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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 12 de novembro de 2006 • 17
OPINIÃO
A reeleição e suas
conseqüências
Advogado
O resto que se soma a esse
eleitorado carente fica por conta
do que advém do próprio embate político, do empenho dos cabos eleitorais, do fisiologismo
da maioria das lideranças municipais do interior, tendentes como sempre a estar do lado do
governo, e de mais uma infinidade de artimanhas de campanha, que bem explicam, à saciedade, a vitória de Lula.
Até o presente momento não
se sabe de ninguém que tenha esboçado ensaio capaz de localizar
com alguma precisão o que tem
passado na cabeça das pessoas. O
que o senso comum recrimina como imoralidade pública parece
não ter tocado o sentimento do
eleitor. As falcatruas, os desmandos, os roubos cometidos contra o
dinheiro do povo, as denúncias e
toda a onda de corrupção que assolou o governo, com a implicação de ministros de Estado, graduados assessores, parlamentares
do peito, amigos e companheiros
do presidente, inclusive figurões
estelares do PT, não foram capazes de comprometer a reeleição.
Os recentes acontecimentos re-
lacionados com a compra do dossiê que ligaria políticos do PSDB à
máfia das ambulâncias, do mesmo modo não abalaram a sensibilidade do eleitor em sua preferência pelo candidato petista. Vários
parlamentares denunciados pelo
Ministério Público Federal por
condutas lesivas ao erário, que violaram as mínimas regras de decoro
parlamentar, foram solenemente
reeleitos como se nada representassem os péssimos exemplos de
sua vida pregressa.
Mas de todo esse quadro que
se desenrola diante da nação,
uma coisa é mais do que certa.
Queixa-se muito de impunidade
no Brasil, de que a culpa da desordem ética é da polícia, do Judiciário, das leis, disso e daquilo, quando na verdade o eleitor é que não
sabe ou não soube escolher bem
seus candidatos. Com sua preferência, passou aos que cometeram tais desatinos verdadeiro
atestado de bons antecedentes,
com a outorga dos mesmos favores da imunidade parlamentar de
que então abusaram, para que,
certamente, continuem a repetir
os mesmos erros do passado.
Se a muitos brasileiros a convicção do envolvimento de Lula
em vários dos episódios de corrupção é patente, para a maioria
do povo não é. Essa condição
pode lhe permitir um mandato
sem maiores turbulências. Se
promover melhorias em nossa
infra-estrutura, hoje em pandarecos, por certo impulsionará o
crescimento da economia nacional, há tempos estagnada. O
cenário mundial atual é extremamente promissor para que
essa expectativa se torne realidade. Para alcançar esse objetivo, as circunstâncias do mercado internacional acenam com
inestimáveis perspectivas para o
presente e o futuro do país.
A política de incentivo ao assistencialismo provou sua eficácia. As eleições passadas nos deram uma certeza. Há dois Brasis.
Um que, em nome da miséria,
mercadeja o voto pelo pão de cada dia, pouco importando a folha
corrida de seus eleitos; outro que,
embora sustente o governo para
garantir o pão que distribui, não
compactua com o crime. Esse é o
legado da reeleição.
rar seus bens culturais algo brega ou de mau gosto.
A primeira hipótese implica
afirmar que a melhor qualificação cultural das pessoas tem a ver
com a quantidade de dinheiro
amealhada por seus pais e que,
portanto, é impossível uma pessoa de poucos recursos gostar,
por exemplo, de Beethoven ou
Machado de Assis. Isso é evidentemente ridículo, inverídico e
preconceituoso.
A segunda, que se apresenta
com ares de defesa do direito de
escolha, não leva em consideração uma série de fatores fundamentais: o gosto musical das pessoas é imposto por rádios FM,
que impulsionam, à base de jabaculês, melodias gravadas em
estúdios nacionais e estrangeiros, cuja única preocupação é
mercantil, não cultural. O gosto é
imposto a partir de repetições infinitas de fórmulas manjadas que
não passam de variações sobre o
mesmo. O freguês não tem a
oportunidadedeescolher.Omesmo ocorre com as telenovelas,
com os enfeites industrializados.
É o kitch globalizado.
Enquanto isso, artistas autênticos suam a camisa para
conseguir se apresentar em circuitos alternativos, grupos de
teatro atuam para platéias de menos de 10 pessoas (sem efeitos es-
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E
gum tempo antes das eleições.
No rápido período que vai de julho a outubro, a cada quatro anos
o cidadão desavisado pode ter a
impressão de que, finalmente,
questões como a inclusão social
por meio da escola, a formação
continuada dos professores e sua
valorização sairão das salas de
debates em encontros de educadores e entrarão na pauta das políticas públicas prioritárias. Ledo
engano. Após as eleições, o tema
sai da agenda, das manchetes e
das preocupações de quase todos, a não ser dos pobres professores e de meia dúzia de ingênuos, como costumava chamar
“esta gente” um ex-ministro.
