UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE CINEMA, RADIO E TV São Paulo, 2011 PROJETO TRAPEZIO, desenvolvimento de narrativa ficcional para a TV Digital Interativa Marilia Fredini Alves Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel no Curso Superior do Audiovisual sob a orientação do Professor Almir Antonio Rosa 1 Apresentação O desafio de fazer um filme interativo, baseada em pouco repertório e na certeza de que meu Trabalho de Conclusão de Curso deveria ser, antes de mais nada, uma proposta de abertura e expansão , mais do que uma simples conclusão, foi o que me motivou na época e é o que norteia ainda hoje minha pesquisa. A partir da proposta de interatividade, busquei questionar a própria criação audiovisual e seus objetivos estéticos e comerciais, com a crescente demanda de conteúdo para a internet e para a TV Digital Interativa, esta ainda em fase de experimentação. Questionar de que maneira nós, futuros profissionais desse mercado, podemos trabalhar as novas tecnologias de maneira a agregar valores estéticos, artísticos e conceituais à uma área que hoje em dia ainda é pouco explorada em âmbito acadêmico. O Projeto Trapézio nasce, portanto, dessa tentativa de propor uma narrativa de suspense como um potencial conteúdo interativo. Como o próprio nome diz, é um projeto, pois esta é uma discussão que apenas se inicia, e as possibilidades de interatividade são tantas quanto as incertezas sobre sua aplicabilidade e usabilidade, principalmente em obras ficcionais. Acredito que este estudo aponta caminhos interessantes para se repensar a criação audiovisual tendo em vista os novos suportes disponíveis e as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias. 2 Sumário 1. Introdução 04 2. Interatividade e Hipermídia 06 3. A TV Digital Interativa 12 4. O Projeto Trapézio 18 4.1 O processo de criação 4.1.1 Da ideia ao roteiro 19 4.1.2 A Direção 29 4.2 Pós-produção 4.2.1 A Montagem 40 4.2.2 (Re)pensando os pontos de interatividade 42 4.3. O Design de Interação 47 4.4 O trabalho com o ginga 4.4.1 O Ginga-NCL 53 4.4.2 A estrutura do Projeto Trapézio 61 4.4.3 Dificuldades e Soluções 69 4.4.4 Testes de Usabilidade 72 5. Conclusão 74 6. Bibliografia 75 3 1. Introdução A ideia para o trabalho de conclusão de curso é algo que já vem nos preocupando desde o final do terceiro ano de faculdade. Ainda sem nada que me inspirasse, comecei a reler antigos trabalhos didáticos e me deparei com uma radionovela que havia escrito para a disciplina optativa de Roteiro de Rádio, durante o segundo ano de curso. O suspense de inspiração Noir, tinha basicamente a mesma trama do Projeto Trapézio, com a diferença de que a radionovela era conduzida por um detetive que ia ao circo investigar a morte do trapezista. Este era apenas o morto, e não um personagem. O que era uma sinopse de radionovela poderia ser um bom roteiro para o trabalho de conclusão de curso e o mais esperado seria fazer disso um curta. Porém, a própria estrutura episódica da narrativa de radionovela me fez pensar que seria interessante explorar um formato ou um meio diverso do habitual curta-metragem. Nessa época, eu era estagiaria da TV USP, vivenciando uma experiencia audiovisual muito diversa daquela experimentada ao longo do curso. Na TV USP ajudei a desenvolver um novo programa, o Walk Talk Show, onde um aluno, estagiário da TV USP, fazia às vezes de repórter e caminhava pelo campus, entrevistando quem encontrasse pela frente. Como câmera e co-editora, além de co-criadora, pude ver o nosso projeto se transformar no carro chefe da programação da TV, que passou a ser mais conhecida pela comunidade uspiana, da qual recebíamos vários comentários e sugestões de lugares para visitar na USP, via e-mail e redes sociais. A abrangência do meio televisivo, aliado à dinamicidade da internet, na relação com o publico, me fizeram repensar o papel da televisão e das novas mídias em nossa sociedade, e no pouco contato que tive com isso ao longo do meu percurso acadêmico. A estrutura episódica da narrativa que eu tinha em mãos e seu caráter psicológico, ligado à multiplicidade de pontos de vista, foram elementos essenciais para o surgimento da ideia de um filme interativo, alimentado pelas referências vistas na disciplina de Mídias Interativas, ministrada pelo professor Almir Almas, que, por conta dessa disciplina 4 e por sua trajetória ligada à televisão e videoarte, convidei para ser meu orientador nesse projeto, uma vez que certamente ele poderia ajudar mais na pesquisa e no desenvolvimento do projeto do que um professor mais ligado à área de narrativas clássicas. Minha ideia era justamente expandir conceitos, de forma a abranger as diversas possibilidades estéticas que surgem com o desenvolvimento das mídias e tecnologias digitais. Expandir o video e a televisão para a internet, usar a interatividade como nova ferramenta dramatúrgica, questionar a narrativa e a estagnação estética e conceitual da produção audiovisual brasileira nos dias de hoje. Não pretendo, portanto, com esta monografia, fazer uma análise aprofundada do uso da linguagem cinematográfica, enquanto diretora do projeto, nem me ater a questões técnicas e estilísticas como enquadramento ou ritmo da narrativa. Tais questões serão devidamente tratadas no que se refere às especificidades requeridas pelo uso da nova ferramenta e da linguagem interativa, que propõe novos desafios à poética audiovisual. Assim nasce o Projeto Trapézio, uma proposta de ficção interativa, com o objetivo de testar, por um lado, as possibilidades estéticas oferecidas por uma estrutura não-linear de narrativa e fruição da obra, e, por outro, a interface brasileira de interatividade para TV Digital, o middleware Ginga, gerando um dos primeiros estudos de usabilidade e aplicabilidade do mesmo em termos de linguagem audiovisual e o primeiro a usar essa tecnologia no Curso Superior do Audiovisual. 5 2. Interatividade e Hipermidia “Uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de todos os prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário programado pode se modificar em tempo real ou em função da resposta dos operadores. A interatividade não é somente uma comodidade técnica e funcional; ela implica física, psicológica e sensivelmente o espectador em uma prática de transformação” JULIO PLAZA Interatividade é o termo mais comum para descrever a comunicação humana contemporânea. Propagada por entusiastas da tecnologia, pela publicidade e pelos meios de comunicação de massa que buscam “inovar”, a interatividade parece ser o grande bem que as intermediações tecnológicas nos trouxeram ao final do século XX e começo de século XXI. Mas a história mostra que, antigamente mediada por palavras, hoje por softwares, a interação é o fenômeno essencial e primordial da comunicação humana. Para que ocorra um processo comunicativo, faz-se necessário que os interlocutores estejam inseridos em um mesmo contexto de enunciação (Manetti, 2008), onde eles se alternam no papel de enunciador. Manetti (2008, p.16) ainda sustenta que “ a função da comunicação é ligada à palavra, que é a atualização deste dado natural que é a linguagem (…) é somente na linguagem e mediante a linguagem que o homem pode constituir-se como sujeito”. A constituição do sujeito e, portanto da subjetividade, através da linguagem também se apresenta nas teorias cognitivas de TOMASELLO (2008) sobre as origens da 6 comunicação humana, onde princípios como “common background” e “shared intentionallity” são base do processo comunicativo na medida em que, respectivamente: os sujeitos participantes tem um mesmo contexto psico/social e espaço/temporal; e condividem, através de uma forte concepção de “nós”, uma mesma intenção, ou seja, “eu e você estamos empenhados no mesmo assunto”. O contexto exerce, portanto, papel fundamental no processo comunicativo e no jogo de significados que nele se projetam. Segundo LEVY (1993), “o sentido emerge e se constrói no contexto, é sempre local, datado, transitório. A cada instante, um novo comentário, uma nova interpretação, um novo desenvolvimento podem modificar o sentido que havíamos dado a uma proposição (por exemplo) quando ela foi emitida (…) Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores, lembranças (...)” Essa mutabilidade da interpretação relaciona-se com o amplo espectro de signos, símbolos e significantes que são trazidos pela memória dos interlocutores ao ato comunicativo, trazendo-nos, assim, ao hipertexto, cujas origens, segundo SANTAELLA (2007), “estão ligadas a essa analogia com o funcionamento da memória e podem ser encontradas nos trabalhos dos precursores Paul Otlet, Vannevar Bush, Douglas Engelbert e Ted Nelson. Foram esses pesquisadores que começaram a desenvolver os primeiros suportes para a ideia de um arquitexto, quer dizer, “um meio de acesso à informação através de vínculos associativos que unem um determinado assunto a outro sem a existência de uma hierarquia entre os tópicos.” A respeito do célebre artigo do matemático Vannevar Bush “As we may think?”, LEVY (1993) expõe as raízes do hipertexto e o protótipo idealizado pelo cientista em 1945, o Memex. 7 “Ora, diz Vannevar Bush, a mente humana não funciona dessa forma, mas sim através de associações. Ela pula de uma representação para outra ao longo de rede intrincada, desenha trilhas que se bifurcam, tece uma trama infinitamente mais complicada do que os bancos de dados de hoje ou o sistema de informação de fichas perfuradas de 1945.” Reconhecendo não ser possível reconstruir o processo reticular onde se constrói a inteligência, Bush, ainda nas palavras de LEVY (1993) propõe que nos inspiremos nesse processo e, assim, introduz a ideia do Memex, dispositivo que nunca chegou a ser construído mas de cujo conceito derivou a terminologia “hipertexto”, cunhada por Teodor Nelson em 1974. Sobre o Memex, LEVY (1993) escreve: “Antes de mais nada, seria preciso criar um imenso reservatório multimídia de documentos, abrangendo ao mesmo tempo imagens, sons e textos. Certos dispositivos periféricos facilitariam a integração rápida de novas informações (…) O acesso às informações seria feito através de uma tela de televisão munida de alto-falantes. (…) Uma vez estabelecida a conexão, cada vez que determinado item fosse visualizado, todos os outros que tivessem sido ligados a ele poderiam ser instantaneamente recuperados.” E SANTAELLA (2007) complementa: “(...) deixou a ideia de um sistema pessoal de extensão da memória, que permitiria que seu usuário pudesse selecionar e armazenar caminhos associativos.” O hipertexto, portanto, trabalha com informações modulares, um conjunto multimídia de acesso não-linear. Obviamente vemos essa estrutura “profetizada” em meados do século passado, como algo indissociável de nossa forma de vida contemporânea, na figura, principalmente, da internet. 8 Uma vez que tais módulos informacionais são cada vez mais constituídos não apenas por textos, mas por imagens, sons, vídeos etc, podemos chamar esse complexo de hipermídia, conforme define PLAZA: “A hipermídia, pois, é uma forma combinatória e interativa da multimídia, onde o processo de leitura é designado pela metáfora de “navegação” dentro de um mar de textos polifônicos que se justapõem, tangenciam e dialogam entre eles. Abertura, complexidade, imprevisibilidade e multiplicidade são alguns dos aspectos relacionados à hipermídia. A partir do momento em que o usuário pode interagir com o texto de forma subjetiva, existe a possibilidade de formar sua própria teia de associações, atingindo a construção do pensamento interdisciplinar.” Na relação comunicativa com estruturas hipermidiáticas vemos não só a mímese do nosso próprio fluxo cognitivo, mas, por conta dela, nossa busca e interpretação dos dados se torna mais rica, pois é constantemente alimentada por novas leituras, provenientes das sobreposições dos signos exibidos. Mas se agora falamos de dados, de fluxo de informação, de navegação livre por módulos, temos que problematizar o papel e a função do autor nesse panorama. Se o autor usa de seu estilo para expressar sua subjetividade, onde ele se coloca na criação de uma obra hipermidiática e interativa? Qual a relação que ele deve estabelecer com seu receptor se, por um lado deve convidá-lo à participação e construção da obra, mas por outro deve ainda deixar marcas de seu estilo e controlar a obra que, de maneira ou outra é fruto principal de sua subjetividade, antes de deixá-la ser fruto da subjetividade de outrem? A discussão sobre a morte do autor é de longa data e não pretendo desenvolvê-la aqui, mas penso que cabem ainda algumas reflexões a respeito, na medida em que o Projeto Trapézio busca se inserir justamente nesse contexto, trazendo uma narrativa interativa, permeando meios onde o autor é tão ou mais importante que a obra, como o cinema e a televisão. Numa narrativa interativa, ou em geral, numa obra de arte hipermidiática, segundo PLAZA, 9 “(...) todos somos produtores-consumidores; ou seja, está indo solenemente por água abaixo a velha e renitente distinção entre quem faz e quem frui. Na chamada “textualidade interativa”, o que é operativo é a poética da obra aberta em campo eletrônico digital. Para Risério, o que está em questão é todo o eixo autor-obra-receptor, não a dissolução do “autor”. O autor providencia o espaço, a cartografia, mas cabe ao usuário traçar o seu percurso. Nada autoriza a dizer (parodiando McLuhan) que, assim como Gutemberg nos transformou a todos em leitores e a fotocopiadora nos converteu em editores, o computador pessoal está fazendo com que todos sejamos autores.” Não é uma navegação indiscriminada entre dados e informações, mas um complexo de elementos previamente pensados e interligados, situando, portanto, o Projeto Trapézio num ponto de equilíbrio entre o cinema de narrativa clássica e as tão teorizadas formas de narrativas interativas, onde as definições de espectador e autor estariam em cheque. Neste meio-termo de linguagem no qual nos inserimos, cabe ainda a definição de ECO (1968) “ A obra em movimento, em suma, é a possibilidade de uma multiplicidade de intervenções pessoais, mas não é convite amorfo à intervenção indiscriminada: é o convite não necessário nem univoco à intervenção orientada, a nos inserirmos livremente num mundo que, contudo, é sempre aquele desejado pelo autor.” Ou ainda, a respeito do processo interpretativo de tais obras: “os signos aparecem ligados por uma necessidade que apela a hábitos enraizados na sensibilidade do receptor (…) torna-se lhe, portanto, impossível isolar as referencias e deve colher a complexa replica que lhe é imposta pela expressão. Isso faz com que o significado do processo de compreensão nos deixe, ao mesmo tempo, satisfeitos e insatisfeitos por sua própria variedade. Dai voltamos à mensagem, já enriquecidos desta vez por um esquema de significações 10 complexas que inevitavelmente puseram em jogo nossa memória das experiências passadas; a segunda recepção será, portanto, enriquecida por uma série de lembranças despertadas, que passam a interagir com os significados colhidos no segundo contato; significados que, por sua vez, já de inicio serão diferentes dos que foram realizados no primeiro contato, pois a complexidade do estimulo terá permitido automaticamente que a nova recepção se dê segundo uma perspectiva diferente, segundo uma nova hierarquia de estímulos. O receptor, voltando novamente sua atenção para o complexo de estímulos, terá posto desta vez em primeiro plano signos que, antes, havia considerado numa perspectiva subalterna e vice-versa. No ato transativo em que se compõem a bagagem de lembranças despertadas e o sistema de significados que emergiu da segunda fase, junto com o sistema de significados que emergiu da primeira (...), eis que toma forma um mais rico significado da expressão originaria. E quanto mais a compreensão se complica, tanto mais a mensagem originária – tal como é, constituída pela matéria que a realiza – em vez de gasta, aparece renovada, pronta para “leituras” mais aprofundadas.” O que chamamos hoje de interatividade é, portanto, a síntese de uma série de conceitos e sistemas desenhados pela evolução tecnológica e com bases sólidas no desenvolvimento do nosso próprio processo cognitivo. As interfaces hipermidiáticas são diversas e hoje podemos encontrar narrativas em livros, celulares, salas de cinema ou, objeto desse trabalho, na televisão, que ganha novos contornos com a digitalização, trazendo o acesso não-linear a informações e uma nova maneira de ver, pensar e fazer televisão. 