
IMPRESSO
Para Seligman (2009), o sensacionalismo atual é herdeiro de algumas matrizes
culturais da modernidade. Assim, pode ser conceituada de sensacionalista a
publicação que trouxer as seguintes características:
a) a ênfase em temas criminais ou extraordinários, enfocando
preferencialmente o corpo em suas dimensões escatológica e
sexual;
b) presença de marcas da oralidade na construção do texto,
implicando uma relação de cotidianidade com o leitor;
c) a percepção de uma série de marcas sensoriais espalhadas
pelo texto como a utilização de verbos e expressões corporais
(arma “fumegante”, voz “gélida”, “tremer” de terror etc.), bem
como a utilização da prosopopeia como figura de linguagem
fundamental para dar vida aos objetos em cena;
d) a utilização de estratégias editoriais para evidenciar o apelo
sensacional: manchetes “garrafais”, muitas vezes seguidas por
subtítulos jocosos ou impactantes; presença constante de
ilustrações, como fotos com detalhes do crime ou tragédia,
imagens lacrimosas, histórias em quadrinho reconstruindo a
história do acontecimento, etc.;
e) na construção narrativa, a recorrência de uma estrutura
simplificadora e maniqueísta.
f) relação entre jornal sensacionalista e seu consumo por
camadas de menor poder aquisitivo, que, por diversas razões,
seriam manipuladas e acreditariam estar consumindo uma
imprensa “popular” (...) quando, no fundo, estariam consumindo
um jornalismo comercial feito para vender e alienar
(SELIGMAN, 2009, p. 2-3).
Elementos gráficos, fotos chamativas e linguagem grotesca na capa dos jornais
são características exclusivas de publicações populares e sensacionalistas. As
manchetes se destacam pela irreverência das frases, fotos sem censura e
cores em destaque, que ganham a atenção do leitor. Nesse contexto, as
inúmeras poluições visuais e combinações de formato, fazem com que o
impresso popular se torne um jornal descartável. O que é notícia hoje não será
amanhã, devido ao enfoque sensacionalista e fugaz das manchetes. Cada dia
36
há uma notícia excepcional estampada na capa dos tabloides, fazendo com
que a manchete do dia anterior seja menos importante do que a manchete
atual, que tende a ser igualmente esquecida e descartada.
Com isso, percebe-se que esses jornais seguem um método de abordagem
sensacional imediata da notícia. Publicam as manchetes de forma a chamar
rapidamente a atenção dos leitores, e assim venderem um maior número de
exemplares diários, muitas vezes sem se preocuparem com o conteúdo
jornalístico e fundamento das matérias.
Conforme já pontuado, não se trata de um fenômeno novo. É talvez a mais
antiga ferramenta para aumentar as vendas de produtos de comunicação e
implica uma opção editorial. O produto sensacionalista baseia-se, portanto, em
uma linguagem específica, a qual traduz o seu caráter apelativo.
Angrimani Sobrinho (1995, p.16) lembra que a linguagem sensacionalista “não
pode ser sofisticada, nem o estilo elegante”. Os veículos utilizam, portanto, a
linguagem
coloquial,
mas
diferentemente
daquela
empregada
pelos
informativos comuns, visto que carrega um coloquialismo exagerado e
apelativo, o que obriga o leitor a se envolver emocionalmente.
Na imprensa sensacionalista, conforme pontua Pedroso (2001), a gramática
discursiva construída pelos jornais caracteriza-se pela exacerbação de
modelos e arquétipos sociais e culturais já sedimentados no imaginário social
sobre a narrativa jornalística diária. Entre as regras definidoras da prática ou do
modo sensacionalista de produção do discurso de informação estão: a
intensificação, o exagero e a heterogeneidade gráfica; a valorização da
emoção em detrimento da informação; a exploração do extraordinário e do
vulgar;
a
valorização
de
conteúdos
ou
temáticas
isoladas
e
sem
contextualização; a produção discursiva na perspectiva trágica, erótica,
violenta, ridícula, insólita, grotesca ou fantástica; a gramática discursiva
fundamentada no desnivelamento socioeconômico cultural entre as classes
hegemônicas e subalternas, entre outras.
37
A linguagem utilizada nos jornais sensacionalistas é coloquial, de forma
exagerada, podendo ser usadas as gírias e os “palavrões”. Os meios que
utilizam essa linguagem argumentam que as pessoas gostam do que leem, e
que o jornal é voltado para um público constituído por leitores de baixa
escolaridade. Os recursos gráficos são um dos artifícios que o jornal utiliza. A
manchete é escrita em caixa alta e em cores fortes, com destaque na capa do
jornal. Por receber um espaço maior, é geralmente impactante, às vezes
composta de uma frase que chama a atenção do leitor. E por ser o primeiro
contato com o leitor, a manchete é produzida para despertar nele o desejo de
ler a informação na íntegra.
Além de expressões e imagens sensacionalistas, uma característica da qual se
constituem esses veículos é a diluição da prática jornalística na prestação de
serviço e no assistencialismo. Nota-se que os jornais precisam se tornar
imprescindíveis à vida do público e, com essa finalidade, criam espaços para
que sejam publicadas as críticas e reclamações encaminhadas pelos leitores,
atuando, assim, como porta-vozes diante das reivindicações da comunidade.
Tais serviços de utilidade pública configuram a função protecionista bastante
presente nos programas televisivos que exploram esse gênero, agora
transposto para a mídia impressa.
O assistencialismo, por sua vez, faz com que os veículos de comunicação
adotem a necessidade como virtude e todos os injustiçados ou excluídos, os
quais integram a cultura de massas, passem a ter visibilidade por portarem um
capital simbólico: a exclusão social. Mas deve se observar que o
sensacionalismo aparece nos meios de comunicação como uma espécie de
balança, oscilando em determinado momento para a punição e, em outro, para
a transgressão. E o leitor percebe que está entrando em terreno
sensacionalista quando existe essa intenção – de punir ou transgredir (às
vezes, as duas ao mesmo tempo) – tendo como base uma linguagem clichê.
Apesar de estabelecer uma relação de proximidade entre as histórias contadas
e os leitores, tais artifícios de linguagem só colaboram com a estigmatização
dos moradores das periferias, caracterizados como bandidos, marginais,
38
traficantes. Segundo Patias (2006, 98), “a linguagem popular adotada, ao
mesmo tempo em que pretende identificar-se com o discurso do pobre e exigir
os seus direitos, retrata o marginalizado e o favelado como violento, bandido e
potencial criminoso”.
O entretenimento, conforme já visto, é um dos pontos fortes nessa mídia, com
notícias sobre famosos, apresentações culturais, shows, filmes, novelas e
diversos temas que possam entreter os leitores. A espetacularização e
exposição de celebridades são, portanto, práticas as quais evidenciam que os
produtos populares são construídos numa tênue fronteira entre o jornalismo e o
entretenimento. Ademais, o léxico se apresenta como o melhor definidor da
linguagem popular escrita pela imprensa sensacionalista.
Há por parte do jornal uma liberdade sem limites no uso dos
vocábulos gírios (inclusive os de origem ligada às classes
marginais) e uma posição de tolerância quanto ao emprego dos
vocábulos obscenos (palavrões), seja no seu aspecto afetivo,
seja no seu poder injurioso (DIAS, 2008, p. 84).
Dias (2008, p. 86) afirma que, no intuito de se tornar um veículo
eminentemente popular, os jornais sensacionalistas procuram “aproximar-se do
estilo oral, e essa aproximação se dá com maior intensidade no nível do léxico
[...]”, demonstrando assim o poder que têm as palavras para alcançar o
convencimento e a persuasão do leitor.
Os jornais destinados a classes populares são produzidos pensando na
preferência do público para o qual é direcionado. A imprensa popular utiliza o
sensacionalismo com o marketing, pois os textos são elaborados com um
sentido mercadológico e tem o objetivo de vender cada vez mais exemplares.
Assuntos como violência – tema que está presente em todas as classes sociais
– recebem no jornal popular sensacionalista um tratamento diferenciado, ou
seja, o leitor sente-se familiarizado com a reportagem. Os episódios são
narrados de forma que o leitor se espelhe na história, ou por morar na região
onde aconteceu o fato, ou em razão de já ter passado por tal situação.
39
Amaral (2006) reforça essa discussão, ao afirmar que as pessoas leem jornais
não apenas para se informar, mas também pelo senso de pertencimento, pela
necessidade de se sentirem partícipes da história cotidiana e poderem falar das
mesmas coisas que todo mundo fala. Dessa forma, o ato de ler um jornal e de
assistir a um programa também está associado a um ritual que reafirma
cotidianamente a ligação das pessoas com o mundo ao qual elas pertencem.
Nesse particular, Morin (1969) complementa que o jornal sensacionalista
produz no auditório a liberação de desejos reprimidos e censurados, permitindo
ao leitor realizar atos que só se materializam na imaginação. Assim, toda a
violência que imaginariamente é realizada diariamente seria legitimada pela
leitura realizada num dado espaço social. O impulso agressivo do leitor
permite-lhe, pelo ato de leitura, uma satisfação imaginária e verbal. Esse autor
afirma que o mundo dessa mensagem-sensação realiza-se no imaginário do
leitor “na imagem reflexo que ele dota de um poder fantasma – a magia do
sósia” (MORIN, 1969, p. 68). Em outras palavras, há uma identificação com a
realidade
vista,
ainda
que
distante
dos
fatos
publicados
na
mídia
sensacionalista.
2.4 O SENSACIONALISMO NO NOTICIÁRIO DA BAHIA: O JORNAL MASSA!
O jornalismo sensacionalista é um formato que tem garantido cada vez mais
espaço na imprensa baiana. Além dos tradicionais programas televisivos e
radiofônicos, já estabelecidos na grade das emissoras locais e na expectativa
dos telespectadores, com um público fiel, esse estilo vem ganhando espaço
também em produtos impressos.
Nesse âmbito, conforme aqui mostrado, os leitores baianos sempre tiveram
como referência de jornalismo o Jornal A Tarde, que, por muitas décadas, foi
considerado o melhor veículo jornalístico impresso do Nordeste e circulava na
maioria dos estados da região. Líder em vendas, atraía para si muitos leitores e
potenciais anunciantes, de modo que o seu concorrente direto, o antigo Correio
40
da Bahia, passou a posicionar-se em segundo lugar no que se refere à
circulação e à qualidade do produto.
Fundado em 20 de dezembro de 1978, o Correio da Bahia faz parte do mesmo
grupo que controla a Rede Bahia de Televisão. Em agosto de 2008, o jornal
passou por algumas reformulações – incluindo a mudança do nome para
Correio* – com a finalidade de acompanhar as principais tendências do
jornalismo mundial, trazendo uma representação mais moderna e inovadora,
na tentativa de tornar a leitura do jornal mais acessível a todas as faixas etárias
e classes sociais. A reforma acarretou mudanças na diagramação, nas
editorias e na própria organização das folhas.
Quando o veículo completou 30 anos de existência – em dezembro de 2008 –,
a empresa reduziu o valor do jornal para R$ 0,50 e, desde então, a vendagem
do impresso começou a aumentar. Em 2010, o Correio* já era o jornal mais
vendido na Bahia, ultrapassando o tradicional A Tarde, de acordo com dados
do Instituto Verificador de Circulação (IVC)7.
Pressupondo que o Correio* houvesse conquistado um grande número de
leitores de todas as classes sociais, a ponto de superar a venda dos
exemplares do A Tarde, este grupo concorrente resolveu criar um novo jornal,
totalmente voltado para o público das classes C e D, dando ao informativo o
sugestivo nome de “Massa!”.
O lançamento do Massa!, em 2010, deu ao grupo empresarial
a oportunidade de, pela primeira vez na história, direcionar-se
aos leitores das classes sociais C e D, e, sobretudo, se
constituiu como uma tentativa de fazer frente ao rápido
crescimento do seu principal concorrente, o jornal Correio*
(DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p).
7
O Instituto Verificador de Circulação (IVC) é uma entidade nacional sem fins lucrativos,
responsável pela auditoria de mídia impressa e online. Seu objetivo é fornecer ao mercado
dados detalhados sobre circulação e tráfego web. A entidade é composta por representantes
de anunciantes, agências de propaganda e editores. (ANJ)
41
O vocábulo “massa” tem como origens o latim massa (“pasta, amontoado de
material”) e o grego máza (“bolo de cevada”, relacionado a mássein, “amassar,
juntar, unir”). A etimologia do termo encontra ressonância semântica no
português brasileiro, visto que, de acordo com o Mini Dicionário Aurélio (2012),
a palavra massa faz referência, dentre diversas outras acepções, ao que
interessa à nossa pesquisa:
sf (lat massa). 4 O todo cujas partes são da mesma natureza;
7 A multidão, o povo, reunião de muita gente. 17 Sociol
Conjunto de indivíduos não delimitado pelas classificações
tradicionais (família, classe), mas definido por um objetivo
visado por certas atividades: Propaganda de massa. Cultura
de massa. 18 pop Dinheiro, bagalhoça. sf pl 1massas:
Ajuntamento de gente. 2 A população. adj m+f gír bacana, grãfino (FERREIRA, 2012, p. 42).
O termo é usado em várias áreas do conhecimento e em diversos contextos,
como na física, na política, sociologia e tecnologia. É também uma expressão
popularmente empregada pelo falante baiano, que considera “massa” tudo
aquilo que é bom, de qualidade, um produto ou atitude apreciável por muitas
pessoas, que agrada a todos, o que explica a escolha para nominar o referido
jornal.
Há, também, uma fundamental relação de sentido com a expressão “cultura de
massa”, a qual foi desenvolvida com a finalidade específica de atingir a massa
popular, maioria no interior de uma população. Nesse sentido, a variedade do
conteúdo é disseminada por meio dos chamados veículos de comunicação de
massa, cuja concepção é criticada por Morin (1969):
Essa variedade é, ao mesmo tempo, uma variedade
sistematizada, homogeneizada, segundo as normas comuns. O
estilo simples e claro [...] visa conferir-lhe uma inteligibilidade
imediata – e essa universalidade oculta os mais diversos
conteúdos [...]. A obra lenta e densa é substituída pela
condensação agradável e simplificadora (MORIN, 1969, p. 3536 e 57).
Segundo informações do site do veículo, é o “primeiro jornal popular da Bahia,
que atende às classes C e D, trazendo informações sobre serviços e
42
entretenimento”. O periódico de 24 páginas, em cores e também em preto e
branco, apresenta uma tiragem de 56 mil exemplares e é vendido de segunda
a sábado pelo valor de R$ 0,50. A sua redação trabalha de forma integrada
com os outros canais do Grupo A Tarde.
Em matéria divulgada no Jornal A Tarde On-line8, realizada no lançamento do
Jornal Massa!, a Diretoria Executiva e os demais colaboradores do Grupo A
Tarde deixaram claro sobre qual imagem pretendiam construir para ficarem
consolidados na mente dos leitores. O Diretor Sylvio Simões reafirma esse
objetivo: “O Massa! preenche uma lacuna, já que a população não dispõe de
um jornal popular voltado para as classes C e D, que são as que mais crescem
economicamente no País” (SIMÕES, 2010 apud RAMOS, 2010).
O jornal surge, portanto, com o intuito de oferecer notícias e informação de
entretenimento e serviço a essas camadas na estratificação social de leitores,
apostando na linguagem coloquial e acreditando que o público será
surpreendido.
Estamos animados com a ideia de atingirmos um público ávido
por leitura, que até agora, verdadeiramente, não contava com
um jornal pensado para ele. Nossa equipe de profissionais [...]
formatou um produto informativo e divertido, que pode ser lido
por jovens, mulheres e homens interessados também
em dicas de saúde e emprego (BOCAYUVA, 2010 apud
RAMOS, 2010).
Tem-se então a ideia do novo, uma espécie de reparação e dádiva a uma
população esquecida pelas outros segmentos de noticiário impresso,
construindo-se dessa forma, uma imagem protecionista, já que, no referido
lançamento, firmou-se o compromisso de cumplicidade do Jornal, “por se
colocar sempre ao lado do público, expressando suas necessidades e
fiscalizando as instituições para que prestem um bom serviço” (BOCAYUVA,
2010 apud RAMOS, 2010).
8
Entrevista concedida a Cleidiana Ramos, em 18 de outubro de 2010, na ocasião do
lançamento do Jornal Massa! Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/noticias/5637572>.
Acesso em: 10 jun. 2012).
43
O diretor-executivo Renato Simões Filho (2010 apud RAMOS, 2010) reforça
que o novo produto vai manter a qualidade com relação ao trabalho jornalístico.
Segundo ele, “os baianos podem esperar do novo jornal os mesmos
compromissos que os demais veículos do Grupo A Tarde têm para com eles,
sendo os mais importantes a credibilidade e a cumplicidade com seus leitores”
(SIMÕES FILHO, 2010 apud RAMOS, 2010).
Segundo Bocayuva (2010 apud RAMOS, 2010), o Massa! tem como direção
três conceitos: o aspiracional, que é se transformar em instrumento para a
melhoria da qualidade de vida do leitor; o de serviço ao trazer as coberturas do
dia a dia da cidade e; o de cumplicidade, por se colocar sempre ao lado do
público, expressando suas necessidades e fiscalizando as instituições para que
prestem um bom serviço.
Ricardo Pedreira (2010 apud RAMOS, 2010), diretor-executivo da Associação
Nacional de Jornais (ANJ) elogia a iniciativa do lançamento do Jornal Massa!
“O Grupo A Tarde dá uma demonstração de que está atento às tendências da
indústria jornalística no Brasil, onde jornais populares voltados para as classes
C e D têm sido lançados e com grande sucesso” (PEDREIRA, 2010 apud
RAMOS, 2010).
De acordo com Pedreira (2010 apud RAMOS, 2010), diferentemente de países
como os EUA, onde a circulação de jornais apresenta queda, quanto à
aceitação do público, no Brasil os jornais têm conseguido apresentar uma
tendência de crescimento. E acrescenta:
Sobretudo em razão dos jornais populares. Houve uma
percepção das empresas jornalísticas brasileiras da demanda
por jornais de perfil popular. Além disso, no Brasil há um
mercado para ser conquistado e o Grupo A TARDE, ao lançar
o Massa!, está indo de encontro (sic) a essa demanda. Com
certeza, o Massa! vai ser mais uma iniciativa de sucesso do
Grupo A Tarde (PEDREIRA, 2010 apud RAMOS, 2010).
Retomando o conceito do modo de endereçamento, abordado anteriormente,
torna-se perceptível que os editores do Massa! já conhecem as preferências do
seu auditório, ou seja, um público com defasagem no nível de escolaridade ou
44
mesmo o leitor mediano. Essa visão já se evidencia na concepção do slogan
“Feito do seu jeito”, que acompanha o título do jornal em todas as edições do
Massa!, o que denota o prévio conhecimento que o jornal tem a respeito do seu
público:
A noção do leitor ativo desde o momento de produção,
traduzida no conceito de leitor-modelo de Umberto Eco, torna
aparente a ação do Grupo ao pensar um produto novo,
destinado para um público específico. Conhecer seu público
pretenso possibilita ao enunciador o estabelecimento de
vínculos fortes, seja no sentido linguístico ou de conformação
estrutural de determinado produto (DALMONTE; RIBEIRO,
2013, s/p).
Há, por assim dizer, um acordo. Por meio do noticiário, cabe ao jornal,
enquanto aquele que detém o conhecimento e o poder, catequizar o leitor, este
que precisa saber, estar informado. Mais especificamente, os dizeres e as
ações do Jornal Massa! se fazem segundo o que ele imagina que seja ele
mesmo: um veículo identificado com a realidade daquele público leitor e não de
outro e, portanto, comprometido em transmitir notícias que aproximem o
interlocutor do seu jornal. Afinal, o jornal é feito do seu jeito, o que imprime uma
credibilidade no que tange aos mecanismos de persuasão a que recorrem, de
modo geral, os jornais do gênero sensacionalista.