Mas hoje deixarei, eu também, os professores sozinhos.
Queria retomar uma questão já
tratada neste espaço mensal, o
da cultura. Para muitos, a simples idéia de lutar para que toda
a população tenha oportunidade de acesso aos bens culturais
da humanidade (boa literatura,
boa música, bons artistas, cinema de arte, museus, teatro, etc.)
é considerada quase heresia. Na
concepção, o povo é ou burro ou
sabe exatamente o que quer. Se
for burro, é impermeável ao patrimônio cultural da humanidade, se for sábio, tem o direito de
fazer as próprias escolhas e seria
elitismo de nossa parte conside-
peciais, o que não agrada ao público viciado em videoclipes), poetas
pagam para publicar seus trabalhos e Nuca, deTracunhaem, não é
conhecido sequer em Recife.
Aliás, quem mesmo é Nuca?
Escultor em barro, especialista em
leões sentados, Nuca já enfeitou
cartazes de propaganda da Embratur, e suas obras estavam para
oVisite Pernambuco como o Cristo estava para o Visite o Rio. Alguns de seus trabalhos estão em
praças de Recife, inclusive em
frente ao hotel em que fiquei lá,
há alguns meses. Vi seus leões e
comentei sobre eles com a recepcionista do hotel, que nunca tinha
ouvido falar de Nuca e, na verdade,
nemtinhapercebidodireitoaqueles bichos pintados de amarelo.
Tampouco os taxistas, ao lado,
sabiam algo a respeito, o negócio
deles era tentar me levar até Olinda, uma boa corrida. Entre duas
palestras, pedi a um amigo que
me levasse até Tracunhaem. Eu
queria rever o mestre, um dos
maiores artistas populares brasileiros. Lá chegando, caminhei até
sua casa modesta e o encontrei se
recuperando de um derrame, que
lhe tirou o movimento da mão direita e a possibilidade de continuar produzindo seus maravilhosos leões, muito valiosos na Europa, quase desconhecidos no Brasil. E viva a cultura brasileira!
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ste é mesmo um país estranho e não é sem motivo
que sociólogos e historiadores atuais, salvo raríssimas exceções, tenham desistido
de explicá-lo. É sempre mais fácil,
para uns, fazer pesquisas eleitorais ou pontificar sobre as presumíveis preferências de consumo
da classe média urbana e, para
outros, estudar “a mentalidade
dos senhores de escravos da região de Itupeva e cercanias, a partir de duas cartas escritas por estudantes de direito para suas
amantes, cantoras de ópera italianas que se apresentaram em
Campinas no apogeu da cultura
do café”. Estudos não muito relevantes, talvez, mas sem tantos
riscos quanto os que correram
Gilberto Freyre, Sergio Buarque
de Holanda, Florestan Fernandes
ou Caio Prado Júnior.
Relevância, por exemplo, ganham os temas vinculados à cultura e à educação nos anos eleitorais. Para ser mais preciso, por al-
[email protected]
com Circe Cunha // [email protected]
A FRASE QUE NÃO FOI PRONUNCIADA
Nuca e a cultura brasileira
Historiador
e editor,
é diretor da
Editora Contexto
Desde1960
Recife – Alegra o Nordeste ver a chegada de tanta gente
de outros países. Em casa, a alegria baixa de fulgor. Desde o
tempo do presidente Figueiredo a malha rodoviária começou a se desfazer. Os governos têm assistido a tudo com impassividade chocante. Os automóveis mostrados nos revendedores trazem as mais agradáveis surpresas tecnológicas.
O seu uso, entretanto, tem que ser restrito às cidades. Chegar ao Nordeste era agradável usando estradas de rodagem.
As capitais ficam perto uma das outras e os caminhos do
mar mostram belezas que só a natureza tropical pode exibir.
Não são vistas mais as chapas de carros provenientes dos estados, nem a confraternização dos visitantes com os locais.
Andar de automóvel é aventura a que poucos se dão. Perigos
nas rodovias começam no pavimento esburacado e terminam na insegurança contra assaltos. Que bom se o ministro
dos Transportes tivesse autoridade para abrir os cofres e refazer os caminhos do conforto em se andando nos automóveis modernos. As coisas ficariam fáceis, o governo arrecadaria mais impostos e o povo teria a felicidade de férias alegres. Hotéis existem e restaurantes também. Falta poder
chegar, esse direito que o Estado nega com desdém.