11 3. A TV Digital Brasileira A TV Digital Brasileira nasceu de um acordo entre Brasil e Japão, e passou a transmitir na cidade de São Paulo em dezembro de 2007 sinais digitais de vídeo e áudio. Uma das qualidades mais anunciadas da implementação da TV Digital no Brasil foi justamente a transmissão desses arquivos em alta definição (HD). Na época, pouco programas das televisões abertas eram captados em HD e hoje, ainda vemos que não são uma totalidade, apesar de serem em número bem maior. O acordo com o Japão nos trouxe a tecnologia que hoje é a base da TV Digital Interativa Brasileira (TVDI), mas nosso sistema, ISDB-Tb apresenta, entre várias mudanças, uma inovação primordial em relação àquele japonês: o middleware Ginga, que permite a interatividade na TV Digital. Desenvolvido por pesquisadores brasileiros, o Ginga é, segundo palavras de um de seus criadores, SOARES (2009) “... é a camada de software localizada entre as aplicações (programas de uso final) e o sistema operacional. Seu objetivo é oferecer às aplicações suporte necessário para seu rápido e fácil desenvolvimento, além de esconder os detalhes das camadas inferiores (…) Esse papel confere à definição de “middleware brasileiro” grande relevo, pois, na prática é ele quem regulará as relações entre as duas indústrias de fundamental importância no país: a de produção de conteúdos e a de fabricação de aparelhos receptores.” Ou seja, é o que permite a leitura, dentro do Set Top Box (STB) (ou no caso de aparelhos de televisão que já venham com o Ginga “embarcados”) das aplicações interativas, ou não, enviadas pelas emissoras. Sendo seu subsistema “lógico” o Ginga-NCL, que processa os documentos NCL, uma linguagem declarativa de “cola” entre objetos de mídia. Definirei melhor essa parte técnica na seção desta monografia dedicada à exposição da 12 etapa de programação do Projeto Trapézio. Por enquanto cabe ressaltar a importância tecnológica e política do desenvolvimento do Ginga, uma vez que a linguagem Ginga-NCL foi escolhida como padrão ITU-T para serviços de IPTV, ainda segundo Luis Fernando Soares, em entrevista ao Portal Terra Magazine em 15 de agosto de 2011. “Vale ressaltar que até hoje o ambiente Ginga-NCL é o único ambiente de middleware padrão para todas as plataformas IPTV, TV a cabo, TV broadband (TV conectada) e TV terrestre (TV aberta). Mesmo dentro do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), é o único padrão para todas as plataformas (receptores fixos, móveis e portáteis). (…) O Ginga teve uma repercussão muito grande internacionalmente. Principalmente no mundo científico. Foi quando a gente teve reconhecimento, quando a linguagem NCL foi escolhida como padrão para IPTV, a primeira vez que o País tem um padrão na área da tecnologia da informação e comunicação. Teve também repercussão no sentido de que a utilização da interatividade com a inclusão social seria muito importante e se começou a falar muito na TV interativa. Isso nunca iludiu a nós, pesquisadores. A gente sabia que não é assim de uma hora para outra que você transforma uma tecnologia em produto.” De 2007 a hoje, a TV Digital Brasileira, em termos de serviços, caminhou pouco. A transmissão em HD já está consolidada, apesar de ainda não hegemônica, pois trocar todo o parque de equipamentos analógicos para os digitais requer um investimento muito grande das emissoras, de uma lado, e dos telespectadores, de outro. Mas a alta definição está longe de ser a principal vantagem do ISDB-Tb. A interatividade, essa sim, é sua principal inovação, como vimos, mas para que chegue às casas dos telespectadores, dois quesitos fundamentais devem ser preenchidos: a existência de um aparelho com Ginga (seja TV ou STB) e um produto interativo que possa ser acessado. As emissoras dizem que não os fazem por não ter aparelhos no mercado. Os fabricantes não produzem aparelhos pois não tem conteúdo. E o governo se ausenta ao não manter políticas públicas de subsídio de caixas conversoras, e no incentivo à pesquisa e desenvolvimento de conteúdo. Hoje, o panorama da produção audiovisual interativa para a TV 13 Digital ainda é pequeno e insatisfatório no sentido da qualidade da interatividade disponível, e aplicados a formatos específicos e consolidados, como veremos a seguir. Esportes (TV Globo/ Copa 2010 e Brasileirão 2011): A interatividade contempla informações sobre o campeonato ou números da partida. Não encontrei exemplos de seleção de ângulos de câmera. Fig. 1a Aplicativo Interativo Copa/2010 Fig.1b Aplicativo Interativo Brasileirão/2011 Jornal da Band (Band/2011): Notícias e informações sobre os apresentadores. Fig.2 Conteúdo interativo do Jornal da Band. O Aprendiz (Rede Record/2011): Biografia dos participantes, galeria de fotos e descrição das tarefas. Fig.3 Aplicativo Interativo 'O Aprendiz 2011' 14 Portal de Interatividade (SBT): O SBT criou um padrão geral de interatividade, chamado de Portal. O vídeo é redimensionado e o conteúdo interativo é mostrado. Exibe notícias, grade de programação, enquetes e promoções. Fig.4 Portal de Interatividade SBT Novelas (TVGlobo e Rede Record/2011): Em ambas observa-se o mesmo tipo de conteúdo interativo: apresentação dos personagens e da trama, e resumo de capítulos. Conteúdo aplicado sobre o vídeo. Fig.5 Conteúdos interativos em 'Insensato Coração' (Globo) Fig.6 Conteúdos interativos em 'Sansão e Dalila' (Record) 15 Segundo ANGELUCI (2011), tais exemplos de aplicativos são característicos de um “Estágio de Adornamento” da interatividade. “O que fica bastante perceptível é que, apesar dos aplicativos ainda serem versões-teste, ainda mimetizam muito do que já é realizado com sucesso no ambiente de PC ligado à internet ou dispositivos móveis. Da mesma forma que a televisão analógica levou alguns anos para identificar sua própria linguagem, separada das práticas do rádio, o mesmo parece acontecer com os conteúdos dos aplicativos para TV Digital. No entanto, observa-se que aplicações existentes se resumem a trazer conteúdos adicionais, síncronos ou não à programação, que possuem pouca relevância ao conteúdo audiovisual da programação. Restringem-se a enfeitar a tela da audiência com uma aplicação de interface até em certa medida bem feita, porém nota-se a preocupação de que ela não “atrapalhe” ou dificulte a visualização do conteúdo principal, seja ele informativo, seja ele publicitário.” É importante lembrar, ainda, a que veio a TV Digital no Brasil. Mais do que transmissão em alta definição de vídeo e áudio, mais do que resumo de episódios de novela, ela veio com a proposta do acesso público. De acordo com o decreto 5.820 do Governo Federal do Brasil de 30 de junho de 2006, citando ALMAS e JOLY (2009), “ o governo brasileiro pretende que através da televisão digital terrestre seja possível dar condições para a implementação de acesso público para a redução da desigualdade digital.” Tal questão é primordial na pauta do governo, prevendo acessos a serviços do SUS, como marcar consultas, por exemplo. Essa discussão, no entanto, esbarra em questões práticas muito importantes como o preço dos STB e a implantação dos canais de retorno, que permitem que o usuário envie informações via TV, sendo uma interatividade real (plena), possibilitando que o espectador seja também “exibidor”, carregando seus vídeos via 16 IPTV, por exemplo. Creio, portanto, que a questão do acesso público vai além, se referindo também à produção de conteúdo. E isso não apenas relativo ao envio de vídeos pelo canal de retorno. O potencial da TV Digital está intimamente relacionado à produção de aplicativos interativos, uma vez que a linguagem declarativa Ginga-NCL permite que usuários com pouca instrução em programação realizem documentos NCL e produtos audiovisuais interativos. No Projeto Trapézio, o foco da pesquisa está justamente no trabalho com a linguagem Ginga-NCL e a produção de uma obra audiovisual realmente interativa. A proposta, aqui, não é apenas uma apropriação de linguagem, mas uma reflexão sobre as possibilidades estéticas que esta oferece. Como visto nos exemplos acima, de aplicativos interativos que as emissoras atualmente exibem, a interação é ainda superficial e local, gerando conteúdos “extras” ao conteúdo principal. A interatividade na TV Digital deve ser encarada como expressão dos caminhos da hipermídia e evolução natural dos meios de comunicação, como SANTAELLA (2007) salienta “Piscitelli (2005, p.142) fala de três etapas no cultivo das audiências televisivas. Uma época de canais únicos, de franjas horárias precisas, de programas de alto consenso e homogeneização. Depois, chegaram emissoras como a CNN e a MTV com um ritmo claro de dispersão e compartimentação. Enfim, vieram os reality shows com um intercâmbio cada vez mais fluido entre a tela e a sala das casas. Para ele, a pós-televisão seria a fase interativa máxima da televisão, em cuja tela, segundo Squirra (2005, p.84), em que hoje assistimos unicamente a programas televisivos gerados na “cabeça da rede”, passarão a ser visualizados as chamadas telefônicas, os e-mails, o correio de voz, as multicâmeras, etc.” Sendo assim, a TV Digital preconiza o desenvolvimento de novos produtos audiovisuais e novos modelos de negócio. Foi pensando em tais aberturas que o Projeto Trapézio se desenvolveu. 17 4. O Projeto Trapézio O Projeto Trapézio é um filme interativo desenvolvido em linguagem GingaNCL para a TV Digital Interativa Brasileira. Este protótipo foi realizado com o intuito de testar as novas fronteiras da narrativa a partir do advento das tecnologias interativas. Através de uma narrativa inspirada nos filmes noir, acompanhamos o ponto de vista de quatro personagens no decadente Circo Zampano, durante as horas que precedem a morte do Trapezista. Anão é o dono do circo, Equilibrista e Contorcionista são antigos amantes; e Trapezista, é o novo namorado de Equilibrista, que, além de ser novo na trupe e devedor de Anão, também não sabe do caso de Equilibrista com Contorcionista. É uma trama de suspense, onde a interatividade aparece como ferramenta fundamental de construção dramática, através de links entre cenas e o acesso aos conteúdos extra, testando, dessa maneira, muitos dos recursos disponíveis na TV Digital Interativa Brasileira. Enquanto criadora do projeto, roteirizei em parceria com meu colega de turma Diogo Cronemberger, dirigi, sozinha, e participei ativamente da programação da interatividade, ao lado do colega Thiago Afonso de André. Minha atuação também permeia todo o processo de finalização do projeto, tendo editado um dos episódios e também colaborado na edição de som. Com isso tudo, hoje vejo o quanto este projeto pode ser chamado de “pessoal”, como exemplo de um processo de pesquisa, curiosidade e atuação incansáveis, por muitas vezes sozinha, acreditando que aquela ingênua ideia inicial se transformaria em um bom produto final, crítico e que contribuísse para a reflexão da poética audiovisual nos dias atuais. Como já disse ao início desta tese, minha intenção aqui não é, enquanto diretora, discutir enquadramento, ritmo ou atuação. Tais questões serão tratadas no que tange as especificidades exigidas pelo formato interativo. Minha intenção é, portanto, fazer uma apresentação do processo de criação e produção da obra, desde a ideia inicial até as considerações sobre o desenvolvimento da interface, problemas técnicos encontrados, e usabilidade, traçando um largo panorama sobre o desenvolvimento de um projeto de filme interativo. 18 4.1 O Processo de Criação 4.1.1 Da ideia ao roteiro: Pensando o formato interativo a partir da narrativa de suspense A narrativa de suspense sempre me instigou muito como formato. Pistas falsas, personagens complexos e roteiros que sugeriam soluções, sem dá-las, ou que as dessem, de maneira surpreendente. Desde as aulas de história do audiovisual, onde entrei em contato com o cinema noir, vi que era esse o gênero mais interessante do ponto de vista dramático, pois implica em personagens e tramas mais complexos, pistas e pontos de virada bem estruturados. Tendo filmes como O Falcão Maltes, A Dama de Shangai e Cidadão Kane como principais referências, comecei a delinear o roteiro do Projeto Trapézio. O gênero noir carrega características muito bem definidas sobre seu mecanismo de funcionamento dramático, através do uso de voice over, o narrador – personagem, em 1a. Pessoa, como em “A Dama de Shangai”, ou em 3a. Pessoa, como em “Cidado Kane”, criando, com isso, uma narrativa de caráter psicológico e proporcionando as bases para uma estrutura investigativa, circular, uma vez que, mesmo quando narrado em 3.a pessoa, não se tem uma onipresença do narrador, deixando elipses na trama, que movem a narrativa baseada na tentativa de reconstrução do enigma . Como SHATZ (1981) diz, “Thus Kane, like many other noir classics (…) employs a circular dualtime structure. The cinema-present investigation is set in motion by an enigma – generally a crime but in this instance, a single word – initiating the reconstruction of events in cinema past. The end result of this narrative strategy is not simply to explain or demystify the enigma, but also to set a tone of fatalism which will underscore the inexorable destiny of the principal characters. No one, especially the detectiveobserver who eventually reconstructs the past, can affect that destiny” O caráter fatalista do gênero, também colaborava com a situação que eu gostaria de criar, uma estrutura que fosse ao mesmo tempo aberta, por ser interativa, mas que 19 também fosse fechada, por ser mais controlável do ponto de vista dramático e de produção. O destino dos personagens noir está traçado, como sabemos desde o inicio, o que não esgota nossa necessidade, enquanto espectadores, de vivenciar aquela história, uma vez que tantos buracos são deixados, tantas pistas e sugestões para que se possa reconstruir a trajetória fatídica dos personagens. São justamente os enigmas que movem a narrativa adiante, segundo TELOTTE (1989) “ However, with a narrative that is fully narration (about voiceover), I would suggest, the fiction is actually “full of holes” from the start, threatened, as our experience becomes one of constant suspense or tension. Some films noir, for example, seem to “advance in a rectilinear fashion”, after the pattern of most classical narratives , but they actually describe a circular pattern, as if they represent but one more variation in an endless round of speculations about past. And while they might also suggest a rational effort at containing, shaping, and controlling unsettling memories – those words and images surfacing from the narrator's psyche – they also hint at a force of desire, driving the psyche, in a Freudian repetition mechanism, to dwell on the pains and pleasures of the past.” Em “Cidadão Kane” acompanhamos tal circularidade da estrutura através da heterogeneidade de “sub-narradores”, personagens interrogados pelo detetive, que contribuíam, cada um através de uma história, para delinear a personalidade de Kane. Essa multiplicidade de pontos de vista sobre um mesmo personagem, ou fato, trabalha dentro da esfera da dupla “pista e recompensa”, na qual se baseia não somente o gênero noir, mas todo o gênero narrativo. Com a multiplicidade de pontos de vista, aumentam-se as pistas ao mesmo tempo que também aumenta a dúvida, através de contradições geradas por diversos depoimentos, aumentando portanto, o numero de “buracos” a serem preenchidos para se ter uma compreensão