Ao utilizar o slogan “Feito do seu jeito”, o Jornal Massa! antecipa o que seria o
desejo do leitor. Como se configura esse jeito? Certamente, um jeito diferente
do que o leitor encontra em outras publicações, um modo particular e popular
de se fazer notícia. Segundo Gregolin (2003), “as mídias desempenham o
papel de mediação entre seus locutores e a realidade...”, permitindo-lhes criar,
simbolicamente, representações com a realidade concreta.
Nesse sentido – como construtor de imagens simbólicas – a
mídia participa ativamente da sociedade atual, da construção
do imaginário social, no interior do qual os indivíduos
percebem-se em relação a si mesmos e em relação aos outros.
Dessa percepção vem a visualização do sujeito como parte de
uma coletividade (GREGOLIN, 2003, p. 97).
De acordo com Oliveira (2010 apud RAMOS, 2010), jornalista do Grupo A
Tarde, o Massa! será um jornal adequado para ser lido por todos os membros
45
da família, com assuntos que interessam às camadas mais simples da
população, isto é, um jornal “feito do seu jeito”, um “jeito de ser” do baiano, um
jeito que remete ao novo modo de vida das emergentes classes C e D.
Vamos mostrar a atividade cultural, a economia e os eventos
da população dos bairros de Salvador. Pretendemos
descortinar um universo novo para os leitores. Na cobertura
esportiva um dos nossos destaques serão os babas nos
bairros, as curiosidades sobre a vida dos atletas fora de campo
e tabelas diferenciadas com estatísticas e informações sobre
os clubes locais (OLIVEIRA, 2010 apud RAMOS, 2010).
A cumplicidade que o jornal espera alcançar é confirmada e se revela na
opinião do leitor, em notas encaminhadas ao site A Tarde On-line já nas
primeiras semanas após o lançamento do Jornal Massa!
O jornal massa é tudo de bom. Estavamos precisando de um
jornal que mostrasse a cara da bahia. valeu! (V. B. A. apud
RAMOS, 2010).
O leitor se reconhece como um indivíduo pouco escolarizado, pertencente a
uma camada social com baixo poder aquisitivo, que só consegue ou prefere
realizar uma leitura mais simplificada dos fatos, sem por isso deixar de estar
informado.
Desde a primeira vez que eu vi o jornal MASSA! nas bancas,
eu me apaixonei e nao sei viver um dia sem comprar um
exemplar....e cada dia que passa..mais e mais eu me apaixono
pelo seu jeito claro de mostrar-me as noticias por um preço tao
pequeno..parabens aos editores (N.S. apud RAMOS, 2010).
(...)
Parabens a esse meio de comunicaçao de baixo custo, que da
oportunidade para que todas as classes sociais tenham acesso
a comunicaçao e imformaçao (J. M. apud RAMOS, 2010).
Sobre a imagem que o sujeito leitor faz do sujeito jornal é que, além de
transmitir as informações com o “seu jeito”, é um jornal que tem uma função
social, por estar atento às necessidades dos leitores nas comunidades onde
estes estão inseridos.
Seria uma ótima materia, mostrar o caos que encontra-se a
subida da djalma dultra pra nazare. Tem uma verdadeira Mata
46
e nada de secop, sucom nada de nada quizer maiores detalhes
mande um e-mail. não tenho como relatar agora todos os
quisitos. Saudações Rubro Negras (A. M. apud RAMOS, 2010).
O Massa! foi lançado em outubro de 2010, com um formato bem diferente do
que o público baiano estava acostumado em veículos impressos: cores
aberrantes, matéria escritas em linguagem completamente coloquial e
manchetes apelativas. Outro exemplo é a nudez explícita de certas partes do
corpo da mulher (nádegas, seios, coxas), recorrente nas capas do jornal, de
modo a proporcionar ao leitor um prazer de ordem visual, o que leva à
inferência de que existe também uma proposta exibicionista-voyeurista nesse
gênero de ilustração (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 73-74). A respeito
desse tema, Dalmonte e Ribeiro (2013) complementam:
Voltando o olhar para a capa do jornal Massa!, é improvável
que se deixe de comentar a presença da mulher. Neste caso
em específico, associada puramente ao quesito corpo e com
forte conotação sexual. Ali, a mulher é considerada a partir das
dimensões avantajadas de seios e nádegas. Seminuas, em
posições sensuais e olhar, na maioria das vezes, sexualmente
provocativo, as imagens dialogam com os antigos calendários
de borracharia e ao mesmo tempo mexe com os imaginários
masculino e feminino dos seus leitores (DALMONTE; RIBEIRO,
2013, s/p).
Os temas considerados mais comuns no noticiário do Massa! explicam a
incidência do grande número de vocábulos e expressões obscenas e
injuriosas. As notícias sobre o crime e a marginalidade, sobre sexo e
desigualdade social conduzem facilmente à revolta e a uma linguagem
exacerbada do ponto de vista emocional do auditório. Embora estejam
incorporadas a uma linguagem vulgar, e por isso mais apropriada à oralidade,
as gírias e as obscenidades presentes no noticiário, às vezes, se prestam a
esse estilo e expressam as reações que o leitor provavelmente teria, ao se
expressarem na língua falada, diante dos fatos que lhes são apresentados.
O quadro seguinte, contendo cinco exemplos de lexemas utilizados em textos
do Jornal Massa! demonstra a intencionalidade comunicativa que tem esse
veículo, ao lançar mão de termos linguísticos popularizados, a saber: apagar,
sacizeiro, barril, abrir o gás e peneirado. Ao confrontarmos os referidos
47
vocábulos, pelas acepções distintas – na linguagem formal e popular –
percebemos a intenção do jornal em se aproximar da linguagem utilizada no
cotidiano dos leitores aos quais os textos são direcionados:
Quadro1: USO DO LEXEMA APAGAR NO JORNAL MASSA!
Componente
Lexical
APAGAR
Linguagem
Formal
Linguagem
Popular
Utilização do
termo no Jornal
Dados de
Publicação
v.t. Fazer
desaparecer,
friccionando, raspando
etc.; apagar riscos de
lápis;
apagar
uma
palavra/ extinguir,
interromper: apagar o
fogo; apagar a luz.
Ao termo atribui-se
o sentido de tirar a
vida de alguém.
Eliminar
uma
pessoa, matandoa.
Matatu – o tráfico
“apaga” mulher e
não
perdoa
inocente.
19 de janeiro
de 2013 - Ano
3 / No. 708.
Pág. 04
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
A expressão apagar é popularmente utilizada no universo do crime, quando um
indivíduo é assassinado por outro. Nesse contexto, a notícia sugere que essa é
uma das regras do tráfico, uma organização na qual não se perdoa qualquer
atitude que denote, por exemplo, uma traição.
Quadro 2:. USO DO LEXEMA SACIZEIRO NO JORNAL MASSA!
Componente
Lexical
SACIZEIRO*
Linguagem
Formal
Linguagem
Popular
Utilização do
termo no
Jornal
Dados de
Publicação
Originado do vocábulo
saci.
Referência
aos
usuários de drogas.
Ator é alvo dos
“sacizeiros”. Luis
Miranda desabafa
na internet, depois
de ser roubado
duas vezes com
amiga, ao sair de
show no Comércio.
13 de outubro
de
setembro
de 2012 - Ano
2 / No. 624 Pág. 05.
*expressão não
dicionarizada
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
O termo sacizeiro tem associação com o hábito da personagem folclórica. O
saci-pererê usa o seu cachimbo para fumar, tal qual fazem os usuários de
droga, embora não utilizem exatamente um cachimbo. Vale lembrar que,
normalmente, são chamados de sacizeiros os indivíduos que estão na
marginalidade, como uma forma depreciativa em face desse comportamento.
48
Quadro 3: USO DO LEXEMA BARRIL NO JORNAL MASSA!
Componente
Lexical
“BARRIL”
Linguagem
Formal
Linguagem
Popular
Utilização do
termo no
Jornal
No
Subúrbio,
prefeito vê o
“barril” em que se
meteu.
ACM
Neto visita Nova
Constituinte, em
Periperi, enxerga
problemas e faz
promessas.
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
Pequeno tonel. / O
que ele contém. /
Qualquer pequeno
vaso de madeira
feito de aduelas.
Diz-se de uma
situação
complicada, difícil
de
ser
solucionada.
Iminência
de
perigo.
Dados de
Publicação
04 de janeiro
de 2013 - Ano
3 / No. 695.
Essa gíria é bastante utilizada pelos jovens, indistintamente, diante de qualquer
problema que exija um esforço maior em resolvê-lo. E ainda quando esse
problema pode atingir um agravamento, daí a associação com um barril de
pólvoras prestes a explodir, gerando consequências danosas.
Quadro 4: USO DO LEXEMA ABRIR O GÁS NO JORNAL MASSA!
Componente
Lexical
Linguagem
Formal
“ABRIR O GÁS”
Fazer exalar o gás
de
algum
compartimento.
Linguagem
Popular
Utilização do
termo no
Jornal
Crime de Amor –
Ricardão
leva
chumbo
e
matador “abre o
gás”.
O
*expressão
não
entregador
de
dicionarizada
botijões
Francisco
Santana, 23, era
ameaçado
de
morte pelo exmarido de sua
mulher.
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
Sair
de
uma
situação;
ausentar-se; fugir.
Dados de
Publicação
09 de janeiro
de 2013 - Ano
3 / No. 699 Capa
Diferentemente de vazar (também popularizado), o termo abrir o gás refere-se
a uma fuga rápida, de quem não quer se comprometer, ou ser apanhado em
flagrante.
Quadro 5: USO DO LEXEMA “PENEIRADO” NO JORNAL MASSA!
49
Componente
Lexical
“PENEIRAR”
Linguagem
Formal
Linguagem
Popular
Utilização do
termo no
Jornal
De “peneirar” - v.t. Vítima de bala; Tráfico – Homem
Passar
pela alguém
que é “peneirado” no
Planeta
dos
peneira. / Joeirar. / recebeu um tiro.
Macacos.
Chuviscar
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
Dados de
Publicação
13 de outubro
de2012 - Ano
2 / No. 624 –
Pág.05
A expressão peneirado é bastante utilizada no mundo do crime, associando
uma peneira a um corpo cravejado de balas. No caso dessa notícia, o homem
foi, de fato, assassinado.
Como se pode perceber nos quadros demonstrativos acima, a tentativa de
cumplicidade é fortemente evidenciada no Jornal Massa!, pelo uso da
linguagem popular – considerando-se que as abordagens desse formato
jornalístico constituem-se, em grande parte, de conteúdos familiares e
corriqueiros na vida das pessoas mais simples e humildes –, para que o leitor
se enxergue nas páginas do noticiário, imaginando-se um participante da cena
narrada. Sobre esse enfoque, Patias (2006) explana o seguinte:
A linguagem simplificada do produto sensacionalista serve para
fortalecer a fusão entre o público com a história relatada.
Procura legitimidade de representação das populações
periféricas através da linguagem coloquial, do emprego de
palavrões e da gíria, como se esse uso caracterizasse o seu
engajamento com os interesses, gostos e expectativas
populares (PATIAS, 2006, p. 97).
O intuito de garantir uma aproximação cada vez mais estreita com o público
pode ser também observado quando o Jornal Massa! convoca o público a fazer
parte do processo de construção do informativo. Essa é uma das estratégias de
transformações de linguagem que o jornalismo popular utiliza para se fazer
democrático, criando um espaço significativo no cotidiano do público, o que
confirma a tese de Amaral (2006, p. 130), ao defender que “o jornalismo, para
popularizar-se, não poderá ignorar o cotidiano do leitor, e tem de fazer uma
ponte entre sua posição de leitor do mundo e o mundo do leitor”, conforme se
observa no tom imperativo do quadro “Sugira uma matéria” – Você com a mão
no Massa!, que foi lançado pelo jornal e é recorrente nas suas publicações:
50
Dê suas sugestões de matérias, peça ajuda a um ombro
amigo, declare amor ou detone o seu time de futebol, divulgue
o seu baba, conte sua receita especial e suas dicas de cozinha,
coloque a boca no trombone sobre os problemas da sua rua,
do seu bairro e da cidade e envie suas dúvidas sobre saúde,
sexo, economia, informática e emprego. Mande também suas
fotos e vídeos. Sua dica pode virar uma reportagem no jornal
(JORNAL MASSA! ON-LINE apud RAMOS, 2010).
Isso demonstra que o jornal constrói o seu leitor, fazendo com que este se
torne dependente do veículo e seja atraído por editoriais como “Deixa com a
gente”; “Ombro amigo”; “Salve Salvador” e; “Linha direta” – neste,
especialmente, o leitor expõe com mais detalhes as dificuldades da localidade
onde vive ou trabalha e as suas reivindicações por melhorias, ao passo que o
jornal já responde estabelecendo a interlocução com os organismos
responsáveis em solucionar as demandas.
Em estudo realizado sobre as estratégias de ampliação de público do Jornal
Massa! Ribeiro (2013) revela a fundamental importância que tem a linguagem
na relação de um produto com seu público. Segundo a pesquisadora, em um
veículo de comunicação “é preciso que o público compreenda o uso que o
produto faz das construções linguísticas partilhadas em seu ambiente social, já
que este não pode desconsiderar as conformações do segmento ou gênero ao
qual pertence”. Daí a necessidade de aproximarem-se, pelo viés da linguagem,
jornal e leitores:
Tomada enquanto quadro de referência do ato comunicativo
entre as páginas diárias e o público, a linguagem utilizada pelo
jornal Massa! demonstra que o emissor está atento aos usos,
conotações e vocabulários partilhados socialmente pelo público
que pretende atrair, neste caso as classes C e D. É comum o
uso de gírias e expressões como “os bandidos fizeram a
limpa”, o “dono da área”, “polícia dá o troco”, entre outras
(RIBEIRO, 2013, p. 36).
De certa forma, as notícias veiculadas são de interesse público, mesmo com
títulos agressivos e com a sua carga de emotividade e apelação. Como foi
possível perceber nesses quase três anos de existência, o Massa! tem
atendido, em grande parte, àquilo que se propunha na sua concepção de
51
jornalismo popular, qual seja: valorizar sempre a dramaticidade do fato, colocar
emoção nas personagens, fazer com que o leitor interaja com o veículo e se
emocione ao ler as matérias, para, enfim, tornar-se parte do público fiel do
jornal. Ao que parece, a aceitação dos leitores tem traduzido esse objetivo
persuasivo, que é a tônica do jornalismo sensacionalista.
3.
IMAGENS,
PAIXÕES
E
ARGUMENTOS:
A
TRÍADE
ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA E A SUA APLICABILIDADE
NO DISCURSO DO JORNAL MASSA!
“Uma imagem vale mais que mil
palavras”
(CONFÚCIO)
“A emoção é uma certa maneira de apreender o
mundo"
(JEAN-PAUL SARTRE)
Todo discurso argumentativo carece da organização e do encadeamento de
argumentos, de maneira que o auditório não apenas possa acompanhar o
raciocínio do orador, mas também que possa ser convencido da exatidão
quanto aos pontos de vista que estão sendo defendidos para afirmação de uma
tese, isto é, o Logos. Entretanto, além desse aspecto importante no uso da
retórica, é igualmente fundamental – para que o discurso seja persuasivo – que
o próprio orador imprima credibilidade e legitimidade na sua imagem e que
desperte simpatia ou gere empatia com o auditório, configurando-se, portanto,
no Ethos e no Pathos, respectivamente, a tríade argumentativa postulada por
Aristóteles.
Nesta seção, verificamos em que medida tais mecanismos – ethos, pathos e
logos – se tornam marcas presentes no discurso jornalístico do Jornal Massa! e
como os critérios que lhe são estabelecidos contribuem para a adesão do
52
auditório/público-alvo frente às informações veiculadas, de modo a consolidar
esse veículo como credível e legítimo em suas abordagens notadamente de
cunho sensacionalista.
Para tanto, utilizamos como corpus 04 (quatro) matérias de capa – a notícia do
dia com as respectivas manchetes – publicadas do Jornal Massa! nas edições
de sábado/domingo9, especificamente, de modo a ilustrar as concepções
apresentados na fundamentação teórica desta seção, com o intuito de facilitar
o entendimento acerca do tema, qual seja as noções do ethos, do pathos e do
logos no percurso da argumentatividade da qual lança mão o objeto de nossa
pesquisa.
3.1 A ARTE RETÓRICA: DE ARISTÓTELES A PERELMAN; OLBRECHTSTYTECA E AUTORES CONTEMPORÂNEOS
A retórica constitui um dos traços fundamentais e distintivos da cultura grega. O
termo grego retoriké relaciona-se aos termos rector (orador) e retoreia
(discurso público, eloquência) e significa tanto a arte oratória como a disciplina
que versa sobre essa arte. Contudo, o sentido genuíno do termo retórica
somente é compreendido quando se percebe como a civilização grega se
distinguiu de todas as outras por se especializarem na palavra pública.
Reboul (2000) alerta que a origem da retórica não está na literatura, mas no
direito, visto que os cidadãos vítimas dos tiranos reclamavam a restituição dos
seus bens.
Como não existiam advogados, os litigantes recorriam a
logógrafos, espécie de escrivães públicos, que redigiam as
queixas que eles só tinham de ler diante do tribunal. Os
retores, com seu senso agudo de publicidade, ofereceram aos
litigantes e aos logógrafos um instrumento de persuasão que
afirmavam ser invencível, capaz de convencer qualquer pessoa
de qualquer coisa (REBOUL, 2000, p. 2).
Os gregos tinham consciência de que eram uma civilização privilegiada e se
vangloriavam
9
por
saberem
retirar
da
capacidade
da
linguagem
as
O Jornal Massa! veicula uma única edição para o final de semana, valendo, portanto, para o
sábado e o domingo.
53
consequências decorrentes dessa superioridade humana sobre todos os
animais. É pertinente, em nosso estudo, a definição aristotélica:
[...] a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em
cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma
outra arte possui esta função, porque as demais artes têm,
sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e
de persuadir; [...] a Retórica parece ser capaz de, por assim
dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que
próprio para persuadir [...] (ARISTÓTELES, [IV a.C.] 1959, p.
24).
A retórica surgiu na antiga Grécia, ligada à democracia e, em particular, à
necessidade de preparar os cidadãos para uma intervenção ativa no governo
da cidade. Rector era a palavra grega que significava "orador", o político. No
início esta não passava de um conjunto de técnicas de bem falar e de
persuasão para serem usadas nas discussões públicas. A sua criação é
atribuída a Córax e Tísis (V a.C), tendo sido desenvolvida pelos sofistas que a
ensinaram como verdadeiros mestres. Entre estes se destacam Górgias e
Protágoras. Os sofistas adquiriram, durante o século V a.C., grande prestígio
como professores de retórica.
A retórica era, antes de tudo, o discurso do poder ou dos que aspiravam a
exercê-lo. O discurso retórico visava à ação, por isso se propunha a convencer
e a persuadir os que escutavam da justeza das posições do orador. Esse
primado da ação levava a maioria dos sofistas a desprezarem o conhecimento
daquilo que discutiam, contentando-se com simples opiniões, concentrando a
sua atenção nas técnicas de persuasão.
Foi sobretudo contra esse modelo de ensino que se opuseram Sócrates e
Platão. Ambos sustentaram que a retórica era a negação da própria Filosofia.
Platão, no Górgias e no Fedro, estabelece uma distinção clara entre um
discurso argumentativo dos sofistas, que, pelo uso da persuasão, procura
manipular os cidadãos, e o discurso argumentativo dos filósofos, que procura
atingir a verdade por intermédio do diálogo, pois somente esta, a verdade, é o
que importa.
54
A filosofia surge, assim, como discurso dirigido à razão, e não à emoção dos
ouvintes. Essa é, aliás, a condição primeira para que a verdade possa ser
comunicada. Não se trata de convencer ninguém, mas de comunicar ou
demonstrar algo que se pressupõe já adquirido – a verdade de que o filósofo é
detentor.