A
JAIME PINSKY
visto,lido e ouvido
Turismo
doméstico difícil
MAURÍCIO
CORRÊA
s razões que deram vitória
a Lula são mais do que conhecidas. A própria condição de estar no poder por
si contribuiu com grande parcela
do êxito. Aliás, candidato à reeleição em nosso país, tanto nos pleitos para presidente da República
quanto nos de governadores de
estado e de prefeitos, só perde a
disputa se for mesmo muito ruim
de serviço. A constatação do favoritismo não é nacional. Ocorre
também em outros países onde
há reeleição, como tem evidenciado o processo eleitoral americano,
de onde se importou o modelo
brasileiro. Entre nós, sem dúvida,
bem mais nefasto do que lá.
Aqui em nosso país, o instituto tem se mostrado de elementar inconveniência. Apesar de
recente, desde que introduzido
para entrar em vigor a partir do
segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso, já se apresenta mais do que exausto, impondo-se seja revogado, pelo
menos para valer futuramente.
O fisiologismo da caneta funciona sem dó nem piedade. É a
história do vale tudo. Veja-se,
por exemplo, o que sucedeu nestas eleições. Ao longo dos três
anos e tanto do mandato presidencial, os cofres públicos federais mantiveram-se sempre fechados, só abrindo as portas para acomodar interesses eleitorais nos últimos meses que precederam às eleições.
A vitória do candidato petista,
entretanto, não se deveu essencialmente a esse fato. Como sabido, a esmagadora maioria da população brasileira se constitui de
pessoas pobres e de milhões de
outras que se situam dentro ou
próximas dos extremos da miséria. É esse contingente que depositou maciçamente seus votos nas
urnas para reeleger Lula. O programa Bolsa Família entra nesse
contextocomaforçadeummonstro ciclópico: R$ 60 ou R$ 100 podem não significar muita coisa
para quem tem o que comer, vestir e morar, mas, para quem vive
de migalhas esporádicas, esses
trocados têm peso de ouro.
ARI CUNHA
“Abraço e punhalada
a gente só dá em quem
está perto.”
Presidente Lula pensando no novo mapa dos ministérios
Criação
Destaque na Bienal de
Brasília. Projeto exposto
na sala da arquiteta Gabriela Izar é diferente de
todos. Não foi elaborado
por escritórios de arquitetura. O projeto do Tribunal
Superior Eleitoral foi desenvolvido dentro do quadro funcional do Estado,
nos moldes do período
modernista do Brasil. Premiado por um júri internacional, o trabalho de
Gabriela Izar é um impulso para o resgate da produção técnica do Estado.
Mudanças
Continua a peregrinação do professor Granjeiro.
Ele quer uma revisão na lei
que regulamenta os concursos públicos para cargos na administração federal. Na esfera distrital ele
conseguiu avanços na Câmara Legislativa.
Dúvidas
Interrompido o pregão
do GDF para a contratação de terceirizados pela
Secretaria de Educação.
Seria para serviço de limpeza e conservação. A determinação é do Tribunal
de Contas do DF, que quer
um estudo minucioso sobre a real necessidade do
contrato.
Cartão
corporativo
“A única coisa boa criada por Fernando Henrique”, como pensa o presidente Lula, é alvo de inves-
tigação. O senador José
Agripino quer que esse“cadáver insepulto eivado de
irregularidades” seja pesquisado por uma CPI para
comprovar ou eliminar
inúmeras denúncias. Há
indícios até de uso eleitoral
do cartão por autoridades
do governo.
Reciclagem
Aos poucos o transporte alternativo volta a transitar. A medida do juiz Esdras Neves de Almeida deve servir como exemplo
para uma mudança radical
no comportamento dos
motoristas e trocadores de
vans. O serviço recebeu
mais de 90 mil reclamações de moradores de condomínios. Depois do susto
deve melhorar.
Opinião
Sobre a construção do
muro para isolar os hispânicos dos Estados Unidos, o leitor Michel Corniglion explica que a situação está insustentável.
No Texas, Miami e Califórnia o brasileiro que
tentar aperfeiçoar o inglês ouve constantemente "no hablo ingles".
Urbanidade
Organizados por Algecira Castro do Amaral, moradores do Lago Norte marcaram audiência com o diretor do DER, Brasil Américo, para solicitar a colocação de pardais e lombadas
na pista interna da QI/QL
1. O asfalto é de boa qualidade e tem sido usado para rachas e pegas.
HISTÓRIA DE BRASÍLIA
O sr. Geraldo de Castro, prefeito da Cidade Livre,
recebeu do comitê JK-65 uma enorme placa para
fundar um comitê. Com a vitória do sr. Jânio
Quadros, desistiu da idéia, e o pintor está
tremendamente aborrecido, porque a referida placa
está “entulhando” ( é o termo) a sua oficina.
(Publicado em 4/11/1960)
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Nuca e a cultura brasileira