da trama. Quanto mais dúvida o detetive, ou o espectador, tem, mais ele se envolve na trama a fim de resolvê-la. Logo, percebi que o mais interessante seria trabalhar essa questão dos múltiplos pontos de vista, como ferramenta narrativa e base para a interatividade proposta 20 pelo Projeto Trapézio. Como já dito anteriormente, eu tinha em mãos uma sinopse de radionovela criada para a disciplina de Roteiro de Rádio, onde um detetive ia a um circo investigar a morte do trapezista, como num clássico roteiro noir. Trabalhando sobre o mesmo fato, a morte do Trapezista, resolvi trazer este personagem “de volta a vida” para acompanhar em tempo cronológico os pontos de vista dos personagens da trama, mas de modo que não houvesse nenhum tipo de onipresença dos personagens – como o Trapezista ser um narradorpersonagem vindo do além, ou a presença de um detetive. Fiz o tempo da narrativa sair de uma reconstrução do passado, como nos filmes noir, para ser um acompanhamento do presente dos personagens, desenvolvendo as situações em paralelo, e criando condições de colocar, assim, o espectador no papel de detetive, que observa esses múltiplos pontos de vista a fim de criar sua versão da história. Esse é o ponto de partida para a construção de uma narrativa interativa, segundo MEADOWS (2002): “ interactive narrative is, in many ways, about the proccess of narration and its implied perspectives, but as we noticed before, interactivity fractures the perspectives of the individual author, places new perspectives in the hands of the readers, and accomodates a relationship between reading and writing. In developing interactive narrative, the plot has to accommodate a more flexible structure that allows for multiple perspectives into multiple viewpoints, each of which work together to assemble an overall and cohesive worldview, or opinion.” Estruturalmente foram desenvolvidos quatro roteiros, um para cada personagem (Anão, Contorcionista, Equilibrista e Trapezista), com duração média de 7 minutos cada um, e que, por falta de nomenclatura mais adequada, serão daqui em diante tratados por “episódios”. Eles foram pensados de maneira que houvessem o mesmo número de cenas e que a curva dramática dos personagens fosse similar, ou seja, em cada episódio, as cenas tem as mesmas funções dramáticas. Com isso foi possível construir a multiplicidade de pontos de vista, alinhavando pontos em comum temporalmente, de modo a criar paralelismo e diversas possibilidades de interação entre os episódios. Todos os episódios são constituídos de 7 cenas, esquematizadas temporal e espacialmente conforme a tabela: 21 Fig.7 Visão estrutural das 4 linhas narrativas A multiplicidade de pontos de vista no Projeto Trapézio foi trabalhada a partir de pequenas mudanças em falas e ações que são comuns a dois ou mais personagens. Como a narrativa se desenvolve paralelamente, cada ponto de vista sendo um “episódio” de um personagem, e, portanto, a maioria das situações sendo representadas em mais de um episódio , era óbvio que as falas e ações não poderiam ser exatamente iguais em episódios diferentes, uma vez que cada um corresponde ao ponto de vista de um personagem. Foi, portanto, preciso desenvolver as situações – e suas variações – de acordo com a personalidade de cada personagem e como este enxergaria sua relação com o outro. Por exemplo: EXEMPLO DO ROTEIRO CENA ENSAIO ROTEIRO EQUILIBRISTA 4. INT. PICADEIRO – DIA Equilibrista Contorcionista. Ensaiam. está sobre os ombros 22 de EQUILIBRISTA Pelo menos ele sente mais ciúmes de mim que você. Eles se desequilibram e caem no colchão. CONTORCIONISTA (bravo) É. Ele também é mais rico, mais talentoso. Ainda não consegui entender o que você tá fazendo aqui. EQUILIBRISTA (chorando) Só queria conversar. Se não for com você, vai ser com quem? CONTORCIONISTA Tá, tudo bem. Desculpa. Eu sei que você tá confusa. EQULIBRISTA Achei que você fosse me ajudar... Você sempre me ajudou. CONTORCIONISTA Acreditar nesse idiota não vai ajudar em nada. Tenho certeza que ele tá enganando todo mundo. Se depender do Anão, ele toma conta daqui. Aí o circo pega fogo. 23 EQUILIBRISTA Ele não faria nada sem falar comigo. Né? O circo é da minha família... A gente namora...(pausa) Filho-da-puta! CONTORCIONISTA E vai saber se nessas viagens ele não conheceu outra equilibrista? Equilibrista encara Contorcionista, surpresa. ROTEIRO CONTORCIONISTA 4. INT. PICADEIRO – DIA Contorcionista ensaia, sozinho.Equilibrista chega e sorri. Aproxima-se e começa a ensaiar junto com Contorcionista. Ela anda sobre uma corda a mais ou menos um metro do chão, equilibrando diversos objetos. Ele se contorce de várias maneiras, os braços passando perto da corda da Equilibrista, sem tocá-la. Às vezes ele pára em determinada posição e a observa. Enquanto isso, conversam. EQUILIBRISTA O Trapezista é muito ciumento... E ele, que vive viajando e não fala pra onde... CONTORCIONISTA O que ele disse? 24 EQUILIBRISTA Ciúmes. Mas essa história do número solo que me irrita. A gente é uma dupla de sucesso. A gente tem uma história. CONTORCIONISTA O que mais que o desgraçado disse? EQUILIBRISTA Desgraçado também não. Ele é um homem bom. Às vezes fala coisas que eu não quero ouvir, e outras que não quer falar, mas isso é normal. Quem não tem ciúmes? Eles se desequilibram e caem no colchão. EQUILIBRISTA O problema não é o Trapezista, ficar com ciúmes. Eu até gosto. Contorcionista pouco embaçada. se levanta, agitado. Sua vista está EQUILIBRISTA Isso tudo vai valer a pena. Eu te disse, lembra? 25 um CONTORCIONISTA Lembro (irônico), lembro de muita coisa, inclusive que eu já te disse que esse cara é um filho-da-puta e está se dando bem às suas custas. Você se entrega a ele a troco de nada. Equilibrista tem lágrimas nos olhos. Começa a borrar a maquiagem. EQUILIBRISTA Não gosto quando você fala assim. CONTORCIONISTA Mas eu falo. Te trata que nem puta. E você gosta. Aposto que nessas viagens aí ele arrumou foi outra mulher. E tá te passando pra trás. Essa história do solo é só o começo. EQUILIBRISTA(chorando muito) Mas você sabe que eu ainda gosto de você. Contorcionista se aproxima de Equilibrista e a abraça por um tempo. Beija seu rosto, passa a mão sobre seus cabelos. CONTORCIONISTA Desculpe. Eu te amo. 26 Na cena do roteiro da Equilibrista vemos uma personagem que, embora ainda manipuladora, está fragilizada pela situação e tenta obter algum conforto e apoio de Contorcionista, a pessoa mais próxima a ela e em quem mais confia. Na cena do roteiro do Contorcionista, vemos a mesma situação de ensaio, e a conversa se desenvolve de maneira muito similar nos dois roteiros, com a diferença que neste roteiro, Equilibrista aparece como uma mulher mais manipuladora e Contorcionista, mais desequilibrado, mais revoltado com aquela mulher que, visivelmente o manipula, mas pela qual é completamente apaixonado e, por ela, faria qualquer coisa. Sua raiva explosiva é mais um indicio de sua culpa na morte de Trapezista. Assim como, no roteiro da Equilibrista vemos uma personagem fragilizada, que ouvindo Contorcionista , tem sua duvida em relação à Trapezista aumentada, motivando cada vez mais uma possível vingança. A multiplicidade de pontos de vista vem, portanto, somar informações à trama, de modo que o espectador-interator tenha sua curiosidade cada vez mais alimentada. Este, percebendo que suas ações de interação o levam a novos caminhos, que somam à compreensão geral da trama, será mais motivado a fazê-lo, num ciclo continuo de interação, conforme MEADOWS (2002): “The input should create output and the output should create input. It's the interactivity cycle's abbility to add information that defines the interactivity's quality. The response(..)should be quickly enough for the user to have a clear sense of what change he is affecting on the system. (…) the input should facilitate more input. And the input should provide the user with a new capability. As this happens, the line between stimulus and response thins. And as the line thins, the depth of immersion increases.” Em um primeiro momento, os pontos de interação pensados, eram baseados em objetos, ações ou palavras específicas (como as palavras em negrito que aparecem nos trechos de roteiro mostrados acima). No entanto, isso não se mostrou eficiente na pósprodução (como falarei mais adiante), pelos mais variados motivos, como problemas com o material captado ou mesmo a inadequação com as possibilidades técnicas oferecidas pela plataforma escolhida , o middleware Ginga. 27 O projeto foi inicialmente pensado como uma narrativa interativa genérica, não levando em conta, no processo de roteirização, que a escolha da plataforma de interação era de fundamental importância para a definição do modo como a interatividade iria surgir no roteiro. Mas o paralelismo criado entre os roteiros permitiu que a interatividade fosse sempre possível, mesmo que não mais baseada em pontos tão específicos, pois a estrutura modular destes, com as cenas pensadas como blocos de ação e temporalidade, permite a livre navegação entre elas. Meadows (2002, p.39) classifica as estruturas narrativas em três: nodal plot, modulated plot e open plot, onde a primeira seria também compatível com as narrativas lineares clássicas, dando mais suporte ao arco dramático que à interatividade e a ultima seria uma estrutura completamente aberta, onde o interator pode navegar de maneira aleatória, o que permite interação total, mas não suportaria uma estrutura mais controlada de narrativa. Fig.8 Estrutura do tipo Nodal Plot Fig.9 Estrutura do tipo Open Plot No caso do Projeto Trapézio, podemos classifica-lo como uma estrutura do tipo “Modulated Plots”, segundo esquema de MEADOWS: Fig.10 Estrutura do tipo Modulated Plot 28 “modulated plots are plots that still support the dramatic arc, this time to a lesser degree, but do not necessarily dictate the order of events that are being followed. Transitions may be made to an earlier point in the story and time can often be looped back on itself. This is a challenging plot to develop because it represents a middle ground and compromise between two trends in design. (…) modulated plots will, ideally, provide a reader with the option to bore straight through and avoid interaction, or to take a more leisurely route and increase the interactivity and participation” A compreensão final da obra se dá, portanto, diferentemente para cada espectador, de acordo com os diferentes caminhos narrativos que este pode optar por seguir. Como navegação em meio a uma base de dados, usando definição de Lev Manovich (Manovich, 1998) , a narrativa interativa deve conter todas as possibilidades combinatórias de signos (ou situações dramáticas), mas também deve propiciar significados sem o conhecimento de todos os signos, conforme atualiza GOSCIOLA (2003) “ o roteirista pode prever as trajetórias do usuário. Mas o autor , o designer, enfim, o coordenador geral da obra, já previu que o usuário poderá percorrer qualquer caminho da obra porque todas as possibilidades de caminhos entre conteúdos estão disponíveis. Porem, a compreensão final da obra por parte de quem a utiliza não será resultado do conhecimento de todos os conteúdos e da experiência de trilhar todos os links. Em geral, o usuário não toma conhecimento de todos os conteúdos.” O espectador do Projeto Trapézio poderá ter uma compreensão e interpretação da história sem necessariamente ter passado por todos os caminhos narrativos possíveis, até mesmo sem interagir em nenhum momento, assistindo a um episódio de cada vez, como se assistisse a quatro curta-metragens. A chave do projeto – e de todas as narrativas deste tipo – é justamente não preencher todas as lacunas, levando o espectador, uma vez que 29 tenha chegado à ultima cena de um episódio, recomeçar a vivenciar a história a partir de um novo ponto de vista. Os roteiros são todos dramaticamente simples, pois a complexidade e nuances de relações são dadas pela interação com os outros pontos de vista (episódios de outros personagens), como visto nos trechos dos roteiros de Contorcionista e Equilibrista, exibidos acima, onde vemos situações iguais sob pontos de vista diferentes. Para criar tais nuances, senti a necessidade de me embasar em um passado mais sólido dos personagens, de maneira que mais elementos fossem agregados a construção dramática. Assim, escrevi as biografias dos personagens e a história do circo, inspirada pelas narrações iniciais do filme Amelie Poulain ou ainda o trecho inicial de Macunaima. Naturalmente vi a necessidade de que tais textos fizessem parte da obra final, uma vez que muitas informações poderiam ser acrescentadas ao processo interpretativo e um novo tipo de interação dentro da obra poderia ser explorado, fazendo do Projeto Trapézio uma obra mais completa em termos de tipos de interatividade. Gostaria de ressaltar a principal característica desse roteiro: a de contemplar um tipo mais dinâmico e orgânico de narrativa, na medida em que a interatividade ocorre durante as cenas, ao invés ser uma escolha de caminhos, como em uma narrativa interativa mais convencional, onde o fluxo de vídeo pára, esperando uma interação do espectador. A narrativa do Projeto Trapézio, assim, vai sendo construída de forma mais fluida, sendo a interatividade parte inerente do processo de construção e interpretação da obra. A partir do longo processo de roteirização e concepção da estrutura básica de uma narrativa interativa, foi necessário pensar como a Direção iria trabalhar essas diversas questões, aliando questões estéticas e práticas na construção de um produto audiovisual interativo. Dadas as bases conceituais e estruturais do Projeto Trapézio, trataremos a seguir do processo de produção e programação da obra interativa. 30 4.1.2 A Direção O Projeto Trapézio é, antes de tudo, minha proposta de trabalho de conclusão de curso em Direção, disciplina na qual me especializei, ao lado do percurso formativo em Fotografia dentro do Curso Superior do Audiovisual. Minhas motivações para realizá-lo, no entanto, partiram muito mais de uma pesquisa de linguagem aliada ao desenvolvimento tecnológico do que de uma habitual pesquisa estética em cinematografia. Desde a concepção da ideia, passando pelo desenvolvimento do roteiro e, posteriormente, na finalização e programação da interatividade, meu papel foi além da direção, participando do processo de edição de imagem e som e, principalmente, da arquitetura da programação e da concepção do design de interação, disciplina nova e urgente em um produto audiovisual interativo. No presente capítulo abordarei questões relativas ao processo de direção cinematográfica em seu papel ao conduzir um filme interativo, e de que maneira tais questões devem ser trabalhadas à luz de novas premissas tecnológicas. A estrutura interativa da narrativa trouxe preocupações estéticas específicas. Senti a necessidade de diferenciar visual e dramaticamente cada ponto de vista, de maneira que ficasse claro ao espectador-interator qual ponto de vista ele estava acompanhando. Sem tais diferenciações, a interatividade talvez fosse vista como mera interferência e confusão narrativa, já que o fruidor não poderia estabelecer uma base cognitiva consistente para ter claro o que suas ações implicavam narrativamente, para poder continuar a interagir com a obra. A partir de conversas com o fotógrafo, Paulo Serpa, definimos que cada personagem teria uma cor característica para que a mudança de ponto de vista no momento da interação fosse rapidamente percebida, mesmo porque haveria a possibilidade da interação se dar entre situações iguais em episódios de personagens diferentes, como no exemplo de roteiro apresentado anteriormente. Já no material bruto captado, esse tratamento de cor (captado com temperaturas de cor diferentes e com o uso de gelatinas de correção e de efeito) realmente se mostrou um facilitador para diferenciar os pontos de vista . Com a correção de cor na pós produção, ficou claro que essa opção estética serviria como ferramenta de compreensão dramática para qualquer suporte interativo escolhido. 