Aristóteles foi o primeiro filósofo a expor uma teoria da argumentação, nos
Tópicos e na Retórica, procurando um meio caminho entre Platão e os sofistas,
compreendendo a retórica como uma arte que visava descobrir os meios de
persuasão possíveis para os vários argumentos. O seu objetivo é o de obter
uma comunicação mais eficaz para o saber, que é pressuposto como saber
adquirido. A retórica converte-se, então, em uma arte de falar, de modo a
persuadir e a convencer diversos auditórios de que uma dada opinião é
preferível à outra.
É nesse espectro, definido por Aristóteles, que a retórica evolui, configurandose na arte de compor discursos que primavam pela sua organização e beleza
(estética), desvalorizando-se a dimensão argumentativa cultivada pelos
sofistas. Tornou-se, pois, uma verdadeira ciência, cujo exercício exige uma
vasta cultura. O objetivo do orador era provar, agradar e comover. A retórica
divide-se então em várias, culminando nesse período com Quintiliano (séc.I
d.C), cuja única obra que chegou até nós se intitula justamente Institutio
Oratoria. A retórica torna-se oratória, ou seja, a arte de falar bem.
Na Idade Moderna, a retórica continuou a desfrutar ainda de algum prestígio
nos países católicos – recorde-se a esse respeito o notável orador que foi
Padre Antônio Vieira –, mas a tendência do tempo era outra. A retórica como
arte argumentativa passou a ser completamente desacreditada. Pelo
pensamento cartesiano, reafirma-se o primado das evidências sobre os
argumentos verossímeis. Na mesma linha, se desenvolve o discurso científico,
isto é, não se trata de convencer ninguém, mas de demonstrar com fatos,
dados e provas a verdade, a qual é vista como única e irrefutável.
55
No século XX, a Retórica volta a ser retomada, em consequência da
generalização das teses relativistas e do descrédito das ideologias. Nesse novo
contexto, a verdade defendia pelos filósofos não pode ser mais admitida como
um ponto de partida para qualquer discussão. Antes de se afirmar algo como
sendo verdadeiro, o filósofo deve procurar a adesão de um dado auditório para
as suas posições. Todas as filosofias não passam de opiniões plausíveis que
devem ser continuamente demonstradas por meio de argumentos, também
eles meramente plausíveis. Nesse sentido, toda a filosofia é um espaço sempre
em aberto e suscetível de contínuas revisões.
Aristóteles, um mestre da oratória, considerava o falar bem e o pensar bem
como artes equivalentes, unificando, dessa força, a retórica à filosofia. Para
ele, essa rigorosa técnica de argumentar distingue-se daquela que caracteriza
a lógica. O orador, nesse contexto, deve sustentar uma tese ou anulá-la,
desvendando o descobrir pelo pensamento, pela reflexão, em qualquer
questão, o que ela encerra de persuasivo.
Portanto, para Aristóteles ([IV a.C.] 1959), as provas fornecidas pelo discurso
distinguem-se em três espécies: umas residem no caráter moral do orador;
outras, nas disposições que se criaram no ouvinte; outras, ainda, no próprio
discurso, pelo que ele demonstra ou parece demonstrar. Em nosso estudo, as
três espécies são primordiais para a observância da construção do ethos, do
pathos e do logos, respectivamente, a fim de que esse processo seja realmente
compreendido.
A retórica constitui-se de um sistema, distribuído em quatro partes – a
invenção, a disposição, a elocução e a ação – o qual foi postulado por
Aristóteles ([IV a.C.] 1959), conforme o que é explanado por Reboul (2000):
A primeira é a invenção, a busca que empreende o orador de
todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos
ao tema de seu discurso.
A segunda é a disposição, ou seja, a ordenação desses
argumentos, donde resultará a organização interna do
discurso, seu plano.
56
A terceira é a elocução, que não diz respeito à palavra oral,
mas à redação escrita do discurso, ao estilo. É aí que entram
as famosas figuras de estilo, às quais alguns, nos anos 60,
reduziram a retórica!
A quarta é a ação, ou seja, a proferição efetiva do discurso,
com tudo o que ele pode implicar em termos de efeito de voz,
mímicas e gestos (REBOUL, 2000, p. 43-44):
Reboul (2000) reafirma a necessidade de que se cumpram todas essas etapas,
não importando a ordem cronológica, e que se coloquem em prática na
argumentação. As quatro fases devem integrar o discurso, sem as quais este
se torna vazio, desordenado, mal escrito e inaudível.
Um dos principais traços da retórica é que esta exerce a persuasão por meio
de um discurso. Isso quer dizer que não será mais necessário recorrer a um
experimento empírico nem à violência para persuadir um auditório, mas
procura-se ganhar a adesão intelectual desse auditório apenas com o uso da
argumentação. Constitui-se, portanto, uma ruptura com a tradição da
modernidade cartesiana, reatando com uma tradição rompida. Assim, a retórica
se preocupa mais com a adesão do que com a verdade, de modo que o
vocabulário privilegiado passa a ser outro e nele surgem termos como
verossímil, plausível, provável.
Sobre esse tema, acrescenta Charaudeau (2006):
[...] Assim, o problema que se coloca é o da veracidade da
reconstituição, de seu grau de verossimilhança que pode ir do
mais provável ao improvável, e mesmo ao inventado. Tornar
verossímil é tentar crer que o relato corresponde à
reconstituição mais provável, apresentando-se o dito como o
mais fiel possível ao fato tal como se realizou (CHARAUDEAU,
2006, p. 89).
Dessa forma, Platão sonha com uma retórica que seja capaz de forçar a
adesão do auditório mais exigente possível apenas pelo valor de sua
argumentação, abandonando a demagogia e os artifícios enganadores. Por
57
conseguinte, as linguagens pertencentes ao homem possibilitam-lhe intervir no
mundo, organizando as experiências vividas, reorganizando-as sob diversas
perspectivas, imprimindo-lhe novos sentidos. As ideias suscitam a adesão do
leitor por meio de uma maneira de dizer que é também uma maneira de ser.
Recupera-se, desse modo, uma cenografia de confiança, credibilidade e
segurança.
Para Maingueneau (2011), a cenografia é a cena de fala que o discurso
pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar por
intermédio de sua própria enunciação. Segundo Maingueneau (2011, p. 77),
“são os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e
validar a própria cena e o próprio ethos, pelos quais esses conteúdos surgem”.
Nesse sentido, o autor discorre sobre a identificação proposta pelo orador, no
exercício da argumentação:
O poder da persuasão de um discurso decorre em parte do fato
de que ele leva o destinatário a identificar-se com o movimento
de um corpo, por mais esquemático que seja, investido de
valores historicamente especificados (MAINGUENEAU, 2011,
p. 73).
Compõe-se, assim, a tríade retórica (ethos, logos e pathos), em que o orador é
simbolizado pelo ethos, na confiança que nele se deposita. Maingueneau
(2011) complementa:
Para retomar uma fórmula de Gilbert (séc. XVIII), que resume o
triângulo da retórica antiga, ‘instrui-se pelos argumentos; movese pelas paixões; insinua-se pelos costumes’: os ‘argumentos’
correspondem ao logos, as ‘paixões’, ao pathos, os ‘costumes’
ao ethos (MAINGUENEAU, 2011, p. 14).
O ethos representa o estilo que o orador deve usar para captar a atenção e
obter a confiança e a empatia de seu auditório. Nesse intuito, o orador apela
para a imaginação do interlocutor, utilizando o bom senso, a virtude e a
honestidade, elementos estes definidos, na visão aristotélica, como sendo
facilitadores de confiança no orador.
58
3.2 ANALISANDO O ETHOS E OS SEUS DESDOBRAMENTOS RETÓRICOS
Aristóteles postula três maneiras de que o ethos se reveste: areté (virtude),
phronésis (sabedoria) e eunóia (benevolência), o que nos permite afirmar que
tais aspectos apresentam bases morais. Destaca-se que essas qualidades não
constituem os hábitos reais do orador, mas sim os costumes que se
depreendem no discurso, os quais podem ser compreendidos como
estereótipos. São modelos pré-construídos que imprimem à figura do orador
um pré-conhecimento que permite ao ouvinte o traçado de uma impressão
antecipada do ethos a ser manifestado na atividade oratória. Os estereótipos
podem ser definidos, grosso modo, como representações cristalizadas que
determinados grupos fazem uns dos outros, uma imagem homogeneizadora de
indivíduos ou grupos.
O ethos, na retórica tradicional, sempre foi estreitamente relacionado à
eloquência, à oralidade em circunstâncias de uma fala pública; entretanto, os
estudiosos optam por desdobrá-lo, de modo a atingir diversas modalidades de
textos, tanto os orais quanto os escritos. No Dicionário de Análise do Discurso,
elaborado por Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2005), o ethos
recebe a seguinte definição:
Ethos - termo emprestado da retórica antiga, o ethos designa a
imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para
exercer uma influência sobre seu alocutário. Essa noção foi
retomada em ciências da linguagem e, principalmente, em
análise do discurso no que se refere às modalidades verbais da
apresentação de si na interação verbal. O “ethos” faz parte,
como o “logos” e o “pathos”, da trilogia aristotélica dos meios
de prova (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2005, p. 220).
Ainda segundo a definição de Charaudeau e Maingueneau (2004), o ethos
adquire, na concepção aristotélica, um duplo sentido. De um lado faz referência
às virtudes morais que garantem ao orador a credibilidade no seu discurso, a
exemplo da prudência, da virtude e da benevolência; de outro lado, refere-se a
uma dimensão social, na medida em que o orador convence ao se exprimir, de
modo apropriado ao seu caráter e ao seu tipo social. Ambos os casos dizem
59
respeito à imagem de si que o orador produz em seu discurso, e não de sua
pessoa real.
O estudo da mídia audiovisual, por exemplo, não pode prescindir dessa
categoria aristotélica (ethos) para a compreensão das imagens que os sujeitos
apresentam, visando, consciente ou inconscientemente, à eficácia discursiva.
Seja no domínio jornalístico – no qual se insere o nosso objeto de pesquisa –,
seja em outros domínios (publicitários, literários etc.), o ethos constitui um forte
componente para a adesão do auditório/ dos interlocutores. Expostos pelo
espelho midiático, os sujeitos presentes nesses veículos revelam, no dizer de
Maingueneau (2011), um tom, um caráter, um corpo, uma vocalidade.
Maingueneau (2005) afirma que os discursos, mesmo aqueles que se
manifestam por meio de gêneros discursivos escritos – a exemplo dos textos
jornalísticos – possuem essa vocalidade, com uma multiplicidade de tons, os
quais estão necessariamente associados a um caráter e a uma corporalidade,
que dão corpo ao enunciador. Assim, o tom aparece como a vocalidade que
implica o corpo do enunciador, não o corpo do ser empírico, mas aquele que
emerge do discurso como “uma instância subjetiva encarnada que exerce o
papel de fiador” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72). Esse corpo, provido de um
tom, um caráter e uma corporalidade, garante a legitimidade do discurso,
porque suas qualidades se apoiam em representações sociais, estereótipos
culturais valorizados positiva ou negativamente por um dado grupo social.
E, como aponta Maingueneau (2005, p.72), “esses estereótipos culturais
circulam nos registros mais diversos da produção semiótica de uma
coletividade: livros de moral, teatro, pintura, escultura, cinema, publicidade...”,
ou seja, na interdiscursividade. Isso significa dizer que um mesmo estereótipo
pode servir de base à construção de ethé similares que podem se manifestar
tanto por meio de um pronunciamento parlamentar quanto por meio de um
editorial de jornal.
A eficácia da ação do orador sobre seu auditório não diz respeito tão somente
ao aspecto linguístico, mas também ao aspecto social. Em outras palavras, a
60
imagem que o orador faz do seu auditório e vice-versa não depende apenas do
que é dito, mas da autoridade social que o legitima como portador da palavra,
para falar sobre determinado assunto. Quanto maior conhecimento o orador
tiver da imagem do seu auditório, maior a possibilidade de captação deste.
Esse jogo de imagens ocorre com base em modelos culturais conhecidos do
orador e do auditório. Em outras palavras, não é necessariamente a própria
honestidade do orador que lhe garantirá o sucesso persuasivo, mas sim a
impressão que o seu discurso causar.
Por outro lado, Maingueneau (2005) defende que o ethos vincula-se ao ato de
enunciação. Ressalta, porém, que o público constrói representações prévias do
enunciador. Com efeito, estabelece a distinção entre o ethos pré-discursivo e o
ethos discursivo – dito e mostrado –, além do estereótipo, que também faz
parte da cena enunciativa.
O ethos pré-discursivo é a imagem que o orador constrói de si mesmo, a partir
da imagem que ele cria de seu auditório, de modo que, se houver uma boa
correspondência entre ambas as imagens concebidas, haverá eficácia do
discurso. O discurso que o Jornal Massa! apresenta deve explorar sua imagem
para responder às necessidades de seu auditório, em consonância com os
valores institucionais, e isso acontece no desempenho do papel que o auditório
espera dele. Ou seja, o coenunciador10, (leitor do jornal) já detém ou constrói
representações da imagem do enunciador (jornal) antes mesmo que este se
manifeste.
Já o ethos discursivo, para Maingueneau (2005), tem uma “vocalidade
específica”, um “tom” que permite relacioná-lo com uma fonte enunciativa.
Sobre a corporalidade do enunciador, o autor explica que se trata de “um
conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de
estereótipos sobre os quais a enunciação se apoia e, por sua vez, contribui
para reforçar ou transformar” (MAINGUENEAU, 2005, p.72).
10
A noção de coenunciador é a de que o leitor é reconhecido como participante ativo no
processo de interação.
61
Sobre o ethos dito, Maingueneau (2005, p. 80) afirma que “vai além da
referência direta do enunciador a sua própria pessoa ou a sua própria maneira
de enunciar.” Esclarece, ainda, que o ethos dito pode “também incidir sobre o
conjunto de uma cena de fala, apresentada como um modelo ou um antimodelo
da cena do discurso”. Segundo Amossy (2005, p. 82), “A distinção entre ethos
dito e ethos mostrado inscreve-se nos extremos de uma linha contínua, já que
é impossível definir uma fronteira clara entre o ‘dito’ sugerido e o ‘mostrado’
não explícito.”
Por fim, o estereótipo diz respeito a uma ideia coletiva, isto é, vincula-se aos
saberes que são partilhados entre os interlocutores. Para Amossy (2005, p.
125), trata-se de um ethos prévio, isto é, “a imagem que o auditório faz do
locutor no momento em que este toma a palavra.” Dadas as devidas condições,
a imagem vai sendo construída e revelada, e é a partir do outro que os
conhecimentos vão se transformando e tomando forma.
Amossy (2005) prefere adotar o termo ethos prévio, calcado nas informações
que circulam antes do discurso em relação ao locutor, levando em
consideração o interdiscurso. Considera, portanto, que o ethos prévio pode ser
recuperado mediante várias pistas, a saber: as marcas linguísticas; o ethos
mostrado, que pode remeter a um ethos pré-concebido; a história discursiva; o
interdiscurso e a situação comunicativa.
O quadro seguinte ilustra tal distinção, visando a um melhor entendimento
acerca do ethos na cena enunciativa do nosso objeto de estudo:
Quadro 6:Aplicabilidade do ethos no Jornal Massa!
DEFINIÇÃO
APLICABILIDADE
62
O Jornal Massa! é um veículo associado ao Jornal A Tarde –
Ethos pré-discursivo
empresa de comunicação consolidada no mercado editorial de
notícias do estado da Bahia – que tem como proposta difundir
informações, prestar serviços e promover entretenimento aos
leitores das classes C e D, principalmente.
Ethos discursivo – Dito
Busca identificação com o público baiano, ao lançar mão de uma
linguagem simples e, por vezes, exagerada, adotando o estilo a
vida como ela é para mostrar os fatos de modo bastante
naturalista. O Massa! afirma ser um veículo que está atento às
demandas de um grupo social até então posto à margem pelo
jornalismo impresso baiano.
Ethos
discursivo
Mostrado
–
O que é dito pelo Jornal Massa! legitima-se pela boa
receptividade que tem desde o seu lançamento. A comunidade de
leitores entendeu e respondeu positivamente à proposta do
veículo, a de apresentar um jornal feito do seu jeito, com a
cumplicidade que esse público esperava.
O Massa! produz uma imagem de orador que conseguiu adaptar-
Estereótipo
se ao seu auditório, acrescentando ao bojo das informações
elementos de apelo popular que são validados no imaginário
coletivo: um jornal que é massa de se ler, enfim, um jornal feito
para as massas, para o chamado povão.
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
Maingueneau (2005), porém, nos alerta que, segundo o entendimento de
Aristóteles, o ethos somente poderia ser produzido pelo próprio enunciador, e
no momento da enunciação – o filósofo grego não considerava que existisse
um ethos produzido por terceiros nem mesmo um etos pré-discursivo.
O autor parte, assim, do princípio de que o ethos está associado à construção
da imagem do orador no discurso e por meio deste, não correspondendo, pois,
a qualquer opinião prévia que se tenha sobre sua pessoa. Ressalta, porém,
que estar associado não significa ser equivalente, pois a noção de ethos não
se satisfaz em recobrir a imagem do enunciador (logo, entende-se que há uma
distinção entre ethos e imagem do enunciador), mas extrapola isso, ao remeter
à ideia do fiador do discurso, daquele que garante o que é dito, legitimando seu
discurso pelo seu modo de dizer.
63
Isso é bastante perceptível na construção do ethos do Jornal Massa!, quando
este afirma ser um jornal feito do jeito do leitor, com características
direcionadas àquele público, e não a outro, um informativo que se difere dos
demais concorrentes, pelo seu nível de aproximação com o leitor. Ao utilizar o
slogan “Feito do seu jeito”, que acompanha o título do Massa! em todas as
publicações, de alguma forma parece estar preconcebido o desejo do leitor.
Como se configura esse jeito? Muito provavelmente um jeito diferente do que o
leitor encontra em outras publicações, um modo particular e popular de se fazer
notícia, como se pode observar na formatação – desde o aspecto visual e o
estilo de escrita até o grau de abordagem dos fatos.
No momento em que produz a sua imagem de acordo com uma suposta
identificação do outro – que nesse caso é o leitor –, o Jornal Massa! busca
apresentar os elementos necessários para que este outro legitime a sua fala e
permaneça sendo audiência da sua enunciação.
O ethos vai sendo construído à medida que o jornal vai revelando o seu intuito,
qual seja, o de oferecer notícias e informação de entretenimento e serviço a
atuais leitores – e a futuros leitores – que integram as camadas menos
favorecidas do tecido social, considerando-se, evidentemente, a mobilidade
social que tem alterado o funcionamento da estratificação, a exemplo do
crescimento econômico vertiginoso das classes C e D. Por conta desse cenário
nacional, o Jornal Massa! estava apostando na interação e na cumplicidade
com esse público, conforme declaração de um dos membros do Jornal A
Tarde, grupo que detém os direitos sobre a publicação do Massa!:
Estamos animados com a ideia de atingirmos um público
ávido por leitura, que até agora, verdadeiramente, não
contava com um jornal pensado para ele. Nossa equipe de
profissionais [...] formatou um produto informativo e divertido,
que pode ser lido por jovens, mulheres e homens interessados
também em dicas de saúde e emprego (BOCAYUVA, 2010
apud RAMOS, 2010 - Grifos nossos).
Infere-se, a partir daí, a concepção da imagem de um jornal que se preocupa,
valoriza, reconhece, respeita um público antes excluído da acessibilidade às
64
informações oriundas do noticiário impresso na Bahia. Há, por parte do
auditório referido pelo jornal, um entendimento de que agora esse público terá
vez, voz e imagem, já que o veículo abrirá espaço para que ele, o leitor, se
manifeste e exponha o seu rosto e suas opiniões. No Massa! essa interação
ocorre, de modo especial, nas seções Linha Direta (Figura 1) e Deixa com a
gente! (Figura 2).
No primeiro caso – Linha Direta –, trata-se de uma fala que remete à demanda
coletiva, em que o leitor revela a sua indignação diante das mazelas de que
são vítimas os moradores da cidade de Salvador e Região Metropolitana
(Figura 1). Os leitores, por sua vez, sentem-se representados por um dos seus
membros, aquele que conhece e vivencia uma realidade idêntica à deles, e
depositam a confiança no veículo, já que este faz a interlocução com os
segmentos responsáveis pela solução dos problemas apresentados.
Figura 1. Seção Linha Direta
Fonte: Jornal Massa!- Ano 3 – N. 826 – 8 e 9 de junho de 2013
Já na seção Deixa com a gente!, o que se observa é uma valorização que o
Massa! dá ao leitor – agora participante da construção do jornal –, o qual, em
tom quase biográfico, fala de seus desejos, suas alegrias, expondo uma
reivindicação individual (Figura 2).
65
Figura 2. Seção Deixa com a gente!
Fonte: Jornal Massa!- Ano 3 – N. 720 – 2 e 3 de fevereiro de 2013
Em ambas as seções, percebe-se a cumplicidade do veículo com o seu
público. No quadro Linha Direta, o leitor reclama os problemas da sua
comunidade, recebendo o feedback do jornal a respeito das reivindicações. A
interlocução do jornal com as instâncias responsáveis por solucionar os
problemas apresentados fortalece a imagem do veículo. Já na seção Deixa
com a gente!, o leitor assume o papel de celebridade, concedendo uma breve
entrevista ao jornal acerca de assuntos triviais e particulares, sobre a atividade
que desenvolve no bairro, por exemplo. O leitor torna-se um coparticipante
daquela edição e, certamente, sente-se valorizado pelo Massa!
Ainda retomando Maingueneau (2005), o sentido do ethos está vinculado
também às cenas da enunciação, as quais são classificadas em cena
englobante, cena genérica e cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo
discursivo (publicitário, jornalístico, administrativo etc.); a cena genérica
concerne aos gêneros do discurso (artigo, reportagem, outdoor, consulta
médica etc.); a cenografia diz respeito “à cena de fala que o discurso
pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar através
66
de sua própria enunciação [...]” (MAINGUENEAU, 2005, p.67). Esse autor
trabalha com uma concepção encarnada do ethos que engloba não somente a
dimensão verbal do discurso, mas também aspectos físicos e psíquicos
atribuídos ao fiador pelas representações sociais. Esse fiador, por meio de um
tom, corporifica-se, apresentando sua vocalidade.
Em um discurso, o poder de persuasão será maior se estiver investido de
valores historicamente legitimados pelo auditório, e o ethos é a parte que
garante, pelo viés da palavra, a identificação com esses valores: é por meio do
enunciado que se legitima a força da persuasão, não visto como uma forma ou
um conteúdo, mas como um acontecimento inscrito em configurações sóciohistóricas, e deve-se associar a organização do conteúdo e da forma à cena
que vai legitimar essa enunciação. É, seguramente, um ethos movido pelo
pathos, conforme se observa nas figuras 3 e 4, abaixo:
Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de
criancinha
Fonte: Jornal Massa!
Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012
Figura 4. Manchete: Tarado estupra prima...
Fonte: Jornal Massa!
Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012
Nas notícias que compõem o nosso corpus, a exemplo das mostradas acima,
as cenografias se apresentam permeadas de dramaticidade e apelo. Delineia-
67
se no sujeito enunciador um ethos da cumplicidade com os mais fracos, dos
vulneráveis e injustiçados. As palavras escolhidas denotam um ethos de força,
com um texto hiperbolizado, sinalizando revolta e indignação diante do crime,
da violência, da pobreza, cujas expressões se revestem de uma linguagem
estereotipada, reconhecida pelas classes não privilegiadas.
Charaudeau (2005), por sua vez, defende que o ethos constitui uma imagem
transvestida do interlocutor com base naquilo que ele diz. Assim, o ethos
resulta no “cruzamento de olhares. Olhar do outro sobre aquele que fala, olhar
daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro vê”
(CHARAUDEAU, 2005, p. 115).
Nota-se, pois, que o ethos diz respeito a um conjunto de imagens atreladas ao
locutor e ao interlocutor no jogo comunicativo. É evidente, conforme argumenta
esse teórico, que o ethos não concerne tão somente à imagem do indivíduo,
mas pode estar vinculado a um grupo no qual se configura o ethos coletivo,
resultante de julgamentos realizados de uns pelos outros, que se baseiam em
traços identitários. No texto do Massa!, isso é perceptível, na medida em que a
linguagem aponta para uma comoção e uma identificação resultantes de um
pensamento coletivo, ou seja, o conteúdo da notícia veiculada tende a garantir
a aceitação de um grande número de leitores.
Desde a primeira vez que eu vi o jornal MASSA! nas bancas,
eu me apaixonei e nao sei viver um dia sem comprar um
exemplar....e cada dia que passa, mais e mais eu me
apaixono pelo seu jeito claro de mostrar-me as noticias por
um preço tao pequeno..parabens aos editores (N. Z., 2010
apud RAMOS, 2010 - Grifo nosso).
A noção de ethos, portanto, para Charaudeau (2005), está ligada às
identidades do sujeito. De acordo com esse autor, o sujeito apresenta uma
identidade social que funda a sua legitimidade de ser comunicante em
decorrência do estatuto dos papéis que lhe são atribuídos pela situação
comunicativa. Por outro lado, o sujeito constrói uma identidade discursiva do
enunciador, atrelada aos papéis atribuídos no ato de enunciação, decorrentes
das coerções comunicativas que lhe são impostas e das estratégias discursivas
68
que ele se propõe a seguir. Defende, portanto, que as identidades podem se
fundir no ethos, visto que a distinção entre tais identidades (social e discursiva)
é tênue, plasmando-se muitas vezes uma na outra.
Em sua análise, Maingueneau (2005) mudou a localização do ethos da pessoa
do rector (como entendia Aristóteles) para o universo do discurso. Nessa nova
concepção, o ethos atua nos processos de produção de sentido, com o fim de
coordenar a adesão dos sujeitos ao discurso, em conjunto com outras
instâncias discursivas (como o tema, o tom, os modos de coesão, o
vocabulário, entre outros).
Para a concepção aristotélica, obtém-se a persuasão por efeito do caráter
moral, quando o discurso procede de maneira que deixa a impressão de ser o
orador digno de confiança. Assim, Aristóteles ([IV a.C.] 1959) afirma que sendo
uma pessoa de bem, o orador inspirará confiança com mais eficácia e rapidez.
É preciso, contudo, que esse resultado seja obtido pelo discurso e afete os
sentimentos do auditório:
Obtém-se a persuasão nos ouvintes quando o discurso os leva
a sentir uma paixão, porque os juízos que proferimos variam,
consoante experimentamos aflição ou alegria, amizade ou ódio.
[...] Enfim, é pelo discurso que persuadimos, sempre que
demonstramos a verdade ou o que parece ser a verdade, de
acordo com o que, sobre cada assunto, é suscetível de
persuadir (ARISTÓTELES, [IV a.C.] 1959, p. 25).
Apreende-se, pois, que o orador deve argumentar com o outro, de forma
honesta e transparente; caso contrário a argumentação torna-se um sinônimo
de manipulação. O fato de agir com honestidade confere ao orador uma
característica importante em um processo argumentativo: a credibilidade e,
para isso, é preciso apenas comportar-se de modo verdadeiro, sem medo de
revelar propósitos e emoções.
A partir dessas considerações, observa-se que os jornais sensacionalistas, a
exemplo do Massa!, utilizam tais recursos de persuasão para construir um
ethos positivo, sustentável, credível e confiável.
69
Em função disso, o ethos é o resultado dessa duplicidade identitária que
converge para uma identidade única. É preciso salientar, porém, que os
sujeitos podem valer-se de máscaras, ocultando sua identidade pelo que diz.
Nesse processo, os sujeitos interpretantes do discurso tomam o dizer como
uma dimensão daquilo que outro é (CHARAUDEAU, 2006). Além disso, ainda
segundo Charaudeau (2006), não se pode esquecer que essa imagem
discursiva nem sempre é consciente. Isso significa dizer que o sujeito, na
maioria das vezes, não tem controle sobre a imagem de si. Daí afirmar-se que
a imagem percebida pelo destinatário nem sempre coincide com a imagem
transmitida, já que o destinatário pode construir uma imagem não desejada,
não prevista pelo sujeito comunicante.
No jogo enunciativo, o modo de dizer, que também é o modo de ser, de se
comportar – configurando-se daí o ethos –, torna-se crucial para um veículo de
imprensa conquistar a adesão de seu público-leitor, assim como legitimar a
inscrição de seu discurso perante um posicionamento ideológico e discursivo.
Soma-se a isso a tensão emocional gerada pelos fatos que se sucedem e pela
incerteza instalada nos corações daqueles que acompanham tais fatos pelos
jornais, imprimindo-se daí a relevância do pathos discursivo.
Reafirma-se, assim, que a adesão do auditório (leitores) aos argumentos
apresentados
pelo
orador
(Jornal
Massa!)
é
imprescindível
para
a
argumentação, representando um contrato intelectual entre eles. Portanto, ao
selecionar o público-alvo, leva-se em conta fatores psicológicos e sociológicos,
para que se construa um auditório adequado à experiência, identificado com o
que está sendo veiculado. Por conseguinte, nesse processo de argumentar, o
primeiro passo para uma argumentação bem sucedida é a cumplicidade desse
público às premissas do discurso, em que o acordo prévio entre o jornal e os
leitores é decorrente da própria vida social desse auditório.
Ancorado nos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000), a
respeito da adesão entre o orador e o auditório, Santana Neto (2008) assevera:
70
[...] é um contrato intelectual entre o orador e o auditório, o qual
deve ser estabelecido previamente e se relaciona ao que
mutuamente se concebe e admite entre ambos e que são
revelados nas premissas da argumentação. O objetivo da
argumentação não é provar a verdade da conclusão a partir da
verdade das premissas, mas é buscar a adesão (SANTANA
NETO, 2008, p. 645).
Daí afirmar que se mostrar preocupado com a adesão do auditório às
premissas do discurso é o primeiro passo que o orador deve seguir, para que a
argumentação seja bem-sucedida.
Destinadas a auditórios particulares, as premissas da argumentação podem
partir de valores como objeto de acordo. O Jornal Massa!, ao lançar mão desse
perfil de valorização de camadas menos privilegiadas da população, constrói
uma imagem positiva de si pela maneira de dizer, legitimada por todos,
contribuindo assim, para que se crie uma inter-relação entre locutor e leitor,
valorizando, consequentemente, sua própria imagem, para consolidar o acordo
com o público-alvo.
Parafraseando Charaudeau (2006), podemos perceber que os dizeres do
Jornal Massa! sobre si são “discursos de representação”, os quais estão,
cotidianamente, sendo produzidos e reproduzidos no âmbito social, para definir
normas de comportamentos. Essas regras não dizem respeito apenas aos
imaginários de “referência dos comportamentos” – o que fazer ou não fazer –,
mas também aos imaginários de “justificativa desses comportamentos” – se é
do bem ou do mal – em um sistema de interpretação que conduz os sujeitos a
crenças, por meio de um olhar subjetivo.
As representações, ao construírem uma organização do real
através de imagens mentais transpostas em discurso ou em
outras manifestações comportamentais dos indivíduos que
vivem em sociedade, estão incluídas no real, ou mesmo dadas
como se fossem o próprio real. [...] Em resumo, as
representações apontam para um desejo social, produzem
normas e revelam sistemas de valores (CHARAUDEAU, 2006,
p. 47).
A retórica exerce a persuasão por meio do discurso, portanto, o discurso
jornalístico adere à retórica, na medida em que os editores (orador) utilizam os
71
discursos verbal e não verbal como meio de persuasão para o assentimento do
auditório. E, com esse intuito, se preocupa mais com a adesão do que com a
verdade. Assim, o objetivo daquele que a exerce é realmente obter o
assentimento do auditório à tese que apresenta. A verdade ou a falsidade de
tudo que é dito pelo locutor é uma questão secundária.
Nessa perspectiva, de acordo com Santana Neto (2008), alguns máximas,
relacionadas com o pathos do auditório, conduzem o discurso jornalístico, por
exemplo:



Mostre-se emocionado! O orador deve emocionar-se (ou fingir
estar) no estado emocional que deseja transmitir;
Mostre objetos! O punhal do assassino, a boneca da menina...
Na falta das próprias coisas, “mostre imagens!” de pessoas
sofrendo, chorando, extravasando a dor;
Descreva coisas emocionantes! Amplie dados emocionais,
utilizando uma linguagem que tende a exasperar os fatos
indignos, cruéis, odiosos (SANTANA NETO, 2008, p. 646).
Santana Neto (2008) complementa que tais máximas são utilizadas no
segmento do jornalismo, em maior ou menor grau de aderência, o que pode ser
conferido nos telejornais, nos jornais impressos, na internet, nas revistas, nos
programas sensacionalistas, no intuito de obter a adesão do auditório. Sobre
esse tema, assim expõe Charaudeau (2006):
Tratar da verdade não é uma tarefa simples. [...] O verdadeiro e
o falso como noções remetendo a uma realidade ontológica
não pertencem a uma problemática linguística. Entretanto,
acham-se no domínio linguístico noções como a de significar o
verdadeiro ou significar o falso, isto é, produzir um valor de
verdadeiro ou de falso por meio do discurso. [...] o verdadeiro
seria dizer o que é exato/ o falso seria dizer o erro/ o
verdadeiro seria dizer o que aconteceu/ o falso seria inventar o
que não aconteceu; o verdadeiro seria dizer a intenção oculta/
o falso seria mascarar a intenção (mentira ou segredo); enfim o
verdadeiro seria fornecer a prova das explicações/ o falso seria
fornecer explicações sem prova (CHARAUDEAU, 2006, p. 88).
Apesar de a retórica não se preocupar se o que está sendo dito é verdadeiro
ou falso, Aristóteles ([IV a.C.] 1959) sinaliza a utilidade da retórica, como sendo
um aspecto importante no processo de persuasão:
72
A Retórica é útil, porque o verdadeiro e o justo são, por
natureza, melhores que seus contrários. [...] pois não se deve
persuadir o que é imoral – mas para ver claro na questão e
para estarmos habilitados a reduzir por nós mesmos ao nada a
argumentação de um outro, sempre que este em seu discurso
não respeite a justiça. [...] Vê-se, pois, que a Retórica não se
enquadra num gênero particular e definido, mas que se
assemelha à Dialética. Igualmente manifesta é sua utilidade.
Sua tarefa não consiste em persuadir, mas em discernir os
meios de persuadir a propósito de cada questão, [...] o papel da
Retórica se cifra em distinguir o que é verdadeiramente
suscetível de persuadir do que só o é na aparência
(ARISTÓTELES [IV a.C.] 1959, p. 22-23).
Nessa concepção, o discurso não pode pretender ser mais verdadeiro, nem
mesmo verossímil, mas sim eficaz. A palavra, dessa forma, está devotada ao
poder e não mais ao saber. É introduzida a noção de uma oposição entre
crença e saber, em que a retórica se preocupa unicamente com a crença e
nunca com o saber. Ratifica-se, portanto, o papel do Jornal Massa!, um veículo
que se apresenta como o tradutor da informação, defendendo os interesses do
povo mais carente, lutando pelos seus direitos. Enfim, diante daqueles que são
vítimas da injustiça, o jornal cumpre, por assim dizer, a sua função social.
3.3 O PATHOS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ATO DE PERSUADIR
O grande objetivo de todo o discurso argumentativo é provocar a adesão de um
auditório (o conjunto de indivíduos que o emissor pretende influenciar por meio
da sua argumentação).
Ao lado do ethos, o pathos – palavra grega que significa paixão, excesso,
catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento – é uma noção
que remonta à Antiguidade. Atualmente, a noção de pathos e seus
desdobramentos são objeto de estudo das mais diversas áreas do
conhecimento e das várias tendências dentro das ciências da linguagem; por
conseguinte, tem-se aí uma grande dificuldade de estabilizar tal noção, a
exemplo do que ocorre com o ethos. Ao longo dos séculos, os termos
associados a esse assunto (sentimento, emoção, estado de ânimo, humores,
paixões) foram sendo empregados como sinônimos e uma diversidade de
fenômenos foi, muitas vezes, recoberta por apenas um desses termos.
73
Define-se, portanto, o pathos pela sensibilidade que emana do auditório, o qual
é variável em função das suas próprias características. Cabe ao orador
perceber, por mera intuição, o que move o auditório, a que este é sensível.
Deve, para tanto, selecionar as estratégias adequadas para provocar no
auditório as emoções e as paixões necessárias, de modo que seja suscitada a
adesão e se concretize a mudança de atitude e de comportamento. Sabe-se
que o orador serve-se de argumentos racionais, mas este não pode deixar de
usar o se carisma e a sua habilidade oratória.
No texto jornalístico do Massa!, especialmente na manchete e na Notícia do
dia, isto é, o nosso objeto de análise – seja pelo uso da imagem, seja ainda
mais pelo uso da palavra – as emoções dos leitores são aguçadas diante da
cenografia construída pelo veículo, conforme se pode evidenciar na Figura 3,
atingindo a comoção esperada frente ao acontecimento noticiado.
Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha.
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012
Comungam-se, portanto, jornal e leitor, de um mesmo sentimento, não
importando a circunstância: pode ser a vitória de um time admirado por uma
74
grande torcida ou pode ser o desmoronamento de terra que deixou centenas
de vítimas desabrigadas ou, a exemplo da figura acima, um ato de pedofilia. Há
uma espécie de celebração movida pela alegria e/ou pela dor. Esse critério de
noticiabilidade é confirmado na entrevista feita com Euzeni Daltro (2011),
jornalista do Massa!:
O Massa! é feito para moradores dos bairros periféricos e
populares. Mas aí você poderia me perguntar sobre aquela
matéria que eu fiz falando de um casarão que estava prestes a
cair na Av. Vasco da Gama. Nesse caso o critério foi outro.
Geralmente você vê casa de pobre caindo, casarão de rico
caindo ninguém vê. Então essa matéria entrou como inusitado.
E isso também atrai o leitor, ele gosta dessa coisa. É curioso
para o leitor do Massa! que está acostumado a ver a casa do
vizinho cair, ver a casa do barão cair (DALTRO, 2011, s/p).
Santana Neto (2008) afirma que o pathos pode ser subdividido em dois: o
pathos pré- discursivo, ao qual estão relacionadas as emoções do auditório
previstas pelo orador, e o pathos discursivo, ao qual estão ligadas as emoções
do auditório reveladas durante o discurso. O pathos discursivo está vinculado
a um conjunto de crenças compartilhadas e valorizadas sócio-historicamente,
ou seja, a um sistema que determina o valor de cada paixão, conforme a
circunstância em que ela é manifestada em uma dada sociedade e seu
momento histórico. É, por conseguinte, no discurso do Jornal Massa! e por
intermédio dele mesmo que se projetam as imagens do sujeito, de si e do
outro, apoiadas também no tipo de paixões que seu contexto sócio-histórico
determina como possíveis ou não possíveis de manifestar.
Isso significa dizer que os sistemas de valores impõem ao sujeito enunciador
(Jornal Massa!) que ele, no mínimo, manifeste e desperte em seu coenunciador
(leitor) uma determinada emoção em resposta ao que é noticiado – seja a
vitória de um time, seja o desabamento de uma encosta –, de modo que surtirá
consequências na construção de seu ethos, o que nos leva a concluir que há
uma intrínseca relação ethos e pathos (PIRIS, 2009).
Em outras palavras, entendemos o pathos discursivo como um conjunto de
recursos linguístico-discursivos voltados à construção de efeitos de sentido
75
passionais que, de acordo com um dado contexto sócio-histórico, uma dada
formação ideológica e sua correspondente formação discursiva, participam do
processo de interpelação do sujeito.