31 Também foi definido que os enquadramentos seriam diferentes, bem como o posicionamento dos atores, em situações iguais de episódios diferentes. Criando assim, uma mesma situação de diálogo, mas com claras mudanças de ponto de vista. Tudo isso aliado às nuances de fala e ações dadas nos roteiros. Fig.11 Ep. Contorcionista - Cor Verde. Personagens próximos, cúmplices Fig.12 Ep. Equilibrista - Cor Rosa. Personagens afastados, diálogo frio. Fig.13 Ep. Anão - Cor Amarela. Personagem sozinho no enquadramento, em contraplongè Fig.14 Ep. Trapezista - Cor Azul. Enquadramento enfatiza força de Trapezista sobre Anão A decupagem das cenas foi feita pensando em um esquema básico de masters : geral, plano médio e plano próximo. Por conta do grande volume de material que teríamos que captar e o tempo reduzido, tal esquema se mostrava mais adequado, mesmo que apontasse para um menor rigor estético. A locação do trailer, de dimensões muito reduzidas, também nos obrigou a mudar alguns enquadramentos, geralmente menos eficientes do que os pensados durante a decupagem inicial do roteiro. Fig.16 Plano Sequência previa Fotos e Maleta no mesmo enquadramento Fig.15 Decupagem previa PC com personagens e fots 32 Fig.17 PC com personagens não enquadra fotos Fig.18 Plano da maleta A decupagem previa grande destaque aos objetos “maleta” e “fotos”, ambos dispostos sob a bancada de Equilibrista, em seu trailer. Porém como se pode observar, o espaço da locação era muito limitado, deixando as fotos e a maleta escondidas atrás de Trapezista. Só podemos vê-las nos planos detalhe, que no entanto não configuram uma alternativa tão eficiente visualmente. Com a trilha sonora, pontuamos falas e cortes, de maneira a destacar elementos visuais com elementos sonoros, como foi o caso do diálogo mostrado acima, do episódio do Trapezista. Ainda foi preciso pensar em enquadramentos diferentes dentro do trailer, pois tínhamos que construir três cenários diferentes na mesma locação, o trailer da Equilibrista, o do Contorcionista e o do Anão. Mesmo por conta das limitações espaciais, filmar em locação foi certamente melhor do que reconstruir um trailer em estúdio que, apesar de poder proporcionar um set mais espaçoso e silencioso, seria inverossímil. Fig.19 Trailer de Equilibrista Fig.20 Trailer de Contorcionista Fig.21 Trailer de Anão 33 O plano de filmagem era baseado principalmente nas cenas de situações iguais de episódios diferentes que, mesmo com pequenas mudanças, tinham basicamente os mesmos set-ups, por exemplo os diálogos entre Anão e Contorcionista sob os dois pontos de vista (Scenes 2A e 2C da tabela a seguir). Fig.22 Trecho do Plano de Filmagem Apesar de set-ups de câmera parecidos, havia mudança na luz e na arte, além de diálogos diferentes, para caracterizar a diferença de ponto de vista. Porém essa redução da decupagem aos masters, por conta de locações pequenas e do ritmo corrido de gravações (aproximadamente 28 páginas de roteiro filmadas em 7 dias) gerou muita dificuldade durante a edição, principalmente pela insuficiência de planos detalhe que eram importantes no roteiro, onde eram previstas interações, como “caixa de fósforo” e maleta, como exemplificado anteriormente com relação ao episódio do Trapezista. A partir dessa questão, soluções foram vislumbradas na pós-produção que, inclusive, conferiram maior sentido ao produto final. Por questões técnicas, a interatividade deveria ser baseada em situações dramáticas e falas (baseada no tempo), e não mais em objetos, como também previa o roteiro, e isso certamente conferiu maior unidade e sentido às indagações sobre narrativa interativa propostas desde o início dos trabalhos. Falarei mais sobre isso adiante. O esquema de filmar em masters também favorecia a atuação, uma vez que as cenas eram gravadas por inteiro. Isso foi importante pois, como a atuação previa mudanças de tom em situações iguais, de episódios diferentes, como um diálogo entre Equilibrista e Trapezista, nos seus respectivos episódios (como no plano de filmagem anterior, Scenes 2E e 34 2T), dificultaria muito o trabalho do ator se, além de controlar as nuances da interpretação, ele ainda tivesse que fazer isso fora da ordem cronológica, como normalmente ocorrem as gravações. No processo de ensaio com os atores, o produtor de casting Danilo Gambini foi de grande contribuição para o início dos trabalhos, trazendo como primeiro exercício as cenas que se repetiam em episódios diferentes, sem deixar isso claro aos atores. Estes também recebiam indicações diferentes sobre a personalidade do seu personagem e sua relação com o outro. A cena que se seguia era uma improvisação baseada na mescla de ações e reações, diferentemente interpretadas pelos atores. Dessa maneira foi possível evidenciar aos atores que estes não interpretariam um único personagem, mas um personagem multifacetado, com comportamentos diferentes para cada ponto de vista dos outros personagens. Tais mudanças ficam claras em situações de forte embate entre eles, como nas conversas entre Equilibrista e Contorcionista e na briga entre Trapezista e Contorcionista. Fig. 23 Ep. Contorcionista. Amantes e cúmplices. Fig.24 Ep. Equilibrista. Relação fria entre o casal Fig.25 Ep. Contorcionista. Personagem na defensiva Fig.26 Ep. Trapezista. Contorcionista ataca. No episódio de Contorcionista, Equilibrista está próxima a ele, cúmplice e sorridente. Já no episódio de Equilibrista, ela está afastada e demonstra certa frieza e isolamento. Com isso, sob ponto de vista de Contorcionista, eles são amantes e sua história com Trapezista é um empecilho, ao passo que sob o ponto de vista de Equilibrista, Contorcionista não importa, ela está mais preocupada com Trapezista ( e sua dúvida em 35 relação ao comportamento deste é o que a levaria a querer se vingar). Já nas duas imagens que se seguem, vemos Contorcionista na cena em que confronta Trapezista. Sob seu próprio ponto de vista, ele está acuado, com postura arquejada e mãos presas. Já sob o ponto de vista de Trapezista, Contorcionista representa uma ameaça, encarando-o física e verbalmente. Da mesma maneira, seguiram-se as interpretações de todos os personagens em seus respectivos episódios e nos outros, de acordo com suas relações, sempre criando nuances mas mantendo sua história fundamental clara. Anão controla o circo, Contorcionista ama Equilibrista, Equilibrista quer se dar bem; Trapezista, por sua vez, é envolto em mistério, ficando claras as suas motivações apenas em seu próprio episódio: ele quer tirar o Anão da história, ficando ele encarregado do circo, além de casar com Equilibrista. Foi importante a construção de Trapezista como esse personagem outsider e misteriosos, sobre o qual não podemos fixar uma opinião ou delinear traços mais claros de suas motivações; assim, é aumenta-se o suspense e abrem-se as portas para uma interpretação mais aberta e até mesmo polêmica sobre seu papel de vítima ou algoz. A cena final da história condensa todas as tensões desenhadas ao longo dos episódios, e foi a mais complexa – e completa- em termos de direção, pois além das questões estéticas já mencionadas ao longo deste capítulo, foi o momento em que a decupagem da ação, no sentido mais clássico de cinematografia, foi extremamente importante. É o ápice da história e do suspense narrativo; é onde todos os elementos tinham que ser arranjados para aumentar o mistério, ao invés de solucioná-lo. Na cena final (que também é a primeira imagem de cada episódio), vemos o desfecho da trama: o Trapezista caído no picadeiro. A premissa narrativa (ao longo do filme e também a premissa para a interatividade) é, portanto, baseada na pergunta: “o que levou a isso?”. Ao longo dos quatro capítulos, acompanhamos algumas das motivações dos personagens para quererem matar Trapezista – e também, sob o ponto de vista deste, do porque ele se vingar da trupe. Em cada episódio vemos elementos diferentes que podem ter sido a causa do assassinato o que, num geral, evidencia o caráter de obra aberta buscado pelo roteiro, uma vez que tais elementos trazem mais riqueza de interpretação sem, necessariamente, levarem a solução do mistério. O primeiro elemento a ser considerado na dinâmica desta cena final, é o personagem do “Homem Estranho”, que aparece em todos os episódios. Sob o ponto de vista de Equilibrista, assistimos o personagem Homem Estranho conversando com Trapezista, 36 enquanto que nos outros três episódios vemos que tal personagem, já sentado na platéia, empunha uma arma. A construção espacial da ação foi essencial para a verossimilhança do desfecho da história, possibilitando a ambiguidade de interpretação sobre causas e vítimas. A planta-baixa refere-se a decupagem do episódio do Trapezista. Nela, podemos ver a localização espacial de cada personagem na ação. Anão é representado pelo círculo amarelado à direita, Trapezista pelo círculo azul ao centro, ao lado de Equilibrista, em Rosa. Contorcionista está na parte superior, representado pelo círculo verde, próximo de onde estaria o personagem Homem Estranho, quando sentado na platéia, representado por um círculo preto. Fig.27 Planta baixa da cena final A partir dessa dinâmica espacial, foi possível construir diversas relações. Como a locação era muito grande (o picadeiro de um circo) e a figuração era proporcionalmente pequena, optei por uma decupagem clássica, baseada em planos médios, reforçando as relações pela direção de olhar, planos e contraplanos, que se mostraram muito eficientes na construção espacial e do clímax da ação. Assim, foi possível construir as seguintes situações: 1. Trapezista contatou Homem Estranho para matar Anão ou Equilibrista Fig.28 Ep. Trapezista - "Homem Estranho" e Trapezista se cumprimentam Fig.29 - Ep.Equilibrista - Ela vê Homem Estranho e Trapezista 37 2. Anão também contatou Homem Estranho para matar Trapezista Fig.30 Ep.Anão - Ele vê Homem Estranho chegando Fig.31 Ep.Anão - Anão gesticula para Homem Estranho Fig.32 Ep.Anão - Homem Estranho acena para Anão e Contorcionista vê 3. Contorcionista, ao ver Homem Estranho com uma arma, intercepta-o, podendo ter causado tanto a morte de Trapezista, como também o tiro sofrido por Equilibrista. Fig.33 Ep.Contocionista - Ele "ataca" Homem Estranho 4. Equilibrista coloca veneno na água que dá para Trapezista: Fig.34 Ep. Equilibrista - Ela coloca algo na água Fig.35 Ep.Equilibrista - Ela entrega água à Trapezista 5. Anão vê Homem com a arma e apaga luz. Fig.36 Ep.Anão - Ele vê Homem Estranho com a arma Fig.37 Ep. Anão - Ele desliga o quadro de luz 38 6. Equilibrista vê graxa na escada que leva ao trapézio e Contorcionista tem graxa nas mãos. Fig.38 Ep.Equilibrista - Ela vê graxa na escada Fig.39 Ep. Equilibrista. Ela olha para Contorcionista Fig.40 Ep.Equilibrista - Ela vê Contorcionista limpando as mãos Fig.41 Ep. Contorcionista - Ele limpa as mãos Todos os elementos contribuem para o enriquecimento dos pontos de vista, arquitetando um conjunto complexo de informações que o espectador só poderá atingir se interagir. A intenção com esta cena final, portanto, é a de instigar o espectador a assistir novamente a história para entender o que aconteceu, uma vez que, por exemplo, assistindo ao final de Equilibrista, não vemos o Homem com a arma e nem a relação deste com Anão. E somente no final do Anão vemos Equilibrista ensanguentada, com um anel nas mãos. Com tantos elementos de mistério a mais, isso é ainda um convite àqueles que não interagiram durante o filme a assistirem novamente a história e tentar interagir, já que isso sugere uma maior compreensão dessa trama. A interatividade aparece como condutora da construção dramática, atuando como comentário ou contraponto às ações anteriores à interação. Tal desenho de interatividade ficou absolutamente claro para mim durante o processo de montagem, onde vimos que a justaposição de diálogos sob dois pontos de vista trazia uma enorme gama de interpretações diferentes a respeito dos personagens e da história. A função da direção foi, portanto, construir esse universo complexo de modo a engendrar o maior número possível de nuances dramáticas e visuais para que o espectador fosse envolvido cada vez mais na história e que isso o levasse a interagir. 39 4.2 Pós-produção 4.2.1 Montagem A ideia de ter um montador diferente para cada personagem surgiu após as filmagens visando distribuir o trabalho, pois era muito material, e carregar ainda mais na diferenciação entre os “episódios” dos quatro personagens. Convidei, para isso, os alunos da turma de 2004, Nina Senra, Thiago Ozelami e Maria Claudia Chapini, que acabou fazendo deste projeto seu TCC em montagem. O quarto editor ainda era Maria Fernanda Camargo, da minha turma, ao inicio do processo de montagem. Porém, por conta de seu tempo restrito para se dedicar à montagem, o episódio do Contorcionista começou a ser montado também por Arrigo Araújo, produtor do projeto, mas por conta de sua ida à Berlim, eu assumi a montagem do episódio do Contorcionista ao final do processo. O início dos trabalhos foi demorado, até chegarmos a uma organização do material que facilitasse a comunicação entre os editores. Todos deveriam ter todo o material bruto do filme, organizados da mesma maneira. Assim era possível apenas nos enviarmos os projetos de Final Cut , por e-mail, para que conseguíssemos assistir aos cortes uns dos outros, sem termos necessariamente que nos reunirmos fisicamente para isso. Os episódios foram montados como quatro curta-metragens, cada editor ficando responsável por um personagem, o que se mostrou extremamente enriquecedor no trabalho da multiplicidade dos pontos de vista. Fazíamos reuniões quinzenais, assistindo a todos os episódios e as conversas que se seguiam era extremamente proveitosas, pois cada vez mais ficavam claras as intenções e motivações de cada personagem, “defendidos” por seu editor, e a construção da multiplicidade de pontos de vista se deu de forma muito orgânica. A visão de um episódio enriquecia a de outro e, assim, pudemos inclusive suprimir algumas falas, como num processo normal de edição, onde o roteiro é retrabalhado. Porém, neste caso, não poderíamos mudar as cenas de lugar, pois elas estavam ligadas temporalmente, restringindo o trabalho do montador, já que a interatividade prevista baseavase nesse paralelismo temporal e na estrutura das cenas. A única exceção que fizemos quanto à 40 mudanças na estrutura foi no episódio da Equilibrista, o que não causou nenhum problema estrutural-temporal com os outros episódios mas conferiu maior sentido a trajetória desta personagem. No roteiro, Equilibrista discutia com Contorcionista em uma cena; na seguinte, Anão aludia à sua briga falando que a tinha visto chorando, e na próxima a víamos chorando, sendo este seu ponto de virada dramático, após discussão com Contorcionista e conversa com Anão. Porém ficava estranho Anão mencionar seu choro sem que o tivéssemos visto, principalmente porque ela choraria logo depois. Neste caso, uma elipse tão habitual (ela teria chorado depois da briga com Contorcionista e voltaria a chorar depois da conversa com Anão) não funcionava, causando um estranhamento temporal. Assim, invertemos as cenas 5 e 6 do episódio da Equilibrista sem prejuízo para a estrutura temporal geral do projeto. O trabalho maior foi sempre o de ressaltar características e informações que se viam em um episódio e que não seriam vistas em outro. E o formato interativo foi de fato tomando mais consistência ao longo do processo de edição, pois eram visíveis as nuances de pontos de vista e a história era cada vez mais assimilada pelos editores. A interatividade esteve sempre norteando a edição, e lembro de situações em que percebíamos que cortar uma fala de uma cena enriqueceria o mesmo diálogo na mesma cena, em outro episódio. Fomos lapidando os episódios, de modo a chegar numa duração e ritmo satisfatórios e também com uma quantidade de “lacunas” ou links possíveis. Foi certamente durante o processo de montagem que a estrutura interativa foi de fato surgindo e se desenhando, mesmo porque, como sabemos, o material filmado é sempre muito diferente do que está previsto no roteiro e, neste caso, uma situação que, a princípio, parecia limitadora, dada a estrutura rígida que tínhamos em mãos, se mostrou também muito didática. Primeiro porque nos fez assistir e reassistir o material, deixando-nos a certeza de que a questão do paralelismo temporal estava bem estruturada e era claramente em que deveríamos nos basear para a criação da interação. Segundo porque ficou óbvio que uma narrativa interativa deve ser a priori escrita e pensada a partir da linguagem em que será programada (neste caso em Ginga-NCL Lua), uma vez que esta é determinante, como veremos mais para frente.Vale ressaltar que os episódios foram montados como se fossem quatro curta-metragens pois deveriam fruir como tal, já que a possibilidade não-interação por parte do espectador deve sempre ser levada em conta. Portanto, mesmo sem interação dentro da narrativa, o espectador pode fruir uma obra completa. Uma vez finalizado o processo de edição dos episódios, começamos, eu e os 41 demais editores, a repensar quais os links possíveis entre um episodio e outro, uma vez que falas apontadas no roteiro como propícias a interação caíram e outros links foram visualizados por nós. Cada editor trouxe anotações específicas de seu episódio e, cruzando as informações e opiniões de todos, determinamos as interações. 