Sob esse enfoque, as paixões se afiguram também como um sistema de
evidências e de percepções que oferece ao sujeito a experiência de comungar
uma dada emoção numa dada situação de enunciação. Essa comunhão
passional está presente na construção dos efeitos de identificação entre o
enunciador e seu coenunciador, fazendo com que este as experimente também
(o que faz interferir em seu julgamento). Deduzimos daí que o tipo de pathos
tem parte na qualidade de ethos que é construído no discurso, pois as
emoções estão imbricadas nos modos de falar, de enunciar, portanto, na
maneira de ser e de se comportar no mundo.
Dessa forma, pretendemos neste trabalho mostrar a influência recíproca que as
noções de ethos e de pathos exercem uma sobre a outra nesse processo de
interação e de construção do discurso veiculado pelo Jornal Massa! O ethos
está articulado com o pathos, pois a representação das virtudes morais induz
emoções no auditório. As paixões são ao mesmo tempo modos de ser (que
remetem ao ethos e determinam um caráter) e respostas a modos de ser (o
ajustamento ao outro).
O discurso é sempre feito em função de um auditório composto por indivíduos
todos diferentes entre si. O orador, antes de elaborar a sua argumentação, tem
que construir, a partir do auditório, uma representação ideal, tentando prever a
sua adesão aos argumentos que irão ser expostos.
Nem todos os argumentos provocarão certamente a mesma adesão. Cada
auditório requer, pois, da parte do orador, uma estratégia argumentativa
própria, de forma a apresentar nos momentos certos os argumentos mais
ajustados. Um auditório particular é muito distinto de um auditório universal.
Cada um exige um discurso próprio para que este possa ser persuasivo.
76
Reforça-se, desse modo, o acordo contratual. Jornais sensacionalistas, a
exemplo do Massa!, exploram em seu noticiário, principalmente, temas que
causem impacto no auditório, ao recorrerem a narrativas grotescas, com o
argumento de que estão se diferenciando do jornalismo tradicional, já que
priorizam os assuntos os quais fazem parte do cotidiano do leitor e – o que
seria mais importante – utilizam a linguagem do público.
O leitor do Jornal Massa!, o coenunciador, é também um brasileiro, parte do
povo. Assim, ao ler a notícia, ele se identifica com esse povo caracterizado
pelo jornal e experimenta os efeitos passionais que se manifestam no plano da
enunciação. Logo, tendo em vista que o gênero discursivo editorial tem por
finalidade formar opinião, orientar crenças, valores e ações, podemos inferir
que o sujeito leitor/povo será facilmente persuadido.
3.4
NOÇÕES
SOBRE
O
LOGOS
NA
TRÍADE
ARGUMENTATIVA
ARISTOTÉLICA
Ao tipo de argumentação que valoriza os próprios argumentos dá-se o nome de
logos. Neste caso, obtém-se a persuasão por meio de argumentos que levam o
auditório a acreditar que a perspectiva do orador é correta. O logos é, portanto,
o tipo de argumentação centrado na tese e nos argumentos, devendo
apresentar-se bem estruturado do ponto de vista lógico-argumentativo. A
argumentação, neste caso, deverá ser bem clara e compreensível. O logos
está, por isso mesmo, ligado à dimensão da linguagem e à importância das
palavras, do seu rigor e coerência. Assim, é pelo discurso e pelos argumentos
que se tenta valorizar uma tese e se busca a adesão dos ouvintes.
A filosofia, desde o seu início, dedica uma enorme atenção à argumentação e
isso não acontece por acaso. Na verdade a argumentação é uma das formas
mais profícuas da própria atividade filosófica, na medida em que ela envolve a
capacidade de dialogar, de pensar, de analisar, de escolher e implica o
comprometimento de alguém com os seus próprios argumentos.
77
Para Aristóteles ([IV a.C.] 1959), o logos é o tipo de argumentação mais
apropriado, embora os outros possam ter também a sua importância. O logos é
o tipo de argumentação mais objetivo, pois o discurso deve obedecer a uma
racionalidade lógica e possuir rigor. Mas também é possível que o discurso
possa ser ornamentado e de caráter mais literário, recorrendo o orador ao uso
de figuras de estilo, por exemplo.
Durante a apresentação de sua tese, o orador busca convencer o maior
número de ouvintes. Ele deve, portanto, possuir argumentos variados, pois é
comum encontrar auditórios heterogêneos. O que caracteriza um bom orador é
o fato de levar em conta a heterogeneidade do auditório e adaptá-lo a este.
É sob essa perspectiva que os três componentes da persuasão aqui
desmembrados – ethos, pathos e logos – congregam os três lugares
complementares, vistos como provas argumentativas, e concorrem para todo o
processo argumentativo. Em síntese, o tipo de argumento utilizado intervém
também na construção e na imagem do orador (ethos), na exteriorização de
seus sentimentos (pathos) e em sua capacidade de inflamar o auditório (logos).
Podemos inferir que a argumentação é a pretensão da linguagem em
transformar as coisas, fatos e atos em verdade aceita, usando-se provas
elaboradas na busca do convencimento. Para tanto, muitas vezes, recorre à
verossimilhança, ou seja, já que coisas iguais não existem para transformaremse em provas idênticas, deve-se buscar aquilo que mais se parece, de modo
que um bom argumento é aquele que convence pelo que é verossímil. O
orador, por sua vez, lançará mão de técnicas argumentativas ou estratégias
argumentativas cujo objetivo final é a adesão dos espíritos.
Pensar em persuasão para o gênero jornalístico implica pensar na escolha do
uso de linguagens, ao se construírem os discursos, de modo que possa
convencer o outro (auditório) da veracidade de certas visões de mundo –
pautadas nos pontos de vista, inferências, opiniões – verdade esta a qual
emerge do discurso midiático, aqui representado pelo texto do Massa! (orador).
78
Patrick Charaudeau (2010) mostra que no contexto midiático há vários tipos de
verdade: a verdade dos fatos, a verdade da origem, a verdade de opinião e a
verdade de emoção, esta que é de particular interesse no presente estudo,
visto que as estratégias argumentativas que se inserem nas notícias que
compõem o corpus da pesquisa primam por uma verdade a qual se constrói no
terreno das emoções suscitadas nos receptores da informação:
A verdade de emoção encanta ou provoca uma reação
irrefletida. Deixa sem voz ou faz gritar, paralisa ou desencadeia
uma ação pulsional. Isso porque ela se baseia numa história
pessoal consciente, não consciente e/ou inconsciente daquele
que a experiência. Por isso, a reação ocupa um lugar de
verdade, pois nada no mundo, nenhuma razão, pode mudar a
visão daquele que a experiência (basta pensar no pai da
criança
palestina
que
morreu
em
seus
braços)
(CHARAUDEAU, 2010, p. 268).
Para se entender a argumentação e seus fins, é necessário conhecer alguns
elementos
que
a
fundamentam.
Nessa
perspectiva,
o
Tratado
da
Argumentação: a nova retórica propõe-se a apresentar um estudo da
argumentação, motivado pelo descrédito desta no decorrer da História,
conforme será abordado na seção seguinte.
79
4. A NOTÍCIA E OS SEUS EFEITOS DE PERSUASÃO: UM
ESTUDO
DA
ARGUMENTATIVIDADE
NO
DISCURSO
JORNALÍSTICO DO MASSA!, A PARTIR DA NOVA RETÓRICA
“O poder da palavra [logos] pode ser
comparado com o efeito das drogas no
organismo: diferentes palavras podem
induzir preocupação, prazer ou medo
ou, através de um tipo de persuasão
mal
intencionada,
entorpecer
ou
enfeitiçar o espírito”.
(GÓRGIAS, 450-400
a.C.).
As estratégias argumentativas parecem estar nitidamente secundarizadas, face
às técnicas de persuasão usadas pelos novos meios de comunicação de
massas, como a publicidade ou a televisão. Nesta seção, a finalidade é
apresentar as estratégias argumentativas no contexto jornalístico, tendo como
recorte cinco manchetes com as respectivas notícias produzidas e veiculadas
pelo Jornal Massa!, cujas análises têm como principal aporte teórico o Tratado
da Argumentação: a nova retórica, de Chaïm Perelman e Lúcie OlbrechtsTyteca.
80
O sistema retórico vem ao longo das diversas épocas sendo enriquecido,
porém nunca modificado. Conhecido primeiramente como a “técnica retórica”,
inventada pelos gregos, possibilitava defender qualquer causa ou tese.
Portanto, está desde sua origem ligada à área judiciária, aspecto que
Aristóteles mais tarde chamará de "gênero judicial" do discurso retórico.
Compreende-se que, com o advento do racionalismo de Descartes, a dialética
aristotélica é desprestigiada, enquanto que a lógica moderna atinge seu auge,
tornando-se o modelo referencial. São pertinentes, portanto, algumas
explicações acerca das diferenças entre estes. A dialética aristotélica busca a
adesão de todo ser racional, por métodos argumentativos que despertem seu
consentimento, sua participação mental.
Como já abordado em nosso trabalho, o método aristotélico não admite a
unicidade, ou seja, seu objetivo é apresentar argumentos que alcancem o
verossímil, o provável. Não obstante, o modelo cientificista, inspirado na lógica
formal que é oriunda da reflexão sobre o raciocínio matemático, busca o certo,
o verdadeiro, por meio de premissas demonstrativas, ou seja, que apresentam
fatos ou evidências como instrumento de prova.
Na contramão desse modelo, a argumentação, na perspectiva de Perelman e
Olbrechts-Tyteca ([1959] 2000), promove o diálogo e considera como violência
o ato de persuadir por meio de provas, visando à unicidade, a unanimidade.
Argumentar é se colocar a partir do ponto de vista do interlocutor e convencê-lo
pelo envolvimento, é beneficiá-lo com a verossimilhança.
O exercício da argumentação parte do acordo do orador com o auditório.
Nesse processo o objeto é identificado como o que é admitido pelo auditório. A
priori, este acordo é observado "como ponto de partida de raciocínios", e
posteriormente, nota-se como estes se desenvolvem. É de grande relevância
que o orador se adapte ao auditório. Com essa finalidade foi criado o conceito
de auditório universal, que consiste em uma construção imaginária do orador
formada pelo que se sabe desse auditório. Mas o Tratado da Argumentação
81
aponta para a criação de um auditório de elite, a saber, um auditório particular
dotado de conhecimentos privilegiados e incontestáveis.
Sobral (2005) enfatiza a necessidasde de se estabelecer um acordo entre o
orador e o auditório, no processo argumentativo, contudo, faz a seguinte
observação:
A adesão de um auditório a determinada tese depende não
apenas dos argumentos de que dispõe o orador. (...) O acordo
ocorre a partir de um contato intelectual, cujas condições
básicas são a existência de uma linguagem comum, o desejo
de dirigir a palavra e de ser escutado e a valorização da
adesão do interlocutor (SOBRAL, 2005, p. 48).
O auditório particular encontra similaridade, por exemplo, nos grupos científicos
ou religiosos, os quais gozam boa posição hierárquica e se consideram
vanguardistas e de referência para os demais grupos. Deve-se salientar que
esse auditório tanto pode ser aceito como modelo, quanto pode ser rechaçado,
por não aceitar o auditório ao qual é direcionado. Daí a necessidade de
adaptar-se o orador ao seu auditório, conforme orienta o Tratado da
Argumentação:
Para poder influenciar mais o auditório, pode-se condicioná-lo
por meios diversos: música, iluminação, jogos de massas
humanas, paisagem, direção teatral. [...] O importante, na
argumentação, não é saber o que o próprio orador considera
verdadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a
quem ela se dirige (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
[1958] 2000, p. 26).
Na esteira dessa discussão sobre o papel do orador frente ao auditório, o qual
deve aderir à tese proposta, Sobral (2005) ratifica:
Para uma boa argumentação, é necessário conhecer bem
aquele que se quer persuadir. Assim, toda a argumentação
deve ser construída a partir do que o orador definiu ser o seu
destinatário, ou seja, o auditório. Portanto, o conhecimento
psicológico, sociológico e ideológico do auditório é fundamental
à eficácia da argumentação (SOBRAL, 2005, p. 47).
82
É nessa perspectiva que Reboul (2000) alerta para umas das regras as quais
visam alcançar a eficácia na argumentação: trata-se da clareza, “[...] em outras
palavras, a adaptação do estilo ao auditório”. Pode-se afirmar, pois, que o
Jornal Massa! tem conquistado a adesão do seu leitor, na medida em que cria
uma linguagem clara, acessível, colocando-se ao alcance do seu auditório.
Esses artifícios de linguagem são confirmados pela jornalista Euzeni Daltro,
que já atuou como estagiária do Jornal A Tarde e hoje escreve para o Massa!.
Ela fala sobre as diferenças entre as rotinas de produção e os critérios de
noticiabilidade dos dois veículos:
(...) acontece muito de o repórter escrever um texto para o
Massa! e outro para o A Tarde. O mesmo conteúdo, mas
linguagens diferentes. Quando não dá tempo o editor adequa.
Às vezes é engraçado (depois que eu paro para pensar, no
momento não é nada engraçado!) quando eu tenho três
matérias para escrever, uma de Entretenimento, uma de
Polícia e uma de Cidade. Eu simplesmente paro e pergunto
para os editores qual eu devo escrever primeiro (DALTRO,
2011, s/p).
Retoma-se, portanto, à Teoria do Agendamento11 a qual defende a ideia de que
os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os
assuntos que são veiculados, sugerindo que os meios de comunicação
agendam o que será noticiado.
A Teoria do Agendamento ajuda na compreensão do papel do jornalismo na
contemporaneidade. A pauta das conversas interpessoais é sugerida pelos
jornais, televisão, rádio e internet, propiciando aos receptores a hierarquização
dos assuntos que devem ser pensados/falados. A realidade social passa a ser
representada por um cenário montado a partir dos meios de comunicação de
massa.
11
O conceito de agendamento (Agenda-Setting) foi enunciado pela primeira vez em 1972,
pelos investigadores Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw, na sequência do seu estudo
empírico realizado durante a campanha presidencial norte-americana de 1968, com o objetivo
de comprovarem o poder de agendamento dos media, ou seja, a capacidade dos media
promoverem a agenda de temas que eram objeto de debate e interesse público. In: MATTOS,
Celso. O Agenda-Setting o discurso circular da informação. Disponível em:
http://www.pitagoraslondrina.com.br/midialogos/ed_01/artigos/Agenda%20Setting%20
%20Celso%20Mattos.pdf. Acesso em: 10 dez. 2013.
83
Traquina (2000) aponta dois aspectos determinantes, no que tange à agenda
pública e os seus desdobramentos para o campo do jornalismo: 1) a atuação
dos jornalistas e os critérios de noticiabilidade por eles utilizado; e 2) a ação
estratégica visando promover a notícia, bem como os recursos de que dispõem
para mobilizar a esfera jornalística.
O efeito do agendamento varia conforme a natureza do assunto, distinguindo
entre questões envolventes, ou seja, que as pessoas podem mobilizar a sua
experiência direta e questões não envolventes, que estão mais distantes das
pessoas, com as quais elas não têm experiência direta Traquina (2000).
Em outras palavras, os meios de comunicação de massa ditam a importância
de tal fato em detrimento de outro que, segundo a sua visão, terá menor ou
quase nenhuma repercussão para um específico auditório. No Jornal Massa! é
perceptível uma predileção por temas que abordem a violência na sua forma
mais grotesca, haja vista a recorrência das matérias de capa em que a barbárie
produzida no mundo da criminalidade. Entretanto, embora o interesse do
veículo seja causar impacto no leitor, tais abordagens, por vezes, são
apreendidas com certa naturalidade pelo público.
Assim, a mídia determina ao jornalista o que deve colocar como pauta,
configurando-se, desde já, o poder, com vistas à argumentação, que se faz
presente na imprensa. O quadro seguinte permite uma análise acerca da
Teoria do Agendamento adotada pelo Jornal Massa!:
Quadro 7: Comparativo entre os jornais Massa! e A Tarde - Teoria do Agendamento
no período de 02 a 13/12/2103.
Data/publicação
Manchete/ Jornal Massa!
é
acusado
Manchete/ Jornal A Tarde
02. 12. 2013
Adolescente
assassinato
de
Escolha do PT coloca pressão
na oposição
03. 12. 2013
Guerra entre PMs e bandidos:
terror em Valéria
Gasolina já custa mais de R$ 3
em postos da capital
04. 12. 2013
Erro fatal: pedreiro morre no
lugar do irmão
MEC pode autorizar mais seis
faculdades de medicina na Bahia
84
10. 12. 2013
Polícia passa rodo: tráfico sofre
seis baixas
Personalidades revelam pedidos
a Papai Noel para melhorar a
Bahia
11. 12. 2013
Arrastão do bem: liga da justiça
bota 10 em cana
Lajedinho inicia reconstrução,
mas ainda conta seus mortos
12. 12. 2013
Fugiu e seu deu mal: PM rápida
no gatilho
Número de multas de ônibus
sobe 431%
13.12. 2013
Banho de sangue: estação do
terror
Greve de vigilantes
apagão cultural
causa
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013), a partir de informações obtidas no Massa! On line.
Disponível em: http://www.jornalmassa.com.br/ e http://www.atardeuol.com.br/ Acesso em: 14
dez. 2013.
O Quadro 7 revela que, nas duas primeiras semanas do mês de dezembro de
2012, dentre os temas noticiados no Jornal Massa!, aqueles relacionados ao
submundo da criminalidade tiveram prioridade – aproximadamente 50% –, e
foram, portanto, determinados como agenda do público leitor.
Em sua análise sobre o papel dos meios de comunicação de massa, em
especial sobre as práticas desenvolvidas na imprensa, Bourdieu (1997) pontua
observa que os jornalistas, condicionados pelas propensões inerentes à
profissão, pela visão de mundo, pelo tempo, pela sua formação, pela lógica da
profissão e por suas disposições, selecionam na realidade aquilo que
acreditam ser notícia. Para o autor, “os jornalistas têm óculos especiais a partir
dos quais veem coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que
veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado”
(BOURDIEU, 1997, p. 25).
Complementarmente, Vizeu (2007) explana a respeito da Teoria do
Agendamento, em que os fatos são selecionados hierarquicamente, conforme
a realidade do auditório.
No processo de produção da notícia, ao selecionarem
determinados fatos excluindo outros, os informativos televisivos
organizam, sistematizam, classificam e hierarquizam a
realidade, emoldurando os acontecimentos, o cotidiano. O
mundo a que assistimos diariamente nos telejornais é
produzido dentro das normas e regras do campo jornalístico
85
que, ao dar visibilidade aos demais campos do conhecimento,
os submete a seus processos e estratégias (VIZEU, 2007, s/p).
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996), ao apresentarem os princípios
teóricos de uma Nova Retórica, salientam ainda o poder argumentativo dos
veículos de comunicação de massa. Essas instâncias comunicacionais,
segundo os autores, utilizam fundamentalmente os recursos verbais em suas
emissões. Trazendo para o nosso objeto de estudo, observamos que a
argumentação visa à adesão simultânea de um auditório universal, isto é, os
leitores do Jornal Massa!.
Entretanto, Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 2000, p. 27) advertem que da
mesma maneira que: “(...) ao auditório cabe o papel principal de determinar a
qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores (...)”, assim
também “(...) o importante na argumentação não é saber o que o próprio orador
considera verdadeiro, ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ela
se dirige”. Logo, é o orador precisa adaptar-se ao auditório, e não o contrário.
Desse modo, o orador que visa a uma ação precisa, pelo auditório: “(...) deverá
excitar as paixões, emocionar seus ouvintes, de modo a desencadear uma
adesão intensa, capaz de vencer a inércia e as forças que atuam em sentido
diferente ao desejado pelo orador” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA
[1958], 2000, p. 52).
A partir do que os autores observam no Tratado, podem ser definidas quatro
importantes condições as quais conduzem à eficácia na argumentação, a
saber:
1ª. Condição  consiste em definir uma tese e saber a qual tipo de pergunta
essa tese responde, isto é, a tese precisar satisfazer a uma necessidade do
auditório ao qual o orador se dirige.