4.2.2 (Re)pensando os pontos de interatividade A opção de desenvolver o projeto para TV Digital Interativa foi sempre uma possibilidade, mas a definição por esse meio foi tomada apenas ao longo da etapa de edição dos vídeos. Era de extrema importância para a edição saber o que era possível e o que não era, como, por exemplo, o som de uma cena invadir a outra. Durante o processo de montagem eu ainda estava estudando as possibilidades de linguagem, e a principio queria ter feito a programação em JAVA, para a internet, onde, usando o mouse, o interator poderia descobrir a interatividade na tela, de forma muito intuitiva. Essa dinâmica funcionava para as situações em que a interatividade foi pensada para aparecer nos objetos, mas por questões narrativas achamos que tais links não seriam fortes o suficiente e tão pouco começou a montagem, abandonei a ideia de interagir através dos objetos, mantendo a temporalidade paralela como grande link entre os personagens. Com a definição da linguagem de programação como sendo Ginga - NCL, toda a interatividade foi repensada, pois agora tínhamos um meio concreto para orientar e ditar o modo como a narrativa interativa seria construída. Nesse processo, foi de suma importância a contribuição do orientador, Prof. Dr. Almir Almas, cujos estudos sobre TV Digital e colaboração no desenvolvimento do middleware Ginga trouxe ao projeto a solidez necessária para a concretização da interatividade. Como eu não tinha conhecimento algum de programação e da linguagem NCL, e do que esta poderia me oferecer, foi a partir da orientação do Prof. Almir que pude começar a visualizar e trabalhar, ainda na montagem, a 42 interatividade. A primeira questão a ser considerada foi a divisão dos quatro episódios em cenas. Tal requisito se deu ao fato de que a linguagem Ginga-NCL, que trabalha com objetos de mídia, somente permitiria a criação da interatividade se tivéssemos as mídias independentes umas das outras, demandando, inclusive, a criação de tantas mídias quantos fossem os pontos de entrada de interação. (Tais especificidades técnicas serão tratadas no capitulo seguinte). A partir disso, algumas questões cruciais foram levantadas: Como seria a transição de uma cena para a outra, se o episódio seria composto de várias mídias e não de uma mídia única ? Poderíamos determinar um ponto de saída, ou seja, um ponto específico de interatividade ou teríamos que esperar o fim de cada cena? A primeira preocupação dos editores foi justamente pelo conflito entre a linguagem cinematográfica e a adaptação para um novo formato, que requeria modificações técnicas em detrimento de “regras” estéticas. Estas, pressupõem a intersecção entre os sons das cenas adjacentes, falas e trilhas que permeiam o fim de uma cena e avançam sobre a próxima, servindo não só como transição suave mas até como comentário, o que aconteceu num dos primeiros cortes do episódio do Trapezista, por exemplo. Porém, transição das cenas no Projeto Trapézio, dentro de um mesmo episódio, ou seja, seguindo o fluxo narrativo normal, deveria ser em corte seco e de modo que o som, tanto o som direto quanto trilha sonora, não invadisse as cenas adjacentes, pois cada cena deveria constituir um arquivo de vídeo independente, a transição ficando sob responsabilidade da programação, e não mais do fluxo narrativo. Com relação à segunda questão, ela surgiu justamente por conta das restrições técnicas levantadas acima. Se era necessário separar os episódios em cena, quer dizer que a interatividade só seria acionada ao fim do arquivo? Não. Explico: Foi necessário dividir os episódios em cenas e links de entrada de interatividade porque a linguagem Ginga-NCL permite o controle de saída dos vídeos, mas não o de entrada. Determinar o tempo (timecode) em que o programa deveria validar se houve interação ou não para abortar o vídeo que estava sendo exibido e iniciar o próximo, é possível. Mas não é possível dizer ao programa: “exiba a mídia X a partir do timecode 01:22”, por exemplo. Por isso a subdivisão das cenas em tantos arquivos quantos 43 fossem os links de entrada de interações. Falarei mais sobre isso adiante, na seção reservada à programação. Uma vez esclarecidas essas questões para os montadores, e já com os episódios de cada personagem montados, pedi ao grupo que fizessem uma lista de potenciais links (pontos de interatividade) dentro de cada episódio. A partir dessa lista, fizemos uma reunião e chegamos a um primeiro esboço de links, baseados somente nas falas. Foi uma decisão importante, uma vez que era necessária uma unidade estética para guiar o espectador dentro da obra. Se a interatividade fosse feita hora baseada numa fala, hora baseada num objeto, essa unidade se perderia. E vimos que fazia muito mais sentido que os links fossem baseados em situações dramáticas, já que o projeto é uma narrativa e não um conjunto aleatório de vídeos interativos. A interatividade é, portanto, parte integrante da construção dramática da narrativa. E foi articulada para ser sempre um comentário, um contraponto, algo que leve a narrativa adiante, trazendo mais informações ou aumentando o mistério da trama. Vou exemplificar através do diagrama e da tabela abaixo. A tabela completa das interações pode ser vista nos Anexos desta tese. Cabe aqui uma explicação sobre a nomenclatura dos arquivos, para que se possa compreender melhor o diagrama (Fig.42) e a tabela (Fig.43) que seguem. Eles foram nomeados seguindo o padrão: Nº da cena/Episodio/Link de entrada da cena. Por exemplo: 1A é a cena 1 do episódio do Anão, e 1A1 é a cena 1 do episódio do Anão a partir do seu primeiro link de entrada (depois do seu inicio normal), assim como a 1A2 é a partir do segundo link de entrada. Abaixo temos um diagrama que mostra a estrutura geral do projeto. As linhas horizontais encabeçadas por 1A, 1C, 1E e 1T referem-se aos quatro episódios, em seu fluxo normal. As chaves que saem das linhas horizontais indicam para que cena está sendo feita a interação, ou seja, os pontos de saída da mídia. As linhas vermelhas representam os pontos de entrada, por exemplo, ao longo da cena 1A vemos dois traços vermelhos: o primeiro representa 1A1 e o segundo 1A2. Assim, quem começa assistindo por 1C, por exemplo, e escolhe interagir para o Anão, vai assistir a cena 1A1, que tem início a partir do timecode 00:09;05 (em relação ao início natural, 1A) 44 Fig.42 Estrutura das cenas e interações. Onde cada linha horizontal iniciada pelo numero 1 refere-se a um “episódio” de um personagem, totalizando quatro episódios lineares, mas com inúmeros desdobramentos. Como se pode observar, o espectador pode seguir o episodio linearmente passando da cena 01 à cena 02 e assim por diante. As bifurcações mostradas indicam para qual cena o espectador será direcionado caso interaja, e os traços vermelhos indicam que ali são pontos de entrada de interações vindas de uma cena externa. Com o presente diagrama também é possível observar a maneira como a interatividade foi pensada, baseada em links que fazem sentido narrativo. Agora, à luz do diagrama acima, podemos entender a tabela abaixo, onde a interatividade está indicada não só por timecodes mas, principalmente, por pontos dramáticos. Fig.43 Links IN e OUT do Ep. Trapezista 45 Na cena 1T, vemos um link de saída (LINK OUT) para a cena 07E_01, no momento em que Trapezista abre a maleta, ou seja, se o espectador optar por interagir previamente, quando chegar no momento “maleta aberta”, a cena 01T deixa de ser exibida e então vemos a cena 07E, a partir do ponto de entrada 01, que não corresponde ao início normal da cena, mas sim ao momento em que Equilibrista abre a maleta de Trapezista, como podemos ver abaixo em LINK IN , em azul 01T_OUT_01. Fig.44 Links IN e OUT do Ep. Equilibtista Nesse exemplo de interação dado, podemos observar uma possibilidade interessante, que é uma “armadilha” para o espectador ao mesmo tempo que serve como gancho dramático, concentrando toda a ação dramática no objeto Maleta, alvo de grande parte do mistério da trama. Levando o espectador da cena 01T, onde ele apenas viu o personagem caído no chão e chegando ao circo; e, com a interação, corta para Equilibrista abrindo a mesma maleta, a luz apaga, ouve-se o tiro e vemos Trapezista caído novamente, sob outro ponto de vista. A maleta, ao mesmo tempo que serve como “armadilha” interativa (pois mal começa o filme, ele já termina), reforça o mistério envolvendo Trapezista, Equilibrista e a Maleta, servindo quase como uma sinopse do filme e, com certeza, levando o espectador a recomeçar a assistir a história. Assim como em outros momentos, falas mencionando a mesma maleta são pontos de interatividade (2E_OUT_01 para 03T_01) reforçando sua importância na trama, que na verdade funciona quase como o objeto vazio dos filmes noir, como o falcão, de O Falcão Maltês, onde a trama se move ao redor de um objeto que não tem importância 46 nenhuma na verdade, ele é apenas um pressuposto para entrar num submundo de crimes, dentro de uma sociedade corrupta. Sinto que é necessário aqui um esclarecimento: anteriormente eu havia dito que a interação não seria mais baseada em um objeto, porém a maleta é, de fato, um objeto dramático e não apenas elemento visual como “cigarro”, “caixa de fósforos” ou “câmera” que aparecem em negrito nos roteiros indicando pontos de interação. Interação essa que, inicialmente, seria acionada através de um ícone overlay dos objetos na tela, se fossemos utilizar outra linguagem de programação, como o JAVA ou FLASH. Mas, como eu disse, e vale reforçar, essa restrição do Ginga-NCL (que não nos permitiria a criação dos ícones de tal maneira, em overlay, e que fosse eficiente) nos levou a optar por pontos de interação baseados em situações dramáticas, ou seja, ancoradas em um timecode, que possibilita a programação dos ícones e dos pontos de saída das mídias. Assim, ganhamos muito em construção dramática, possibilitando situações como a da maleta descrita acima e outras, de grande importância para o desenvolvimento da narrativa interativa. Um exemplo de interação como ferramenta dramática, é na cena 02T, onde Trapezista e Equilibrista discutem. Equilibrista questiona Trapezista sobre seu número solo, enfatizando com a fala “Você não confia mais em mim”, ao que, quando acionada a interação, o espectador é transportada à cena 01E_01 onde vemos Equilibrista e Contorcionista na cama, seminus, planejando sobre quando ela deveria terminar o namoro com Trapezista. Aqui vemos uma das muitas interações neste sentido, de comentário, levando o espectador a criar um panorama muito mais amplo sobre a trama, onde Equilibrista deixa de ser vítima de traição (pois Trapezista anuncia que não vai mais se apresentar com ela, e sim em um número solo) e passa a ser traidora, já que está na cama com outro homem. Estamos falando, portanto, de um conceito de narrativa não-linear elevado à sua máxima potência, onde o fluxo: início, desenvolvimento, clímax e solução é composto por módulos, que são reconstruídos pelo espectador. Se, no início do cinema, Griffith surgiu com a montagem paralela, quebrando a linearidade narrativa em busca de uma forma mais rica de contar uma história; e Eisenstein e Pudovkin falaram sobre a justaposição de planos, gerando, através de conflito, a formação de um terceiro conceito mais complexo, a interatividade hoje vem para retomar e ampliar tais conceitos dentro da narrativa. Esta, não é mais produto da montagem centrada na figura do montador e do diretor cinematográfico, mas cada vez mais está colocada nas mãos do espectador, que pode operar diversos módulos de mídia independentes, de modo a recriar a narrativa sob vários pontos de vista, agregando 47 significados a cada interação, a cada justaposição de elementos de mídia, que comentam uns aos outros e complementam a compreensão da narrativa. É nesse momento de reflexão estética que se inserem as problemáticas relativas a essa nova etapa que se apresenta na produção de uma obra audiovisual, agora interativa. O trabalho de reflexão realizado pela direção e durante a montagem tem que ter em vista os fatores de transformação dessa narrativa composta por arquivos de vídeo em um sistema de dados, justamente como levantou MANOVICH (1998) e resume ALMAS (2009), no que se refere a essa nova etapa de finalização. “A etapa de acabamento do produto que se realiza na finalização ganha novos contornos, pois toda a produção de vídeo e áudio tem de ser agora transformada em dados para conversar com um sistema cibernético construído para gerar e possibilitar a interatividade. Nesse novo arranjo, além das questões de engenharia de software, já citadas acima, processos e procedimentos de engenharia de sistema (…) deverão conviver com procedimentos tradicionais de pós produção audiovisual. O que se entrega como produto final vai além de imagem e som (…). Entregam-se dados empacotados, organizados e integrados. Nesse aspecto, a pós-produção terá de falar de middleware, de aplicativos e de sistemas cibernéticos. Quer dizer, a pós produção será o momento de integração de todo o sistema interativo.” Sendo assim, trataremos daqui por diante do processo referente a essa nova etapa de finalização, desde o design thinking até a programação final do produto. 