2ª. Condição  trata de se empreender uma argumentação, recorrendo a uma
linguagem comum ao público ao qual se destina.
3ª. Condição  diz respeito a ter um contato positivo com o outro, buscando
86
principalmente escutá-lo.
4ª. Condição  refere-se à necessidade de agir eticamente, argumentando
com o outro com honestidade e transparência, a fim de que o ato da
argumentação não se torne manipulador.
Ciente de que, na esfera do jornalismo, diversas estratégias são desenvolvidas
para envolver, seduzir e persuadir o leitor, este trabalho direciona-se para a
análise dos elementos argumentativos presentes nesse gênero, com a
finalidade de investigar, com base na argumentação retórica, a elaboração de
textos que circulam no Jornal Massa!.
Considerando-se que a linguagem humana abarca uma diversidade textual, o
gênero jornalístico sensacionalista, objeto da nossa análise, possibilitou a
seleção dos textos que compuseram o corpus. Mais uma vez enfatizamos que
a busca pelo Jornal Massa! justifica-se também pelo impacto que esse
periódico causou ao público baiano, o qual estava acostumado a noticiários
mais leves, no que tange tanto ao formato visual quanto à linguagem verbal, a
saber: Jornal A Tarde, Tribuna da Bahia e Correio*, além dos que são
distribuídos nacionalmente, como o Folha de SP e O Globo.
O Jornal Massa! possui boa circulação pública, é visto como jornal
popularesco, cujo público-alvo é composto, em sua maioria, por leitores com
um nível de escolaridade baixo a médio. Jornais que têm a configuração do
Massa!, os chamados sensacionalistas, encontram ressonância nesse público,
daí os fatos serem apresentados de forma exageradamente direta, muitas
vezes recorrendo à bizarrice, para cumprir a sua função informativa, esta que,
teoricamente, todos os jornais têm como premissa.
4.1 A ARGUMENTAÇÃO NO GÊNERO NOTÍCIA: O CORPUS DA PESQUISA
A escolha pela manchete da capa, que conduz à Notícia do dia – esta de maior
importância a cada edição do Jornal Massa! – confirma o nosso interesse em
observar como as notícias mais impactantes conseguem atrair leitores e,
87
posteriormente, persuadi-los frente ao que lhes é apresentado. O quadro
seguinte apresenta os textos de que se constitui o nosso objeto de estudo:
Quadro 8: Constituição do corpus da pesquisa
Constituição do Corpus
Ordem
Título
Fonte
Texto 1
Super Maria: 32 filhos
Texto 2
Covardia:
Jornal Massa!
Tarado estupra prima Edição n. 696
de 6 anos
Texto 3
Texto 4
Jornal Massa!
Edição n. 492
Estuprador é solto:
Jornal Massa!
Inimigo
n.
1
de Edição n. 720
criancinha
Infância roubada:
Jornal Massa!
Vídeos, ameaças e Edição n. 826
estupro
Data de Publicação
12 e 13 / maio/ 2012
05 e 06 / jan./ 2012
02 e 03 / fev./ 2012
08 e 09 / jul./ 2013
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013).
Para um melhor entendimento da análise, apresentamos, inicialmente, as
matérias escolhidas, com a formatação e o conteúdo que integram a notícia. A
partir de então, fazemos uma análise fundamentada nos tipos de argumentos
que foram identificados nas referidas notícias.
4.1.1 Texto 1. Super Maria: 32 filhos
88
Figura 5: Manchete Super Maria: 32 filhos /
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492
12 e 13 de maio de 2013
Figura 6: Notícia do dia: Maria, 32 filhos e muitas
histórias
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492
12 e 13 de maio de 2012.
A manchete integra a capa da edição n. 492, com circulação nos dias 12 e 13
de maio de 2012, domingo em que se comemorou o Dia das Mães. Além dessa
manchete, na primeira página constam apenas duas (02) notícias: uma com
referência ao futebol baiano e outra versando sobre a violência local. Como se
pode observar, em quase toda a extensão da capa, o destaque é para a
simbologia envolvendo a data festiva do Dia das Mães, que, no imaginário
coletivo, traduz-se em alegria e tristeza, cujos sentimentos são suscitados pela
emoção.
Nessa edição, o jornal mantém os tons coloridos e os títulos com letras
grandes, que é uma de suas características como linguagem visual, mas,
diferentemente da maioria das capas, não utiliza as tonalidades preto e
vermelho, normalmente exploradas quando as manchetes fazem alusão à
violência e a algum tipo de barbárie.
89
Abaixo da manchete Super Maria: 32 filhos posiciona-se a fotografia de uma
das personagens que estão compondo o noticiário acerca do tema e cuja fala
está transcrita no lead: “Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para
ladrão, afirma ela, que além de filhos, tem muita história para contar”.
Na referida capa, em lugar da habitual fotografia de um corpo feminino seminu
– objeto de desejo do costumeiro e voraz leitor do Massa! – estampa-se a
figura da cantora Cláudia Leitte e, ao lado, seu depoimento para corroborar o
contexto emotivo ao qual o jornal se propôs desde a manchete, nessa edição
especial: “Sou apaixonada pela maternidade. Sinto-me mais próxima de Deus”.
Com esse recurso, o Massa! imprime alguma leveza no conteúdo de um jornal
cujas manchetes enfatizam operações policiais e fatos grotescos, como
critérios de noticiabilidade.
Na parte interna, na página 3, retoma-se o tema da manchete com o seguinte
título: “Maria, 32 filhos e muitas histórias”, cuja informação se amplia no lead:
“Fertilidade de Maria da Conceição surpreende até mesmo especialistas em
reprodução. A grande quantidade de descendentes deu origem à lavagem de
Fazenda Coutos 3”.
Quanto ao conteúdo, a matéria mostra a trajetória de uma mulher de origem
humilde – tanto no plano da maternidade, quanto na prática social – a qual
relata com simplicidade sobre o espaço que conquistou na sociedade, a partir
do seu duplo papel: mulher e mãe. O texto é construído basicamente em
formato de biografia, sendo esta intercalada com depoimentos da personagem
Maria da Conceição.
Na página 07, de conteúdo policial, o título “Elas pagam pena dobrada” (figura
7), já se percebe que o Dia das Mães é recorrente no referido noticiário. O lead
torna explícito o teor da matéria, em contrapontos com a matéria de capa: “Veja
o drama das internas do Presídio Feminino que vão passar o Dia das Mães
longe dos filhos”. O jornalista escolheu cinco (05) histórias de presidiárias as
quais não têm os mesmos motivos que a Super Maria para falar sobre a
90
maternidade. Não se observa, na matéria, qualquer abordagem do ponto de
vista social diante da narrativa.
Figura 7: Matéria: Elas pagam pena dobrada
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492
12 e 13 de maio de 2012.
Figura 8: Matéria Mamães estrelas
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492
12 e 13 de maio de 2012.
Como função informativa, o jornal limita-se a relatar a dura experiência dessas
mulheres/mães, o que nos leva a inferir sobre a intenção de simplesmente
atingir o campo das emoções do leitor.
Finalmente, na página 16, o jornal deixa o anonimato e se insere no mundo das
celebridades, ao veicular uma matéria com o título “Dia de celebrar – Mamães
estrelas – Elas dão conta da fama e dos filhos” (figura 8), que vem
acompanhado do lead “Cantoras baianas falam do sentido que os pequenos
dão à vida agitada delas”. Na seção, artistas do cenário musical baiano e
brasileiro – Cláudia Leitte, Ivete Sangalo, Nara Costa e Mariene de Castro –
mostram ao leitor a sua experiência com a maternidade.
91
4.1.2 Texto II. Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos
Figura 4. Manchete: Tarado estupra prima...
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012
Depreende-se, na capa da referida edição, um apelo para obter a comoção do
leitor, com a utilização do termo “covardia”, que antecede a manchete.
Imprime-se, então, um caráter de subjetividade do enunciador e, portanto, um
juízo de valor, o que não corresponde aos princípios da conduta jornalística,
em que se preconiza o afastamento do profissional jornalista diante dos fatos,
para que seja exercido pelo veículo tão somente a função referencial, ou seja,
a de informar os leitores acerca dos acontecimentos. Obviamente que há uma
concordância de grande maioria quanto à atitude covarde do indivíduo
acusado, sobretudo ao se imaginar a condição de indefesa da vítima, quando o
jornal a esta se reporta como “[...] prima de 6 anos”; “menina”; “garotinha”.
92
A adjetivação se faz presente, tanto na manchete Tarado estupra prima de 6
anos quanto no lead “O safado acabou preso após vídeo do estupro cair nas
mãos da polícia”. O uso de tais lexias (Grifo nosso) pode ser compreendido
como uma estratégia argumentativa de persuasão, na medida em que se firma
uma cumplicidade entre jornal e leitor, quanto ao sentimento de revolta e ódio
que circula na sociedade diante de episódios dessa natureza.
Ademais, contribui para exacerbar a ira do leitor o registro da fala do acusado –
de iniciais E.C.J: “[...] Não foi aquela vontade. Foi intimação dela. Ela foi
chegando e me aproveitei [...]”. Sabe-se que, dentre os criminosos que povoam
os presídios do Brasil, o estuprador é aquele que provoca a rejeição no meio
dos outros bandidos. Isso porque o crime é considerado hediondo e mexe com
o sentimento até de ladrões e assassinos perigosos.
Pode-se inferir que o jornal está apenas conclamando o leitor – cujo ponto de
vista é certamente conhecido do veículo – a fazer parte de um júri popular em
defesa de uma criança. Fosse a ação de estupro direcionada a uma mulher
jovem ou madura, certamente que a sociedade reagiria com a costumeira
indignação e repulsa; porém, em se tratando de uma vítima de 6 anos de
idade, é igualmente certo que se manifeste um sentimento de ódio ainda maior
e um veemente anseio coletivo por justiça.
O uso dessas emoções pela mídia foi explanado também por Morin (1969). O
autor assevera que no início do século XX, o imaginário prevalecia na cultura
de massa, conquistando um lugar real nos espaços que antes pareciam
pertencer apenas à informatividade. É assim que o noticiário do Jornal Massa!
adquire um tom romanesco e cinematográfico – seja no âmbito sentimental,
aventuroso ou policial –, “fazendo vedete de tudo que pode ser comovente,
sensacional, excepcional” (MORIN, 1969, p. 104).
A notícia apresentada na íntegra, na página 4 (Figura 8), vem reforçada pelo
título “Tarado estupra prima de seis anos e grava vídeo”, traz a narrativa
detalhada com o requinte de crueldade, recorrendo às falas do acusado: “Eu
93
não estuprei. [...] Ela entrou e pegou no meu negócio (pênis). Ela que chegou
em mim”. [...] “Eu fiz encostar no útero dela. Mas não foi à força”. Esse tom
grotesco da declaração é corriqueiro em noticiários de teor sensacionalista, de
modo que assim o jornal consegue atingir o estado emocional do leitor.
Notícias sobre pedofilia são comumente divulgadas em todas as esferas de
comunicação (rádio, jornais impressos e televisivos, internet), gerando nos
receptores a habitual revolta, em virtude da natureza do crime e, de modo
especial, quando as vítimas são crianças. Entretanto, quando o veículo faz tal
abordagem no estilo sensacionalista, a realidade dos fatos ali exposta produz
uma indignação ainda maior.
Figura 9: Matéria Tarado estupra prima...
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012 – pág. 4
No quadro ao lado da Figura 8, à direita, o jornal apresenta a versão do
acusado sobre o crime, segundo as informações da polícia. Mais uma vez, o
94
veículo ignora o princípio da neutralidade da função jornalística, ao colocar
como título da notícia a expressão baratino, termo popular para referir-se a
alguma farsa ou mentira. Vê-se um olhar particularizado do Massa! diante do
fato, em defesa da vítima, de certo modo alimentando no auditório sensações
de repulsa.
Por fim, na referida matéria está a foto do acusado, com a expressão “No
covil”, para identificar o local onde aconteceu o crime – “Crime aconteceu há
um mês, na casa de Edvalter”. Observa-se a recorrência de termos bizarros, já
que ao vocábulo covil atribui-se o sentido de um lugar sujo, fétido, indigno.
Cada um desses elementos linguísticos ajuda a construir na mente do leitor
aquilo que o jornal intenciona: obter a cumplicidade do auditório o qual será
persuadido frente a um episódio horrendo, abominável, do qual se espera a
efetivação da justiça.
4.1.3 Texto III. Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha
Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha.
Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012
95
Na edição n. 720, o Jornal Massa! repete o estilo do formato, priorizando cores
fortes, com destaque para o termo “criancinha” em tom vermelho. Interessanos, contudo, a apreciação ao título (Estuprador é solto – Inimigo n. 1 de
criancinha), que traz na sequência o lead com informações sobre os envolvidos
no episódio, o qual será detalhado na página 4 da referida edição.
A manchete já antecipa uma forma de denúncia, ao mostrar um procedimento
judicial – Estuprador é solto – que causa total indignação nas pessoas as quais
acompanham os desdobramentos de episódios como esse, em que, por não
haver provas contundentes ou, ainda, por não ter havido flagrante, o suposto
criminoso não pode ser detido.
As notícias sobre crime podem ter na verdade duas reações: aumento do
sentimento de segurança e confiança na justiça – nas vezes em que o
criminoso tenha sido julgado e condenado ao cumprimento de penas previstas
na lei – ou diminuição desse mesmo sentimento – quando o criminoso sai
impune, a exemplo do caso veiculado no texto III. O jornalismo apresenta-se,
portanto, com esse poder, o de alterar estados emocionais dos seus leitores.
Ainda na manchete, faz-se presente a adjetivação (Inimigo n. 1 de criancinha),
uma referência à alcunha “amigo do povo”, slogan que era atribuído ao
acusado J. S. do E. S., em sua campanha política ao cargo de vereador em
2012. O uso do adjetivo “inimigo”, em oposição a “amigo”, funciona como um
alerta do jornal à população, para que esta não se deixe enganar por aqueles
que se colocam como defensores da sociedade, haja vista ser este o propósito
de um vereador. De modo similar aos demais jornais sensacionalistas, o
Massa! pressupõe estar cumprindo, portanto, a sua função social perante os
seus leitores.
No corpo da notícia (Figura 9), o texto inicial imprime um tom de coloquialidade
ao que será abordado no relato sobre o suposto crime de estupro (“Quem diria
que ‘o amigo do povo’ J. S. do E. S, 31 anos, candidato a vereador na eleição
de 2012 pelo PMDB, gostava de fazer mal a criancinha”). Ao afirmar que o
acusado “gostava de fazer mal a criancinha”, o jornal aponta, portanto, para um
96
desvio de conduta, algo que obviamente é condenado pela sociedade. E é isso
que justifica a procura por notícias sobre crimes, pelos jornais, já que a quebra
de regras sempre foi objeto de atenção das pessoas. O leitor normalmente se
considera sempre fazendo parte do lado do bem, em oposição ao lado do mal;
nesse sentido, os relatos sobre crimes servem para fortalecer esse sentimento
de retidão e, ao mesmo tempo, um sentimento de ódio e desprezo diante do
opositor.
Figura 10: Matéria Ex-candidato é suspeito de abuso sexual
Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012
Ao contar a história de um acontecimento, o jornalista reforça os valores morais
e sociais numa determinada sociedade. Considerando-se que no crime se
encontram mais reforçados os valores sociais, culturais e morais de uma
sociedade, tal estratégia é geralmente usada pelo Jornal Massa! para
desenvolver a simpatia diante dos seus leitores, de modo a criar um espírito
único, fazendo o leitor nutrir uma ligação com o jornal e, por conseguinte,
97
fidelizar-se a este. Advém daí a predileção por relatos de crimes bárbaros, de
modo especial envolvendo menores, os quais figuram constantemente nas
edições, notadamente na Notícia do Dia.
4.1.4 Texto IV. Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro
Figura 11: Manchete Vídeos, ameaças e estupro
Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 826 - 08 e 09 / jun./ 2013
Por fim, o último texto que compõe o nosso corpus ratifica a Teoria do
Agendamento,
aqui
apresentada,
considerando-se
a
recorrência
de
abordagens temáticas sobre violência contra o menor, nesse caso o crime de
pedofilia. Dessa vez, a manchete (Vídeos, ameaças e estupro) parece
demonstrar os ingredientes utilizados para a concepção do crime e, também,
da notícia. Acima da manchete está a expressão “Infância roubada”, uma
98
possível alusão ao filme americano sobre a história de uma criança que fica
refém de um bandido.
Na capa da edição, o jornal antecipa algumas informações sobre o crime de
abuso sexual (“Arivaldo Correia, 41, foi em cana, em Feira de Santana,
suspeito de abusado de quatro meninos, entre 7 e 12 anos. Um deles é filho de
um PM. As crianças relataram que eram atraídas à casa dele para assistir a
filmes”). Observa-se, na ênfase dada à paternidade de um dos menores (“[...]
filho de um PM”), que se trata de uma afronta da parte do acusado, opinião
que, geralmente, é corroborada pelo público leitor, pressupondo assim uma
garantia de que se fará justiça no processo de julgamento do réu. Nos jornais
sensacionalistas, a polícia passa a figurar como personagem constante nos
noticiários, na maioria das vezes em confronto com os criminosos; entretanto,
quando essa polícia é a vítima (nesse caso, o seu filho), são aguçadas as
opiniões do auditório e cria-se um sentimento de confiança de que o acusado
será punido.
Na página 6, a matéria é desenvolvida na íntegra (Figura 11), constituindo-se
da narrativa por parte dos menores vítimas do pedófilo. Segundo a delegada,
“os garotos contam com riqueza de detalhes os abusos e o que o acusado
fazia para ameaçá-los”.
99
Figura 12: Matéria Garotos apontam estuprador
Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 826 - 08 e 09 / jun./ 2013 – pág. 6
É exatamente por mexer com as emoções que a imprensa sensacionalista
normalmente é a mais moralizadora, pois tende sempre a condenar os desvios
sociais à norma. As pessoas precisam sentir que as emoções positivas se
sobrepõem às negativas, ou seja, que o bem se sobrepõe ao mal. Na referida
notícia, o Jornal Massa! faz apologia à moralidade, ao atuar como defensor da
infância, uma “infância roubada” pelas mãos de quem está do lado do mal.
4.2 AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO NOTICIÁRIO DO MASSA!
O processo argumentativo é composto por estratégias que objetivam a
persuasão e o convencimento, tendo em conta que a primeira tem como fim o
resultado, enquanto que a segunda busca a convicção. É necessário, assim,
estabelecer a distinção entre persuadir e convencer. A argumentação
persuasiva é aquela pela qual o orador visa a um auditório particular. Em
contrapartida, a convincente tem como foco o auditório universal, cuja principal
característica concentra-se no caráter racional da adesão. Para Perelman e
Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 31), é "aquela que deveria obter a adesão de
todo ser racional”.
Dentre os argumentos apresentados por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958]
1996), em seu Tratado da Argumentação: a nova retórica, no processo de
análise do corpus foram identificados os seguintes, conforme o Quadro 8:
Quadro 9. Argumentos e tipos de argumentos identificados nos corpus
Argumentos quaselógicos
Argumentos baseados
na estrutura do real
A regra de
justiça
O
argumento
pragmático
Os argumentos de
comparação
Argumento
de
autoridade
Ligações que
fundamentam a
A argumentação Modelo
pelo exemplo
Antimodelo
100
estrutura do real
Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)
4.2.1 Os argumentos quase-lógicos
Esses argumentos recebem o nome de quase-lógicos, porque muitas das
incompatibilidades não dependem de aspectos puramente formais, e sim da
natureza das coisas ou das interpretações humanas.
Os argumentos quase-lógicos possuem um aspecto que se assemelha aos
raciocínios lógicos. São distintos destes por possuírem um caráter dúbio,
permitindo várias interpretações. Para que esses argumentos alcancem as
demonstrações formais, devem passar por uma redução e precisão, quanto a
sua natureza não-formal (informalidade).