48 4.3 O Design da Interação Ao longo do projeto, uma disciplina foi ganhando importância cada vez maior, tanto que vejo necessária a sua discussão nessa monografia. Falo do design da interação, ou seja, do desenho das interfaces, dos ícones, da disposição dos elementos de mídia e interação na tela e o planejamento da ação do usuário e como este interpreta os elementos visuais que lhe são mostrados. De mero coadjuvante, parte da finalização de produtos audiovisuais (no desenvolvimento de letterings e opening titles), o designer ganha cada vez mais importância dentro da cadeia de produtos interativos. O design de interfaces interativas vem se desenvolvendo largamente ao longo dos últimos anos e o que se observa é uma crescente facilidade das pessoas em manusear recursos interativos. Se num primeiro momento a interface deveria ser invisível, hoje ela é parte inerente do processo comunicativo, e mais, objeto de desejo, como demonstra MANOVICH (2006). Dado isso, podemos pensar que a interatividade não é mais “estranha”, ela é já esperada e talvez por isso mesmo, seja possível pensar uma narrativa interativa como um produto possível, uma vez que a presença de ícones numa tela, justapostos a outros elementos audiovisuais é cada mais gerenciável pelos espectadores e usuários. Pouco tempo atrás ainda era difícil pensar a interatividade na TV como algo plausível, que os espectadores saberiam usufruir. Hoje, é uma realidade. Regra geral, a interface deve ser clara e amigável, uma vez que a interação é a ferramenta para a fruição da obra, e não um fim em si mesma. A própria pré-disposição dos botões coloridos que vemos nos controles remotos atualmente já indicam uma interface que abrange navegações mais simples, com apenas um toque, como colocar legenda em programas televisivos, por exemplo, e com a qual a maioria dos telespectadores já está habituada. A linguagem Ginga-NCL também prevê o uso dos botões coloridos, setas direcionais e botão “OK”, como se observam na maioria dos controles remotos que oferecem interação, todos esse relativos às operadoras de televisão a cabo. 49 Fig. 45 A tela inicial do emulador do Ginga, com as instruções de correspondêcias dos botões Fig.46 O Set Top Box e o controle remoto Por ser uma obra audiovisual experimental, foi necessária a criação de uma introdução explicativa para que o espectador saiba como irá funcionar a interatividade através do uso dos botões “OK” e coloridos, e das setas direcionais - e seja instigado a acionála. Nesse vídeo “menu inicial”, além do tutorial de usabilidade temos uma breve sinopse da história, tudo isso contado pelo Trapezista, construindo, assim, desde o princípio, uma unidade estética que deixa o usuário mais confortável diante da interface, uma vez que já familiarizado com seus elementos visuais e dramáticos (Fig.47). Fig. 47 - Menu Inicial explica a interação nos botões coloridos 50 Fig.49 - Página 1 da Ficha Técnica Fig. 48 - Historia do Circo e botões para biografias dos personagens Foram criados “botões” auto-explicativos, formados por uma animação e o nome do personagem para onde será feita a interação (Fig.50), e sua seleção aciona um ícone de “TEMPO”, indicando ao espectador-interator que sua ação teve um resultado (Fig.51). Fig.50 - Icones de interação durante uma cena Fig.51 - Após interação, aparece ícone de "tempo" Cabe aqui falar sobre a escolha do formato, pois relaciona-se intimamente com o design da interação. Como sabemos, uma das principais inovações da TV Digital é a transmissão de vídeo em alta definição. A captação dos vídeos do Projeto Trapézio foi feita em HD 1280X720 pixels, mas a finalização e programação em Ginga levou em consideração o formato 4X3, padrão NTSC. Em primeiro lugar, isso se deve ao fato de que, inicialmente, a máquina virtual onde rodava a aplicação só trabalhava com formatos standart 640X480 (hoje ela já suporta a resolução 1280 X 720 pixels). Isso foi interessante, pois nos levou a deslocar a área de vídeo para cima, dividindo a chamada “região de tela” em duas, uma atribuída ao 51 vídeo (em formato widescreen) e outra aos ícones, ocupando a região abaixo do video, totalizando, assim, uma configuração de tela 4X3. Tal disposição também foi mantida para a exibição do conteúdo extra “história do circo” e as “biografias dos personagens”, uma vez que neste caso os ícones indicam qual biografia se quer acessar. Aqui, a navegação é pensada de maneira intuitiva, e as setas direcionais do controle remoto, para esquerda e direita navegam pelos personagens, possibilitando a escolha da biografia que se quer acessar , enquanto as setas verticais fazem o “scroll” do texto apresentado. Os ´Icones coloridos exibidos na parte superior da tela indicam ao espectador outras possibilidades de interação, que deve ser feita através do botão colorido (ver Fig. 48.). Pensar a disposição de ícones na tela e a maneira como as informações irão aparecer é primordial, e deve ser feita logo no início do processo de concepção da obra. Neste caso, a aprendizagem se deu por tentativa e erro, esbarrando inúmeras vezes em limitações da linguagem escolhida, que não suporta arquivos .gif animados nem .mov em alpha, o que nos fez testar muitas vezes os ícones dos personagens. A melhor opção para a programação seria usar um arquivo .gif animado, uma vez que para usar o arquivo .mov teríamos que programar um loop em tal arquivo, enquanto esse não tivesse sido selecionado, ao passo que o arquivo .gif necessitaria de uma programação muito mais simples, porque única. O design de interação é fundamental nesse processo, na medida em que a estrutura do código determina o desenvolvimento de ícones e vice-versa. No caso dos conteúdos extra isso fica claro, já que foi preciso pensar que o espectador sairia do filme para acessar o conteúdo extra através do botão colorido. No contexto extra, as setas seriam usadas para navegar pelas biografias e não poderiam ser usadas para outra função; o espectador poderia acessar um conteúdo extra e voltar ao filme, ou navegar entre vários conteúdos extra através dos botões coloridos, portanto, não sobravam alternativas de botão para fazer o espectador voltar ao contexto “filme” a não ser apertando o mesmo botão colorido do conteúdo visualizado. Para que isso ficasse claro, foi necessário inserir na parte superior de cada texto, os ícones coloridos explicativos, indicando o que acontece caso o espectador aperte cada um dos botões coloridos . Ao mesmo tempo, tal decisão implicou necessariamente na estruturação da programação em nós de contexto, que serão pausados e resumidos quando acionados os botões coloridos, que explicarei logo a seguir. O design de interação vem, portanto, unindo produção de conteúdo e programação, sendo a ponte fundamental entre estética, usabilidade e desenvolvimento. 52 4.4 4.4.1 O trabalho com o Ginga O Ginga-NCL O desenvolvimento do aplicativo do Projeto Trapézio foi feito em parceria com o colega Thiago Afonso de André, que já tinha prévio conhecimento em linguagens de programação, e sob orientação do Prof. Dr. Almir Antônio Rosa, orientador deste projeto, e colaboração do Prof. Dr. Valdecir Becker, que nos instruiu, inicialmente, sobre a linguagem Ginga-NCL. Penso que cabe aqui uma introdução teórica de conceitos fundamentais do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, constituído de normas e definições que padronizam o desenvolvimento e a transmissão de aplicações interativas para a TV Digital Brasileira, através do Ginga, middleware padrão brasileiro que está presente nas caixas conversoras (set top boxes) e aparelhos televisivos e possibilita a tão esperada interatividade na TV Digital. Com o início das transmissões digitais de televisão em 2007, passa-se a transmitir através das mesmas ondas eletromagnéticas dados, que são agrupados, codificados e, posteriormente, decodificados nos receptores, gerando fluxos de vídeo e áudio e ainda um fluxo de dados. Para a interatividade ocorrer é preciso haver, portanto, um middleware instalado nesse receptor. Para explicar melhor o assunto, farei uso de literatura conceituada sobre o tema, expondo, nas próximas páginas uma colagem de definições sobre o Ginga e a linguagem NCL, visando o embasamento do leitor para compreender os relatos de desenvolvimento do Projeto Trapézio. Segundo SOARES (2009), “Middleware é a camada de software localizada entre as aplicações (programa de uso final) e o sistema operacional. Seu objetivo é oferecer às aplicações suporte necessário para seu rápido e 53 fácil desenvolvimento, além de esconder os detalhes das camadas inferiores, bem como a heterogeneidade entre os diferentes sistemas operacionais e hardwares, definindo, para os que produzem conteúdo, uma visão única do aparelho.” De acordo com o portal Ginga.org: “Ginga® é o nome do Middleware Aberto do Sistema NipoBrasileiro de TV Digital (ISDB-TB) e Recomendação ITU-T para serviços IPTV. Ginga é constituído por um conjunto de tecnologias padronizadas e inovações brasileiras que o tornam a especificação de middleware mais avançada. O middleware aberto Ginga é subdividido em dois subsistemas principais interligados, que permitem o desenvolvimento de aplicações seguindo dois paradigmas de programação diferentes. Esses dois subsistemas são chamados de Ginga-NCL (para aplicações declarativas NCL) e Ginga-IMP (para aplicações seguindo uma linguagem imperativa).” O Ginga-NCL é obrigatório, enquanto a parte procedural é optativa. Hoje, a parte procedural é o Ginga J (JAVA) e foi implantado após uma longa discussão sobre royalties, discussão essa que não se aplica ao Ginga-NCL, que é software livre. Sobre linguagens declarativas e procedurais, SOARES (2009) esclarece: “Uma aplicação declarativa é aquela em que sua entidade “inicial” é do tipo “conteúdo declarativo”. Analogamente, uma aplicação procedural é aquela em que sua entidade “inicial” é do tipo “conteúdo procedural”. Um conteúdo declarativo é baseado (especificado) em uma linguagem declarativa, isto é, em uma linguagem que enfatiza a descrição declarativa do problema ao invés de sua decomposição numa implementação algorítmica. (…) Nas linguagens declarativas, o programador fornece apenas o conjunto de tarefas a serem realizadas, não estando preocupado com os detalhes de como o executor da 54 linguagem realmente implementará essas tarefas.. Linguagens declarativas resultam em uma declaração do resultado desejado, e, portanto, normalmente não necessitam de tantas linhas de código para definir uma certa tarefa. Entre as linguagens declarativas mais comuns estão a NCL (Nested Context Language), SMIL e XHTML.” O Ginga opera com dois sistemas: Ginga-NCL (declarativo) e Ginga-J (JAVA, ou seja, procedural). O Projeto Trapézio foi realizado em Ginga-NCL, exemplificando uma das grandes questões levantadas pelas normas do SBTVD, o acesso público não só no que concerne as questões de conectividade e inclusão digital, mas, principalmente, o acesso público à produção de conteúdo audiovisual e aplicações interativas. Segundo as palavras do próprio Luiz Fernando Soares, o “pai do Ginga”, em recente entrevista ao Portal Terra Magazine em 15 de agosto de 2011, “Foi com esse enfoque que a NCL foi projetada: uma linguagem simples e fácil de ser usada por não especialistas. Uma linguagem simples, a ponto de permitir receptores de baixo custo sem, no entanto, perder sua expressividade, sem limitar em nada a criatividade. Uma linguagem simples, mas muito mais expressiva do que todas as outras linguagens declarativas usadas em qualquer middleware para TV digital existente até os dias de hoje. Também com essa concepção, foram criadas as bibliotecas NCLua. Lua é hoje a linguagem mais usada no mundo na área de jogos e entretenimento, mas parte de nossa indústria de conteúdos parece ainda ignorar isso.” Aplicações multimídia, interativas ou não, trabalham com objetos de mídia, sincronizados espaço e temporalmente, servindo como linguagem de “cola” entre os diversos elementos de mídia, que permite a definição de seus sincronismos, segundo Normas ABNT NBR 15606-2:2007: 55 “Um documento NCL apenas define como os objetos de mídia são estruturados e relacionados no tempo e espaço. Como uma linguagem de cola, ela não restringe ou prescreve os tipos de conteúdo dos objetos de mídia. Nesse sentido, pode-se ter objetos de imagem (GIF, JPEG etc.), de vídeo (MPEG, MOV etc.), de áudio (MP3, WMA etc.), de texto (TXT, PDF etc.), de execução (Xlet, Lua etc.), entre outros, como objetos de mídia NCL. Quais objetos de mídia são suportados depende dos exibidores de mídia que estão acoplados ao formatador NCL (exibidor NCL). Um desses exibidores é o decodificador/exibidor MPEG-4, normalmente implementado em hardware no receptor de televisão digital. Dessa forma, o vídeo e o áudio MPEG-4 principal são tratados como todos os demais objetos de mídia que podem estar relacionados utilizando NCL. Durante a exibição do conteúdo de objetos de mídia são gerados vários eventos. Alguns exemplos são a apresentação de parte do conteúdo de um objeto de mídia, a seleção de parte do conteúdo de um objeto etc. Os eventos podem gerar ações sobre outros objetos de mídia, como iniciar ou terminar suas apresentações.” Para falar sobre a estrutura de funcionamento da linguagem, tomemos a explicação de HERWEG FILHO (2009): “NCM, Nested Context Model, é um modelo conceitual para representação e manipulação de documentos hipermídia que podem ser aninhados formando estruturas contextualizadas. É neste modelo que a linguagem NCL, Nested Context Language, se baseia. NCM é fundamentada no conceito de nodos e links, onde os nodos representam toda a informação e os links representam a relação entre os nodos, ou a maneira como a informação está organizada, formando, assim, estruturas que podem ser representadas por grafos. Os nodos, aqui também chamados de “nós”, e links, também chamados de “elos”, são as entidades base do modelo. 56 Existem dois tipos de nós: – Content Node (nó de conteúdo) ou media node (nó de mídia): Este tipo está associado a um elemento de mídia ou conteúdo, seja o elemento um arquivo de imagem, texto ou até mesmo um fragmento de outra linguagem Lua ou Java. – Composite node (nó de composição) ou context node (nó de contexto): Um nó de composição contém um conjunto de nós, que podem conter tanto nós de mídia como outros nós de contexto, recursivamente, formando, assim, estruturas aninhadas com vários níveis de contexto. Fig.52 Aninhamento de nós Na figura, pode-se observar o aninhamento de nós. Cada capítulo e seção representam um nó de informação, sendo que o capítulo representa um nó de contexto e a seção nós de conteúdo. As seções estão aninhadas nos capítulos, tornando visível a diferença entre os tipos de nós. Também seria possível que o nó representado o capítulo 2 estivesse inserido no nó que representa o capítulo 1, formando o aninhamento de nós de contexto. Para estabelecer o relacionamento entre nós, é necessária a criação de elos que são agrupados nas bases de elos pertencentes aos nós de composições, os elos estão representados pelas ligações entre os nós. Como veremos adiante, um elo faz referência a um conector hipermídia e a um conjunto de associações, denominados na linguagem de binds. 