Entretanto, um aspecto deve ser ressaltado: na nova retórica, tais verificações
não culminam na constatação de que os argumentos quase-lógicos sejam uma
versão imperfeita ou incompleta do raciocínio ou argumento formal. Apenas
relata que sua força persuasiva é inferior em relação ao modelo formal devido a
sua carência de rigor.
Dos argumentos quase-lógicos presentes no corpus podemos depreender os
argumentos da regra de justiça e de comparação na matéria “Elas pagam
pena dobrada” (Figura 7). A regra de justiça fundamenta-se no tratamento
idêntico a seres e situações integrados em uma mesma categoria, que sejam
intercambiáveis. Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 248) mostram a
distinção entre este argumento e a justiça formal:
A regra de justiça reconhece o valor argumentativo daquilo a
que um de nós chamou justiça formal, segundo a qual ‘os seres
de uma mesma categoria essencial devem ser tratados do
mesmo modo’. A justiça formal não especifica nem quando dois
objetos fazem parte de uma mesma categoria essencial, nem
que tratamento é preciso dispensar-lhes (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 248).
101
Embora a matéria publicada tenha ingredientes para comover o auditório – ao
falar da maternidade, no Dia das Mães, e da privação de ver os filhos, que foi
imputada às mães presidiárias citadas na reportagem –, há, teoricamente, uma
regra de justiça que se evidencia: tais mulheres infrigiram a lei e, portanto,
devem ser penalizadas pela sua conduta.
A regra de justiça é objeto de análise também nas três matérias que relatam
sobre os episódios de estupro, tendo como vítimas menores de idade,
anteriormente mencionados. Observa-se em duas matérias que houve um
tratamento igual para pessoas que cometeram o mesmo delito, o abuso sexual
(“O safado acabou preso após vídeo do estupro cair nas mãos da polícia”) e
(“Arivaldo Correia, 41, foi em cana [...] suspeito de ter abusado de quatro
meninas, entre 7 e 12 anos), respectivamente nos textos II e IV. Entretanto, no
texto III, a mesma regra de justiça não se aplica (“Estuprador é solto”. [...] “Sem
flagrante. Ele foi preso e liberado no mesmo dia”). Essa incoerência é pontuada
por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 248), ao afirmarem que
devem ser idêntidos os objetos aos quais a regra de justiça se aplica, mas que
isso, na verdade, nunca acontece, daí a sua diferença com a justiça formal.
Retomando a análise para a notícia, percebemos que há outros precedentes,
visto que o elemento “sem flagrante” redireciona a noção de justiça entre um
caso e o outro.
De fato, em toda situação concreta, uma classificação prévia
dos objetos e a existência de precedentes quanto ao modo de
tratá-los serão indispensáveis. A regra de justiça fornecerá o
fundamento que permite passar de casos anteriores a casos
futuros, ela é que permitirá apresentar sob a forma de
argumentação quase-lógica o uso do precedente (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 248).
O auditório do Massa!, nesse momento destituído do uso da razão, em virtude
das circunstâncias e do tipo de crime que lhe é noticiado, provavelmente vê
com perplexidade o não cumprimento de uma regra de justiça. Torna-se, pois,
um caso de impunidade que aguça as emoções do leitor, o qual é provocado
pelas palavras do jornal (“Estuprador é solto” [...] gostava de fazer mal a
criancinha”).
102
Quanto ao argumento de comparação, este pode ser percebido nas quatro
matérias analisadas. No texto I (Super Maria...), a comparação é inevitável,
frente à dimensão do fato noticiado. O argumento de comparação manifesta-se
no superlativo (super) utilizado pelo jornal, e o leitor, por sua vez, facilmente é
levado a comparar uma mulher que deu à luz 32 filhos, em oposição à mulher
moderna, que opta por gerar, em média, dois filhos. A partir desse argumento
quase-lógico, outros critérios são evidenciados, como o nível socioeconômico e
o grau de escolaridade que norteiam as diferentes escolhas no que tange à
maternidade. Notadamente, o acesso às informações e a posição social
contribuem para uma decisão tão importante na vida de uma mulher, a qual
pode ou não estar ciente das consequências advindas, neste caso
especificamente.
Ainda na referida edição, o Jornal Massa! expõe categorias bem diferentes de
mulheres, no que se refere à maternidade. Histórias de mulheres simples e
comuns – Maria, mãe de 32 filhos, e as que cumprem pena no presídio – em
oposição às histórias de mulheres “estrelas” – cantoras ricas e famosas do
universo da música baiana – direcionam o ofício de ser mãe de cada uma
delas, com um viés sensacionalista que leva à comparação entre situações
nitidamente distintas. O caráter emotivo do leitor constitui-se de várias
nuances: o respeito àquela mãe que conseguiu, com responsabilidade, criar
uma prole numerosa; o sentimento de rejeição ou de solidariedade para com as
mães presidiárias as quais perderam, ainda que temporariamente, o direito de
estar com seus filhos; e, por fim, uma atitude de reconhecimento ou, por vezes,
de fanatismo, diante dos relatos das mães que são celebridades. Com a junção
desses critérios, o Massa! atinge o seu auditório o qual, inevitavelmente, faz o
juízo de valor frente aos episódios narrados. Perelman e Olbrechts-Tyteca
([1958] 2000, p. 274) explanam sobre essa estratégia argumentativa:
A argumentação não poderia ir muito longe, sem recorrer a
comparações, nas quais se cotejam vários objetos para avaliálos um em relação ao outro. Nesse sentido, os argumentos de
comparação deverão ser distinguidos tanto dos argumentos de
identificação quanto do raciocínio por analogia (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 274).
103
O argumento de comparação é bastante nítido nas reportagens acerca dos
estupros, quando esse tipo de crime é analisado em relação a outros delitos,
isto é, à prática de crimes muito mais leves, em oposição ao caráter hediondo
que categoriza o ato do estuprador. É óbvio que a justiça e grande parte da
sociedade repreendem qualquer tipo de crime; entretanto, quando se atenta
contra a integridade física de uma criança para consumar um ato sexual, é, por
assim dizer, um crime sem perdão. Exige-se, para tanto, o rigor da justiça ao
inflingir a pena a quem comete tal crueldade.
No texto IV (Inimigo no. 1 de criancinha), especificamente, a comparação se dá
a partir da oposição entre estes dois termos: “inimigo de criancinha” e “amigo
do povo”.
Quem diria, que ‘o amigo do povo’, Joás Santos do Espírito
Santo, 31 anos, candidato a vereador na eleição de 2012 pelo
PMDB, gostava de fazer mal a criancinha (Jornal Massa!,
edição n. 720, p. 4 – Grifo nosso).
Se, por um lado, o adjetivo é positivador do caráter do acusado (amigo), por
outro lado, a sua imagem é desqualificada pelo Massa! (inimigo). Parecer ser a
intenção do jornal colocar em evidência um distanciamento entre ambas as
características do acusado, constituindo um pano de fundo que influencia a
avaliação do leitor, ao comparar as duas situações expostas.
Sobre a presença dos argumentos acima identificados e analisados – regra de
justiça e comparação –, podemos atribur tal incidência ao repertório de
notícias pelas quais o Jornal Massa! tem preferência. Se considerarmos o
conteúdo dos fatos, veremos que grande parte deles aborda a temática da
violência, nas diversas acepções do termo. As narrativas estão circunscritas,
normalmente, no confronto entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, tendo
a justiça formal como balizadora no julgamento. E a sociedade – representada
pelos leitores do veículo –, por sua vez, emite o seu juízo de valor, geralmente,
motivada por reações emotivas.
104
Da mesma forma, os argumentos que levam à comparação se tornam
recorrentes no gênero sensacionalista, seja por identificação, seja por analogia,
de forma que o leitor sempre terá elementos para cotejar, quando se encontra
diante de notícias trágicas – em muitos casos, originárias de contexto social de
pobreza. Por um lado, o leitor compara os fatos à realidade vivida por ele
mesmo, percebendo as similaridades com a sua própria história; por outro,
distancia-se dos episódios, não querendo fazer parte daquela narrativa,
revelando assim o seu juízo de valor diante do que é transmitido pelo Massa!,
isto é, a natureza dicotômica existente no bem e no mal, na riqueza e na
pobreza, no certo e no errado, que é assimilada pelo indivíduo e, por
conseguinte, amplamente explorada pelo jornal.
4.2.2 Os argumentos baseados na estrutura do real
Os argumentos baseados na estrutura do real constroem-se a partir não do que
o real é, no sentido ontológico, mas do que o auditório acredita que ele seja,
isto é, aquilo que ele toma por fatos, verdades ou presunções. Sobre esse
segundo tipo entre os argumentos, Reboul (2000) complementa:
Os argumentos do segundo tipo já não se apóiam na lógica,
porém na experiência, nos elos reconhecidos entre as coisas.
Aqui, argumentar não é implicar, é explicar: ‘O adversário diz
isso porque tem interesse em dizê-lo’. Inversamente, estima-se
que, quanto mais fatos uma tese explicar, mais provável será
ela (REBOUL, 2000, p. 173).
Tais argumentos relacionam os juízos já admitidos pelo auditório com os outros
juízos que se busca promover, ou seja, o orador parte de pontos de vista sobre
a realidade, de fatos ou presunções prontamente acordados entre os
interlocutores, para estabelecer uma solidariedade entre esses juízos aceitos e
os juízos que se quer alcançar a aceitação do público.
Desse grupo de argumentos, depreendem-se do corpus o argumento
pragmático e o argumento de autoridade. O primeiro consiste em apresentar
um ato ou um acontecimento valorizando suas consequências, sejam positivas
ou negativas, isto é, visa ao efeito que o resultado do evento produz no
105
auditório; o segundo imprime legitimidade e credibilidade aos demais
argumentos, aumentando as possibilidades de convencimento e de persuasão
do auditório.
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 303) definem o argumento
pragmático como “aquele que permite apreciar um ato ou acontecimento em
função de suas consequências favoráveis ou desfavoráveis”, não exigindo,
para ser admitido pelo senso comum, qualquer justificativa. É importante para
esse tipo de argumento o aspecto afetivo, emotivo, que tem no fator sucesso o
seu mais forte ponto de apoio. Embora seja largamente encontrado em
discursos religiosos e jurídicos, é comum encontrá-lo em outros contextos, a
exemplo do jornalístico, como se observa na fala de M. C. sobre os seus 32
filhos:
Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão,
para o que não presta. Tenho filho até doutor, advogado [...].
Me sinto uma mulher rica, sei que é muito filho, mas se
voltasse no tempo teria todos novamente. [...] Por essas e
outras, ela é a celebridade do bairro (Jornal Massa! edição n.
492, 12 e 13 de maio de 2012).
Os autores observam que o auditório deve, necessariamente, estar em
consonância com o que lhe é argumentado, ou seja, para que o argumento
pragmático funcione, é preciso que o auditório concorde com o valor da
consequência.
O
argumento
acima
ilustrado
enfatiza
claramente
as
consequências positivas decorrentes da responsabilidade em ser mãe. Logo, é
um argumento pragmático por realçar o efeito (positivo) nos leitores da matéria.
Por outro lado, efeitos negativos são observados na matéria “Elas pagam pena
dobrada”. O próprio título já sugere que o comportamento das mulheres as
quais cometeram algum crime produziu dupla consequência: a prisão e a
privação da presença dos filhos:
‘Não tenho palavras para dizer como será o Dia das Mães
longe do meu filho. Ele não tem ninguém e é muito apegado a
mim’, desabafa Daniela da Paixão Dias, 27 anos, interna do
Conjunto Penal Feminino, onde mulheres de todo o Estado
106
cumprem pena (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio
de 2012).
O argumento pragmático aparece novamente, agora na narrativa sobre E. C.
S., de 21 anos:
Presa há cinco meses, ela está grávida há seis e já se prepara
para criar seu filho nos seis primeiros meses no Conjunto Penal
Feminino. ‘Nunca fui presa. É mais difícil estar longe da
família’. Ela disse que namorou um traficante e acabou sendo
acusada de participar das ações do parceiro (Jornal Massa!
edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).
No Tratado da Argumentação, os autores defendem que o argumento
pragmático
“parece
desenvolver-se
sem
grande
dificuldade,
pois
a
transferência para a causa, do valor das consequências, ocorre mesmo sem
ser pretendido” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA [1958], 2000, p. 303).
Observa-se esse argumento no Texto 4, no quadro “Confissão – Tem vídeo de
garota estuprada”. A denúncia de que houve prática relativa à pedofilia é
ratificada pela fala das vítimas, mas ganha maior importância com a descoberta
de novas provas.
Na casa do indiciado, a polícia encontrou vídeos de pornografia
infantil. Em um dos vídeos, ele aparece violentando uma
menina de 13 anos, ainda não identificada. Arivaldo nega ter
estuprado os garotos, mas confessa o crime contra a garota
(Jornal Massa! Edição n. 826, 08 e 09 de junho de 2013).
O leitor, ao acompanhar a matéria, estando movido muito mais pela emoção do
que pela razão, é levado a corroborar a ideia de que indivíduos como o
acusado devem ser punidos, como consequência pelo mal que causam à
sociedade, visto que, no argumento pragmático, o fato é apreciado conforme
suas consequências, presentes ou futuras, e estas repercutem diretamente na
ação realizada.
No episódio noticiado pelo Jornal Massa!, o pragmatismo da argumentação
preconiza que a verdade deve ser revelada e que a consequência não pode ser
outra, senão a prisão do acusado. E tal consequência repercute também na
107
sociedade, que passa a acreditar na justiça, como um instituto que,
efetivamente, faz valer o seu papel. Da mesma forma, essa instituição é
desacreditada, quando não cumpre a sua função de resguardar a ordem social.
Fazendo uso das palavras de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 2000, p.
304), entende-se que, “a partir do momento em que uma ligação fatoconsequência é constatada, a argumentação se torna válida, seja qual for a
legitimidade da própria ligação.
O pragmatismo se torna ainda mais contundente no Texto 2 (Covardia: Tarado
estupra prima de 6 anos). Conforme relatado na matéria, Edvalter “confessou
ter abusado sexualmente da menina”. E ainda, de acordo com informações da
polícia, um vídeo de cinco minutos mostra o acusado cometendo o crime de
abuso sexual contra a menor, mas o acusado disse “não se lembrar de que
havia feito o vídeo”. Ademais, “ele alega que estava sob o efeito de bebida
alcoólica” e, principalmente, defende-se que “foi ela (a menor) que me atentou
(...) não usei o abuso”. A partir desses exemplos, entende-se como o
argumento pragmático é aplicado e como prioriza as consequências de um
fato.
A argumentação pelas consequências pode aplicar-se, quer a
ligações comumente aceitas, verificáveis ou não, quer a
ligações que só são conhecidas por uma única pessoa. No
último caso, o argumento pragmático poderá ser utilizado para
justificar o comportamento dessa pessoa (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 304).
Nesse particular, cabe mais uma vez refletir sobre o papel do Jornal Massa!, ao
veicular o referido fato. No texto da capa, o uso da expressão “covardia”
aponta, de algum modo, para uma verdade indiscutível
quanto ao
comportamento do acusado. Afinal, para alguém que escolhe como vítima de
abuso sexual uma criança de 6 anos de idade, a justa punição é algo
inquestionável (“ O safado acabou preso, após vídeo do estupro cair nas mãos
da polícia”). E aí se instaura a necessidade de que haja uma consequência (a
prisão), como fonte do evento que a acarretou (o crime de pedofilia).
108
O argumento de autoridade, por sua vez, é o que se vale do prestígio como
objeto de prova para uma determinada tese. Esse prestígio é adquirido através
de atos ou juízos de uma pessoa ou grupo de pessoas, com autoridade
reconhecida pelo auditório, a exemplo da fala da cantora Ivete Sangalo, na
matéria “Mamães estrelas...”:
Ser mãe foi o combustível que faltava, inclusive na carreira,
como estímulo mesmo. Peço a Deus que me dê forças e
proteção para estar viva, cuidar dele e ser feliz. Agradeço por
Ele ter me dado esse filho, por ter mandado de uma forma tão
linda, tão especial (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 / maio
2012).
Com matérias dessa natureza, o Jornal Massa! reconhece a existência de um
sentimento de respeito que as pessoas alimentam pelos indivíduos famosos.
Assim, o veículo busca, na emotividade suscitada nas referidas matérias, a
adesão ao ponto de vista proveniente de uma artista carismática, formadora de
opinião, em decorrência, sobretudo, de um prestígio, que é, de acordo com
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000), um elemento influenciador do
argumento de autoridade.
O argumento de prestígio mais nitidamente caracterizado é o
argumento de autoridade, o qual utiliza atos ou juízos de uma
pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova a
favor de uma tese. [...] e embora seja sempre permitido, num
argumentação particular, contestar-lhe o valor, não se pode
descartá-lo como cirrelevante [...] (PERELMAN; OLBRECHTSTYTECA ([1958] 2000, p. 348).
Na maioria das vezes, o argumento de autoridade é utilizado para ratificar uma
argumentação. Nos textos II, III e IV pode-se obsevar a presença do prestígio,
quando o jornal se refere a autoridades policiais que investigaram as
suspeições nos casos relatados de pedofilia:
De acordo com informações da 25ª. DT, nas imagens, que
têm duração de cinco minutos e um segundo, Edvalter
aparece, inclusive, fazendo sexo anal com a menina (Grifo
nosso).
(...)
109
Conforme a delegada do Derca, Simone Malaquias, o
acusado confessou ter mantido relação sexual com a garota,
mas negou ter sido o únido (Grifo nosso).
(...)
Segundo a delegada Patrícia Brito, há inúmeras imagens em
que aparecem crianças sendo abusadas ou posando nuas
(Jornal Massa! edição 696 - 05 e 06 de janeiro de 2012 – Grifo
nosso).
Compreende-se, pois, que um argumento, para ser de autoridade, deve estar
ancorado na opinião de um especialista. Ressalte-se que não se trata,
essencialmente, de um especialista na área, mas um sujeito cuja palavra tenha
o peso necessário para validar a tese, no caso específico.
A incidência de tais argumentos – pragmático e autoridade – no noticiário do
Massa! demonstra a necessidade que esse tipo de jornal tem de firmar a
credibilidade com seu público leitor. Trazer informações sobre a criminalidade,
de modo apelativo, já produz, por si só, o impacto esperado pelo veículo.
Contudo, ao desdobrar, de forma pragmática, o nível das informações,
revelando, por exemplo, as consequências dos atos praticados por aqueles que
estão na contramão da ordem social, amplia o efeito no auditório e, por
conseguinte, leva-o à adesão.
O mesmo ocorre com a utilização do argumento de autoridade em jornais
sensacionalistas, visto que um indivíduo de pouca leitura ou de conhecimento
mediano – representado pelo leitor do Massa!, conforme observamos – tornará
um fato credível, se este vier acompanhado de opiniões respaldadas por
pessoas de prestígio. Daí a participação frequente de autoridades policiais nas
notícias de crime, bem como a presença de nomes de artistas famosos e,
especialmente, que demonstrem popularidade, com os quais o público
desenvolva identificação e empatia.
4.2.3 Os argumentos que fundamentam a estrutura do real
É um tipo de argumentação que opera como que por indução, estabelecendo
generalizações e regularidades. Os argumentos que fundamentam a estrutura
110
do real são encontrados por meio do raciocínio análogo, estratégias como a
ilustração, o exemplo e o modelo. A ilustração é aquela que usa o exemplo
como o elemento base de uma regra, reforçado por meio de uma indução. No
corpus da pesquisa, identificamos o exemplo, o modelo e o antimodelo,
como os argumentos que fundam a estrutura do real.