57 O relacionamento entre as partes internas do conteúdo de um nó é feito através de pontos de interface, que podem ser uma âncora ou uma porta. A Fig. 52 acima apresenta esses dois importantes conceitos: – Port (Portas): São pontos de interface de um contexto, não são usadas em nós de conteúdo. Servem de acesso ao conteúdo de um contexto, especificando um mapeamento para um ponto de interface de um dos nós internos do contexto. Na figura estão representadas pelos círculos na borda dos nós de contexto (capítulos). – Anchor (Âncoras): São pontos de interface para nós de mídia ou contexto representando um subjconjunto marcado de unidades de informação do conteúdo. Os tipos de âncoras variam de acordo com o tipo de conteúdo do nó. No caso de um nó de mídia representado por um texto, por exemplo, uma âncora poderia ser uma palavra, e em um nó de mídia representado por um arquivo de áudio, poderia ser um determinado intervalo de tempo da música. (…) De uma maneira geral, as portas e âncoras são os acessos externos de cada nó. Uma ideia mais aprofundada sobre os conceitos vistos até agora e outros é visível na figura: Ela introduz dois novos conceitos de NCM: – Connector (Conector): Um conector representa uma relação entre nós sem especificar quais nós fazem parte do relacionamento. Um conector define como os nós são ativados e que ações executam. Um conector é a peça que determina a dinâmica do modelo. Cada conector define os papéis (roles) que os nós de origem e de destino exercem nos elos que utilizam o conector. No Ginga-NCL, o sincronismo é feito por mecanismos de causalidade e restrição que são definidos nos conectores. – Role (Papel): Eles definem condições de ativação e as ações que devem ser realizadas com a sua ativação. O conector exporta, através de papéis, as interfaces para que os objetos tomem 58 partido na relação, identificando, como o próprio nome sugere, o papel de cada objeto no relacionamento. (…) Cada papel desempenha uma função de condição ou de ação. Estas funções são pré-definidas em NCM. São alguns papéis de condição: onBegin, onEnd, on Abort, onPause, onSelection. Papéis de ação: start, stop, abort, pause, resume, set. Portanto, um conector que define os seguintes papéis e mapeamentos entre eles: onBegin x start y , interpretaríamos a sequência da seguinte maneira: “ao iniciar x execute y”. Fig.53 Nós, conectores e papéis Através da figura (Fig.53) acima, podemos compreender melhor como os mecanismos de ação e condição agem sobre o conector, assim como o papel de cada elemento no contexto. Esta figura mostra três nós, N1, N2 e N3, ligados, semanticamente, por um conector que define três papéis, onSelection, set e start. Em termos de linguagem, cada nó se associa ao seu papel através do elemento bind. Portanto, o nó N1, ao definir um papel condicional onSelection, passa a ser o gatilho para os nós N2 e N3, dependendo da seleção escolhida durante a execução do conector. O módulo ConnectorBase define um elemento chamado 59 <connectorbase> que agrupa todos os conectores. Arquivos de conectores podem ser usados em diversos documentos e podem formar uma biblioteca de conectores permanentes (reuso). A modularização é de grande auxílio para compreensão organizada da estrutura do documento. Elementos são inseridos e relacionados de forma lógica. Pequenos fragmentos de código são declarados e simples estruturas como conectores são definidos para que um complexo e completo documento NCL seja formado.” Um documento NCL é composto de duas partes principais: cabeçalho (<head>) e corpo (<body>). No cabeçalho estão as bases de informação que especificam onde e como o conteúdo deve ser exibido. No caso abaixo, temos o cabeçalho (<head>) do documento Trap-Principal, ou seja, o contexto “pai”, importando os contexto “filhos” e definindo a região de tela. <head> <importedDocumentBase> <importNCL alias="nclFilme" documentURI="Trap-Filme.ncl" /> <importNCL alias="nclBio" documentURI="Trap-Bio.ncl" /> <importNCL alias="nclFoto" documentURI="Trap-Foto.ncl" /> <importNCL alias="nclFicha" documentURI="Trap-Ficha.ncl" /> </importedDocumentBase> <regionBase> <region height="100%" id="rgTela" width="100%"/> <region id="rgTexto" height="3" top="10" width="100%"/> <region height="84%" id="rgVideoMaster" top="0" zIndex="1"/> width="100%" </regionBase> <descriptorBase> <descriptor id="dTexto" region="rgTexto"/> <descriptor id="dVideoMaster" region="rgVideoMaster"> <descriptorParam name="fit" value="meet"/> </descriptor> </descriptorBase> <connectorBase> <importBase alias="connBase" documentURI="composerConnectorBase.conn"/> <causalConnector id="OnSelectAbortNStartSet"> <connectorParam name="keyCode"/> <connectorParam name="var"/> <simpleCondition role="onSelection" key="$keyCode"/> <compoundAction operator="seq"> <simpleAction role="abort" max="unbounded" qualifier="seq"/> <simpleAction role="set" value="$var" max="unbounded" qualifier="par"/> <simpleAction role="start" max="unbounded" qualifier="seq"/> </compoundAction> </causalConnector> 60 No corpo (<body>) está descrito o que é o conteúdo a ser exibido e quando isso deve ser feito. <body> <!-- COMEÇO --> <port component="VMenuLoop" id="pMenuLoop"/> <port component="VMenuFinal" id="pMenuFinal"/> <!-- MEDIAS --> <!-- VIDEOS Menu --> <media id="VMenuLoop" src="media/MenuLoop.mov" descriptor="dVideo"> </media> <media id="VMenuFinal" src="media/MenuFinal.mov" descriptor="dVideo"> </media> <!-- VIDEOS Trapezista --> <media descriptor="dVideo" id="V1T" src="media/01T.mov"> <area id="icones1T" begin="8.0s" end="20.0s"/> <area id="saida1T-7E01" begin="0.0s" end="23.5s"/> </media> <media descriptor="dVideo" id="V2T" src="media/02T.mov"> <area id="icones2TEq" begin="8.0s"/> <area id="icones2TCon" begin="15.0s"/> <area id="saida2T-1E01" begin="0.0s" end="20.0s"/> <area id="saida2T-4C01" begin="0.0s" end="52.5s"/> </media> A estrutura do documento NCL poderia ser resumida desta maneira: os nós de contexto podem aninhar nós de mídia ou outros nós de contexto, recursivamente. As ligações entre os contextos e dentro destes, ou seja, a interatividade propriamente dita, são dadas através do par conector/elo definidos por seus papéis. Os conectores ligam-se às âncoras de cada interface permitindo o controle da interatividade. 4.4.2 A Estrutura do Projeto Trapézio Como mostrado na acima (em <head>), o Projeto Trapézio também é composto de nós de contexto, que são cinco, sendo um deles o principal, de onde podem ser acessados os outros quatro contextos, como segue: 1. Contexto Principal: É onde estão localizados os vídeos Menu, MenuFinal e MenuLoop. O vídeo Menu é também a porta, ou seja, assim que o aplicativo inicia, este vídeo é exibido obrigatoriamente. Nele, temos a abertura do filme e um breve “tutorial de usabilidade” apresentado pelo personagem Trapezista, além de uma sinopse da trama. Ao final deste vídeo , 61 quando o personagem nos convida a interagir , inicia-se o vídeo MenuLoop (através do conector <onEndStart>). Isso foi feito pois é necessário deixar, nesse primeiro momento, o espectador com tempo livre para escolher qual episódio quer assistir. <!-- Link Natural --> <link id="lMenu1" xconnector="connBase#onEndStartNSetN"> <bind component="VMenu" role="onEnd"/> <bind component="CtxFilme" interface="pMenuLoop" role="start"/> <bind component="CtxSettings" interface="cCtxFilme" role="set"> <bindParam name="var" value="f"/> </bind> </link> O vídeo MenuFinal consiste na parte final do vídeo Menu, contando com a última fala de Trapezista, em que ele convida o espectador a interagir. Este vídeo inicia toda vez que uma cena final (07A, 07C, 07E e 07E_01, 07T) termina, através de um conector <onEndStart>, obrigatoriamente. Ao final do objeto de mídia MenuFinal, inicia-se MenuLoop (<onEndStart>). O objeto de mídia MenuFinal também é acessado através do botão Azul do controle remoto ou emulador, conforme explicado durante o Menu, possibilitando ao espectador reiniciar a história a partir de um novo ponto de vista. As interfaces para início dos episódios estão localizadas apenas no objeto de mídia MenuLoop, simplificando a programação. 2. Contexto Filme: Justamente pela própria estrutura da linguagem do Ginga, fundamentada nos objetos de mídia ( ou como disse HERWEG (2009), em “módulos”) foi necessário pensar a estrutura da narrativa de maneira modularizada, dividindo os “episódios” em cenas e estas replicadas de acordo com o seu número de entradas na cena. Isso porque, apesar de ser possível definir diversas âncoras em um único objeto de mídia e, portanto, fazer aparecer a interface dos botões, e, consequentemente a interação para um outro objeto de mídia, não achamos ser possível dar o comando “start” a um objeto de mídia em uma “âncora de entrada”, tendo, por isso que dividir os episódios em tantos arquivos quantos fossem as entradas. Uma explicação mais detalhada, sobre a questão das âncoras no Projeto Trapézio, segue: Como visto, âncoras são trechos de tempo do vídeo; são usadas para tocar legenda, como no exemplo : 62 O código acima diz que no tempo 5s a 9s, temos a âncora para a legenda aVideoLegenda1, que vai carregar o arquivo de legenda especificado previamente, durante esse tempo (5s a 9s). As âncoras são comumente usadas para tocar legendas, “startando” no trecho determinado um objeto de mídia que contém a legenda (um texto). No caso do Projeto Trapézio, temos uma âncora que apenas “starta” os ícones (GIF), ou seja, naquele determinado trecho do objeto de mídia 01T, temos a exibição do ícone da Equilibrista, por exemplo. E outra âncora, na qual é atrelado o verificador de saída. As âncoras em 01T: <media descriptor="dVideo" id="V1T" src="media/01T.mov"> <area id="icones1T" begin="8.0s" end="20.0s"/> <area id="saida1T-7E01" begin="0.0s" end="23.5s"/> </media> A interface “ícones1T”, startada pela âncora, e cuja exibição é determinada pelo conector OnBeginStartNDelayStopN (assim não é preciso também programar a sua saída), que exibe o BtEq1 (botão Equilibrista): <link xconnector="connBase#onBeginStartNDelayStopN"> <linkParam name="delay" value="8.0s"/> <bind component="V1T" interface="icones1T" role="onBegin"/> <bind component="BtEq1" role="start"/> <bind component="BtEq1" role="stop"/> A interface “saída1T-7E01”, que ao seu final é aplicado um verificador de saída que valida se houve seleção do botão da Equilibrista (que foi startado pela interface “ícones 1T”) e se, portanto, deve ser feita a interação para o objeto de mídia V7E01 (cena 07 da Equilibrista, no ponto de entrada 01) 63 <link id="Saida1T-7E" xconnector="OnEndAttNodeTestStartNAbortNStopNSetN"> <bind role="onEnd" component="V1T" interface="saida1T-7E01"/> <bind role="attNodeTest" component="nodeSettings" interface="cBtEq"> <bindParam name="value" value="1"/> </bind> <bind role="start" component="V7E01"/> <bind role="abort" component="V1T"/> <bind role="abort" component="BtTempo"/> <bind component="nodeSettings" interface="cBtEq" role="set"> <bindParam name="var" value="0"/> </bind> </link> Quando um ícone é selecionado, acontecem duas coisas: 1. Os ícones de interação saem e começa o ícone de tempo. 2. Fica “setado” o valor positivo “ENTER” <link id="EscolhaEq1" xconnector="TandreOnSelectSetNStopNStartN"> <bind component="BtEq1" role="onSelection"> <bindParam name="keyCode" value="ENTER"/> </bind> <bind component="nodeSettings" interface="cBtEq" role="set"> <bindParam name="var" value="1"/> </bind> <bind component="BtTra2" role="stop"/> <bind component="BtCon2" role="stop"/> <bind component="BtEq1" role="stop"/> <bind component="BtAnao2" role="stop"/> <bind component="BtTempo" role="start"/> Nos trechos destacados em azul, vemos, no primeiro, o verificador de saída <onEndAttNodeTest...> que valida o parâmetro <value=”1”>, que foi determinado com a seleção destacada no segundo trecho azul <...OnSelectSet...> <value=”1”>. No trecho destacado em laranja, vemos que, quando o parâmetro de seleção for positivo (conforme explicado sobre os trechos em azul), o objeto de mídia V7E01 deve ser iniciado. Se fossemos trabalhar com um objeto de mídia único, deveríamos teoricamente criar âncoras de saída (como as que foram criadas e explicadas acima) e âncoras de entrada. Porém vimos que a âncora é um trecho de tempo do objeto de mídia, não um ponto único. E, portanto, não parece possível, ou no nosso caso, não funcionaria “startar” uma âncora de um objeto de mídia, ou startar um trecho do vídeo que eu gostaria que fosse tocado inteiro. Poderia talvez criar uma âncora que fosse até o final do vídeo, e ainda assim não sei se isso funcionaria. Essas são reflexões teóricas que mal podíamos ter ao início do projeto por simples falta de conhecimento mais aprofundado da linguagem Ginga-NCL, com a qual fomos nos familiarizando empiricamente. Ainda hoje acho que a estrutura que construímos faz muito mais sentido do que as possibilidades levantadas nesse último parágrafo acerca dos 64 pontos de entrada das interações. Até aqui foram explicadas as razões das subdivisões dos episódios em pontos de entrada, mas ainda preciso explicar porque foram também subdivididos em cenas, já que, salvo alguns casos, os inícios das cenas não são pontos de interação. Ocasionando, assim, transições entre uma cena e sua natural seqüência, já que há delay entre o término de um arquivo e o início de outro. Se quiséssemos não ter transições entre as cenas de um episódio, no caso, por exemplo, do usuário interagir até certo ponto e depois querer continuar assistindo o mesmo episódio sem interagir, todos os objetos de mídia deveriam, então, ir até o final do episódio. Por exemplo: da cena 01A até o final, da cena 01A_01 até o final, da cena 01A_02 até o final, da cena 02A_01 até o final e assim por diante, gerando da mesma maneira muitos arquivos porém, extremamente grandes. Além disso seria necessário criar âncoras em cada um desses objetos de mídia, o que seria um esforço pouco eficiente, já que no caso, por exemplo, do objeto de mídia que iria de 01A até o final teriam pontos de interação ao 00:28, 00:34 e 01:10, ao passo que no objeto de mídia que inicia-se em 01A_01 esses timecodes seriam diferentes, pois referem-se ao tempo total. A divisão dos episódios em módulos foi, portanto, a decisão mais eficiente, permitindo a criação de um documento NCL relativamente simples, programando os links naturais entre as cenas subseqüentes de um mesmo episódio e também programando a interação entre elas. Isso foi feito da seguinte maneira: Links Naturais: Quando termina a interface de interação atribuída a um nó de mídia, é aplicado um teste de variável, determinando, assim, se houve seleção de interação por parte do espectador. Se a variável for nula, ou seja, se não foi selecionada a interação o nó de mídia segue normalmente ao seu fim, abortando os ícones de interação. Chegando ao final de um nó de mídia 1E, por exemplo, seu link natural é 2E, e assim sucessivamente, levando o espectador que não interage a assistir um episódio completo (cenas 1E, 2E, 3E, 4E, 5E, 6E, 7E). Ao final deste, ele automaticamente retorna ao MenuFinal, que o convida a assistir mais uma vez, a partir de um novo ponto de vista, interagindo, sempre através do conector <onEndStart>. 65 <!-- Links naturais Trapezista --> <link id="lT1" xconnector="connBase#onEndStart"> <bind component="V1T" role="onEnd"/> <bind component="V2T" role="start"/> </link> <link id="lT2" xconnector="connBase#onEndStart"> <bind component="V2T" role="onEnd"/> <bind component="V3T" role="start"/> </link> Da mesma maneira, os objetos de mídia que se referem às divisões das cenas em pontos de entrada (02T_01, por exemplo) também tem o conector <onEndStart> ao seu final, iniciando naturalmente a cena 03T, no caso, ou em regra geral, a sua cena subsequente. <link id="lT201" xconnector="connBase#onEndStart"> <bind component="V2T01" role="onEnd"/> <bind component="V3T" role="start"/> </link> Links com interação: Regra geral, não há mais de duas possibilidades de interação por cena, por motivos de qualidade de leitura. Retomando explicações dadas acima, acerca do funcionamento das âncoras, faço aqui um resumo de como se dá a interação apenas a fim de reforçar tais conceitos. Ao início de um nó de mídia – uma cena , seja ela “inteira” (1E) ou já “dividida”, decorrente de outra interação (1E01) – inicia-se a âncora, trazendo as interfaces (botões) correspondentes ao link de saída. <link xconnector="connBase#onBeginStartNDelayStopN"> <linkParam name="delay" value="10s"/> <bind component="V1E" interface="icones1E" role="onBegin"/> <bind component="BtCon1" role="start"/> <bind component="BtCon1" role="stop"/> Quando um dos botões é selecionado, todos os botões são automaticamente apagados e inicia um ícone de “tempo”, indicando que a ação de interagir teve um resultado, e que o espectador deverá esperar para ver a interação. Desta maneira, ele será levado a uma outra cena somente no momento certo, após uma fala ou ação especifica, conforme explicado na seção 4.2. Ao final da interface dos botões, é aplicado um teste de variável, se esta for “1”, houve a seleção, e a saída da cena se dá antes do seu final natural, ou seja, se dá ao final da âncora programada. Portanto, quando um botão é selecionado, todos os botões recebem o 66 comando “stop” e o botão “tempo” é iniciado. Isso ainda não deu ao programa o comando de mudança de cena que será feito somente pelo controle de variável (verificador de saída) 3. Contexto Bio, Ficha Técnica e Galeria de Imagens: Referem-se aos contextos onde são apresentados os textos da História do Circo e Biografia dos Personagens (Botão Vermelho); Ficha Técnica da equipe e agradecimentos (Botão Verde) e Galeria de Imagens, com fotos de making of (Botão Amarelo). A programação dos contextos ligados aos botões coloridos foi pensada de modo que quando selecionado algum dos botões, este pára (pause) o nó de mídia que está sendo exibido e mostra o novo contexto selecionado. Quando o espectador volta à assistir a cena, volta a partir do mesmo ponto em que deixou (resume), inclusive com interfaces selecionadas, se for o caso. É possível também navegar entre esses contextos “extra” e voltar ao contexto Filme no mesmo ponto. Isso graças à estrutura baseada nos nós de contexto e ao fato de que os controladores desses botões estão no contexto principal. Para que isso fosse possível, foi necessário uma programação “redundante”: sempre que um botão colorido for acionado (onSelection) os outros são abortados. Assim como toda vez que o botão colorido referente ao contexto que está em exibição é acionado, esse contexto é abortado e e o contexto Filme é resumido. Dentro de cada um desses contextos ainda teve que ser programada uma navegação entre as páginas e fotos. No caso dos contextos Bio e Ficha Técnica, contamos com uma imagem de background sobreposta pelos arquivos de texto, em transparência, possibilitando, assim, um 67 “scroll” dos textos, através das setas direcionais verticais. Esse “scroll” na verdade refere-se à mudança de páginas, que são exibidas e abortadas através da seleção de “cursor Up” ou “cursor Down”. No contexto Bio ainda foi necessário programar a navegação para as biografias dos personagens. Como o texto “A história do circo” é a porta do contexto Bio, ele é visualizado assim que o contexto é acionado, não sendo possível voltar a ele depois que alguma das biografias for acessada. Isso se deve ao fato de que não existia mais lugar possível para colocar tal interface de volta ao texto sobre o circo. As setas verticais navegam pelas páginas, enquanto as setas horizontais navegam para a escolha das biografias, através dos ícones dispostos da mesma maneira que no Menu, para a interação na narrativa, conforme Figura 48. Para o contexto Foto, chamado de “Galeria de Imagens”, foi programada uma página inicial, onde se vêem os thumbnails de todas as fotos, que podem ser navegadas pelas setas direcionais, Up, Down, Left e Right, e quanto selecionadas através do botão OK, a imagem é aumentada. Fig.54 O Contexto "Foto" <descriptorBase> <descriptor id="dVideoFoto" region="rgVideoFoto"/> <descriptor id="dTelaBlackFoto" region="rgTelaBlackFoto"/> <descriptor id="dFoto11" region="rgFoto11" focusBorderWidth="1" moveLeft="14" moveRight="12" moveUp="31" moveDown="21"> <descriptorParam name="fit" value="slice"/> focusIndex="11" 68 O Botão Azul tem a função de abortar todos os outros contextos e voltar ao contexto Principal, exibindo o objeto de mídia MenuFinal, que, por sua vez exibirá o MenuLoop, possibilitando ao espectador recomeçar a assistir a história sob um outro ponto de vista ou também continuar acessando os contextos “extras”. Essa programação é muito importante porque sempre deve ser dado ao usuário de uma obra interativa a possibilidade de recomeçar, não interrompendo nunca o fluxo de informação e mantendo-o ligado ao aplicativo. <link id="BtAzul" xconnector="OnSelectAbortNStartSet"> <bind component="tx1" role="onSelection"> <bindParam name="keyCode" value="BLUE"/> </bind> <bind component="CtxFilme" role="abort"/> <bind component="CtxBio" role="abort"/> <bind component="CtxFicha" role="abort"/> <bind component="CtxFoto" role="abort"/> <bind role="set" component="CtxSettings" interface="cCtxFilme" > <bindParam name="var" value="f"/> </bind> <bind component="CtxFilme" interface="pMenuLoop" role="start"/> </link> 4.4.3 Dificuldades e Soluções O Composer Composer é uma ferramenta de autoria de documentos NCL, cuja interface permite a não programadores a criação de aplicativos interativos para a TVDI. Inicialmente, o Projeto Trapézio começou a ser desenvolvido em tal ferramenta, porém esta apresentava inúmeras falhas, não executando de maneira correta nem mesmo a inserção de conectores causais simples como <onEndStart>, impossibilitando a primeira fase de programação, referente às seqüências de “links naturais”. A partir de um primeiro esboço de documento NCL gerado pelo Composer (com algumas tentativas de links naturais de cena), o Prof. Valdecir Becker, a convite do Prof. Dr. Almir Almas nos instruiu sobre a construção de documentos NCL no Eclipse, usando diretamente a linguagem declarativa. Desde então o projeto foi escrito em tal ferramenta pelo colega Thiago Afonso de André, já familiarizado com linguagem de programação. A ferramenta Composer (de autoria do mesmo Laboratório 69 Telemidia PUC-RIO que desenvolve o Ginga) foi descontinuada e hoje está para ser lançada a ferramenta Berimbau (de autoria independente)1, com as mesmas intenções iniciais do Composer, ou seja, criar uma ferramenta de autoria para não-programadores. O Arquivo “Invisível”: O primeiro problema, ainda durante a fase de testes dos links naturais foi que ao final de um nó de mídia o programa abortava ao invés de ir naturalmente para o outro link ao qual foi programado (link natural ou de interação). Atribuímos isso a uma certa fragilidade do sistema que por ter delay entre comandos (“OnEnd” video 1E, “Start” video 2E) , ficando uma fração de tempo sem rodar nenhuma mídia, automaticamente abortava. Criamos, então um arquivo de texto vazio, que roda paralelamente numa camada muito abaixo das camadas onde ficam os contextos (através de atribuições de zIndex diversos). Dessa maneira, eliminamos o problema da máquina virtual abortar, mas ganhamos um pequeno defeito na imagem, pois a cada mudança de cena, ou tela preta se vê uma interferência, relativa a esse arquivo “invisível” em exibição permanente. Apesar de não ser esteticamente aceitável, foi uma solução que possibilitou a consistência da aplicação. Tal arquivo também está localizado no contexto Principal. Focus Index: O segundo grande problema foi a questão do Focus Index. O Focus Index diz ao programa qual item é o primeiro relacionado à navegação pelas setas direcionais, isso sempre atribuído a uma área. Não tínhamos problema durante o Menu, onde todos os ícones estavam ativos. Mas durante as cenas, percebemos que a programação não iria funcionar desta maneira, atribuindo o botão de cada personagem a uma região especifica de tela em seu descritor, onde neste também estava descrito o focus index. Numa situação em que 1 Berimbau iTV Author. Foi lançada a versão beta em 23/11/2011. Disponível para download grátis em http://www.batuque.tv/tour 70 aparecessem dois botoes que não fossem vizinhos, o focus index não operava, pois ele não poderia saltar do “2” para o “4” sem passar pelo “3” que, no entanto, não estava ativo. A solução, visualizada por mim (falo disso com grande orgulho e como exemplo de que entendendo o funcionamento do ambiente NCL é fácil visualizar soluções e caminhos diferentes de programar, apesar do pouco conhecimento em linguagens de programação), foi a de criar regiões de botões, não atribuídas a um botão específico, mas regiões 1, 2, 3 e 4 e os botões seriam atribuídos especificamente a cada interface em uma determinada região. Fig.55 Icones nas regiões 1,2,3 e 4 (da direita para esquerda) Fig.56 Icones diferentes ocupam regiões 1 e 2 Como no máximo temos duas interfaces de interação, ou dois botões simultâneos, as regiões mais usadas são a 1 e 2, e o focus index opera normalmente. Ou seja, durante a exibição do contexto Filme, os ícones aparecem da direita para a esquerda, ocupando as regiões 1 e 2. Tal solução acarretou algumas linhas a mais na programação, que teve que ser específica para cada no de mídia, mas foi simplesmente a solução para o maior problema de todos. Depois disso, iniciaram-se os testes de usabilidade. MOVs X GIFs animados: O aplicativo não aceita arquivos de mídia do tipo .MOV com transparência nem .GIF animado, o que dificultou a exibição dos ícones dos personagens, uma vez que são 71 animações. O formato gif seria o mais indicado, já que não precisaria ser programado, ou seja, bastaria inseri-lo na programação para que a animação funcionasse ininterruptamente. Por outro lado, usar os ícones em .mov implicaria na programação de seu loop, gerando mais linhas de código e um aplicativo um pouco mais pesado, com mídias maiores. A questão da transparência no arquivo .mov deixou de ser um problema a partir da divisão da região de tela, conforme explicado anteriormente, deixando um espaço abaixo da área do vídeo dedicado aos ícones que, assim, foram refeitos sem a transparência, com fundo preto. A transparência seria essencial no caso de aplicações dos ícones sobre o vídeo. As informações sobre o uso de objetos de mídia em formato .gif animado também não ficam claras na literatura sobre o tema, nem mesmo na norma ABNT NBR 15606-2:2007 Outra questão importante relaciona-se a isso. Como direi a seguir, no teste de usabilidade foi encontrado um problema na seleção de interação no Menu. Isso se devia ao fato de que os loops dos objetos de mídia “ícones” tinham durações diferentes, por conta da própria animação interna deles. Sendo assim, tinham ícones que iniciavam pela segunda vez enquanto outro ainda estava sendo exibido pela primeira. Sem o comando <abort>, era como se começasse um ícone sobreposto a outro, impossibilitando uma interação que funcionasse, já que o aplicativo não entendia em qual interface estava sendo feita a interação. Por isso a necessidade de usar o arquivo GIF. Para a apresentação do protótipo, optou-se por usar o arquivo em GIF, perdendo a animação do ícone num primeiro momento, mas com esperanças de que tal problema se resolva quando o aplicativo rodar no set top box e não mais na máquina virtual. 4.4.4 Testes de Usabilidade Os primeiros testes correspondem à busca por falhas na programação. Visualizei poucas, principalmente relacionadas a nomes ou comando errados (btAnao ao invés 72 de BtAnao, por exemplo, já impede que o documento acesse a mídia correspondente ao ícone de Anão) ou à falta de alguma linhas de código, por simples distração, como esquecer de programar o link natural <onEndStart> entre o objeto de mídia 07E_02 e MenuFinal. Outro problema, mais grave, observado era em relação à falha de saída quando o botão era selecionado no segundo loop do video Menu. Por conta disso, colocamos a interface que acessa os episódios apenas no objeto de mídia MenuLoop, e com os arquivos em GIF, para não ter ainda a questão do loop dos ícones, conforme explicado acima. Ainda foram feitas alterações referentes aos tempos de interface e pontos de saída, pois essas não podem ser escritas em timecode, apenas em segundos, gerando uma leve imprecisão de tais pontos de interação que devem ser bem específicos, como falas e planos. Para quem trabalha com audiovisual é difícil não poder usar os frames para precisar um corte. A notação de tempo no documento NCL deve ser feita em 1.0s ou 1.2s , por exemplo. Levando-se em conta isso podemos ter uma imprecisão de quase 10 frames, o que pode acarretar em “sobras” de imagem ou falas nos pontos de interação. Esses pontos foram revistos e alguns foram ajustados. Com relação à fruição da narrativa, o que pude perceber é que o espectador tende a não interagir no primeiro episódio assistido, começando a interagir ao final deste, quando a partir do retorno ao MenuFinal, Trapezista nos convida a interagir novamente. Sobre isso, uma frase de um espectador me chamou a atenção: “Porque eu vou interagir agora se eu nem vi nada?”. A partir do segundo episódio assistido, o número de interações é exponencialmente maior. Creio que isso se deva ao fato de o espectador já estar mais familiarizado com a interface, em primeiro lugar, e também mais familiarizado com a história. Retomando ECO (2003), GOSCIOLA (2003) disserta sobre a interação em obras audiovisuais interativas, “ao serem acessados pelo usuário através dos relacionamentos que escolher, gerarão um fenômeno de outra ordem, uma experiência nova a cada navegação, uma nova percepção dos conteúdos observados e, consequentemente, diferentes respostas a cada acesso (2003, p. 114).” Com isso chego às considerações finais do projeto. 73 5. Conclusão A interatividade é inerente ao processo comunicativo humano e as tecnologias da comunicação são provas e consequências disso. É nosso dever, enquanto produtores audiovisuais, pensar o panorama que se abre a cada novo avanço tecnológico, uma vez que isso implica em novas poéticas de construção da obra audiovisual. A ressignificação da narrativa não-linear, desenvolvida em novos suportes vêm ao encontro de um vácuo estético que se abre com a implementação da TV Digital Interativa Brasileira, tecnologia nacional com grandes potenciais, mas ainda pouco explorada. É necessário pensar também novos modelos de negócios para esse novo panorama de mercado, onde o fluxo de programação deve ser reestruturado. As aplicações interativas podem vir aliadas à publicidade, como no caso do aplicativo para o Brasileirão 2011, e os novos canais que se abrem no espectro podem trazer conteúdos interativos mais complexos sem mexer no fluxo de programação do canal principal, mas oferecendo um serviço de maior qualidade ao espectador que poderia não apenas ver os resumos dos capítulos, mas acessar o canal de interatividade, por exemplo, e assistir a um outro final para a novela. Essas são questões que começam a ser discutidas, agora que a interatividade na TV Digital é uma realidade. Com o presente texto ofereci um panorama deste trabalho, desenvolvido ao longo dos últimos dois anos, mostrando a importância de se pensar a narrativa audiovisual como um produto interativo, as novas questões que envolvem direção, fotografia e montagem tendo em vista a etapa de programação e como o design de interação entra nesse processo, de maneira inédita, aliando usabilidade e estética, programação e narrativa. A interatividade como ferramenta dramática e não um fim em si mesma, tornando assim o Projeto Trapézio, um estudo completo na área de narrativa interativa para a TV Digital Brasileira. 74 6. Bibliografia ALMAS, Almir e JOLY, Ana Vitória. “Televisão Digital Brasileira e Acesso Público”, in SQUIRRA, S. e BECKER, V. (orgs.) TV Digital.Br Conceitos e Estudos sobre o ISDB-Tb SãoPaulo, Ateliê Editorial, 2009 ANGELUCI, Alan “O Serviço de Interatividade e o Estágio de Adornamento: estudos preliminares na televisão digital aberta brasileira” . Trabalho apresentado no II SIMTVD na Unesp, Bauru, novembro/2011 ECO, Umberto. Obra Aberta (1968). São Paulo, Perspectiva. 9a. Edição, 2a. Reimpressão, 2003 GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as Novas Mídias. São Paulo, Editora Senac, 2003 HERWEG FILHO, Gunter. “A Linguagem NCL e o Desenvolvimento de Aplicações Declarativas para a TV Interativa”. In: SQUIRRA, S. e BECKER, V. (orgs.) TV Digital.Br Conceitos e Estudos sobre o ISDB-Tb SãoPaulo, Ateliê Editorial, 2009 LEONE, Eduardo e DOURÃO, Maria Dora. Cinema e Montagem . São Paulo, Ática, 1993 LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência.São Paulo, Editora 34, 1993. MANETTI, Giovanni. L'enunciazione. Dalla svolta communicativa ai nuovi media. Milano, Mondadori Università, 2008. MANOVICH, Lev. “Database as a symbolic form”, 1998 _______________. “Interaction as an aesthetic event”, 2006 Disponíveis em <www.manovich.net> . Acesso em 20/09/2011 MEADOWS, Mark Stephen. Pause and Effect: The Art of Interactive Narrative. Indianopolis, New Riders, 2003. NUNES, Pedro (org.) Mídias Digitais e Interatividade. João Pessoa, Editora Universitária da UFPB, 2009 PLAZA, Julio. “Arte e Interatividade: autor-obra-recepção”. Disponível em http://www.cap.eca.usp.br/ars2.htm . Acesso em 20/11/2011 SANTAELLA, Lúcia. Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo, Editora Paulus, 2007 SANT'ANNA SHATZ, Thomas. Hollywood Genres. Temple University Press, 1981 SOARES, Luis Fernando. “Ambiente para Desenvolvimento de Aplicações Declarativas para a TV Digital Brasileira. In SQUIRRA, S. e BECKER, V. (orgs.) TV Digital.Br Conceitos e Estudos sobre o ISDB-Tb São Paulo, Ateliê Editorial, 2009 ____________________. “TV Digital: governo perder as rédeas do processo” . Disponível em: http://smeira.blog.terra.com.br/2011/08/15/tv-digital-governo-perdeu-as-rdeas-do-processo/ . 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