O exemplo é um caso que, por meio de uma ordem lógica, implica outro(s)
caso(s), fomentando uma espécie de modelo, o qual consiste em um processo
que sugere a imitação de uma conduta. Logo, se é apresentada uma figura
heróica como modelo para um auditório, este tenderá a se influenciar pela
conduta desse símbolo. É o que pode ser observado já na manchete Super
Maria: 32 filhos, tornando evidente o exemplo de uma grande mãe:
Aos 12 anos, Maria Grande, como é conhecida em Fazenda
Couto 3, onde mora desde que nasceu, já estava grávida do
primeiro filho, Everaldo, e daí só parou quando nasceu Tailane,
hoje com 21 anos. Para alcançar este número, foi preciso
conviver com dez maridos e contar com o milagre da
multiplicação: foram cinco barrigas de gêmeos (Jornal Massa!
edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012).
A argumentação pelo exemplo acontece quando sugerimos a imitação das
ações de outras pessoas. Podem ser pessoas célebres, membros de nossa
família, pessoas que conhecemos em nosso dia a dia e cuja conduta é
admirável.
Em uma sociedade como a atual, na qual o controle da natalidade é um dos
critérios para se alcançar a qualidade de vida no núcleo familiar, o auditório
(leitor do jornal) é impactado com uma história que beira o surreal. A
experiência dessa mulher com a maternidade é, sem dúvida, um exemplo de
coragem, de modo que o jornal a trata como uma heroína: “É que ela
conseguiu a façanha de parir 32 [filhos]”. Tal ato de heroísmo se confirma no
depoimento de Maria: “Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para
ladrão, para o que não presta. Tenho filho até doutor, advogado [...]”.
111
De acordo com Santana Neto (s/d), a argumentação pelo exemplo supõe a
existência de um acordo prévio sobre a possibilidade de generalização, tendo
como referência um caso particular.
Nesse tipo de argumentação, o exemplo invocado deverá, para
ser tomado como tal, usufruir estatuto de fato, pelo menos
provisoriamente; a grande vantagem de sua utilização é dirigir
a atenção a esse estatuto. Assim, trata-se de um relato
concreto que o ouvinte não tem nenhuma razão para pôr em
dúvida (SANTANA NETO, s/d).
A rejeição do exemplo – seja pelo fato de ser contrário à verdade histórica, seja
por não ser possível opor razões convincentes à generalização proposta –
enfraquecerá a adesão à tese que se queria promover. Isso se baseia no fato
de que a escolha de um exemplo, como elemento de prova, compromete o
orador, sendo legítimo supor que a solidez da tese seja solidária com a
argumentação que se pretende estabelecer.
Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000) ensinam que o uso da ilustração
difere do emprego do exemplo, em razão do estatuto da regra que uma e outro
servem para apoiar. Ao exemplo compete fundamentar a regra, enquanto a
ilustração possui a função de reforçar uma regra conhecida e aceita e, a partir
de casos particulares, esclarecer o enunciado geral.
Se bem que sutil, a pequena diferença entre exemplo e
ilustração não é irrelevante, pois permite compreender que não
só o caso particular nem sempre serve para fundamentar a
regra, mas também que às vezes a regra é enunciada para vir
apoiar casos particulares que pareciam dever corroborá-la.
(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 409).
Os autores reforçam que “a ilustração é verdadeiramente um caso particular,
corrobora a regra, que até pode, como no provérbio, servir para enunciar”.
Frequentemente a ilustração terá a finalidade de auxiliar na compreensão da
regra, por meio de um caso de aplicação que não se contesta, conforme pode
se extrair da seguinte passagem:
‘Cheguei a conviver com 25 [filhos] ao mesmo tempo e era uma
picula. Na hora de colocar a comida, então, era por turno, não
112
tinha prato para todo mundo’, diverte-se. (...) ‘Tenho orgulho de
todos, não teve um que deu para ladrão... tenho filho até
doutor, advogado’, orgulha-se. (...) Por estas e outras, ela é a
celebridade do bairro (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 /
maio/ 2012).
Já o modelo indica a conduta a seguir, servindo de aval para uma conduta
adotada por alguém. Santana Neto (s/d) afirma que “o modelo prestigiado é,
então, proposto para a imitação de todos”. Por vezes, é reservado a um
pequeno grupo ou a uma só pessoa; outras vezes, é um padrão a ser seguido
em certas circunstâncias. Consequentemente, conforme pontuam Perelman e
Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 414), “um homem, um meio, uma época são
caracterizados pelos modelos que se propõem e pela maneira pela qual os
concebem”. Portanto, pode se afirmar que o modelo indica a conduta a seguir e
serve de garantia a uma conduta adotada.
O fato de seguir um modelo reconhecido garante o valor da conduta e,
portanto, o agente que essa atitude valoriza pode, por sua vez, servir de
modelo. Entendemos, assim, o desdobramento da atitude de M. C. como a
eficácia da argumentação pelo modelo:
Com os filhos criados, agora Maria Grande se dedica aos
trabalhos sociais. Há 8 anos, criou uma associação de baianas
de receptivo com o objetivo de ajudar as mulheres do bairro.
‘Sempre fui muito conhecida e muita gente me pedia indicação
de pessoas para trabalhar, então resolvi reunir todo mundo
nesse grupo. Assim, fica bom para todo mundo’ (Jornal Massa!
edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012).
Na reportagem das “Mamães estrelas”, as artistas são vista como modelo a
serem seguidos por outras mulheres, também famosas, que precisam aliar os
seus compromissos profissionais ao ofício da maternidade. O relato parte de
cantoras com um ritmo intenso de trabalho, mas que “dão conta da fama e dos
filhos”, por valorizarem, antes de tudo, os seus filhos.
Mesmo as mamães mais famosas têm que se desdobrar para
cuidar dos filhos e conciliá-los com a agenda lotada de shows.
Afinal, são elas que dão sentido ao dia a dia corrido delas.
Veveta, doidinha por Marcelo, de 2 aninhos, diz que o
113
rapazinho deu estímulo à sua vida profissional (Jornal Massa!
edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).
Como anteriormente mencionado, o uso do modelo na argumentação propõe a
sua imitação. O comportamento de um grande homem é frequentemente
utilizado como modelo que deve suscitar a imitação, pois o valor de um
indivíduo, previamente reconhecido, constitui a premissa da qual se extrai uma
conclusão que preconiza um comportamento particular. Entretanto, Perelman e
Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 415) advertem que “o modelo deve vigiar sua
conduta, pois o menor de seus deslizes justificará milhares de outros, com
muita frequência, até por meio de um argumento a fortiori”.
Sou protetora, presente e carinhosa. Coloco de castigo quando
é preciso, mas sou apaixonada pela maternidade. Sinto-me
mais próxima do divino, revela Cláudia Leitte (Jornal Massa!
edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).
Meus filhos são o meu maior tesouro. Trabalho muito por eles.
Meu tempo livre dedico a ficar em casa bem pertinho deles
assistindo filme, conta Nara Costa (Jornal Massa! edição n.
492, 12 e 13 de maio de 2012).
Observa-se, pois, nesses depoimentos, que a relação com os filhos é pautada
no cuidado e na dedicação, o que, inegavelmente, constitui-se em um modelo a
ser seguido pelas mulheres, especialmente. Porém, se, eventualmente, a
ruptura ou a negação desse comportamento vier a público, também se
desconstruirá na mente do auditório a imagem positiva – até então consolidada
– dessas figuras femininas, no que diz respeito à maternidade.
Diferentemente do modelo, que é representado por pessoas ou grupos cujo
prestígio valoriza os atos por eles cometidos, o antimodelo pode causar
repulsa. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996 p. 416), “se a
referência a um modelo possibilita promover certas condutas, a referência a um
contraste, a um antimodelo permite afastar-se delas”. Evidentemente, os
relatos das mães presidiárias levam o leitor a um estado de comoção,
sobretudo porque os temas que envolvem crianças produzem marcas muito
fortes no imaginário coletivo; entretanto, desenvolve-se igualmente no auditório
114
um sentimento de rejeição à atitude dessas mulheres, cuja experiência com o
mundo do crime não deve ser imitada.
Os antimodelos são visíveis, sobretudo, nas três edições do Massa! em que
são relatados os crimes de pedofilia, nas matérias analisadas no presente
estudo. A sociedade condena veementemente o abuso sexual praticado, de
modo especial, contra menores, sendo visto como um crime hediondo, de
natureza animalesca, irracional, logo, algo que não deve ser seguido.
[...] Arivaldo os chamava para assistir a vídeos na casa dele,
onde eram amarrados e violentados. [...] Ele ameaçava os
garotos, aproveitando-se do relacionamento amigável com as
famílias. [...] Ele chegou a atropelar uma das crianças (Jornal
Massa! Edição n. 826, 08 e 09 de junho de 2013).
O argumento ao antimodelo é o de que ele também produz as consequências
pelo ato praticado por um sujeito, visto constituir-se de algo que deve ser
combatido e abominado. A matéria que se refere ao ex-candidato como
suspeito de abuso sexual contra menores demonstra, indubitavelmente, ser
este um antimodelo para a sociedade. Observa-se tal repulsa na decisão do
partido político até então representado pelo acusado.
‘Ele vai se expulso. Já liguei hoje para o escritório do partido
(Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB) e pedi
para abrir um processo de expulsão sumária. Segunda-feira ele
vai ser expulso’, afirmou o deputado federal e presidente do
PMDB na Bahia, Lúcio Vieira Lima (Jornal Massa!, edição n.
720 - 02 e 03 / fev./ 2012).
Grande parte das notícias veiculadas pelo Jornal Massa! revelam antimodelos,
visto que as abordagens incidem no submundo do crime, um espaço para
narrativas grotescas, nas quais atos cruéis são cometidos por indivíduos que,
de algum modo, não obedecem a uma ordem social.
Infere-se, pois, que os argumentos acima analisados – exemplo, modelo e
antimodelo – sempre terão espaço em jornais sensacionalistas. Os episódios
narrados no Massa! revelam atitudes de barbárie e selvageria cometidas por
115
indivíduos que estão no seio da sociedade, de modo a gerar o desapontamento
e, mais que isso, a indignação dos leitores do jornal. O veículo (orador) se
propõe a mostrar os fatos com transparência – ainda que de modo bizarro –, no
intuito de convencer e persuadir o leitor (auditório) a acreditar que está diante
da verdade.
5 CONCLUSÃO
116
“Se falares a um homem numa língua
que ele entende, chegas-lhe à cabeça;
mas se lhe falares na língua dele,
alcanças-lhe o coração."
(NELSON MANDELA)
Jornalismo e retórica caminham lado a lado. Essa foi a impressão mais nítida
na escolha da temática sobre a qual se delineou o presente estudo. Partimos
do princípio de que todo texto jornalístico depende de algum procedimento
retórico para persuadir o auditório (leitor). Nessa perspectiva, visando avançar
nas reflexões sobre as estratégias argumentativas, que estão circunscritas
nesse gênero textual, elegemos o Jornal Massa! como objeto no nosso
percurso investigativo, considerando as especificidades no seu jeito de
informar.
Recorremos, para tanto, ao Tratado da argumentação: a nova retórica, de
Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, além de outros teóricos cuja abordagem
sobre a linguagem jornalística possibilitou-nos compreender a contribuição da
retórica para o discurso jornalístico.
Na expectativa de termos contemplado o interesse da pesquisa, qual seja o de
atender aos objetivos específicos propostos no percurso metodológico, serão
aqui explanadas algumas inferências por meio de uma distribuição ordenada
pelos capítulos e seções de que se constitui este trabalho.
Inicialmente, foi possível perceber os mecanismos envolvidos na construção do
texto jornalístico de cunho sensacionalista. Não se trata de um tema novo nos
estudos sobre jornalismo, entretanto, as pontuações dos autores aqui visitados
consolidaram algumas noções a respeito do que seja um jornal popular,
desmistificando, de algum modo, ideias preconcebidas – e, por isso mesmo,
preconceituosas –, por exemplo, a de que o Jornal Massa! não se enquadra na
formalidade defendida pelo jornalismo tradicional.
117
Uma observação importante defendida pelos teóricos é que, apesar dos
expedientes – nem sempre éticos – utilizados pelos jornais sensacionalistas,
visando garantir a audiência, esses veículos também procuram conectar-se
com o seu público popular, prestando-lhes um assistencialismo em face das
suas carências, já que é um público que pertence, notadamente, às classes
sociais consideradas, até pouco tempo, como vítimas da exclusão social. Com
o objetivo de estabelecer tal conexão, esse segmento da imprensa apropria-se
de elementos culturais evidenciados na realidade do seu público e transgride
muitos valores consagrados no jornalismo de referência.
Seguindo os pressupostos anteriores, adentramos o nosso objeto de pesquisa,
cuja abordagem referiu-se à função do Jornal Massa! como instrumento de
informação. A fusão do arcabouço teórico com as análises advindas da
pesquisa sobre o Massa! conduziu a um melhor entendimento de qual seja,
efetivamente, a concepção desse veículo na Bahia. Após dois anos de
existência – a sua criação data de 18 de outubro de 2010 – podemos inferir que
o referido jornal tem mantido a aceitação por parte dos leitores, haja vista que,
até então, não houve mudanças na sua formatação nem na abordagem
temática.
Nos estudos acerca da tríade argumentativa aristotélica, observamos como
estão
indissociáveis
essas
três
forças
que
alimentam
a
teoria
da
argumentação, porquanto estão comungadas na busca por alcançar o
convencimento e a persuasão propostos pelo orador, para que seja confirmada
a tese na enunciação.
No caso do Massa!, vimos que o processo argumentativo requer a construção
de um ethos positivo que revele valores os quais estejam alinhados aos
interesses do auditório que o jornal deseja persuadir. Pela nossa análise, ficou
evidenciado que esse veículo já estabeleceu, a priori, uma identificação com o
seu público, sendo revelado nas falas de leitores que disseram estar satisfeitos
com a inserção do Massa! em um mercado editorial baiano que antes se
mostrava excludente. Observamos, portanto, que os modos de endereçamento
praticados pelo jornal Massa! estão intimamente ligados com o perfil do leitor e
118
de seu universo social e cultural, confirmando assim a Teoria do Agendamento
como um dos critérios de noticiabilidade.
Quanto ao pathos, este é um dos elementos da tríade fortemente identificado
nas análises sobre o objeto da pesquisa. Os jornais sensacionalistas, conforme
o nome sugere, são desencadeadores de emoções no leitor e, com o Massa!
não é diferente. De um modo geral, as matérias priorizam episódios os quais
retratam a violência e, de uma forma bastante contundente, as notícias se
esvaziam de reflexões – como já observado, o Massa! não tem editorial –, já
que o objetivo é atingir, especialmente, as emoções do auditório.
O logos, por sua vez, está presente na abordagem que o Jornal Massa! faz do
noticiário, obedecendo ao agendamento proposto pelo veículo, ao realizar uma
sequência de notícias que tratam de temas afins, na perspectiva de atender a
uma agenda pública que seja de interesse do leitor. Contribui para essa
argumentação a escolha do repertório linguístico, com lexias que promovem a
identificação com o receptor. Além disso, alguns termos, ainda que sutilmente
empregados, denotam a intenção do jornal em conduzir o leitor a avaliar o
conteúdo da informação, conforme visto nas notícias sobre crimes de pedofilia.
Os argumentos identificados nas matérias que compõem o nosso corpus
ratificam o caráter persuasivo existente no Jornal Massa!, em que a emoção é
fortemente marcada, em detrimento da razão. Todas as edições escolhidas
para a análise trazem textos com uma forte carga emotiva aos leitores, dos
quais emergem diversos sentimentos: de respeito, diante da história da mãe
com 32 filhos; de pena, frente aos relatos das mães presidiárias; de admiração,
ao lerem sobre a experiência materna das celebridades baianas; de ódio, raiva,
repulsa, indignação, ao se depararem com os casos de atrocidades cometidas
pelos suspeitos e indiciados em crimes de abuso sexual contra menores.
Os estudos desenvolvidos acerca da concepção do Jornal Massa! e também
pelos exemplares analisados, tornam patente que o jornalismo popular, em
maior ou menor grau de sensacionalismo, mexe com as emoções e opiniões
das pessoas. De alguma forma, esse formato do jornal impresso tem cativado o
119
leitor baiano – especialmente da cidade de Salvador – e é capaz de manipulálo. Apesar de não ser um jornal que depende de assinaturas mensais, causa
efeito imediato ao consumidor, o que faz com que este mantenha fidelidade ao
veículo.
Considerando o teor das notícias do Massa!, é possível afirmar que o jornal
sensacionalista faz com que o leitor passe a ser personagem de histórias que,
muitas vezes, lembram a ficção, mas que se tornam parte da sua vida
cotidiana. É como se o público do Massa! se enxergasse nas páginas do jornal.
Por conseguinte, ao assegurar informação, com ou sem conteúdo jornalístico,
de certa forma, o Jornal Massa! faz com que o leitor compreenda o que está
sendo dito, devido à linguagem semelhante à do seu dia a dia, transformando-o
em um consumidor fiel.
Assim, esse formato de notícias configura-se como um meio útil de atrair a
atenção da população das classes C e D de Salvador e na Região
Metropolitana. Afinal, é o relato jornalístico que mais se aproxima da ficção e
da linguagem oral; que não exige conhecimentos prévios ou exteriores ao
tema; que é facilmente recolhido na realidade social dessas pessoas; e que,
por isso, é facilmente vendável a essa camada social.
O jornalismo, mais do que uma ferramenta de informação, tem o importante
papel de auxiliar a sociedade na tomada de decisões, além de mobilizá-la em
favor de causas. Municiar os leitores com informações de relevância social é
uma das características que a imprensa deve adotar, haja vista que é por meio
desse processo que se alcançam mudanças na vida em comunidade.
Foi possível perceber essa função no Massa!, já que o veículo permite ao
leitores que se expressem, reclamem das suas mazelas e reivindiquem por
melhorias. Compreende o leitor que o Massa! pode cumprir o papel de
interlocutor, imprimindo um tom político diante das agências gestoras, de modo
especial quando a pauta dá enfoque ao problemas sociais, notadamente
ligados à segurança, à educação, à saúde, à moradia, entre outros.
120
No percurso da concepção deste trabalho, ficou evidente a noção de que
argumentar é comunicar, dirigir-se ao outro, propor-lhe boas razões para ser
convencido a partilhar de uma opinião. Assim, o primeiro desafio de um
argumento é modificar o contexto de recepção do auditório a que se pretende
atingir, para a introdução de um ponto de vista. Isso requer que se veja cada
auditório como único e individual, fazendo da argumentação uma arte muito
delicada. É nessa perspectiva que o Jornal Massa!, pelas suas especificidades,
tem buscado atingir um auditório particularizado, utilizando, para tanto, um
estilo popular, na tentativa de estabelecer a cumplicidade necessária nesse
segmento.
Após os desdobramentos de todas as discussões aqui pautadas –
considerando-se as teorias estudadas e analisadas neste percurso –, torna-se
essencial o entendimento sobre quais são os verdadeiros objetivos de um texto
jornalístico. Em todos os momentos desta trajetória investigativa, esforçamonos por garantir um olhar de neutralidade – como convém a um pesquisador –,
na tentativa de não emitirmos juízo de valor acerca da modalidade de
jornalismo sensacionalista.
Inequivocadamente, informar é a primeira função do jornalista. Mas também
não deve ser este profissional capaz de provocar sensações no auditório, ao
experimentar novos usos de linguagem, adentrando o espaço emocional do
leitor? Quando, na instância jornalística, as estratégias argumentativas
valorizam as emoções, em detrimento da razão, podemos descaracterizá-lo da
sua condição de gênero notícia? O fato é que, não obstante a carga
significativa de preconceito e o sentido que envolve a temática, essa
modalidade não pode ficar invisível aos nossos olhos, de modo especial
àqueles que se debruçam sobre os estudos de linguagens, devendo atentar
para os diferentes efeitos que estas causam nos interlocutores.
121
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125
ANEXOS
126
ANEXO A: Edição utilizada na análise do Texto 1
Edição n. 492 - 12 e 13 / maio/ 2012
127
ANEXO B: Edição utilizada na análise do Texto 2
Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012
128
ANEXO C: Edição utilizada na análise do Texto 3
Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012
129
ANEXO D: Edição utilizada na análise do Texto 4
Edição n. 826 - 08 e 09 / jul./ 2013
130
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